Medeia Magazine 18 - Julho Agosto 2015

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Julho | Agosto 2015

François Ozon envolve-nos num jogo de ilusões

UMA NOVA AMIGA A vida de Brian Wilson, a mente criativa dos Beach Boys

LOVE & MERCY

REGRESSO A CASA A nova obra de Zhang Yimou

OBrigitte ASTRÁGALO Sy adapta o romance de Albertine Sarrazin

JACQUES TATI

Este Verão veja a obra completa do cineasta

JULHO | AGOSTO 2015

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EDITORIAL

O ASTRÁGALO

Vamos ao cinema?

DE BRIGITTE

L’ASTRAGALE

SY

ESTREIA 9 JUL

EXCLU

CINEMSIVO AS M

EDEIA

Dur: 96 min

COM LEÏLA BEKHTI, REDA KATEB, ESTHER GARREL, JOCELYNE DESVERCHÈRE

Chegou o Verão, e com ele os dias grandes e quentes. Puxando o gelo ao nosso copo, a sala de cinema é o melhor refúgio ao calor da rua. E um lugar de inúmeras descobertas. Ou redescobertas, como os clássicos Ingmar Bergman, com um novo ciclo, e Jacques Tati, com a obra integral em cópias digitais exemplarmente restauradas (longas e curtas, algumas inéditas); “Verão com Jacques Tati” é um ciclo “para ver de sorriso aberto, de orelha a orelha”, como dizia o Eduardo Guerra Carneiro. E depois, temos muitas estreias, na sua grande parte em exclusivo nos cinemas Medeia, numa programação diversificada, oriunda de cinematografias variadas, uma espécie de viagem à volta do mundo, de que lhe damos conta nas páginas desta revista, que a/o acompanhará nos meses de Julho e Agosto. Como dizia Serge Daney, citado por Eduardo Prado Coelho a propósito da cinefilia, “ver o mundo como o cinema vê o mundo [é] a melhor forma de tremer face ao medo, de olhar uma árvore ao fim do dia, de cantar numa praia nocturna e sonhar com o tesouro dos piratas ou de tocar os cabelos de uma mulher”.

Vamos ao cinema?

Programação sujeita a alterações de última hora. Confirme sempre em www.medeiafilmes.com Equipa Director: Paulo Branco Edição e Textos: António Costa Renata Curado e Diana Cipriano Design: André Carvalho e Catarina Sampaio Capa: Verão com Jacques Tati

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Uma adaptação do romance autobiográfico de Albertine Sarrazin, esta é a história de um amor louco, de uma jovem de 19 anos por um homem que a salva quando foge da prisão, e de como este amor irá arrebatá-la.

A fractura de um osso, o astrágalo, despoleta a acção do novo filme de Brigitte Sy, que a revista Les Inrockuptibles descreve como “um filme livre”, que, embora evocando uma época (a França de finais dos anos 1950), tem “uma vibração profundamente contemporânea”. “O filme reconstitui no seu todo: os factos, e a escrita dos factos pela narradora-personagem, os seus manuscritos esparsos nos lençóis amarrotados. E o quadro, a França durante a guerra da Argélia, pelos meios do cinema de época, um branco e negro capitoso, pré-Nouvelle Vague, com todos os violinos do mundo. Sem olhar às promessas do tempo passado, consertadas pelos artifícios da arte, os décors e figurinos, com a deslumbrante prosa de Sarrazin em voz-off, lida ao decorrer dos planos. E o trabalho contrastado do som, em busca de Jean Grémillon e Marcel Hanoun, cineastas daquele tempo”, acrescenta Luc Chessel, na mesma publicação. Esta busca é consciente e a própria realizadora fala sobre a ela: “Antes da rodagem, descobri o Une Simple Histoire de Marcel Hanoun, filmado em 1957. Vi os planos e a iluminação que tinha imaginado para o meu filme. Pensei então que as exigências formais daquele filme rodado em 1957 seriam um exemplo para mim e uma referência estilística dos décors que queríamos representar no nosso filme. Através da sobriedade dos planos e do rigoroso trabalho com a luz, pensámos que seria possível recriar credivelmente esta época e as ruas de Paris em que os passos de Albertine Sarrazin ainda ressoam.” Reconstituição de um período que vale pelo sentimento nostálgico que captura, este é um filme evocativo de uma época mágica que passou, alicerçado nas palavras de uma autora que viveu tão intensamente como escreveu.


ESTREIAS CINEMA

AMY AMY

DE ASIF

ESTREIA 16 JUL

KAPADIA

Dur: 128 min

Depois de Senna (2010), documentário sobre a vida do icónico piloto Ayrton Senna, o realizador Asif Kapadia volta a retratar a vida de uma estrela mundial precocemente desaparecida, a cantora britânica Amy Winehouse. O talento e carisma de Amy Winehouse tornaram-na mundialmente conhecida e a sua morte, causada pelo abuso de álcool aos 27 anos, deixou o mundo em estado de choque. “É uma história esmagadora”, refere Peter Bradshaw no jornal The Guardian a respeito de Amy. O documentário começa com um regresso à adolescência de Amy Winehouse, até ao momento em que a vida da cantora foi marcada por várias situações como o divórcio dos pais e distúrbios alimentares. Para construir a sua narrativa, Asif Kapadia recorre a imagens de arquivo e utiliza uma grande quantidade de vídeos privados, feitos por amigos e pessoas próximas de Amy Winehouse. Para realizar Amy, Asif Kapadia falou com quase 100 pessoas incluindo os pais de Amy, o seu primeiro agente, duas amigas de infância

e o ex-marido, Blake Fielder-Civil, de quem apenas ouvimos depoimentos, uma vez que não surgem à frente da câmara. A música está também naturalmente presente ao longo de todo o filme: Asif Kapadia inclui várias sequências de concertos da cantora e ainda um ensaio do dueto com o seu ídolo, Tony Bennett, gravado pouco antes da sua morte. Quando foi apresentado na última edição do Festival de Cannes, Amy causou emoção entre os espectadores mas também controvérsia, especialmente por parte dos pais da cantora, que se opõem ao conteúdo do filme. Prémios e Festivais: Festival de Cannes ‘15 – Selecção Oficial, Fora de Competição

BANDO DE RAPARIGAS BANDE DE FILLES

DE CÉLINE SCIAMMA ESTREIA 6 AGO COM KARIDJA TOURÉ, ASSA SYLLA, LINDSAY KARAMOH E MARIÉTOU TOURÉ Dur: 113 min

EXCLU

CINEMSIVO AS M

EDEIA

Uma jovem sem perspectivas de futuro junta-se a um gang de três raparigas, na esperança de se libertar da opressão da sua vida familiar. “Da família ao bando, da escola à rua, uma jovem rapariga à procura de emancipação numa história de aprendizagem fulgurante”; é assim que Serge Kaganski descreve Bando de Raparigas, de Céline Sciamma, na publicação Les Inrockuptibles. O crescimento e a identidade no feminino têm sido os temas principais abordados na obra da realizadora na sua curta mas já significativa carreira. “Após o meu último filme, Maria-Rapaz, queria fazer outra história de coming-of-age. Queria uma narrativa épica à volta de uma história clássica: uma rapariga que quer viver a sua vida, descobrir quem é e o que deseja, libertar-se do controlo da sua família e do local em que vive. Uma história que poderia ter saído de um romance de Jane Austen, mas com uma heroína e um ambiente extremamente contemporâneos, dando um novo rosto à heroína romântica. Queria que, desta vez, o filme fosse acerca da amizade, das dinâmicas

de grupo e de como estas são uma forma de as jovens encontrarem a sua voz. De como através desta dinâmica, complexa e intensa, acabamos por descobrir quem somos”, disse a realizadora em entrevista à Indiewire. Tal como nos seus dois primeiros filmes, Sciamma demonstra uma sensibilidade extraordinária para filmar emoções complexas com delicadeza. Se nas duas primeiras obras, Naissance des Pieuvres e Maria-Rapaz, a identidade sexual e de género estavam no centro das emoções e da evolução das suas protagonistas, aqui é a opressão que Marieme, a jovem heroína de Bando de Raparigas, ultrapassa ao juntar-se a três raparigas que têm o que ela tanto deseja: total controlo sobre as suas próprias vidas. Prémios e Festivais: Festival de Cannes '14 – Quinzena dos Realizadores Prémios César '15 – 4 Nomeações, incluindo Melhor Realizadora

Finalista do Prémio LUX da Comissão Europeia Festival de San Sebastián – Prémio TVE Outro Olhar

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ESTREIAS CINEMA

REGRESSO A CASA

EXCLU

CINEMSIVO AS M

GUI LAI - COMING HOME

DE ZHANG

YIMOU

ESTREIA 16 JUL

Dur: 109 min

COM GONG LI, CHEN DAOMING, ZHANG HUIWEN

EDEIA

Um emotivo melodrama familiar com contornos políticos que marca o regresso do aclamado realizador Zhang Yimou, Regresso a Casa conta a história de um casal separado pela revolução, e do seu difícil reencontro, marcado pela amnésia da mulher.

Aquando da sua estreia no Festival de Cannes em 2014, a Variety apelidou o novo filme de Zhang Yimou de “devastador e comovente no seu retrato das vidas de cidadãos comuns afectadas pela agitação política”. Este filme, contido e intemporal na sua abordagem, leva-nos até à Revolução Cultural Chinesa, que teve início em 1966, e, embora remotamente, faz um retrato de um país em conflito consigo mesmo, espelhando esta luta interna na do casal que se encontra no centro da narrativa.

A consequência política desta amnésia é então a de um passado que é, tal como o da protagonista, demasiado doloroso para ser recordado, mas cujo trauma persiste, mesmo que a memória dos acontecimentos não. No entanto, o centro deste filme é o casal protagonizado por Chen Daoming e Gong Li e, embora “a crítica política permeie o filme, esta está escondida sob o lirismo e os artifícios de um melodrama sobre o envelhecimento”. Murat acrescenta que nesta obra Zhang Yimou “encontra o humanismo de Vittorio de

“Devastador e comovente no seu retrato das vidas de cidadãos comuns afectadas pela agitação política” Variety

A China que Yimou representa é tão amnésica quanto a protagonista: “Feng (Gong Li) não reconhece o seu marido, uma das inúmeras vítimas da Revolução Cultural, quando este regressa a casa dez anos depois. A própria China recusa-se a reconhecer, desde há muito tempo, os desastres causados por Mao Tse-tung e o seu Exército Vermelho”, refere Pierre Murat, na revista Télérama. 4

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Sica e as homenagens que, na sua carreira tardia, fez à sua estrela preferida, Sophia Loren, filmando Gong Li, sua colaboradora de longa data (desde Milho Vermelho, de 1987, até A Maldição da Flor Dourada, de 2006) com a mesma ternura”.

Regresso a Casa é adaptado do romance The Criminal Lu Yanshi, de Yan Geling, autora que Zhang Yimou havia já adaptado em 2011, no seu filme As Flores da Guerra, e aborda temas comuns a várias das suas obras (veja-se a luta pela sobrevivência dos protagonistas de Viver ou de Nenhum a Menos). A sumptuosidade e artifício visual de filmes como O Segredo dos Punhais Voadores ou Herói são aqui trocados por uma fotografia mais sombria e granulosa e a acção é limitada às três personagens nucleares (o casal e a sua filha) e os espaços que habitam. No entanto “esta concentração dos espaços nunca parece monótona. Apenas abre espaço para este apaixonante drama humano se desenrolar”, conclui Maggie Lee, na Variety. Em Regresso a Casa, Zhang Yimou relembra-nos a sua mestria a lidar com histórias simples e evocativas, permitindo a Gong Li e Chen Daoming explorar o melodrama com integridade, não deixando de lhe dar a delicadeza que o registo pede.

Prémios e Festivais: Festival de Cannes ‘14 – Selecção Oficial, Fora de Competição Festival de Toronto ‘14 – Selecção Oficial, Sessões Especiais


ESTREIAS CINEMA

AS MIL E UMA NOITES: VOLUME 1, O INQUIETO AS MIL E UMA NOITES: VOLUME 1, O INQUIETO

DE MIGUEL

GOMES

ESTREIA 27 AGO

Dur: 125 min

COM CRISTA ALFAIATE, ADRIANO LUZ, AMÉRICO SILVA, ROGÉRIO SAMORA, CARLOTO COTTA, FERNANDA LOUREIRO

Portugal hoje entre as tormentas austeritárias que nos assolam, num film-fleuve contra o esquecimento.

As Mil e uma Noites, de Miguel Gomes, é um retrato do Portugal contemporâneo, da crise que nos assola. Pedindo emprestado o título e a heroína à narrativa persa, por ali “desfilam”, ao longo de pouco mais de 6 horas, divididas em 3 partes, ou volumes (O Inquieto, que estreia a 27 de Agosto, O Desolado e O Encantado, com estreia marcada para finais de Setembro e princípios de Outubro, respectivamente), histórias entre o documentário e a ficção (a falência dos estaleiros de Viana do Castelo; uma estranha praga de vespas; o galo de Resende; a história de Simão “sem tripas”; uma visita da troika em registo de farsa; um episódio sobre a justiça; os subúrbios de Lisboa numa história com um cão de nome Dixie…), uma espécie de laboratório de “relatos fantasistas e retrato impiedoso do nosso tempo”, como o descreveu António Preto em artigo publicado no dossier que a revista Cahiers du Cinéma dedicou ao festival de Cannes, onde o filme foi exibido, na Quinzena dos Realizadores, e acolhido com os maiores elogios. O processo de escrita, singular e prolongado no

“[...] retrato impiedoso do nosso tempo” Cahiers du Cinéma

tempo, associou jornalistas que iam seleccionando e trabalhando as notícias, ao grupo de colaboradores mais próximos do realizador, o seu comité central, como lhes chama, que depois as desenvolvia, ficcionava, lhes dava um sentido no desenrolar do filme. As histórias que nos conta esta Xerazade (Crista Alfaiate) mostram-nos “a realidade portuguesa de hoje pensada no mesmo plano hipotético que a ficção” fazendo com que o cinema “possa cumprir o trabalho da memória”, como se fosse uma espécie de crónica da nossa época. E António Preto remata (ib.): “Como Xerazade, Miguel Gomes arrisca a sua cabeça [neste filme da insónia]. Ele ultrapassa toda a fadiga – o esgotamento de um cinema narrativo, os relatos gota a gota – para produzir um enorme fresco que se arrisca a ser, contra todo o esquecimento, o novo Non ou a Vã Glória de Mandar do cinema português.”

Prémios e Festivais: Festival de Cannes '15 – Quinzena dos Realizadores Festival de Cinema de Sydney '15 – Melhor Filme

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ESTREIAS CINEMA

O VERÃO DE MAY METAMORFOSES MAY IN THE SUMMER

DE CHERIEN

ESTREIA 23 JUL

DABIS

Dur: 99 min

EXCLU

CINEMSIVO AS M

EDEIA

COM HIAM ABBASS, JAMES GARSON CHICK, CHERIEN DABIS

MÉTAMORPHOSES

DE CHRISTOPHE HONORÉ ESTREIA 13 AGO Dur: 102 min COM AMIRA AKILI, SÉBASTIEN HIREL, MÉLODIE RICHARD

EXCLU

CINEMSIVO

MEDE AS IA

Em O Verão de May, a premissa parece simples: uma nova-iorquina bem sucedida, May (a própria realizadora Cherien Dabis), visita a família na Jordânia. No entanto, o drama familiar parece inevitável.

May Brennan vive em Nova Iorque e aparentemente tem tudo o que quer: é inteligente, publicou um livro e vai casar com o noivo Ziad, um académico também nova-iorquino. No entanto, ao voltar à sua cidade natal (Amman, na Jordânia), começam a surgir alguns sinais de que a sua vida não é assim tão perfeita como aparenta e o que se segue é um ciclo de problemas familiares que transcendem as diferenças culturais. A mãe, Nadine, cristã, não aprova Ziad, o noivo muçulmano, as irmãs Dalia e Yasmine comportam-se como adolescentes rebeldes e o pai, Edward, voltou a casar e tenta reatar os laços de proximidade com a filha. Para Cherien Dabis, que assina também o argumento do filme, a inspiração inicial foi a sua própria experiência pessoal, como revela numa entrevista: “Cresci a passar os Verões na Jordânia, com a minha mãe e as minhas irmãs. O espaço era apertado, não havia privacidade e as nossas personalidades não podiam chocar mais umas com as outras. Era a receita ideal para um drama familiar. Quando tinha 17 anos, os meus pais separaram-se e essa ruptura familiar foi sempre uma ferida que eu quis confrontar. (...) Enquanto na pequena cidade de Ohio onde vivi a maior parte dos meus anos de juventude era considerada árabe, na Jordânia, era considerada americana. Era um paradoxo interessante que sempre quis explorar.” Prémios e Festivais: Sundance Film Festival – Selecção Oficial, em Competição Festival de Veneza – Selecção Venice Days

“O milagre dionisíaco de Christophe Honoré”: é assim que Jean-Baptiste Morain se refere ao novo filme do realizador francês Christophe Honoré, na publicação Les Inrockuptibles. Em Metamorfoses, o realizador adapta a obra de Ovídio, num filme onde mostra toda a sua arte. Metamorfoses surge de uma vontade de Honoré se libertar dos constrangimentos da narrativa, podendo encontrar nesta obra a base de um texto que lhe permite fazê-lo. Diferente de todos os projectos anteriores do realizador, Metamorfoses assume uma direcção inesperada no seu decorrer e é surpreendente do início ao fim. “Este regresso às fontes da nossa inspiração europeia, dos mitos greco-romanos que irrigam a nossa cultura e que nos habitam inconscientemente, permite a Honoré sair do seu cinema e do cinema do ‘naturalismo’, (…) esta imitação forçada e artificial do natural, frequentemente contestada por uma parte da crítica actual. Existe nele uma vontade quase política ou em todo o caso estética de renovar o cinema”, explicita JeanBaptiste Morain na sua crítica. Metamorfoses é uma das obras literárias mais singulares de sempre, um poema narrativo sobre histórias de transfiguração de deuses e de homens em árvores, animais, rios ou pedras. Aqui, “a metamorfose é de facto um humano que se torna uma árvore, ou uma vaca que era uma mulher ou uma ninfa. Ou uma criança que se torna adulta. Mas é também o espectador que emerge um pouco diferente do filme que acabou de ver. Os filmes mudam-nos. E é essa a derradeira e a mais bela das metamorfoses que propõe este filme manifesto de Christophe Honoré”, conclui Jean-Baptiste Morain. Prémios e Festivais: Festival de Veneza – Selecção Venice Days

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ESTREIAS CINEMA

LOVE & MERCY LOVE & MERCY

DE BILL

POHLAD

ESTREIA 16 JUL

Dur: 121 min

COM PAUL DANO, JOHN CUSACK, ELIZABETH BANKS, PAUL GIAMATTI

O segundo filme de Bill Pohlad faz um percurso sobre vida do cantor, compositor e produtor musical Brian Wilson, conhecido por ter sido a mente criativa dos The Beach Boys. Bill Pohlad regressa à realização com este enérgico biopic, após ter realizado o seu primeiro filme em 1990 e desde então se ter dedicado à produção. Aquando da sua estreia no Festival de Toronto, o filme foi apelidado de “a cura vibrante para o biopic musical comum” por Andrew Barker, da Variety. Enquanto filme biográfico, Love & Mercy traz uma frescura necessária ao género. Mantendo uma estrutura estética e narrativa convencional, não mergulha nas profundezas surrealistas ou colagens fragmentadas que Todd Haynes aborda em Velvet Goldmine e I'm Not There – Não Estou Aí, respectivamente. Bill Polhad opta por “limitar a acção a dois momentos da vida de Brian Wilson. Num deles, cobre o período de 1965 a 1968, em que Paul Dano interpreta Wilson quando este abandona uma tournée e cria uma das grandes obras-primas do rock'n'roll, o álbum Pet Sounds, enquanto vai perdendo lentamente

a ligação à realidade. No outro momento, já na década de 1980, vemos Wilson, interpretado por John Cusack, como um homem confuso e despedaçado, preso ao seu terapeuta (Paul Giamatti), que o manipula com fármacos e o controla legalmente. Wilson irá apaixonar-se por uma vendedora de automóveis, desempenhada por Elizabeth Banks, que virá a ser a sua segunda mulher”, adianta ainda Andrew Barker. Love & Mercy conta com uma realização delicada e segura, interpretações emocionantes, especialmente a de Paul Dano, que personifica Brian Wilson ao mais ínfimo pormenor e uma banda sonora de Atticus Ross que usa trechos das melodias dos Beach Boys. Prémios e Festivais: Festival de Toronto ’14 – Apresentações Especiais Festival de Berlim ’15 – Sessão Especial

MR. HOLMES MR. HOLMES

DE BILL CONDON ESTREIA 23 JUL

Dur: 104 min

COM IAN MCKELLEN, LAURA LINNEY, MILO PARKER

Uma revisitação do detective criado por Arthur Conan Doyle, Mr. Holmes traz Ian McKellen na pele de um Sherlock envelhecido ainda afectado por um caso não resolvido. Livremente adaptado do romance Sr. Sherlock Holmes de Mitch Cullin, Mr. Holmes “mostra-nos um Sherlock nunca antes visto, reformado, com 93 anos e a perder muitas das capacidades que o tornaram numa lenda”, afirma Tom Robey no The Telegraph. Este filme marca a segunda colaboração entre Ian McKellen e o realizador Bill Condon, após terem trabalhado juntos em Deuses e Monstros, e aborda especialmente “o contraste entre o Holmes ‘real' e aquele que figura nas fabricações literárias do Dr. Watson. É quase um filme biográfico fingido, onde o morador do nº 221B de Baker Street é apenas um homem descaradamente mal representado pelo mito criado à sua volta”, acrescenta Tom Robey. Bill Condon está já familiarizado com o retrato de figuras carismáticas, não só em Deuses

e Monstros, um olhar comi-trágico da vida do realizador James Whale, mas também em Relatório Kinsey, onde dirigiu Liam Neeson numa aclamada interpretação de Alfred Kinsey, pioneiro da pesquisa sobre a sexualidade humana. “Em Mr. Holmes vemos Ian McKellen num desempenho diversificado, que lhe permite explorar várias nuances do seu talento, tal como um multi-instrumentalista a tocar todos os seus êxitos, com uma musicalidade rica e variada”, finaliza o jornalista do The Telegraph. Um filme que brinca com o familiar e aquilo que ainda está por descobrir, Mr. Holmes será certamente apreciado por todos aqueles que gostam de mistérios e de uma boa história. Prémios e Festivais: Festival de Berlim '15 – Fora de Competição

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PROGRAMAÇÃO

ESPAÇO NIMAS A SUA SALA DE CINEMA INDEPENDENTE Ingmar Bergman está de volta ao Espaço Nimas, após o sucesso estrondoso do programa que incluiu 17 obras do realizador sueco – dez delas em versões restauradas, algumas inéditas comercialmente em Portugal – no ano passado. Agora, e desde o dia 25 de Junho, esta sala de cinema recebe mais seis filmes de Ingmar Bergman, três deles em versões digitais restauradas. No total, são seis semanas na companhia de Ingmar Bergman, até ao dia 5 de Agosto. Verão é sinónimo de férias, calor, festa e alegria. Por isso, chega mesmo a propósito, no Espaço Nimas, em Agosto, e pela primeira vez em Portugal, uma retrospectiva integral da obra de Jacques Tati em versões digitais restauradas. Iremos ver as seis longasmetragens deste superlativo mestre da comédia, adorado por todas as gerações: Há Festa na Aldeia, As Férias do Sr. Hulot, O Meu Tio, Playtime – Vida Moderna, Sim, Sr. Hulot e Parade, e ainda sete curtas-metragens inéditas comercialmente em Portugal. “Quero que as crianças se divirtam no cinema tal como eu me divertia no circo quando era pequeno… devemos criar um clima verdadeiramente festivo…”, afirmava o realizador. E é isso que lhe propomos no Espaço Nimas, na estação mais quente: uma enorme festa, para todas as idades, à volta do cinema de Tati. Sejam bemvindos/as à nossa Tatifesta.

VERÃO COM JACQUES TATI Realizador, actor, argumentista, Jacques Tati, nascido Jacques Tatischeff em 1908, é seguramente o cineasta francês mais conhecido e mais amado no mundo inteiro. Os seus filmes, que se contam pelos dedos das mãos, premiados nos maiores festivais e com um Óscar, continuam a fascinar geração após geração, numa espécie de renovação contínua. Reinventando o legado de Max Linder [a sua curta A Escola dos Carteiros (1947) receberia mesmo esse prémio], e também de Buster Keaton ou Chaplin, com uma inigualável mestria na arte do gag e no absurdo das situações, Tati começou no cinema pelas curtas-metragens e aquela que verdadeiramente considera a sua “primeira obra” é Cuida do teu Gancho Esquerdo (1936), que escreveu e interpretou, com realização de René Clement. Aqui já estão presentes muitos dos motivos que desenvolverá nas obras subsequentes: uma enorme fascinação pelos sons naturais e pelos sons mecânicos, o moderno e o antigo, o desporto, que sempre integrou o seu trabalho (ele próprio foi um desportista), a figura do carteiro [que explorará mais na curta seguinte e na sua primeira longa, Há Festa na Aldeia (1949)]…

Em Aulas Nocturnas, realizada durante a rodagem de Play Time, tenta ensinar alguns aspectos da sua arte a alunos aplicados mas bastante desajeitados, apresentando, “pela primeira vez no cinema, vários números clássicos de Tati” (Marc Dondey). Para além destas curtas, poderemos ainda ver no ciclo “Verão com Jacques Tati” (em Agosto no Espaço Nimas e 1 de Setembro no TM Campo Alegre) quatro outras, entretanto “resgatadas”, num programa que nos mostra agora, pela primeira vez, todo o cinema de Tati, em versões digitais restauradas. Teremos Hulot, “espantando-se” permanentemente “perante as coisas” na estância balnear onde passará as suas férias [As Férias do Sr. Hulot (1953)], e espantando-nos a nós espectadores, que nos rimos e comovemos; ou com “a vida moderna dos Arpel sufocados em electrodomésticos – a cujo ridículo para sempre ficará colado o jardim e o repuxo-peixe”,

Programação sujeita a alterações de última hora. Confirme sempre em www.medeiafilmes.com PLAYTIME - VIDA MODERNA

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SIM, SR. HULOT


ESPAÇO NIMAS

O MEU TIO

HÁ FESTA NA ALDEIA

na obra-prima O Meu Tio (1958). Teremos a “obra monumental” Play Time (1967); “Tudo o que sei, tudo o que podia e tudo o que sonhava está em Play Time”, disse Tati numa entrevista a Jorge Silva Melo (A Capital, 1968), filme onde nos “propunha a liberdade, mas só o podia fazer exercendo-a ele próprio, arriscando-a ele próprio, [n]este filme impossível; 70 milímetros, esse formato da epopeias, […] um orçamento até então inultrapassado, uma cidade inteira construída em estúdio, arranha-céus, auto-estradas, uma história deambulatória, uma planificação ultraelaborada que combatia a montagem de frente e que assim se batia com Griffith e a origem do cinema, como só Brecht se quis bater com Aristóteles […]” (Jorge Silva Melo, Século Passado).

Depois, foi a história que sabemos: Tati não voltaria a recuperar financeiramente e faria ainda mais dois filmes, numa situação difícil: Trafic / Sim, Sr. Hulot (1971), onde adapta ao mundo dos automóveis elementos dos dois filmes anteriores, e Parade (1974), que estreou oficialmente no Festival de Cannes, espécie de fecho circular da sua obra, um “compêndio” que revisita a arte circense, o music hall, os gags clássicos, e onde Jacques Tati é o mestre-de-cerimónias. Se na curta Aulas Nocturnas, Tati-professor ensinava aos seus alunos vários “números clássicos”, aqui representa-os “publicamente” e Tati-boxeur, Tati-tenista, Tati-políciainglês, etc, etc, interage com o público que assiste e se torna cúmplice desta grande noite de festa.

Visto agora, quase cinquenta anos depois, é, de facto, um filme visionário, com uma “sátira da globalização, infinitamente subtil […], o desenvolvimento do consumismo e dos tempos livres das massas, a reprodução dos objectos e dos comportamentos, a perda de referências culturais e das relações afectivas em prol do funcionamento e do rendimento, o conformismo generalizado, o recuo político face à economia” (Jacques Mandelbaum, Le Monde).

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ESPAÇO NIMAS Desde 25 de Junho, está em exibição no Espaço Nimas uma programação dedicada a Ingmar Bergman, que inclui seis obras do realizador sueco, três delas em versões restauradas. Este ciclo estará em exibição de 2 a 31 de Julho no TM Campo Alegre, no Porto.

A FLAUTA MÁGICA TROLLFLÖJTEN 1975

A Flauta Mágica ganhou um novo significado com esta versão cinematográfica de Bergman, realizada para a televisão sueca. A forma mágica e bela como este filme é apresentado torna-o numa obra indispensável para todas as idades, envolta numa atmosfera de fantasia e alegria. VERSÃO RESTAURADA

A FONTE DA VIRGEM JUNGFRUKÄLLAN 1960

Inspirado de certa forma por Rashomon (1950), de Akira Kurosawa – um dos filmes favoritos de Bergman – A Fonte da Virgem foi o filme que valeu um Óscar ao realizador, na categoria de Melhor Filme Estrangeiro. Este é um conto de vingança, passado numa Suécia medieval e protagonizado por Max von Sydow. VERSÃO RESTAURADA

LUZ DE INVERNO NATTVARDSGÄSTERNA

1963

Neste filme, Bergman explora as personagens e a sua relação com Deus, através do padre Tomas Ericsson, que vive uma crise de fé. Luz de Inverno é protagonizado pelos actores Ingrid Thulin e Gunnar Björnstrand, dois dos actores mais populares na Suécia e colaboradores habituais de Ingmar Bergman. VERSÃO RESTAURADA

A FORÇA DO SEXO FRACO

FÖR ATT INTE TALA OM ALLA DESSA KVINNOR 1964

Este é o primeiro filme de Ingmar Bergman a cores e é considerado um dos trabalhos mais singulares da carreira do realizador, pela diferença que marca em relação a todas as suas outras obras. A Força do Sexo Fraco conta com interpretações de actrizes com as quais o realizador trabalhava habitualmente – Bibi Andersson e Harriet Andersson. 10 JULHO | AGOSTO 2015

O ROSTO ANSIKTET 1958

Ingmar Bergman escreveu O Rosto durante o Verão de 1958, sendo influenciado pelos seus anos no teatro. O filme conta com Max von Sydow, Ingrid Thulin e Gunnar Björnstrand nos principais papéis, todos eles actores que viriam a estar bastante presentes na obra de Bergman. O Rosto recebeu o Prémio do Júri no Festival de Veneza em 1959.

RUMO À FELICIDADE TILL GLÄDJE 1950

Rumo à Felicidade é um dos filmes que marcaram os primeiros anos da carreira de Ingmar Bergman na realização. Aqui, já é possível entender a forte ligação de Bergman com a música clássica, num filme que se ouve ao som de Beethoven, Mendelssohn e Mozart. O filme conta ainda com Victor Sjöström, pioneiro do cinema sueco e mentor de Bergman, no papel de maestro.


ESTREIAS CINEMA

RAPARIGA MÁGICA MAGICAL GIRL

DE CARLOS VERMUT ESTREIA 16 JUL COM JOSÉ SACRISTÁN, BÁRBARA LENNIE E MARINA ANDRUIX Dur: 127 min

EXCLU

CINEMSIVO AS M

EDEIA

A segunda longa-metragem de Carlos Vermut é uma fábula moral austera, elegante e habilmente composta. “Um dos filmes mais originais e perturbadores do ano”, foi assim que Gustavo Martín Garzo do jornal El País descreveu Rapariga Mágica, de Carlos Vermut, aquando da sua estreia no Festival de San Sebastián, onde venceu a Concha de Ouro. Embora este seja apenas o seu segundo filme, Vermut é um realizador que já encontrou a sua "voz": “Vermut enche o seu filme de cores que nos relembram Haneke, Tarantino, Lanthimos e, claro, o cânone cultural espanhol (logo nos primeiros minutos, há referências a García Lorca e La Colmena). Mas não se perde em referências e consegue dar a Rapariga Mágica um tom muito próprio – negro, suave e agradavelmente imprevisível”, refere Fionnuala Halligan, na revista Screen Daily. A tensão da crise em Espanha está presente no filme e actua como pano de fundo, mas a acção e as personagens nunca se limitam a este contexto socio-económico. O filme desenrola-se como um jogo em

que somos surpreendidos a cada jogada e, embora a narrativa ande à volta de uma criança com uma doença terminal, Rapariga Mágica tem um sentido de humor mordaz e bem definido. Este é um filme que, através do seu mistério, nos soergue da realidade que se vive actualmente, tanto em Espanha como em Portugal, e é “por isso que precisamos de filmes como Rapariga Mágica – da sua beleza e do seu horror – porque um mundo sem ressurreição é um mundo de fantasmas (como aquele em que vivemos na realidade)”, conclui Martín Garzo no El País. Prémios e Festivais: Festival de San Sebastián '14 – Concha de Ouro e Concha de Prata para Melhor Realizador Festival de Toronto '14 – Selecção Oficial Prémios Goya – Melhor Actriz Principal (Bárbara Lennie)

LONGE DOS HOMENS LOIN DES HOMMES

DE DAVID OELHOFFEN ESTREIA 6 AGO

Dur: 101 min

COM VIGGO MORTENSEN, REDA KATEB, DJEMEL BAREK, VINCENT MARTIN

O novo filme de David Oelhoffen é um western realizado a partir de L’hôte, um conto de Albert Camus, protagonizado por Viggo Mortensen e Reda Kateb, e com música composta por Nick Cave. Em Longe dos Homens, Viggo Mortensen interpreta Daru, um professor que trabalha numa escola na Argélia, em 1954, no começo da luta pela independência em relação aos franceses. Este homem, que ensina nas montanhas do Atlas, tem uma missão: escoltar Mohamed (Reda Kateb), um aldeão acusado de homicídio, até ao tribunal. Perseguidos por homens a cavalo e por colonos vingativos, os dois homens decidem enfrentar o desconhecido e lutar pela liberdade. “Desde a primeira leitura do conto de Camus, L’hôte, visualizei um western. Um western não convencional, é certo, impregnado de história europeia e tendo como fundo as terras altas do Norte de África, mas ainda assim um western”, afirma o realizador David Oelhoffen. E, na trama, existem elementos fiéis aos códigos do

género: colonizadores e colonizados, um prisioneiro, um homem que o escolta e violência à mistura. “Adaptar esta história ao cinema implicava dotar as personagens de mais substância e tornar a narrativa mais densa. Uma das formas de o fazer foi incluir o contexto argelino e o começo da guerra.” Apesar do seu contexto, Longe dos Homens é uma narrativa universal, e distancia-se da mera exploração de um episódio da história francesa, resultando numa obra que é, segundo o Indiewire, “um filme grandioso e belo”. Prémios e Festivais: Festival de Veneza ‘14 – Prémio SIGNIS, Prémio Interfilm, Prémio Arca CinemaGiovani Festival de Toronto ‘14 – Selecção Oficial

JULHO | AGOSTO 2015 11


ESTREIAS CINEMA

UMA NOVA AMIGA UNE NOUVELE AMIE

DE

FRANÇOIS OZON

ESTREIA 27 AGO

EXCLU

Dur: 108 min

COM ROMAIN DURIS, ANAÏS DEMOUSTIER, RAPHAËL PERSONNAZ, ISILD LE BESCO

CINEMSIVO AS M

EDEIA

O novo filme de François Ozon é uma obra sobre a transformação, o desejo e a sexualidade, na qual uma mulher, mergulhada numa depressão após a morte da melhor amiga, retoma o gosto pela vida ao fazer uma chocante descoberta sobre o marido dela.

“A sequência inicial da adaptação delirantemente corajosa que François Ozon fez do conto de Ruth Rendell apresenta um microcosmos daquilo que está para vir – uma série de detalhes ritualísticos do processo de nos aperaltarmos (aplicação de batom, fazer uma malha na meia) com uma ponta de comédia negra latente. Voltaremos a esta sequência mais tarde, quando David, o viúvo interpretado por Romain Duris, conta à sua única confidente, Claire (Anaïs Demoustier) como a perda da sua mulher, que Claire amava tanto quanto ele, provou ser uma experiência transformadora.” (The Guardian) Adaptado do conto The New Girlfriend de Ruth Rendell, cujos trabalhos foram já levados ao grande ecrã por realizadores como Pedro Almodóvar, em Carne Trémula ou Claude Chabrol, em A Cerimónia ou A Dama de Honor, o novo filme de Ozon mistura com sucesso várias influências e tons, do melodrama almodovariano ao thriller hitchcockiano, passando ainda por Laura de Otto Preminger e transita sem esforço entre eles. Os filmes de Ozon “baseiam-se no triunfo do artifício, na presciência de um mundo encantado onde reina a ilusão, onde a realidade se autodestrói”, refere Pierre Murat, na publicação Télérama. “Com ele, ninguém tem a certeza de ser o que é, nem de conseguir ser aquilo que gostaria parecer. No entanto, nunca o realizador conseguiu apostar com tanta força e elegância na ambiguidade, nesta parte da preocupação que perturba o sono das personagens, e parte também do sonho que, mesmo sendo ridículo e irrisório, permite 12 JULHO | AGOSTO 2015

entrega e libertação a cada um deles. Toda a mise-en-scène de Uma Nova Amiga reivindica o transtorno como uma arte e uma moral. Toda a certeza é uma ilusão”, conclui Murat. A obra de François Ozon aborda frequentemente questões de sexualidade, género e identidade e Uma Nova Amiga acaba por explorar estes temas, mas fá-lo através de uma luz nova. Neste filme o cineasta brinca brilhantemente com pistas falsas, jogando com as expectativas do público relativamente às questões de sexualidade associadas às de género, essencialmente na personagem de Romain Duris. Estas pistas potenciam a narrativa e ampliam as três personagens no centro da história. Para os espectadores familiarizados com a obra de Ozon, este jogo será ainda mais interessante de ver desenrolar, uma vez que as expectativas terão de ser constantemente reajustadas à medida que a acção sucede. Há também que mencionar as interpretações de Romain Duris e Anaïs Demoustier, que tal como as personagens que interpretam, se potencializam através da relação com o outro, abrindo novos horizontes a si mesmos e aos espectadores. Sublimando temas que o realizador tem vindo a apurar ao longo da sua obra, Uma Nova Amiga é um fantástico exercício cinematográfico, com uma estética sofisticada, sóbria e delicada, onde não existem julgamentos morais, apenas se defende o direito à existência pacífica. Prémios e Festivais: Festival de San Sebastián '14 – Prémio Sebastiane Festival de Londres '14 – Em Competição Prémios César '15 – Nomeações para Melhor Actor e Melhor Guarda-Roupa


JULHO | AGOSTO 2015 13


ESTREIAS CINEMA

DIÁRIO DE UMA CRIADA DE QUARTO JOURNAL D’UNE FEMME DE CHAMBRE

DE BENOÎT JACQUOT

EXCLU

CINEMSIVO

AS COM LÉA SEYDOUX, VINCENT LINDON, CLOTILDE MOLLET MEDEIA

ESTREIA 20 AGO

Dur: 96 min

Benoît Jacquot adapta o romance homónimo de Octave Mirbeau, com Léa Seydoux na pele de Célestine, uma criada de quarto explorada pela burguesia que serve. Três anos após Adeus Minha Rainha, Benoît Jacquot volta a abordar as relações entre diferentes classes sociais em dramas de época. Em Adeus Minha Rainha, tínhamos Léa Seydoux na pele de leitora da rainha Maria Antonieta, enquanto víamos toda a acção do Palácio de Versalhes vivida pelos corredores inferiores e os aposentos dos criados. Em Diário de uma Criada de Quarto, vemos Seydoux como criada de quarto de um casal burguês e de como a sua presença irá influenciar a dinâmica do casal. Na publicação Les Inrockuptibles, Serge Kaganski comenta este paralelismo, afirmando que “é em parte uma pista falsa: as épocas abordadas são diferentes e, sobretudo, a criada de quarto tem uma personalidade arrogante e completamente oposta à da leitora que venerava Maria

Antonieta”. Léa como Sidonie amava secretamente a rainha, enquanto Léa como Célestine apenas odeia em segredo os seus senhores. Sidonie estava em contra-corrente relativamente à sua classe social e à revolução que explodia do lado de fora de Versalhes, enquanto Célestine adoraria, sem dúvida, que uma revolta comparável irrompesse contra a ordem burguesa da terceira república – regime político ainda descendente da revolução. A realização de Benoît Jacquot é precisa e fiel ao romance de Mirbeau, fazendo um retrato duro da realidade social da época enquanto joga entre classicismo e modernidade. Prémios e Festivais: Festival de Berlim ’15 – Selecção Oficial, em Competição

O MUNDO FORA DO LUGAR DIE ABHANDENE WELT

DE MARGARETHE VON TROTTA ESTREIA 30 JUL Dur: 101 min

EXCLU

CINEMSIVO AS M

EDEIA

COM KATJA RIEMANN, BARBARA SUKOWA, MATTHIAS HABICH E GUNNAR MOLLER

Margarethe von Trotta é um dos nomes fundamentais que surge já na fase mais adiantada do Novo Cinema Alemão (o seu primeiro filme foi feito em colaboração com Volker Schlöndorff, com quem esteve casada: A Honra Perdida de Katharina Blum, 1975); também actriz, no teatro e no cinema, onde trabalhou ainda com Rainer Werner Fassbinder. Se alguns apontam Bergman como influência, isso não deixa de ser verdade; foram os filmes do realizador sueco, que viu nos seus primeiros dias de Paris, que a levaram a querer fazer cinema (e ainda, de seguida, Hitchcock e a Nouvelle Vague a entranhar-se pelos novos cinemas). Entre as várias linhas fortes do seu percurso autoral, psicologicamente penetrante e politicamente complexo, temos, por exemplo, filmes sobre mulheres extraordinárias na história e na cultura dos séculos XIX e XX, como Rosa Luxemburgo ou a filósofa Hannah Arendt; Thomas Elsaesser refere que Irmãs1, seria “um título apropriado para várias das suas obras”. “Incluem normalmente mulheres protagonistas, geralmente familiares ou amigas próximas, envolvidas em relações 1

de uma interdependência emocional muito intensa.”2 É nesta linha que poderíamos incluir o seu último filme, que agora estreia, O Mundo Fora do Lugar. O pai de Sophie (Katjia Rieman) descobre acidentalmente online uma cantora lírica que é a cara chapada da sua mulher e mãe de Sophie, recentemente falecida, como se ela “se tivesse erguido dos mortos”. Persuade a filha a ir no seu encalço, aos Estados Unidos, e aquela rapidamente descobre que, de facto, a sua mãe era igualzinha a Caterina (Barbara Sukowa). Seguem-se encontros, desencontros, surpresas, recusas, cumplicidades, numa história de amores, ódios e ciúmes, segredos e mentiras, antigos e novos, de twist em twist... (com fabuloso naipe de actores e uma magnífica banda sonora entre o jazz e o canto lírico). Prémios e Festivais: Festival de Berlim '15 – Selecção Oficial, Sessões Especiais

Referência a Schwestern oder die Balance des Glücks (1979), Die Bleierne Zeit (1981), também conhecido como The German Sisters, Leão de Ouro em Veneza, Paura e amore (Three Sisters, 1988), ou Die Schwestern (2010), etc. 2 Thomas Elsaesser e Michael Wedel, The BFI Companion to German Cinema, 1999, cit. por Ben Andac, Senses of Cinema.

14 JULHO | AGOSTO 2015


OUTRAS ESTREIAS PROGRAMAÇÃO ESTREIAS CINEMA

LANÇAMENTOS EM DVD SOU CURIOSA + CONTINUO A SER CURIOSA Objecto de enorme polémica na altura, Sou Curiosa (1967) conta a história de Lena, uma jovem activista, constantemente à procura de novas experiências e descobertas. Nesta busca incessante, Lena inicia um processo de descoberta sexual e de compreensão das questões políticas e sociais da Suécia na época. Quando foi lançado, Sou Curiosa gerou grande controvérsia, foi proibido na Noruega e nos Estados Unidos foi alvo de uma acesa batalha judicial, objecto de censura e proibido em várias cidades. Continuo a ser Curiosa vem complementar Sou Curiosa, mantendo as mesmas personagens e actores, assim como o confronto com assuntos relacionados com religião, sexualidade e o sistema prisional.

NATIONAL GALLERY DE FREDERICK WISEMAN A National Gallery em Londres é um dos maiores museus do mundo com cerca de 2400 pinturas do séc. XIII ao séc. XIX. Quase todas as experiência da vida humana estão representadas nos seus quadros. Explorando a relação entre pintura e história, este filme mostra o público nas suas várias galerias: programas educacionais, académicos, cientistas e curadores, que estudam, restauram e planeiam as exibições.

O GRANDE MUSEU DE JOHANNES HOLZHAUSEN Um olhar particular sobre os bastidores do Kunsthistorisches Museum em Viena. A câmara faz a viagem pelas magníficas galerias e corredores, enquanto acompanha interessadamente curadores e peritos em restauro. Entre todos os que trabalham neste autêntico baú de tesouros existe uma relação de proximidade, que se estende aos seus patronos de Habsburg. Para alguns a relação com a herança cultural é quase um casamento.

NUNCA É TARDE DE DAN FOGELMAN Danny Collins (Al Pacino) é uma estrela de rock envelhecida que não consegue largar a sua vida de vícios. Mas quando o seu agente (Christopher Plummer) descobre uma carta que John Lennon escreveu a Danny, este decide mudar a sua vida e embarca numa viagem em que redescobre a sua família, encontra o amor e começa um novo capítulo.

ESTREIA 16 JULHO

SLOW WEST DE JOHN MACLEAN No século XIX o jovem Jay Cavendish cruza os Estados Unidos em busca da sua amada que fugiu para terras distantes após ser acusada de cometer um crime. Nesta imprevisível jornada contará com a companhia de Silas Selleck (Michael Fassbender), um misterioso cowboy.

ESTREIA 9 JULHO

MISSÃO IMPOSSÍVEL: NAÇÃO SECRETA DE CHRISTOPHER MCQUARRIE Com a IMF desmantelada e Ethan Hunt (Tom Cruise) excluído, a equipa enfrenta uma rede de agentes especiais altamente qualificados. Estes estão determinados a criar uma nova ordem mundial através de ataques terroristas. Ethan reúne a sua equipa, junta forças com uma agente britânica excluída e enfrenta a missão mais impossível de sempre.

ESTREIA 13 AGOSTO

A FAMÍLIA BÉLIER DE ERIC LARTIGAU

Cinema Medeia Monumental - Edifício Monumental

Av. Praia da Vitória, 72 - 1050-183 Lisboa - Telefone: 213 142 223

Cinema Medeia Espaço Nimas

Av. 5 de Outubro, 42 B - 1050-057 Lisboa - Telefone: 213 574 362

Paula é uma adolescente que vive os problemas típicos da sua idade. Mas a sua família é diferente: o pai, a mãe e o irmão são surdos-mudos. É ela quem coordena a quotidiano e traduz para linguagem gestual as conversas com os vizinhos. Um dia, descobre ter talento para cantar, podendo entrar numa escola de prestígio em Paris. Mas como deixar a família?

ESTREIA 13 AGOSTO JULHO | AGOSTO 2015 15


BERGMAN INESGOTaVEL Depois do sucesso das 17 obras de Ingmar Bergman

O mestre do cinema sueco regressa aos cinemas Medeia

Já em exibição no Espaço Nimas

(A partir de 2 de Julho no TM Campo Alegre, no Porto)

Calendário do ciclo no Espaço Nimas: Quinta

Sexta

Sábado

Domingo

Segunda

Terça

Quarta

25 Junho

26 Junho

27 Junho

28 Junho

29 Junho

30 Junho

1 Julho

Versão Restaurada

Versão Restaurada

Versão Restaurada

Versão Restaurada

O ROSTO 2 Julho

A FORÇA DO SEXO FRACO 9 Julho

RUMO a FELICIDADE 16 Julho

RUMO a FELICIDADE 23 Julho

RUMO a FELICIDADE 30 Julho

A FORÇA DO SEXO FRACO

O ROSTO 3 Julho

A FORÇA DO SEXO FRACO 10 Julho

RUMO a FELICIDADE 17 Julho

RUMO a FELICIDADE 24 Julho

RUMO a FELICIDADE 31 Julho

O ROSTO

4 Julho

LUZ DE INVERNO

LUZ DE INVERNO

6 Julho

7 Julho

8 Julho

Versão Restaurada

Versão Restaurada

Versão Restaurada

A FONTE DA VIRGEM

A FONTE DA VIRGEM

11 Julho

12 Julho

13 Julho

14 Julho

15 Julho

Versão Restaurada

Versão Restaurada

Versão Restaurada

Versão Restaurada

20 Julho

21 Julho

22 Julho

Versão Restaurada

Versão Restaurada

RUMO a FELICIDADE

18 Julho

Versão Restaurada

A FLAUTA MaGICA

19 Julho

A FONTE DA VIRGEM

O ROSTO

25 Julho

26 Julho

A FLAUTA MaGICA

O ROSTO

Versão Restaurada

A FONTE DA VIRGEM A FLAUTA MaGICA

LUZ DE INVERNO

4 Agosto

5 Agosto

Versão Restaurada

Versão Restaurada

1 Agosto

2 Agosto

3 Agosto

Versão Restaurada

RUMO a FELICIDADE

LUZ DE INVERNO

29 Julho

A FORÇA DO O ROSTO SEXO FRACO

Versão Restaurada

A FLAUTA MaGICA

28 Julho

A FLAUTA MaGICA

Versão Restaurada

A FONTE DA VIRGEM

27 Julho

A FLAUTA MaGICA

Horários: 13h45, 15h45, 17h45, 19h45, 21h45 Excepto A FLAUTA MÁGICA: 14h, 16h30, 19h, 21h30

16 JULHO | AGOSTO 2015

5 Julho

LUZ DE INVERNO

A FORÇA DO SEXO FRACO

A FORÇA DO LUZ DE SEXO FRACO INVERNO

Todos os filmes em Projecção Digital

LUZ DE INVERNO

RUMO a FELICIDADE

A FLAUTA MaGICA

O ROSTO

A FLAUTA MaGICA

Bilhetes - Normal: 6€ - Segundas: 4€

Na compra de quatro, oferta do quinto bilhete

A FLAUTA MÁGICA - Menores de 15 anos: 3€


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