MONTANHA A estreia de Jo찾o Salaviza nas longas-metragens
6 A 15 DE NOVEMBRO Encontre os grandes nomes do cinema no Lisbon & Estoril Film Festival
KRZYSZTOF KIESLOWSKI A Dupla Vida de Veronique e a Trilogia das Cores em Vers천es Restauradas
NOVEMBRO | DEZEMBRO 2015
COSMOS
O premiado regresso de Andrzej Zulawski
RIGHT NOW, WRONG THEN
O Leopardo de Ouro de Hong Sang-Soo
NOVEMBRO | DEZEMBRO 2015
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EDITORIAL O cinema visto por… Novembro é mês de Lisbon & Estoril Film Festival, que este ano cumpre a sua 9ª edição. Os cinemas Medeia Monumental e Espaço Nimas acolhem uma parte substancial da sua programação, que se estende por outros espaços da cidade de Lisboa e pelo Estoril.
CONTOS CRUÉIS DA JUVENTUDE NAGISA ÔSHIMA SEISHUN ZANKOKU MONOGATARI
Dur: 96 min
DE BREVEMENTE
EXCLU
CINEMSIVO AS M
EDEIA
COM MIYUKI KUWANO, YÛSUKE KAWAZU, YOSHIKO KUGA, FUMIO WATANABE, SHINJI TANAKA
Reposição, em cópia digital restaurada, do segundo filme de Nagisa Oshima, crónica de uma juventude em queda livre, rebelde, violenta e niilista, no Japão dos anos 60.
Teremos connosco um número imenso de realizadores, actores, escritores, filósofos, músicos e intérpretes, talvez o maior jamais junto em Portugal, de que lhe damos conta neste número da Medeia Magazine. Continuamos a abrir as nossas páginas a novos colaboradores. Agradecemos ao Fernando Pinto do Amaral, ao Boris Nelepo, ao Rui Pedro Tendinha, à Fátima Castro Silva e à Raquel Morais, que nos ajudaram a fazer uma revista cada vez melhor.
As Nossas Salas: Cinema Monumental (Lisboa) Espaço Nimas (Lisboa) Teatro Municipal Campo Alegre (Porto) Auditório Charlot (Setúbal) Theatro Circo (Braga) Teatro Académico de Gil Vicente (Coimbra) Centro de Artes e Espectáculos (Figueira da Foz)
Programação sujeita a alterações de última hora. Confirme sempre em www.medeiafilmes.com Equipa Director: Paulo Branco Coordenação Editorial: António Costa Colaboração: Boris Nelepo, Fernando Pinto do Amaral, Fátima Castro Silva, Diana Cipriano, Raquel Morais, Renata Curado, Rui Pedro Tendinha Design: André Carvalho e Catarina Sampaio Capa: Cosmos Com o apoio
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NOVEMBRO | DEZEMBRO DEZEMBRO2015 2015
Primeiro tomo de uma trilogia (com O Túmulo do Sol e Noite e Neblina no Japão) realizada em 1960, Contos Cruéis da Juventude é um dos filmes pioneiros da chamada Nova Vaga japonesa que, alinhada com outras cinematografias, e tendo a francesa como estandarte, questionava os cânones narrativos, estéticos e sociais dos modelos anteriores. Oshima aliás, antes de realizar o primeiro filme em 1959, e tal como os seus colegas nos Cahiers du Cinéma, também escrevera para uma revista de cinema, onde clamava pelo fim do velho sistema de estúdios, advogando um cinema moderno e transgressor, que abalasse a consciência adormecida dos espectadores no seu país.
“Oshima expressa a profunda desilusão face ao fracasso moral e político de três gerações, a que viveu a guerra, a do imediato pós-guerra e a geração dos protagonistas. ” Através da alienação e revolta que consomem o seu jovem casalprotagonista, dois seres marginais envoltos numa espiral de desejo sexual, crime e violência, simultaneamente vítimas e agressores, Oshima expressa a profunda desilusão face ao fracasso moral e político de três gerações, a que viveu a guerra, a do imediato pós-guerra e a geração dos protagonistas. Neste filme emerge já o seu estilo radical, desconstruindo de forma crítica a imagética do cinema clássico japonês. Filmando em exteriores e no formato largo do Cinemascope, com a câmara à mão, privilegiando o plano-sequência e trabalhando o som e a cor (com exclusão auto-imposta do verde e preferência pelo vermelho), Oshima cria uma atmosfera angustiante, de uma urgência implacável. A iconoclastia do seu cinema já se sentia aqui, anos antes de O Império dos Sentidos, em 1976, ter explodido na cena internacional. Fátima Castro Silva
ESTREIAS CINEMA
MINHA MÃE MIA MADRE
DE NANNI
MORETTI
ESTREIA 26 NOV
Dur: 106 min
COM MARGHERITA BUY, JOHN TURTURRO, GIULIA LAZZARINI, NANNI MORETTI, BEATRICE MANCINI
Mia Madre é, sobretudo, um monumento mortuário, modesto, mas firmemente comemorativo da mãe de Moretti: Agata Apicella, professora de liceu de línguas clássicas.
Bibliotecas particulares Nanni Moretti estava a filmar Habemus Papam quando a mãe, Agata Apicella, morreu, no Outono de 2010. Mia Madre é o primeiro filme que realizou desde então. Também Margherita, a protagonista, é confrontada, em pleno período de rodagens, com a morte iminente da progenitora, Ada. O irmão, Giovanni, é interpretado pelo realizador. Há em Mia Madre uma série de correspondências com a vida de Nanni Moretti. O modo como a sua biografia constitui o filme faz dele, no entanto, algo de natureza um pouco distinta das outras obras do italiano. Se chamar àquelas diários não devia já ser lido como metáfora, Mia Madre vai um pouco mais longe: é, sobretudo, um monumento mortuário, modesto, mas firmemente comemorativo da mãe de Moretti (também por isso o título fica no singular): Agata, professora de liceu de línguas clássicas, conhecida pelos alunos, nos anos 40, como antifascista.
“Dividir” a mãe com Margherita, ficando em segundo plano, serve para evitar o perigo de ser o protagonista desta história. Moretti não poderia cumprir um gesto de distanciamento como o que Margherita pede aos seus actores - ficarem ao pé (porque fora) da sua personagem. Antes se esconde na figura do outro filho, que poderia às vezes passar por demasiado benigno – como aliás outras personagens de Moretti. Perdoamos-lhe essa fuga por ser sua a mais bela cena do filme: Giovanni, debruçado sobre a cama da mãe, imersa na penumbra, fala com ela sobre a sintaxe de uma frase. Ada é quase só uma voz que parece dirigir-se-lhe já do além-túmulo. Perdoamos-lhe também guardar para si o papel do filho mais tenaz, por esse acto ter menos de vaidade do que de comedimento - o gesto de escolher uma mulher para representar o seu papel é sobretudo uma forma de discrição. O silêncio de Moretti ecoa em Margherita. Esta, rodeada de uma equipa de técnicos, confessa-se à única pessoa que não pode perceber com clareza as suas palavras - Barry, o actor americano de italiano macarrónico que protagoniza o seu filme. Nessa cena, Margherita questiona o que acontecerá a todos os livros que ocupam as paredes da casa da mãe, o que restará de todos os seus anos de estudo e de trabalho. Moretti, cultor da inseparabilidade do público e do privado, faz do seu filme aquilo que resta. Mia Madre guarda, literalmente, a biblioteca de Agata. Raquel Morais Prémios e Festivais: Festival de Cannes: Prémio do Júri Ecuménico
NOVEMBRO | DEZEMBRO 2015
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ESTREIAS CINEMA
AMNÉSIA AMNESIA
ESTREIA 19 NOV
DE BARBET SCHROEDER
EXCLU
CINEMSIVO AS M
EDEIA
Dur: 96 min
COM MARTHE KELLER, MAX RIEMELT, BRUNO GANZ, CORINNA KIRCHHOFF
Quatro décadas depois Barbet Schroeder volta de novo a Ibiza num filme sobre o passado (o seu e o nosso, da Europa) e a memória das gerações mais novas. Depois de More, das experiências hippies e das drogas, e da música dos Pink Floyd, Schroeder mergulha de forma introspectiva, através da personagem de Martha (uma soberba Marthe Keller), na história da Europa e do seu lado mais negro, num filme paradoxalmente banhado pelo sol mediterrânico daquele paraíso nas Baleares. A Amnésia de que aqui se fala, não é propriamente a famosa discoteca que deu a conhecer o “som de Ibiza”, onde, tal como muitos outros, o jovem DJ alemão Joe almeja vir a exibir-se. Joe acaba por se apaixonar pela sua vizinha Martha, bastante mais velha do que ele, cujos segredos descobre acidentalmente (Martha é alemã e esconde isso) e, a partir daí, o filme
MORE
ESTREIA 19 NOV
MORE
DE BARBET SCHROEDER
torna-se uma espécie de “batalha da memória” sobre a história da Alemanha, como o descreveu a revista Les Inrockuptibles, sobre um passado que continua a assombrar a Europa. E a revista remata: na mesma linha dos documentários sobre Idi Amin ou Jacques Vergés (O Advogado do Terror), esta ficção de Barbet Schroeder é uma tentativa do realizador para “repensar o seu tempo, olhar para trás e fazer uma espécie de balanço político, existencial e romanesco, dos anos que viveu” e transmiti-lo às gerações futuras. Prémios e Festivais: Festival de Cannes: Selecção Oficial
EXCLU
CINEMSIVO AS M
EDEIA
Dur: 112 min
COM MIMSY FARMER, KLAUS GRÜNBERG, HEINZ ENGELMANN
“A Schroeder, o que o interessa, acima de tudo, é o lado aventuroso que há em toda a obra de criação.” Nestor Almendros (director de fotografia do filme)
Primeira longa-metragem de um “cineasta plural”, como lhe chamou Quim Casas1 (e também produtor – foi ele que fundou a emblemática Films du Losange, que produziu muitos dos grandes filmes da Nouvelle Vague, Rivette ou Rohmer, Jean Eustache, mas também Fassbinder ou Wenders, entre muitos outros -, e actor), More, de Barbet Schroeder, foi campeão de bilheteiras no ano de estreia (1969) e é hoje, indiscutivelmente, uma das obras-primas de Schroeder. Na sequência de um novo cinema que surgiu nos anos 60, contaminado por uma atmosfera pop, onde a música (no caso deste filme, a dos Pink Floyd, que colaborariam ainda com Schroeder em La Vallée), a moda, a utopia e as práticas da contra-cultura ocupavam um lugar de destaque, More é uma viagem iniciática, de norte para sul, até à ilha de Ibiza, um espaço aberto à liberdade, cenário privilegiado da cultura hippie, onde os corpos se podiam exibir na sua nudez, ao sol, onde era possível a comunhão com a natureza, por entre as pequenas casas brancas, as vielas estreitas, e uma estarrecedora 1 Barbet 2
paisagem de rochas e escarpas sobre as águas do mar Mediterrâneo. Viagem metafísica também, ou, antes de tudo o mais, como disse o realizador, uma viagem onde Stefan e Estelle andam antes em busca de si próprios, para conseguirem ser, cada vez mais, eles mesmos, ao ponto de se queimarem. Na ressaca do Maio de 68, Philippe Garrel dizia em Os Amantes Regulares, que depois do tempo da política chegara o tempo da arte, do amor e das drogas. E tanto Estelle (Mimsy Farmer), como, sobretudo, Stefan (Klaus Grüneberg) vão descobrir “a natureza paradoxal das drogas, a ideia de liberdade que estas simbolizam (prática contra-cultural, excitação dos sentidos, busca de novos limites) e dos riscos que acarretam (o vício)”.2 E o título More parece esconder a chave de um caminho que não passa pela restricção ou moderação, mas sim por um aumento progressivo, até se cair no excesso e na overdose.”3 Tudo isto sem cair num olhar moralista, sem julgar o comportamento das suas personagens.
Schroeder, Itinerarios y dilemas, Coordinado por Quim Casas y Joan Pons, Festival Internacional de Cine de Donostia – San Sebastian. Angel Quintana, in Barbet Schroeder, Itinerarios y dilemas, Coordinado por Quim Casas y Joan Pons, Festival Internacional de Cine de Donostia – San Sebastian. 3 Ibid.
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NOVEMBRO | DEZEMBRO 2015
ESTREIAS CINEMA
MONTANHA MONTANHA
DE JOÃO
SALAVIZA
ESTREIA 19 NOV
Dur: 90 min
COM CARLOTTO COTTA, MARIA JOÃO PINHO, CHEYENNE DOMINGUES, RODRIGO PERDIGÃO, DAVID MOURATO
Ironia das ironias: uma primeira obra a marcar o fim de ciclo de um cineasta. O cineasta é o jovem João Salaviza, recém chegado aos 30 e o seu ciclo que aqui se concretiza passava por um olhar táctil sobre adolescência.
Lá no alto, bem alto com Salaviza Depois das curtas Arena e Rafa, a sua primeira longa concretiza a síntese desse tema. Uma síntese onde se encontra uma linguagem em que se pressente qualquer coisa de novo. A novidade está precisamente na forma como Salaviza cristaliza uma linguagem sua de cinema sempre à base de momentos, de pedaços em cru de matéria humana. Este é o seu cinema.
Salaviza chamado David Mourato, talvez o rosto com mais cinema em muitos anos), encafuado entre o apartamento escuro dos Olivais e as ruas de uma Lisboa de verão quente com sons de doença urbana. Lá fora, tem o avô doente, uma mãe quase ausente e um triângulo amoroso com o melhor amigo, Rafa (precisamente o Rafa de Rafa, a curta de Salaviza que lhe deu o Urso de Ouro em Berlim) e uma vizinha, a Paulinha. São corpos entre o sol e a escuridão, corpos em movimento.
“A novidade está precisamente na forma como Salaviza cristaliza uma linguagem sua de cinema sempre à base de momentos, de pedaços em cru de matéria humana. Este é o seu cinema.” Segunda ironia: apesar de conter mil e uma referências a gestos do cinema nacional, é coisa sua. Só dele. Montanha faz a câmara de 35 mm deslizar sobre o corpo de um adolescente de 14 anos (“quase 15, faço no final do mês”, diz com ar ameaçador), David (interpretado por um rapaz descoberto por
David está naquela última etapa da adolescência. E dispara para todos os lados, ninguém o controla. Salaviza não está preocupado em construir o armamento narrativo com peripécias e principio, meio e fim. É como se as sequências se construissem sem mais nem menos, como se aqueles putos fizessem eles
próprios a coreografia do plano. Ideias de cinema que dão planos milagrosos, quase na ordem do transe – ninguém filma concertos daquela maneira, ninguém filma a tensão sexual daquela maneira. Mais sagrado do que tudo, Montanha faz o que só o cinema consegue: o êxtase do silêncio daquilo que só sente e não se mostra ou se diz na adolescência. Isso chama-se a intimidade do estado adolescente. Óbvio que nessa perfeição quase pura já não temos a linguagem das curtas. Salaviza é cineasta das longas, ponto. Esta sua longa é superior a qualquer uma das suas curtas, por sinal todas elas acima da média do que se faz em Portugal. Está aqui o cineasta da nova geração mais entusiasmante do cinema português. Rui Pedro Tendinha
Prémios e Festivais: Festival de Veneza: Selecção Oficial Festival de Montpellier: Antigone d’Or Lisbon & Estoril Film Festival: Selecção Oficial, Em Competição
NOVEMBRO | DEZEMBRO 2015
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ESTREIAS CINEMA
COSMOS COSMOS
DE ANDRZEJ
ESTREIA 3 DEZ
ŻULAWSKI
Dur: 103 min
COM VICTORIA GUERRA, JONATHAN GENET, SABINE AZÉMA, JEAN-FRANÇOIS BALMER, JOHAN LIBÉREAU, RICARDO PEREIRA, ANTÓNIO SIMÃO
Como é que se adaptam para o cinema as obras de Witold Gombrowicz, que está entre os grandes modernistas do século XX? Poucos se atreveram a fazê-lo. Enquanto a tentativa de Peter Lilienthal tenha sido tudo menos caída no esquecimento, o famoso realizador polaco Jerzy Skolimowski entrou num hiato de 17 anos após a sua adaptação falhada de Ferdydurke (30 Door Key, 1991). No entanto, o contrário mantémse válido para Andrzej Zulawski, um dos mais épicos realizadores vivos, que saiu de uma pausa de 15 anos para adaptar ao grande ecrã o quarto romance de Gombrowicz, Cosmos (1965), que é também o seu derradeiro e mais complexo trabalho. Que tipo de cosmos é este? Primeiro e acima de tudo, é o microcosmos bizarro de uma casa de hóspedes onde o jovem escritor Witold (Jonathan Genet) chega com o seu amigo Fuchs (Johan Libéreau) com o objectivo de terminar o seu romance The Haunted.
Deixemos que Gombrowicz faça o resumo mais preciso da sua própria obra-prima: “É com agrado que chamo a este trabalho um romance sobre uma realidade que se está a produzir a si própria. E porque um romance policial é precisamente isto – uma tentativa de organizar o caos – Cosmos tem um pouco a forma de um romance policial.” A prosa galopante de Gombrowicz encaixa no estilo de Zulawski como uma luva, acelerando o ritmo e dando a cada personagem um delírio próprio, entregando-lhe espadas verbais para tiradas espirituosas. A impenetrabilidade fundacional do mundo – a sua recusa de se submeter a um inquérito racional – causa agitação e, eventualmente, induz em loucura.
“É com agrado que chamo a este trabalho um romance sobre uma realidade que se está a produzir a si própria. E porque um romance policial é precisamente isto – uma tentativa de organizar o caos.” Witold Gombrowicz Um pardal enforcado numa corda perto da casa torna-os cautelosos em relação aos donos – a excêntrica Madame Woytis (Sabine Azéma) e o seu marido, Mr. Leon (Jean-François Balmer). Obcecado por uma criada com um lábio deformado (Clémentine Pons), Witold acaba por apaixonar-se pela filha de Woytis, a adorável e recém-casada (Victoria Guerra). Este breve sumário explora basicamente o argumento, porque o verdadeiro tema da narrativa é a máquina interpretativa das personagens, colocada em marcha para explicar o enigmático mundo à sua volta. 6
NOVEMBRO | DEZEMBRO 2015
ESTREIAS CINEMA
NOTA DE INTENÇÕES
Quem enforcou o pardal? Porque é que o gato foi morto? Porque é que Mersault em O Estrangeiro de Camus dispara mais quatro balas sobre a sua vítima, quando esta já está morta? Talvez seja, no final de contas, esta profunda ansiedade que torna humanos os humanos. Não é uma mera coincidência que Cosmos se bifurque no seu acto final, dando dois (ou mesmo três) finais por onde escolher. De facto, um filme como nenhum outro, ele resiste a qualquer rótulo para ser remetido à sua própria singularidade. É um burlesco filosófico? Uma comédia surrealista? Um mistério metafísico? Zulawski cita o poema Magnificat, de Fernando Pessoa, publicado em inglês na colecção A Little Larger Than the Entire Universe – e seria difícil de imaginar uma descrição mais apropriada do seu próprio trabalho. Boris Nelepo
Prémios e Festivais: Festival de Locarno: Leopardo para Melhor Realização Lisbon & Estoril Film Festival: Selecção Oficial
Este romance de Witold Gombrowicz, sem dúvida aquele que mais admiro na sua obra, é uma jóia, um pequeno diamante, perverso e afiado. Nunca pensei fazer dele um filme: talvez devido à admiração que por ele sinto, ou talvez porque todas as adaptações do autor se revelaram decepcionantes ou até ridículas. Gombrowicz era um homem extremamente inteligente, com uma escrita caprichosa, cheia de intrigas veladas por um humor surreal, ou, se quisermos ser mais simples, excêntrico. E/ou negro. Foi preciso Paulo Branco, um dos produtores mais inventivos a nível europeu – e também um dos mais cultos – para conseguir fazer-me acreditar que uma adaptação de Cosmos para o cinema era não só possível como também algo muito entusiasmante. Juntos, já tínhamos feito A Fidelidade, uma adaptação de A Princesa de Clèves para o grande ecrã, há 14 anos.
Andrzej Zulawski
NOVEMBRO NOVEMBRO || DEZEMBRO DEZEMBRO 2015
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6-15 NOV CONVIDADOS entre muitos outros... Nanni MORETTI
Louis GARREL
Don DELILLO
Laurie
ANDERSON
Bruno GANZ
Juan
Andrzej ZULAWSKI
Sabine AZÉMA
John BERGER
EM COMPETIÇÃO 7 CHINESE BROTHERS de Bob Byington Com a presença do realizador, 11 MINUT de Jerzy Skolimowski CHANT D'HIVER de Otar Iosseliani Com a presença do realizador, de Mathieu Amalric e Bernard Eisenchitz
GOYTISOLO
MONTANHA de João Salaviza Com a presença do realizador e do elenco KAILI BLUES (LU BIEN YE CAN) de Gan Bi PEACE TO US IN OUR DREAMS de Sharunas Bartas Com a presença do realizador ROOM de Lenny Abrahamson
EL APÓSTATA de Federico Veiroj Com a presença do actor Álvaro Ogalla
TE PROMETO ANARQUÍA de Julio Hernández Cordón Com a presença do realizador e do actor Eduardo Eliseo Martínez
JOURNEY TO THE SHORE de Kiyoshi Kurosawa
THE CHILDHOOD OF A LEADER de Brady Corbet
LA ACADEMIA DE LAS MUSAS de José Luis Guerín Com a presença do realizador
Com a presença do actor Mathieu Amalric
FORA DE COMPETIÇÃO 45 YEARS de Andrew Haigh ANOMALISA de Duke Johnson, Charlie Kaufman
TROIS SOUVENIRS DE MA JEUNESSE de Arnaud Desplechin
LOI DU MARCHÉ de Stephane Brizé Com apresentação por Vincent Lindon MINHA MÃE de Nanni Moretti Com a presença do realizador
CAVALEIRO DE COPAS de Terrence Malick
TUDO VAI FICAR BEM de Wim Wenders Com a presença do realizador
COSMOS de Andrzej Zulawski Com a presença do realizador Sabine Azéma, Victoria Guerra, António Simão e Paulo Branco
PROFISSIONAIS DA CRISE de David Gordon Green Presença do realizador e de Joaquim de Almeida
HEART OF A DOG de Laurie Anderson Apresentação por Laurie Anderson DIÁRIO DE UMA CRIADA DE QUARTO de Benoît Jacquot
Com a presença do realizador e Vincent Lindon EL CLAN de Pablo Trapero FRANCOFONIA de Aleksandr Sokurov 8
NOVEMBRO | DEZEMBRO 2015
QUE HORAS ELA VOLTA? de Anna Muylaert Com a presença da realizadora RABIN, THE LAST DAY de Amos Gitaï Apresentação por Amos Gitaï RIGHT NOW, WRONG THEN de Hong Sang Soo SONG ONE de Kate Barker-Froyland Conversa com Jonathan Demme e K.B.Froyland
TODA A PROGRAMAÇÃO DISPONÍVEL EM WWW.LEFFEST.COM
HOMENAGENS E RETROSPECTIVAS WENDERS
Jonathan DEMME
presença
presença
Luis Miguel
Wim
com a sua
com a sua
Hans-Jürgen
SYBERBERG
Barbet SCHROEDER
Jean DOUCHET
presença
presença
presença
CINTRA
presença
com a sua
com a sua
com a sua
com a sua
DESCOBRIR... Nabil
Martín
Sara
com a sua
com a sua
com a sua
AYOUCH
presença
REJTMAN
presença
DRIVER
presença
AUSTIN, TEXAS: O NOVO PÓLO AMERICANO A cidade de Austin posiciona-se enquanto “meca” do cinema independente americano, sobretudo graças ao trabalho colectivo do departamento de Rádio-Filme-Televisão (RTF) da Universidade do Texas (UT) em Austin, da Austin Film Society, e de uma abundância de festivais de cinema e outras organizações e infraestruturas que apoiam a comunidade cinematográfica.
SIMPÓSIO - BIGGER THAN LIFE
O simpósio internacional da edição 2015 do festival, que tem por título “Bigger than Life” e curadoria do filósofo José Gil, internacionalmente reconhecido como um dos maiores pensadores contemporâneos, irá abordar a relação entre ‘loucura e criação’, cujo interesse tem vindo a ser renovado por trabalhos nos campos da psiquiatria e das neurociências, e também na crítica e no pensamento sobre a arte.
EXPOSIÇÕES «À LUZ DO DIA ATÉ OS SONS BRILHAM»
Wim Wenders à Descoberta de Portugal Wim Wenders irá partilhar com o público do LEFFEST a sua paixão por Portugal através de uma exposição fotográfica inédita.
KAI WIEDENHÖFER
WARonWALL THE STRUGGLE IN SYRIA O LEFFEST apresentará no paredão de Cascais uma exposição inédita de fotografias tiradas na Síria, assinada pelo consagrado fotógrafo alemão Kai Wiedenhöfer.
O LEFFEST organiza uma retrospectiva, apresentando uma selecção de filmes de realizadores pertencentes à comunidade de Austin, sendo eles Richard Linklater, Robert Rodriguez, Jeff Nichols, David Gordon Green (cuja obra será exibida na íntegra), Geoff Marslett, Andrew Bujalski e Mike Judge.
ESPECTÁCULO - ETERNAL
Em 2013, Daniel Fish reuniu os actores Christina Rouner e Thomas Jay Ryan, para recriar, em vídeo, a última cena do filme Eternal Sunshine of the Spotless Mind (2004), de Michel Gondry. Em vez da sucessiva alternância em plano-contraplano, vemos, em simultâneo, os rostos dos dois actores, um em cada ecrã. Fish propôs-lhes que durante duas horas repetissem as falas de Joel e Clementine, numa espécie de ensaio aberto (ao público e a experimentações). Rouner e Ryan compõem variações sobre um mesmo tema – as falas de um casal prestes a separar-se. Experimentam tonalidades, expressões, gestos, num loop que sofre constantes mudanças. A criação de Fish recupera o mote do filme de Gondry. A milagrosa proposta de apagar memórias – criando mentes imaculadas –, que permitiria um recomeço, converte-se na repetição de um momento, na possibilidade de uma nova tentativa. Eternal é o conjunto desses esforços criativos, um jogo entre dois actores.
LEITURAS
DON DELILLO, JOHN BERGER JUAN GOYTISOLO, BERNARDO CARVALHO
HERE IS WHERE WE MEET AQUI NOS ENCONTRAMOS: JOHN BERGER E YVONNE BARLOW Uma exposição inédita de correspondência pictórica entre o escritor John Berger e a pintora Yvonne Barlow.
Ingrid García Jonsson vencedora do prémio para Melhor Actriz no LEFFEST'14
NOVEMBRO | DEZEMBRO 2015
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ESTREIAS CINEMA
QUATRO FILMES DE KRZYSZTOF KIESLOWSKI VERSÕES RESTAURADAS
Os Sinais da Alma Às vezes o melhor é voltarmos aos clássicos. Ao rever A Dupla Vida de Véronique e a Trilogia das Cores – Azul / Branco / Vermelho de Krzysztof Kieslowski, lembrei-me de Plutarco e das suas Vidas Paralelas. Logo no início da Vida de Alexandre, diz-nos esse grego do século I que «nem sempre são os feitos mais brilhantes que mostram melhor os vícios ou as virtudes dos homens. Uma coisa insignificante, uma simples palavra ou uma brincadeira lançam mais luz sobre o seu carácter do que combates sangrentos, grandes batalhas ou conquistas de cidades. Assim, tal como os pintores, nos seus retratos, procuram captar os traços do rosto ou do olhar onde vibra a natureza de uma pessoa, sem se deterem noutras partes do seu corpo, que nos seja também concedido concentrarmos o nosso estudo nos sinais distintivos da alma, desenhando através deles a vida dessas personagens.» Filmes como os de Kieslowski têm várias histórias para nos contar, com as personagens que as vivem, os actores e as actrizes que as interpretam, os tempos e os espaços onde se movem e se cruzam, mas o essencial nunca parecem ser apenas as histórias ou os factos que as sustentam – sobre eles paira sempre outra coisa, que perpassa por este cinema e lhe infunde um sopro de vida único e insubstituível. Um sopro que pertence a esta vida tal como a conhecemos, mas que ao mesmo tempo se situa sempre um pouco para lá dela e dos seus contornos mais evidentes ou previsíveis.
10 NOVEMBRO | DEZEMBRO 2015
EXCLU
CINEMSIVO AS M
EDEIA
Saber exactamente em que consiste esse sopro tornase difícil – sobretudo saber explicá-lo com palavras que fizessem jus a estes filmes. Claro que há a música, as imagens, os actores – ou neste caso duas actrizes sublimes, Juliette Binoche e Irène Jacob, que nunca mais veríamos como aqui. Claro que há as leituras simbólicas que poderíamos fazer, por exemplo através do significado atribuído às três cores – azul = liberdade; branco = igualdade; vermelho = fraternidade – , mas o que retenho destas obras preciosas, vinte anos depois, é acima de tudo um clima, uma atmosfera, um tom que não consigo cristalizar em nenhuma palavra ou em nenhuma imagem. A arte de Kieslowski vive desse tom, dessa «gravitas» em que o acaso desempenha um papel fundamental. Falo do acaso, mas não se trata simplesmente do acaso, já que cada gesto ou cada facto destas vidas, cada palavra ou cada silêncio destes homens ou destas mulheres nos leva a transpor uma fronteira para lá da qual o acaso se torna também outra coisa – um acaso que de súbito passa a fazer sentido e a que alguns poderiam chamar um destino.
ESTREIAS CINEMA Talvez por isso haja quem use o adjectivo «metafísico» ao falar do cinema de Kieslowski. Seja qual for o termo escolhido, estamos aqui perante uma metafísica dos acasos, próxima das «petrificantes coincidências» de que falava André Breton em Nadja, um livro de 1928 em que desenvolve a ideia surrealista do «acaso objectivo», que em L'amour fou (1937) viria a definir como «manifestação da necessidade exterior que traça o seu caminho através do inconsciente humano.» Aparentes coincidências que deixam de ser apenas coincidências, pormenores irrelevantes que afinal se tornam relevantes, familiaridades repentinas ou «factos-precipícios» (ainda Breton) em que descortinamos uma verdade nova e diferente, capaz de fazer inflectir uma vida humana noutro sentido ou de lhe dar outro sentido, sem que tal passe imediatamente para o nível da consciência.
A DUPLA VIDA DE VERONIQUE LA DOUBLE VIE DE VÉRONIQUE
ESTREIA 3 DEZ
Dur: 98 min
COM IRÈNE JACOB, WLADYSLAW KOWALSKI, HALINA GRYGLASZEWSKA
VERMELHO TROIS COULEURS: ROUGE
ESTREIA 3 DEZ
Dur: 99 min
COM IRÈNE JACOB, JEAN-LOUIS TRINTIGNANT, FRÉDÉRIQUE FEDER
Em Kieslowski está sempre subjacente uma noção de tudo isto, com as inevitáveis implicações éticas e o pressentimento dessa verdade digamos pré-consciente, mas atingindo-a sem o peso de amplas meditações ou de longos diálogos filosóficos que nos fizessem pensar explicitamente nessas questões. Aqui não precisamos disso, porque tudo fica implícito. Como se bastasse a própria vida para no-lo mostrar na sua urgência mais premente, ensinando-nos que cada uma das nossas vidas só pode fazer sentido quando se mistura com outras vidas até deixar de ser apenas nossa. Ou como se bastasse sabermos ler alguns dos seus sinais – sinais do acaso, do destino ou, como diria Plutarco, os sinais da alma. Fernando Pinto do Amaral
BRANCO TROIS COULEURS: BLANC
ESTREIA 3 DEZ
Dur: 91 min
COM ZBIGNIEW ZAMACHOWSKI, JULIE DELPY, JANUSZ GAJOS
AZUL
ESTREIA 3 DEZ TROIS COULEURS: BLEU
Dur: 98 min
COM JULIETTE BINOCHE, BENOÎT RÉGENT, FLORENCE PERNEL
NOVEMBRO | DEZEMBRO 2015 11
ESTREIAS CINEMA
STAR WARS
EP. VII - O DESPERTAR DA FORÇA STAR WARS: EPISODE VII - THE FORCE AWAKENS
DE J.J. ABRAMS ESTREIA 17 DEZ
Dur: 136 min
COM DAISY RIDLEY, CARRIE FISHER, JOHN BOYEGA, HARRISON FORD
MARK HAMILL, OSCAR ISAAC, SIMON PEGG, ADAM DRIVER
Numa linha temporal cuja acção se passa cerca de 30 anos após os acontecimentos de O Regresso do Jedi, O Despertar da Força começou como uma ideia que George Lucas havia já discutido após concluir a trilogia inicial, negando sempre a intenção de tornar numa realidade. Agora, mais de três décadas após a estreia de O Regresso de Jedi, os fãs voltam a ter encontro marcado com figuras como Luke Skywalker, Han Solo ou a Princesa Leia, conhecendo também novas figuras, que serão protagonizadas por jovens actores que se têm vindo a destacar no cinema e na televisão, como Adam Driver, Domhall Gleeson ou Oscar Isaac. De facto, embora este novo filme parta das personagens do universo criado por Lucas, a nova figura central na equipa criativa de Star Wars é o realizador e argumentista J. J. Abrams, escolhido em 2013 para liderar o projecto. Esta escolha trouxe bastante entusiasmo ao projecto, já que Abrams foi
RIGHT NOW, WRONG THEN RIGHT NOW, WRONG THEN
Mais de dez anos depois de Star Wars: Episódio III - A Vingança dos Sith, mais famosa saga da história do cinema regressa às salas, trazendo de volta os actores da trilogia original. o responsável pela revitalização da saga Star Trek no cinema em 2009, tendo sido também um dos criadores de Lost - Perdidos, uma das séries mais aclamadas pela crítica e público nos últimos anos. Com uma equipa criativa nova, mas voltando a trazer ao grande ecrã muitas das personagens que ajudaram Star Wars a tornar-se num fenómeno mundial que extrapola o cinema, este novo episódio está a ser recebido com enorme entusiasmado junto dos fãs e curiosos. O Despertar da Força parece ser um regresso à forma original da saga, adivinhando-se já um fenómeno cultural à escala global que promete quebrar vários recordes, projectando-se já mais de mil milhões de dólares em receitas de bilheteira. Diana Cipriano
EXCLU
CINEMSIVO AS M
EDEIA
Dur: 108 min
DE HONG SANGSOO ESTREIA 17 NOV COM JAE-YEONG JEONG, MIN-HEE KIM, YEO-JEONG YOON
O sul-coreano Hong Sangsoo retoma o tema fulcral do seu cinema, o desejo, num filme de estrutura dupla, que continua a sua pesquisa pelos caminhos e dilemas do humano. Ao seguir duas personagens, um realizador e uma aspirante a pintora, que se encontram e passam um dia juntos, narrado duas vezes, pela mesma ordem dos acontecimentos, Sangsoo filma duas variações aparentemente similares, mas distintas nas ínfimas e íntimas vacilações que habitam o seu par de protagonistas. Nestes dois filmes autónomos (com títulos diferentes e créditos a separá-los), que pelo olhar comparativo do espectador dialogam entre si, quase um filme e um seu remake, Right Now, Wrong Then procura a diferença na repetição, e remete para a dualidade entre ficção e realidade. Apoiando-se num enredo minimal, no naturalismo das interpretações, sempre atento aos matizes dos sentimentos, Hong Sangsoo mantém a sua assinatura fílmica, privilegiando 12 NOVEMBRO | DEZEMBRO 2015
as longas sequências e o plano médio fixo (pontuado com diversos zooms, sobretudo sobre o rosto dos actores em momentos de intensificação emocional), subtilmente mudando a posição da câmara, e portanto o ponto de vista, nas mesmas circunstâncias entre as duas partes, expondo as nuances da dinâmica entre o par. Reflexão sobre os mecanismos da narração, Right Now, Wrong Then é sobretudo um estudo sobre a natureza incerta e a contingência que impregnam as relações humanas, tendo sido galardoado com os Leopardos para melhor filme e actor na última edição do festival de Locarno. Fátima Castro Silva Prémios e Festivais: Festival de Locarno: Leopardo de Ouro: Prémio do Júri Ecuménico Festival de Locarno: Prémio do Júri Ecuménico Festival de Locarno: Leopardo para Melhor Interpretação Masculina
NOVEMBRO | DEZEMBRO 2015 13
ESTREIAS CINEMA
TUDO VAI FICAR BEM EVERY THING WILL BE FINE
DE WIM WENDERS ESTREIA 12 NOV
Dur: 118 min
COM JAMES FRANCO, CHARLOTTE GAINSBOURG, RACHEL MCADAMS, MARIE-JOSÉE CROZE
NO CINEMA MEDEIA MONUMENTAL A PARTIR DE A PARTIR DE 16 DE NOVEMBRO
Sete anos após Palermo Shooting, e depois de dois documentários, Pina e O Sal da Terra, Wim Wenders regressa à ficção com um drama íntimo filmado em 3D.
Tudo Vai Ficar Bem acompanha, durante 12 anos, o trajecto emocional de um grupo de pessoas, conectadas e assombradas por um acidente fatal. Tomas (James Franco) é um escritor em bloqueio criativo, que ao regressar a casa de carro, no meio de um denso nevão, atinge o trenó em que dois irmãos esquiavam, matando o mais velho. A sua viagem interior, do trauma à superação, é verdadeiramente central neste filme de Wim Wenders. Tomas é ‘wendersiano' por excelência, assemelha-se ao Travis de Paris, Texas, ou às personagens dos seus filmes alemães iniciais. Ele é um nowhere man (título de um dos livros que escreverá a partir da experiência do trauma), movendo-se em falso, ao correr do tempo, exangue emocionalmente, até ao momento em que realmente se abre aos seus próprios sentimentos e aos de outros. Em Pina, Wim Wenders tirou o máximo partido da estereoscopia para revelar a essência e a beleza das coreografias de Pina Bausch. Em Tudo Vai Ficar Bem, usa o 3D para criar um espaço mental e uma atmosfera
hipnóticas, suspensas, como se olhássemos o mundo pelos olhos sonâmbulos de Tomas. A passagem do tempo, a duração, tema fulcral no seu cinema, é aqui trabalhada em blocos WIM WENDERS de tempo real, separados por grandes elipses temporais, o que exacerba o carácter desligado da narrativa. Aos actores, Wenders pede menos representação e mais imersão nas personagens, menos psicologia e mais presença face às câmaras 3D que, como ele diz, “são como lupas que agigantam tudo o que se vê, e fazem com que o filme se pareça mais com o que se entende como realidade, e menos como algo que se projecta num ecrã”. Em The State of Things (1982), Wim Wenders temia pelo futuro do cinema. Em Tudo Vai Ficar Bem, ousa fazer um melodrama em 3D, apostando nas “coisas” do cinema, de novo. Entusiasta desta ferramenta, acredita que ela trará o cinema de volta à exploração do humano, face à representação do sobrehumano e da fantasia que tantos filmes contemporâneos privilegiam. Com essa nova linguagem, e sabendo que ainda há muito para sobre ela aprender e compreender, Wenders faz uma discreta mas sincera emotion picture sobre a culpa e o perdão. Fátima Castro Silva Prémios e Festivais: Festival de Berlim – Fora de Competição Festival de Toronto – Selecção Oficial Lisbon & Estoril Film Festival - Selecção Oficial
14 NOVEMBRO | DEZEMBRO 2015
OUTRAS PROGRAMAÇÃO ESTREIAS
JÁ EM DVD AS NUVENS DE SILS MARIA DE OLIVIER ASSAYAS
Festival de Cannes – Selecção Oficial Prémios César – Melhor Actriz Secundária (Kristen Stewart) Prémio Louis Delluc – Vencedor
No auge da sua carreira, a actriz Maria Enders (Juliette Binoche) é desafiada a integrar o elenco de uma nova encenação da peça que a tornara famosa vinte anos atrás. Nessa altura, ela interpretara o papel de Sigrid, uma jovem manipuladora que leva a sua chefe Helena, com quem mantinha uma relação, ao suicídio. Agora, ela é desafiada a interpretar o papel de Helena. As Nuvens de Sils Maria é uma reflexão sobre a ligação entre a vida e o teatro, a condição feminina e a relação da mulher e da actriz com a passagem do tempo. Aborda o trabalho das actrizes, a sua relação com os textos e personagens a que dão vida e os actores e actrizes com quem contracenam.
LEVIATÃ DE ANDREY ZVYAGINTSEV Festival de Cannes – Melhor Argumento Golden Globes – Melhor Filme Estrangeiro Oscars – Nomeado a Melhor Filme Estrangeiro
Kolia mora numa pequena cidade à beira do mar de Barents, no norte da Rússia. Tem uma garagem ao lado da casa onde vive com a mulher Lylia e o filho Romka, de um casamento anterior. O Presidente da Câmara da cidade, Vadim Sergeyich, deseja apropriar-se do terreno do Kolia, da sua casa e da sua garagem. Tem projetos para aquela propriedade. Inicialmente tenta comprá-la mas Kolia não suporta a ideia de perder tudo o que possui, não apenas o terreno mas também a beleza que o rodeia desde que nasceu. É então que Vadim Sergeyich se torna mais agressivo...
007 SPECTRE DE SAM MENDES Uma mensagem oculta do passado de James Bond coloca-o no rasto de uma organização sinistra. Enquanto M enfrenta uma batalha política para manter os serviços secretos activos, Bond vai fazer tudo para revelar a terrível verdade que se esconde por trás de Spectre. Daniel Craig veste novamente a pele do agente 007, num elenco que conta ainda com Christoph Waltz, Léa Seydoux e Monica Bellucci, entre outros.
ESTREIA 5 NOVEMBRO
THE HUNGER GAMES: A REVOLTA, PARTE 2 DE FRANCIS LAWRENCE Com a nação de Panem numa guerra em grande escala, Katniss (Jennifer Lawrence) confronta o Presidente Snow, na batalha final. Unida a um grupo de amigos mais próximos, Katniss sai numa missão, arriscando as suas vidas para assassinar o Presidente Snow.
ESTREIA 19 NOVEMBRO
A PONTE DOS ESPIÕES DE STEVEN SPIELBERG O mais recente filme de Steven Spielberg, é um thriller dramático que nos conta a história de James Donovan, interpretado por Tom Hanks, um advogado de Brooklyn que se encontra encurralado no centro da Guerra Fria, quando a CIA decide enviá-lo numa tarefa quase impossível para negociar a libertação de um piloto americano.
ESTREIA 26 NOVEMBRO
QUE HORAS ELA VOLTA? DE ANNA MUYLAERT
Cinema Medeia Monumental - Edifício Monumental
Av. Praia da Vitória, 72 - 1050-183 Lisboa - Telefone: 213 142 223
Cinema Medeia Espaço Nimas
Av. 5 de Outubro, 42 B - 1050-057 Lisboa - Telefone: 213 574 362
Val é uma empregada que leva o seu trabalho muito a sério: trabalha de manhã à noite para os seus patrões abastados, cuidando também do seu filho adolescente. Tudo e todos estão no lugar certo nesta casa elegante até ao dia em que Jessica, a filha ambiciosa e inteligente de Val, regressa e vem destruir o equilíbrio de poder existente naquela casa.
ESTREIA 3 DEZEMBRO NOVEMBRO NOVEMBRO || DEZEMBRO DEZEMBRO 2015 15
6-15 NOV CINEMA MEDEIA MONUMENTAL • ESPAÇO NIMAS CASINO ESTORIL • CENTRO CULTURAL DE CASCAIS TEATRO NACIONAL D. MARIA II • CCB CINEMATECA PORTUGUESA • MUSEU DA ÁGUA CASA DAS HISTÓRIAS PAULA REGO
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16 NOVEMBRO | DEZEMBRO 2015