Medeia magazine - Novembro / Dezembro 2016

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OS BELOS DIAS DE ARANJUEZ Celebração da linguagem e do erotismo num diálogo de Verão

O VENDEDOR

Retrato impressionante da sociedade iraniana

SAINT AMOUR

Depardieu num filme divertido e emocionante

de protesto EU, Odegrito Ken Loach DANIEL BLAKE

O EXAME

A mestria cativante de um dos maiores cineastas europeus

ANIMAIS NOTURNOS Belo, sofisticado, electrizante NOVEMBRO | DEZEMBRO '16

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EDITORIAL Quem é que começa? Tu. Como estava previsto. São estas as primeiras frases do livro de Peter Handke, Os Belos Dias de Aranjuez, que Wim Wenders adaptou ao cinema, um dos muitos filmes que ainda poderá ver nos cinemas Medeia ao longo destes dois últimos meses do ano, numa panóplia de obras que vai da Europa aos EUA e ao Oriente.

SAINT AMOUR

EXCLU

ESTREIA 8 DEZ

SAINT AMOUR

DE BENOÎT

DELÉPINE, GUSTAVE KERVERN

CINEMSIVO AS M

EDEIA

Duração: 1h 41min

COM GÉRARD DEPARDIEU, BENOÎT POELVOORDE, VINCENT LACOSTE, CÉLINE SALLETTE

Ao sexto filme, Benoît Delépine e Gustave Kervern fazem, em Saint Amour, uma comédia sob a forma de um road movie

Road of movies, uma rota por várias cinematografias, autores e actores, e, certamente, alguns dos melhores filmes do ano que agora chega ao fim. A escolha é sua. Esperamos por si. Quem é que começa? Tu. Como estava previsto.

As Nossas Salas: Cinema Monumental (Lisboa) Espaço Nimas (Lisboa) TMP Campo Alegre (Porto) Auditório Charlot (Setúbal) Theatro Circo (Braga) Teatro Académico Gil Vicente (Coimbra) Centro de Artes e Espectáculos (Figueira da Foz)

Programação sujeita a alterações de última hora. Confirme sempre em www.medeiafilmes.com

Equipa Director: Paulo Branco Coordenação Editorial: António Costa Colaboram neste número: Boris Nelepo, Diana Cipriano, Fátima Castro Silva, Francisco Noronha, Inês Viana, Lara Marques Pereira, Nuno Galopim, Renata Curado. Design: André Carvalho e Catarina Sampaio Capa: Os Belos Dias de Aranjuez; Eu, Daniel Blake

Gérard Depardieu, habitué dos filmes da dupla francesa, descreve-a assim: “Kervern é um actor, Delépine um panfletário e o seu cinema é uma espécie de BD que tem mais em comum com o desenho do que com o realismo. [...] São as suas dores e as suas fragilidades que os unem e ainda esse sofrimento e falta de confiança que caracterizam a sociedade francesa de hoje. Em Saint Amour, poucos sabem o que é necessário fazer, poucos têm objectivos na vida”. O trio central de personagens — um agricultor viúvo (Depardieu) e o seu filho de meia-idade (Benoît Poelvoorde), vindos a Paris participar num concurso de uma feira de agricultura com o touro que criaram, e o jovem taxista parisiense que depois os conduzirá numa viagem pela rota dos vinhos no território francês (Vincent Lacoste) — é um retrato de uma masculinidade em perda, três gerações sentimentalmente à deriva, que voltam ao ponto de partida para poderem começar de novo. Com um método de trabalho muito punk, onde a urgência de fazer cinema e a espontaneidade reinam, sem ensaios prévios, direcção de actores minimalista que fomenta a improvisação, filmando frequentemente com apenas uma câmara, em plano-sequência, sem contracampo, Delépine e Kervern fazem de Saint Amour um território de liberdade, bizarro, surreal, divertido e terno. Depardieu, depois de Valley of Love (de Guillaume Nicloux), volta a ser comovente na sua desmesura frágil e Michel Houellebecq (que com a dupla fez, como protagonista, Experiência de Quase Morte) tem neste filme um cameo inesquecível. Delépine e Kervern têm um amor imenso pelos seus actores e pelas suas personagens, que se abstêm de julgar. Para eles, a vida é tão importante como o cinema. Fátima Castro Silva

Com o apoio

Prémios e Festivais: Festival de Berlim: Selecção Oficial, Fora de Competição

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ESTREIAS CINEMA

O EXAME BACALAUREAT

DE

EM EXIBIÇÃO

CRISTIAN MUNGIU

Duração: 2h 08min

COM ADRIAN TITIENI, MARIA DRAGUS, LIA BUGNAR, MALINA MANOVICI, VLAD IVANOV

Depois do brilhante Para Lá das Colinas, Mungiu “desce” de Deus e do cimo dos montes para a realidade terrena de uma família romena em desintegração acelerada.

No seu mais recente filme, o olhar sociologicamente perscrutador de Mungiu — partilhado pelos seus colegas da chamada “nova vaga” romena (Cristi Puiu, Corneliu Porumboiu, entre outros), importantíssimo movimento surgido nos primeiros anos deste século — mostra-se mais aguçado do que nunca, sem embandeirar, porém, em statements políticos fáceis nem se preocupando em encontrar vítimas e culpados, ecoando sempre nos seus filmes e nas suas personagens o renoiriano aforismo de que “Todos têm as suas razões”. Como nos filmes anteriores do romeno, cada acontecimento narrativo é uma caixa de pandora que espoleta uma série de acontecimentos subsequentes imprevisíveis. No caso, é a partir do incidente com Eliza, a filha de Romeo, que um conjunto de eventos se precipita e faz entrar definitivamente em erupção os problemas e malentendidos adormecidos de uma família “à beira de um ataque de nervos” — da família mas não só, pois os seus problemas estão intrinsecamente ligados aos de toda uma sociedade ou, se quisermos, de uma “grande família” chamada Roménia (a teia de acontecimentos “familiares” a formar-se, em paralelo e entrecruzadamente, com a teia da corrupção na escola, no hospital, na polícia). Um dos maiores pontos de interesse do cinema de Mungiu é o modo como os seus filmes se alicerçam num princípio de, digamos, “dúvida metódica”: nem as personagens, nem o espectador têm alguma vez a certeza absoluta dos factos e das motivações de cada um, por mais que os dispositivos “de investigação” até sejam colocados em cena, e esse

é o trick irónico e deveras inteligente utilizado pelo romeno (exemplo paradigmático é o print screen que Romeo pede aos polícias). Em registo realista paredes-meias com o melodrama, a realidade familiar funciona como o “laboratório” para uma reflexão mais abrangente sobre a sociedade romena e o espírito descrente de uma geração (a dos pais de Eliza, que é, note-se, sensivelmente a mesma de Mungiu) numa Roménia pós-comunista mais desenvolvida e mais justa, um absoluto desacreditar de que ainda é possível mudar algo para melhor quando eles próprios (a geração de Romeo) não o conseguiram. Daí os “Kensington Gardens” do “primeiro mundo” que Romeo não se cansa de lembrar à filha, de a fazer ver como aquele país “não é para novos” (pressão já explorada em filmes como Occident ou Para Lá das Colinas). Mas, uma vez mais, a dúvida: será que é unicamente pelo “futuro” da filha que Romeo deseja a sua partida ou será que essa não é apenas a forma de “arrumar” o assunto familiar e começar, finalmente, uma nova vida com Sandra? At the end of the day (e, não sendo um dia, o filme passa-se em pouco mais do que isso), todos fazem o seu exame, todos passam por testes e provas de resistência, e, para Mungiu, ao contrário daquilo que Romeo diz à filha, os resultados são aquilo que menos interessa. Francisco Noronha

Prémios e Festivais: Festival de Cannes - Prémio Melhor Realizador Festival de Toronto

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ESTREIAS CINEMA

ELA ELLE

DE

EM EXIBIÇÃO

PAUL VERHOEVEN

COM ISABELLE HUPPERT, LAURENT LAFITTE, ANNE CONSIGNY

Duração: 2h 10min

Pergunta: Como é que se interessou por este filme?

P: Que tipo de preparação é que fez para este papel?

Isabelle Hupert: Em primeiro lugar li o livro, o Philippe Djian é um autor bem conhecido em França e pareceu-me boa ideia. A escrita do Philippe é muito cinematográfica e muito visual, por isso é fácil achar que os livros dele podem ser transformados em filmes. A história passa-se nos subúrbios, numa espécie de terra de ninguém que pode ser em qualquer lado. Podia ter sido nos subúrbios de Nova Iorque, ou de uma qualquer grande cidade americana. E é importante situar a história nos subúrbios, porque não seria a mesma coisa se fosse passada numa grande cidade, porque há esta ideia de solidão de quem está nos subúrbios.

IH: Eu nunca faço uma grande preparação, porque não é possível preparar-me para algo que ainda não sei o que é. Tal como no filme, nada é verdadeiramente previsível. A única coisa que se pode preparar é o guarda-roupa, que é muito importante e demora muito tempo. Há que escolher bem para a primeira cena em que a personagem aparece, tem de se perceber que é uma mulher de um determinado extracto social e que tem uma empresa. Esse é o aspecto mais concreto da preparação para a personagem mas tirando isso, como é que nos podemos preparar? Com alguns realizadores faz-se leituras, mas o Paul não trabalha assim.

P: As actrizes americanas queixam-se muitas vezes de que não há papéis femininos interessantes, no entanto, quando o Paul Verhoeven apareceu com esta personagem forte e poderosa, ninguém queria interpretá-la…

“Um violador e uma mulher que se sente atraída pelo violador? Temos de olhar para além disto, obviamente.” Isabelle Huppert IH: Talvez porque estavam a fazer as perguntas erradas. Um violador e uma mulher que se sente atraída pelo violador? Temos de olhar para além disto, obviamente. Talvez nós franceses sejamos um pouco mais manhosos a lidar com isto! (risos)

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P: Será que há alguma coisa neste tipo de mulher durona, na natureza destas personagens que a atrai? Escolhe estas personagens de propósito porque se sente atraída? IH: A questão é que eu não penso nelas dessa forma. Fico sempre muito surpreendida com as definições sobre as personagens que interpreto. Claro que há esta ideia de sado-masoquismo, mas há muito mais do que isso, algo que não é dito, que não é definido. Consigo compreender que o público veja estas personagens como mulheres fortes, mas só até certo ponto, porque se prestarmos atenção, elas até podem ser fortes mas nunca são sentimentalistas, porque eu não sou sentimentalista. Tento ser o mais verdadeira possível, é talvez a minha única busca, por isso não gosto de idealizar as coisas ou torná-las mais suaves do que são, ou mais doces. Não gosto disso.


ESTREIAS CINEMA P: Você já trabalhou com muitos realizadores, há algo na “Também não tenho dúvidas sobre o Paul forma de trabalhar do Paul Verhoeven que a surpreenda? Verhoeven, que eu venero, sempre achei que IH: Sim. E o que surpreende, de uma forma muito positiva — é algo que eu já esperava, mas superou as minhas expectativas — é que ele foi muito, muito simpático. E mais do que isso, foi muito gentil, delicado e atento. É muito cúmplice com os seus actores. Nunca nos sentimos em perigo ou que ele está a manipular-nos, o que seria insuportável. Esta história, que tem uma carga irónica muito forte e é tão insolente, isto é o verdadeiro contributo dele. Podemos achar que é uma situação difícil mas ele está sempre ao lado dos actores e do lado das personagens, não interessa quem são. Até mesmo em relação aos homens da história, já ouvi muita gente dizer que são maltratados, o que não concordo, até mesmo para com eles havia muita compaixão. Claro que os homens do filme não valem nada, a maior parte deles, mas há alguma compaixão, são personagens tocantes. P: Mas os homens do filme, quando comparados com as mulheres, são todos fracos… IH: Sim, são fracos mas não são para ser desprezados. Acho que de uma forma um pouco inesperada, há uma certa humanidade no filme, de uma maneira muito estranha. O Paul não constrói uma linha a direito, vai contra várias coisas, mas no final, acho que há algo de muito universal no que se diz sobre hereditariedade, transmissão, família e laços familiares. A forma como se transmite a violência, por exemplo, acho muito interessante.

é um grande realizador e isso foi encorajador para mim.” Isabelle Huppert

P: Há pouco falou de cineastas como Michael Haneke ou Claude Chabrol, com quem trabalhou várias vezes e de facto, o filme tem qualquer coisa deles… IH: Concordo. E ainda ontem ouvi falar de alguém que não tinha pensado e que era o Buñuel, o que não anda longe da verdade. Há uma coisa de que gosto, já estava no livro e agora também no filme, claro que é um filme realista, mas o facto de se passar nos subúrbios, para mim funciona quase como uma fábula e tem algo de irrealista. Se pensarmos numa fábula, todas as coisas são aceitáveis porque é uma história aberta a fantasias e a situações inacreditáveis, e são as nossas fantasias. Também é um pouco como num videojogo, coisas estranhas acontecem com enorme brutalidade, de forma arbitrária, sem muitas explicações. Acho que o facto de ela ter uma empresa de videojogos é muito acertado, embora não estivesse no livro, mas é muito mais visual e sublinha melhor a metáfora do filme. Achei muito interessante. Lara Marques Pereira, Cinemax / Medeia Magazine [Excertos de uma entrevista colectiva em Cannes 2016]

P: Agora que o filme está feito, é possível perceber que resulta, mas quando estava a filmar não teve dúvidas? IH: Não. Nunca tenho dúvidas. Quando estou a filmar não tenho dúvidas, senão não conseguiria fazê-lo. Não preciso de pôr uma venda para criar a sensação de dúvida, simplesmente não tenho. Depois, o filme tem a sua própria vida, às vezes agrada às pessoas, outras vezes não. Mas eu acredito totalmente no que fiz, caso contrário não o faria. Também não tenho dúvidas sobre o Paul Verhoeven, que eu venero, sempre achei que é um grande realizador e isso foi encorajador para mim.

Prémios e Festivais: Festival de Cannes Lisbon & Estoril Film Festival: Prémio NOS Público

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ESTREIAS CINEMA

AMERICAN HONEY ALIADOS AMERICAN HONEY

ESTREIA 1 DEZ

ALLIED

DE ANDREA ARNOLD EM EXIBIÇÃO

DE ROBERT ZEMECKIS

COM SASHA LANE, SHIA LABEOUF, RILEY KEOUGH Dur: 2h 43min

COM BRAD PITT, MARION COTILLARD, VINCENT EBRAHIM

Duração: 2h 18min

O rustbelt americano visto através de um grupo de jovens, num filme brutal e deslumbrante

Andrea Arnold tem uma sensibilidade que amplia o realismo do seu cinema e lhe confere um carácter próprio e uma força imensa. American Honey transporta estas características para território profundamente americano, não só fisicamente, já que é lá que se passa toda a narrativa do filme, mas também no género, um road movie que nunca cai em lugares comuns, que é tão americano como o seu título. Mas tal como acontecera com O Monte dos Vendavais (2011), o facto de Arnold se debruçar sobre espaços já amplamente explorados nunca compromete a originalidade do olhar da sua câmara, que nos obriga a (re)ver aquela realidade sob uma nova luz. Na sua adaptação do clássico de Emily Brontë, a força vinha da sinceridade e candura com que representou os contornos violentos da relação entre Heathcliff e Catherine (e da sua representação da cor da pele de Heathcliff). Em American Honey essa energia vem da abordagem ao grupo de pessoas que retrata, da forma como filma os lugares que frequentam e como lhes dá espaço para expressarem a sua verdade. Na América actual, a pobreza e a exclusão estão presentes na vastidão das planícies, nas intermináveis estradas, nos imensuráveis hipermercados. É nesta realidade que vivem os protagonistas de American Honey, e a sua visão do mundo apenas pode ser compreendida neste contexto. “A América é um lugar vasto e complicado, cheio de todo o tipo de verdades e contradições e queria criar uma ligação emocional com isso”, diz Arnold em entrevista ao The Guardian. Esta ligação permite-nos ver o país sob uma luz diferente, uma juventude que foi deixada para trás e vive hedonisticamente e à margem da sociedade como forma de lidar com esse abandono, sem nunca cair em paternalismos e mostrando tanto a sua força como a sua doçura. Diana Cipriano

Prémios e Festivais: Festival de Cannes - Prémio do Júri

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Um dos blockbusters deste Inverno, o novo filme de Robert Zemeckis é um drama romântico passado na segunda Grande Guerra. Max Vatan (Brad Pitt) é um agente da inteligência britânica e tem um caso tórrido com Marianne Beausejour (Marion Cotillard), uma resistente francesa. Mas esta pode ser também uma espia alemã… Emocionante, recheado de paixão e transgressão, a suspeita sempre presente, este é um filme que se prepara para os Oscars. E que o gossip generalizado não deixará de referir que foi a sua rodagem a provocar a separação do casal mais famoso entre as estrelas de cinema: Brad Pitt e Angelina Jolie.

ROGUE ONE

ESTREIA 15 DEZ

UMA HISTÓRIA DE STAR WARS STAR WARS: ROGUE ONE

DE GARETH EDWARDS

Duração: 2h 13min

COM FELICITY JONES, MADS MIKKELSEN, BEN MENDELSOHN

Um novo capítulo da saga Guerra das Estrelas, Rogue One tem vindo a ser desvendado aos poucos, em pequenos teasers. Genuíno, mais humano, tocante, são alguns dos adjectivos empregues por quem nele trabalha. May the Force be with us, a partir de 15 de Dezembro.


ESTREIAS CINEMA

GIMME DANGER GIMME DANGER

UM DOCUMENTÁRIO DE

JIM JARMUSCH

EM EXIBIÇÃO Duração: 1h 48min

COM IGGY POPRON ASHETON, SCOTT ASHETON. JAMES WILLIAMSON, STEVE MACACKAY, MIKE WATT

As memórias de um sobreviente Há uma fotografia histórica de 1972 que, tirada por Mick Rock, nos mostra Iggy Pop com um maço de tabaco entre os dentes e os dois braços lançados sobre dois amigos. De um lado David Bowie, com quem assinaria discos históricos na segunda metade dos anos 70. Do outro, Lou Reed, que acabara de criar Transformer. 44 anos depois, quem imaginaria que, entre eles, Iggy Pop seria o sobrevivente? E é com ele, apresentado pelo seu nome real, James Newell Osterberg Jr (agora com 69 anos) que Jim Jarmusch abre Gimme Danger, o documentário com o qual nos conta a história dos Stooges, que diz ser a maior banda de rock’n’roll de todos os tempos. O sentido de “perigo” a que as memórias aludem mora no passado. E é com uma informalidade doméstica e um contagiante sentido de humor, que Iggy nos conduz através de recordações que lembram que, antes dos discos e dos palcos, houve um período de vivência próxima com os pais que cedo entenderam que a bateria que o jovem James instalara no centro da roulotte onde viviam (e que estava longe de ser das peças mais silenciosas lá de casa) tinha um significado a que o tempo acabaria por dar razão. Vale a pena lembrar aqui que os três álbuns que os Stooges editaram na sua primeira vida — The Stooges (1969), Fun House (1970) e Raw Power (1973) —lançaram as bases para o que, pouco depois, seria o punk. E que Jarmusch era presença habitual no CBGB’s, o bar de Nova Iorque onde o punk ganhou asas e voou. Há por isso aqui um tributo a quem abriu os caminhos que ali fizeram história. Num tempo em que ouvia sobretudo os blues, Iggy conta aqui que, um dia, fumou um charro perto das margens de um rio e percebeu que não era negro; mas ficou com vontade de fazer algo pela sua geração tão marcante como aqueles músicos negros que o haviam influenciado tinham feito para os seus.

Foi o que aconteceu. E é essa a narrativa que Jarmusch aqui evoca juntando novas entrevistas com Iggy e os outros elementos da banda, intensas imagens de arquivo da sua história e outras mais que ajudam a desenhar os ambientes da América de então que lhes servia de cenário. Em 1973, como o filme recorda, os Stooges chegaram a ser tratados como amadores e pouco imaginativos. Hoje, e após a reunião de 2003, são referência. E aqueles três discos invariavelmente citados como clássicos rock’n’roll. Jarmusch, que o percebeu na altura, mostra-nos agora porque assim é. Nuno Galopim

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ESTREIAS CINEMA

OS BELOS DIAS DE ARANJUEZ LES BEAUX JOURS D’ARANJUEZ

DE

WIM WENDERS

ESTREIA 15 DEZEMBRO

EXCLU

CINEMSIVO AS M

EDEIA

Duração: 1h 37min

COM SOPHIE SEMIN, REDA KATEB, JENZ HARZER, NICK CAVE

Jardim Mágico No terraço de uma vila pitoresca com vista sobre Paris, um homem e uma mulher conversam de forma casual, saltando de tópico em tópico tão livremente quanto os professores de Hans Castorp em A Montanha Mágica de Thomas Mann. Quando não está ocupado a observá-los e a anotar apressadamente as suas deixas numa máquina de escrever, o autor põe a tocar numa jukebox as suas canções favoritas. Em termos gerais, o resumo do enredo fica-se por aqui no que respeita à última incursão de Wim Wenders no 3D, Os Belos Dias de Aranjuez, filmado na mansão de Sarah Bernhardt ao longo de dez dias e baseado na recente peça epónima de Peter Handke, à qual a primeira produção de Wenders na língua francesa, de outro modo bastante fiel, introduz um terceiro personagem — o escritor. Os Belos Dias de Aranjuez foi o único título verdadeiramente radical e experimental da competição de Veneza deste ano; sonda a própria natureza do seu meio e recusa tenazmente vergarse perante o gosto dominante. O facto de Handke, com quem Wenders colaborou em quatro das suas obras mais aclamadas, conceber um arranjo muito especial, cuja sensibilidade poética se encontra no limite da abstracção, torna ainda mais impressionante o feito da realização.

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“Os Belos Dias de Aranjuez foi o único título verdadeiramente radical e experimental da competição de Veneza deste ano” Boris Nelepo Um alquimista que controla com mestria o seu estranho ofício, Wenders parte do essencial — a palavra, o rosto, a voz, o cenário — e introduz o seu público ao processo sempre imprevisível do cinema que surge destes elementos. No entanto, o resoluto minimalismo de duas pessoas que falam incessantemente a uma mesa é, no mínimo, ilusório, pois o enquadramento de Wenders vai sempre adquirindo novas dimensões, à medida que o universo de Os Belos Dias de Aranjuez se expande incessantemente, desejando ser visto por um espectador arrebatado e ansiando pela sua co-autoria. De A Montanha Mágica, o cineasta toma de empréstimo a consistência metódica na abordagem de vários modos de perceber o mundo, tanto interna como externamente. Num diálogo ininterrupto, a mulher fala da sua dor profunda, enquanto o homem tenta distraí-la com alusões de beleza; por vezes, o seu intercâmbio assemelha-se a um confronto entre autobiografia e ficção.


ESTREIAS CINEMA Depois a música: Os Belos Dias… é pontuado por selecções de jukebox, que cumprem aqui a mesma função que os discos de Hans Castorp no seu sanatório alpino. Nick Cave faz uma breve aparição para interromper uma música a meio e acabá-la ele mesmo, ao piano.

Diferentes formas de arte são materializadas numa rápida progressão. Antes de mais, o cinema. Filmar uma cena com duas pessoas que conversam uma com a outra é uma competência fundamental de um cineasta e, todavia, este exercício simples demonstra ser tão exigente como quaisquer outras cenas aparentemente mais elaboradas. Repetidamente, Wenders reorganiza de forma subtil a sua mise-en-scène enquanto o autor lança olhares furtivos às suas personagens, a câmara faz uma panorâmica à frente delas, e a rotina do campo-contracampo tradicional adquire uma elegância inesperada. Actualmente, depois de Tudo Vai Ficar Bem e de Os Belos Dias de Aranjuez, é impossível negar que Wenders usa o 3D como um mecanismo artístico legítimo e figura entre os eleitos que exploram o potencial criativo da tecnologia (os outros dois são Jean-Luc Godard e, talvez, Paul W.S. Anderson). De vez em quando, a câmara faz uma delicada dança ao redor das personagens, e o mundo parece envolvê-las num abraço terno.

FOTO DE LEOCADIE HANDKE

O universo de Wenders em Tão Longe, Tão Perto (1993) fora também uma vez perturbado por Lou Reed, cujo Perfect Day abre Os Belos Dias… sobre as desoladas ruas matutinas de Paris: uma escolha arriscada que nenhum outro cineasta seria capaz de fazer. Afinal, trata-se, da parte de Wenders, de um sinal de amizade e de um gesto comemorativo, já que parece remeter para o deserto urbano da sua curta-metragem inicial, Silver City Revisited, e recorda as interacções reflexivas que teve com Handke sobre a relação paisagem citadina/música na sua primeira colaboração, 3 American LP's. “Amizade” é aqui o termo operativo. Quando um jardineiro entra no jardim do autor, não é outro senão o próprio Peter Handke, e ao espaço fílmico acresce um outro qualificativo, sob a forma de outro autor, que aparece como que para ver o seu mundo reelaborado por um cineasta segundo o seu próprio critério. Boris Nelepo [trad. Inês Viana]

Daí, a próxima forma de arte — a pintura. Não via tantas tonalidades de verde desde Os Amores de Astrea e Celadon (2007), de Eric Rohmer. Luz e folhagem, o sol e as árvores são tão cruciais aqui como as pessoas: são os guardiões da harmonia. O filme chega a uma graciosa conclusão com uma paisagem de Paul Cézanne. Um quadro emoldurado parece continuar a cena improvisada que o autor observa através da janela. Daí o teatro.

FOTO DE DONATA WENDERS

Prémios e Festivais: Festival de Veneza Festival de Toronto Lisbon & Estoril Film Festival

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ESTREIAS CINEMA

O VENDEDOR FORUSHANDE

DE ASGAR FARHADI

COM

ESTREIA 22 DEZEMBRO

SHAHAB HOSSEINI, TARANEH ALIDOOSTI, BABAK KARIMI

Duração: 2h 05min

Entre o “teatro” e a “realidade”, um retrato da sociedade iraniana que arrecadou dois prémios no Festival de Cannes Escrevia Serge Kaganski na Inrockuptibles, que “O Vendedor é um filme emblemático da força do cinema [do iraniano Asgar Farhadi]: uma narrativa densa, rica em pistas falsas, viragens e reviravoltas diversas, que levam a que as personagens percorram todo o arco entre o bem e o mal”. Depois do enorme sucesso de A Separação (entre muitos prémios, Oscar para o Melhor Filme Estrangeiro), Farahadi desenha um novo “conto moral” sobre a sociedade iraniana, melhor dito, a classe média de Teerão. Emad (Shahab Hosseini) e Rana (Taraneh Alidoosti) são um jovem casal (ele é professor, ambos são actores amadores) e terão de abandonar o apartamento onde vivem, em perigo de ruir. Um colega do grupo de teatro arranja-lhes uma solução, e é na sua nova casa, antes ocupada por uma prostituta, que acontece algo de traumático que poderá fazer desmoronar uma relação que até aí parecia mais que segura. Prémios e Festivais: Festival de Cannes: Prémios Melhor Argumento e Melhor Actor Festival de Toronto

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Questões como a vergonha e a culpa, a vingança ou a pressão dos outros, são aqui trabalhadas de forma meticulosa por Fahardi, que, como explicou Peter Bradshaw no The Guardian, justapõe as cenas mais sombrias e complexas da vida de Emad e Rana, com as cenas da peça de Arthur Miller que ambos representam, A Morte de Um Caixeiro Viajante. “O realismo sujo e a tragédia clássica lado a lado. Emad é contido e cerebral, mas também pode ser que representar a peça de Miller lhe tenha dado uma ideia pretensiosa, dramática e moralmente heróica de si próprio. Willy Loman [personagem de Miller que Emad interpreta]

interroga-se angustiado que espécie de homem não pode dar à sua mulher e à sua família as coisas boas da vida. Emad pergunta-se que espécie de homem não consegue proteger a sua mulher de uma agressão.” Entre o drama e a vida real, e as sombras de Hitchcock, Wilder ou Abbas Kiarostami, Asgar Farhadi constrói um filme preciso e rigoroso que mantém o espectador em estado de alerta permanente.


ESTREIAS CINEMA

EU, DANIEL BLAKE I, DANIEL BLAKE

DE KEN LOACH ESTREIA 1 DEZEMBRO

Duração: 1h 40min

COM DAVE JOHNS, HAYLEY SQUIRES, SHARON PERCY, BRIANA SHANN, DYLAN MCKIERNAN

Palma de Ouro em Cannes este ano, Eu, Daniel Blake reafirma a inabalável coerência do percurso artístico de Ken Loach

Em 50 longos anos de carreira (passados em revista a uma sensação de urgência e raiva face ao estado do no documentário de Louise Osmond, a estrear em mundo, enformam Eu, Daniel Blake, a história de um simultâneo, Versus: A Vida e os Filmes de Ken Loach), marceneiro de 59 anos (e de uma mãe solteira com premiado com um Urso de Ouro honorário (em duas crianças com quem este se cruza), que depois de Berlim 2014) e uma anterior Palma de Ouro em sobreviver a um ataque cardíaco se vê numa terra de 2006 (por The Wind That Shakes the Barley / Brisa de ninguém, manietado pela cruel e kafkiana burocracia Mudança), Loach sempre ancorou o seu cinema num do Estado social. nó primordial: o intrincado vínculo entre o pessoal e o político. Expoente do realismo social comprometido, “É essa resistência que queremos valorizar, o veterano realizador inglês construiu uma obra mostrar, celebrar. Daniel Blake não é uma consistente, erguida a partir de um posicionamento vítima, é um homem pleno de dignidade” exterior ao sistema e de um olhar especialmente atento ao dia-a-dia das classes trabalhadoras. Desde o título, que estoicamente afirma uma identidade, logo uma individualidade, Eu, Daniel Para Ken Loach, essa tradição britânica tem raízes na Blake é um filme ao mesmo tempo indignado com literatura vitoriana, em especial na feroz crítica social a degradação humana e social e genuíno na forma dos romances de Charles Dickens, prosseguindo com como olha para as personagens, celebrando a sua as obras do grupo de dramaturgos e romancistas dignidade e resistência (“É essa resistência que conhecidos como angry young men do fim da década queremos valorizar, mostrar, celebrar. Daniel de 1950 (Alan Sillitoe, Shelagh Delaney e sobretudo Blake não é uma vítima, é um homem pleno John Osborne com a peça Looking Back in Anger). de dignidade”) e clamando por uma reacção, nossa Desde o início da sua obra, que começou pela também, como seus espectadores. televisão, Ken Loach nunca escamoteou o seu Fátima Castro Silva engajamento: “Quando começámos, abordávamos questões como os problemas de alojamento, Prémios e Festivais: o aborto, a pobreza, e os filmes procuravam Festival de Cannes: Palma de Ouro uma solução para essas questões. Mas hoje não Festival de Locarno: Prémio do Público existe uma cultura política que dê aos novos Festival de San Sebastián: Prémio do Público realizadores e escritores esse tipo de análise social”. Esse sentimento de lacuna gritante, associado NOVEMBRO | DEZEMBRO '16 11


ESTREIAS CINEMA

ANIMAIS NOTURNOS NOCTURNAL ANIMALS

DE

TOM FORD

EM EXIBIÇÃO

Duração: 1h 57min

COM AMY ADAMS, JAKE GYLLENHAAL, MICHAEL SHANNON, AARON TAYLOR-JOHNSON, ISLA FISHER

Tom Ford regressa à realização com um drama sofisticado, violento e ambicioso Sete anos após Um Homem Singular, a sua estreia na realização e no cinema, Tom Ford, uma das mentes mais criativas e inovadoras do mundo da moda, volta a escrever e realizar, adaptando agora o romance Tony and Susan, de Austin Wright. Neste thriller dramático, Ford desdobra a narrativa em duas histórias: a principal, acerca de Susan (Amy Adams), uma bem sucedida curadora de arte desencantada com o seu casamento falhado, que recebe o manuscrito de um livro que o seu exmarido escreveu e lhe dedicou, um drama violento passado no Texas. Assim que Susan começa a sua leitura, somos mergulhados na narrativa que se desenvolve no livro, a de Tony, um homem comum ( Jake Gyllenhaal), que numa viagem de carro com a sua família numa estrada isolada, tem um encontro com um grupo de rednecks violentos que acaba em tragédia e obriga Tony a procurar justiça pelas suas próprias mãos. O filme transporta-nos numa intensa viagem entre as duas narrativas, transitando perfeitamente entre ambas, usando uma delas para expor verdades acerca da outra. As duas histórias, repletas de duplos e complicadas reviravoltas, assemelham-se a uma sala de espelhos, estando um deles condenado a quebrar-se. Ford equilibra a intensidade da narrativa com momentos que aliviam a tensão, usando o seu talento e mestria como estilista para criar personagens disruptivas, com estéticas arrojadas e cheias de excessos, que parecem saídas das páginas de uma revista de moda. Acerca deste balanço entre comédia e tragédia, o realizador revelou, em entrevista à New York Magazine: “A vida está cheia de momentos assim! Quando alguém próximo de nós morre, uma das formas de ultrapassar a dor da perda é fazendo piadas. Já temos realidade que chegue. Estamos sempre a viver a vida real! Trata-se de um filme, e quero que seja isso mesmo, um filme.”

12 NOVEMBRO | DEZEMBRO '16

Tal como tinha acontecido com Um Homem Singular, Animais Noturnos beneficia do sentido estético de Tom Ford e da sua sensibilidade para a beleza. No entanto, como realizador afirma neste filme quão vazias são as noções de beleza e materialismo: “O mais importante é manter as coisas em perspectiva. Embora possamos desfrutar da beleza e dos bens materiais, e efectivamente amá-los, não podemos contar com eles para nos trazerem felicidade. A felicidade vem das pessoas que significam algo para nós. Isso é o mais importante, e é o tema principal do filme, não deixar essas pessoas escapar.” Amy Adams e Jake Gyllenhaal lideram um elenco de luxo que torna o filme em mais do que apenas uma aposta ambiciosa. Tom Ford revela ainda o quão catártico foi escrever e realizar Animais Noturnos, afirmando, nas palavras do seu protagonista, “Ninguém escreve sobre nada a não ser sobre si mesmo”. Diana Cipriano

Prémios e Festivais: Festival de Veneza - Prémio Especial do Júri Festival de Toronto Associação de Críticos Alemães - Melhor Filme


ESTREIAS CINEMA

ATÉ NUNCA À JAMAIS

DE BENOÎT JACQUOT

COM

ESTREIA 29 DEZEMBRO

EXCLU

CINEMSIVO AS M

Duração: 1h 26min

EDEIA

MATHIEU AMALRIC, JULIA ROY, JEANNE BALIBAR, VICTORIA GUERRA

Inspirado no livro de Don DeLillo The Body Artist (O Corpo Enquanto Arte), Até Nunca, de Benoit Jacquot, é a história de uma jovem mulher ( Julia Roy, também a argumentista do filme) que perde o companheiro e vive o luto e a experiência de uma separação definitiva. “É um filme radical”, diz Benoit Jacquot, “porque apesar de todos nós já termos vivido isto, ou podermos vir a vivê-lo, temos dificuldade em nos relacionarmos com a ideia de perder quem amamos”. Laura é uma performer e Jacques é um realizador de cinema. Apaixonam-se e vivem o romance numa casa isolada, perto do mar. A morte inesperada de Jacques deixa Laura sozinha no espaço que outrora pertencera aos dois e aos poucos ela vai mergulhando numa dimensão fantasmagórica, povoada pelas memórias das rotinas do casal, mas que pode ser também um estado emocional que alimenta o processo de criação. Foi o produtor Paulo Branco que propôs a Benoit Jacquot este filme, a partir do livro de DeLillo, e sugeriu que fosse rodado em Portugal. O realizador admite que os lugares que fazem parte da história não têm uma geografia definida, por isso pode ser contada em qualquer parte. No entanto, há uma vantagem no convite para trabalhar em Portugal. O realizador conta que o facto de a rodagem ter sido feita na região Sul do país, fez com que toda a equipa (franceses e portugueses), estivesse a trabalhar longe de casa e isso normalmente ajuda a tornar-nos mais criativos. Sobre a história de Don DeLillo, o realizador admite que não conhecia o livro e só o leu depois da proposta de Branco. “A primeira reacção foi de alguma perplexidade, mas percebi que havia ali um filme possível.”

Benôit Jacquot diz que tudo se resolveu no momento em que convidou a actriz Julia Roy para participar no filme e escrever o argumento. Para a actriz/argumentista, o maior desafio foi tentar afastar-se do ponto de vista de quem escreve, para chegar ao ponto de vista da personagem. Laura é uma personagem com várias camadas, mas apesar da complexidade do papel o realizador não discutiu a sua construção com a jovem Julia Roy. “Geralmente não discuto as personagens com os actores, peço-lhes que representem um papel e se eles aceitam, dou-lhes o papel, é deles. Depois dou-lhes indicações que têm que ver com a luz ou a posição da câmara, mas nunca sobre a psicologia da personagem, ou algo do género. Deixo-os criar e no final assumo a responsabilidade pela minha escolha dos actores.” O realizador acrescenta que, neste caso, o facto de a actriz ter escrito todo o argumento, incluindo a sua própria personagem, é quase como uma radicalização da forma como trabalha. E conclui: “Mas este é um filme muito radical, por isso para mim é coerente.” Benôit Jacquot acredita que esta foi também a forma como o escritor Don DeLillo, se relacionou com o filme. Não participou na escrita do argumento, nem deu propriamente sugestões para o filme, mas Jacquot acredita que o escritor deixou que o livro pudesse ser usado numa base de confiança. Lara Marques Pereira, Cinemax / Medeia Magazine [entrevista a Benôit Jacquot e Julia Roy, no festival de Veneza]

Prémios e Festivais: Festival de Veneza Festival de Toronto Lisbon & Estoril Film Festival

NOVEMBRO | DEZEMBRO '16 13


ESTREIAS CINEMA

LION - A LONGA ESTRADA PARA CASA CUSTE O QUE CUSTAR LION

DE GARTH DAVIS ESTREIA 8 DEZ

HELL OR HIGHWATER

Dur: 2 horas

COM NICOLE KIDMAN, DEV PATEL, ROONEY MARA

DE DAVID MACKENZIE ESTREIA 8 DEZ COM JEFF BRIDGES, DALE DICKEY, BEN FOSTER, CRIS PINE

Dur: 1h 42min

O Western revisitado num drama sobre o crime, o medo e… a crise e prepotência da banca, que dois irmãos e um pai enfrentam quando se apercebem que estão na iminência de perder a quinta da família no Texas. A mestria de David Mackenzie (O Sentido do Amor, 2011, e Starred Up, 2013) cruza-se aqui com as brilhantes interpretações de Jeff Bridges ou Cris Pine, e uma fabulosa banda sonora de Nick Cave e Warren Ellis. Sooro, um rapaz indiano de 5 anos, perde-se da família e vai parar às ruas de Calcutá. Acaba por ser levado para um orfanato e mais tarde é adoptado por um casal australiano. Perto dos 30 anos, com o advento do Google Maps, Sooro tenta descobrir o seu passado. Um elenco internacional onde pontuam Nicole Kidman, David Wenham, Rooney Mara e Dev Patel, fazem de Lion – A Longa Estrada para Casa, do realizador Garth Davis (que em 2013 trabalhara com Jane Campion na série Top of the Lake), uma viagem fascinante sobre a identidade e a família no mundo global. Apostam-se algumas nomeações para os Oscars.

Prémios e Festivais: Festival de Cannes: Un Certain Regard Lisbon & Estoril Film Festival

BELEZA COLATERAL OURO COLLATERAL BEAUTY

DE DAVID FRANKEL ESTREIA 22 DEZ

ESTREIA 29 DEZ

GOLD

Dur: 1h 34min

COM WILL SMITH, KATE WINSLET, KEIRA KNIGHTLEY, HELEN MIRREN

DE STEPHEN GAGHAN COM MATHEW MCCONAUGHEY, BRYCE DALLAS, EDGAR RAMIREZ

Mais um filme a tentar posicionar-se para os Oscars. Kenny Wells (Matthew McConaughey) é um americano que sonha mudar de vida. Em busca do ouro com um geólogo, depressa percebe que guardar o metal precioso e escapar aos inimigos que vão surgindo é uma tarefa muito mais complicada do que prevera.

Uma tragédia pessoal leva Howard (Will Smith) a entrar em depressão. Para se libertar, decide escrever cartas. Para os amigos? Não. Para a Morte, o Tempo e o Amor. E isso vai preocupar os que o rodeiam. Mas o que parece impossível, afinal não é. E Howard vai aprender de novo o valor da vida. Um elenco fabuloso, que reúne ainda Helen Mirren, Jacob Latimore, Keira Knightley, Edward Norton ou Kate Winslet… 14 NOVEMBRO | DEZEMBRO '16

Prémios e Festivais: Hollywood Film Awards: Elenco do Ano


ESTREIAS CINEMA

WIM WENDERS / PETER HANDKE OS FILMES PRIMORDIAIS DE NOVO EM SALA, EM CÓPIAS RESTAURADAS

O ESTADO DAS COISAS

A MULHER CANHOTA

PARIS TEXAS

AS ASAS DO DESEJO

A partir do mês de Dezembro, em simultâneo à estreia da sua última longa-metragem, a Leopardo Filmes e a Medeia Filmes vão trazer de novo às salas várias das obras mais emblemáticas do realizador Wim Wenders, um nome maior do cinema contemporâneo, cuja filmografia é, como escreveu João Lopes, “um universo imenso, plural e fascinante”. A começar, no dia 15 de Dezembro no Espaço Nimas, o filme de referência que Wenders veio rodar a Portugal, com produção de Paulo Branco, O Estado das Coisas, Leão de Ouro em Veneza em 1982. Seguir-se-ão, a 29, Paris Texas (1984; Palma de Ouro, em Cannes, e provavelmente o seu filme mais universal) e As Asas do Desejo (1987; Prémio Melhor Realizador no mesmo festival), uma das várias colaborações com Peter Handke, presença assídua desde o início da obra de Wenders.

De Handke, exibiremos também, na mesma data, em cópia restaurada, o seu filme A Mulher Canhota (1978; que o escritor e realizador veio apresentar ao LEFFEST). Este programa, que se alargará ao Porto, Coimbra, Braga, Setúbal e Figueira da Foz, continuará ao longo dos meses de Janeiro e Fevereiro com a exibição de vários dos filmes mais representativos do realizador, dos anos 70 e 80.

NOVEMBRO | DEZEMBRO '16 15


16 NOVEMBRO | DEZEMBRO '16


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