Medeia Magazine - Setembro, Outubro de 2017

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Setembro | Outubro 2017

BLADE RUNNER A mais desejada sequela 2049 de um filme de culto TODOS OS

SONHOS

DO MUNDO Notável retrato dos portugueses em França

O DIA SEGUINTE

As subtis variações do génio do cinema coreano

A FÁBRICA DE NADA

Tomar a vida nas mãos

COLO

Um filme justo no nosso tempo

SETEMBRO | OUTUBRO '17

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EDITORIAL Setembro é mês de rentrée e as estreias mais aguardadas do ano começam a chegar. Dos novos filmes de Hong Sangsoo ou Kathryn Bigelow à expectativa da sequela de Blade Runner, agora realizado por Dennis Villeneuve, ou Mother!, de Darren Aronofsky. Os portugueses Colo e A Fábrica de Nada, estreados este ano nos festivais de Berlin e Cannes, e o filme de Laurence Ferreira Barbosa, Todos os Sonhos do Mundo. Neste início de Setembro revisitamos em Lisboa e Porto Bergman e Ozu, e no final de Outubro será Wim Wenders, ele próprio, a visitar-nos para nos falar da sua obra, que exibimos em cópias restauradas. Também Vanessa Redgrave estará no cinema Monumental, para apresentar o seu filme sobre a crise dos refugiados. Continuaremos com as nossas sessões especiais, desta vez um ciclo de filmes que falam do cinema, a comemorar o 5º aniversário do site À Pala de Walsh. E as surpresas que semana a semana lhe trazemos. As Nossas Salas: Cinema Monumental (Lisboa) Espaço Nimas (Lisboa) Teatro Campo Alegre (Porto) Auditório Charlot (Setúbal) Theatro Circo (Braga) Teatro Académico Gil Vicente (Coimbra) Centro de Artes e Espectáculos (Figueira da Foz)

Programação sujeita a alterações de última hora. Confirme sempre em www.medeiafilmes.com

Equipa Director: Paulo Branco Coordenação Editorial: António Costa Colaboram neste número: Daniel Rosenfeld, Fátima Castro Silva, Gabe Klinger, Hermínio Amaro, Inês Viana, Joana Cunha Ferreira, Kathryn Bigelow, Laurence Ferreira Barbosa, Lucie Lucas, Peter Keough, Raquel Morais, Renata Curado, Teresa Villaverde, Vanessa Redgrave. Design: André Carvalho e Catarina Sampaio Capa: O Dia Seguinte Com o apoio

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SETEMBRO | OUTUBRO '17

O NOSSO ÚLTIMO TANGO GERMAN KRAL

DE GERMAN KRAL BREVEMENTE

Dur: 1h 25min

COM MARÍA NIEVES REGO, JUAN CARLOS COPES, MELINA BRUTMAN

EXCLU

CINEMSIVO

MEDE AS IA

“Obrigaram-me a fazer este filme”, disse-me a rir Juan Carlos Copes, o protagonista. Eu não tinha percebido a que se referia até que vi este documentário co-produzido por Wim Wenders. Pela primeira vez, filmaram-se os segredos da dança e a intimidade da grande dupla de tango que é lendária na Argentina. O tango em si mesmo tem regras, uma linguagem, reinventa-se a partir dos seus próprios clichés. Com o tempo mudam as modas da dança, há tangos for export, também há tangos para dançar na penumbra de um pátio de Buenos Aires. Hoje, os truques de dança ensinam-se em todo o mundo, mas há uma tradição que não está nas escolas de dança, que vem do coração das milongas, esses salões de bairro onde ainda se dança o tango. Ali, nas milongas, ganharam fama María Nieves e Juan Carlos Copes, a dupla de bailarinos que correu o mundo e que ainda hoje, aos oitenta anos, continua junta. Qual é o segredo? Ninguém sabe, mas o realizador deste documentário, German Kral, faz uma homenagem ao percurso destes dançarinos, com imagens de arquivo, reconstituições ficcionadas, entrevistas e muita dança. Stendhal escreveu várias vezes sobre a fragilidade do amor; talvez este documentário descreva a força de um casal, mas como diz o refrão, do amor ao ódio por vezes vai só um passo. Daniel Rosenfeld [trad. Inês Viana]

Festivais e Prémios: Festival de Berlim – Selecção Oficial Festival de Sundance – Selecção Oficial


ESTREIAS CINEMA

SEA SORROW

EXCLU

CINEMSIVO AS M

ESTREIA 28 SETEMBRO

EDEIA

SEA SORROW

DOCUMENTÁRIO DE VANESSA REDGRAVE

COM RALPH FIENNES E EMMA THOMPSON Dur: 1h 14min

A actriz Vanessa Redgrave dirigiu um documentário corajoso e de uma grande sinceridade sobre a crise dos refugiados. A anteceder a estreia nacional, irá apresentá-lo, acompanhada por Alfred Dubs, ao cinema Medeia Monumental, no dia 19 de Setembro.

Uma vez, penso que em 1948, ouvi uma emissão da rádio BBC Home Service que dramatizava os artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Para mim, uma atenta menina de onze anos, este foi um início pleno de convicção e de esperança. Os governos mundiais tinham então descoberto a forma de prevenir atrocidades como o Holocausto Nazi, que se propusera eliminar o povo judeu na Europa. A Declaração estabelecia que mulheres e crianças devem ter uma assistência especial. Quando o corpo sem vida do bebé Alan Kurdis foi arrastado até ao resort turco de Bodrum, e encontrado junto à água, a fotografia da notícia chocou milhões de pessoas, eu incluída. A família sírio-curda do bebé tinha escapado da sua aldeia de Kobani, cercada duas vezes pelo Daesh, na esperança de que um pequeno bote de borracha pudesse transportálos ao longo de duas milhas até à ilha grega de Kos, onde poderiam pedir asilo. Tinham um familiar no Canadá que esperavam poder contactar. Como a maioria das pessoas, fiquei horrorizada pelo facto de este bebé, a sua mãe e a sua irmã terem morrido por não conseguirem encontrar uma forma segura e legal de atravessar o mar para receber asilo. Então, organizei um espectáculo para angariação de fundos, em Dezembro de 2015, com a ajuda da Sand Films. Conseguimos cerca de 7000 libras para o Conselho Britânico para os Refugiados. Escolhi os textos de Virgílio e de Shakespeare, que expressam ambos a necessidade desta protecção, como apenas os grandes escritores conseguem. De facto, Shakespeare deu-nos o título. “Our sea-

sorrow” diz Próspero, em A Tempestade, enquanto conta à sua filha como conseguiram salvar-se de um afogamento num barco apodrecido no mar. Senti que as palavras de Shakespeare ecoam perfeitamente a tragédia dos refugiados, afogados ao escapar das guerras e das violentas privações nos seus países. Começámos a filmar Sea Sorrow de novo, com uma entrevista ao Lord Alf Dubs. A sua campanha inequívoca e vigorosa pela concessão de 3000 vistos britânicos a crianças não acompanhadas granjeou rapidamente enorme apoio e admiração […]. Como a maioria das pessoas hoje sabe, Alf Dubs tinha seis anos na altura do Kindertransport para a Grã-Bretanha em 1939, que salvou cerca de dez mil crianças judias de diferentes nacionalidades. Tive esperança de que a história de Alf Dubs viesse a ser bem acolhida e compreendida, a de uma das dez mil crianças que escaparam dos nazis graças a um pequeno grupo de britânicos. Este filme é uma espécie de poema. Sea Sorrow pode ser visto como uma elegia. Espero, de qualquer modo, que o meu primeiro filme possa ajudar os jovens a manter e a prosseguir os seus esforços para assegurar o apoio e a protecção dos refugiados, não só na Grã-Bretanha como em todo o mundo. Vanessa Redgrave, 8 de Abril de 2017 (versão reduzida. O depoimento pode ser lido na íntegra em medeia.filmes.com) [trad. de Inês Viana]

Festivais e Prémios: Festival de Cannes – Selecção Oficial Festival de Sidney Festival de Nova Iorque

SETEMBRO | OUTUBRO '17

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ESTREIAS CINEMA

DETROIT

ESTREIA 14 SETEMBRO

DETROIT

DE KATHRYN BIGELOW

COM JOHN BOYEGA, ANTHONY MACKIE, ALGEE SMITH, WILL POULTER Dur: 2h 23min

Peter Keough: A questão racial tem sido cada vez mais extremada desde a eleição de Donald Trump. Que expectativas tem quanto à recepção de Detroit? Kathryn Bigelow: O filme estava em pós-produção à data das eleições, não é uma resposta directa a isso. O ponto de partida era saber como é que se inicia um diálogo acerca da questão racial neste país – tem sido difícil, nos últimos 50 anos. Nos E.U.A., esse diálogo é bastante silencioso, ainda que seja premente. A minha esperança é que esta história possa encorajar outras histórias a questionarem o porquê de o conflito racial continuar a ser uma constante. PK: Espera alguma espécie de crítica negativa por parte daqueles que põem em causa a utilização da ficção para contar histórias reais? KB: Detroit é um filme de ficção, não um documentário. Mark Boal, o argumentista, serviuse da sua experiência como repórter e utilizou a documentação disponível, relatos da época, documentos do tribunal. Quando existiam lacunas ou discrepâncias, ficcionalizámos, mas o filme baseia-se essencialmente em trabalho de pesquisa.

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PK: Depois de ter começado por fazer filmes de género ou mais avant garde, as suas obras passaram a ser essencialmente sobre factos reais. Porquê? KB: A partir de Estado de Guerra (2009), comecei a encarar o cinema como uma forma de jornalismo. A ênfase deixou de estar na realização e passou para a relação entre o espectador e as imagens. Um filme é uma oportunidade de transmitir informação – esta parece-me uma forma produtiva de utilizar o cinema, sobretudo quando se consegue criar uma relação com o público. Humanizar o conflito e a tragédia permite criar empatia. Empatia é diferente de simpatia. É uma forma de envolvimento mais activa. É nela que tem origem o diálogo e, quem sabe, a justiça. PK: Em vez de mostrar os levantamentos do Verão de 1967 na íntegra, recria a experiência de um grupo de indivíduos, para o espectador ter uma ideia de como é estar numa situação desumanizante. KB: Precisamente. Oferecemos o contexto e depois perguntamos: como é que uma comunidade pode estar tão revoltada, tão frustrada ao ponto de incendiar as suas próprias casas? A beleza deste argumento é oferecer um quadro geral da situação, focar-se depois em algumas personagens particulares e finalmente concentrar-se numa única figura, com a qual nos podemos relacionar. [Excertos de uma entrevista a Kathryn Bigelow conduzida por Peter Keough e publicada no site do The Boston Globe, em Julho de 2017]


ESTREIAS CINEMA

COLO COLO

ESTREIA 12 OUT

Dur: 2h 16min

DE TERESA VILLAVERDE COM BEATRIZ BATARDA, ALICE ALBERGARIA

BORGES, JOÃO PEDRO VAZ, CLARA JOST

Medeia Magazine: Podemos começar pelo título do filme? Colo tem em si algo de misterioso. Teresa Villaverde: Há palavras tão enraizadas, e tão usadas, no nosso vocabulário quotidiano que, enquanto palavras, se tornam quase aéreas, e quando as vemos isoladas parece que o seu significado se abre. Também para mim a palavra 'colo' traz estranheza. As personagens do filme vivem quase todas um tempo de inquietação onde parece estar para acontecer uma mudança. Todos já passámos por momentos em que sentimos que alguma coisa vai acontecer, mas não sabemos se é uma coisa boa ou má. 'Colo' em português quer dizer muitas coisas, mas talvez o que me pareça agora mais importante é o facto de 'colo 'evocar o princípio, o centro de alguma coisa, o desejo.

é mesmo um cansaço físico, as horas de trabalho, as casas longe do trabalho, os transportes. Se podemos comer e pagar as contas, e ter um tecto, já é muito bom. O que une, muitas vezes, as pessoas de uma família, é tão frágil que quando acontece uma mudança, um choque, ninguém tem ferramentas para dizer o que realmente sente e precisa, e o afastamento vai-se alargando gerando muita solidão. Nos últimos anos muitas famílias conheceram o problema do desemprego, e isso foi um golpe grande que encontrou muita gente sem defesas, sem forças para uma coisa tão bruta e nova para elas.

É um filme que interroga o tempo que vivemos? O filme fala de um tempo em que a família, sendo o centro da organização social, se desintegra, e sem se questionar muito, um tempo em que nos deixamos ir. Há um problema de comunicação dentro da família, e não é só um problema entre gerações. Há um cansaço que em grande parte

Podemos dizer que as mulheres de Colo são mais combativas na forma como reagem às adversidades? Não sei se se pode dizer assim. Alguém na família tinha que tomar as decisões, e no caso, a pessoa que está em melhores condições para o fazer é a mulher/ mãe porque é a que mantém a sua identidade, mantendo o seu trabalho.

A filha adolescente tem a energia da adolescência, e ora se revolta contra a passividade do pai, ora contra as regras impostas pela mãe, ora contra ela própria. São tempos difíceis para todos sob uma aparência de normalidade. Trabalhas de novo com o Acácio de Almeida na fotografia, mas agora, pela primeira vez, num suporte digital. Como foi esse trabalho, entre uma espécie de penumbra dos espaços fechados e a luz natural dos espaços abertos ao ar livre. Foi a terceira vez que trabalhei com o Acácio, sempre um prazer, uma grande calma. Eu estava muito relutante quanto a esta ideia do digital, mas acabei por ceder, e trabalhar com o Acácio era uma forma de passar do analógico para o digital com o mínimo de dor, e a máxima confiança. O Acácio começou a fazer filmes nos anos sessenta do século passado, e não há nada que o assuste. Trabalhámos o digital com a mesma seriedade com que trabalhávamos com a película e estou muito feliz com o resultado. O digital ainda não conseguiu resolver todos os problemas quando comparado com a película, mas penso que neste filme o sucesso é total. Facilitou o facto de haver mais interiores do que exteriores, mais noites do que dias. Tentei não pensar nisso, e quase consegui. Festivais e Prémios: Festival de Berlim — Em Competição Bildrausch Film Fest Basel — Melhor Filme Indie Lisboa — Filme de Abertura

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ESTREIAS CINEMA

MÃE!

ESTREIA 21 SETEMBRO

MOTHER!

DE DARREN ARONOFSKY

Dur: 1h 55min

COM JENNIFER LAWRENCE, JAVIER BARDEM, ED HARRIS, MICHELLE PFEIFFER

O último filme de Darren Aronofsky está envolto numa aura de mistério e secretismo. Mesmo a escassos dias do seu lançamento mundial (Mãe! estreia-se nos primeiros dias de Setembro nos festivais de Veneza e Toronto, e segue pouco depois para as salas de cinema), acordos de confidencialidade assinados por actores e jornalistas impedem que pouco mais se conheça sobre o aguardado regresso do realizador de Requiem for a Dream - A Vida não é um Sonho e Cisne Negro do que uma premissa vaga: um casal cuja relação é posta à prova com a chegada de dois hóspedes indesejados. Os trailers entretanto divulgados sugerem uma perturbadora conjugação de terror, mistério e thriller psicológico. Mas sob as aparências descobrem-se dimensões mais complexas; Mãe! é também um filme sobre “amor, devoção e mistério”. Três anos depois do épico bíblico Noé, Aronofsky recolhe-se num exercício mais contido, filmado quase integralmente em formato 16mm, e cujo espírito se aproxima, segundo o realizador,

SORTE À LOGAN LOGAN LUCKY

Dur: 1h 59min

DE STEVEN SODERBERGH

ESTREIA 7 SET

COM CHANNING TATUM, ADAM DRIVER, DANIEL CRAIG, RILEY KEOUGH

Voltando atrás na sua decisão de se retirar do cinema, anunciada há quatro anos, o autor da trilogia Ocean's faz um aplaudido regresso ao género de “filmes de assalto”, pondo Channing Tatum e Adam Driver na pele de dois veteranos de guerra, Jimmy e Clyde Logan. Para tentar quebrar uma maldição de família, os irmãos decidem levar a cabo um assalto elaborado e altamente improvável durante a lendária corrida Coca-Cola 600 da NASCAR. O filme foi rodado no Charlotte Motor Speedway, no decurso das corridas Coca-Cola 600 e Bank of America 500, e ainda no Atlanta Motor Speedway.

do de Cisne Negro. A sua preparação, que envolveu um longo período de três meses de ensaios com os actores, foi um processo intenso e doloroso que permitiu à co-protagonista Jennifer Lawrence, hoje uma das mais requisitadas actrizes de Hollywood e uma das mais jovens vencedoras do Óscar de Melhor Actriz - recebeu-o aos 22 anos, por Guia para um Final Feliz - criar uma “sintonia” com a personagem como nunca até então, e demonstrá-la numa interpretação arrasadora que soma, em igual medida, violência e vulnerabilidade. Inês Viana Festivais e Prémios: Festival de Veneza - Competição Oficial Festival de Toronto

A VIAGEM A ESPANHA

THE TRIP TO SPAIN

Dur: 1h 48min

DE MICHAEL WINTERBOTTOM

ESTREIA 7 SET

COM STEVE COOGAN, ROB BRYDON, MARTA BARRIO, CLAIRE KEELAN

Após duas excursões pelo norte de Inglaterra e Itália, Steve Coogan e Rob Brydon embarcam noutra deliciosa viagem gastronómica. Desta vez, os dois amigos e comediantes dirigem-se para Espanha para provar, nos intervalos dos seus improvisos hilariantes, algumas das melhores iguarias do país. Partilhando tapas e pratos de paelha, o duo troca provocações e imitações de celebridades, mas também reflexões mais sérias sobre a entrada na meia-idade. Como sempre, os locais são deslumbrantes, a cozinha de chorar por mais, e o humor maravilhosamente diabólico.

Festivais e Prémios: Tribeca Film Festival

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ESTREIAS CINEMA

A FÁBRICA DE NADA A FÁBRICA DE NADA

DE PEDRO PINHO ESTREIA 21 SETEMBRO

Dur: 2h 57min

COM JOSÉ SMITH VARGAS, CARLA GALVÃO, NJAMY SEBASTIÃO, HERMÍNIO AMARO, RUI RUIVO

Premiado pela crítica em Cannes, onde estreou na Quinzena dos Realizadores, A Fábrica de Nada, com realização de Pedro Pinho, é um trabalho de ficção que abraça vários géneros, construído com Luísa Homem, Leonor Noivo e Tiago Hespanha, a partir de uma ideia de Jorge Silva Melo e da peça de teatro homónima de Judith Herzberg. Interpretado por actores e não actores, segue os dias de um grupo de operários que tentam assegurar os postos de trabalho, através de autogestão colectiva, e evitar, assim, o encerramento da fábrica.

Conversa com Hermínio Amaro Como é que foi parar à equipa do filme? Da seguinte forma: Fui com a minha cadela pagar a licença e vi o cartaz, uma folha A4, a pedir gente de tal e tal idade, para um filme assim e assado. E eu liguei para o número que lá estava. O João Gusmão e a Joana Bravo marcaram o encontro. Primeiro aqui num café perto de mim, estivemos juntos 2 ou 3 minutos e depois marcámos encontro com o Pedro (Pinho), o Tiago (Hespanha) e a Luísa (Homem). E aí estiveram a filmar-me e fazer algumas perguntas. Que tipo de perguntas? Porque é estava interessado em entrar no filme. E a resposta que dei foi “já plantei árvores, não tive filhos porque não quis, acho que não tenho jeito para a escrita (acho mas posso estar enganado), porque não fazer um filme?”. Para experimentar? Eu tinha saído da empresa onde estava — tinha desafiado o administrador, que nos ia cortando cada vez mais direitos e disse-lhe: “assim se calhar mais vale ir para a terra, criar coelhos”, e o administrador não se esqueceu de mim, do que eu lhe disse e passado um ano convidou-me a sair. Eu sabia os direitos que tinha, recusei as ofertas. Quando li o cartaz estava em regime de lay off.

Houve uma coincidência entre a sua vida e o filme? Exactamente. Fui despedido a 31 de Outubro e comecei a trabalhar no filme a 1 de Novembro. Fecha-se uma porta e abre-se uma janela. Às vezes. Outras vezes não... Eu estava a sentir na pele o que era aquilo. O sítio onde eu trabalhava era 50 metros à frente do sítio onde estávamos a filmar. Ia com um peso e um sentimento. Ainda me provoca emoção. E gostou da experiência? Não gostei. Adorei. Visto agora, adorei. Na altura, foi pesado. Sentia-me amputado de qualquer coisa... De quê? Trabalhei vinte e um anos ali. Ficar sem aquilo que sempre se conheceu, que sempre se fez, uma pessoa fica um bocado sem rei nem roque. Além de que é preciso ganhar a vida. Temos contas a pagar. Na altura foi pesado. Houve dois colegas

que se suicidaram, dois que morreram de ataque cardíaco. É muito duro. E houve muita gente que passou dificuldades. No final, o que é que esta experiência lhe deu? Amigos. Ganhei muitos amigos. Vi que nem todas as pessoas são más e mais pessoas pensam como eu. No ser humano ainda existe alguma bondade. Há uma linha que nos separa e que nos une. E é ténue. Vou dizer-lhe uma coisa: A minha imagem preferida é a das avestruzes. Nessa cena, o Vargas simboliza o inconformismo, a revolta, a irreverência, o que não se deixou comer. E as avestruzes são os que metem a cabeça na areia e não querem saber. Claro que isto é a minha leitura... [conversa conduzida por Joana Cunha Ferreira]

Festivais e Prémios: Festival de Cannes: Quinzena dos Realizadores, Prémio FIPRESCI Festival de Munique: Melhor Primeira Obra

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ESTREIAS CINEMA

BUENA VISTA SOCIAL CLUB

EMOTION PICTURES

— Quem és tu? — Eu sou a minha história. (in Ao Correr do Tempo)

Wim Wenders foi recentemente distinguido com o Prémio Europeu Helena Vaz da Silva para a Divulgação do Património Cultural, cuja cerimónia de atribuição decorrerá em Outubro, na Fundação Calouste Gulbenkian, na sua presença. A assinalar esta distinção será lançado nessa altura o 1º volume de DVD com quatro dos seus filmes já exibidos em cópias restauradas (O Estado das Coisas, Paris, Texas, O Amigo Americano e As Asas do Desejo) e retoma-se a exibição da sua filmografia com mais seis títulos, três filmes de ficção — A Angústia do Guarda-Redes no Momento do Penalty (1972), Movimento em Falso (1975) e Ao Correr do Tempo (1976) — e três documentários — Tokyo-Ga (1985), Notas sobre Moda e Cidades (1989) e Buena Vista Social Club (1999) — todos também em cópias restauradas.

AO CORRER DO TEMPO

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A ANGÚSTIA DO GUARDA-REDES NO MOMENTO DO PENALTY

As três ficções são marcos importantes no percurso inicial e no desenho do movimento estético de Wenders: A Angústia do Guarda-Redes no Momento do Penalty é o seu primeiro trabalho profissional, adaptando o romance homónimo de Peter Handke; Movimento em Falso e Ao Correr do Tempo são os tomos finais da trilogia de road movies iniciada com Alice nas Cidades (também já exibido em cópia restaurada e a lançar posteriormente em DVD). No guarda-redes Bloch concebido por Handke, Wenders encontra o seu primeiro nowhere man, um ‘estrangeiro’ (que traz à memória esse outro, o Mersault de Camus), excluído do seu próprio meio após uma expulsão de campo. Com invulgar clareza, A Angústia do Guarda-Redes no Momento do Penalty está já habitado por um imenso vazio, uma esterilidade dos espaços e cenários que aponta para a gradual desconexão e incomunicabilidade de Bloch, para a sua ‘identidade vazia’ (Bloch é o que Bloch faz).


ESTREIAS CINEMA

MOVIMENTO EM FALSO

Com os filmes da trilogia que se seguiram, Wenders toma o pulso à Alemanha (com mais um punhado de personagens errantes que buscam a identidade on the road, num país cuja culpa colonizou o seu inconsciente, tanto quanto o sonho da cultura americana): partindo do exterior (da América, precisamente), vem para um país que deveria ser a sua pátria (em Alice nas Cidades); aí rastreia o passado, a solidão e a falta de criatividade (em Movimento em Falso, que Handke escreveu a partir de Os Anos de Aprendizagem de Wilhelm Meister de Goethe); por fim, descreve o estado da Alemanha dividida e o estado do (seu) cinema, ao percorrer uma no man’s land de fronteira, simultaneamente real, mental e simbólica (em Ao Correr do Tempo). “Tudo tem que mudar” é o apelo urgente no seu final, fazendo deste último capítulo da trilogia um belíssimo e radical filme-síntese, um primeiro confronto com o estado das coisas, a que o filme de 1982 com esse título oferecerá um segundo e decisivo ajuste.

A experiência do tempo e das coisas, captadas tais quais são, sempre foi algo que Wenders procurou, essa essência descritiva tão intrínseca e natural ao cinema de alguém como Ozu. Tokyo-Ga, essa viagem a Tóquio de Wenders à procura do rasto perdido dessa essência, é também uma reflexão sobre a impossibilidade da pureza e transparência das imagens num mundo que febrilmente as fabrica. No filme-diário Notas sobre Moda e Cidades, partindo da análise do trabalho do criador de moda japonês Yohji Yamamoto, Wenders estende essa reflexão à imagem na era digital e constrói uma meditação multimédia sobre o processo criativo e a mutabilidade da linguagem do cinema e da moda.

NOTAS SOBRE MODA E CIDADES

Os filmes de Wenders almejam ser emotion pictures, lugares de intimidade artística com as correntes de emoção que são a razão de ser do seu trabalho. Buena Vista Social Club, luminoso e comovente, resgata uma geração esquecida de músicos cubanos através das suas histórias, filmando-os como ‘personagens tresmalhadas’ cujo reencontro em ‘família’ (em disco e concertos memoráveis) calorosamente se documenta: emotion picture suprema. Fátima Castro Silva

FOTO: TOKYO-GA

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ESTREIAS CINEMA

PORTO

ESTREIA 19 OUTUBRO

PORTO

DE GABE KLINGER

COM ANTON YELCHIN, LUCIE LUCAS, FRANÇOISE LEBRUN, PAULO CALATRÉ

Dur: 1h 16min

Depois do sucesso de Double Play: James Benning and Richard Linklater, Gabe Klinger filmou a sua primeira longa de ficção no Porto, cidade que dá o título ao filme que tem vindo a percorrer o mundo entre estreias e festivais, e em Portugal fez parte da selecção do LEFFEST, onde foi apresentado pelo realizador, pela actriz Lucie Lucas, pelo produtor Rodrigo Areias e pelo produtor executivo Jim Jarmush. A conversa começaria pela evocação do actor Anton Yelchin, prematuramente desaparecido, e que teve aqui o seu derradeiro papel.

Gabe: A única pessoa cujo entusiasmo e empenho em relação a este projecto foram sempre inabaláveis foi o Anton. Olhando para este filme agora, não sou eu o seu autor, na verdade, o filme pertence-lhe. Deu-me a mim e a todos os outros a confiança para fazer isto. Conseguia estar completamente dentro da personagem e depois fazer piadas e fazer-nos rir o tempo todo, e pregar partidas às pessoas. Fazia tudo com uma urgência impressionante. Regressava ao quarto do hotel e via filmes todas as noites. Era uma pessoa muito séria mas essa era também, de certo modo, a sua inocência em relação à vida. Quando fui ter com ele para lhe falar do filme, que era uma coisa muito pequena, não quis acreditar quando ele, que tinha feito 30 filmes e era o Anton Yelchin, me levou a sério. Mas estava disposto a embarcar na aventura, a arriscar, e sabia que havia algo naquele personagem que lhe iria permitir mostrar a sua força. A utilização de diferentes formatos foi planeada ou resultou de várias experiências? Gabe: Dos três formatos, o Super 8 é o mais barato, por isso pudemos filmar bastante. Tínhamos três câmaras, e por vezes eu dava uma delas a um membro da equipa, à Lucie, ou ao Anton, para que fossem filmar qualquer coisa. E algumas dessas coisas acabaram por entrar no filme. É essa a liberdade que se tem com a Super 8, não é preciso uma equipa de iluminação, deixamo-nos ir, sem grandes preocupações. De resto, filmámos em 10 SETEMBRO | OUTUBRO '17

película e, portanto era esse o ambiente no décor. Queríamos que todos estivessem atentos a essa espécie de tradição, às texturas do filme. A câmara de 35mm é enorme, pesada, exige uma planificação. Os movimentos de câmara são diferentes, e por isso a narrativa é também diferente. Não se pode contar uma história da mesma forma em Super 8 e em 35mm. Lucie: Nem sequer é a mesma forma de representar. Em 8mm sabemos que temos menos imagem, por isso a nossa representação é “maior”, em 16mm é mais “pequena” e em 35mm é muito muito muito mais “pequena”. Ao mesmo tempo, é como um documentário, consegue penetrar na intimidade. Houve muitas alterações ao argumento durante a rodagem? Lucie: Durante os ensaios íamo-nos apercebendo de que alguns diálogos não eram realmente necessários, e mantivemos o essencial. E depois, na montagem, o Gabe também retirou algumas coisas, preservando a essência. Gabe: Creio que outro dos meus mentores cinematográficos, Richard Linklater, disse: “Tens de descascar o filme como uma cebola”. Ir retirando as várias camadas, até chegar ao âmago. [transcrição e trad. de Inês Viana]

Festivais e Prémios: San Sebastian | São Paulo Londres | LEFFEST | SXSW, Austin,Texas | Hong Kong


ESTREIAS CINEMA

O DIA SEGUINTE

EXCLU

CINEMSIVO AS M

EDEIA

GEU-HU

DE HONG SANGSOO ESTREIA 5 OUTUBRO

Dur: 1h 32min

COM KWON HAE-HYO, KIM MIN-HEE, KIM SAE-BYEOK

O Dia Seguinte podia ser o título de um programa sobre futebol, daqueles em que, à segunda-feira, se comenta o que aconteceu na jornada anterior. Os intervenientes recolhem movimentos dispersos de corpos em campos e falam para os ordenar. O novo filme de Hong Sangsoo, com o mesmo título, entretém-se pelo contrário a oferecer-nos um dia dissecado. Se a recomposição desses pedaços revela ao espectador algumas notas sobre as personagens, não deixa ainda assim de o induzir em erro. Esperando encontrar um sistema de variações como os de outros filmes do realizador sul-coreano, somos antes surpreendidos por uma série de analepses que, subtilmente, sem quedas de maior monta, nos tiram o tapete. A premissa do filme tanto podia servir para apresentar um drama sentimental como uma comédia de enganos, mas a graça do filme reside precisamente no desconcerto leve que nos vai causando. Na vida e no dia de um homem dos seus quarenta anos, dono de uma editora, entram e saem três mulheres: a esposa, a amante e uma jovem rapariga que acaba de contratar. Todos os equívocos de O Dia Seguinte nascem dos encontros entre estas quatro personagens: o conflito central é originado por um bilhete achado pela pessoa errada, meses depois de ter sido escrito. O filme parte destes erros de destinação – todas as intenções, todas as missivas são interceptadas por objectos ou, mais exactamente, personagens que surgem fora do lugar. O bilhete recupera as fórmulas anteriormente usadas por Hong Sangsoo.

Mas aqui, ao invés de enunciar possíveis variações da mesma história, o realizador desenrola um pequeno estudo. O protagonista, Kim Bongwan, é cobaia e peça central deste sistema – os eventos que o acometem advêm do seu esforço, em parte ingénuo, em parte altaneiro, para definir posições precisas para cada uma daquelas três mulheres. Bongwan não repara em diferenças e negligencia os ínfimos desvios, que tudo determinam. Dessa falta de atenção, inesperada num editor, lhe chegam os infortúnios. O dia seguinte, como aquele outro programa desportivo, analisa movimentos. E Hong Sangsoo, pela boca de uma das personagens femininas, define implicitamente o cinema como ofício de movimentação de figuras: “a rare art that utilizes concrete human forms to reveal the phenomenal disposition and attitude of humans”. Raquel Morais

Festivais e Prémios: Festival de Cannes – Em Competição

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ESTREIAS CINEMA

BLADE RUNNER 2049 BLADE RUNNER 2049

DE DENIS VILLENEUVE ESTREIA 5 OUTUBRO COM RYAN GOSLING, HARRISON FORD, ROBIN WRIGHT, JARED LETO

Dizia Paul Valéry que “o problema dos nossos tempos é que o futuro já não é o que era”. É esta uma boutade sobre o fim de uma civilização? Em 1982 chegava às salas de cinema Blade Runner/ Perigo Iminente, de Riddley Scott. A princípio não muito bem recebido, o tempo torná-lo-ia icónico, um marco do cinema de ficção científica, que absorvera o film noir e o policial. Adaptado da novela de Phillip K. Dick, Será que os Androides Sonham com Ovelhas Eléctricas?, era uma visão do futuro da cidade de Los Angeles, marcada pelo pessimismo, no início do século XXI. Uma cidade poluída, onde chovia constantemente, habitada por milhões de pessoas que se amontoavam em ruas estreitas, a descambar na violência. Um mundo dominado por grandes empresas corporativas, no

ELIS

qual a engenharia genética “operava milagres”, fabricando androides perfeitos, os replicants que em nada se distinguiam dos humanos e que eram usados como força de trabalho obediente, com prazo de validade. Harrison Ford, o detective Rick Deckard, ex-‘blade runner’ é chamado para abater alguns “replicants tresmalhados”. O filme levantava muitas questões filosóficas e éticas que se colocam nos nossos dias. Ou seja: os filmes que nos falam do futuro, é sobretudo do presente que nos falam. Isto disse o realizador de Blade Runner 2049, Dennis Villeneuve, numa das raras e breves entrevistas nas quais a pouco e pouco, com a disponibilização de pequenos excertos, o trailer oficial, e curtas-metragens que descrevem alguns acontecimentos ocorridos entre 2019, tempo de acção do primeiro Blade Runner, e 2049, ele e as leading stars da sequela, Harrison Ford (que retoma o papel de Deckard ) e Ryan Gosling, o novo blade runner, têm vindo a desvelar: “The future of the species has finally unearthed.”

ESTREIA 28 SETEMBRO

ELIS

DE HUGO PRATA

Dur: 1h 50min

COM ANDRÉIA HORTA, CACO CIOCLER, GUSTAVO MACHADO, LÚCIO FILHO

Não quero lhe falar meu grande amor De coisas que aprendi nos discos Quero lhe contar como eu vivi E tudo o que aconteceu comigo Elis Regina

As coisas não poderiam ter corrido melhor na estreia do realizador Hugo Prata. O seu biopic de Elis Regina arrebatou grande parte dos prémios do cinema brasileiro e tem vindo a percorrer o circuito dos festivais de cinema. Numa carreira relativamente curta, que vai de 1960 a 82 (ano em que Elis morreria tragicamente aos 36 anos), num período particularmente especial para a cultura brasileira (a bossa nova, o cinema novo, a resistência à ditadura, Vinicius, Nelson Motta, a MPB, o surgimento de grandes músicos como Caetano, Gil, Chico ou Edu Lobo) a cantora gaúcha de Porto Alegre foi uma espécie de cometa e o seu talento ímpar levou-a a ser reconhecida como a maior da sua época e também a que mais discos chegou vender. Aquela que é a sua última entrevista pública, ao programa televisivo “Jogo da Verdade”, começava 12 SETEMBRO | OUTUBRO '17

assim: “Elis Regina, até que ponto pode ser profundo e honesto um jogo da verdade sobre a sua carreira e a música popular brasileira?”. Ao que Elis respondeu: “Até ao ponto em que uma pessoa possa ou ache que deva se desnudar completamente diante das pessoas. Eu acho que a gente faz parte de um grande teatro, onde cada um tem o seu papelzinho…”. Elis é uma personagem rica e complexa, com um carácter franco e impulsivo, e a actriz Andréia Horta tem aqui um grande desempenho, reconhecido pelos vários prémios que tem vindo a receber. Festivais e Prémios: Festival de Gramado — Prémio do Público e Prémio Melhor Actriz Grande Prêmio do Cinema Brasileiro — Melhor Filme | Actriz | Actor Secundário | Fotografia | Direcção de Arte


ESTREIAS CINEMA

TODOS OS SONHOS DO MUNDO

TOUS LE RÊVES DU MONDE

DE LAURENCE FERREIRA BARBOSA ESTREIA 26 OUTUBRO

Dur: 1h 48min

COM PAMELA CONSTANTINO RAMOS, ROSA DA COSTA, ANTÓNIO TORRES LIMA, LOLA VIEIRA

Uma espécie de delicada melodia (com banda sonora de Noiserv), um filme sobre uma jovem luso descendente e a comunidade portuguesa em França. Falámos com a realizadora Laurence Ferreira Barbosa, autora, entre outros, de As Pessoas Normais Não Têm Nada de Especial e Detesto o Amor.

MM: É ao mesmo tempo uma espécie de romance de iniciação? LFB: De facto, o filme conta a história de uma rapariga que se emancipa, à sua maneira, quase sem o saber. É, portanto, uma forma de narrativa iniciática. E a narrativa iniciática é sem dúvida

Dois momentos muito diferentes, duas formas de viver. A conquista de uma certa liberdade por Pamela começa na primeira parte em França, confirma-se em Portugal, e completa-se na última parte, no regresso a França. MM: Todos ou quase todos os actores são não profissionais. Porque é que os escolheste e o que é que te trouxeram de inesperado ao filme?

MM: De onde vem o teu desejo de fazer este filme e quanto tempo trabalhaste nele? Laurence Ferreira Barbosa: Há alguns anos, disse a mim mesma que a comunidade portuguesa em França não estava ou estava muito pouco representada nos filmes de ficção. Tive vontade de fazer qualquer coisa a partir dessa constatação, sem dúvida porque tenho também uma ligação a Portugal. Tenho um apelido português que vem do meu avô paterno, emigrado em França desde muito jovem, e que também faleceu muito cedo. Sei muito pouco sobre ele. Tinha pensado optar pelo documentário e comecei a investigar. Mas o tema era muito vasto e não sabia qual a direcção a tomar. Depois, pouco a pouco, o desejo de ficção impôs-se, e decidi fazer o retrato de uma rapariga, filha de emigrantes portugueses em França. O meu trabalho de pesquisa e de escrita durou cinco anos.

o tema que me é mais caro. MM: Em França, na maior parte do tempo os personagens estão em espaços fechados, e em Portugal, têm grandes espaços naturais. O país que oprimia as pessoas e que as obrigou a emigrar é ao mesmo tempo o lugar onde se sentem mais livres? LFB: Confesso que nunca vi o filme sob esse prisma. As últimas gerações a emigrar partiram mais por razões económicas. Os meus personagens não conheceram a ditadura. Em França, filmei os subúrbios parisienses, uma paisagem urbana, onde vivem muitos emigrantes portugueses. Em Portugal, filmei a aldeia nas montanhas do norte de Portugal, de onde veio a maioria dos emigrantes. De um lado uma paisagem urbana e do outro, uma paisagem rural, radicalmente opostas. Os subúrbios cinzentos e tristes e o campo belo e luminoso. De um lado a vida quotidiana nos subúrbios de Paris, do outro as férias no país de origem dos pais.

LFB: Para mim, era evidente desde o início que só podia fazer este filme com actores não profissionais. De outro modo, terse-ia perdido algo de essencial, uma verdade. Precisava que as pessoas que iam interpretar os personagens tivessem uma vivência, um corpo, um sotaque, uma forma de estar, de falar, de pensar, próximas das personagens. Sem dúvida porque me inspirei neles, sobretudo em Pamela. O próprio facto de ter mantido o seu nome é uma forma de reconhecer que adoptei muitos dos traços do seu carácter, da sua personalidade. Foram sobretudo as suas contradições que me seduziram. Aquela mistura de submissão e de resistência, a sua falta de confiança em si própria e a sua obstinação em fazer aquilo que quer, a sua modéstia e o seu orgulho, a sua intransigência e a sua fragilidade, a sua franqueza e a sua discrição, a sua inteligência e a sua candura, a sua solidão e os seus sonhos. O que Pamela me trouxe de inesperado é o facto de nunca me ter cansado de filmar o seu rosto, a sua singularidade, o seu mistério. [Versão integral em medeiafilmes.com. Trad. de Inês Viana]

SETEMBRO | OUTUBRO '17 13


ESTREIAS CINEMA

ARRANHA-CÉUS

EXCLU

CINEMSIVO AS M

EDEIA

HIGH-RISE

DE BEN WHEATLEY ESTREIA 14 SET

Dur: 1h 59min

COM TOM HIDDLESTON, JEREMY IRONS, SIENNA MILLER, LUKE EVANS

O MEU NOME É MICHAEL JUSTIN KELLY

EXCLU

CINEMSIVO AS M

EDEIA

DE

I AM MICHAEL

Dur: 1h 38min

EM EXIBIÇÃO

COM JAMES FRANCO, ZACHARY QUINTO, EMMA ROBERTS

A acção de Arranha-Céus tem lugar num gigantesco edifício de 40 pisos, onde os moradores estão arrumados em apartamentos espalhados pelos vários andares, de acordo com a sua classe social: alta, média ou baixa. Neste prédio de luxo, irá começar a ganhar força uma guerra de classes, originando uma verdadeira batalha que se desenrola pelos elevadores, corredores e apartamentos da moderna torre. Arranha-Céus adapta ao cinema o romance homónimo de J.G. Ballard. Festivais e Prémios: Festival San Sebastián – Em Competição | Festival de Toronto

Esta é a história verídica de Michael Glatze, um célebre ativista gay que gerou grande controvérsia quando inesperadamente passou a afirmar que já não era homossexual e se tornou um pastor cristão. O filme segue Michael desde a sua vida em São Francisco com o seu namorado — onde para além da sua carreira jornalística na XY Magazine, é activista político e social até ao momento em que, depois de uma experiência traumática, inicia um renascimento espiritual religioso. Michael renuncia à sua vivência gay, a todos os seus amigos e parte numa viagem em busca do seu “verdadeiro eu”, acabando numa escola bíblica cristã no Wyoming, onde conhece a sua namorada, Rebekah, e se torna pastor da sua própria igreja. Festivais e Prémios: Festival de Berlim – Selecção Oficial Festival de Sundance – Selecção Oficial

British Independent Film | Awards – Nomeações: Melhor Filme, Melhor Argumento, Melhor Actor e Actriz Secundários

A MÃE LA MADRE

Dur: 1h 29min

DE ALBERTO MORAIS EM EXIBIÇÃO

EXCLU

CINEMSIVO

MEDE AS IA

COM JAVIER MENDO, LAIA MARULL, OVIDIU CRISAN, NIEVE DE MEDINA

UNA - NEGRA SEDUÇÃO UNA

Dur: 1h 34min

DE BENEDICT ANDREWS ESTREIA 7 SET COM ROONEY MARA, BEM MENDELSOHN, DAVID SHIELDS

Miguel é um rapaz de catorze anos e está em risco de regressar para um centro de detenção para menores na região das Astúrias. A sua mãe, desempregada e com uma vida pessoal instável, é incapaz de tomar conta de si. É por esta razão que Miguel vive numa crise constante. Para escapar aos serviços sociais, Miguel é forçado pela mãe a procurar refúgio em casa de Bogdan, um antigo amante que vive numa aldeia vizinha. Mas tudo se precipita quando a mãe desaparece subitamente. Festivais e Prémios: Monteral World Film Festival - Em Competição SEMINCI: Semana Inter. Cine de Valladolid | Lisbon & Estoril Film Festival | Cannes Cinéma - Écrans Juniors

14 SETEMBRO | OUTUBRO '17

Una — Negra Sedução adapta a aclamada peça de teatro Blackbird, de David Harrower. Quando uma jovem chega inesperadamente ao local de trabalho de um homem mais velho, à procura de respostas, os segredos do passado ameaçam desvendar a sua vida. Este confronto revelará memórias enterradas e desejos inexplicáveis. “Excepcional.”

“Emocionante.”

The Playlist

Indiewire

Festivais e Prémios: Selecção Oficial: Festival de Toronto, Festival de Londres, Festival de Telluride


ESTREIAS CINEMA

MONUMENTAL DOS MIÚDOS CINEMA MEDEIA MONUMENTAL | TODOS OS SÁBADOS E DOMINGOS, ÀS 11H30

O Monumental dos Miúdos já é um must dos fins-de-semana em Lisboa. As manhãs de sábado e domingo são agora mais animadas para as crianças. E a diversão não acaba com os créditos finais do filme. A seguir a cada sessão convidamos os nossos pequenos espectadores a deixarem uma mensagem no mural de visitas e a partilharem um sumo connosco. Aqui fica o que poderão ver nas próximas semanas.

LEGO BATMAN: O FILME

KUBO E AS DUAS CORDAS

BAILARINA

Depois de O Filme LEGO surge a grande aventura LEGO Batman. Há várias mudanças a nascer em Gotham, e se Batman desejar salvar a cidade do hostil ataque do vilão Joker, terá que aprender a trabalhar em equipa.

Um filme épico de acção e aventura, passado no Japão e realizado pelo aclamado estúdio de animação LAIKA.

A história de Felícia, uma jovem órfã com o sonho de se tornar baila -rina principal da Ópera de Paris.

CANTAR!

Mais uma das aventuras de Jacques Tati, desta vez numa viagem cheia de peripécias até Amesterdão, onde o Sr. Hulot irá apresentar o protótipo de uma caravana desenhada por si.

GRU - O MALDISPOSTO 3 A continuação a história de Gru, o famoso anti-herói. Aqui encontra Dru, um irmão gémeo com sangue de vilão cuja existência desconhecia, e que lhe propõe continuar a tradição familiar e formar uma parceria. Mas conseguirá Gru, agora convertido em pai e marido dedicado, resistir a tal proposta?

Uma comédia musical sobre como encontrar a verdadeira estrela brilhante que está em todos nós. O coala Buster Moon decide produzir a maior competição de canto do mundo, da qual emergem cinco participantes incríveis.

TRAFIC (Versão Original)

HÁ FESTA NA ALDEIA Numa pequena aldeia do centro de França é dia de festa. Depois de ver um documentário sobre os carteiros americanos, o carteiro François decide aprender a exe -cutar o seu trabalho “à americana”.

A OVELHA CHONÉ O FILME O que parecia um plano engenhoso da Ovelha Choné rapidamente se descontrola e faz com que o indefeso Agricultor acabe longe da quinta. Com a ajuda do rebanho, Choné tem de viajar até à Grande Cidade, para salvar o Agricultor… e falhar não é uma opção.

O Monumental dos Miúdos continua, e em breve serão anunciados os filmes que poderão ver em Outubro, Novembro e Dezembro, desde as animações mais recentes até alguns dos clássicos que poderão descobrir. E temos mais um motivo para nos visitarem: aos fins-de-semana, o estacionamento é gratuito no centro Dolce Vita Monumental. Encontramo-nos no Monumental dos Miúdos?

NOVO TRINA ZERO, COM TODO O SABOR

SETEMBRO | OUTUBRO '17 15


16 SETEMBRO | OUTUBRO '17


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