ID: 50953183
23-11-2013 | Fugas
Tiragem: 38650
Pág: 56
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Semanal
Área: 26,11 x 29,78 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 3
Tendências Martine Saunier
“Acredito que o futuro dos vinhos vai ter de passar por Portugal”
Uma francesa que se radicou na Califórnia na década de 1960 e ensinou os americanos a beber os bons vinhos do seu país decidiu depois levar também além-Atlântico os vinhos portugueses. Começou pelo Douro, e é sobre esta região que está a fazer um filme, que quer mostrar que Portugal não tem só vinho do Porto. Sérgio C. Andrade (texto) e Fernando Veludo/NFactos ( fotos)
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“Q 23-11-2013 | Fugas
uem é esta francesa que vende vinho do Porto na América!?” Esta pergunta, Martine Saunier ouviu-a algures, no final dos anos 1980, quando iniciava em Portugal um trabalho que a levaria a apostar nos vinhos portugueses e a comercializá-los nos Estados Unidos, a partir da pequena empresa pessoal que tinha fundado em São Francisco, em 1979. Entre nós, começou a trabalhar com a Quinta de la Rosa, tendo depois passado para a Niepoort e, nos anos seguintes, foi-se tornando uma visita frequente das caves em Vila Nova de Gaia e das quintas no Douro. Na última semana, Martine Saunier esteve no Porto a ultimar a rodagem do documentário que fez ao longo do ano sobre o vale do Douro. Um Ano no Douro poderá vir a ser o título do filme, seguindo a lógica de Um Ano na Borgonha [A Year in Burgundy, 2012 – estreado em Portugal no último festival Douro Film Harvest, em Setembro] e Um Ano em Champagne [A Year in Champagne, 2013], que a empresária francesa fez em parceria com David Kennard, um realizador e documentarista conhecido pela sua carreira de 25 anos na BBC, onde assinou séries como Cosmos, com Carl Sagan. O conhecimento dos vinhos do Douro e a crença de que, com eles – e também com os de outras regiões, como a Bairrada –, Portugal pode vir a fazer a diferença no mercado internacional do sector levou Martine Saunier a propor ao produtor dos seus documentários apostar, desta vez, numa região vitivinícola portuguesa, depois das duas francesas abordadas. Todd Ruppert, CEO da empresa de investimentos T Rowe Price, que Martine conheceu, por acaso, num jantar de amigos comuns numa quinta do Tennessee, aceitou o desafio. E desde o início de 2013, seguindo o fluir das estações do ano e o ciclo da vinha, a equipa de David Kennard e Martine Saunier
Tiragem: 38650
Pág: 57
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Semanal
Área: 10,66 x 24,27 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 2 de 3
tem registado a paisagem e as quintas, os trabalhos e as personagens do Douro. “Conheço bem os trabalhos da vinha, mas o que me espanta mais no Douro é que se trata verdadeiramente de um trabalho de titãs, além, claro, da beleza da paisagem”, disse Martine Saunier à FUGAS, no final da semana passada, numa conversa na Ribeira portuense com vista sobre o rio Douro. Dirk Niepoort, Ruppert Symington ou Ricardo Nicolau de Almeida, em quintas da Ramos Pinto e outras de menor dimensão, são algumas das figuras seguidas e inquiridas para este documentário, cuja estreia deverá acontecer no Outono do próximo ano, em local ainda a decidir. Será o terceiro capítulo decorrente do encontro de Saunier com David Kennard, que aconteceu um dia, em 2009, numa “situação absolutamente extraordinária”. A empresária estava a dirigir uma degustação no consulado francês na Califórnia para uma recolha de fundos destinados a uma escola franco-americana: “Um senhor veio ter comigo, disse-me que era cineasta, que queria fazer um filme sobre quatro importadores de vinhos que mudaram a opinião e o gosto dos consumidores americanos, mas que lhe faltava o nome da quarta pessoa. ‘Sou eu’, respondilhe” [risos]. O projecto desse filme não chegaria a concretizar-se, porque não foi possível reunir o milhão de dólares necessário. Mas, um ano depois, David Kennard voltou a contactá-la, para a desafiar a fazer (e a arranjar o dinheiro para) um documentário sobre a Borgonha. Essa verba, Martine Saunier acabaria por consegui-la no tal jantar em que foi apresentada a Tod Ruppert, que, depois de conhecer David Kennard, e aconselhado pelo famoso crítico norte-americano Robert Parker, viria a patrocinar a sequência dos três filmes.
Uma história de família Os vinhos fazem parte da história de Martine Saunier desde a infância, literalmente. Nascida em Paris na década de 1930, passava os três meses do Verão na Borgonha, na quinta duma tia em Prissé, perto da cidade de Mâcon, na margem
ID: 50953183
23-11-2013 | Fugas
Tiragem: 38650
Pág: 58
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Semanal
Área: 26,67 x 30,49 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 3 de 3
Tendências Martine Saunier Pioneira da importação de clássicos franceses nos Estados Unidos, Martine acredita que o cansaço dos consumidores em relação aos “vinhos técnicos” vai abrir espaço aos vinhos portugueses
do rio Saône. “Ao domingo, no almoço de família, o meu pai servia sempre bom vinho, e eu chorava se não tivesse direito a um bocadinho de tinto no meu copo. O vinho começou, muito cedo, a fazer parte da minha vida”, recorda. O casamento com um americano levou Martine Saunier a radicar-se na Califórnia, em 1964. E por que levava consigo todo um capital de conhecimento e de contactos com as gentes dos vinhos da Borgonha, decidiu estabelecer-se por conta própria nessa área. Com o tempo, tornou-se uma embaixadora dos vinhos do seu país na América. Todos os anos, regressava por três meses a França, e com o seu Citroen 2C – o mesmo que podemos vê-la ainda usar no filme Um Ano na Borgonha – percorria as quintas familiares, para experimentar e comprar as marcas – desde as mais conhecidas, como Beaujolais, Côtes-du-Rhône ou Châteauneuf-du-Pape, mas também Mâcon, Pouilly-Fuissé, Château Rayas ou Henri Jayer –, que depois apresentava e “ensinava” os americanos a beber. Criou assim a sua marca própria, a Martine’s Wines. Inc, que começou com apenas uma secretária, mas depois foi crescendo até se tornar, como se lhe referiu uma vez a famosa crítica de vinhos Jancis Robinson, “a importadora extraordinária”. Passados quatro décadas de actividade, Martine Saunier vendeu a sua empresa no final do ano passado a um antigo cliente de pequena dimensão – “não queria vender o meu nome a uma grande companhia”, justificou na altura –, mas continua ligada a ela como consultora. Tem agora mais tempo para se dedicar a apresentar aos consumidores americanos novos vinhos, e está apostada em continuar a fazêlo com os vinhos portugueses, e não só com os Porto. “Acredito que o futuro dos vinhos passa verdadeiramente por Portugal”, assegura a especialista, chamando a atenção para a aposta que os homens do Douro, e não só, vêm fazendo, nos últimos anos, nos vinhos de mesa, incluindo neles também os verdes – como o Alvarinho. Martine Saunier destaca, em particular, a acção da Niepoort. “O Dick
fez um excelente trabalho a incitar as pessoas a fazer bons vinhos. Há muitos jovens que tenho encontrado e que estão a desenvolver o potencial das vinhas”. O Vinho do Porto continua a ser, naturalmente, o principal cartãode-visita dos vinhos portugueses na América. Já não apenas através dos Vintage, mas também dos Colheita e dos Tawny, que têm a vantagem, sobre aqueles, de não terem de ser bebidos mal se abre a garrafa, o que faz com que ocupem um lugar cada vez maior nas casas dos consumidores, e nos restaurantes. “Há actualmente na América uma verdadeira disponibilidade para os vinhos portugueses – mesmo para o Vinho Verde. Mas “o que verdadeiramente pode salvar os vinhos em Portugal é a aposta na qualidade”, assegura a empresária, notando que os americanos começam a ficar fartos da “mediocridade dos vinhos técnicos” que lhes chegam da Argentina, do Chile e da Austrália. Martine Saunier dá como exemplo o encontro que teve na feira anual em São Francisco, Wine & Spirits – onde este ano teve dois vinhos seus nos cinco melhores: um Niepoort e um Muscadet –, com um cliente australiano, que a não conhecia, e lhe disse: “O meu pai tem uma vinha de 300 hectares e vende milhões de toneladas de uvas todos os anos; mas é tudo feito mecanicamente, e eu já estou farto disso; do que verdadeiramente gosto é dos vinhos franceses da Martine Saunier”. “Sou eu!” [risos]. E a “importadora extraordinária” fala da evolução do mercado, cada vez mais no sentido da atenção à qualidade. “Até aqui havia muita gente que não bebia vinho, depois começou a fazê-lo, mas pelos vinhos doces, muito marcados pela madeira; agora, tudo isso começou a passar de moda e há muitos americanos que já não podem ouvir falar no sabor a madeira”, nota Martine Saunier, realçando também a importância de os restaurantes começarem a incluir nas suas equipas escanções “que gostam de explicar os vinhos aos clientes”. “Se vocês lhes apresentarem bons vinhos de Portugal, isso vai intrigá-los; é uma missão: é preciso bater o terreno, mostrar, dar a provar. Mas vão chegar lá”.