As elites já não querem estudar letras

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se es ere



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oão Valsassinanão sabedizer meusprofessores de Matemática,por exemplo, com exactidãomascalculaque não compreendiamporque queriaseguiresse é há seteou oito anosque o seu becosemsaídadasHumanidades- aindapara colégio - o Valsassina,em Lis- mais nem era para estudarDireito. Na altura boa - já não abrea áreade Lín- ouvi frasescomo'quererseguirHistóriaé como guase Humanidades,por falta quereracabara lavarescadasde um prédio'ou de alunosinteressados."Che- 'não façaesseerro, vai-searrepender." guei a ter duas turmas nessa A história da Helena ainda vai dar muitas área e no espaçode dez, quin- voltas,masjá voltamosa ela. Antesvamosfaze anos,passámosdessasduas zer uma passagempela Futurália - Salãode turmasparaa fugatotal. Quanto OfertaEducativa,Formaçãoe Empregabilidamuito temosdois, três alunos, de, organizadona FIL, em Lisboa (decorreu que querem ir para Direito." E entre 16e 19de Março), onde os estudantes valea penaperguntar,porque é evidente do secundário podem procurar informação - ninguémfalaem ir paraLiteratura,Filosofia, sobrecursosuniversitários,opçõesde estudo, História. "É um vazioassustador",confirma saídasprofissionais.Atravessamos o animado paülhãodoscursosprofissionais- escolaspara o director. E assim,nestemomento, o Valsassinatem massagistas fazemdemonstrações a quemtiver entre67 e7Opor centodosalunosna áreade disponibilidadepara ser massajado,estudanCiênciase Tecnologias,e, bastantemaisabaixo tes de cozinha provam do que são capazesà na escala,alunosem CiênciasSócio-Económi- volta de uma frigideira num pequeno fogão, case ArtesVisuais."Tem tudo a ver com a em- há paredesde escalada,estúdiosde filmagem pregabilidade",constata.Em muitoscasossão improvisados,há quemdance,quemfaçacirco, os paisque tentam convenceros filhos de que quem aprendapilates. o melhor é estudarnuma área que dê acesso Nopaülhãodo ensinouniversitárioo ambiena cursoscomo Medicinaou Engenharia.Antes te é um poucomaiscalmo.Cadaestabelecimen aindahaviamuitos interessadosem ir para Di to de ensinomostra o que sãoas suasofertas reito, mas "a ideiaque secomeçoua difundir e promoveo melhor que tem. Cursos,cursos, de quehá umagrandesaturaçãonessaárea,tal cursos- para todos os gostos.Todos?Enfim, como na Arquitectura, leva os pais a dizerem maisparaalgunsgostosdo queparaoutros.MBA (Masterin Business aosfilhos'nãovásparaaí, não tem saída"'. Administration)não faltam, Helena Lopes conhecebem essaconver- Engenharias tambémnão.É o quetem maisprosa - não da parte dos pais, mas dos próprios cura, confirmamemváriosstands. professorese enfim...de quasetoda a gente. Vejamosalgumasdaspropostasda Univer"O meu interessepelaHistóriacomeçoucedo, sidadeAutónoma de Lisboa (UAL).Há licenmasterá sido com 14anosque decidi que iria ciaturasem Ciênciasda Comunicação,PsicoestudarHistóriano futuro", conta. 'Avocação logia, Arquitectura, RelaçõesInternacionais, já estavalá adormecidadesdecriança,masfoi Informáticade Gestão,Administraçãoe Gestão despertadapor um professorque tive no 8.o Desportiva,EngenhariaInformática,e muitos e 9.o ano que nos mandavafazerïrabalhosde outros. O que diz o folheto da licenciaturaem pesquisae transmitiaa ideia de que a História História?Queesteé um cursoque "semprese não eramapenasdatasde batalhase nomesde dirigiu não apenaspara a formaçãoinicial dos reis,masabrangiaoutrasáreas,comoa música, jovens em idade escolar,mas também para a a literatura ou a pintura." formaçãocomplementare ao longo da vida" e He- que muitos dosalunos "já possuemformação Quandotevede escolhero agrupÍrmento, lenanãotinha dúüdas."Masfoi aÍ quecomecei noutrasárease recorrema estaformaçãopara a ouvir os primeirosavisos",recorda."Como elevaros níveisde conhecimento". era muito boa alunaa todasasdisciplinas,os É certo que o folheto diz tambémque o cur-


no EmPortugalnãohá universidade ampla, sentidodehaverumapreparação emqueemqueosalunoscirculempor todosossaberes so "tem sido apoiado pelos centros de investigaçãoem História Empresarial,Arqueologia e Estudosdo Mar", e que há, portanto, uma preocupaçãocom a empregabilidade,mas o discursoé claramentediferentedo que encontramosnosfolhetosde Ecomomiae de Gestão - ambosanunciamlogona primeira linha que, "segundoestudorecente,o nível de empregabilidade dos recém{icenciadosem Economia (e Gestão)da UAL é dos mais elevados". Mudamosde stand. No da Universidadeda Beiralnterior dão-nosumpapel com asmédias de entrada(quecorrespondeà médiado último A mais aluno colocado)no ano de2OlOl2O11. na primeira fase,18,3 alta é de Medicina(17,8 na segunda)e a mais baixa de Filosofia (9,5 na primeira,l2,lna segunda),que é oferecida em horário pós-laboral.As áreasmaisprocuradassãoasde Ciênciase Tecnologias,e Saúde, explicam-nos- e é na Medicinae nasEngenharias,sobretudoaeronáuticae electromecânica, que estãoasmelhoressaídasprofissionais.As Letraslutam pela sobrevivência.ParaEstudos Portugueses e Ingleses"não têm abertovagas" que eo tem ainda uma boa procura sãoos Estudos Portuguesese Espanhóis,"porque no secundáriohá uma procura cadavezmaior de professoresde espanhol".

Sabermais

Empregabilidade- a palawa estápor todo o lado na Futurália. Como é que num cenário destesresisteuma Faculdadecomoa de Letras da Universidadede Lisboa?Com imaginação para dar o salto, é o que nos vai explicar o director, António Feijó. Há cercade três anos a própria existênciada Faculdadeestavaem risco. "Haviauma assembleiapara fazeros novos estatutosda Universidade,e algumaspessoas de que seestavaa considerar aperceberam-se o desmembramentoe extinção da Faculdade de Letras.Partedos departamentosiriam para CiênciasSociais,outros para Belas-Artese aqui ficaria uma espéciede escolade línguas. Um grupo de docentes,que rapidamente se alargouà totalidade,insurgiu-secontra issoe conseguiu-sefazerparar o processo.Mantivemos a faculdadeintacta." Ultrapassada a luta pela sobrevivênciafïsica, a Faculdadevê-seagora forçada a encontrar respostapara uma pergunta: para que serve estudarLetras?É simples:para sabermais. Num mundo altamenteespecializado,em que o ensinovisasobretudocriar especialistasem áreasmuito particulares, a Faculdadede Letras quer ofereceruma base,que considera fundamental,de cultural geral. "Em Portugal há grandesmestresuniversitários,preparaçõestécnicasmuito boas,mas não há universidade no sentido de haver uma preparação ampla, em que os alunos circulem por todos os saberes",explicaFeijó. Por isso, continua, "decidimos criar uma

licenciatura genérica que junta a Faculdade de Letras,a de Ciênciase a de Belas-Artes"(licenciaturaque deverácomeçaráa funcionar a partir do próximo ano lectivo).Osalunospodem escolhercadeirasde qualquer uma destas faculdades e fazer um curso que inclua, por exemplo, Estatística,Análise Matemática, Biologia,Literatura Francesae Escultura. "Chamámos-lheEstudosGerais,dando{he o nome da primeira Universidadeem Portugal." Trata-se,portanto, de um regressoa um saber maisvasto,a uma ideiade estudarpelo prazer de aprender,de cÍuzaÍ saberes.

EspÍrito crÍtico

Parajá, o que começoua funcionar esteano foi uma licenciatura em Artes e Humanidades, em que o aluno pode fazer as combinaçõesque quiser,com Filosofia,História, Literaturas, Linguísticas,e todas asoutras cadeirasda Faculdadede Letras, e em que não só estuda Lógica e Prática da Argumentação,como textosfundamentais daAntiguidadeClássica,da Época Moderna e Contemporânea."Esperamos que os alunosleiam SãoTomásde Aquino e Maquiavel,Marx e Rousseau, Freud e Darwin, e que issolhes dê uma baseampla para que possamser pessoasrealmente educadasno sentido formal do termo." Pedro Nascimentotem 2Oanos e está no 1.oano de Artes e Humanidades."Vi na Internet e o que me chamoua atenção foi o nome e o facio de ser novo. Percebi que podia ter aulasem qualquer departamento e isso agradou-me,embora estajá fossea minha terceiraopção."Estáa pensar fazer um major em Artes do Espectáculo,e interessava{hevir a trabalhar na imprensa escrita,maspor enquantoestápreocupado sobretudoem adquirir "uma formaçãogeral que possadar um vastoleque de escolhas". De qualquer forma, "o emprego é uma questãoquevirá depois"."Nãoescolhio curso a pensarem integraçãoprof,ssional",confessa. 'Acho que ter conhecimentodos clássicos antigose umavisãomaisalargadadarealidade vai-meser útil não só em termos proflssionais como de enriquecimentopessoal.Temosconhecimentode outrasmaneirasdever avida e issoé uma mais-valia,quenospermiteter um pensamentomais fora da caixa." E precisamente neste ponto que a conversasobreestudarLetrassecruza com a conversasobreempregabilidade, acreditaAntónio Feijó."Quandodecidimoscriar osEstudosGerais,consultámosuma sériede personalidades, e asqueestãomaisligadasàsempresas disseram-nosque era exactamente o tipo de pessoasque queriamter. Pessoasque saibammuitas coisas*

Aristóteles: fiÏús*f.o gtrgen alun* de Flafão e prof*ssCIrde ALexnndr*, o Grsrres$e


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maislibertaspara Aspessoas sentem-se estudarHistória,mesmoquedepois venhamafazerqualqueroutracoisa Encaram-na comoformaçãode carácter diferentespodemfazermaiscoisasdiferentes, dc>p*rfode Flatá*x &ã*sof* e ffimâeËrâáfãc* e têm maispossibilidadesde empregodo que ftffidad*r *!áspieo da Çn"*çãa,&n{ãgm* dn A*erdemÊa*sseÂf*eãas,a Brfrmeãrm. as que só sabemfazer uma coisa." Um raciocínio que pareceem sintonia com d* eEãaccmçã* steperã*r d* Ëms€ËÊaeãçã* ssaqassdq* **ãd*ar{a} uma tendência que está a surgir também noutros países.Um dos standsna Futurália é da IE University em Segoviae Madrid. Esta universidadeque recebe,para licenciaturas, alunos de 57 nacionalidades,apercebeu-se, há cerca de quatro anos, de que "o mundo empresarial estavaa mudar de forma muito acentuada",conta Arantzade Areilza, directora da Escolade Artese Humanidadesda IE, numa conversatelefónica.'Apercebemo-nos de que asempresasestavama procurar outro tipo de formação,paralá da formaçãotécnica. E considerámosque o mundo dasHumanidades, que era algo que tendíamosa esquecer em que vivemos,tinha com a especialização uma sériede ferramentase mensagensmuito compatíveise importantes para a formação " dos futuros empresários. Decidiram introduzir as Humanidadesnos vários programasde estudosporque acreditam que um melhor conhecimentodo mundo pode ajudar os alunos a desenvolvera criatividade e o pensamentocrítico. "Queremos ajudar os nossosalunosa formarem um espírito crítico, a analisarem,a saberemdistinguir o essencialdo trivial, porque uma dascoisas que nos disseramfoi que asorganizaçõesempresariaisjá não funcionam hoje como orquestrasfilarmónicas,em que há um director que toda a gente segue.Hoje sãomuito mais orquestrasde jazz, em que a improvisaçãoé muito importante."

VisãogXobal A IE passouentãoa oferecerum World AwarenessSeminar,"um semináriocom váriosmódulos, um dos quaisé Cultura e Sociedadede grandespaíses,que coincidemcom grandes mercados,e a ideia é ir para alem dosgrandes movimentospolíticos e económicose explicar aosalunosa históriae osvaloressobreos quaisassentamsociedadescomoa chinesa,a japonesa,abrasileira,o mundo árabe".Além disso,dãotambémuma formaçãoem Criative ManagementThinking, para ensinar a analisar a realidadede forma crítica. "Imaginação, iniciativaprópria, análisecrítica, somadasa uma visãoglobal do que estáa acontecer,e a um conhecimento de línguas, é uma formação imbatível na altura da contrataçáo", diz Arantza de Areilza. Talvezsejaentão o momento de vermos o que aconteceua HelenaLopes depois de ter decididoignorartodos osaüsose estudarHistória. "Desdea primeira aulana Faculdadede CiênciasSociaise Humanasda Universidade Nova de Lisboa que fomos advertidosdasdi ficuldadesde trabalhar na área em Portugal, e ao longo dos quatro anos que ali estudei a

esperançano futuro pósìicenciaturafoi-setornando cadavezmais cinzenta. Ao fim do 3.o ano pareciajá certo que não haverianenhum emprego relacionadocom História para ninguém e que continuar a estudarnum mestrado era o caminhoóbvio para quem queriaum dia vir a ser investigador." Acabouo cursocom médiadel7 e quis ter uma experiência de trabalho - foram seis mesesde estágionum arquivo sem qualquer remuneração ou subsídio, uma experiência "bastantepositivaemtermosde conteúdomas igualmentefrustrantepela consciencializaçâo de que há muito trabalho que podia ser feito por licenciadosdedicadosmasninguémosvai empregar,e nem toda a gente estádispostaa trabalhar voluntariamente".

Ignorar os conselhos Nova interrupção na história para conhecermosJoanaTorres,25anos,colegade Helenano mesmocurso. "Preferi ir para a universidade fazerum curso de quegostavacom a perspectiva conscientede que não iriater empregona minha áreado que tirar um cursoque não me satisfizesse."Tal como a Helena,não lhe faltaram osaüsosde queo curso"nãotinha saídas". "Ignoreitodososconselhos.Pensei'asituação estácomo está,não vou tirar um cursode que na mesma. nãogostoparafrcardesempregada Vou estudaro que gostoe sedepoistiver que ir para caixade supermercadovou'." Entre os colegas"falava-sesobre emprego, mas não de forma obsessiva"porque "todos tinham consciênciade que o empregoem História era uma ilusão".Ensinarjá não era uma opção.E foi sómaistarde queJoanadescobriu que era possível fazer investigação.É o que estáa fazet agota.Inscreveu-senuma sériede cadeirasopcionaisligadasaArqueologiae está a terminar a tesede mestradoem Arqueologia. 'Acabei por me interessar pela arqueologia moderna e por uma área que só agoraestáa ser desenvolvida:a faiançaportuguesa."Está há dois anos a trabalhar como bolseira de investigação,com apoio da Fundaçãopara a Ciênciae Tecnologia(FCT),e a ideiaé avançar para o doutoramento. Seguirinvestigação em Históriaéalgoqueestá a acontecercom muitosalunosporque,sublinha PedroCardim,professordo Departamentode HistóriadaUniversidadeNova,"tem haüdo uma políticaionsistentedefinanciamentode centros de investigaçãoe programasde bolsasde doutoramentoe pós-doutoramento".Isto faz com que a investigaçãoem Portugal sejahoje feita "em condiçõesbastanteboas,comparáveisao que existeem Espanhaou em França". E estaé uma das razõespelasquais o panorama em História não é tão desanimador quanto poderíamos imaginar. Nos últimos anos houve uma alteração nas expectativasdosalunos- e issoé bom. "Entre 2OOl*


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queasuniversidade É um erropensar-se parao mercadode vãoprepararpessoas trabalho.O quee precisoé prepararjovens quesejamcapazes de reflectir pr{naip* * x.*i dm e 2OO3,houve uma queda enorme, mas deAlexandreu * #*vrrncfet Maced*nia, ermraisc*lebre *rl*rqwistend*r pois as coisasmelhoraram,e ultimamentea dmnaarmdcl rumt*gc* procura de cursosde licenciatura,mas também de mestradoe doutoramento,aumentou substancialmente. PedroCardimtem notado já não encaramHistóriacomo que aspessoas um cursoorientadoprofissionalmente parao ensino."Nenhumaluno que entre em História tem a ilusãode que uma dassuasopçõesserá dar aulasno ensinobásicoou secundário.Isso acaboualguresem 199798,quandoo sistema de ensinoficou saturado." E isto "paradoxalmente teve um efeitopositivo"..Aspessoas sentem-semais libertas para estudar História mesmo que depoisvenham afazer qualqueroutra coisa."Encaram-nacomo uma formaçãode caráctergeral e não necessariamente como aquilo que vão fazer para o restoda vida." S ão al unos mais diversificados - outra característica é que "aumentou o número de alunos que vivem a 6O ou 80 quilómetros de Lisboa e que

vêm de áreas mais desfavorecidas",o que parece conflrmar a ideia de que aselitesestão a fugir das Letras e "mais preparados para o mercado de trabalho na suaversão maisdinâmica",podendo por exemplofazerHistória e depoisGestão. . E se passarmospara uma área ainda mais (pelo menos teoricamente) desligada do mercado de trabalho, como a Filosofia,que panorama encontramos?António de Castro Caeiro é professor no Departamento de Filosofia também na Nova: "O nosso público-alvo altero[-se, começámos a ter pes-

soasmaisvelhas,já com formação

universitária,e passámosa ter menoso aluno novinho, saídodo secundário."E a pergunta surge,ineütavelmente:"Eu, que fui formado numa determinadatradição,de repenteo que é que tenho de fazerpara tornar essatradição interessante? O que é que eu possoprometera uma pessoaque venhaestudarFilosofia?Que fica maisesperta?Commaior capacidaderetórica?Nãopossofazerisso.Achoqueo ónusestá tambémnasprópriasempresase na sociedade civil. Estádo nossolado perceberisso." Quandodecidiu estudarFilosofra,não teve de lidar com a pergunta"para que é que isto serve?"."Nuncafiz essapergunta.A utilidade, a empregabilidade,em determinadasáreas é uma questãoque não faz sentido: qual é a utilidade da Música,da Matemáticapura, dos EstudosClássicosque destruíramem Portugal, e da Filosofia,que quiseram desruir mas não conseguiram?Sãocoisasque têm a ver com o exercícioda liberdadehumana.Para mim, a ideiado livro nuncafoi a ideiado útil, mas sim a do imprescindível,do amigo.Perguntar para que servea Filosofiaé o mesmo que perguntarpara que serveum amigo:para tudo e paranada."

Conceitosoperatórios

TambémCaeirofala da importância do cruzamentode saberes.'A contemporaneidade aposqueampliauma determinatou no especialista, da áreae deixa na sombratodas asrestantes. As Letraspodempossibilitara organizaçãodos conhecimentos, dossaberes."E sevirmoso que acontecenoutrospaísespercebemosque Filosofia e empregonão sãoincompatíveis."Nos EstadosUnidos,na Alemanha,em Inglaterra, o pressupostoda empregabilidadeestádado à partida. Oxford, a universidadecom maior excelêncianos cursosclássicose de Filosofia, empregatodos os alunos, em bancosou no que quer que seja,porque as empresasquequetrabalhemcomconceitos,que rem pessoas consigamanalisara estrutura de um texto, a táctica,a estratégia,e issoé feito com Homero ou com Platão,é feito com Aristóteles.Depois dão{hes uma formaçãoespecíficae a empregabilidadeé total." O problema é querer olhar para o que se ensinaem Letras como "matérias". "O que se ensinasãoconceitosoperatórios,aquilo a que os americanoschamamcriativethinking, a possiËilidadede perder tempo." E porque se devia reconhecera importância disso,defendeCaeiro,depoisde décadasde "políticas desastrosas", ospartidospolíticosdeviamser capazesde criar consensopelo menosnum tema:a Educação. Masé complicado,e o problemacomeçaprecisamenteno secundário."Osjovenshojevivem num presenteperpétvo", diz FernandoSilva, professorde Economiana EscolaSecundária RainhaD. Leonor,em Lisboa."Sãoincapazes


de pararparapensar.É essaagrandediferença. Antigamentenão tinhamtelemóveis,nem iPoestarquietos ds,erammaiscalmos,conseguiam nasaulas.Agoranão." E a relaçãocom o saber tambémsealterou. *Hâ2O anos,selhes apresentavaum problema dificil, era um desafio. Agoradesistem.Oucomeçama dizerhipóteses, comosefosseum concursode teleúsão.A ideia que têm é que fala bem quem fala depressa, quempensae por issodemoraum poucomais Não não é bem üsto. Nãoestãointeressados. gostamde desaf,os.Nãosãoobsessivos."

E, no entanto, os jovens são os menos culpadosdeste estadode coisas.Há as permanentesalteraçõesdo sistemade ensino* "as aulasde uma hora e meia, por exemplo, deixam-ossaturados"-, âsexpectativasdos pais, o "bombardeamentodiário com informação".Tudo isto conduza uma dif,culdade de concentração.Ler um livro exige muito "Querem tempo, por issolêem os resumos. tudo logo muito rápido." Tudo o que demore "é chato, é uma seca". A matéria de Economiaque Fernandodá

"foi reduzidaa metade,porque seconsiderou que era muito dificil". E isto, para o professor, tem a ver com a questão essencial:a escola estáfeita para preparar os alunospara os exames,para reduzir ao mínimo os chumbos. "Quando, Nadaé feito para os pôr a pensar. no ano passado,alterei um teste para dois ou três dias mais tarde, eles queixaram-se porque iam ter de estudar tudo outra vez. Por dois ou três dias, já não sabiam o que tinham estudado." A dar aulashá váriasdécadas,Fernando *

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Se*fqleãesr *ãx.;:tteeaa'traxc"g* sradqls xrs*aá s Silvatem sido um espectadorprivilegiadodas Fp"##r*rq"B $emptlrfl*,ax"e f *s *s*Ë..'ã{c:y* s e$.**r* g*u*Èaa, m* mudanças."O aluno que hoje tem um 12antes êmçle* de F:ìs*"gcaãÃe* * ffixendpecã*s não conseguiriamaisdo que um 8, o que tem

as com capacidade para pensar racionalmente, para distinguir o essencial do acessório." Em Portugal tem-se desvalorizado os cursos 18não teria mais do que um 12ou 13.Hâ2O de Letras, e isso "é tornar os seres humanos anos,se pusesseuma perguntade desenvol- menos autónomos, incapazes dq pensarem no vimento num teste, elesescreviampáginas. seu próprio destino, no que querem da vida, na Agorarespondempor tópicos,e se peço um melhor forma de organização das sociedades". comentário têm grande dificuldade. 'Quan- É torná-los "seres diminuídos na sua própria tas linhas temos de escrever?',perguntam. existência." A tradição foi sempre a de valoriArgumentar, pensar pela própria cabeça,é zar apenas um curso de Letras: Direito, que muito complicado." Filomena Mónica descreve como "uma espécie E, em muitos casos,é assimque chegamà de código da estrada que tem de se decorar". E universidade. A historiadorae sociólogaMaria isso prende-se com o facto devivermos "num FilomenaMónica sentiu directamenteo de- Estado baseado em leis, num país em que para sinteresse dos alunos num mestrado que tudo precisamos de regulamentos". deu na Faculdade de Letras sobre Eça Recentemente, conta, viu dados relativos à de Queirós. "Estão para ali maçados. origem social dos alunos que se estão a inscreE quandolhes dissepara lerem um ver na Universidade de Lisboa e há uma coisa livro perguntaramse não podiam que parece clara: "Há uma enorme diferença de ler só um capítulo." E um erro origem social dos pais entre os alunos de Letras pensar-seque as universidades e os de Medicina." A conclusão é que "quem vao preparar pessoaspara o tem pais com formação superior tende a não ir mercadode trabalho,diz. "O para Letras". "Letras é totalmente desprezada que é preciso é preparar jo- pelas elites, e isso é dramático", indigna-se. vens que sejam capazes de reflectir. Quem sabe História percebe a complexidade OsdadossãoconfirmadospelasociólogaMadas sociedades." ria Manuel Vieira, investigadorana área da

ImporMedicina

Lembra-sequandochegou a Oxford,nos anos197O,de, ansiosapor começara trabalhar,ter pedidoa um professor quelhe dessealgumacoisaparafazer. O professordisse{he quelessetrêsliwos e apresentasseum trabalhosobreeles.Quando ela lhe levou o que fizera,ele disseìheapenasquejá conhecia as ideias daqueles autores, o que estavaà espera era de conhecer as ideias dela. Ou seja, pediu{he que pensassepela própria cabeça. "O curso mais valorizado em Oxford", continua Filomena Mó= nica, "chama-se Politics, Philosophy and Economics, os alunos são tidos como as mentes mais bri

lhantes,e vão para bancos,

Educaçãoe co-coordenadorado Observatório Permanentedas Escolasdo Instituto de CiênciasSociaisda Universidadede Lisboa. "Verificámosque os alunosda Faculdadede Letras são recrutados entre os nÍveis mais baixos da população.Daí terem uma necessidadeacrescidade equacionaremo mercado de trabalho." É evidentepara estainvestigadoraque "nos últimos 30 anostem havido uma valorização crescenteda cultura de basetecnológica,que no séculoXIX era claramentediminuída". E confirma que o que se passanum colégiocomo o Valsassinapassa-seem muitos outros: "No ensino secundárioos cursos das áreas de Ciênciase Tecnologiassão claramenteos mais procurados" (63 por cento dos alunos estavamnesseagïupamento,segundodados de200512006). O queacontece,segundoosdadosrecolhidos por MariaManuelVieira,é que "os cursosde


O problemade Portugalé ter demasiada genteafazero quenãogosta,apensarnas fériasdavida,ou na reformadavida,para ir seraquiloquegostariadeter sido rado."No anoseguinte,fui paraLondresfazer um mestradoem EstudosChinesesna School of Orientaland African StudiesISOAS]da Universidadede Londres,ondeencontreiuma realidademuito diferenteda de Portugal.O nível maior mas de exigênciaera consideravelmente tambémo era o graude interessee a qualidade "Em da formaçãodos alunos."Um exemplo: Portugalacredita-seque sabendosó inglêsou francêssepode estudaro mundo inteiro, mas Horizontes vastos Mas estenão é um fenómeno apenasportu- os meuscolegasde paÍsestão diversoscomo guês.NosEUA,Martha Nussbaum,da Univer- a Polóniaou os EstadosUnidos que estuda' sity of Chicago,lançou recentementeum livro ram polÍtica do Médio Orienteou história do intitulado Notfor Profit, precisamentesobre Japãojá haviam estudadoárabe ou japonês o declíniodos estudosde Letras.E o que diz na licenciatura." "distinção", 'A educaçãoqueassociedades Terminado o mestrado com deNussbaum? "o mesmo vazio instalou-see a pressãopaplena mocráticasdãoàssuascriançasestáem mudança,e não pensámoso suficientesobre ra seguir rapidamente para doutoramento essamudança.Ávidasde bons desempenhos cresceu".Mas Helenaacha que é cedo para embora saiba que esseé o seu futuro económicos,asnações,e os respectivossiste- isso, "mais ou menos próximo". Parajá, estáem maseducativos,desprezamascompetências indispensáveisà sobrevivênciados regimes Taiwan,com uma bolsa,a aperfeiçoaros esSabeque o percursoem políticosliberais.Seestatendênciaseconfir- tudos de mandarim."Desistir da Históriaseria difícil. será Portugal produzirão inteiro países mundo do mar, os em brevegeraçõesde máquinasúteis em vez desistir de um sonho para o qual trabalho de pensarpor si próprios, afincadamentehá anos.Mas é francamente de cidadãoscapazes lugar de criticar a tradição,de compreendera im- triste constatarque em Portugalnão há dos para todos, nem sequerpara os bons - e em portânciadossofrimentose dossucessos outros."E isto,conclui,põe em riscoa própria áreascomo a Históriaparecenão haverlugar para ninguém." sobrevivênciada democracia. Lembramo-nos das palavras de António Apresentadostodos os argumentos,restaCastroCaeiro,o professorde Filosofia: de facto os de Serão para números. os nos olhar "Sequeremosensinaruma criança,ela deve cursosde Letras os que produzem mais deSegundodadosreunidospelo fazei aquilo de que gost-a.F,a ún_icaforma sempregados? Avaliação,Estratégia de se ser competènte.Acho dramáticoouvir Gabinetede Planeamento, e RelaçõesInternacionais(Gpeari)do Ministé- pessoasda minha geração dizer que odeiam rio da Ciênciae do EnsinoSuperior,as áreas o que fazem.O problema de Portugal é tamde estudo com maior número de registo de bém esse:tem demasiadagenteafazero que desempregadoscom habilitaçãosuperior em não gosta,a pensarnasférias da vida, ou na que gosJunhode2009 sãoasCiênciasEmpresariais(20 reforma da vida, para ir ser aquilo seguidaspelas taria de ter sido." por centode desempregados), Helenanão estádispostaa ser mais uma a CiênciasSociaise do Comportamento,nome"Seno flnal adamentePsicologia,Economiae Sociologia, pensarno que gostariade ter sido. (13por cento), e Engenhariae TécnicasAfins destepercurso de formação continuar a não sei que alguresno (9 por cento),totalizando no conjunto 42 por haver lugar em Portugal, "E os meus horizontes diz. haverá", mundo cento do total de registos. É altura de, pelaterceira(e última) vez'Íe- sãovastos."ffi gressarmosà história de HelenaLopes, que tínhamosdeixadonum estágionão remune- aIexandra.prado.coelho@p ublico.pt

sãomuitasvezespromoCiênciase Tecnologias vidospetaprópria escolae pelosprofessores quandoosalunossãobons nalgumadisciplina de Ciências,mesmoque gostemde Humanidades".E também pelos pais, que preferem "impor um curso de Medicinado que um na áreadasLetras,mesmoque o filho tenhamuito jeito paraescrever".


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