TFG População de Rua - Arquitetura e Espaço Urbano

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população de rua arquitetura e espaço urbano

Melissa Miaguti



população de rua arquitetura e espaço urbano centro de apoio e acolhimento para população de rua em São Paulo

Melissa Miaguti Universidade Presbiteriana Mackenzie Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Trabalho Final de Graduação

Orientador: Júlio Vieira

São Paulo 2016



Agradecimentos Agradeço ao meu orientador, Júlio Luiz Vieira, pela disposição, paciência e orientação que possibilitaram a realização do trabalho em questão. Gostaria de agradecer também ao orientador de projeto, Sami Bussab, pela atenção e auxílio na concepção de uma proposta projetual, fundamental para o desenvolvimento da pesquisa. A todos os outros professores do curso que se dispuseram a ensinar e transmitir seus conhecimentos. Agradeço também aos meus amigos pela ajuda, pela paciência e por toda a compreensão durante essses anos. E por fim, agradeço aos meus pais por todo o apoio, incentivo, esforço e investimento para que a concretização desse trabalho e a conclusão do curso fosse possível.



Introdução 1. O indivíduo 1.1 Contexto e conceituação 1.2 Quem são?

2. População de rua e o espaço urbano 2.1 Ocupação do espaço público: arquitetura da exclusão e não-lugar 2.2 Território e espaço urbano 3. A situação de rua em São Paulo 3.1 Caracterização do perfil 3.2 Áreas de ocupação 3.3 Formas de intervenção 3.3.1 Políticas públicas de auxílio 3.3.2 Albergues e casas de convivência 4. Estudos de caso 4.1 Bud Clark Commons 4.2 The Bridge Homeless Center 4.3 Rebridge Welcome Centre 4.4 Oficina de Artes Boracea 5. Projeto

5.1 Reflexões

5.2 Área e entorno

5.3 Programa

5. Proposta projetual

Considerações Finais Bibliografia Lista de Imagens



Introdução O tema de pesquisa surge a partir da reflexão a respeito da condição dos desabrigados nas cidades contemporâneas ao redor do mundo, especialmente na região central da cidade São Paulo, local com alto índice de pessoas em situação de rua. Trata-se de uma situação de origem histórica antiga, porém extremamente recorrente na atualidade cuja problemática envolve não somente aspectos econômicos, políticos, sociais e psicológicos como também urbanísticos. De tal forma que muitos fatores podem ser associados a esta condição, entre eles pode se considerar a crise habitacional da cidade, a mercantilização do espaço urbano, a vulnerabilidade nas políticas públicas, o problema do vício em entorpecentes, a exclusão social, a indiferença por parte da sociedade, resultando na privação dessas pessoas dos direitos básicos como cidadãos. Portanto, há também responsabilidade por parte dos arquitetos e urbanistas em compreender esse fenômeno, seu contexto e sua relação com o espaço urbano para a concepção de projetos urbanos e espaços de apoio a essa população, uma vez que é uma das

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principais soluções adotadas na tentativa de resolver o problema em uma escala mais pontual. Na cidade de São Paulo São Paulo, albergues e centros de acolhida tem sido construídos como uma forma de ajuda a esses cidadãos, porém como indicam os dados do Censo da População em Situação de Rua da Cidade de São Paulo de 2015, de 15.905 mil desabrigados, 7.335 rejeitam esse acolhimento. Há diferentes razões para esta rejeição, como questões burocráticas de horário de funcionamento, excesso de regras, restrições de uso e conflitos internos, porém um dos fatores agravantes é a condição que estes espaços estão sendo criados e mantidos. Para compreender o fenômeno do morar nas ruas, o capítulo 1 aborda uma questão fundamental: quem são essas pessoas e como sobrevivem? Através do estudo do perfil desses indivíduos, suas histórias, necessidades e dificuldades. Já no capítulo 2, investiga-se sobre a ocupação do espaço público por esses indivíduos, uma vez que se apropriam dos territórios criando um uso diferente daquele que foi planejado urbanísticamente, que tinha como público alvo os cidadãos residentes e passantes.

Buscando compreender a relação mútua entre a população

em situação de rua e a cidade, ou seja, quais as consequências desta 10


apropriação para a cidade enquanto espaço urbano e de que forma a vivência nesse ambiente influencia nos indivíduos. O capítulo 3 é focado na caracterização do perfil do morador de rua na cidade de São Paulo e em seguida identificam-se as políticas públicas como formas de intervenção para auxílio de reinserção dessa população e a situação de uso que se encontram esses espaços. Por fim, são realizados quatros estudos de caso e uma proposta projetual de um centro de apoio e acolhimento para pessoas em situação de rua, visando compreender quais as características arquitetônicas ao conceber um projeto para esse público com suas necessidades e seus modos de vida diferenciados. Portanto, o enfoque não se trata da busca de uma solução para o problema social que está muito além da construção de um centro de acolhida, mas a exploração das possibilidades de auxílio que a arquitetura e o urbanismo podem contribuir para melhorar esta condição, através da compreensão do contexto no qual estão inseridos esses indivíduos e como um projeto mais humanizado pode proporcionar este acolhimento e apoio para uma futura reinserção social e retomada dos diretos a cidadania.

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1. O indivĂ­duo


“O pessoal que tem uma vida estável, nos oprime com o olhar. Acho que eles deviam nos olhar com outros olhos, eles devem perceber que todos nós temos uma história e não estamos aqui por acaso. Chega de preconceito.” David


1.1 Contexto e conceituação

O “morar nas ruas” é uma condição existente atualmente em cidades do mundo inteiro, considerada como um problema complexo principalmente em grandes metrópoles como São Paulo, uma vez que envolve questões sociais, econômicas, políticas e também urbanísticas. De acordo com o estudo realizado por Michelle Esquinca¹ , tratase de um fenômeno muito antigo registrado desde as aglomerações urbanas da Antiguidade e que pode ser associado aos processos de industrialização, abolição da escravidão e urbanização das cidades porém, com o desenvolvimento destas e as mudanças de contexto, o perfil das pessoas que habitavam as ruas também se alterou com o tempo. No Brasil, o problema se intensificou muito a partir da metade do século XX, com a crise econômica houve um grande aumento da população nas ruas nas cidades, principalmente em São Paulo. 1 Dissertação de mestrado para FAUUSP sobre os deslocamentos territoriais dos adultos moradores de rua nos bairros Sé e República.

O agravamento da situação gera uma preocupação que induz ao início dos censos e pesquisas a respeito dessas pessoas por parte das autoridades. Assim, no início da década de 90 surgiram grupos 15


de estudos mais aprofundados na realidade e na metodologia de trabalho. Em 1991 realizou-se o primeiro censo exploratório para moradores de rua e a partir de então novos censos, pesquisas e estudos sobre o problema foram surgindo.

A constatação da relevância do tema e o aparecimento de novas pesquisas destacaram a importância da conceituação dos termos utilizados para se referir a essas pessoas e o que eles expressam. A Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), que realiza as pesquisas censitárias de moradores de rua em São Paulo, utiliza o termo população em situação de rua para definir o “o conjunto de pessoas que por contingência temporária, ou de forma permanente, pernoita nos logradouros da cidade - praças, calçadas, marquises, jardins, baixos de viaduto - em locais abandonados, terrenos baldios, mocós, cemitérios e carcaça de veículos. Também são 16


considerados moradores de rua aqueles que pernoitam em albergues públicos ou de entidades sociais.” (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, 2015).

Porém, Ricardo Mattos (2006) defende em sua dissertação² a utilização do termo pessoas em situação de rua como uma forma de enfatizar a singularidade desses indivíduos e a heterogeneidade ligada a diversidade de perfis e histórias. Já Paula Quintão³ (2012) opta por utilizar a expressão população de rua alegando que a palavra situação sugere uma condição que é sempre passageira, o que pode não ser uma verdade absoluta uma vez que existem aqueles que estão nas ruas de modo quase que permanente com baixas possibilidades de saída. Há ainda autores que se referem a essas pessoas como moradores de rua, povo da rua, população em condição de rua, sem-teto, 2 Dissertação de mestrado para Universidade São Marcos sobre a situação de rua e modernidade: a saída das ruas como processo de criação de novas formas de vida na atualidade. 3 Dissertação de mestrado para FAUUSP sobre o morar na rua, questionando se há um projeto possível.

desabrigados, entre outros. Mattos ainda especifica que o termo homeless sugerido pela Organização das Nações Unidas (ONU), não equivale as expressões utilizadas no Brasil visto que “abrange todas as pessoas que residem em locais impróprios ou sem os padrões mínimos para habitação” portanto englobaria pessoas que moram em cortiços, favelas e outros locais insalubres. (MATTOS, 2006) 17


Essa preocupação e variação da utilização dos termos advém provavelmente da complexidade de denominar em um mesmo grupo pessoas que possuem características tão diversificadas por inúmeros fatores que variam, como a faixa etária, as maneiras de sobreviver e como se agrupam ou não, os motivos que os levaram as ruas, seus deslocamentos, entre muitos outros aspectos. “As próprias circunstâncias que levam as pessoas para rua são variadas. Englobam desde brigas familiares, abandono, doenças, transtornos mentais, drogadição, até a distância do local de trabalho, perda de emprego, calamidades naturais, tragédias pessoais. Há diferenças também na forma como sobrevivem, seja pedindo esmolas ou trabalhando precariamente como catadoras de lixo, flanelinhas, vendedoras de balas e bebidas. Conclui-se que o único ponto em comum, que os situa dentro de um mesmo grupo social, é a situação limite de pobreza a que estão submetidos, isto é, o fato de fazerem da rua local de sobrevivência e estarem expostos aos mesmos perigos e condições subumanas de vida (PEREIRA, 2008: 70).”

Portanto, é fundamental destacar a heterogeneidade dessa população, desvencilhando a ideia equivocada e preconceituosa de morador de rua que as pessoas geralmente possuem. “Com relação aos moradores de rua não se trata de um grupo homogêneo ocupando uma área delimitada mas sim de indivíduos que formam uma parcela da população com características heterogêneas, habitando todo o território.” (QUINTÃO, 2012) 18


1.2 Quem são?

Diferentes definições são criadas para caracterizar quem são esses indivíduos pertencentes ao mesmo grupo denominado com diferentes termos. Algumas delas são: “trata-se de indivíduos sem uma habitação e que satisfazem tal necessidade, seja procurando uma instituição social, seja se apropriando e transformando o espaço público em moradia.” (GIORGETTI, 2006) “grupo populacional heterogêneo, composto por pessoas com diferentes realidades, mas que tem em comum a condição de pobreza absoluta e a falta de pertencimento à sociedade formal.” (COSTA, 2005) “um segmento social que, sem trabalho e sem casa utiliza a rua como espaço de sobrevivência e moradia.” (VIEIRA, BEZERRA e ROSA, 1992)

Apesar de pertencentes ao mesmo grupo, para compreender quem são esses indivíduos e o contexto no qual estão inseridos é fundamental tomar conhecimento de suas histórias, das causas que os levaram às ruas, a maneira que sobrevivem, quais as suas dificuldades e necessidades, a condição em que se encontram, aonde se estabelecem. 19


Paula Quintão destaca uma distinção importante entre eles, há aqueles que estão nas ruas por falta de alternativa por diversas causas portanto, consideram a possibilidade de sair dessa condição, vista como provisória. Porém existem também aqueles que estão na rua praticamente por opção, em uma condição quase que permanente com baixas possibilidades de reinserção, fator geralmente associado ao tempo de rua e a ruptura de vínculos com a sociedade. Há ainda as crianças e os viciados em drogas, considerados casos específicos, pois necessitam de alternativas diferenciadas de auxílio e atendimento para uma possível reinserção. Os principais motivos que os levaram as ruas, constatados

pela pesquisa nacional4, são o desemprego, rompimento de laços

familiares, perda da moradia, problemas com drogas, alcoolismo, saúde mental, imigração, tragédias naturais e fuga da polícia. As formas que encontram para sobreviver também variam, podem viver de doações ou empregos considerados informais. Quando se estabelecem, normalmente buscam espaços públicos como viadutos, praças, marquises, calçadas mas existem também os que não se fixam em um local específico. Se divergem também quanto a utilização das estruturas de apoio, especialmente as destinadas para pernoite como os albergues e casas 20

4 Pesquisa nacional sobre a população de rua realizada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), abril, 2008.


de convivência já que muitos optam ou até mesmo não conseguem usufruir desses espaços por diversas justificativas. A partir de inúmeras diferenças entre milhares de pessoas que são englobadas em um só grupo, algumas denominações são utilizadas até mesmo por eles próprios para se identificarem e se diferenciarem, baseadas em alguns parâmetros fundamentais no modo de vida desses indivíduos. Quanto ao modo de sobrevivência, encontra-se: o pedinte ou mendigo, que obtém recursos através da mendicância; os catadores também chamados de carroceiros ou carrinheiros, “composto por aquelas pessoas em situação de rua que exercem a profissão de catadores de materiais recicláveis, embora nem todo catador esteja em situação de rua.” (MATTOS, 2006) Quanto ao local onde se estabelecem e pernoitam existem: os albergados ou acolhidos, referindo-se àqueles que utilizam os albergues e abrigos para passar a noite; os nômades, que dormem geralmente sob marquises e pontilhões porém não possuem um espaço fixo; os assentados que delimitam um espaço fixo por meio de simulações de portas e paredes; os homens das cavernas que vivem dentro de estruturas, os selvagens que não tem lugar e carregam seus pertences consigo e os maloqueiros, 21


“que usam a maloca ou mocó, que é um lugar definido de permanência de pequenos grupos (...) que normalmente tem colchões velhos, algum canto reservado para pertences pessoais e as vezes utensílios de cozinha”. (VARANDA, 2003)

Quanto a mobilidade, há: trecheiros, trata-se daqueles que se deslocam de entre cidades e até mesmo estado em busca de assistências; andarilhos, “caracterizados pela errância: movimentação radical sem qualquer destino, ponto de partida ou chegada, rumo ou roteiro, fazendo com que sejam pessoas que promovem uma “deserção radical do sedentarismo... fuga ou distanciamento das normas e controles sociais” ”. (MATTOS, 2006)

Quanto a condição física ou mental, os deficientes, aqueles com problemas físicos ou mentais que encontram maior rejeição entre os moradores de rua; os nóias ou pedreiros, que utilizam crack constantemente e os alcoolistas. Mesmo em meio a tanta diversidade, é imprescindível enfatizar que entre essa população existem traços primordiais comuns pois, de uma maneira geral sobrevivem no espaço urbano em condições precárias de extrema pobreza, romperam laços e são segregados da sociedade não podendo muitas vezes exercer sua cidadania. 22


Estão em constante instabilidade social, econômica e até mesmo psicológica e para agravar suas dificuldades de sobreviver, sofrem grande preconceito por parte dos cidadãos comuns passando por um processo de invisibilidade, causado pela indiferença da população, negligência nas políticas públicas e medidas de afastamento. Ainda, como afirma Esquinca, a cronicidade da condição aumenta a ruptura dos vínculos econômicos, sociais, culturais e desencadeia um processo de degradação física e mental, podendo ser causado pela má alimentação, abuso do álcool ou uso de substâncias ilícitas. Ao romper com as formas socialmente aceitas de viver, se inserem em um novo grupo onde também há regras e conceitos, uma espécie de “organização da rua”. (ESQUINCA, 2013) “Cada um tá aqui por algum motivo, mas somos descriminados, as pessoas tem nojo. Se parassem para conversar iriam ver que aqui tem de tudo: advogado, professor, enfermeiro, pessoas que, como eu, deram um deslize na vida.”

04. Marcão, morador de rua, na porta da Catedral da Sé

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2. População de rua e o espaço urbano


“Hoje, eu moro aqui em baixo do viaduto, na calçada. O mais difícil é a higiene. Se eu pudesse tomar banho todos os dias ia ser ótimo.” Augusto


2.1 Ocupação do espaço público: arquitetura da exclusão e não-lugar A condição principal que engloba esses indivíduos dentro de um mesmo grupo é por diversas razões, não possuir uma moradia fixa dentro dos padrões formais socialmente aceitos e então utilizar a rua como seu espaço de sobrevivência. Portanto, a fim de compreender o contexto no qual estão inseridos, é fundamental entender as relações espaciais que eles estabelecem com o espaço urbano. Os conceitos de público e privado se misturam ao ocuparem a rua, considerada um espaço público, realizando atividades de caráter privado. Essa ocupação torna-se conflitante pois ao tornar público o que é privado, também se privatiza o que é público. Esse conflito advém da concepção de rua e casa estabelecida para a sociedade, pois vai além de uma definição espacial e funcional, ou seja, são considerados “não apenas como espaços geográficos, mas como espaços

sociológicos dotados de diferentes significados. Segundo Da Matta (1984; 1997), no contexto cultural brasileiro, a casa e a rua são “entidades morais” ou “esferas de ação social” que determinam comportamentos, emoções, relações, enfim, formas de subjetivação.” (MATTOS, 2006) 27


Assim sendo, de acordo com o Mattos, a casa representa um espaço íntimo, privativo, de acolhimento e segurança enquanto que a rua remete a impessoalidade, movimentação, instabilidade. Ações que a sociedade determina que devem ser realizadas em âmbito privado ou seja, na casa, como dormir, comer, tomar banho, entre muitas outras, são realizadas na rua, espaço público. Essa subversão das regras gera uma incompatibilidade dos padrões sociais, uma vez que a a rua passa a ser utilizada de uma forma para qual não foi projetada, pois deixa de ser um espaço impessoal de passagem, torna-se casa. Essa atribuição de novas funções para o espaço público não é bem vista aos olhos da sociedade. Muitas vezes são considerados como um incômodo, uma deturpação à imagem da cidade e a partir disso, surgem políticas higienistas como quando a cidade recebe grandes eventos, moradores de rua são retirados e “escondidos” como uma forma de limpeza para não prejudicar esta imagem. Para evitar a presença desses indivíduos, diversos recursos têm sido utilizados nas cidades como forma de afastá-los, por meio de grades, muros, espetos, pedras sob viadutos os quais são áreas potenciais de abrigo, bancos que dificultam a acomodação, marquises que tem sido evitadas na construção para não atrair este tipo de ocupação e 28

até jatos de água e óleo queimado são colocados.


Esses elementos conhecidos como antimendigo geram uma arquitetura hostil e desumana. São instalados principalmente nas áreas mais nobres das cidades, já que o território urbano possui uma valorização como mercadoria, instrumento de troca, o que afeta diretamente o mercado imobiliário. “por meio dessas intevenções, os habitantes dos edifícios do centro da cidade ou dos bairros abastados, além da clientela dos locais bem frenquentados de São Paulo, protegem-se do morador de rua. Sob o pretexto de se sentirem ameaçados, delimitam seu espaço na cidade. Além disso, aquilo que corresponderia simbolicamente a verdadeiras “muralhas” representa também um sinal de poder, pois serve para lembrar o morador de rua da sua condição de inferioridade.” (GIORGETTI, 2006)

Nota-se que o espaço urbano considerado público, logo, um espaço para todos, podendo ser apropriado por qualquer cidadão, é em muitas situações negado a essa população. Assim, é retirado deles um de seus direito, o direito a cidade5, defendido por Lefebvre (1968), defendendo o fim das segregações e a reconquista das cidades por 5 Um direito de não exclusão da sociedade urbana das qualidades e benefícios da vida urbana. Conceito desenvolvido por Lefebvre e retomado por outros autores como David Harvey e Margit Mayer.

grupos excluídos. Em sua maioria não possuem trabalho formal e nem fonte de renda, portanto, não são indivíduos que produzem e consomem. Dentro dessas circunstâncias, no sistema vigente no país, são segregados não só social e economicamente como também espacialmente. 29


Até o simples direito de acesso e permanência a locais considerados públicos lhes é negado pela sua condição. “Vive nas e das entranhas de uma cidade estruturalmente excludente e discriminatória, socialmente produzida para quem tem, assim como todas as grandes cidades sob o sistema econômico e social vigente no Brasil.” (PALOMBINI, 2015)

Deste modo, a opção que resta para as pessoas que sobrevivem nas ruas é encontrar espaços residuais cada vez mais escondidos onde despertem o mínimo do incômodo na vida das classes privilegiadas e a menor visibilidade na paisagem urbana. Estes espaços são denominados como subespaços por Palombini6 (2015), definidos como locais de sobra, que não tem valor nem uso, tornando-se livre para serem ocupados por aqueles que de certo ponto de vista são considerados sobras na sociedade. Relaciona-se também tais locais com os não-lugares conceituados por Marc Augé (1994) no que se refere a lugares de passagem, transitórios, onde não se estabelecem identidades nem histórias. “a rua, como “não-lugar”, também pode ser entendida como habitada por pessoas “forado lugar”: que subvertem o lugar estabelecido pela ordem da vida domesticada, do cotidiano estruturado a partir das regras e horários do trabalho e da família.” (MATTOS, 2006) 30

6 Dissertação de mestrado para UFRGS sobre os moradores de rua e suas relações com o espaço urbano em Porto Alegre, Rio Grande do Sul.


2.2 Território e espaço urbano

Há diversas definições de território por diferentes pesquisadores como descreve Palombini (2015), entretanto, considerando-se a ideia de um espaço no qual relações de posse são estabelecidas, afirma que em determinadas situações ocorre uma territorialização por parte dos moradores de rua em relação ao espaço que se apropriam ainda que por apenas um período de tempo. Entretanto, esta apropriação ocorre menos por uma imposição de poder do indivíduo sobre o espaço delimitado e mais caracterizada pelas relações que eles estabelecem entre si e com aquele espaço especialmente nas ocupações em grupo. Ou seja, não há uma forte relação de posse sobre o lugar, porém a apropriação desse espaço onde os indivíduos criam uma vivência e até mesmo regras, configura uma espécie de limite podendo se considerar um território. “o território envolve sempre [...] uma dimensão simbólica, cultural por meio de uma identidade territorial atribuída pelos grupos sociais como forma de controle simbólico sobre o espaço onde vivem (sendo também, portanto, uma forma de apropriação), e uma dimensão mais concreta: a apropriação e ordenação do espaço como forma de domínio e disciplinarização dos indivíduos.” (HAESBAERT, 2001) 31


No entanto, essa possível territorialização sobre o lugar que se estabelecem pode ser questionada ao se observar mais uma relação apenas de ocupação do que posse, evidenciada pelo fato de que na maioria das vezes está sujeita a questão da temporalidade, submetida a dinâmica da vida social que ali ocorre. No período da manhã com intensa atividade e circulação de pessoas nas ruas, esses cidadãos que vivem no espaço urbano público acabam se escondendo ou se tornando invisíveis no meio a multidão, enquanto que a noite podem se apropriar dos espaços ainda que de forma limitada, até o dia seguinte recomeçar e submetidos a possíveis remoções pelas chamadas limpezas urbanas. Trata-se de uma relação efêmera e itinerante, ainda assim, barreiras invisíveis são criadas uma vez que, quando as pessoas em situação de rua ocupam um local, os outros cidadãos, por preconceito e medo, evitam de passar por ali considerando o lugar como um território dos moradores de rua. Ou seja, essa relação de posse acaba por ser imposta mais pelas outras pessoas do que por eles próprios. Em contrapartida, os próprios moradores de rua não circulam nem se estabelecem em certos locais, seja porque não são permitidos ou porque não se sentem confortáveis, não querem ser julgados e rejeitados pelos cidadãos comuns. 32


Assim, a escolha dos locais daqueles que vivem no espaço urbano está associada a diversos fatores, como barreiras físicas ou invisíveis, questões de segurança, fluxo de pedestres, circulação de pessoas e mercadorias, proximidade com fontes de alimentos, renda, materiais e assistências oferecidas. Suas ocupações no território, vinculadas a temporalidade e a condições externas como ações do Estado e cidadãos comuns, modificam e moldam o espaço urbano. A compreensão dessas localidades e dinâmicas é fundamental para a localização de projetos e estruturas de apoio para a população em situação de rua.

06. Foto crítica sobre a invisibilidade do morador de rua.

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3. Situação de rua em São Paulo


“Tem gente que compara albergue com moradia, não tem nada a ver. O albergue é ruim demais, parece um Estado com diversas leis, tem horário pra tudo, você é obrigado a fazer o que eles mandam.” Jeferson


3.1 Caracterização do perfil

A existência de uma população que vive nas ruas é uma condição global entretanto, o perfil desses indivíduos pode se diferenciar de acordo com a cidade ou até mesmo em uma escala menor, em consequência de peculiaridades e condições de cada contexto. Através das pesquisas censitárias da população de rua realizadas pela FIPE7, é possível estabelecer as principais características desse grupo que habita as ruas da cidade de São Paulo. O levantamento censitário realizado em 20158 aponta para a existência de 15.905 pessoas em situação de rua em São Paulo que comparado aos anos anteriores indica um crescimento contínuo dessa população. Desse total, 8.570 são classificados como “acolhidos” pelo Fipe, referentes aqueles que utilizam os serviços de acolhimento 7 Fundação Instituto de Pesquisas

Econômicas. 8 Censo da população em situação de rua da cidade de São Paulo, 2015 realizado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas e pela Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social.

oferecidos pelo governo e que também estão em crescimento em relação ao grupo denominado como “rua”. “A caracterização socioeconômica das pessoas em situação de rua baseia-se nas seguintes variáveis demográficas: idade, sexo, cor, local de origem e escolaridade.” (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, 2015) 37


os ou Na Rua

a

46%

Acolhidos

A população de rua em São Paulo é composta predominantemente por homens, tanto entre os acolhidos quanto entre os que vivem nas ruas (86% e 84% respectivamente), adultos, sendo a faixa etária entre 31 e 49 anos a maior parcela, seguida pelos jovens entre 18 e 30 anos. 38


Quanto a cor e a raça atribuídas pelos pesquisadores predomina a parda sendo quase metade da população seguida pela preta. A população é majoritariamente brasileira composta apenas por 1,6% de estrangeiros entre os que não utilizam os espaços de acolhimento, já entre os “acolhidos” esse número sobe para 7%. Com relação ao local de origem, em ambas as situações, a quantidade de migrantes, ou seja não-paulistanos, chega em torno de 70%.

Conforme o censo de 2015, 80% das pessoas acolhidas vivem

só e entre elas 78% utilizam drogas e/ou álcool, número que cai para 55% entre os que vivem acompanhados por cônjuges ou filhos. Entre os moradores de rua essa estatística sobe para 84%, provavelmente porque dentro dos espaços de acolhimento não é permitido o uso de substâncias ilícitas e nem alcoólicas. 39


Tanto entre os acolhidos quanto entre os moradores de rua, os que afirmam saber ler e escrever chega a pouco mais de 90%, porém quanto ao nível de escolaridade é considerada baixa já que a maioria não chegou a completar nem o ensino médio. A maioria da população consegue dinheiro desempenhando atividades classificadas como “conta própria” e “bicos”, incluindo distribuição de panfletos, serviços de limpeza, ajudante geral, carga e descarga, atividades de construção civil, catação, comércio ambulante, lavagem de carros e flanelinha. Há, também, em menor número, menções à mendicância, roubo, assalto e venda de drogas e por fim a menção às atividades artísticas nas ruas. Referente à saúde, apenas cerca de 20% afirma não ter nenhuma doença. O restante cita condições como problemas mentais, dores crônicas, problemas de saúde bucal, traumas de acidentes, hipertensão, doenças respiratórias e no aparelho digestivo, entre outras. Quanto a mobilidade, há em torno de 200 pessoas que utilizam cadeiras de rodas. O local onde os moradores foram encontrados foi caracterizado de acordo com as seguintes categorias: calçadas (incluindo embaixo de marquises), área externa de imóvel, baixos de viadutos, praças, canteiro central, mocós, estações de metrô e de trem, terminal de 40

ônibus, terreno baldio e veículo. Os resultados revelaram a forte


predominância das calçadas como locais de permanência, inclusos aí os espaços sob marquises (63%). A caracterização do entorno dos pontos onde foram encontrados os moradores de rua se baseou na identificação da predominância de imóveis com uso comercial/ serviços, uso residencial ou uso misto.

Um fato que caracteriza a população de rua nas cidades de São Paulo é que muitas dessas pessoas já sofreram e sofrem com discriminação, submetendo-as a grandes humilhações e constrangimentos ao serem impedidas de acessar espaços considerados públicos como bares, restaurantes, bancos e até mesmo órgãos públicos. 41


Além da discriminação, existem outras formas de violência que esses indivíduos estão sujeitos constantemente, citadas por eles no recenseamento. Trata-se de roubos e furtos, agressão verbal e física, tentativa de homicídio, remoção forçada e abuso sexual, ações que são realizadas por diferentes agentes, como traficantes, agentes públicos da limpeza urbana e cata bagulho, polícia militar e civil, pedestres, moradores de rua, comerciantes e segurança privada.

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3.2 Áreas de ocupação

Segundo o Fipe, mais da metade da população em situação de rua de São Paulo (58%) está concentrada na área central da cidade com destaque para as subprefeituras da Sé e Mooca. Entre os acolhidos, a maior incidência está entre os distritos de Mooca, Santa Cecília e Pari justamente pela maior concentração de instituições de apoio a essa população. Quanto aos que não utiizam os albergues e casas de convivência, ou seja vivem e pernoitam nas ruas, os distritos com mais presença são República, Sé e Santa Cecília. De acordo com Vieira (1994) uma das prováveis hipóteses para esse dado é a proximidade com locais de alimentação gratuita. Paula Quintão (2012) acrescenta ainda a interpretação de que locais de âmbito comercial são mais seguros para essa população pois a noite estão vazios e também justifica essas concentrações centrais através da lógica de descartes da cidade, que admite que devido à catação de materiais ser uma das principais atividades de fonte de renda dessa população, tendem a se concentrar perto dos setores que geram mais resíduos: o secundário (indústria) e terciário.

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Portanto, “entre as áreas de maior descarte, exatamente na área central (onde se localiza a maior parte do setor terciário), e nas áreas onde há presença de indústrias são onde há maior concentração de moradores de rua”. (QUINTÃO, 2012) Ressalta-se a Vila Leopoldina como o único local de alta densidade de moradores de rua que está fora dessa região central e justifica-se essa característica pela presença do CEAGESP.

A concentração de serviços e intenso fluxo de pessoas ainda gera 08. Mapa da concentração dos moradores de rua de acordo com distritos.

a possibilidade de algumas atividades informais de geração de renda como flanelinha, guardador de carro e até mesmo a mendicância. 45


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Referente as áreas de concentração existe um fator

fundamental destacado por Michelle Esquinca (2013), há duas dinâmicas distintas: a noturna e a diurna. “Existem, no centro da cidade, espaços característicos nos quais os moradores de rua se concentram durante o dia; o melhor exemplo é a Praça da Sé. Esse espaço da cidade possui duas dinâmicas, que se marcam claramente: de dia, muitos moradores de rua se congregam em grupos, compartilham alimentos ou simplesmente batem papo; à noite, esse espaço, esvaziado, é perigoso até mesmo para os moradores de rua, devido à prostituição, ao furto e ao tráfico de drogas – portanto muitos moradores de rua o abandonam nesse período, procurando outras ruas para pernoitar.” (SANTOS, 2005)

Existem outros fatores que possibilitam justificar algumas

densidades de população de rua, como a formação da Cracolândia e a obtenção de de bebidas alcoólicas a baixo custo.

09. Mapa de pontos de concentração de moradores de rua em São Paulo. 10. Morador de rua com Catedral da Sé ao fundo.

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3.3 Formas de Intervenção 3.3.1 Políticas públicas de auxílio para reinserção social

Na cidade de São Paulo, a prefeitura oferece alguns serviços socioassistenciais destinados às pessoas que estão em situação de risco e vulnerabilidade, incluindo a população em situação de rua, que são prestados pelo SMADS9 estabelevendo convênios com organizações sociais já existentes. Existem centros destinados ao atendimento a essa população e encaminhamento para a rede socioassistencial com o controle e supervisionamento das vagas. Trata-se do CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) que é a porta de entrada do sistema, o CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) que presta atendimento para as pessoas em situação de rua para inserção na rede e o CAPE (Central de Atendimento Permanente de Emergência) que atende as ocorrências de responsabilidade da Assistência Social em caráter de urgência supervisionando o acolhimento. 11. Mapa aproximado das concentrações de moradores de rua na região central de São Paulo. 9

Secretaria Municipal Assistência Social.

de

Por meio de convênios, a SMADS oferece serviços diurnos, nas subprefeituras da Mooca, Santana e Sé, que prestam atendimento a essa população porém sem possibilidade de pernoite. Os serviços prestados são: 49


• Bagageiro: espaço para guardar pertences provisoriamente; • Centro de Capacitação Técnica: local onde podem ser realizados cursos de diferentes áreas como construção civil, pintura, elétrica, cabeleireiro e manicure; • Espaço de Convivência: espaço que oferece atividades de cultura e lazer e também proporciona uma orientação para a população de rua na obtenção de documentos e encaminhamento profissional e pessoal; • Núcleo de Convivência com Restaurante Comunitário: destinado para distribuição de alimentos que antes eram feitas nas ruas por organizações sociais e que atualmente utilizam este espaço; • Núcleo de Convivência para Adultos -Tendas: locais para promover a socialização entre essa população com o objetivo de reintegração social por meio da criação de vínculos interpessoais, familiares e comunitários; • Serviço de Inclusão Social e Produtiva: visando a reinserção no mercado de trabalho, oferecem oficinas de capacitação e qualificação e também concentra o núcleo de catadores de materiais recicláveis; • Equipes do Serviço de Aborgadem Social: abordam pessoas em situação de rua na tentativa de encaminhá-las para atendimento de algum dos serviços oferecidos pela rede da prefeitura; 50


• Consultório na Rua: abordagem da população de rua com problemas de saúde, drogadiação e alcoolismo auxiliando no encaminhamento e agendamento para os serviços de saúde; Dentro de uma rede de alta complexidade encontram-se os serviços que oferecem acolhimento com vagas para pernoite. No total são 9453 vagas que se distribuem entre: • Centros de Acolhida para Adultos I e II, 16 horas e 24 horas: oferecem serviços de higiene, lavanderia, alimentação e dormitórios; • Centros de Acolhida Especial: são voltados para um públicos específicos, como idosos, mulheres, catadores, pessoas em condições de saúde que necessitam cuidados especiais; • Repúblicas: consideradas a “porta de saída” da rede, atendem a população que já possui certo grau de autonomia e que possuem emprego ou alguma atividade remunerada; • Hotéis Sociais: destinados para pessoas ativas socialmente, possuem vínculo com os centros de acolhida; • Hotéis do Programa Braços Abertos: abrigo para pessoas com problemas de consumo de droga em recuperação; • Operação Baixas Temperaturas: quando há baixas temperaturas os serviços de atendimento são ampliados junto com as vagas nos centros que aumentam em 20%. 51


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Para crianças e adolescentes existem redes específicas que as acolhem quando os responsáveis estão impossibilitados de cumprir a função de e proteção colocando-as em situação de risco e vulnerabilidade. Além dos programas oferecidos pelo poder público, existem diversas ONGs, entidades religiosas, movimentos sociais e outros atores coletivos que se predispõem a auxiliar essa população sendo que algumas delas estabelecem convênios com a prefeitura. O censo realizado em 2015 aponta que o principal serviço utilizado pela população de rua é o centro de acolhida, porém nota-se uma defasagem dessas estruturas de apoio nas áreas de alta densidade de moradores de rua no centro de São Paulo.

12. Mapa da distrubuição pontos de serviços da rede socioassistencial em São Paulo 13. Cooperativa dos catadores de material reciclável de baixo do viaduto do Glicério.

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3.3.2 Albergues e casas de convivência

De acordo com Daniel de Lucca10 (2007), São Paulo tornou-se uma referência nacional sobre a questão da população de rua ao desenvolver um conjunto de práticas e intervenções políticas que se tornou uma rede de assistência e atendimento a essa população, única no país. Apesar do sistema de acolhimento oferecido pela prefeitura ter demonstrado uma melhora, confirmada por meio dos dados nos últimos anos, quase metade da população que vive nas ruas não utiliza o sistema e essa recusa acontece por diversas razões. Inicialmente, através das pesquisas, pode-se apontar como hipótese que o número de vagas ofertadas (9.453) é inferior a quantidade de pessoas nas ruas (15.905), porém, os depoimentos 14. Mapa dos pontos de serviços de assistência oferecidos pela prefeitura na área central com marcação das áreas defasadas.

10 Dissertação de mestrado para FFLCH-USP sobre experiências urbanas e jogos sociais em torno da população de rua.

indicam outros motivos para estas não pernoitarem nos albergues e casas de convivência. Uma das principais reclamações é a falta de liberdade devido às restrições de horários e à proibição do uso de álcool e drogas nesses locais. Outro fator associado a rejeição dos albergues é a condição dos espaços, uma vez que há reclamações a respeito da higienização.

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Trata-se de ambientes muitas vezes insalubres e que abrigam inúmeras pessoas sem considerar a heterogeneidade dessa população com um tratamento uniforme. Espaços repletos de beliches implicam na dificuldade de criar privacidade, além disso, a falta de infraestrutura associada ao alto número de pessoas para serem atendidas impossibilita um tratamento adequado. Outra questão relatada pelos próprios moradores de rua para não dormir nos albergues é o desejo de não abandonar seus pertences, como carrinhos e seus animais de estimação. “A rua pode significar a ausência de amarras, mas também pode tornar-se uma prisão à medida que se busca um porto seguro, o qual é inexistente nesta condição. Ou seja, muitas vezes o indivíduo em situação de rua está preso à sua própria liberdade.” (PALOMBINI, 2015)

Uma pesquisa realizada pelo Fipe em 2006, avaliou os albergues existentes destinados a população em situação de rua em São Paulo por meio de diversos fatores, desde físicos até serviços prestados. Entre as vagas oferecidas, 84% são para homens e a média de leitos por dormitório é de 22,4. O levantamento apontou que a maioria não possui área externa onde os usuários aguardam para entrar e nem áreas verdes. Entretanto, em 64% dos albergues há áreas externas para atividades. 56


Sobre os serviços oferecidos, todos possuem bagageiro, refeitório, lavanderia, espaço destinado para atendimento do serviço social e a maioria espaço socioeducativo. Porém, apenas metade ou menos, possui estacionamento para carroças, salas de leitura, biblioteca, espaço e equipamentos para realização de oficinas. Quanto a acessibilidade, a maior parte não está dentro das normas já que não possuem rampas de acesso, elevadores, e nem barras de apoio e antiderrapantes nos sanitários. Ainda de acordo com o estudo, algumas má condições foram encontradas em vários desses albergues, sendo as principais: fiação elétrica aparente, manchas de bolor, vazamentos, vidros quebrados, cômodos sem janelas, rachaduras nas paredes, ventilação precária. De uma forma geral, as situações mais citadas pelos usuários para a pesquisa como problemas são os conflitos entre usuários ou com funcionários, a presença de pessoas alcoolizadas ou drogadas, furtos, dificuldade de controle e segurança e quanto a edificação, questionase a ausência de salas para atividades específicas e problemas de 11 Debate realizado na rádio USP junto com a professora Silvia Schor, em agosto de 2016, sobre políticas para população de rua como um tema complexo e urgente.

circulação e acessibilidade. No entanto, mesmo entre a parcela da população que utiliza os albergues para pernoitar ao que indicam os dados a taxa de reinserção por meio do sistema oferecido é muito baixa. 57


De acordo com Raquel Rolnik11, o sistema de reinserção social proposto pelas políticas públicas atuais visa um caminho para a população de rua que se inicia pelo acolhimento, através dos albergues, onde após adquirir condições de autonomia são encaminhadas para moradias provisórias e por fim soluções habitacionais definitivas são propostas. Porém, a arquiteta afirma que ocorre uma falta de perspectiva, as etapas previstas não estão se concretizando.

Mattos, Yamaguchi e Domingues, por meio de uma pesquisa12,

constroem uma crítica ao sistema de albergamento da prefeitura, alegando que esses espaços são mantidos como uma forma de domesticação da população em situação de rua, transformandoos em seres úteis, produtivos, obedientes e disciplinados ao se submeterem as regras rígidas entrando na rotina do sistema. Tornamse dependentes da instituição, porém, sem criar uma autonomia individual e sem qualquer indício de uma possível emancipação pessoal que possibilite a saída das ruas e sem formas de diálogo. Segundo os autores, “essa prática institucional favorece a passividade, a obediência, a dependência de forças extrínsecas que fogem ao controle, impossibilitando qualquer condições do indivíduo enveredar por um processo de autonomia: gerir seu cotidiano com suas próprias regras e construir sua história.” (MATTOS, YAMAGUCHI, DOMINGUES, 2005) 58

12 Artigo sobre os mecanismos de poder, disciplina e biopolítica, distribuídos no sistema albergal existente.


Nota-se que a solução para que o sistema de acolhimento funcione é de extrema complexidade, entretanto, o intuito da presente pesquisa é a exploração das possibilidades de auxílio da arquitetura e o urbanismo na criação de espaços de apoio a esta população. Logo, reflete-se que para melhoria desses locais, além dos fatores espaciais, questões burocráticas de regras, horários, imposições e até mesmo questões programáticas devem ser revistas.

15. Imagem de um dormitório em albergue em São Paulo

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4. Estudos de caso


“Não sei se é culpa dos governantes que não governam pela sociedade, só sei que os problemas políticos refletiram em mim. A pessoa se esforça, mas não consegue arrumar muita coisa. Os caras lá de cima quebram as nossas perspectivas e os nossos sonhos.” David


Introdução

Visando investigar as arquiteturas concebidas para este programa que tem como público o morador de rua, selecionam-se cinco edifícios construídos com o propósito de auxiliar e abrigar essa população. Sendo Bud Clark Commons e The Bridge Homeless Assistance Center nos Estados Unidos, Rebridge Welcome Centre e Spring Gardens na Inglaterra e Oficina Boracea no Brasil, São Paulo. Em cada um dos projetos, quatro aspectos considerados de maior relevância para o estudo em questão foram analisados, averiguando quais características são incorporadas nesse tipo de edifício. Primeiramente o programa, primordial para a investigação, pois trata-se de algo variável e específico, não tão convencional no Brasil como projetos de arquitetura. Em seguida busca-se compreender de que maneira este programa é espacializado, como os espaços são compostos e como integramse entre si, qual a relação estabelecida entre as áreas internas e externas, de que forma os volumes são dispostos no terreno.

Por fim, no item expressão e linguagem, verifica-se como a materialidade, a volumetria, as fachadas se expressam e que tipo de imagem estes edifícios transmitem por meio da linguagem.

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Bud Clark Commons Autor: Holst Architecture Local: Portland, Oregon, Estados Unidos O edifício Bud Clark Commons possui 9850m², é destinado para homeless e faz parte de um plano de dez anos de erradicação da população de rua em Portland nos Estados Unidos. programa Seu programa consiste em abrigo temporário para 90 homens, refeitório, centro de apoio para essa população que oferece espaços de computação, lavanderia, biblioteca, oficinas, espaços comunitários, suporte em casos de reabilitação de drogas e alcoolismo e por fim, habitação permanente com quartos individuais. 18. Implantação

espaço Os usos foram organizados nos pavimentos de tal forma que os espaços de âmbito mais público como as áreas coletivas, de serviços e também o abrigo temporário situam-se no térreo e primeiro pavimento enquanto as áreas de acolhimento nos pavimentos superiores. Além disso, há um pátio que foi projetado como uma proteção e espaço de transição entre a rua e as áreas internas do centro de apoio. 65


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A circulação vertical é feita através de dois núcleos e uma escada mais informal para os primeiros pavimentos. Já a circulação horizontal é realizada por corredores centrais com os espaços circundados. Outro partido adotado foi a concepção de uma estrutura e layout que podem potencialmente abrigar outros usos futuramente, como uma acomodação estudantil ou para idosos e até mesmo um hotel. expressão e linguagem A materialidade do edifício foi estabelecida visando durabilidade, economia e sustentabilidade. Concebido basicamente em concreto e tijolos locais, aço corten, vidro e madeira, nota-se que os materiais escolhidos possuem cores sóbrias e neutras. Há uma relação do espaço interno com o externo através de fachadas transparentes nos pavimentos de caráter público e grandes aberturas nos pavimentos de dormitórios, as quais possuem detalhes coloridos criando uma identidade para a fachada do edifício.

19. a 22. Plantas 23. Pátio aberto

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síntese A análise do projeto possibilitou não somente a identificação do programa e os serviços oferecidos para essa população mas também de que maneira se realiza a espacialização dessas atividades. Através do estudo também se identificou a possibilidade de criar espaços de qualidade para este programa por meio da concepção arquitetônica, característica que não é visada nos espaços destinados a população em situação de rua na cidade de São Paulo atualmente. Uma particularidade notada foi a adoção de um partido verticalizado, o que não é muito comum nos projetos existentes para esta função. Ainda assim, existe um intuito de relacionar os espaços internos com o exterior por meio de pátios abertos, varandas e uma grande fachada de vidro nos dois primeiros pavimentos.

24. a 27. Elevações 28. Espaço interno

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The Bridge Homeless Assistance Center Autor: Overland Partners Local: Dalas, Estados Unidos, 2010 O edifício “The Bridge”, construído com o objetivo de melhorar o problema da população sem moradia em Dallas, possui 75.000m² incluindo grandes áreas externas. programa Possui um programa diversificado que oferece atividades que incluem dormitórios, setor de apoio para saúde mental e física, higienização, consultórios médicos, escritórios de advocacia e aconselhamento, lavanderia, setor para crianças, biblioteca, refeitório, setor de treinamento, local para cuidado de animais e um pavilhão de dormitórios ao ar livre. espaço O programa foi espacializado em cinco edifícios posicionados formando um pátio aberto central com um refeitório como foco, criando um espaço externo com áreas verdes ao ar livre, amplo e agradável para descanso e convivência. As atividades foram divididas de tal forma: um edifício de recepção e áreas comunitárias como a biblioteca, um de serviços nos 71


edifício de recepção edifício serviços

pátio residentes

pátio principal

acesso

pavilhão dormitórios

edifício refeitório

IMPLANTAÇÃO

PLANTA PAVIMENTO TÉRREO

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30. e 31. Plantas


primeiros pavimentos e acomodação nos superiores, um de depósito e armazenamento, um de refeitório e por fim um edifício existente que foi adaptado para um pavilhão de dormitórios ao ar livre. Quase todos os blocos são térreos estabelecendo uma forte conexão com a praça aberta central, além disso em consequência dessa particularidade dispensou-se a necessidade de núcleos de circulação vertical. Apenas as áreas de acomodação não se situam no térreo possibilitando a sensação de abrigo, privavidade e segurança imprescindíveis para este uso. expressão e linguagem A materialidade do projeto consiste basicamente de tijolos, metal e vidro. Há muita translucidez e visibilidade principalmente no bloco 32. Espaço interno com vitral 33. Pátio aberto central

de acesso que possui um projeto artístico com painéis de vidro colorido na fachada principal.

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PLANTA PRIMEIRO PAVIMENTO

34. e 35. Plantas 36. Elevação

PLANTA SEGUNDO PAVIMENTO

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síntese O edifício The Bridge é uma referência importante para a compreensão das características de espacialização do programa. O ponto de maior relevância do projeto como referência é a ideia de uma praça central aberta com áreas verdes concebida pelo posicionamento dos edifícios, proporcionando um espaço acolhedor para permanência e convivência do público. O programa acontece majoritariamente ao redor desse espaço no pavimento térreo. Outra característica que se ressaltou foi a criação de um ambiente de dormitórios ao ar livre, um uso que não estava presente em outras referências analisadas. Portanto, o projeto se tornou uma referência importante não no 37. Recepção 38. Entrada do edifício refeitório

que se refere aos espaços internos, mas sim às ideias de concepção de partido de uma forma geral.

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Rebridge Welcome Centre Autor: Peter Barber Architects Local: Londres, Inglaterra, 2012 O Rebridge Welcome Centre é um centro comunitário localizado em um terreno proeminente em Ilford, nordeste de Londres. programa Seu programa é destinado para pessoas com dependência química e alcoólica e também para população de rua. O edifício possui unidades de internação e de abrigo com sanitários próprios e cozinhas compartilhadas, oficinas de treinamento profissionalizantes, áreas comunitárias e prática de atividades, espaços para encontros e aconselhamento, além de refeitório, lavanderia e higienização. espaço A espacialização do programa ocorre em três pavimentos de tal forma que a maior parte dos usos se concentra no pavimento térreo, com os espaços de encontro e apoio no mezanino, enquanto os demais andares são destinados para dez suítes com cozinhas compartilhadas. A proposta, de acordo com o arquiteto, era a criar espaços integrados evitando a formação de enormes corredores, os quais geram um certo isolamento não desejado para o projeto. 77


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Além da forte conexão e fluidez entre os espaços por meio

da erradicação desses corredores, nota-se também a conexão dos espaços internos com o exterior pelas grandes fachadas transparentes e pelas varandas. Todos os quartos possuem vista para o jardim criado pelo posicionamento em forma de “L” do edifício. expressão e linguagem O edifício é uma composição de planos dobrados que se conectam como uma fita do chão até a cobertura constituindo a parte sólida e concreta que contrasta com a leveza e transparência das fachadas de vidro. Fachadas transparentes que vão do piso ao teto possibilitam a entrada de luz natural, criando espaços amplos e iluminados ainda mais em um espaço com pé direito duplo. Proporcionam também a 40. Planta 41. Corte 42. Espaço interno 43. Vista da rua

ideia de um farol luminoso durante a noite, conceito idealizado pelo arquiteto durante o projeto. Há um grande balanço que se projeta para a rua dando destaque para quem passa e marcando o acesso.

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síntese Apesar do programa proposto para o edifício ser voltado para indivíduos com dependência química e alcoólica e não apenas para pessoas em situação de rua, justifica-se como uma relevante referência projetual nas questões de espacialização programática. Os pontos mais significativos como estudo são a ideia de conceber espaços que se articulam sem a formação de corredores e a forte integração dos ambientes internos com o exterior pelas varandas, grandes fachadas de vidro e pelo jardim externo. Um outro edifício, projetado pelos mesmos arquitetos, é considerado uma referência importante pois possui um partido muito semelhante ao Rebridge porém seu programa tem mais ênfase em pessoas sem moradia e sua relação com espaços externos é ainda mais evidente. Trata-se do Spring Gardens.

44. a 46. Plantas 47. Jardim aberto interno

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Spring Gardens O Spring Gardens, construído em 2009, foi muito comparado ao Rebridge Welcome Centre. Trata-se também de um centro de serviços para população de rua e faz parte da mesma política pública de tentativa de reinserção social dessa população na Inglaterra. Os dois edifícios se assemelham em questões de partido, espacialização do programa e expressão arquitetônica através da materialidade. Ambos possuem grandes fachadas de vidro com pé direito duplo proporcionando ambientes amplos e iluminados durante o dia e reluzentes durante a noite, fluxo de espaços sem a presença de corredores fechados, espaços ao ar livre de convivência. Porém, no Spring Gardens pode-se identificar uma conexão ainda maior do interior com o exterior já que o edifício ocupa o perímetro do terreno criando um grande jardim aberto no miolo como área de descanso e atividades de convívio.

48. e 49. Plantas 50. Croqui 51. Imagem externa

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Oficina Boracea Autor: Loeb Capote Arquitetura Local: São Paulo, Brasil, 2003 O Oficina Boracea foi concebido como parte de um plano de acolhimento da gestão da Marta Suplicy em São Paulo. Localizado na Barra Funda, o edifício possui 17.000m² e foi uma readaptação de antigos galpões de transporte para comportar o programa de abrigo e acolhimento com espaço para atividades e convívio que visavam a retomada dos vínculos com a sociedade. Tratava-se de um projeto inovador para este tipo de programa com 53. Implantação por Google Maps

a meta de conceber espaços que se diferenciassem das alternativas existentes de albergue tradicional na cidade de São Paulo. programa O projeto abrigava diversos serviços além da função de albergue, como um núcleo de atendimento de catadores, abrigo especial para idosos, restaurante-escola, centro de convívio, lavanderia-escola, cursos de alfabetização e telecentro. Porém, apesar das intenções, durante o processo ocorreram problemas administrativos e a proposta inicial não se concretizou e nem todas as atividades foram implementadas. 85


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espaço Apesar do projeto ser uma reforma e readaptação de uma estrutura existente, nota-se que os arquitetos adotaram como partido a espacialização do programa de uma forma horizontal e fluida. Há uma conexão dos espaços internos com o exterior através de pátios abertos de convivência. Os usos mais comunitários como o restaurante, cinema e as oficinas estão centralizados junto com a praça, enquanto o restante do programa acontece no perímetro do edifício voltados para o interior. expressão & linguagem A própria estrutura característica dos galpões proporciona uma 54. Planta 55. Estacionamento de carroças 56. Recepção

certa linguagem ao projeto, constituído basicamente de blocos, concreto e metal. Ainda assim, percebe-se uma intencionalidade de linguagem no projeto nos ambientes internos através de cores.

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síntese O Oficina Boracea é uma referência importante nas questões programáticas e de espacialização, uma vez que é um dos únicos projetos nacionais que possibilita um comparativo com os projetos internacionais em termos de uso, atividades e arquitetura. Trata-se de um edifício para pessoas em situação de rua no qual foi feito um projeto arquitetônico específico, fator incomum no país e na cidade de São Paulo. Há uma grande diferença dos projetos nacionais e internacionais, o que demonstra a falta de estrutura e investimento neste tipo de atividade no país. Além disso, sofreu críticas pela sua localização que não priorizou as áreas de maior concentração de moradores de rua e suas atividades alegando que seria uma tentativa de isolamento dessa população criando uma espécie de gueto na cidade.

57. Espaço de atividades 58. Horta 59. Dormitórios 60. Espaço multi-uso

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Síntese

Os cinco estudos de caso são referências importantes para compreensão da arquitetura concebida em projetos destinados para moradores de rua. Entretanto, o The Bridge Homeless Assistance Center e o Spring Gardens são mais emblemáticos quando refere-se a espacialização do programa e as relações estabelecidas entre o interior e o exterior, particularmente pela criação de grandes espaços abertos de convivência. Quanto ao próprio programa, o Bud Clark Commons, o The Bridge e Oficina Boracea são mais notáveis pelas atividades e serviços que oferecem para essa população. Referente a expressão e linguagem, o Rebridge Welcome Center e Spring Gardens são as principais referências, criando edifícios com alto grau de transparência que possibilita ambientes amplos com iluminação natural. Além disso, também se destacam quanto a materialidade junto do edifício Bud Clark Commons. O Oficina Boracea possui grande relevância como referência por localizar-se em São Paulo e ser um dos únicos do país com características semelhantes aos edifícios internacionais.



5. Projeto



Reflexões

As pesquisas realizadas influenciaram nas principais premissas projetuais como por exemplo, na escolha da área, pois identificouse que a proximidade das estruturas de apoio aos locais onde a população de rua está concentrada é imprescindível para que o projeto funcione, uma vez que grandes deslocamentos não são vantajosos para essas pessoas. O estudo também indicou a importância de considerar a heterogeneidade da população de rua ao conceber projetos de apoio. Já o levantamento de dados, principalmente os disponibilizados no censo realizado pelo Fipe, possibilitou a identificação das principais características do morador de rua da cidade de São Paulo, fundamental já que este é o público que irá usufruir o espaço. Além disso, tomar conhecimento das formas de auxílio existentes também é crucial para elaboração de um programa funcional. Em seguida, o reconhecimento dos espaços de acolhimento existentes, especialmente albergues e casas de convivência, e suas condições de uso despertam a reflexão do porquê estes espaços são muitas vezes

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rejeitados pelos moradores de rua e porque os objetivos propostos para esse sistema não tem sido concretizados. Verifica-se que algumas dessas questões não podem ser solucionadas por meio da concepção arquitetônica, mas sim alterando a flexibilidade das regras, horários e formas de tratamento. Por fim, a exploração de referências de obras existentes é essencial para identificar as características arquitetônicas utilizadas neste tipo de edifício, como a linguagem, materialidade, expressão, programa e espacialização. A partir desses estudos, nota-se a necessidade de criar espaços amplos, iluminados e ventilados naturalmente, espaços externos como pátios e jardins, acessos convidativos e uma linguagem apropriada para o uso proposto, distante de uma arquitetura escultural.

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Área e Entorno

A escolha da área foi feita inicialmente através da identificação de vazios na área central de São Paulo, mais especificamente nos distritos da Sé e República, em decorrência do alto índice de população em situação de rua nessa região, como foi constatado pelo censo realizado pelo Fipe em 2015. Trata-se de um terreno situado bem próximo à praça da Sé, intencionalmente, e ainda próximo ao Parque D. Pedro II, locais com grande concentração de moradores de rua.

61. Montagem demarcação da área sobre imagem 3D do Google.

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O terreno está localizado na região central de São Paulo, na área da Sé, possui aproximadamente 12.000 m² e atualmente é utilizado como estacionamento do Tribunal de Justiça do Estado. Possui acesso pelas ruas Tabatinguera, Conde de Sarzedas e Anita Garibaldi. Através da análise do entorno, identificou-se um gabarito variado, desde pequenos estabelecimentos de 2 pavimentos até edifícios de 26 pavimentos, sendo o uso predominantemente comercial e de serviços. Nota-se como uma característica da região, a existência de serviços destinados ao setor jurídico pela presença do Fórum, do Tribunal e Palácio da Justiça, além do museu do Tribunal da Justiça. Há uma grande quantidade de estacionamentos e construções de baixo gabarito que se tornam potenciais para novos usos auxiliando na requalificação da área. Ao seu redor, existem três edifícios tombados como patrimônio histórico: a capela de Santa Luzia na rua Tabatinguera, o museu do Tribunal da Justiça na rua Conde de Sarzedas e o Palácio da Justiça na praça da Sé. Há um desnível em torno de 10 metros no terreno sendo a parte mais elevada mais próxima da praça da Sé e a mais rebaixada do museu. A região próxima do nível inferior encontra-se em um certo nível de degradação. 99


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Programa

O programa foi estabelecido através do estudo de referências nacionais e internacionais de edifícios e projetos com o mesmo propósito de apoio a população de rua e também, pelo levantamento das políticas de auxílio oferecidas atualmente pela prefeitura. Com base nas pesquisas realizadas, optou-se pela criação de um programa que proporcione para o público não apenas um local para pernoitar e se higienizar, mas também para suprir outras necessidades essenciais e ainda, receber assistência que possibilite uma perspectiva maior de reinserção na sociedade. Portanto, existem diferentes setores na concepção do programa: • apoio profissional e cultural (oficinas de aprendizagem, salas de aula, sala de informática, biblioteca); •apoio pessoal (departamento jurídico, assistência social, atendimento psicológico); • alimentação (restaurante, horta, cozinha); • estar (sala de mídia, sala de jogos, espaços de convivência, 64. a 66. Montagens das elevações do entorno

varanda, praça central e áreas abertas); 101


• serviços (lavanderia, depósito) • acolhimento (dormitórios familiares, masculinos, femininos e sanitários) • funcionários (administração, refeitório, área de descanso, vestiários) Há também a recepção com espaço para doações, guardavolumes, estacionamento de carroças, canil e sanitários em todos os pavimentos. Além disso, durante o desenvolvimento do projeto, outros programas complementares foram incorporados, trata-se de módulos comerciais, uma praça de alimentação e um edifício social de escritórios e oficinas.

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Proposta projetual Partido, Descrição e Justificativa

A proposta projetual tem como principal partido a concepção de um edifício que cumpra com as funções de abrigo para a população de rua por meio de uma arquitetura humanizada. Visando esse objetivo, há uma tentativa de compreender primeiramente quem são essas pessoas, quais são suas histórias, necessidades e dificuldades e ainda investigar a relação delas com o espaço urbano público. Devido a dimensão do terreno e ao grande potencial pela localização central da área, optou-se pela implantação além do edifício de apoio e acolhimento para moradores de rua, de uma grande praça pública com espaços de circulação e permanência a fim de criar de áreas de convívio e também promovendo a permeabilidade dos fluxos de pessoas na região. Quanto ao desnível do terreno, a praça foi dividida em níveis que podem ser vencidos através de escadas e rampas que servem não apenas como circulação vertical mas também possibilitam permanência e descanso. Considerando o caráter público dos pavimentos que se encontram no mesmo nível que a rua, são propostas áreas comerciais e uma 103


praça de alimentação buscando atender as necessidades locais, já que há uma característica de serviços na região devido a existência de pontos destinados ao setor jurídico com a presença do Fórum, do Tribunal e Palácio da Justiça, além do museu do Tribunal da Justiça. Neste parcelamento do terreno, o edifício social para moradores de rua concentra-se na parcela mais interna da quadra a fim de proporcionar um espaço mais acolhedor. Aspirando a um acesso convidativo para o público específico, o pavimento térreo do projeto situa-se no nível mais alto do terreno, o mesmo da Sé e foi concebido como uma continuação da própria praça, sem grandes barreiras entre o espaço público urbano e o espaço interno privado. Para tanto, está elevado em grande parte por pilotis e concentra a parte de caráter público do programa. Logo no acesso junto à recepção ampla, há espaços para estacionamento de carroças e canil, uma vez que um dos grandes motivos para essas pessoas não frequentarem os abrigos é pelo desejo de não abandonar seus animais e seus pertences. Em seguida o fluxo induz a uma praça interna com espaços de convivência e descanso passando por vestiários e sanitários para o uso diruno e por fim, encontra-se um restaurante popular. A circulação vertical principal pode ser realizada através de duas 104


escadas abertas e contínuas que conectam os pavimentos em um só sentido para conceber um edifício não formal, com uma circulação fluida e de forte conexão com o exterior. Além disso, a circulação horizontal também é aberta voltada para a praça interna do projeto. No primeiro pavimento situam-se os espaços de caráter semipúblico organizados setorialmente. Há o setor de atividade com salas de aulas, de informática, oficinas e biblioteca, setor de serviços com lavanderia, depósito e sanitários, setor de apoio com departamento jurídico, assistência social e psicológica e setor administrativo com área de funcionários, vestiários e copa. Já os pavimentos superiores, de maior privacidade, são destinados aos dormitórios com pequenos espaços de convivência, incluindo dormitórios familiares, femininos, masculinos e ao livre. Há também um edifício de caráter social de apoio para o programa situado acima da praça de alimentação com oficinas culturais e escritórios para organizações sociais de auxílio. A estrutura é constituída de concreto armado e concebida por módulos que variam entre 7,0m x 7,5m e 7,0m x 8,0 m. Optou-se por uma solução convencional visando uma redução de custos. Quanto a materialidade, propõe-se basicamente o concreto aparente, o vidro e painéis metálicos coloridos que compõe a fachada e criam uma identidade ao projeto.

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Quadro de áreas Área Terreno Total: 13.460 m² Área Construída Total: 18.626 m² CA: 1,7 Centro de Apoio e Acolhimento Subsolo Circulação: 27m² Poço Elevador: 14m² Caixa d’água: 39m² Total: 80m² Térreo Segurança: 21m² Doações: 20m² Guarda-volumes: 37m² Circulação Vertical: 100m² Canil: 127m² Estacionamento de Carroças: 48m² Recepção e Triagem: 275m² Sanitários e Vestiários: 66m² Sala Mídia: 32m² Sala Jogos: 44m² Restaurante Popular: 258m² Cozinha Restaurante: 62m² Horta: 125m² Áreas Verdes Permeáveis: 905m² Circulação e Convivência: 2120m² Total: 4240m²

1º Pavimento Circulação Vertical: 100m² 3 Salas de Aula: 165m² 1 Sala de Informática: 64m² Biblioteca: 156 m² 3 Oficinas: 162m² Setor de Serviços: 90m² Varanda Coletiva: 125m² Administração: 70 m² Copa e Área de Funcionários: 60m² Vestiários Funcionários: 62m² Lavanderia: 54m² Sanitários: 54m² Depósito: 27m² Varanda Funcionários: 40m² Circulação e Convivência: 360m² Total: 1561m²

3º Pavimento Circulação Vertical: 72m² Dormitórios Femininos: 315m² Sanitários e Vestiários: 82m² Circulação e Convivência: 265m² Total: 734 m²

2º Pavimento Circulação Vertical: 100m² Dormitórios Familiares: 315m² Sanitários e Vestiários: 82m² Circulação e Convivência: 265m² Total: 762 m²

Edifício de Oficinas e Órgãos Sociais

4º Pavimento Circulação Vertical: 72m² Dormitórios Masculinos: 315m² Sanitários e Vestiários: 82m² Circulação e Convivência: 265m² Total: 734 m² Área Construída Total: 8111m² Área Terreno: 4240m² CA: 1.9 TO: 42% Acesso: 162m² Praça de alimentação: 2128m² 1º pavimento: 2128m² 2º ao 10º: 852m² x 9: 7668m² Total: 12.086m² Área Comércio: 2300m² Praça: 7500m² 123


Considerações finais

Através da pesquisa desenvolvida identificou-se que a situação de pessoas utilizando o espaço urbano público como forma de sobrevivência está presente em cidades do mundo inteiro, entretanto, o perfil desses indivíduos varia conforme o país, a cidade e seu contexto. Trata-se de uma situação que gera conflitos, pois a rua, compreendida como um espaço público, de caráter transitório com relações superficiais e ausência de privacidade, é apropriada como uma forma de moradia, configurando-se como uma casa. Essa ocupação causa desconforto na sociedade, gerando políticas de limpeza e tentativas de afastamento por meio de uma arquitetura excludente e hostil. Além disso, atualmente ainda é possível notar um grande preconceito por parte dos cidadãos que acarreta numa segregação ainda maior dessa população que sobrevive nas ruas. Nota-se também que que há disparidades nas formas de intervenção como auxílio e as estruturas de apoio quando são 124


comparadas as referências nacionais e internacionais, porém, devese considerar que são contextos culturais e sócio-econômicos completamente distintos. De uma forma geral, foi constatado que é uma situação de extrema complexidade o que dificulta a busca de soluções eficientes, uma vez que engloba questões de diferentes campos em uma relação intrínseca, envolvendo assim questões sociais, culturais, psicológicas, econômicas, políticas, urbanísticas. Um fator fundamental que dificulta ainda mais a criação de soluções, principalmente em projetos de escala mais pontual, como os centros de apoio acolhimento, é a heterogeneidade do grupo em questão, característica que exige um programa e espaços mais flexibilizados para atender todo o público. Portanto, para elaborar possíveis alternativas de reinserção social, é necessário um conhecimento profundo sobre esses indivíduos e o contexto no qual estão inseridos, levando sempre em consideração todos estes aspectos.

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Os gráficos utilizados foram refeitos com base nos dados

constatados pela Fipe no Censo de População em Situação de Rua de São Paulo em 2015. 131


2016


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