Candiero: poesia como forma de resistência.

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Candiero poesia como forma de

resistĂŞncia

Romilda Oliveira Santos editora humaita 2017



Candiero, a poesia como forma de resistencia



Candiero, a poesia como forma de resistencia

Ensaio de Romilda Oliveira Santos


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Candiero, a poesia como forma de resistĂŞncia


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RESUMO Este ensaio apresenta um dos vieses da poesia do Zelador Cultural Candiero Adegmar José da Silva. A pesquisa trilhou por caminhos ainda pouco conhecidos da poética negra deste exemplo de luta e resistência que utiliza a palavra como caminho para conscientizar o povo negro acerca da história, das tradições e da cultura de seus antepassados. O trabalho se deterá em dois poemas da coletânea Afrocuritibanos – Crônicas Manifestos e Pensamentos Azeviche, cuja coautora é Melissa Reinehr companheira de vida e de luta do poeta. Os poemas “N’ZINGA e RESISTENCIA CULTURAL II” são objetos da atenção desta análise. Ao se colocar na função de griot, contador de histórias da antiga tradição africana de seu povo, o poeta se torna símbolo de


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empoderamento do negro brasileiro, paranaense, e procura a visibilidade e a equidade para si e para seus irmãos negros. O estudo dos dois poemas da coletânea Afrocuritibanos, “N’ZINGA e RESISTENCIA CULTURAL II” apresenta na poesia do Zelador Candiero a forte influencia das tradições africanas, o orgulho, e a persistência dos negros paranaenses no seu cotidiano e sua luta para serem reconhecidos legalmente e culturalmente. Como se pode constatar na história da literatura brasileira pouco se tem mostrado sobre a riqueza literária e cultural do povo negro, devido a escolhas dos meios editoriais em divulgarem uma literatura de origem europeia. Neste contexto, se faz necessário uma rápida explanação sobre a poesia dos precursores e fundadores da literatura negra no Brasil. Aqui apresentada com


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objetivo de alicerçar os argumentos aqui defendidos e a reflexão sobre a memória pessoal e coletiva do discurso poético. Deste modo, pretende-se alinhar a poesia negra do Zelador Candiero às tradições dos antepassados e a construção da identidade negra, através do rememorar da cultura, dos costumes e tradições dos ancestrais africanos. Assim como, uma brevíssima imersão nas memórias da formação da sociedade do Paraná apontando o “apagamento” do negro no imaginário paranaense e indicando os efeitos disso sobre a população negra que acaba sendo invisibilizada por motivos sociais e políticos no Estado do Paraná. Palavras chaves: Poemas, Afrocuritibanos, Literatura Negra, Antepassados, Cultura.


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Zelador Cultural Candiero, a voz da tradição negra A voz negra do poeta e militante Candiero vem espalhando luz, na penumbra da história paranaense sobre o existir do negro. O calor do canto africano e dos tambores espalha-se pelas ruas curitibanas nas festas do Rosário, nos saraus de poesia e nas feiras dos poetas contanto a sua história, contando a nossa história, desvelando algo que há muito tempo tentava-se encobrir: A presença Negra. O pensamento dos brasileiros, seja eles de perto, vizinhos do território paranaense ou de longe, do norte brasileiro, sobre a formação da sociedade paranaense ser de origem europeia ainda predomina nos dias atuais. Até 1999 ao se falar do Paraná e mais especificamente de Curitiba, o que se tem no imaginário popular é de que, esta é a cidade mais


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europeia do Brasil, devido à sua arquitetura, cultura, manutenção de tradições como festivais de dança, comida, e música dos imigrantes europeus. Estes são os povos que formataram o povo paranaense com seu riquíssimo caldo cultural. Cultura que para aqui trouxeram quando da sua vinda para as terras tropicais do Brasil, segundo Wilson Martins (1989). Portanto não é de admirar que tais crenças perdurem até nossos dias. A força das afirmações na escritura de Gilberto Freire com “Casa Grande e Senzala” (1933) com a teoria da democracia racial, - a ideia de que no Brasil brancos e negros mantêm relações pacíficas e harmoniosas - e segundo Oliveira (2005), os estudos de Wilson Martins com “Brasil diferente” (1989) que posicionando-se sobre a formação da sociedade paranaense afirma ser esta, obra dos imigrantes, contribui para que a elite dominante camufle os direitos de


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cidadania da etnia negra. Para Oliveira (2005), em nenhum momento Martins reconhece os 35% de população negra existente nestas terras. E que Martins ao se posicionar diferentemente da questão da miscigenação de Freire, afirmando que na formação social do Paraná, “o português se fazia ausente”; e “a inexistência da escravatura” nestas terras, ou melhor, nas terras paranaenses confirmava as ideias de uma elite de um Paraná branco e europeu. Sendo, pois, o imigrante o único elemento responsável pela formação social, cultural e política do povo do Paraná (Oliveira, 2005). Na década de 30, do século passado, um projeto de Estado diferente começou a ser pensado e planejado para estas terras pela elite paranaense. E com a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná, em 1938, esse projeto foi gerado e alicerçado no imaginário dos que aqui viviam, por


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interesse de uma classe dominante em ser reconhecida pela Europa, como branca. E assim foi criado um conceito de sociedade com uma identidade singular e de acordo com o processo de branqueamento pensado para a população aqui existente. Como bem demonstrou Eduardo David de Oliveira, filósofo e antropólogo ao prefaciar o livro Africanidades Paranaenses (2010), que o imaginário de um Estado originado da colonização europeia, e o mito de um estado branco, sem elementos negros nasceu nessas terras. E os arautos das ciências, na Faculdade do Paraná, reafirmaram e reificaram este imaginário racista em suas produções acadêmicas tantas e tantas vezes que se acreditou ser verdade. Oliveira, deixa em seus estudos uma observação sobre “o prefeito Rafael Greca no período de 1993 a 97, que ao ser questionado porque não havia parques ou bosques homenageando a etnia negra e


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cuja resposta do prefeito era pelo fato de não existir negros na capital do Paraná” (Oliveira, 2005). O Paraná, assim como os demais estados brasileiros, não fugiu à regra de ter a mão de obra escrava fazendo os trabalhos pesados. E Curitiba, sua capital, assim como as demais cidades paranaenses foram construídas com a mão e o suor dos negros africanos que ergueram ruas, igrejas, prédios, ferrovias, e também contribuíram com música, arte, seu cotidiano. Assim, um grande contingente de africanos e afro descendentes fizeram os alicerces físicos e sociais do Estado do Paraná. Entretanto, esta parte da história é invisibilizada por conveniências sociais e políticas. Após muitas lutas dos movimentos negros, de pesquisadores negros e intelectuais junto às academias e da lei 10.639/2003, homens e mulheres negros vem lutando para o reconhecimento


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das suas tradições, da sua cultura e do seu importante papel na formação da sociedade paranaense e brasileira. Esta luta consiste em mostrar que a identidade paranaense tem cores e nuances diversos.


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Precursores e tradição poética negro-brasileira O interesse deste artigo são autores que assumiram sua negritude e cujos eu-enunciadores falam das questões referentes a problemas, dificuldades, discriminações, lutas e conscientização dos irmãos negros e mulatos. Observa-se que desde o século XVIII, registros de poetas e escritores que utilizaram da sua escritura para assumir “a condição negra como sujeito” e ser o protagonista do seu discurso. Assim, veremos a seguir os principais precursores e como a tradição poética afro-brasileira vem desenvolvendo o discurso literário. Gayatri Chakravorty Spivak em sua obra “Pode o subalterno falar?” (2010, p 133) faz uma reflexão sobre a condição do subalterno, utilizar a sua voz para fazer seus questionamentos sobre sua condição histórico social. No caso da poesia negra


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a necessidade de voltar no tempo se faz presente para falar da tradição poética afro-brasileira e identificar os momentos nos quais a poesia negra/os poetas negros brasileiros libertam sua “voz“ e começam a contar a história segundo seu ponto de vista, passando a posição de protagonistas da sua história. Assim a voz negra desperta e inicia um diálogo com os outros diferentes sujeitos na sua subalternidade, de modo que juntos e fortalecidos pelos grupos diversos possam expor seus desejos e seus interesses. Para Cuti, o “sujeito étnico do discurso é portador de traços de uma subjetividade coletiva” ao falar traz à luz através da memória subterrânea social “os elementos de origem africana” intrinsecamente ligados a si” (CUTI, 2010, p.11). O eu-protagonista ao relembrar os elementos simbólicos da sua tradição constrói o sentimento de pertença que o enraizará ao lugar que entende como sua terra.


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O lugar de pertencimento, no caso, o Brasil deveria viabilizar condições e oportunidades para que seus direitos como brasileiros afrodescendentes fossem respeitados, tanto na legalidade dos papéis de lei quanto na convivência física do cotidiano. Este sentimento de pertença tem sido elaborado pelos poetas, escritores e intelectuais negros brasileiros e seus descendentes a partir da mobilização de elementos simbólicos que se inscrevem em uma memória literária afro-brasileira de longa duração. O poeta negro tem utilizado a palavra como importante meio de expressão do seu fazer e do seu existir. A prática literária é o espaço para o eu-enunciador, trazer para o debate as questões negras. Assim as vozes negras e as tradições escritas de Luiz Gonzaga Pinto da Gama, poeta baiano, Salvador, 1830-1882, Maria Firmina dos Reis, maranhense de São Luís


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1825-1917-(século XIX), Cruz e Souza, 1861-1898, a Carolina Maria de Jesus, mineira de Sacramento, 1917-1977, Solano Trindade, 1908-1974, Cuti, 1951e Oswaldo de Camargo,1936 - entre outros, no século XX, tem por meta a conscientização e o empoderamento do povo negro como sujeito do seu destino. A historiografia do discurso literário em que o negro se auto representa de maneira autônoma nasce no final do século XIX, ainda sob a égide do Romantismo, quando, em meio às discussões sobre o fim do regime monárquico e do trabalho escravo, a questão étnico-racial se tornou tema central. Nesse contexto, Maria Firmina dos Reis, Luiz Gama e o simbolista Cruz e Souza, poetas negros apresentam nas suas obras, as primeiras rupturas no campo literário, um discurso em que “o eu enunciador” se coloca do ponto de vista do negro.


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O eu-poético se assumindo negro na poesia satírica Bodarrada “Quem sou eu?” de Luiz Gama (1859). Eu bem sei que sou qual Grilo [...] Porém eu, que não me abalo, vou tangendo o meu badalo com repique impertinente, pondo a trote muita gente. Se negro sou, se sou bode, pouco importa. O que isto pode? [...] O eu-enunciador em Úrsula(1859) de Maria Firmina dos Reis, expressa sua origem através da memória e da voz de mãe Suzana que conta a história de sua vida na África e as condições da sua vinda para o Brasil.


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Ainda não tinha vencido cem braças de caminho, quando um assobio, que repercutiu nas matas, me veio orientar acerca do perigo iminente, que aí me aguardava. E logo dois homens apareceram, e amarraram-me com cordas. Era uma prisioneira – era uma escrava! Foi embalde que supliquei em nome da minha filha, que me restituíssem a liberdade: os bárbaros sorriam-se de minhas lágrimas, e olhavam-me sem compaixão[...] (REIS, 2004, p.112 a 113 )

Maria Firmina dos Reis aparece entre as mulheres negras que marcaram ou ainda marcam a história literária negra. Para Assis Duarte, a poeta/escritora Maria Firmina age de maneira inovadora e ousada ao constituir sua personagem com mulher que tem voz própria e, como eu-enunciador, resolve contar a sua história:


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Mãe Suzana vai contar como era sua vida na África, entre sua gente, de como se deu a prisão pelos caçadores de escravos e de como sobreviveu à terrível viagem nos porões do navio. É mãe Suzana quem vai explicar a Túlio, alforriado pelo Cavaleiro, o sentido da verdadeira liberdade, que essa não seria nunca a de um alforriado num país racista (DUARTE, 2000:266).

Contemporâneo de Maria Firmina dos Reis, Luiz Gonzaga Pinto da Gama, como poeta engajado, põe em questão a ordem escravocrata. Seguido pelo simbolista Cruz e Souza que através do seu poema “Emparedado” revela um elemento estruturante das nossas relações sociais, o racismo.


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E é por isso que eu ouço, no adormecimento de certas horas, nas moles quebreiras de vagos torpores enervantes, na bruma crepuscular de certas melancolias na contemplatividade de certos poentes agonizantes, uma voz ignota, que parece vir do fundo da Imaginação ou do fundo do mucilaginosos do Mar ou dos mistérios da Noite – talvez acordes da grande Lira noturna do Inferno e das harpas remotas de velhos céus esquecidos, murmurar-me: – Tu és de Cam, maldito, réprobo, anatematizado! Falas em Abstrações, em Formas, em espiritualidades, em Requintes, em Sonhos! Como se tu fosses das raças de ouro e da aurora, se viesses de arianos, depurados por todas as civilizações, célula por célula, tecido por tecido, cristalizado o


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teu ser num verdadeiro cadinho de idéias, de sentimentos – direito, perfeito, das perfeições oficiais dos meios convencionalmente ilustres! [...] Cruz e Souza, “Emparedado” do livro “Evocações”(1898). Luiz Gama e Cruz e Souza são considerados os primeiros alicerces para o surgimento de produções literárias ao pós-abolição. Suas obras mostraram um modo diferente de pensar o negro, como eu-enunciador que ao assumir sua negritude, o seu “fazer literário por meio da escrita” (BERND, 1988) se torna marco para a literatura negro-brasileira Assim, afirma Zilá: Nesta medida, o conceito de literatura negra associa-se à existência no Brasil, de uma articulação entre textos dada por um modo negro de ver e de sentir o mundo, transmitido


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por um discurso caracterizado, seja no nível da escolha lexical, seja no nível dos símbolos utilizados, pelo desejo de resgatar uma memória negra esquecida (BERND, 1992, p. 13). O fazer poético de Luiz Gonzaga Pinto da Gama registra o “modo negro de ver e sentir o mundo”. A poética de Luiz Gama reúne um conjunto de elementos simbólicos relacionados à sua trajetória de vida. Ao reafirmar a identidade afro-brasileira através da articulação dos elementos da ancestralidade africana na sua escritura, o poeta reivindica a pertença ao universo cultural afro-brasileiro. Silva acerca da elaboração da cultura afro-brasileira sobre as raízes africanas afirma:


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Concebemos a cultura afro-brasileira como um sistema simbólico orientador das práticas sociais referenciadas em princípios ancestrais africanos. Estes princípios (...) têm funcionado na diáspora como elementos de uma sintaxe. Os referenciais simbólicos são acionados de maneira seletiva e contextual, em um ambiente mutável. As práticas culturais afro-americanas, embora orientadas pelos referenciais africanos, não são, portanto, reproduções ou cópias de África nas Américas, mas reelaborações, de caráter dinâmico, flexível, plástico e em constante mutação (Silva, 2013, p. 1). Segundo Ferreira, a primeira vez que observou-se a filiação poética à cultura afro-brasileira foi na obra “Primeiras Trovas Burlescas de Getulino”


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de Luiz Gama. “O próprio pseudônimo Getulino, refere-se a uma área geográfica outrora nomeada “Getúlia”, localizada ao norte da África” (FERREIRA, 2011, p.39-38). O eu-enunciativo do poema “Quem sou eu” se afirma “negro sou” além de afirmar sua ancestralidade africana, também, se diz rebelde e insubmisso, por ser filho de Luiza Manhin, Luiz Gama assim, descreve a mãe. Sou filho natural de uma negra, africana livre, da Costa Mina (Nagô de Nação) de nome Luiza Mahin, pagã, que sempre recusou o batismo e a doutrina cristã. Minha mãe era baixa de estatura, magra, bonita, a cor era de um preto retinto e sem lustro, tinha os dentes alvíssimos como a neve, era muito altiva, geniosa, insofrida, vingativa. (CÂMARA, 2010, p. 35).


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E avisa, “filho de insurgente, insurgente é” (AZEVEDO, 1999, p.69). Cruz e Souza em seu poema “emparedado” (Séc. XIX) também deixou entrever o elemento estruturante das nossas relações sociais, o racismo cordial que nega todos os direitos de ascensão social aos negros. O poeta revela discriminação racial de sua época de maneira subjetiva. Não! Não! Não transportarás os pórticos milenários da vasta edificação do Mundo, porque atrás de ti e adiante de ti não sei quantas gerações foram acumulando pedra sobre pedra, que para aí estas agora o verdadeiro emparedado de uma raça. Se caminhares para a direita baterás e esbarrarás ansioso, aflito, numa parede horrendamente incomensurável de Egoísmos e Preconceitos! Se caminhares


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para a esquerda, outra parede, de Ciências e Críticas, mais alta do que a primeira, te mergulhará profundamente no espanto! Se caminhares para a frente, ainda nova parede, feita de Despeitos e Impotências, tremenda, de granito, broncamente se elevará ao alto! Se caminhares, enfim, para trás, ah! Ainda, uma derradeira parede, fechando tudo, fechando tudo – horrível – parede de imbecilidade e ignorância, te deixará num frio espanto de terror absoluto... (Cruz e Souza apud BERND, 1992, p. 33-34) De um lado, os poetas e escritores dão voz aos eu-enunciativos em seus poemas e prosas denunciando o contexto discriminativo que vivem e presenciam. Por outro lado, surgem movimentos negros que caminham na mesma direção,


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lutando por reconhecimento e direitos de cidadania, além de conscientizar e chamar a população negra para a luta. Assim, em outubro de 1931, surge o movimento da Frente Negra Brasileira (FNB) de cunho político e ideológico que tinha por porta voz o Jornal A Voz da Raça com artigos e editoriais sempre articulados para fazer o povo negro empoderar-se. Atitude também observada na poesia de Lino Guedes. Segundo Silva A Frente Negra sempre achou que a luta do negro deveria partir da educação, então ela se preocupou muito em criar os departamentos, esportivo, educacional, social, assistencial e tinha também o departamento de imprensa e biblioteca. Todos giravam em torno da Frente Negra, inclusive as escolas de alfabetização. Conseguimos do Estado quatro professoras. Depois,


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mais tarde foi que enveredou para a política” (SILVA, 1998, p. 88). Segundo Domigues (2007), os movimentos negros, desde a fase inicial 1889 a 2000, passam por três momentos distintos. Inicialmente lutam por liberdade e contra a marginalização do elemento negro; na segunda fase, fazem do seu discurso a arma de luta contra a discriminação racial, o preconceito e os estereótipos criados pela classe dominante para a negação de direitos e de cidadania ao povo negro; na atual e terceira fase radicaliza e intensifica a luta por direitos, sendo a luta pela desmistificação da democracia racial brasileira e a introdução da História da África e do Negro no Brasil nos currículos escolares, entre outros. Comprometidos ou não na luta dos movimentos negros, poetas e escritores assumem-se e à sua literatura como negra brasileira ou com afrodescendente


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brasileira. O eu-enunciador fala das questões relativas ao povo cor de ébano, suas dificuldades e lutas para serem vistos e respeitados como cidadãos de direito na terra “brasilis”. Lima Barreto, no início do século XX, em sua obra “Recordações do Escrivão Isaias Caminha”, publicada em 1909, denuncia o preconceito observando a “arrogância dos oficiais em relação aos demais componentes da tropa composta por negros e mulatos, em um desfile militar” (DUARTE, 2002, p.54). Lima Barreto, (1881-1922) Filho mulatos, chegou a ingressar na faculdade de Direito do Rio de Janeiro, mas as dificuldades financeiras de sua família o obrigaram a abandonar os estudos e buscar trabalho. As situações de discriminação e dificuldades econômicas pelas quais o escritor passou é denunciada pelo eu enunciador, o protagonista Isaías Caminha em “Recordações do escrivão


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Isaías Caminha”, publicada em Portugal em 1909. Tanto na vida real como escritor quanto na ficção através do protagonista, situações cotidianas de ofensas veladas e discriminações subjetivas levam ambos, Lima Barreto e Isaías ao desencanto com a nova república. Hoje, comigo, deu-se um caso que, por repetido, mereceu-me reparo. Ia eu pelo corredor afora, daqui do Ministério, e um soldado dirigiu-se a mim, inquirindo-me se era contínuo. Ora, sendo a terceira vez, a coisa feriu-me um tanto a vaidade, e foi preciso tornar-me de muito sangue frio para que não desmentisse com azedume. (DIÁRIO ÍNTIMO, 2012, p.15). A sua obstinada crítica à hipocrisia da sociedade brasileira que negava a discriminação racial ao mesmo


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tempo em que pregava o branqueamento, se aliava às suas críticas a atores políticos e a denúncia de injustiças sociais. Sendo Lima Barreto um escritor negro na cor e no discurso num período em que “`apagar a cor’ era medida cautelosa e necessária” para ser aceito na intelectualidade literária, se negar a esse comportamento era “viver em permanente dilema, conflito e contradição entre a projetada inclusão e a realidade da exclusão social” (SCHWARCZ, 2011, p.23-24-29). Nos anos iniciais do século XX, um movimento de incentivo aos escritores negros foi realizado por associações negras, que procuravam os leitores para as escrituras dos poetas motivava-os a escreverem (CUTI, 2010, p.29). Outro importante acontecimento para o desenvolvimento da literatura negra afro-brasileira foi o surgimento do Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial - mobilização


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do povo negro logo após a abolição da escravatura para lutar contra os preconceitos e discriminação e a marginalização dos afrodescendentes e a negação dos direitos de cidadão existente no país e tinham por objetivo resgatar a memória ancestral dos antepassados, surgiu em 07 de julho de 1978 liderado por Elói Ferreira de Araújo. Também a série Cadernos Negros surgiu em 1978 período marcado por protestos estudantis e greves contava com os poetas Luiz Silva (Cuti), Oswaldo de Camargo, Henrique Cunha Jr., Ângela Lopes Galvão, Eduardo de Oliveira, Hugo Ferreira, Celinha, Jamu Minka, o objetivo era e ainda é dá voz à população negra em sua luta contra a desigualdade racial e social (CUTI, 2010, p.29). Em 1930 a 1940 alicerçados nas vozes dos precursores, os primeiros grupos de escritores e escritoras cujo engajamento poético e defensores de


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uma literatura negra brasileira surgem e organizam-se em prol de uma escritura negra. Ganham força nos anos 60 com a presença de escritores assumidos negros ou descendentes de negros que em cuja poética, a voz do negro se fazia presente como sujeito enunciador, destacando e fortalecendo o projeto da literatura negra brasileira. É o caso do precursor Lino Guedes, autor, entre outros títulos, do poema “Negro preto cor da noite” (1936): o autor usa da ironia, quando nos primeiros versos do poema “Novo Rumo”, o eu enunciador relembra ao irmão de cor, a sua cor e o sofrimento passado e que deve se endireitar. Abdias Nascimento, um dos grandes ícones da literatura e da luta negra, poeta, ator, escritor, dramaturgo, artista plástico, professor universitário, político e ativista dos direitos civis e humanos das populações negras, funda o Teatro Experimental do Negro (TEN),


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em 1944, dedicado a produção de uma arte feita por negros. Entre seus livros de poemas, a coletânea “Axés do sangue da esperança” (1983). O seu poema “O Padê de Exu libertador” se configura como um canto a EXU, no qual, pede ao Orixá mensageiro, que leve ao PAI OLORUM, senhor do Orum, as angústias e sofrimentos do povo negro e a exploração sofrida (1983, p.34-35), caracterizando assim “uma tentativa de resgate” da tradição e religiosidade negra. Em 1954 surge o escritor e poeta Oswaldo de Camargo com o livro de poemas “O Homem tenta ser anjo” e a partir daí, uma produção de literatura negra surge tanto na prosa como na poesia, onde o escritor apresenta um eu-lírico enunciador que ao procurar construir sua identidade, se vê preso entre duas culturas.


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Acerca da poesia de Oswald de Camargo, afirma, Zilá A poesia de Oswaldo de Camargo reflete a crise do poeta que toma consciência de seu hibridismo cultural: de um lado, suas raízes africanas e os elementos culturais ligados a esta ancestralidade pulsam dentro dele, lembrando-lhe de sua origem e do outro, o apelo cultural do mundo branco e dos valores morais do ocidente não deixam de exerce rum enorme fascínio. (BERND, 1992, p.64) Porém, mesmo diante desse hibridismo cultural, as marcas da negritude se fazem presentes como ferramenta de um discurso em favor da construção de identidade. O poema “Escolha” (1984, p. 32), que evoca uma liberdade, apontando o quanto é difícil esse desenho


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da identidade, diante de uma sociedade dominantemente considerada não negra. O eu-poético enunciador se descobre gritando por algo que não é seu, que não pertence a sua cultura ancestral, pois nas suas veias corre o sangue agitado ao som do tantã e suas mãos negras, queimadas do sol de África. O poeta faz referência a sua origem e a origem dos antepassados. Solano Trindade é outro grande nome, da poesia negra brasileira, reconhecido pelo posicionamento político-social e pela tradição literária brasileira. No poema, “navio negreiro” (1962) enaltece as qualidades da etnia negra. O poeta diz que o tumbeiro traz uma carga de poesia, resistência e inteligência apesar da melancolia. Nos anos 70 e no decorrer da década de 80 com o projeto concretizado – mostrar a poesia negra e seus poetasagora a preocupação desses escritores é caracterizar suas obras com a afirmação


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da condição negra na realidade brasileira, chamando à atenção para as questões de negritude. Em 1980 foi criado o grupo Quilombhoje que agregou muitos poetas e escritores dedicados a afirmação étnica e de identidade cultural, é responsável pela publicação da revista Cadernos Negros. De 1982 a 1992, no Rio de Janeiro, Bahia surgem grupos como o Negrícia, o Gens (Grupo de Escritores Negros de Salvador), Paulo Colina lança “Axé – Antologia da poesia negra contemporânea”, Zilá Bernd a “Poesia negra brasileira”, Oswaldo de Camargo, seleciona, organiza e lança a “A razão da chama. Antologia de poetas negros brasileiros”(GRD,1986). Estes grupos atuam no incentivo e na divulgação da poesia negra brasileira e na formação do leitor negro e a conscientização para as lutas por direitos. Cuti é pseudônimo de Luiz Silva, um dos fundadores membro do Quilombhoje e


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um dos criadores e mantenedores da série Cadernos Negros. A escritura de Cuti é forte e registra a consciência da necessidade de afirmação como se pode observar no poema “Ferro” (CUTI, 1986, p.90), no qual o poeta re-significa a palavra ferro, transformando-a em um objeto que lembra a “violência histórica” impingida ao escravo através do acoite, das algemas, das mordaças e marcador (“para marcar na cara os filhos de escravos até a terceira ou quarta geração para serem vendidos, segundo Prado (1962, p.97)”. Num segundo momento, o ferro serve para modificar as características fenotípicas, como alisar o cabelo carapinha se adequando ao modelo de sociedade que valoriza o cabelo liso, afastando o negro das características raciais de sua gente. Deste modo temos duas formas de violência, a violência física e a psicológica a que o negro é submetido.


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Por fim, o eu-lírico enunciador diz que é preciso jogar o ferro fora, quebrar os elos (as discriminações, os modelos impostos) que são motivos de desesperos para sua gente. A voz forte deste propaga a necessidade de mudanças através do orgulho valorizador das características negras. Assim, Cuti em seus poemas mostra a realidade brasileira através da revelação das discriminações físicas e psicológicas imposta ao negro. Ao valorizá-lo, sua escritura torna-se produto cultural afirmativo forte. Dos anos 90 até nossos dias, a jornada continua com contornos mais definidos, agora o objetivo é a conscientização da população negra. O comprometimento da poesia negra se faz presente nas escrituras de Éle Semog, Adão Ventura, Arnaldo Xavier, Carolina Maria de Jesus, Mestre Didi (Dioscóredes M. dos Santos), Geni Mariano Guimarães, Paulo Colina, W. J. de Paula, José Alberto


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de Oliveira de Souza, Maria da Paixão, Eduardo de Oliveira, Mirian Alves, Oliveira Silveira Antônio Vieira, Jônatas Conceição da Silva , Ronald Tutuca, Carlos Assumpção Romeu Crusoé, o historiador e professor Joel Rufino dos Santos, Aline França, Paulo Colina, Carlos Assumpção e Zelador Candiero entre outros. O objetivo é denunciar as injustiças, gritar por direitos já adquiridos pelo povo negro na “coparticipação da construção da nacionalidade”, na necessidade urgente de que a história da cultura negra seja revelada a toda população negra e afrodescendente. A luta de escritores antigos e novos que juntos fortalece o conceito de identidade negra, de resistência e reconhecimento social entre outros.


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A poesia do Zelador Candiero O vocábulo “Zelador” vem do grego e significa zelos “cuidados” e Adegmar José da Silva é aquele que cuida para que as tradições de seu povo não sejam esquecidas, assim, é um dos pilares da luta contra a discriminação, a negação dos direitos, a invisibilização, o esquecimento das artes, da cultura, da religiosidade do povo negro. E como negro empoderado utiliza a arte da palavra, a poesia, para conscientizar e instrumentalizar seus irmãos para a luta, para a resistência com palavras, atitudes e ações contra a inviabilização imposta por um racismo cordial. O poeta procura manter vivo as tradições, os costumes, herdados de seus antepassados, através de projetos organizados e selecionados pelo Centro Cultural Humaitá para o trabalho com


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crianças e adolescentes na área da educação; atua como coordenador dos saraus de poesia cujo objetivo é mostrar a poesia negra e dá visibilidade aos poetas negros; além de organizar as comemorações religiosas e festivas da negritude em solo paranaense. Também já publicou artesanalmente três coletâneas de poesia. Um dos instrumentos de resistência negra é a poesia e o Zelador Candiero assim como outros poetas negros paranaenses e curitibanos mostram suas dores, seus questionamentos frente à realidade agressiva deste século. Na poesia do Zelador Candiero, o eu-lírico enunciador traz à tona as memórias dos antepassados, as lutas e a resistência. E a música, a dança, a arte, a religiosidade, o registro das vivências servem como armas para luta, cujo objetivo é se mostrar, é ser sujeito. Sua poesia fala do sincretismo religioso, da


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religiosidade africana ligada aos orixás, das rodas de capoeira, o toque dos tambores, dos guerreiros e guerreiras africanas, dos terreiros, dos egunguns (antepassados), das histórias, dos griots, das árvores sagradas as gameleiras moradas do “tempo”, do seu compromisso com a história do negro e sua história. Adegmar José da Silva é poeta ativista e zelador das tradições culturais negras no Paraná. Em suas vivências exprime seus desejos, suas expectativas, suas dores, sua luta e trajetória de negro brasileiro e paranaense. Falar da tradição, dos ancestrais, da luta e do empoderamento é um dos vieses da poesia negra do Zelador Candiero. O registro de suas vivências é a luta contra o esquecimento da história e cultura africana. É o rememorar. É o lembrar. Antes conhecido pelo codinome “sombra”, apelido dado pelos amigos, colegas da capoeira, recebeu o nome de


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Zelador Candiero - aquele que iluminaapós muito tempo de observação pelos seus mestres , os quais chamam de “os mais velhos”. O cotidiano do Zelador Candiero é fortemente marcado pelo sentimento de pertencimento a cultura e as tradições negras herdadas dos ancestrais. O poeta descobriu-se pedra alicerçante da sua história no rap, no break na música negra afro americana e foi construindo sua identidade negra e se empoderando como sujeito transformador da sua história e orgulhoso das suas tradições e origem negra. A partir desta descoberta muitas trilhas foram surgindo e o caminhante ora passeia por elas, ora as desbrava deixando a sua marca de rebeldia. Rebeldia essa, transformada em muitas formas lutas contra um único modelo de cultura, de história e de conhecimento. O caminhante vai trançando seu caminho e registrando suas vivências – como:


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capoeira, poeta, zelador das tradições culturais, além de militante das causas negras no Paraná -, com uma linguagem cheia de significados e sentimentos. O poeta é negro, e se orgulha em demonstrar sua luta e preferência pela temática negra. Em entrevista que nos foi concedida em 09 de Fevereiro de 2016, o poeta e escritor Zelador Candiero diz não escrever poesia e sim registrar em forma de poema suas vivências e recordações. E que a cada passo, a cada atitude, cada irmão negro que encontra vai emergindo em palavras, borbulhando, querendo mostrar e contar a história de seu povo. Assim, registra na folha branca o pensamento, o sentimento e sua negritude. Neste aspecto pode-se considerar que a memória atua na obra do Zelador Candiero como uma um força de resistência pessoal e cultural, tal como indica Eduardo de Assis Duarte (2005, p.


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100) ao sugerir que a força dessa memória ressalta o sentido da resistência cultural e de luta ideológica (...) pois se trata de marcar posições para além do campo artístico, visando atuar na construção psicológica e cultural desse sujeito, bem como na definição de seu lugar na sociedade e na própria história. As vivências, expressão que o poeta usa para referir-se aos seus versos, traduz o sentido dos costumes, recordações e tradições dos ancestrais, e conta suas experiências sociais e individuais à comunidade. Segundo o poeta, a escolha de pseudônimo é um ato político de empoderamento da sua condição de homem negro. É chegada a sua vez de falar, de sair, deixar de ser “Sombra”,


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agora é Candiero. Nome recebido dos mais velhos como manda a tradição. A luz que tem por responsabilidade e objetivo nas rodas de conversas, nos saraus, nos festejos, nos sons dos tambores despertar seu povo para as questões inerentes a tradição negra. Os costumes devem ser relembrados, devem ser praticados pelos adultos e contados às crianças, pois “é necessário uma comunidade inteira para educar uma criança” segundo um ditado africano, diz Candiero. O poeta luta por equidade para seu povo, negros, afrodescendentes, acima de tudo negros brasileiros e seus descendentes utilizando como arma, a palavra, nas suas vivências, no seu cotidiano. N’ZINGA, é um poema de tom forte, cujo conteúdo louva uma grande guerreira que ofereceu resistência a Portugal, quando com grande visão de estrategista venceu a guerra contra os portugueses, em sua terra natal, o reino


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de Angola. O poema é composto por 31 versos. O orgulho de sua negritude emerge no início do poema emerge através das palavras e do ritmo o jogo de capoeira. Dois capoeiras jogando É como galo na rinha Cada um de um lado Dá esporada, canta Se arrepia...” O negro quando dança Faz louvor a sua rainha N’Zinga N’Bandi Reino de Angola, da Matamba Sozinha uniu todas as etnias Enfrentou os portugueses com sabedoria Uma guerreira estrategista Conhecia de política E a religião dos seus ancestrais Venceu todas as demandas europeias Viveu e morreu na sua terra Seu nome espalhou-se pelo mundo No Paraná, os Reis Congos


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Mantêm viva sua memória ancestral Dos tempos da escravidão até nossos dias Buscar fundo na história É fundamental para o povo negro Pois um povo sem memória é um povo sem história Tratado como escória Temos um futuro sim: aquele que nós construímos. Valeu o exemplo, Rainha da nossa ginga! EPARREI OYÁ Senhora dos ventos e das tempestades Aquela que cega os mentirosos Mas protege quem anda com a verdade. Motumbá (2015, p.52) O eu enunciador trata a capoeira como uma dança para louvar a rainha N’Zinga N’Bandi recontando a história de valentia e de resistência do povo negro, que aparece como agregador


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de todas as etnias, indicando que a luta é de todos. Além de inteligente e grande estrategista”, a guerreira tinha conhecimentos de política e da religião dos ancestrais. O poeta trabalha assim para desconstruir através dessa imagem, “o estereótipo de negro que inferioriza a inteligência e a capacidade dos povos negros”(Cuti, 2010, p.55) cunhado pela ideologia racista da elite brasileira. A memória cultural se faz presente no poema, identificando o lugar em que essa memória está fincada e como. “No Paraná, os Reis Congos/ mantêm viva sua memória ancestral” o eu poético fala do “enraizamento” do negro paranaense e de suas memórias culturais reavivadas através das festas dos Reis Congos. O eu lírico saúda o orixá dos ventos e das tempestades e diz que, quem mente é cegado por ela, assim faz referência às verdades que são ocultadas sobre o continente africano para fazer os


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afrodescendentes se sentirem pequenos e sem força. E diz que todos precisam conhecer a sua história, a sua origem, as tradições dos antepassados para se orgulharem e não deixarem que os tratem como escória. Que existe futuro, que podem construir seu futuro. Andrade apud Cascudo, coloca que A eleição de reis negros meramente titulares, a coroação deles, e as festas que provinham disso, Congos, Congadas, sempre até hoje se ligaram intimamente à festa, e mesmo à confraria do Rosário. Inda mais: as procissões católicas eram cortejos que relembravam ao negro os seus cortejos reais da África. (ANDRADE, 1965, p. 315) O poema faz referência à festa da Congada da Lapa, no Paraná, é uma


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celebração que traz os reis do congo, sua coroação e séquito de súditos. A riqueza da congada tem por objetivo de despertar as lembranças ancestrais de poder, beleza e riqueza do elemento negro que em terras distantes, a terra dos antepassados, onde eram reis. A escritura poética do Zelador Candiero traz para o debate e conhecimento dos negros e seus descendentes a cultura negra reavivada nas congadas, nas rodas de samba, trazidas pelos escravizados, através de suas memórias. A descendência negra do poeta lhe confere o direito de ser o protagonista dos seus versos e clamar seu povo para o conhecimento da história negra. O eu lírico afirma que “um povo sem memória é um povo sem história”. O poeta como militante que é utiliza em seus poemas a frase de Chico de Assis, advogado, jornalista, poeta e ex preso político. As vozes ecoadas ao longo


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do poema mostram a identificação dos envolvidos com as memórias dos ancestrais, individual e coletiva. O tom de celebração do orgulho negro ancestral e o chamamento para o momento presente, reivindicando o reconhecimento da cultura e das tradições de seu povo. O poeta relembra o tempo da escravização, o tratamento recebido, ao pedir que seus irmãos busquem no fundo do baú da história suas memórias, o contexto em que obrigados a viver, para logo depois afirmar que apesar do tratamento indigno, o futuro do povo é aquele que cada um constrói. O eu enunciador procura empoderar o povo negro ao chamar a atenção para a inteligência e a valentia da rainha N’Zinga e assim forjar uma nova autoestima e para despertar o orgulho de ser afrodescendente. A essa intenção Cuti (2010, p.43) intitula como “gostar-se negro” aceitar-se negro de


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forma completa, sentimento normalmente recalcado pelo racismo que por muito tempo levou o negro a se transvestir ao assimilar a moda, os pensamentos, os modos de agir e sentir do branco, também conceituado por Frantz Fanon de pele negra e máscaras brancas (2008, p.34). O eu enunciador termina fazendo uma saudação a uma divindade africana Iansã, orixá que domina os ventos e tempestades que protege e ilumina aqueles que estão com a verdade na linguagem dos nagôs, Motumbá é um pedido de bênçãos. O eu-lírico enunciador se mostra comprometido com a religiosidade de matriz africana. EPARREI OYÁ Senhora dos ventos e das tempestades Aquela que cega os mentirosos Mas protege quem anda com a verdade. Motumbá...”(2015, p.52)


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No poema, “RESISTÊNCIA CULTURAL II” (2015, p.59), o poema apresenta 33 versos. Combatentes do bom combate, uni-vos... Ser representante de rainhas e reis africanos Em solo brasileiro Não é fácil Trabalho duro Tornei-me flexível... Sensível Viver no mundo humano Clamando por ajuda do Espirito Santos... Fazendo a colcha de detalhes Costurando com a agulha de ouro Os fios prateados da memória Aparecem... Minha alma transborda Brada por justiça No meio desta carnificina de verdades escondidas


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Holocausto de sonhos Combativo, assíduo Sigo minha sina Pelos poderes legados dos meus antepassados Vou à luta Não tenho o direito de ficar no cômodo silêncio Respiro fundo Atendo à minha consciência Minhas lágrimas são de força E não de fraqueza Perdoem minha franqueza Os estalos do chicote do Neo-Escravismo Mostram-me um norte desconhecido Enquanto muitos dormem... Armado com meu berimbau Invoquei o poder ancestral Recomeço a caminhada (2015, p.59) O eu lírico enunciador chama para a luta, os bons combatentes. Anuncia que é difícil “ser representante de Rainhas e


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Reis africanos”, fazendo referência a toda carga de discriminação e racismo que existe na sociedade paranaense, afirma que é a luta “não é fácil”, que “é trabalho duro” vencer os obstáculos colocados nos caminhos dos negros e seus descendentes. Mas, afirma também que tornou-se mais flexível, referência talvez as negociações por seus direitos, que às vezes cede um pouco para ganhar. Aqui aparece a questão do misticismo religioso, quando diz que clama por ajuda do Espírito Santo(s), para viver no mundo humano. O eu-lírico enunciador termina colocando no vocábulo Santo um (s) seguido de reticências como que deixando no ar, dando outra conotação a palavra, talvez implicitamente se referindo aos “Santos” da religiosidade africana. O eu-enunciador ao mencionar “enquanto muitos dormem...” dá a entender que está falando dos afrodescendentes que ainda não se conscientizaram da luta


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do seu povo para conquistar seus espaços na sociedade. E, ao se referir à memória, diz que vai juntando “os fios prateados”, ou seja as lembranças e vai costurando-as umas às outras com “agulha de ouro”, sugerindo talvez o grande valor dessas lembranças, dessas memórias que juntadas umas às outras deixam vir a tona “a verdade escondida” no meio de todo sofrimento. Segundo, Michael Pollack as “memórias subterrâneas” são cultivadas e desenvolvidas nos espaços da “informalidade” em rede de sociabilidades afetivas, “são zelosamente guardadas em estruturas de comunicação informais e passam despercebidas pela sociedade englobante” (1989, p.8). O eu poético grita por justiça, em meio a tantas mortes de sonhos, de expectativas. E não se rende, segue adiante, combativo, assíduo. É o destino que lhe foi legado pelos antepassados. O


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eu lírico diz não poder ficar calado, que suas lágrimas não são de fraqueza e sim, por perceber novas formas de exploração do povo negro. E enquanto muitos dormem, ele armado com seu berimbau (instrumento de toque da capoeira), invoca os ancestrais para ajuda-lo e segue na sua caminhada de luta. Nota-se neste posicionamento do eu poético o chamamento do conhecimento dos mais antigos (os ancestrais) para direcionar a luta, os direitos pleiteados, e a conquista dos objetivos pretendidos.


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Conclusão Diversas são as possibilidades de leitura da poesia do Zelador Candiero. Entretanto, se o pano de fundo for uma sociedade elitista que se acredita herdeira de tradições e culturas unicamente europeias que prevalece o conceito de democracia racial, muita luta ainda tem a população negra e seus descendentes para serem reconhecidos como sujeito coprodutores da cultura brasileira e paranaense. O Zelador Candiero é um dos pilares dessa luta, no solo paranaense. O poeta não esconde a sua negritude, orgulho, paixão pela tradição e costumes dos ancestrais. Produz uma poesia carregada de simbologismo deixando transparecer através do eu poético, que fala mesmo cansado não se cala ao ver e sentir os sofrimentos e


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dores do povo negro. A sua poética deixa entrever nas linhas da sua escritura toda a riqueza cultural do povo “subalterno”. Como “subalterno” em sua negritude, o poeta dá voz e representatividade ao lugar de onde fala, das suas origens, da sua religiosidade e da sua história. Subalterno que apesar de construir praças, igrejas e monumentos históricos com sangue e suor teve como pagamento, o apagamento da sua história e a negação da sua presença. O subalterno agora tem voz e fala. Interpretando o ditado africano “enquanto os leões não contarem sua história, conheceremos apenas o ponto de vista do caçador”. Os leões começam a rugir e estão contando sua história e lutam para sair da penumbra, do esquecimento, ao qual foram lançados. Não mais existe a história só do ponto de vista do caçador. A literatura negro-brasileira lança


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mão da poesia, a prosa, a dança, a música, os costumes como instrumento de luta. São elas, as armas utilizadas pelos poetas, escritores, pesquisadores, artistas, em geral, para contar a história e a cultura do povo cor de ébano e seus descendentes. Ubuntu, para vocês! “Sou quem sou, porque somos todos nós”


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Evilma Alves. RODRIGUES, Neide dos Santos, História e cultura Afro-Brasileira, Africanidades Paranaenses. 1 ed. Editora Grafset, João Pessoa 2013. SITES CONSULTADOS • Site: http://www.overmundo.com.br/ overblog/tobias-barreto-um-condorsolitario • Site: www.abralic.org.br/anais/ arquivos/2012_1434243351.pdf ACERVO DIGITAL • http://issuu.com/institutop esquisaestudosafrobrasile/ docs/001-em_constru____o_-_ completo/6?e=9312919/4819492 axés de sangue da esperança ABDIAS NASCIMENTO. nascimento. Estudos Avançados


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SOBRE A AUTORA Romilda Oliveira Santos possui graduação em Letras pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (1991), especialização em Planejamento e Prática de Ensino pela Faculdade de Educação da Bahia (1992) e especialização em Literatura Brasileira pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (1993). Atualmente é Regência da Secretaria de Educação do Estado do Paraná. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Língua Portuguesa.


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Coleção Oralidades Afroparanaenses

AfroLapeanos: crônicas, manifestos e pensamentos azeviche retrata um pouco da legendária Lapa, construída com mãos, força e inteligência negra. Este livro aprofunda um pouco desta história que tentam apagar. 148 páginas.

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1ª Ed

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Coleção Oralidades Afroparanaenses

AfroCuritibanos: crônicas, manifestos e pensamentos azeviche é um mergulho na alma, nos sentimentos e nos saberes do povo preto de Curitiba. 197 páginas.

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Coleção Oralidades Afroparanaenses

Oralidades Afroparanaenses: fragmentos da presença negra na história do Paraná traz uma série de poemas de informação sobre comunidades quilombolas e comunidades tradicionais negras de nove municípios centenários do Paraná. 116 páginas.

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Coleção Oralidades Afroparanaenses

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Lançamento

Memórias de um batuqueiro curitibano reúne poemas de informação sobre a religiosidade e a presença negra no centro histórico de Curitiba. Batuques antes proibidos por lei, que se mantiveram vivos na nossa oralidade, ecoando em nossa musicalidade e hoje reverberam em poesia.


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Em breve! Cabaças do meu quintal narra a saga de um homem que, através da mãe capoeira, se descobre negro e descobre uma Curitiba ainda mais negra. Cabaças do meu quintal revela sementes das nossas Oralidade Afroparanaense.


EDITORA HUMAITA CNPJ 23.058.439/0001-70 SITE:

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(41) 99161-7961 (41) 98499-1845

Capa: Foto de Daniel Rebello. Ilustração: Oyá, de Ney Lima.

SANTOS, Romilda Oliveira. Candiero, a poesia como forma de resistência. Curitiba: Editora Humaita, 2017. Ensaio.


Oralidades Afroparanaenses

"Contando histรณrias que eram para ser esqucidas"


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