ENTRE A CASA E A FÁBRICA
patrimônio e gênero na creche Marina Crespi na Mooca
Marina de Mello Vieira orientação: Profª Drª Joana Mello de Carvalho e Silva
TFG - FAUUSP julho 2020 1
Trabalho Final de Graduação apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP) estudo e proposta sobre o patrimônio histórico dos bairros operários da Zona Leste de São Paulo - Brás, Mooca e Belenzinho sob a perspectiva de gênero, a partir do estudo de caso da Creche Marina Crespi.
mellovieira.marina@gmail.com
ENTRE A CASA E A FÁBRICA patrimônio e gênero na creche Marina Crespi na Mooca
Marina de Mello Vieira
banca examinadora: orientação: Profª Drª Joana Mello de Carvalho e Silva professoras convidadas: Profª Drª Ana Lucia Duarte Lanna Profª Drª Manoela Rossinetti Rufinoni
Trabalho Final de Graduação Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade de São Paulo julho 2020
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Ă Maria, Catarina, Antonia, Hilda e Carla, aquelas que vieram antes de mim.
e ao DĂŠcio, querido morador do Belenzinho.
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agradecimentos
agradeço aos meus pais, Paulo e Carla, por sonharem meus sonhos comigo e pelo apoio em todos os momentos. A vocês eu devo tudo. ao Felipe, pelo amor, pela paciência e pelos inúmeros “vai dar tudo certo” ao longo do caminho. à minha orientadora, Joana Mello, pela atenção ao longo de todo o processo e pelo cuidado e generosidade das contribuições, essenciais para que este trabalho fosse possível. às professoras convidadas Ana Lanna e Manoela Rufinoni, pela gentileza e disponibilidade de participarem da banca. à Flavia Brito, por ter acompanhado parte deste trabalho e por ser parte importante da minha formação na FAU. aos meus amigos e amigas, queridos companheiros de jornada fauana, por terem tornado essa trajetória muito menos árdua e muito mais bonita. aos colegas da Ambiência Arquitetura e Restauro, por todo o aprendizado, pela compreensão, e pela possibilidade de me aproximar do meu objeto de estudo.
resumo O presente trabalho consiste em um estudo sobre o patrimônio histórico dos bairros operários da Zona Leste de São Paulo a partir da perspectiva de gênero. Para isso, procurou-se investigar, através do estudo de caso da Creche Marina Crespi, na Mooca, como essas relações se manifestaram na formação dos espaços urbanos e domésticos desse território, que se deu na fase de expansão industrial, a partir do final do século XIX. Compreendendo a relevância desse momento histórico para a formação do conjunto urbano que hoje consiste no patrimônio histórico desses bairros e o processo de redefinição dos papeis de gênero que se consolidava nesse momento em função do aumento da participação feminina como mão de obra nas fábricas, o trabalho se dispõe a questionar os mecanismos de representação e narrativa dos agentes sociais, buscando, a partir das relações de gênero, compreender as presenças e ausências das mulheres na história da formação do espaço construído da cidade, bem como nos discursos em torno dos quais são definidas as políticas patrimoniais. A Creche Marina Crespi, construída em 1936 para atender às operárias ligadas ao Cotonifício Crespi, consiste em um resultado físico emblemático dessas transformações em torno do papel da “mulher”, pautado entre a vida pública e privada, viabilizando a realização dos trabalhos domésticos de cuidado fora do espaço da casa. Assim, o trabalho procura analisar essas relações entre as dinâmicas de moradia, trabalho, sociabilidade e cuidado, propondo meios de reflexão em torno dos significados simbólicos e sociais dos espaços da arquitetura e da cidade a partir da perspectiva das relações de gênero. Palavras-chave: patrimônio histórico; gênero, história da cidade; bairros operários de São Paulo.
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abstract This work consists of a study about the historical heritage in working class districts on the east zone of São Paulo from the perspective of gender. To do that, we aimed to investigate, through the case of Marina Crespi nursery, how these relations were manifested in the history of the formation of urban and domestic spaces in this territory, a process that took place on the period of the city’s industrial expansion by the end of the XIXth century. Given the relevance of this historical period for the consolidation of the urban ensemble that today forms the heritage of those districts, and the process of redefinition of gender roles that was then on course because of the rise of women’s participation as labour force for the industries, this work is dedicated to questioning the mecanisms of representation and discourse of social agents, searching for the comprehension of the presence and absense of women on the formation of the history of the built environment of the city, as well as the narratives through which are determined the heritage policies. The nursery Marina Crespi, built in 1936 to assist working women from the textile weaving Crespi, consists of a physical emblematic result of these transformations around women’s social roles, between public and domestic life, making possible that care and domestic work were practiced outside the space of the house. Therefore, this work seeks to analyse the dynamics between living, working, socializing and caring, proposing ways of approaching symbolic and social meanings around architectural and urban spaces, though the perspective of gender relations. Key words: heritage; gender; urban history; working class districts in São Paulo.
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SUMÁRIO
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introdução capítulo 01 a mulher operária gênero e trabalho na São Paulo industrial
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capítulo 02 a cidade os bairros operários do além-Tamanduateí: trabalho, moradia, e relações de gênero 82 capítulo 03 a Creche Marina Crespi o trabalho feminino e os espaços de cuidado na cidade
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considerações finais
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referências bibliográficas
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anexos
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introdução 15
Esse trabalho resultou do desejo de olhar para as minhas próprias raízes com as ferramentas que adquiri ao longo da graduação na FAUUSP. Ainda que essa motivação afetiva e pessoal tenha norteado a escolha do objeto de estudo, foi a partir do interesse em articular dois campos que me foram muito caros ao longo da trajetória no curso que a definição do tema se concretizou: o primeiro é o campo do patrimônio, da história e da memória, temática que me interessou e orientou as minhas escolhas ao longo das disciplinas optativas, iniciação científica, grupo de pesquisa e meus desejos de atuação profissional enquanto arquiteta. O segundo tema é a problemática do gênero, que, aos poucos, foi se expandindo para além das leituras e discussões pessoais e se aproximando da arquitetura e do espaço a partir do meu contato com pesquisas realizadas dentro da FAUUSP, que inspiraram indagações próprias. Uma delas, ligada ao planejamento urbano, evocava questionamentos sobre a cidade e as relações de gênero, espacializando a presença e as dinâmicas das mulheres no espaço urbano. Uma outra, se voltava aos espaços domésticos, questionando sob quais aspectos a arquitetura incorporou historicamente as relações entre o público e o privado, e consequentemente, a distinção entre os espaços que cabiam ao masculino e ao feminino*. O tema “gênero” é aqui compreendido como o elemento constitutivo * A temática do gênero na das relações sociais, baseado nas diferenças percebidas entre os sexos. escala do planejamento Isso quer dizer que existe um caráter fundamentalmente social e urbano foi apresentada na cultural nessas distinções, que definiram historicamente hierarquias de disciplina Gênero, Cidade poder entre homens e mulheres e que se expressam nas mais diversas e Interseccionalidades, perspectivas de análise. Estudar gênero, portanto, significa incorporar ministrada em 2019 um olhar relacional, ou seja, formado a partir da ideia de que nenhuma pela profª Paula compreensão pode existir através da consideração exclusiva apenas ao Santoro, na FAUUSP. masculino ou ao feminino, mas sim das relações entre eles a partir das Já as questões de gênero do ponto de vista da quais se formam as desigualdades (SCOTT, apud SOIHET e PEDRO, 2007, p. domesticidade foram 290). Essa concepção permite assumir que a perspectiva de gênero é uma apresentadas na disciplina - e não a única - das perspectivas possíveis de análise, capaz de elucidar Cidade, Arquitetura conteúdos de relações sociais que se expressam nas mais diversas esferas e Domesticidade da sociedade, e por que não, na arquitetura, na cidade e na memória. Moderna, ministrada em Ao trazer o tema para o campo do patrimônio, surgem as questões 2019 pela profª Joana de representação, que se expressam na atribuição entre aquilo que Mello, na FAUUSP. historicamente se escolhe perpetuar e aquilo que se escolhe apagar. Se tanto a preservação quanto o apagamento são escolhas políticas, o espaço da arquitetura e da cidade também o são. Porque conhecemos tão pouco das mulheres na história das cidades? Existe uma história das mulheres? A busca por essas respostas, nesse trabalho, começou com apenas duas palavras-chave, patrimônio e gênero, sem saber se ou como esses dois campos poderiam se interseccionar. Compreendi que o patrimônio, enquanto campo político de disputas narrativas também passa por construções discursivas, pautadas por parâmetros hegemônicos e documentos oficiais, que são ditados pelo que chamamos de “discurso autorizado do patrimônio” (SMITH, 2006): aquele escrito por uma elite, branco, masculino e ocidental. A compreensão de que o espaço construído, tanto na escala urbana quanto arquitetônica, é o elemento através do qual se registram os conhecimentos, os processos e as transformações na história, 16
contendo a experiência daqueles que os construíram, nos leva a inferir que o espaço da cidade carrega em si sua história. Essa associação é o que fomenta a necessidade de preservação da memória coletiva: a arquitetura é, ao mesmo tempo, continente e registro da vida social (ASSAD, 2019). Nesse sentido, a memória assume um papel complexo na medida em que, necessariamente, associa as dimensões tangível e intangível do patrimônio, além de exercer um papel permeável de absorção das reelaborações das práticas sociais que se transformam ao longo do tempo e criam, com o bem patrimonial, novas relações estéticas, paisagísticas, afetivas, históricas, etc. (MENESES, 2009). A partir dessas ideias, dediquei-me a identificar lugares que expressassem de alguma forma significativa as relações de gênero que orientaram a participação (e ausência) das mulheres nos processos históricos da cidade, inclusive do ponto de vista discursivo da historiografia em torno desses espaços. Nesse sentido, a questão do trabalho se colocou como uma temática incontornável na bibliografia sobre gênero, já que, organizado socialmente entre trabalho doméstico, realizado em torno da reprodução social da vida, e o trabalho produtivo, inserido nas lógicas do capital, organizou a vida na cidade entre a esfera pública e a privada. A problemática de gênero se consolida espacialmente, portanto, a partir das distinções sexualmente atribuídas ao trabalho, pela designação histórica dos espaços privados como um aspecto da socialização feminina (HAYDEN, 1981, apud HARKOT, 2018, p. 32), e dos espaços públicos como masculinos. Se a cidade é composta por espaço e tempo, produção e reprodução, as questões de desigualdade baseadas no gênero que determinam formas diferentes de pertencimento e apropriação na cidade entre homens e mulheres “não atravessam a produção e reprodução das cidades, mas são, por princípio, elementos constituintes das mesmas” (GOUVEIA, apud SANTORO, 2008, p. 8). Dada a centralidade da questão do trabalho para a perspectiva de gênero no espaço, os bairros operários da Zona Leste de São Paulo se colocaram como um objeto de estudo interessante, na medida em que são territórios consolidados no período da primeira onda de industrialização no país, na qual a maioria da força de trabalho era composta por mulheres, havendo sido o palco das primeiras reivindicações femininas na esfera pública em torno do trabalho nas fábricas. Foi importante, também, o meu interesse pessoal e afetivo, já que minhas tataravós foram operárias tecelãs em fábricas do Belenzinho, hoje demolidas. Suas histórias estavam, portanto, inseridas em lugares que frequentei ao longo da vida, através de conexões entre a história e o espaço que até então não haviam me ocorrido. Definido um recorte potencialmente interessante para os estudos de gênero na cidade, surgiam as questões que busquei responder ao longo do trabalho: quem eram essas mulheres? Como o território urbano e o espaço arquitetônico participou da redefinição das relações de gênero, dado que essas mulheres operárias, de maneira inédita, passaram a fazer parte significativa da vida pública e produtiva da cidade? Se no caso da muher burguesa essas dinstinções eram mais rígidas, de modo geral exercendo o papel de dona de casa e o marido como o único provedor, como essas atribuições se transferem para a identidade da muher trabalhadora? A interpolação das atribuições do trabalho produtivo e doméstico tem quais impactos na produção e apropriação dos espaços para essas mulheres? 17
A relação entre trabalho doméstico, realizado no espaço íntimo da casa, e o produtivo, realizado nos espaços ligados à vida pública, ganhou uma perspectiva particularmente atual nos últimos meses de produção deste trabalho. Se no período aqui estudado as organizações sociais em torno do espaço construído se deram baseadas na separação quase total entre o espaço produtivo e o espaço doméstico, hoje, em meio à crise do coronavírus e da reorganização radical das formas de produção, ao menos entre as classes privilegiadas, essas relações passam por um processo radical de transformação, na medida em que tem-se, cada vez mais, em um único espaço, a intersecção entre o lugar do trabalho, do lazer, do cuidado, etc. Para as mulheres, o rompimento desses limites e a não especificidade de um espaço-tempo para o trabalho produtivo é ainda mais complexo, na medida em que seguem socialmente responsabilizadas pelas questões do cuidado. O trabalho doméstico segue, portanto, ainda hoje, sendo definitivo para a compreensão das relações entre gênero e espaço. O presente trabalho consiste, então, em um estudo sobre o patrimônio histórico dos bairros operários da Zona Leste de São Paulo a partir da perspectiva do gênero, buscando investigar, através do estudo de caso da Creche Marina Crespi, na Mooca, como essas relações se manifestaram na formação do território na ocupação industrial. Compreendendo a relevância desse momento histórico para a formação do conjunto urbano que hoje consiste no patrimônio histórico preservado desses bairros, e o processo de redefinição dos papeis de gênero que se consolidava com o aumento da participação feminina como mão de obra nas fábricas, o trabalho se dispõe a questionar os mecanismos de representação e narrativa dos agentes sociais, buscando, a partir das relações de gênero, compreender as presenças e ausências das mulheres na formação do espaço construído da cidade, bem como nos discursos em torno dos quais são definidas as políticas patrimoniais. A Creche Marina Crespi, de 1936, foi escolhida como estudo de caso na medida em que consiste em um resultado físico emblemático dessas transformações em torno do papel da “mulher”, baseado na busca pela viabilidade de coexistir a vida pública e privada, conquistada através das reivindicações políticas das mulheres por direitos. Assim, o trabalho procura propor meios de reflexão em torno dos significados simbólicos e sociais dos espaços da arquitetura e da cidade a partir da perspectiva das relações de gênero. O trabalho foi construído a partir de ferramentas de estudo diversas, articuladas de forma complementar. A primeira delas foi a pesquisa bibliográfica, voltada aos temas de evolução urbana, história da arquitetura e da cidade, e de gênero, especialmente em torno do trabalho feminino. Paralelamente, foi feita a pesquisa cartográfica, que se deu a partir do cruzamento das bases e mapas históricos com um levantamento, que foi progressivamente compilado a partir das leituras e das pesquisas em torno do recorte temporal (a primeira onda de industrialização no país) e espacial (Brás, Mooca e Belenzinho). Esse levantamento não teve a pretensão de reunir a totalidade dos edifícios ligados ao período industrial nos bairros operários. Fez parte do meu processo de reconhecimento do território e de seu patrimônio, e definitivo para a definição do estudo de caso. Foi construído a partir das informações evocadas ao longo da pesquisa sobre espaços que, de alguma maneira, se relacionavam com o recorte proposto, resultando em um conjunto georreferenciado que permitiu a produção de mapas temáticos, com 18
o objetivo de fomentar a compreensão global desse território, reconstituindo parte das suas dinâmicas formadoras e estabelecendo uma conexão com sua configuração atual. A terceira ferramenta foi o estudo projetual, cujo objeto foi a creche Marina Crespi. Além da pesquisa histórica e da análise arquitetônica do edifício, com foco na perspectiva de gênero, é proposto um ensaio projetual de requalificação da Creche, hoje em estado de abandono. Uma parte importante do desafio de realizar as conexões temáticas aqui propostas foi justamente articular linguagens diversas: textual, cartográfica, e arquitetônica. Essa combinação se colocou como uma premissa necessária à realização do trabalho, dada a dificuldade de acesso a dados específicos sobre esse recorte, sendo necessária a contribuição multidisciplinar de diferentes materiais de apoio. O projeto, nesse sentido, ainda que não fosse uma frente de trabalho prevista desde o início, se colocou como um processo necessário, já que permitiu aprofundar as informações recolhidas na pesquisa bibliográfica com dados espaciais, sejam eles arquitetônicos ou urbanos, que serão explorados ao longo do trabalho. Assim, o trabalho foi organizado em três capítulos: O capítulo 01, "A mulher operária - gênero e trabalho na São Paulo industrial" se dedica a investigar a identidade da mulher operária no início da industrialização paulistana, contextualizando a questão do trabalho feminino na formação da cidade de São Paulo a partir das questões históricas, sociais e econômicas que pautaram a participação maciça das mulheres como força de trabalho nas fábricas nesse momento. No capítulo 02, "A cidade - os bairros operários do além-Tamanduateí: trabalho, moradia e relações de gênero" serão discutidos os processos históricos de formação da cidade para além-Tamanduateí, a partir da perspectiva do gênero. A inserção dessa categoria de análise será feita através da leitura da ocupação industrial e de sua relevância na consolidação dos espaços urbanos e domésticos desses territórios, justamente no período em que essas relações são reformuladas com a intensificação da industrialização e do emprego da mão de obra feminina, a partir de três dos aspectos da vida social do operariado: o primeiro, a cidade e o espaço urbano; o segundo, a casa, ferramenta de definição da vida doméstica do trabalhador a partir do qual criou-se o modelo das casas operárias; e o terceiro, a fábrica, espaço de realização do trabalho produtivo. Por fim, serão discutidos os processos de transformação urbana posteriores a essa ocupação e a patrimonialização dos bens resultantes da ocupação industrial, discutindo seu significado para a memória da cidade. No capítulo 03, "A Creche Marina Crespi - questões de gênero nos espaços de cuidado à infância" busca-se aprofundar as relações estabelecidas nos capítulos 01 e 02 entre gênero, cidade, arquitetura e representação através do estudo de caso da Creche Marina Crespi. Essa discussão será feita a partir da compreensão do edifício como um lugar de memória da presença das mulheres na cidade, marcando sua contribuição política e especializando as relações e gênero que definiram sua presença na formação urbana. Assim, buscouse construir uma análise histórica e arquitetônica do edifício, investigando seus processos patrimoniais e dinâmicas de desvalorização, tombamento e abandono, e, por fim, a proposição de um projeto de requalificação e reinserção urbana que busca incorporar os valores evocados ao longo do trabalho. 19
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capítulo 01
a mulher operária gênero e trabalho na São Paulo industrial 21
“A CLASSE OPERÁRIA TEM DOIS SEXOS”: a identidade da mulher trabalhadora no início do século XX
[ 1 ] Operárias tecelãs na fábrica Moinho Santista, Belenzinho, na década de 1930.
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O estudo da história das mulheres opera no questionamento das correntes historiográficas tradicionais que adotam um sujeito masculino universal, naturalizado na figura do homem. Ao elucidar as contribuições femininas nos processos históricos, seja ao destacar sua influência nos acontecimentos que transformaram a vida pública, mas também ao legitimar o caráter político e público existente na vida privada (à qual as mulheres historicamente foram confinadas), esse tipo de análise evidencia as lacunas presentes nas narrativas sobre as transformações históricas, econômicas, sociais e políticas da sociedade (PEDRO, 2005, p. 87): narrativas estas que silenciaram sistematicamente a participação das mulheres e serviram para legitimar relações de poder e papeis sociais atribuídos socialmente, pautados nas diferenças socialmente construídas entre os gêneros. Se a vida das mulheres, de modo geral, é submetida ao silenciamento a partir das opressões de gênero, o mesmo é ainda mais agudo entre identidades submetidas a outros marcadores de opressão, como raça e classe. No recorte aqui proposto, o caso das mulheres operárias se dá em função das lógicas de dominação colocadas, além do gênero, pela questão da classe, o que envolve diretamente as relações de trabalho e de luta contra o capital (BLAY, 1985). A participação das mulheres na esfera pública da sociedade foi historicamente diminuída, ligada diretamente à associação construída entre o feminino e o mundo doméstico. O trabalho, nesse sentido, é um fator determinante na compreensão das lógicas sociais, econômicas e espaciais pautadas pela perspectiva de gênero. Segundo Pena (1980, p. 201), historicamente, o trabalho doméstico é o trabalho feminino, e não se caracteriza como produtivo nem improdutivo porque “não é trocado por salário e não interage com o capital, nem com rendas, diretamente”. A complexidade de compreensão da presença das mulheres no mundo “público”, através da ótica do trabalho, se dá justamente pela dupla inserção do grupo de mulheres trabalhadoras - pelo gênero e pela classe. Nesse sentido, é importante destacar a importância da perspectiva racial, embora não seja o recorte aqui definido, já que as mulheres negras eram praticamente inexistentes enquanto força de trabalho fabril no início da industrialização brasileira. Sua presença na cidade e na esfera do trabalho, como veremos, é pautada historicamente pelos rastros escravocratas, que as mantiveram marginalizadas, ligadas a ocupações ainda mais desvalorizadas e ao campo do trabalho doméstico, ainda que remunerado. Se o recorte de classe se sobrepôs, historicamente, ao recorte de gênero na história da classe operária, as consequências desse olhar masculino e “masculinizante” complexificam a compreensão da identidade da mulher trabalhadora, dada a dificuldade de precisar numericamente a presença das mulheres na sociedade. O trabalho doméstico é naturalizado, associado à função “nata” da mulher, historicamente se mistura a atividades produtivas realizadas no âmbito 23
da domesticidade, como pequenas manufaturas, produções agrícolas, etc., dificultando sua quantificação numérica e raramente integrando os censos oficiais sobre a força de trabalho (FRACCARO, 2018, p. 30). Para Eva Blay (1985), ao ser socialmente atribuído às mulheres como principal atividade econômica feminina, o trabalho realizado no âmbito doméstico é instrumentalizado e reforçado pelo capitalismo como uma forma de manter as mulheres no chamado “exército de reserva”, estabelecendo, de forma muito naturalizada e essencialista, a divisão social do trabalho baseada nas diferenças entre os sexos. Se grande parte das mulheres se dedica ao trabalho doméstico, essa naturalização muitas vezes nublou o fato de que a maioria da força de trabalho industrial urbana em São Paulo, desde o final do século XIX, foi constituída por mulheres, chegando a representar cerca de 78,3% da mão de obra ativa na indústria têxtil, a mais importante da época, em 1872 (PENA, 1981, p. 83). A contribuição das mulheres na história do trabalho fabril e da constituição da cidade foi apagada, consciente e inconscientemente, das narrativas históricas sobre a cidade neste período ao optar-se historicamente por “não estudar a fundo suas contribuições aos processos históricos, sociais e econômicos e políticos, na organização familiar, nos movimentos sociais, na política e no trabalho coletivo” (PENA, 1981, p. 84). O uso de mão de obra feminina e infantil durante a implantação do capitalismo industrial foi bastante significativo, e em São Paulo coincidiu com o movimento de expansão e consolidação da cidade, ocupada, progressiva e rapidamente a leste, atravessando o rio Tamanduateí em direção às terras de várzea, a partir do final do século XIX. Assim, compreende-se, a partir do caráter determinante que a ocupação industrial exerceu nesses bairros, que, ainda, que pouco estudada e destacada nas narrativas oficiais da história da cidade, a contribuição das mulheres é essencial para compreender o contexto de formação desses bairros, a consolidação de seus espaços públicos e domésticos, suas dinâmicas urbanas, e o tipo de patrimônio que esses territórios da cidade herdaram de sua fase inicial de ocupação. Segundo Pena (1981, p. 121), no Brasil, diferentemente dos países desenvolvidos, o processo de industrialização não esteve condicionado a transformações estruturais na economia agrícola, o que não proporcionou grandes excedentes de mão de obra a serem desviados para a indústria, como aconteceu na Inglaterra. Aqui, a maior parte da mão de obra ativa estava empregada ainda no trabalho agrícola sob dominação economia cafeeira, ainda dominante no país. A mão de obra disponível para a indústria nos grandes centros urbanos, em pleno processo de crescimento e expansão, foi principalmente feminina e infantil, sendo posteriormente substituída por imigrantes europeus, deslocados para os centros urbanos diante da estagnação agrícola do início do século, agravada pela crise de 1929. 24
[ 2 ] Operárias tecelãs na Cia. Nacional de Juta, Brás, 1931.
A presença das mulheres foi, portanto, uma alternativa dentro de um quadro geral de escassez de mão de obra, na condição de “exército de reserva”. Essa condição, segundo Blay (1985), compreende que as variações do emprego de mão de obra feminina no mercado de trabalho brasileiro não se baseia exclusivamente na atribuição de papeis sexuais, mas, principalmente, na oferta de mão de obra. As grandes oscilações da presença feminina no mercado remunerado refletem, portanto, circunstâncias econômicas e demográficas, o que não siginifica que não incorpore e se aproprie de atribuições de gênero, como evidenciam, até os dias de hoje, desdobramentos como a disparidade salarial e de cargos entre homens e mulheres (SINGER & MADEIRA, 1975, apud PENA, 1980, p. 202). A domesticidade, valor diretamente atribuído à mulher, define também o caráter do emprego remunerado, de modo que as mulheres carregam para o âmbito do trabalho as determinações sociais atribuídas ao seu sexo. A atribuição feminina ao trabalho doméstico é consolidada de tal forma que se incorpora inclusive às lógicas do trabalho remunerado, definindo os papeis por elas ocupados, o que se desdobra, ainda hoje, no predomínio da presença feminina em ocupações ligadas ao cuidado. As representações das mulheres no mundo do trabalho produtivo seguem, assim, a mesma lógica das representações na família: a elas ficam delegadas as ocupações pior remuneradas, mais rotineiras e monótonas, ligadas às relações de produção. O próprio caráter doméstico da indústria brasileira em suas primeiras formas de organização já são fatores importantes para a incorporação da mão de obra feminina (PENA, 1981, p. 83).
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[ 3 ] Mulheres fiandeiras em pequena manufatura têxtil em São Paulo, sem data.
As mulheres mais pobres trabalhavam principalmente no setor secundário, em ocupações como costureiras, bordadeiras, cozinheiras, passadeiras, ou em indústrias domiciliares de pequeno porte; ou seja, serviços que conjugavam o trabalho remunerado à esfera íntima, mantendo a distinção sexual em relação ao público-privado e mantendo a permanência feminina nas obrigações do trabalho doméstico. Não por acaso, os ramos industriais que mais absorveram a mão de obra feminina foram aqueles cuja produção se fazia anteriormente nos quadros domésticos, em pequenas manufaturas. O setor têxtil é colocado, nesse sentido, entre os ramos mais ocupados pelas mulheres, em pequenas manufaturas domésticas, ou mesmo em escala artesanal. Em um primeiro momento, era também um dos setores mais empobrecidos, a partir da concorrência de manufaturas inglesas, importadas por valores cada vez mais baratos desde o século XVIII. Além da concorrência com os produtos estrangeiros, a desvalorização desse tipo de trabalho e a dependência de insumos e maquinário de terceiros agravavam o empobrecimento dessas trabalhadoras. A dificuldade de quantificação de dados sobre esse tipo de trabalho, como já foi discutido, se devia, em parte por se considerar uma ocupação de ordem doméstica, naturalizada, sobretudo por se tratar de parcelas empobrecidas, que não declaravam suas atividades como tais. “Fiandeiras, tecelãs e costureiras continuavam a viver da fabricação doméstica de panos grossos e roupas, cerâmica, telhas, objetos de barro (...) Em 1836, [por conta dos ocultamentos dos censos] é como se tivessem deixado de existir na cidade.” (DIAS, 1984, p. 160)
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1 A associação da indústria têxtil ao trabalho das mulheres não foi exclusiva ao caso brasileiro. Segundo Hobsbaum (2000, p. 65), “[...] é quase certo que a fabricação do algodão contribuía mais para a acumulação de capital que outras, ao menos porque a rápida mecanização e o uso generalizado de mão-deobra barata (de mulheres e adolescentes) permitia uma elevada transferência dos rendimentos do trabalho para o capital”.
Historicamente exercido por mulheres, o trabalho associado à indústria têxtil foi uma das principais frentes da primeira onda brasileira de industrialização, marcada pelos bens de consumo não duráveis1. O setor, fortalecido pela substituição de importações e crescimento do mercado doméstico, correspondeu ao ramo mais importante do primeiro ciclo da economia industrial, concentrando mais da metade do montante capital investido na cidade e empregando mais da metade dos trabalhadores ativos em 1928 (LOUREIRO, 2006, p. 33). Além de matéria prima abundante, o fácil manejo e exigências tecnológicas relativamente simples que facilitaram sua expansão no país, foi favorecido pelo emprego de mão de obra muito barata e pouco qualificada, sob péssimas condições de trabalho. É possível compreender, assim, como se deu o emprego maciço de mão de obra feminina pela indústria têxtil a partir das últimas décadas do século XIX, que exigia menor esforço físico, menores conhecimentos técnicos, (o nível de instrução das mulheres era então muito inferior aos homens) e menor comprometimento das funções reprodutoras. Em 1912, um estudo realizado entre 31 fiações têxteis revelou que 72% do operariado era feminino (WOLFE, 1990, apud WEINSTEIN, 1995, p. 145). A indústria têxtil, dessa forma, se inseriu consideravelmente nas lógicas de divisão social do trabalho por gênero, incorporando a figura da “mulher trabalhadora” e as implicações que essa identidade carregava: “não-qualificada, temporária, duplamente oprimida, mas inconsciente disso” (WEINSTEIN, 1995, p. 143). A identidade da “mulher operária” se articulava, nesse primeiro momento de explosão das indústrias, aos intensos fluxos migratórios em direção ao território paulistano. De acordo com o Censo de 1890, as mulheres estrangeiras representavam 34% de todo o operariado ativo, trabalhando em sua maioria na indústria têxtil. (RAGO, 1997, p. 580). Além das famílias europeias, que eram mais estimadas pelas indústrias na contratação de empregados, chegavam à cidade, também, famílias de outras regiões do Brasil, que se juntavam aos grupos pobres e miseráveis da cidade no exercício de atividades ainda pior remuneradas e ainda mais marginalizadas. 27
Famílias alojadas na Hospedaria dos Imigrantes, na Mooca, sem data. [ 4 ] [esq.] Família de migrantes provenientes da Bahia. [ 5 ] [dir.] Família de migrantes provenientes da Europa.
É importante considerar o contexto histórico e social do início do século XX, em que se manifestavam não apenas as primeiras discussões a respeito dos direitos das mulheres, da equidade de gênero e dos questionamentos das imposições da sociedade patriarcal, mas também as primeiras organizações da população trabalhadora urbana em torno das questões de classe. A partir da incorporação da lógica da divisão sexual do trabalho pelo sistema capitalista, a naturalização do trabalho doméstico como um papel tipicamente feminino se estende também para o mundo do trabalho assalariado, gerando desdobramentos na distribuição das ocupações de trabalho, nos papeis profissionais atribuídos aos gêneros e nas obrigações familiares que atravessam (ou não) o mundo privado. A representação da mulher trabalhadora passa, portanto, por uma dupla camada de atribuições, como operária e como mãe e dona de casa. Como exemplo do cruzamento da esfera doméstica e pública em torno da figura da mulher trabalhadora, tem-se as reivindicações por creches e berçários como discussões de direitos trabalhistas restritas às mulheres operárias e não à classe trabalhadora como um todo2.
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2 A discussão do acesso à creches e escolas como reivindicação do operariado feminino será aprofundada mais adiante a partir do estudo de caso da Creche Marina Crespi.
3 Regia neste momento, o Código de Lei de 1916, que subordinava a mulher ao “elemento masculino”, definindo a submissão a partir do reconhecimento e legitimação dos privilégios patriarcais e apagamento da história individual das mulheres através da figura masculina, seja ela o pai ou o marido (PENA, 1980, p. 212)
O trabalho remunerado não pode, portanto, ser compreendido de modo simplista como uma ferramenta de emancipação feminina, já que o sistema patriarcal passa a fazer parte da própria dinâmica do capitalismo ao reforçar o papel doméstico do trabalho feminino, se apropriando da participação da mulher na reprodução da força de trabalho como algo natural, biologicamente definido, e, logo, não remunerado. As mulheres trabalhadoras não passam a dispor automaticamente de autonomia, independência financeira ou política, sendo ainda submetidas às lógicas de imposição do trabalho doméstico, responsabilizadas pelos cuidados com a casa, os filhos, os mais frágeis, e o marido, sendo a ele subordinadas jurídica e socialmente3. Esse papel não foi construído socialmente como um papel desejável pela elite industrial, pela imprensa e tampouco pelo próprio movimento operário. Longe de ser considerado uma ferramenta de modernização social, o trabalho remunerado das mulheres era visto como um “mal necessário” do capitalismo industrial, que prejudicava seu desempenho no “verdadeiro” e principal papel que lhe cabia: o da mãe, esposa, e dona de casa (RAGO, 1985). Segundo Pena (1981, p. 123), “tudo parece indicar que a industrialização no Brasil se desenvolveu utilizando a divisão sexual no interior da classe operária, cuja família patriarcalmente constituída permitia que o trabalho feminino fosse tratado como complementar”. O caráter “temporário” da identidade da trabalhadora feminina se dava justamente nessa “complementaridade”, ou seja, sua função produtiva só seria executada em casos de extrema necessidade, enquanto o marido não fosse capaz de arcar com todas as despesas da família, ou por mulheres solteiras, até que se casassem e tivessem filhos. O espaço é determinante na disputa de poder baseada no gênero, na medida em que, “ao ser desempenhado numa arena de relações sociais na qual as relações econômicas são descaracterizadas e tomam a forma de relações pessoais entre dois indivíduos” , o trabalho doméstico se distingue dos outros tipos de trabalho por ser por ser executado dentro do espaço privado, sendo autogerido, autocontrolado e autodefinido. (KHUN, apud PENA, 1981, p. 73). O espaço privado é, assim, o lugar físico do trabalho, e suas fronteiras são as fronteiras da família. A casa ocupa, nessa dinâmica, um papel central, por representar o limite físico e simbólico desse trabalho, e, portanto, da opressão da mulher na sociedade.
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AGENTES DE OPRESSÃO: o Estado, o empresariado, o movimento operário e a família Os “avanços” das mulheres em direção à esfera pública e os seus desdobramentos na esfera social e política não se deram sem reações contrariadas, sendo consolidados em meio ao que Besse (1999) chama de uma “modernização conservadora da desigualdade de gênero no Brasil”. A autora identifica uma resposta conservadora aos avanços estabelecidos socialmente pelas mulheres, especialmente as da elite, ao penetrarem no mercado de trabalho, e ocuparem espaços inéditos na esfera pública, antes restritos ao campo masculino. Políticos, educadores, e jornalistas protestavam contra o trabalho feminino, julgando-o desmoralizante e prejudicial à manutenção dos bons costumes. A reação dos grupos conservadores a tais avanços consistia em um movimento pela restituição dos valores burgueses em detrimento dos “vícios e dissoluções” que “ameaçavam a ordem social” ligados ao trabalho nas fábricas, restaurando assim os valores relacionados à família, corpo, sexualidade, educação, através da “volta” da mulher ao lar. A definição dos papeis sociais passa a ser legitimada por sistemas de poder sobre os trabalhadores, exercidos pelos empresários, com o Estado e sociedade, alinhados em torno da mentalidade patriarcal vigente, regulando questões como o casamento, a monogamia e a sexualidade. Constrói-se uma nova valorização do espaço doméstico na sociedade industrial, a partir da revitalização da mulher no papel de esposa e mãe (PENA, 1981, p. 129). Enquanto agentes simultaneamente importantes, o Estado, o empresariado, o movimento operário e a família configuram um conjunto de atores que configuram a dupla condição feminina, de trabalhadora e dona de casa. Em termos políticos, a ausência de regulamentação trabalhista e de intervenção do Estado no funcionamento dos regimes de trabalho na indústria favoreceu a absorção das mulheres no mercado de trabalho formal, de modo que ocuparam mais postos de trabalho formal até 1930 do que posteriormente, com a referida legislação protetora já estabelecida. Ainda que houvesse pressões políticas e sociais pela regulamentação do trabalho assalariado desde o início da República, foi somente em 1932, como parte do Código do Trabalho de Getúlio Vargas, que foi promulgado o Decreto do Trabalho das Mulheres, que estipulou a licença-maternidade, proibiu a desigualdade salarial entre os sexos pelos mesmos serviços e o trabalho noturno das mulheres.
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Embora tenha estabelecido a cidadania feminina, que até então era submetida ao homem pelo decreto-base de 1890 e Código Civil de 1916, a Legislação de 1932 acabou por reforçar a família monogâmica e a divisão tradicional das tarefas reprodutivas. Anteriormente, em 1923, já havia sido estabelecido o Regulamento Nacional de Saúde Pública, que facilitava a licença maternidade e propunha a criação, no local de trabalho, de lugares apropriados para a amamentação (Decreto 16.300) e, em 1919, foram conquistados certos direitos trabalhistas das mulheres, relacionados à maternidade e a suas funções reprodutivas (FRACCARO, 2018, p. 14). Segundo Pena (1981, p. 153), “foi em nome das funções reprodutivas da mulher e da instituição legal da maternidade que as principais medidas de legislação respetivamente ao seu trabalho foram tomadas”. Ao serem baseadas na distinção dos papeis sociais pelo gênero, as conquistas na legislação trabalhista, ainda que tenham sido grandes avanços do movimento político operário por melhores condições de trabalho, acabaram significando a defesa do espaço do homem no mercado, estimulando, mesmo que indiretamente, a volta da mulher à esfera doméstica, valorizando sua função reprodutiva e tornando a mão de obra feminina menos atraente à contratação. É curioso notar que essas regulamentações foram implementadas após o estabelecimento da política migratória, ou seja, num momento em que a falta de mão de obra não era mais um problema significativo do campo industrial, desencorajando novas ondas. A partir dos anos 1930, tem-se, então, a redução da força feminina de trabalho na constituição da mão de obra remunerada, em parte pela política migratória como solução do problema da falta de mão de obra, em parte pelas demandas moralistas (simultaneamente defendidas pelo Estado, empresariado e o próprio movimento operário) pelo retorno da mulher ao lar. Se o Estado, em um primeiro momento, assegura a livre participação do mercado nas práticas de “exploração, violência e comportamento predatório” em relação aos homens, mulheres e crianças trabalhadores, em outro, estimula a presença feminina na economia doméstica e seu retorno ao lar. Ao apoiar simbólica e politicamente um tipo específico de organização familiar e intervir diretamente, a partir da regulamentação trabalhista, no relacionamento entre capital e trabalho nas fábricas, o Estado se comporta, portanto, como um dos agentes cruciais nas dinâmicas de opressão da mulher trabalhadora nas primeiras décadas do século XX (PENA, 1981).
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Há que se pontuar, contudo, que as conquistas acima indicadas não foram fruto apenas desse movimento de controle e definição dos papeis de gênero por parte do Estado. Ele é também resultado da participação política das mulheres trabalhadoras que, embora também silenciada ou pouco valorizada, contribuiu de maneira definitiva para as agitações sociais do período de consolidação e formação da classe operária, influenciando partidos, movimentos sociais, a formulação de leis e o estabelecimento de um repertório complexo de atuação do empresariado brasileiro. Deste modo, a implementação de leis que beneficiaram as mulheres pode ser entendida também como uma das primeiras grandes conquistas da classe (FRACCARO, 2018, p. 33). As ligas de bairro foram, nesse contexto de luta, importantes organizações políticas que reuniam diferentes tipos de trabalhadores e contaram com a participação relevante das operárias. Entre elas, tem-se, em 1917, a Liga Operária do Belenzinho, dirigida por Maria Antonia Soares; a Liga Operária da Mooca, formada em sua maior parte pelas mulheres tecelãs do Cotonifício Crespi, (BIONDI, 2011, apud FRACCARO, 2018, p. 43), que iniciam o movimento grevista; seguidas pelas ligas do Ipiranga, Água Branca, Lapa, Brás, Cambuci, Bom Retiro e Vila Mariana. As greves de 1917, iniciadas pelas trabalhadoras operárias do Cotonifício Crespi, rapidamente se disseminaram entre outras fábricas da cidade, resultando no primeiro grande levante popular de trabalhadores urbanos do país4. Como resultado, não apenas representou um marco da luta da classe trabalhadora, mas também resultou em novas organizações da classe patronal em relação às reivindicações dos operários. Apesar de numericamente constituído nas primeiras décadas do século XX por uma maioria de mulheres e crianças, o movimento operário endossou a “intenção disciplinadora de deslocamento da mulher na esfera pública do trabalho e da vida social para o espaço privado do lar”, reproduzindo os ideais burgueses em torno da figura da mulher. Ocupar o espaço da indústria, do trabalho remunerado, “não era um papel decente para uma mulher”, apenas uma necessidade contingente, “lastimável mas inevitável” também entre o movimento operário (WEINSTEIN, 1995, p. 146).
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4 Sobre as greves de 1917, por exemplo, iniciada por tecelãs do Cotonifício Crespi: “Em todas as mobilizações, destacam-se as mulheres. Sua participação é notada, nos discursos de rua, nas reuniões da Liga Operária da Mooca. Quando o delegado do bairro intima grevistas para comparecer à delegacia, nos primeiros dias de paralisação da fábrica Crespi, formam-se duas comissões: de homens e de mulheres” (FAUSTO, 1976, apud RAGO, 1985).
[ 6 ] Operários e operárias da Tecelagem Mariângela, Brás. c. 1910
[ 7 ] Operários e operárias da FIat Lux, 1938.
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[ 8 ] Operárias na ViscoSeda Matarazzo, S. Caetano do Sul, 1931.
Ainda que solicitadas para fazer parte das reivindicações, as mulheres eram comumente deslocadas à posição de subordinação aos líderes do movimento, como filhas, esposas e companheiras5. Para além da falta de disponibilidade, graças à dupla jornada de trabalho, à responsabilidade sobre a casa e os filhos que lhes davam menos tempo para as discussões políticas, tem-se uma forte influência da moralidade machista que permeava o meio político proletariado. Os homens tinham maior liberdade de circulação, maior acesso à informação e, teoricamente, “maior organização entre si”. Segundo Pena, “o próprio movimento operário obstaculizou a participação [das mulheres] nas entidades de classe, sindicatos e no próprio espaço produtivo, demandando o espaço que lhe circunscreveu: o espaço da atividade doméstica e o exercício da maternidade.” (PENA, 1981, apud RAGO, 1985, p. 90). Deve-se ter em mente, assim, os muitos obstáculos enfrentados pelas mulheres na fábrica e também na família, ao utilizarem-se de outras formas de expressões da luta política feminina fora do campo institucional. A figura da mulher trabalhadora não apenas destoava do ideal de mulher frágil, delicada e submissa, mas também representava uma ameaça de abandono de suas funções domésticas, e, principalmente, de ocupação dos postos de trabalho que pertenciam aos homens, ocupando um espaço que era naturalizado como masculino. A fábrica representava a antítese do lar: “suja, insalubre, perigosa”, pouco apropriada para a sua suposta natureza fragilizada e infantilizada. Por essas questões, entre as representações da mulher trabalhadora da sociedade de então, a figura da operária industrial era a mais estigmatizada (WEINSTEIN, 1995, p. 146). A partir dessa distinção, estabelece-se um discurso de defesa do espaço fabril e político como um espaço masculino, valorizando seu trabalho produtivo. Em relação às mulheres, reforça-se, então dentro do próprio movimento operário, o seu papel reprodutivo, reforçando intensificando a atribuição burguesa dos papeis de gênero a partir do uso do espaço como elemento de distinção entre os sexos (RAGO, 1985, p. 95). Até os anos 1950, tem-se uma progressiva “redução de papeis trabalhistas aceitáveis” à representação ideal das mulheres, até que “só seja legítimo o papel da dona de casa” (WEINSTEIN, 1995, p. 144). Somase então a esse conjunto de sistemas de opressão, a família: “instituição ligada à produção da força de trabalho que define as relações de gênero e o funcionamento de seus principais mecanismos, dentro da lógica patriarcal, funcionando como umo sistema dentro do qual os sexos se transformam em gêneros e papeis sexuais” (RAGO, 1985). Essa opressão é exercida pela figura do marido e reafirmada pelo Estado, a partir da legislação sobre casamento, patrimônio, previdência social, etc.
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5 Sobre a infantilização da mulher no movimento operário, Rago (1997, p. 602) destaca o depoimento do inspetor Virgílio do Nascimento sobre uma movimentação das operárias do Cotonifício Crespi, em 1919: “Faziam operárias subirem à tribuna pública e falar contra os patrões e contra as autoridades constituídas. [...] Não tem faltado a eles com sua palavra arrogante e atrevida a operária Penélipe, residente à rua Cavalheiro Crespi, nº 3”.
[ 9 ] Família de moradores do conjunto de casas operárias da Vila Intendência, pertencente ao Grupo de Indústrias Reunidas Matarazzo, no Belenzinho, c. 1940.
6 Termo título da obra da Elisabeth Lobo, 1991.
Não apenas enquanto força de mão de obra, mas também como membros do corpo político, a fragilidade e submissão que são atribuídas à mulher obstaculizam a liderança política do movimento por conta de questões da “natureza feminina” como a falta de combatividade e fragilidade. No entanto, a participação política das mulheres, segundo Rago, apesar de menos documentada, não é menos relevante, e se dá de uma forma mais espontânea e difusa, menos organizada, sobretudo no questionamento da disciplina hierárquica no interior da produção e na reivindicação por melhores condições de trabalho e fim das violências e abusos de poder. A luta das mulheres trabalhadoras é, historicamente, ofuscada pelas lutas da classe contra o capital, e excluída não apenas do movimento operário, como também das narrativas de conquistas do movimento feminista, que fica restrito às mulheres da elite (FRACCARO, 2018, p. 31). O movimento de mulheres, contado por grupos hegemônicos, mulheres brancas e letradas, acabou por configurar uma narrativa distante das lutas das mulheres pobres, das trabalhadoras fabris e das mulheres negras. Nesse sentido, é possível afirmar que “a classe operária tem dois sexos”6, e a relação que se estabelece é de dominação paternalista, moral e pedagógica, que age de forma distinta entre o homem operário e a mulher operária, e é territorializada no espaço doméstico, no espaço do trabalho, e no espaço da cidade.
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capítulo 02
a cidade os bairros operários do além-Tamanduateí: trabalho, moradia e relações de gênero
EXPANSÃO URBANA: a cidade para além da colina histórica
Os bairros do chamado Além-Tamanduateí são historicamente reconhecidos como bairros operários, associados diretamente à ocupação industrial. Ainda que essa associação seja pertinente, dada a centralidade que a indústria ocupou na formação urbana das áreas periféricas da São Paulo do século XIX, esse processo se deu de maneira multifuncional. Graças a dinâmicas socioespaciais e estratégias que serão debatidas de forma mais aprofundada adiante neste capítulo, o caráter misto desses bairros abrigava, além dos usos industriais, usos habitacionais ligados às classes trabalhadoras, e, com elas, outros dinâmicas de serviços, comércio e lazer, a partir das quais uma série de conexões urbanas se estabeleceu. Essa rede de relações públicoprivadas é o campo de estudo da presença das mulheres operárias na ocupação urbana num contexto em que, enquanto trabalhadoras fabris, passaram a frequentar o espaço da rua como agentes sociais, e sua presença na cidade era legitimada, ainda que com ressalvas, pelo caráter remunerado de sua atividade e pela ideia de enobrecimento do indivíduo através do trabalho, pregado pelo pensamento burguês. O trabalho remunerado nas fábricas, portanto, situa as mulheres enquanto agentes sociais participativos nas dinâmicas da cidade, na medida em que passam a ser reconhecidas como personagens ativos, merecedores de certos direitos e papeis sociais visto que estão inseridos na lógica capitalista, ainda que com inúmeras restrições. Mesmo que reconhecida pontualmente, essa presença não é destacada nas narrativas oficiais da história da cidade e, embora fundamental, a contribuição das mulheres foi diminuída dessas narrativas, que se utilizam de um sujeito universal masculino e branco para contar o processo histórico de desenvolvimento da cidade. Nas raras notas de rodapé que a elas se dedicavam, eram mencionadas como personagens de segunda importância, silenciosas e passivas, raramente ligadas às atividades ditas produtivas, mas frequentemente aos espaços domésticos, nos moldes burgueses de distinção sexual dos papeis sociais1. A história desses bairros, usualmente centrada na narrativa da industrialização em massa e no processo de urbanização dela decorrente não evoca explicitamente a contribuição das mulheres, tampouco valoriza sua participação na constituição política dos movimentos sociais da época e nas dinâmicas urbanas do território, que se deu de forma decisiva, como discutiremos adiante. 38
1 Na contramão do discurso historiográfico oficial destaca-se a participação das mulheres no espaço da cidade, especialmente as mulheres pobres e negras, que, como escravas, realizavam tarefas que exigiam o deslocamento entre a casa dos senhores e diversos pontos da cidade, em itinerários e percursos urbanos cotidianos. As mulheres pobres, forras ou livres, o que inclui, até certo ponto, mulheres brancas, exerciam trabalhos como costureiras, bordadeiras, lavadeiras, ou vendedoras ambulantes, ocupando de forma muito particular o espaço das cidades. A presença das mulheres na história da cidade antes das dinâmicas industriais de trabalho remunerado será discutida mais adiante neste capítulo.
BOM RETIRO
BELENZINHO
TATUAPÉ
BRÁS
SÉ
MOOCA CAMBUCI
ÁGUA RASA
IPIRANGA
[ 10 ] e [ 11 ] Os bairros do Além-Tamanduateí inseridos na cidade de São Paulo. 2 Trabalhos acadêmicos importantes foram realizados com a intenção de colocar à luz grupos marginalizados do discurso oficial. Nesse sentido, destacam-se, no Brasil, autoras como Eva Blay (1985), Margareth Rago (1985) e Maria Odila Leite da Silva Dias (1984). 3 Sobre a (não) presença das mulheres na historiografia da cidade de São Paulo, Dias (1980, p. 42) conclui: “Mulheres pobres, socialmente desqualificadas, pertencem ao domínio dos espaços e papéis informais, improvisados, sintomas de necessidades novas e de mudanças estruturais. Não admira que sejam parcamente documentados nas fontes oficiais, que registram de preferência papéis prescritos e valores normativos, próprios do sistema de controle e manutenção da ordem social estabelecida.”
Se a presença das mulheres no espaço público foi tão relevante, porque não são assim retratadas no discurso historiográfico e patrimonial? Muitas autoras se dedicaram ao tema em busca de algumas respostas possíveis, apontando para aspectos da história da cidade que revelam mecanismos de apagamento da importância exercida pela presença das mulheres no espaço público, antes mesmo da sua saída “oficial” do confinamento doméstico, historicizada pela entrada no mercado de trabalho formal que, por vezes, é associada ao processo de industrialização da cidade no final do século XIX, e por outras, apenas na expansão do setor terciário nos anos 1960 e 19702. O espaço público da cidade é historicamente reconhecido como um espaço ocupado por homens, e a existência das mulheres, quando mencionada, é representada por mulheres brancas, membros da alta sociedade, que, salvo raras exceções, surgem como personagens excepcionais que romperam com o enclausuramento doméstico. As mulheres pobres e trabalhadoras, que sempre permearam as várias esferas da vida urbana, são personagens ocultos, cuja invisibilidade se escancara nas narrativas da história3. Esses aspectos, a serem tratados neste capítulo, evocam a perspectiva das relações de gênero na evolução do território urbano, e procuram questionar as lógicas que foram incorporadas nos discursos oficiais da cidade que segregaram as mulheres à história quase exclusiva dos espaços domésticos. 39
A expansão urbana da cidade de São Paulo para além dos limites do núcleo central se deu em meio a um conjunto de intensas transformações das relações econômicas, sociais e políticas que envolveram processos estruturais, como o fim da escravidão (1888), a Proclamação da República (1890), as ondas migratórias e a implantação do regime de produção industrial, instaurando uma nova ordem social a partir das últimas décadas do século XIX. Ao sediar esses processos, a cidade viveu um processo progressivo de urbanização, expansão e crescimento populacional para além dos limites territoriais vigentes até então, ocupados pela chamada Colina Histórica, correspondente ao território entre os rios Anhangabaú e Tamanduateí4. Na área central, desde meados do século XIX já estavam em curso algumas transformações urbanas de projetos de embelezamento e implementação de infraestrutura, como iluminação, calçamento, abastecimento de água, transporte público, espaços públicos livres como praças e jardins, e drenagem de várzeas5. Viabilizadas pela alimentação das contas públicas do capital proveniente da então próspera economia cafeeira (ROLNIK, 1997), até o início do século XX, essas transformações, assim como a maioria dos equipamentos de serviços, se concentravam na zona urbana da cidade. A viabilização desse tipo de investimento foi possível não apenas pela iniciativa estatal, mas também pela intensa participação da iniciativa privada empresarial, que atuou tanto nas dinâmicas do mercado imobiliário, quanto nas atividades urbanizadoras. Segundo Bueno, a elite cafeeira não se restringia à economia rural, mas envolvia-se em uma série de ramos de negócios urbanos que já geravam lucros de capital. Destacam-se também os incentivos estatais a essa participação, por exemplo linhas de crédito como forma de estímulo ao boom imobiliário (BUENO, 2018, p. 196). A produção, comercialização e exploração do café gerou nesta etapa a instalação de um centro financeiro, comercial, administrativo e industrial em São Paulo (BLAY, 1985). As terras suburbanas, principalmente ocupadas pelo que hoje constituem os bairros do Brás, Mooca, Belenzinho e Tatuapé consistiam, até o início do século XIX, em grandes chácaras e sítios, em um sistema ruralizado de ocupação. A partir da aceleração da urbanização, no processo de loteamento e comercialização dessas terras, tem-se tanto a origem de bairros nobres, como Higienópolis, quanto de bairros populares, como no além-Anhangabaú, (Luz e Santa Ifigênia), e no alémTamanduateí, Brás, Mooca e Belenzinho (BONDUKI, 1998). Segundo Blay (1985, p. 48), “a extinção das chácaras através do loteamento vem responder à diferenciação das atividades econômicas voltadas cada vez mais para a produção industrial e à fixação da força de trabalho livre na cidade”. Além das barreiras físicas como a topografia e hidrografia, os serviços urbanos, restritos à zona central, configuraram um conjunto de elementos de segregação urbana, de modo que a cidade a leste e a oeste do rio Tamanduateí eram bastante distintas e desconectadas. 40
4 Sobre o intenso processo de crescimento da cidade, cito Bueno (2018. p. 194): “Só para se ter uma ideia, em 1808 São Paulo tinha 7.000 habitantes vivendo no perímetro urbano. Em 1872 a cifra subiu para 26.040 pessoas e, em função da economia cafeeira no oeste paulista e da imigração, a população explodiu para 47.697 em 1886, 64.934 em 1890, quadruplicando na década seguinte e atingindo, em 1905, 300.569 habitantes e, em 1913, 460.261 cidadãos. Desde então, a população não parou mais de crescer, totalizando, em 1920, 579.000 habitantes, em 1930, 900.000 habitantes e, em 1940, 1.326.261 de indivíduos” 5 Os projetos de remodelação, embelezamento e infraestrutura urbana do período foram largamente implementados nos núcleos urbanos brasileiros, especialmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, baseados no projeto urbano francês do Barão de Haussmann, em Paris do século XVIII. Esse projeto consistia no alargamento de vias, criação de espaços públicos, promoção de marcos monumentais e o consequente arrasamento de núcleos adensados considerados insalubres, fortemente influenciados pelo pensamento racionalista e higienista.
[ 12 ]
1847
N [ 14 ]
N
[ 13 ]
1877
N 1905
[ 15 ]
N
Os mapas acima expõem a evolução urbana dos bairros em questão, marcados com o perímetro tracejado branco. Enquanto nos mapas de 1847 e 1877 o território do além-Tamanduateí não chega sequer a ser representado, os mapas seguintes de 1905 e 1913 já demonstram intensa urbanização.
1913
Nesse sentido, o rio Tamanduateí, e a Várzea do Carmo, (resultado da canalização do rio em 1860), se colocavam como uma barreira física, paisagística e visual, e as terras que ocupavam sua margem leste se distinguiam claramente do centro da cidade6. A construção das ferrovias foi um dos principais fatores de expansão da cidade em direção leste, sendo uma das mais importantes obras de infraestrutura urbana viabilizadas e promovidas pela economia cafeeira. Construída em 1867, a São Paulo Railway, a “Inglesa”, ligava Santos a Jundiaí e, até os anos 1930, detinha o monopólio do importante fluxo interior-litoral do Estado. Foram construídas também a Ferrovia Sorocabana, em 1875 (ligando Mairinque a Santos) e a Estrada de Ferro do Norte, da Companhia São Paulo e Rio de Janeiro, sendo sua estação inicial instalada ao lado da estação Brás da São Paulo Railway. A concentração de tantos eixos importantes de transporte cria em São Paulo um nó de cruzamento das ferrovias e das dinâmicas urbanas por elas introduzidas. Ao impulsionar o crescimento da cidade ao longo dos eixos das ferrovias, a urbanização se dá não apenas ao longo das linhas férreas mas, principalmente, em torno dos pontos de parada, formando núcleos de circulação de pessoas, mercadorias, e capital. Esse tipo de ocupação criou, progressivamente, núcleos estruturadores de expansão física e polos de ocupação de onde irradiaram outros serviços, como pequenas vendas, albergues e armazéns (ANDRADE, 1991). Nesse sentido, tem-se como exemplo o entorno da estação do Brás, ponto de partida da Estrada de Ferro do Norte, que seguia ao vale do Paraíba através da Penha, e que já no século XIX consistia em um importante polo comercial. Como é vastamente discutido na bibliografia de evolução da cidade de São Paulo, a configuração urbana dessas áreas, graças às intervenções propiciadas pela atividade cafeeira, forma um conjunto de circunstâncias favoráveis à implantação do modo de produção industrial. A indústria se expande na cidade nesses territórios estratégicos: terras baratas, vastas, pouco ocupadas, servidas da infraestrutura ferroviária e de disponibilidade de água dos rios Tamanduateí e Tietê. Ao ocupar as antigas chácaras, sítios e terras devolutas, a indústria assume um papel fundamental na definição do uso e da ocupação do solo desses bairros, de sua morfologia, traçado urbano, fluxos e dinâmicas. São Paulo teve, assim, seu desenvolvimento urbano diretamente atrelado ao processo de industrialização, de modo que o espaço é produzido em meio a todas essas complexas transformações, sendo “ao mesmo tempo condicionante e condicionado” (ANDRADE, 1991). Em pouco tempo, essas mudanças se territorializam no espaço tornando os bairros do alémTamanduateí rapidamente adensados, conjurando espaços de trabalho e de moradia. Além da presença marcante das indústrias, a construção de alguns edifícios específicos intensificou o seu desenvolvimento e ocupação. 42
6 Andrade (1991) descreve os bairros do Brás, Mooca e Belenzinho antes da urbanização como um “burgo colonial (...) construído essencialmente em taipa de pilão.(...)”, enquanto a zona central já se modernizava. Essa distinção de desenvolvimento infraestrutural está ilustrada nas imagens 16 e 17.
[ 16 ] Rua Florêncio de Abreu, na região central da cidade, 1902.
7 Andrade (1991) menciona os estudos de Bandeira Júnior ao destacar que, em 1901, a Hospedaria recebia 90% do contingente de migrantes. Entre 1886 e 1906, a cidade recebeu um milhão e 200 mil imigrantes. 8 Segundo Martins (2015, p. 16), em conjunto com outros membros da elite cafeeira, o fazendeiro Rafael Aguiar Paes de Barros criou, em 1875, cedeu parte do terreno de sua fazenda para a construção do Hipódromo da Mooca, localizado à Rua Bresser. O Clube, posteriormente conhecido como Jockey Clube de São Paulo, funcionou na Mooca até 1941, quando foi transferido para a sede atual na Cidade Jardim, por conta dos intensos alagamentos na região e também da desvalorização do terreno em relação a outras áreas da cidade.
[ 17 ] Carroças de padeiros e entregadores portugueses na rua Marquês de Valença, na Mooca, 1941.
Um deles foi a criação da Hospedaria dos Imigrantes, em 1886. Diante da força da onda imigratória subsidiada pelo Estado, a Hospedaria foi criada para acolher e registrar e direcionar os imigrantes que chegavam à capital7. A região hoje ocupada pelo bairro da Mooca foi estrategicamente escolhida para esse fim pela proximidade do cruzamento das ferrovias, tanto em direção às lavouras do interior quando ao litoral. Esse uso impulsionou de forma relevante a sua ocupação: além da relevância óbvia do fluxo de pessoas, muitos dos imigrantes instalavam-se nas proximidades, atraídos pelos baixos preços e pela oferta de emprego disponível por conta do desenvolvimento das fábricas; outros, regressavam do interior, repelidos pelas baixas da economia rural e más condições de trabalho, intensificando ainda mais as dinâmicas sociais e econômicas da região. O leste do Tamanduateí foi a região da cidade com a maior concentração de migrantes, e já era ocupada por trabalhadores pobres vivendo em condições de habitação precária antes mesmo da onda migratória (ANDRADE, 1991). A região da Mooca já tinha certa relevância urbana devido à criação, em 1875, do Hipódromo da Mooca, que se tornou um importante centro de lazer dos paulistanos de alta renda, principalmente das famílias cafeeiras que viviam na cidade. O fluxo de visitantes era tão significativo que foi criada, para atendê-lo, a primeira linha de bonde da Mooca ao Centro, por meio de um ramal da ferrovia que chegava até a estação da Luz8. O conjunto desses fatores favoreceu, portanto, a instalação de um relevante parque industrial nesse território, de modo que “a lógica era instalar as indústrias junto às linhas das estradas de ferro, e foi assim que [a região do] Brás, antigo recanto bucólico, (...), tornou-se o primeiro e, por muitos anos, mais importante bairro industrial de São Paulo (...)” (TOLEDO, apud ROLNIK, 1981, p. 25).
43
[ 18 ]
SENTIDO JUNDIAÍ
RIO TIETÊ (CANALIZADO)
S.P. RAILWAY SOROCABANA
OVIA ASIL FERRD BR AL O TATUAPÉ CENTR
LUZ
BELENZINHO
BRÁS
2
1
3 MOOCA RIO Í
E AT DU
AN
M TA IPIRANGA
SENTIDO SANTOS
N mapa 01 | rede ferroviária LEGENDA cartografia base: 1897 mapa base: 1897 (GEOSAMPA) área de estudo hidrografia retificada ferrovias estações ferroviárias
edifícios em destaque: edifícios do levantamento existentes em 1897 1. Hospedaria dos Imigrantes 2. Hipódromo da Mooca 3. Complexo industrial Rodolfo Crespi
SENTIDO RIO DE JANEIRO
[ 19 ]
área de estudo
N
hidrografia retificada ferrovia
mapa 02 | usos
USOS ind. tecelagem indústria
área de estudo hidrografia retificada ferrovia USOS ind. tecelagem indústria religioso transporte equip. cultural equip. educacional equip. esportivo
religioso transporte equip. cultural equip. educacional equip. esportivo equip. público habitacional ligas operárias
Os mapas aqui apresentados foram construídos a partir do levantamento dos edifícios inseridos dentro do recorte temático, espacial e temporal, elaborado para este trabalho. Em anexo, serão apresentadas as fichas provenientes deste levantamento, bem como maiores informações sobre os espaços em questão, como endereço, ano de construção, arquitetura, estado atual, etc. É importante reforçar que esse levantamento teve por objetivo qualificar a compreensão das configurações urbanas aqui observadas não possuindo, em si, a pretensão de apresentar a totalidade das construções existentes naquele momento. No mapa 01, é possível perceber a relevância da presença das ferrovias no espaço urbano, bem como das estações de parada em torno das quais se consolidam os primeiros núcleos urbanizados da região, o entorno das estações do Brás, Mooca e Belenzinho, Ipiranga e Tatuapé. A evolução do arruamento é definida pela presença das indústrias, que delinearam a implementação das grandes vias, ruas secundárias de acesso e conexões urbanas com os pontos principais de escoamento ferroviário, de acordo com as suas necessidades. O mapa nos permite compreender, também, as diferenças no grau de urbanização da área central, já bastante consolidada e adensada, em comparação com as regiões mais periféricas da cidade naquele momento, que consistiam em terrenos maiores, de ocupação mais esparsa, que, como vimos, passariam, dentro de poucos anos, por um processo acelerado e intenso de urbanização. No mapa 02, se expressa a espacialização da variedade de usos do solo discutida anteriormente, que incorporou funções espaciais bastante distintas além da industrial, como habitação, de serviços, lazer, sociabilidade e equipamentos públicos, atraídos pela proximidade das fábricas em plena expansão. Destaque especial se atribui, claramente, para a presença das fábricas, em particular das tecelagens que, como vimos, formavam um setor de extrema relevância para este momento específico da industrialização, se distribuindo no território entre três núcleos aqui estudados: no Brás, reunindo o grupo Matarazzo com a tecelagem Mariângela, e a Fábrica Sant’Anna de Juta; outro no Belenzinho, composto pela Fábrica Boyes, a Tecelagem Belenzinho, também do grupo Matarazzo, a Fábrica Maria Zélia e o Cotonifício Paulista e, por fim, outro na Mooca, composto pelo Cotonifício Crespi, tecelagem Aramina, entre outros. O mapeamento desse setor industrial em particular nos permite elaborar hipóteses mais claras sobre a presença das mulheres operárias na cidade nesse momento específico, assim como os percursos e as dinâmicas urbanas que realizavam em torno dos mais variados usos, cotidianamente, permeadas entre a esfera doméstica e a esfera pública da cidade. No mapa 03, a seguir, percebe-se essa ocupação urbana, já em 1926, bastante avançada e mais concentrada na porção oeste desses territórios. Compreende-se assim que os processos de urbanização e instalação de indústrias se deram progressivamente, partindo das áreas mais próximas dos centro, avançando em direção leste. 46
[ 20 ] Panorama da região do Brás, sem data. Percebese o aproveitamento intensivo das quadras e a coexistência das fábricas com edifícios institucionais, residências, comércios e galpões industriais.
[ 21 ] A estação ferroviária do Brás em 1951. É notável a presença da indústria na paisagem de entorno das ferrovias.
“Em São Paulo, não se formaram áreas tipicamente industriais, exclusivamente ocupadas por fábricas. Sendo o parque industrial paulistano caracterizado pelo predomínio de fábricas de tamanho médio e pequeno, destinadas principalmente à transformação, o que se presencia é a intercalação de estabelecimentos fabris no meio de residências proletárias e, consequentemente, o aparecimento de verdadeiros bairros mistos, industriais e residenciais ao mesmo tempo.” (PETRONE, apud VITORINO, 2008.)
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[ 22 ]
mapa 03| levantamento cartografia base: 1926 mapa base: 1926 (APESP) área de estudo hidrografia ferrovia estações ferroviárias edifícios levantados por ano de construção 1867 - 1875 1875 - 1890 1890 - 1901 1901 - 1908 1908 - 1913 1913 - 1917 1917 - 1921 1921 - 1925 1925 - 1952
N
49 1952 - 1982
A chegada da industrialização nos bairros então periféricos é pautada na segregação espacial da cidade, ocupando terras desvalorizadas e trazendo consigo um contingente populacional majoritariamente de baixa renda. Consequentemente, a dimensão público-privada ganha importante relevância na leitura desses espaços. Anteriormente ao surto industrial, a zona urbana paulistana era pouco dividida, agregando, simultaneamente, casas senhoriais e populares, comércios, armazéns, marcada pela presença dos escravos em um tipo de ocupação adensado que se contrapunha à territorialidade dada pelas chácaras da zona periférica, resultantes das sesmarias rurais do século XVIII. As distinções sociais, até o final do século XIX, exprimiam-se no espaço urbano e no espaço doméstico basicamente pelas relações de escravidão, marcadas pela dominação e violência e baseadas no discurso racista e etnocêntrico (ROLNIK, 1997, p. 27). Segundo Rolnik (1997, p. 28), com os loteamentos das chácaras e e mercantilização da terra urbana que se dão em paralelo à industrialização, a segregação passa a ser “determinante para a fixação de valores no mercado imobiliário e para a expressão política da disputa do espaço pelos grupos sociais”. A espacialização dos diferentes aspectos da vida cotidiana colocam em conflito as questões de delimitação do espaço da rua e da casa. Por isso, segundo a autora, esse foi o grande tema do primeiro conjunto de leis urbanísticas da capital - o Código de Posturas de 1875. O Código trazia como objetivo a organização dos limites de público e privado, por exemplo, no que diz respeito às regras de alinhamento das novas ruas e de muro dos terrenos (ROLNIK, 1997, p. 32). A oposição casa-rua já se colocava como um aspecto fundamental da vida da cidade ao longo dos séculos XVIII e XIX, definindo os papéis e as hierarquias sociais. Rolnik cita a historiadora Maria Odila Leite da Silva Dias9 ao evocar a distinção de gênero imposta pelo modelo de cidade que existia na fase anterior à industrialização, que pressupunha a “clausura das senhoras como um costume imposto pelo espaço ainda precário”, em que a rua se apresentava como um espaço sujo, perigoso, amontoado e insalubre, campo dos perigos e da corrupção de valores, em contraposição à segurança, à harmonia e ao recato presentes no espaço doméstico10. O recolhimento das mulheres ricas em conventos, prática frequente nessa época, reflete o ideal de reclusão feminina, de modo que as mulheres, na elite, eram sistematicamente excluídas da vida pública e associadas por valores calcados nas diferenças biológicas, que definiam socialmente seu papel, exclusivamente no espaço doméstico. Se, por um lado, às mulheres ricas era socialmente imposta a clausura no espaço doméstico e a oposição entre a casa e a rua como, de um lado, o lugar de paz, segurança e harmonia, e de outro, o lugar de perigos, riscos e corrupção de valores, às mulheres negras e pobres o espaço da rua era a única alternativa de sobrevivência. Dias destaca as especificidades da situação de pobreza e miséria para as 50
9 A historiadora Maria Odila Leite da Silva Dias se destaca como uma das pioneiras na inserção de perspectivas do cotidiano e da vida popular à historiografia, evocando as contribuições de agentes historicamente marginalizados por questões raciais e de gênero. 10 “A cidade, na época da independência, estava longe de favorecer hábitos de convívio burgês: fora um passeio público mal consolidado, somente as ocasiões de procissão, te deums e festas cívicas animavam a vida social. A tão propalada clausura das senhoras era um costume imposto pelo espaço urbano ainda precário, onde homens armados, tropeiros e seus camaradas improvisavam disparadas a cavalo e tiroteios; rente ao muro das casas, amontoava-se o lixo; as ruas eram espaços de escravos e escravas domésticos levando os “tigres”, buscando água nas fontes, com muito vozerio, às vezes com arruaça e brigas de faca. (...) Os viajantes interpretavam a ausência de mulheres da classe dominante como um sintoma de costumes patriarcais, do serralho oriental.” (DIAS, 1984. p. 68).
[ 23 ] Lavadeiras às margens do rio Tamanduateí, em 1904, próximo à antiga Ponte do Carmo, que fazia a ligação da Ladeira do Carmo com o Caminho do Brás (atual av. Rangel Pestana).
11 A autora continua: “Além da hierarquia da pobreza ditada pela cor, existia também a dos ofícios, entre os quais os de lavadeiras e vendedoras pareciam mais desprezados. Figuras recorrentes na cidade, foram descritas por Debret, que as representou com suas trouxas de roupas “percorrendo a clientela e indo nas chácaras e rios lavar”. Batiam as roupas nos tanques junto aos chafarizes públicos da cidade, e também nas margens do Tamanduateí, junto à várzea do Carmo. (DIAS, 1984, p. 176).
mulheres: poucas eram assalariadas, a mão de obra feminina não era formalmente adotada. Exerciam, portanto, ocupações informais de remuneração bastante baixa, como lavadeiras, vendedoras ambulantes, ou fiandeiras, tecelãs e bordadeiras, discutidas no capítulo anterior. O espaço urbano, tão negativamente representado no imaginário cultural de então, campo de todos os males sociais, era justamente o “espaço social das mulheres pobres, livres, forras e escravas, e o palco de improvisação de sua sobrevivência precária” ao contrário das mulheres da elite (DIAS, 1983, p. 31). Dias destaca, nesse sentido, o trabalho e a presença das lavadeiras na apropriação das margens dos rios da cidade, especialmente do Anhangabaú e Tamanduateí, que eram ainda mais marginalizadas e empobrecidas, por ser reconhecido como um “ofício próprio de escravas e forras”11. As vendedoras ambulantes também eram, em sua maioria, mulheres negras, e eram descritas pelos viajantes: “negras de tabuleiro ou vendedoras de vinténs, negociando aluá, angu, bananas, café, milho verde, paçocas” (DIAS, 1984, p. 177). Entre as mulheres pobres com um pouco mais de posses, normalmente brancas, era frequente a comercialização de produtos naturais de coleta de subsistência, ou seja, escassos excedentes de produções caseiras, possíveis graças à estrutura ruralizada das periferias de então, que permitiam pequenas hortas e currais, e até mesmo a pesca. Sobre a representação das mulheres pobres trabalhadoras, em histórias populares, na imprensa da época, ou mesmo entre discursos oficiais, as tarefas cotidianas da pobreza feminina assumiam ares de bruxaria: “sobreviver, nas duras condições do dia-a-dia, parecia tarefa 51
[ 24 ] Mulheres na cidade: vendedoras de verduras e transeunte, no Pq. Dom Pedro, c. 1910.
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insana, que se realizava através de contatos mágicos e com intervenções sobrenaturais” (DIAS, 1984, p 180). Sobre esse tema Silvia Federici debateu profundamente ao analisar a associação entre a figura das “bruxas” com mulheres pobres, à margem do sistema, personagens recorrentes do espaço público. A autora descreve os processos que culminaram no surgimento dessa representação, assim como seu repúdio, que coincidem com o surgimento do capitalismo e com as profundas transformações sociais que o acompanharam, sendo o principal deles a divisão sexual do trabalho que confinou as mulheres aos espaços do trabalho reprodutivo (FEDERICI, 2017). A resistência da sociedade à presença dessas mulheres no espaço público, para além das representações e dos estigmas, se concretizou com medidas de “prevenção burguesa” ao trânsito dessas personagens nas ruas da cidade, sendo proibidas de ocupá-las pela polícia e sofrendo com o aumento dos impostos sobre as quitandas. Além das vendedoras, também as lavadeiras foram marginalizadas, especialmente por conflitos expostos pelos sanitaristas, sendo proibidas de lavarem em chafarizes públicos ou próximos às pontes (DIAS, 1984, p. 176). Dias complementa, ainda, a importância das ferrovias na transformação dos sistemas locais de abastecimento da cidade dos quais essas mulheres participavam ativamente, e sua interferência sobretudo nas pequenas comerciantes e ambulantes, que “recuavam das ruas do centro para os novos limites da pobreza urbana” (DIAS, 1984, p. 185). Em outras palavras, além da configuração do território que ocupavam e das dinâmicas de trabalho, pouco mudou para essas personagens: poucas mulheres negras forras ou mesmo brancas miseráveis foram absorvidas pelas novas fábricas que preferiam as recém chegadas imigrantes, sendo expulsas aos novos bairros pobres da cidade, ocupando cortiços e habitações precárias, exercendo atividades ainda pior remuneradas do que as operárias, e seguindo “à margem do poder e ausentes da história” (DIAS, 1984, p. 185).
[ 25 ] [esq.] Mulheres vendedoras nas proximidades do mercado dos Caipiras, na região do Parque Dom Pedro II, São Paulo, c. 1910. [ 26 ] [dir.] Mulheres vendedoras também na região do Parque Dom Pedro II, São Paulo, c. 1910.
Como foi discutido, as rápidas transformações colocadas pela indústria criam conflitos estruturais que reforçam a associação da rua e do espaço público a um imaginário do lugar da libertinagem, da devassidão, da sujeira e da imoralidade, em contraponto ao espaço doméstico, que representava a paz, a segurança, a harmonia e o conforto (CARVALHO, 2008). Rolnik aponta para a consolidação da moral burguesa junto ao processo de urbanização, a partir da qual cria-se uma dicotomia da organização social do espaço que determina as diferenças de significado que os espaços públicos e domésticos representavam para homens e mulheres. Para as mulheres, a rua era “onde se poderia perder a virtude, desgraçando-se”, onde estariam expostas a todo tipo de imoralidade e riscos de subversão moral e física. Para os homens, havia uma conotação moral de liberdade ligada ao espaço urbano, de modo que “sair em público era a possibilidade de livrar-se da repressão e do autoritarismo da respeitabilidade encarnados na figura do marido e pai” (ROLNIK, p. 1997, p. 34). As profundas mudanças colocadas pela virada do século se difundem por esse imaginário sobre a rua, que passa a adquirir novos papeis simbólicos por conta das novidades infraestruturais. As novas dinâmicas de segregação do espaço redefinem o espaço público dentro dos parâmetros da “respeitabilidade burguesa”. Os esforços de modernização desse espaço (iluminação a gás, o saneamento, calçamento, etc.) se refletem nas políticas urbanísticas da época, o que consequentemente se repercute no reforço da demarcação dos limites da casa e da rua, da vida pública e da vida privada, e em distinções mais rígidas dos espaços baseadas nas relações de gênero (ROLNIK, p. 1997, p. 35). Em termos urbanos, esses limites se relacionavam com a proximidade das vilas operárias aos espaços industriais, que além de vantajosa economicamente por concentrar e fixar a oferta de trabalho, de consumo e produção, definia, indiretamente, a presença da classe trabalhadora nos percursos entre a casa e a fábrica, estabelecendo parâmetros para suas práticas do morar, trabalhar, consumir, descansar e ocupar os espaços na cidade. 53
O parque industrial do Brás, Mooca e Belenzinho, como vimos, teve como característica a “multiplicidade de diferentes ramos industriais e a concentração de uma população operária trabalhando e residindo nestes bairros [que] formam uma imagem do que eram os bairros na Zona Leste da cidade” (BLAY, 1985, p. 261) e configurou uma paisagem relativamente mista, em uma rede urbana plural de linguagens arquitetônicas, usos, fluxos e relações diversificadas. O Cotonifício Crespi, como veremos, é um exemplo desse tipo de implantação, esparsa e mista. É importante destacar, nesse sentido, a presença das mulheres dos setores médios, que participavam ativamente das relações sociais estabelecidas por pequenos comércios, vendas e serviços. Além disso, eram ativas na participação do mercado imobiliário, construindo casas de aluguel destinadas às populações trabalhadoras (REIS, 2017, p. 5). O objetivo deste trabalho é, resgatar, justamente nessa articulação entre as esferas pública e privada da vida cotidiana, geradas pela confluência do mundo doméstico e do mundo do trabalho, a expressão das relações de gênero na cidade e na arquitetura. Os territórios dos bairros além-Tamanduateí, nesse ponto, se apresentam como um caso privilegiado nos estudos das relações de gênero com a cidade na medida em que foram o palco do rompimento de uma série de convenções sociais sobre os papeis destinados a homens e mulheres, ao sediarem as primeiras indústrias da cidade que, por razões já desenvolvidas, empregaram maciçamente a mão de obra feminina remunerada, que, por sua vez, participou ativamente das dinâmicas sócio-políticas da época, participação que, ainda que reconhecida, não seja aprofundada na narrativa historiográfica da cidade. O momento histórico de formação dos bairros operários da Zona Leste de São Paulo, portanto, coincide com a efervescência e transformações das relações domésticas e de trabalho, permitindo assim uma análise articulada entre as relações de gênero com a cidade a partir das intersecções entre o espaço da casa e os espaços urbanos. Com a finalidade de investigação dessas relações entre gênero e espaço nesse recorte, aumenta-se a escala para um núcleo específico. No caso do complexo do Cotonifício Crespi, tem-se um caso potencial de investigação: trata-se de uma das maiores fábricas do estado de São Paulo no período inicial de industrialização de atividade têxtil, o que significa o emprego majoritário de mão de obra de mulheres, e a espacialização das dinâmicas urbanas aqui discutidas: a indústria, como espaço do trabalho formal e remunerado das mulheres, palco de sua intensa luta política por direitos; a vila operária Rodolfo Crespi e as lógicas de domesticidade impostas ao trabalhador a partir da habitação; e, finalmente, a creche, como resultado espacial e arquitetônico da interpolação dessas dinâmicas, e de uma nova demanda social pautada pelas convenções sociais atribuídas ao gênero, que permitiria a realização, fora do espaço da casa, do trabalho doméstico dedicado ao cuidado dos filhos nos momentos em que, enquanto operárias fabris de longas jornadas de trabalho, essas mulheres já não poderiam mais cumprir. O estádio de futebol Rodolfo Crespi, atual estádio do Juventus, nesse sentido, é mais um elemento do complexo de edifícios ligados ao Cotonifício que fazia parte dos percursos cotidianos dos operários, articulando a empresa ao trabalhador não apenas através do trabalho, mas também pela esfera do lazer12. O novo espaço ofertado por Rodolfo Crespi representa mais uma ferramenta da política paternalista em voga pelos empresários, que buscava amenizar a rigidez da figura do industrial e o descontentamento dos trabalhadores. Representa também um espaço importante na compreensão das relações de gênero territorializadas nesse momento: enquanto os homens usufruem de um equipamento para as horas vagas em que não estivessem trabalhando, o mesmo não se equivale para as mulheres. 54
[ 27 ] Mercadinho de Vila Oratório, na rua do Oratório, Mooca, na década de 1930, que exemplifica a multiplicidade de usos do território, ocupado, além das fábricas e das habitações de operários, por profissionais liberais e comerciantes.
12 Construído em 1925 pela família Crespi, foi destinado aos operários da fábrica, que já haviam fundado uma equipe e praticavam em um campo de várzea na região.
O espaço destinado às mulheres operárias dentro da política paternalista corresponde à creche, atribuindo diretamente a elas o encargo dos filhos, servindo como um mecanismo a responder às demandas sociais impostas pelas lutas políticas das mulheres trabalhadoras e possibilitar o trabalho feminino na fábrica. Desse percurso formado pelo conjunto casa, trabalho, creche e estádio tem-se um objeto importante de estudo das relações espaciais de gênero na cidade. Estudos relevantes vem sido realizados nesse sentido, identificando as lógicas existentes entre a mobilidade urbana e as relações de gênero, através das dinâmicas urbanas percorridas por homens e mulheres no território. Santoro (2008) indica, nesse sentido, a importância da questão do cuidado e do trabalho doméstico, historicamente atribuídos às mulheres: a elas, ficam as responsabilidades do cuidado com as crianças, com os mais velhos, com familiares enfermos, com a casa. Os trajetos traçados na cidade, pelas mulheres, são, ainda hoje, mais complexos, já que, além do percurso casa-trabalho, incluem mais uma série de pequenas paradas, como o transporte de ida e volta da creche/escola dos filhos, eventuais retornos para amamentação ou situações de emergência, parada em algum comércio cotidiano, a visita a um parente idoso, a ida ao supermercado, etc. A reconstituição desse percurso, a partir do estudo de caso do Complexo Crespi e de suas operárias, nos dá pistas sobre como as dinâmicas de conexões urbanas organizadas através do gênero se estabeleciam nesse momento e determinavam os fluxos e a apropriação da cidade. Tem-se, territorializada, a interpolação entre as relações de trabalho e cuidado, que passam pelo processo de divisão sexual de atribuições e criam hierarquias desiguais entre os papeis sociais, familiares, profissionais, e políticos. 55
BRÁS
BRESSER MOOCA BRÁS
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MOOCA
N [ 28 ]
diagrama | percursos urbanos em torno do Complexo Crespi [ 29 ]
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1
N
mapa 04 | vias estruturais e o Complexo Crespi Radial Leste Linha de metrô Linha de trem
1. Creche Marina Crespi 2. Estádio Conde Rodolfo Crespi 3. Vila Rodolfo Crespi 4. Cotonifício Crespi
O PROJETO HIGIENISTA o corpo, a cidade e a casa
Se em um primeiro momento a rápida expansão da cidade se desenvolve de maneira relativamente desvinculada da intervenção do Estado, baseada principalmente na livre apropriação capitalista e exploração do solo urbano, logo a provisão de infraestrutura pública e a regulamentação de parâmetros de produção do espaço público e privado, tornam necessária a atuação das autoridades estatais. A consolidação da indústria, o aumento da população urbana, a falta de espaços de moradia, de infraestrutura e os sérios problemas urbanos que surgiram em torno dessas transformações fomentaram a emergência da regulamentação do campo arquitetônico e urbanístico, que pautaria a construção das novas cidades como um projeto republicano de recomposição e reorganização da nação brasileira. Esse ideal era baseado em preceitos do saber médico e científico, que, a partir de teorias técnicas sobre os problemas urbanos e sanitários da cidade, em voga nas cidades europeias, estipulavam medidas para sanar essas questões como a drenagem de águas paradas, limpeza dos ambientes, circulação de ar, iluminação solar, etc., e influenciou diretamente a ação dos arquitetos e engenheiros responsáveis pela consolidação dos espaços urbanos, livres e construídos. Até então alheia a parâmetros de ocupação urbana, normas construtivas e planejamento infraestrutural, a produção do espaço na cidade passou a ser regulamentada pela ação dos higienistas, que pautou de maneira muito profunda as relações espaciais urbanas e domésticas, não apenas no que diz respeito a normas técnicas de produção do espaço, mas também na “demarcação precisa dos espaços de circulação dos diferentes grupos sociais” (RAGO, 1985, p. 215). Todo esse conjunto de atores, fortemente conduzido pelo discurso sanitarista, atuou como uma ferramenta de difusão e legitimação da autoridade das elites sobre os arranjos sociais dos espaços urbanos (GENNARI, 2018, p. 136). Em termos urbanísticos, o moralismo elitista aliado ao racionalismo em torno das informações científicas sobre as formas de transmissão e cura de doenças (ainda em processo de consolidação) propuseram a associação entre os males sociais como a insalubridade, promiscuidade e sujeira às habitações das populações pobres. Carregada por um forte viés discriminatório contra a população de baixa renda, julgava-se que as más condições higiênicas e sanitárias sob as quais viviam os habitantes pobres da cidade se davam exclusivamente pela sua ignorância e falta de informação, desconsiderando os complexos fatores sociais e econômicos que a eles se impunham involuntariamente. A falta de acesso a infraestrutura urbana de água e esgoto, atendimento médico, itens de limpeza e higiene e espaços salubres de moradia foi historicamente imposta a populações vulneráveis a partir da segregação sistemática dos serviços e espaços urbanos, pelo valor da terra e pelas desigualdades sociais, que se estende até os dias de hoje. Justificada pela visão higienista, é colocada em prática a estratégia de disciplinarização da população trabalhadora que consistia não apenas na produção e regulamentação da habitação operária, claramente evidenciada na tipologia das vilas, mas também na reorganização dos arranjos familiares e das formas de lazer e uso do espaço urbano (GENNARI, 2008, p. 246). Nesse sentido, os hábitos cotidianos de higiene assumem um papel primordial na implementação dessa estratégia, e a habitação se torna o espaço central de materialização desse novo projeto.
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13 Segundo Andrade (1991), em 1884, com as obras da Companhia Cantareira, o Brás foi integrado à rede geral de água e esgoto, mas não se beneficiou dos serviços da mesma maneira. Porém, devido a certas dificuldades práticas de bombeamento a pontos mais altos e poluição das águas, o Brás é excluído do sistema em 1898. O Brás, a Mooca e o Belenzinho permaneceram por muito tempo nas zonas “em projeção” de ampliação das redes de saneamento.
A crise habitacional é, então, diretamente associada aos conflitos sociais postos pela explosão demográfica e industrial como as epidemias e a marginalidade, e estrategicamente inserida no discurso sanitarista. Nessa estratégia, que se consolida nas primeiras décadas do século XX, “os cortiços e as estalagens eram combatidos sob a égide da moral e da higiene urbanas, em especial nas áreas mais valorizadas da cidade” (GENNARI, 2018, p. 139). Para além da escala habitacional, a implementação do projeto sanitarista passava necessariamente por demandas por infraestrutura de escala urbana, levando o tema a ser debatido em termos políticos e legislativos, e evocando a necessidade de projetos públicos de intervenção, como redes de saneamento e de acesso à água encanada, obras de drenagem, canalização de rios e abertura de vias: “cidade e habitação eram fatores indissociáveis no sistema de higiene urbana” (PAULILLO, 2017, p. 27). O projeto de ampliação desse sistema também fazia parte dos objetivos de desenvolvimento econômico da burguesia paulista, a partir da viabilização de desenvolvimento da indústria e do comércio inserindo a capital nos moldes de modernidade que vigoravam naquele momento, seja pelas obras de urbanização e infraestrutura ou pelo caráter de embelezamento (PAULILLO, 2017, p. 48). Como já foi apontado, esse processo iniciou-se já em desvantagem na medida em que, nos primeiros esforços de ampliação da rede de abastecimento, os núcleos urbanos periféricos já consistiam em populosas aglomerações, obviamente em condições precárias. A oferta de infraestrutura urbana, portanto, não acompanhou a ocupação desses territórios, de modo que, ainda em condições sanitárias bastante precárias, sem rede de esgoto ou fornecimento de água encanada, o Brás, por exemplo, já era, em 1870, o bairro mais populoso da cidade (ANDRADE, 1991). Juntamente com a região do Belenzinho, além da complexidade imposta pela grande concentração de pessoas vivendo em péssimas condições sanitárias, esses bairros apresentavam desafios técnicos ainda maiores para a implementação de obras de infraestrutura urbana por conta de seu relevo baixo e por configurarem zonas de várzea13. Em São Paulo, em 1891, a demarcação do perímetro urbano da cidade significou, em termos sanitários, as áreas de abrangência dos impostos prediais, e por consequência, o alcance de serviços de abastecimento. Em seguida, o Código Sanitário de 1894, implementado pelo governo estadual, tratou mais profundamente dos temas de higiene e saneamento, que até então, era de responsabilidade das prefeituras municipais, pressionado pelas epidemias de febre amarela e outras doenças pelo estado. (ROLNIK, 1997, p. 38). Fora do perímetro urbano se permitiam instrumentos individualizados, como fossas e cisternas, o que demonstra a inaptidão do Estado em prover saneamento às áreas periféricas, ainda que fossem densamente povoadas. 59
As indústrias, ao contrário da população de trabalhadores que vivia em condições precárias, resolviam parte da questão do abastecimento por iniciativas próprias, a partir de tubulações individualizadas diretamente ligadas aos edifícios das fábricas, desviadas do rio Tietê ou mesmo por poços artesianos particulares14. Não foram encontrados detalhes sobre os meios de abastecimento do Cotonifício Crespi antes das obras urbanas, no entanto, o mapa apresentado por Paulillo (2017, p. 63), mostra que o serviço de água e esgoto se estende até a localização das fábricas do Cotonifício, demonstrando a influência da presença industrial para a determinação das obras infraestruturais.
14 Segundo a Andrade (1991), a Fábrica Sant’Anna de Juta, inaugurada em 1889, se abastecia com água transportada por tubulações de ferro desde a captação na Mooca, a 4km, de terras do proprietário da fábrica. A fábrica Bavária, construída em 1894, fazia a captação através de poços artesianos.
[ 30 ] Planta da cidade de São Paulo com a demarcação do perímetro urbano e as redes de água e esgoto em 1900 e 1901.
Complexo fabril do Cotonifício Crespi (intervenção da autora)
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[ 31 ]
mapa 05 | rede de esgoto
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cartografia base: 1929 mapa base: 1929 área de estudo hidrografia ferrovia estação ferroviária edifícios levantados construídos até 1929
Complexo fabril do Cotonifício Crespi 61
O MORAR vida doméstica e habitação operária A estratégia de disciplinarização da figura do trabalhador a partir dos ideais racionais, higiênicos e sanitaristas tinha como ferramenta central a discussão sobre a habitação popular, que se torna o elemento a partir do qual o sanitarismo penetra na vida cotidiana dos trabalhadores urbanos transformando seus modos de vida, redefinindo suas relações familiares e fornecendo à política de controle do Estado e das elites “os meios legais e institucionais para cumprir tal missão” (ROLNIK, 1997, p. 42). Nesse sentido, é interessante apontar o elemento contraditório presente na normatização sobre a produção das vilas operárias. Ainda que se justificassem no modelo higiênico para as populações pobres, foram sistematicamente destinadas à porção do território desprovida de infraestrutura de água e esgoto endossadas pela isenção de impostos. Desconectadas da responsabilidade do Estado, que reforçava a construção de casas populares nessas áreas, essas medidas reforçam o caráter segregacional da produção da cidade, promovendo a ocupação de certas áreas antes mesmo da chegada dos serviços urbanos necessários. A casa assume, ainda assim, um papel central nos processos modernizadores ao representar uma ferramenta de construção e implementação das novas ordens pública e privada para a população de trabalhadores urbanos, ao mesmo tempo em que sanaria as significativas demandas habitacionais da cidade. Foi uma convergência entre os conflitos principais da época, desde sua ideia e concepção (o projeto) até sua concretização (a forma), passando necessariamente por sua inserção espacial (física e social) e seu papel (como objeto de disputas políticas e ideológicas). Sob o mote de modernizar as relações públicas e privadas, esses conjuntos colaboraram para a conformação das paisagens urbanas das grandes cidades brasileiras e para constituir uma “unidade da morfologia física e social de trechos da cidade, própria da ideia de bairro” (GENNARI, 2018, p. 134). Destaca-se, nos mecanismos disciplinadores, o processo de “deslocamento conceitual em que se cria um campo de dimensão simbólica do real sobre a questão da habitação” (RAGO, 1985, p. 190). Em outras palavras, o projeto racionalista e higienista das elites do período parte da problematização da habitação popular, a partir da qual se discute as questões morais e regeneradoras dessa população. O projeto civilizatório, cujo objetivo era facilitar a gerência e a dominação da vida dos trabalhadores, torna-se, assim, incontornável para os estudos sobre a história da arquitetura e do espaço urbano, por terem sido aplicados de maneira sistemática justamente no momento em que a cidade se formava. Assim, “a problemática da habitação popular é utilizada como pretexto para a aplicação de regimes disciplinares 62
[ 32 ] Mulheres em cortiço na Mooca, sem data.
[ 33 ] Cortiço no Brás, 1947.
“Que melhor espaço senão a vila operária para a mulher realizar sua vocação sagrada e natural, recolher marido e filhos dos perigos da rua?” (Dr. J. Monteiro Almeida, 1915, apud. RAGO, 1985, p. 240)
de espacialização dos corpos, desde o espaço urbano até o interior da casa, de modo a facilitar a gerência da vida dos dominados até mesmo em sua intimidade” (GENNARI, 2018, p. 249). Rago (1985) destaca a a importância que o projeto sanitarista atribuiu à figura das mulheres, já que, entre o papel da mãe, esposa e dona de casa, eram sistematicamente responsabilizadas pelas tarefas do espaço doméstico, atribuições essas que se interpolam à figura da mulher trabalhadora. Historicamente vinculada aos espaços domésticos, e, quando não, diretamente associada à degeneração moral e física, a identidade feminina e suas atribuições sociais foram incorporadas à disciplinarização sanitarista na medida em que seguia responsável pela gestão higiênica e racional da dimensão doméstica da vida. As transformações urbanas e arquitetônicas implementadas por esse projeto reconfiguram espacialmente os espaços domésticos e estabelecem novos parâmetros de sociabilidade. Invariavelmente, reforçam as distinções sexuais do espaço e enaltecem a figura feminina como a “salvadora do lar”, dedicada, disciplinada e passivamente preocupada com a higiene e a saúde da casa e da família (CARVALHO, 2008). O reforço do papel doméstico das mulheres, nesse contexto, não se flexibiliza com o aumento da presença nas fábricas, e as operárias, como foi discutido no capítulo anterior, não se desvinculam das obrigações domésticas ao penetrarem o mundo do trabalho remunerado. 63
[ 34 ] e [ 35 ] Vila Intendência, do grupo Matarazzo, Belenzinho, 1947.
Tendo em vista esse conjunto de ideais para os agentes formadores da nova sociedade brasileira, industrializada e moderna, o conjunto urbano consolidado nesse período se baseia no que Rago chama de “arquitetura da vigilância”: cada uma das esferas da vida cotidiana do trabalhador está inserida em uma lógica sistemática de controle sobre a ordem social, que implementava instrumentos de “internalização da vigilância” dos patrões e das autoridades sanitaristas, e imposições dos padrões de vida estabelecidos. Da casa à fabrica, da vida pública ao mais íntimo lugar do cotidiano, os instrumentos hierárquicos são estruturalmente impostos e internalizados. A alta demanda por habitação popular na cidade crescia exponencialmente em torno da presença das indústrias. O lucro obtido com a atividade industrial, o potencial de alta rentabilidade da produção de habitação em torno de bairros operários, as terras baratas e o crescimento demográfico dos trabalhadores urbanos são alguns dos fatores que propiciaram a implementação de um tipo específico de espaço de habitação: as vilas operárias15. São tipologias habitacionais amplamente debatidas na historiografia, sendo marcos paisagísticos, construtivos e urbanísticos na morfologia paulistana, além de refletirem as práticas e valores simbólicos em voga em torno da vida doméstica da classe trabalhadora16. As “vilas operárias” foram um tipo de produção habitacional amplamente difundido na cidade de São Paulo por ser vantajosa para os mais variados tipos de investidores. Havia o investidor particular, normalmente algum tipo de profissional liberal com capital excedente, que era aplicado nesse tipo de construção já enquanto investimento imobiliário, e, além dele, o empresário industrial, que, além de ter todas as vantagens de um investidor particular, se apropriava da dinâmica de demanda por moradia para exercer o poder de controle sobre o operário (VITORINO, 2008). De maneira geral, seu sucesso e difusão deve-se ao fato de se tratar de um modelo extremamente rentável, pelos terrenos baratos 64
15 O termo “vila operária” vem sido problematizado em trabalhos acadêmicos que tratam da questão da habitação popular no Brasil, justamente por negligenciar a variedade e difusão desse tipo de construção. O termo é substituído pela expressão “casas em série”, de Gennari (2005), ou por “grupos residenciais” em Vitorino (2008), entre outros. In: Ana B. Pahor Costa, Habitação e Cidade: as casas de Vila e a ocupação de São Paulo (18941921). TFG FAU USP, 2018. 16 Sobre as habitações operárias, ver Bonduki (1998), Blay (1985), Lemos (1989) Rolnik (1981).
17 Blay (1985) descreve o processo capitalista de redução de custos a partir da ideia de que “se o salário é o preço pago pelos gastos de produção da força de trabalho, a casa funciona como uma parcela do salário que deixa de ser pago, entrando como parte de sua composição.”
em que eram construídos, pela alta demanda de inquilinos interessados, e pela construção barata, autorizados pela lei a utilizar materiais e técnicas de baixo custo. Bonduki diferencia esses dois tipos de investimentos com os termos “vilas de empresa” e “vilas particulares” (BONDUKI, 1998). Enquanto investimentos do capital industrial, as vilas operárias “de empresa”, não se inseriam no mercado imobiliário convencional, e se destinavam exclusivamente a atender seus funcionários, o que poderia incluir desde o operário até funções de mais alto prestígio. Foram concebidas como uma ferramenta de ajustamento das relações de produção, dentro de um sistema de mediação entre a venda da força de trabalho e o preço pago por essa força. Ao mesmo tempo em que reduziam os custos de reprodução da força de trabalho, essas unidades estabeleciam uma relação de dominação além daquela estabelecida pela atividade remunerada, subordinando o trabalhador não apenas na esfera produtiva mas também reprodutiva. A casa se coloca, então, como uma forma de ampliar o controle do empresário sobre o empregador na medida em que representa uma forma de reduzir os custos com a força de trabalho, ampliar a capacidade de acumulação capital e induzi-lo a permanecer no emprego17 (BLAY, 1985). Ainda que a participação da indústria tenha sido muito significativa nesse tipo de investimento, segundo Vitorino (2008), nos bairros além-Tamanduateí a produção habitacional destinada à população trabalhadora foi mais preponderante enquanto investimentos imobiliários sem ligação direta com o setor industrial. Nesse sentido, Gennari destaca o papel do investidor particular no mercado imobiliário para a configuração social variada dos bairros operários, que, como já foi descrito, era composta por atividades e grupos sociais além daqueles restritos à indústria (GENNARI, 2005, p. 5).
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A discussão do termo “casas construídas em série” é colocada justamente para destacar que, embora historicamente identificadas como casas operárias, os conjuntos habitacionais geminados formam um conjunto urbanístico e arquitetônico apropriado por ocupantes de diferentes inquilinos como criados, cozinheiros, pequenos produtores e prestadores de serviços urbanos, não apenas os operários que trabalhavam nas fábricas próximas18 (GENNARI, 2018, p. 141). Além da pluralidade de agentes envolvidos, tanto de investidores quanto inquilinos, o mercado imobiliário reflete, portanto, a hierarquização dos espaços, categorizando-os de acordo com o poder aquisitivo. Assim, apesar de apresentar alguns casos emblemáticos do investimento direto do industrial, como a Vila Maria Zélia de Jorge Street, a Vila Intendência das Indústrias Matarazzo, (ambas no Belenzinho), e a Vila Crespi do Cotonifício Crespi na Mooca, por exemplo, a ação de investidores privados promovendo a construção de casas em série foi significativa (VITORINO, 2008, p. 18) e remonta à presença da especulação imobiliária nesses territórios de maneira histórica e sistemática, acompanhando seu desenvolvimento e transformações até os dias de hoje. Os conjuntos de casas geminadas, com aproveitamento máximo do lote e mínimo recuo foram tão amplamente difundidos que definem de maneira considerável a morfologia de ocupação urbana da cidade, e, historicamente, configuram uma paisagem característica dos bairros de vida operária a partir de algumas tipologias principais, sendo as mais presentes a de interior de quadra, em viela ou em testada de quadra (VITORINO, 2008, p. 20). Enquanto formas de ocupação de populações ainda mais vulneráveis, já nas primeiras referências legais sobre a moradia da classe trabalhadora constam referências aos cortiços19, associados a ideais muito negativos de insalubridade e proliferação das doenças que se alastravam pelos novos espaços urbanos, como a febre amarela. Segundo o vereador sanitarista Celso Garcia, em 1905, os cortiços reuniam: “muitas famílias compostas de muitas pessoas e morando em uma só casa, num só quarto até, às vezes num corredor húmido e infecto. Nessas habitacoes qual não há de ser o ar viciado? Em cada habitação é um accumulo de pessoas, de moveis, de objetos, de utensílios de cozinha, um soalho que não se lava; nesses antros vive o velho, o moço a creança; ahi dão a luz as mulheres, cerram os olhos os moribundos; ahi talvez em mais deu um caso, quando muitas famílias morem em um só commodo, dorme o impudico ao lado da donzela, o ébrio ao lado do velho e da creança.” (REIS, 2017, p. 165).
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18 “A expressão “casa operária” amiúde empregada nos processos de aprovação evidentemente deveria se referir a casas de determinada área, cujos emolumentos seriam bem menores que os outros. Na verdade, não seriam todas elas casas operárias, dada a localização, o programa, etc. Percebe-se claramente escapada burocrática visando a menos gastos nos processos de aprovação.” (LEMOS, apud VITORINO, 2008, p. 50). 19 A partir do conceito apresentado por Rolnik (1981, p. 36), os cortiços são aqui compreendidos como “habitações coletivas de aluguel que proliferaram nas últimas décadas do século XIX -, fruto do aumento da demanda por moradia e valorização dos terrenos, que estimulava a superutilização do lote e das construções através da subdivisão de cômodos no maior numero possível de cubículos”.
Diante da dificuldade de intervir nos cortiços, a implementação das vilas operárias se torna a opção viável para a melhoria das condições sanitárias das áreas mais pobres da cidade adotada pelo poder público, que passa a incentivar esse tipo de investimento. Em 1901, por exemplo, a municipalidade “isenta de impostos municipais as vilas operárias que se constituem como tais, de acordo com o padrão estabelecido pela prefeitura e fora do perímetro central” (DIAS, apud VITORINO, 2008, p. 49). É, portanto, nesse conflito, quando a questão sanitária se torna uma ameaça não apenas para a classe popular mas também às elites que o poder municipal se posiciona a regulamentá-la. Em 1893, o Relatório da Comissão de Exame e Inspeção das Habitações Operárias e Cortiços no Distrito de Santa Efigênia alertavam sobre as diversas especificações para os cortiços e as construções operárias, referindo-se principalmente à altura das janelas e das portas, como da altura do pé-direito e os tipos de revestimento (BLAY, 1985). Este importante documento foi regulamentado um ano depois pelo Código de Posturas do Município de São Paulo (versão atualizada do Código de Posturas de 1875). A preocupação da definição de parâmetros sanitaristas estava tão fortemente atrelada à moradia dos pobres que, ainda que não definisse nada para as habitações centrais da elite no que diz respeito à iluminação e ventilação, as casas operárias eram minuciosamente regulamentadas, com áreas mínimas de ventilação e iluminação natural por habitante que se exprimiam em exigências arquitetônicas.
mapa 06 | perímetros urbanos cartografia base: 1918 [ 36 ]
perímetro central perímetro urbano perímetro suburbano área de estudo complexo Crespi
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A lei estipulava que as casas deveriam cumprir dimensões mínimas aos cômodos, iluminação e ventilação diretas, afastamento dos lotes, produzindo um ideal de sociabilidade e domesticidade que atravessavam as esferas pública e privada da classe trabalhadora. Determinava-se o mínimo de 3 compartimentos por unidade habitacional, de 10m2 cada, sendo um reservado à cozinha. As aberturas eram obrigatórias a todos os ambientes, ao menos uma, cuja superfície deveria ter 20% da área do ambiente. O pé direito mínimo era de 3m e era obrigatória uma latrina por moradia (Lei 498 de 14 de dezembro de 1900). As tipologias de casas operárias ficaram condicionadas às unidades compostas por dois cômodos, mais cozinha e banheiro. As instalações hidráulicas dedicadas à higiene (chuveiro, vaso sanitário e pia) são concentrados, assim como o esgoto, tanto por uma questão de conveniência econômica quanto de manutenção. A partir desse conjunto amplo de determinações construtivas, impõe-se a associação de higiene e moral sobre as formas de domesticidade da família trabalhadora, assim como dinâmicas de privacidade e sociabilidade através da organização dos espaços internos. No Código Sanitário de 1894, uma das determinações de maior importância é justamente a eliminação de habitações de caráter popular das áreas centrais, complementando o projeto urbanístico de enobrecimento da nova imagem da cidade pública20. As casas populares foram então estritamente destinadas às áreas suburbanas, proibidas dentro do “perímetro do comércio”, ou seja, o triângulo histórico, formado pela Rua Direita, São Bento e Rua da Imperatriz, hoje, a Rua XV de Novembro, em um raio de 10 a 15km da área central, preferencialmente em áreas com acesso à rede ferroviária (ver mapa 06). Existe, portanto, uma clara segregação espacial que impede a ocupação das camadas mais pobres nas áreas valorizadas, então ocupadas pelas elites. A implementação das novas habitações ligadas à consolidação do parque industrial, se deu, portanto, em um movimento duplo de atração das camadas populares e repulsão das camadas mais ricas, que buscavam se afastar dos usos fabris e ocupar áreas mais nobres da cidade (ROLNIK, 1997, p. 72). Se configura também uma clara contradição entre os interesses públicos, voltados à solução das questões higiênicas e sanitárias, e os interesses privados, que seguiam investindo capital nas habitações populares precárias, como os cortiços, que eram comumente a única forma de moradia possível para as classes de baixa renda.
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20 “Ao tratar das habitações das classes populares, proibia terminantemente a construção de cortiços e atribuía à municipalidade a responsabilidade de fechar os existentes; não tolerava as casas subdivididas, que serviam de domicílio a muitos indivíduos; determinava que as casas destinadas às classes pobres deveriam ser construídas em grupos de quatro a seis, no máximo, e que as habitações insalubres deveriam ser saneadas ou demolidas” (BONDUKI, 1998, p.38).
21 Lemos (1999) define o tipo de habitação de padrão operário como a “habitação de classe média baixa”, que consiste em quatro cômodos e instalações sanitárias. Nesse sentido, Bonduki (1998) aponta para a dificuldade de estabelecer limites entre a habitação popular e a de padrão médio, compreendendo que existe uma infinidaes de tipologias intermediárias. (PAULILLO, 2017, p. 170).
[ 37 ] [dir.] Projeto de construção de casa para aluguel na rua Marina Crespi, na Mooca, 1911. [ 38 ] [esq.] Projeto de construção de casas operárias na rua Santa Clara, Brás, 1911.
Entre a casa operária e a casa burguesa21 notam-se semelhanças importantes, já que ambos os modelos apresentam aspectos relacionados às noções de privacidade, conforto e salubridade que se consolidavam com a implementação do conceito da “habitação higiênica”. Ainda que existam evidentes distinções ligadas à limitação econômica das casas operárias, como materiais e ornamentos mais simples e o aproveitamento máximo do lote, questões espaciais como a separação dos quartos, a valorização da ventilação e iluminação natural e concentração isolada dos espaços de higiene aparecem como aspectos em comum. As ferramentas espaciais adotadas em nome do ideal sanitarista inicialmente ficaram restritas às camadas abastadas, devido ao alto custo dos materiais impermeáveis e das instalações sanitárias, importados em um primeiro momento, e das restrições do acesso à rede de água e esgoto a determinados pontos da cidade, como vimos anteriormente. As camadas mais pobres receberam, progressivamente, a incorporação desses preceitos na medida em que a industrialização permitiu a redução dos custos dos materiais e em que se deu a ampliação gradativa da rede de água e esgoto (PAULILLO, 2017, p. 162). A estrita regulamentação das formas de morar da classe trabalhadora impunha, além dos hábitos higiênicos defendidos pelo movimento sanitarista, também uma dinâmica de arranjos familiares ideal, baseada nos modelos da família burguesa, nuclear e patriarcal. A compartimentação dos espaços em núcleos funcionais, entre zona de serviço, zona social e zona íntima, também remonta às lógicas de domesticidade e organização interna do espaço que são representados nas casas burguesas.
O TRABALHAR a fábrica Com a modernização, os mecanismos de disciplinarização deixam de ser realizados pontualmente e passam a ser incorporados às múltiplas esferas da vida social do trabalhador: do morar, do trabalhar, do descansar e do ocupar a cidade. A domesticação do operariado a partir do modelo civilizatório burguês foi imposta não apenas a partir dos instrumentos da esfera doméstica, mas também, e de maneira ainda mais explícita, através da reformulação dos espaços de trabalho (RAGO, 1985, p. 25). É importante destacar que esse projeto não foi imposto sem que houvessem resistências, que se concretizaram de diversas maneiras pelo movimento operário, tanto em reações cotidianas quanto em greves e motins politicamente organizados, que foram amplamente retratados pela imprensa operária da época22. Sobre os espaços fabris “modernos” é consolidado o modelo da “fábrica higiênica” como contraponto ao imaginário que se havia construído até então. O espaço industrial, ao que Rago chama de “fábrica satânica” era o lugar da opressão, ambiente escuro e sujo, favorável à dominação da classe operária pelos patrões abusivos, como um dispositivo de “fabricação dos corpos dóceis”, na expressão foucaultiana, amplamente combatido pela imprensa operária (RAGO, 1985, p. 35). O novo modelo visava restaurar esse conceito, que era associado tanto à fábrica quanto ao patrão pela classe trabalhadora, buscando substituir a imagem opressora por uma imagem harmoniosa, cujo ritmo e regulamento de trabalho fariam parte da própria natureza do processo de produção estabelecido, sem depender dos anseios voláteis dos patrões. Tratar-se-ia, assim, da construção de um espaço limpo, racionalmente organizado e legitimado, mais uma vez, pelo discurso científico, o desenrolar dos papeis sociais de cada um dos agentes do espaço, e em especial, do trabalhador. Todo esse processo de redefinição do espaço da fábrica tinha também um papel importante na adequação dos espaços industriais ao proletariado feminino. A moralidade em torno do trabalho remunerado das mulheres nas fábricas nunca deixou de rechaçar essa nova identidade feminina, mas encontrava, na readequação dos espaços fabris, brechas que tornariam essa participação menos “ameaçadora”. As fábricas, até então consideradas espaços de degeneração moral e física, de aglomeração promíscua e desagregação do núcleo familiar23, eram remodelados enquanto espaços apropriados a serem ocupados por mulheres ao se moldarem aos ideais de higiene, limpeza, iluminação, e ventilação, racionalmente organizados em termos funcionais, separando inclusive as forças de trabalho masculina e feminina, hierarquizando o trabalho por sexo e idade 70
[ 39 ] [esq. sup.] O edifício inicial da fábrica do Cotonifício Crespi, na Mooca, em 2019. [ 40 ] [esq. inf.] O mesmo edifício, após bombardeios da revolução de 1924. [ 41 ] [dir.] O mesmo edifício, sem data ( estima-se que entre 1897 e 1917).
22 Sobre as formas de resistência operária enquanto movimento político, ver RAGO, 1985.
23 “As fábricas, isto é, esses lupanares, essas pocilgas onde se encerram milhares de proletárias, são sem dúvida possível [...] focos permanentes de degradação e de prostituição”. O Amigo do Povo, 05/07/1902, apud RAGO, 1985, p. 38.
e estabelecendo os fluxos ideais para um espaço “salubre”. A mulher operária nunca foi uma figura enaltecida nos ideais burgueses, tampouco nos ideais do proletariado, mas, já que se colocava como um “mal necessário”, era desejável que ao menos se adequasse aos parâmetros modernizadores. A partir da década de 1920, a implementação de estratégias de controle e disciplina dentro do espaço fabril passam a interiorizar de maneira sutil e diluída a vigilância do que Rago chama de “olho do poder”, transferindo-se para o interior do processo de organização do trabalho (RAGO, 1985, p. 35). Entre esses elementos, do ponto de vista arquitetônico, destacam-se as torres de vigilância e os ambientes amplos e livres que permitem maior campo visual dos patrões. Segundo a autora, “a transformação da aparência interna e externa da fábrica visava a transformação da subjetividade do trabalhador, do mesmo modo que uma casa limpa e confortável, mesmo que pequena, deveria despertar o desejo de intimidade no operário” (RAGO, 1985, p.60). Ao novo trabalhador, moderno, produtivo, eficiente e higiênico, deveria corresponder, uma nova fábrica, racional e apolítica, e também o novo industrial, sob a figura paternalista, estabelecendo-se uma nova dinâmica ideal de relação de produção que camuflava as opressões envolvidas em nome do estabelecimento da “ordem social”. O caráter moral dessa transformação de valores buscava elevar o trabalho na fábrica a uma atividade enobrecedora, cuja função, teoricamente, ultrapassaria os interesses individualistas do patrão, e servia ao “enriquecimento da nação” (RAGO, 1985, p. 60). O Cotonifício Crespi, nesse sentido, ilustra claramente as intenções burguesas sobre a racionalização do espaço produtivo, especialmente na relação entre o primeiro edifício que sediava as atividades da fábrica e a ampliação, dos anos 1920, realizada pelo arquiteto Giovanni Battista Bianchi, também responsável pela construção da creche Marina Crespi e de muitos outros projetos relacionados à empresa, que serão discutidos mais adiante. O primeiro edifício do conjunto, construído em 1897, se situava na esquina da Rua Taquari com a Rua Vicente de Laguna. Em 1901, segundo Andrade (1991), o Cotonifício já era uma das três maiores indústrias têxteis da cidade. Apresenta apenas um pavimento, planta livre, 6m de pé direito, estrutura interna de pilares de ferro fundido, tesouras triangulares de madeira que definiam os frontões da fachada e alvenaria de tijolos aparentes. Hoje as fachadas se encontram descaracterizado em mau estado de conservação (RUFINONI, 2005, p. 79). 71
O edifício principal, de autoria de Bianchi, foi projetado com o intuito de concentrar todas as etapas da produção. Construído em 4 pavimentos, com a mesma disposição de planta livre, que facilita o controle e visualização das operações e das atividades dos trabalhadores, e contava com instalações de apoio como vestiários, refeitórios, cozinha, etc. Em termos construtivos, foi executado em estrutura independente de aço, vedação de alvenaria de tijolos aparentes montada por rebitagem com chaminé, em uma tipologia típica da indústria paulista do período24 (RUFINONI, 2005). O conjunto edificado de caráter industrial ligado à fábrica de tecelagem do Cotonifício Crespi é composto por uma série de construções realizadas em momentos distintos, conforme as necessidades de expansão da fábrica. Se coloca, portanto, como uma importante fonte de informação sobre os diferentes aspectos sociais e econômicos vinculados à indústria que fomentaram a adoção de diferentes adaptações técnicas e construtivas exigidas pelos programas industriais ao longo das transformações da escala de produção, explorando novos conceitos de espaço, forma e volume (RUFINONI, 2005, p. 73). Embora tenha se configurado, desde sua construção, em um importante marco na paisagem do bairro o conjunto fabril do Cotonifício Crespi ficou desocupado entre 1960, ano de desativação das atividades da fábrica, e 2004, quando foi alugado pelo Grupo Pão de Açúcar com o objetivo de instalar um hipermercado. Esse processo se deu de forma bastante complexa, já que envolveu a participação do Departamento de Patrimônio Histórico da Prefeitura de São Paulo, (já que se tratava de um bem inscrito como ZEPEC - Zonas Especiais de Preservação Cultural) e a mobilização dos moradores do bairro, na medida em que a “readequação” alegada pela empresa consistia em uma série de demolições que já se colocavam em curso. Ainda que as fachadas permaneçam preservadas, assim como parte da estrutura metálica, o edifício foi significativamente alterado, havendo sido descaracterizado todo o interior, revelando a difícil relação entre as demandas econômicas e as limitações políticas da preservação. Houve também a demolição de boa parte do conjunto adjacente, dissolvendo a composição do conjunto e desrespeitando o seu valor enquanto testemunho de diferentes etapas históricas do patrimônio. (RUFINONI, 2009, p. 277). O caso do Cotonifício Crespi é especialmente emblemático na medida em que representa a complexidade de fatores que dificultam a preservação do patrimônio industrial nesse território de maneira geral. Tem-se, de antemão, a complexidade do debate teórico, de modo que, além do interesse por esse tipo de patrimônio ser relativamente recente, enfrenta concepções em torno da atribuição de valor que privilegia usos e materialidades “mais nobres”, por exemplo. Além disso, são associados diretamente aos espaços de 72
24 O conjunto completo configura, assim, um total de 49 mil m2 de área construída, ocupando todo o lote entre as ruas Taquari, Javari, rua dos Trilhos e Visconde de Laguna.
[ 42 ] e [ 43 ] Imagens do Complexo fabril em 1924, após os bombardeios da revolução daquele ano.
[ 44 ] O Cotonifício em 2001. [ 45 ] O Cotonifício em 2004, após as obras de adaptação em um hipermercado.
25 O interesse pela preservação do patrimônio industrial é relativamente recente, se comparado com a preocupação por outros tipos de manifestação cultural, e deve ser entendido dentro do contexto da ampliação crescente daquilo que é considerado bem cultural.” (KÜHL, apud VITORINO, 2008, p. 60.).
manufatura, não necessariamente englobando outros elementos do conjunto arquitetônico industrial como galpões, armazéns e as próprias habitações operárias (VITORINO, 2008, p. 60)25. Além disso, a preservação desse patrimônio encontrou, ao longo do tempo, uma série de obstruções estruturais. Se as dinâmicas de modernização consolidaram a construção da cidade industrial, a explosão da urbanização levou à sua desvalorização, na medida em que, a partir dos anos 1960, com as transformações econômicas levadas pelo Estado desenvolvimentista, alteram-se as lógicas industriais do país, enfraquecendo as indústrias de bens de consumo. As fábricas deste primeiro momento não acompanharam o processo modernizatório, e, obsoletas aos novos sistemas de produção da segunda metade do século, foram sendo progressivamente desativadas, inclusive o Cotonifício Crespi. Tem-se então a transferência dos polos industriais para outras áreas do território urbano, especialmente nas imediações das marginais Tietê e Pinheiros, construídas na consolidação do sistema rodoviarista da cidade, em detrimento da estrutura logísitica estabelecida pelas linhas férreas. Esse processo levou os bairros do além-Tamanduateí a um processo de desindustrialização, esvaziando o parque industrial construído e boa parte das atividades econômicas que ali se davam. As edificações industriais foram, progressivamente, demolidas, abandonadas ou adaptadas a novas funções, principalmente ligadas ao setor terciário, em plena expansão (RUFINONI, 2009, p. 257). Segundo Blay, com o encerramento das atividades, tem-se o desmembramento das edificações para novos usos para locação promoveram a descaracterização arquitetônica e perda da comunicação das partes do esquema fabril (BLAY, 1985). O Cotonifício Crespi não escapou a essas lógicas, sendo destinado à locação por empresas que, progressivamente, 73
descaracterizaram os elementos arquitetônicos originais e romperam as conexões entre os edifícios existentes (RUFINONI, 2003). A paisagem fabril aos poucos é substituída por atividades de serviços, reconfiguradas pela expansão vertical e horizontal da cidade. Até os anos 1970, o parque industrial dos bairros operários da zona leste da cidade formou um conjunto arquitetônico relativamente desocupado. Segundo Vitorino (2008), ainda que o patrimônio desses bairros seja bastante valorizado em estudos acadêmicos e tenha uma quantidade considerável de bens tombados, a valorização de seu patrimônio se deu de forma tardia, quando, em meados dos anos 1970, as demandas por grandes obras de infraestrutura de transporte levaram à construção da linha vermelha do Metrô, no eixo leste-oeste26. Para a realização dessas obras e as consequentes desapropriações, foram realizados levantamentos do DPH juntamente com a então Empresa Municipal de Urbanização, através do projeto Cura-Bresser, que mapeou os bens considerados relevantes na área de entorno impactada pelas obras. Embora o Metrô tenha se utilizado do traçado ferroviário deixado pela antiga ferrovia Central do Brasil, foi relevante o número de demolições destinadas à instalação das estações. Ao longo do tempo, os terrenos dos imóveis ligados ao uso industrial nesses bairros foram alvo de grande interesse por intervenções públicas e privadas, dado o grande potencial atribuído às grandes dimensões, a ociosidade dos terrenos e a vasta infraestrutura instalada no entorno. O caráter estratégico despertou interesse do poder público que se manifestou por meio de iniciativas como a Operação Urbana Diagonal Sul. O perímetro da operação, demarcado em 2002 pelo Plano Diretor Estratégico, englobou áreas de ocupação historicamente industrial, ao longo do eixo da antiga estrada de Ferro Santos-Jundiaí, composto por edifícios diversos como galpões, fábricas, vilas operárias, armazéns, etc. Com a partir da participação da população na indicação de bens de interesse, foram atribuídos edifícios de valor histórico às ZEPECs, que foram encaminhados a estudos de tombamento, além de sofrerem restrições a transformações eventuais e a incentivos de preservação aos proprietários (RUFINONI, 2009, p. 254). A creche Marina Crespi foi um desses imóveis, atribuído à ZEPEC - BIR (Bem Imóvel Representativo) em 2004, ainda que o tombamento só tenha se concretizado em 2017, com a ameaça iminente de demolição, como veremos adiante. Vitorino (2008) aponta para o fato de que, apesar de esse patrimônio ser em certa medida reconhecido e da existência de algumas iniciativas de proteção, não se consolidou uma política urbana e articulada de preservação. Os esforços de proteção ao patrimônio desses bairros se deram, portanto através de instrumentos desarticulados que não foram capazes de acompanhar as dinâmicas imobiliárias de valorização, desencadeando práticas sistemáticas de demolição e destruição dos edifícios históricos em questão. 74
26 “Talvez por serem literalmente marginais aos bairros burgueses e, no caso do Brás, Mooca e Belém, estarem apartados do restante da cidade pelo rio Tamanduateí, ou ainda quiçá por materializarem a existência da classe trabalhadora, intencionalmente marginalizada, esses bairros tenham conquistado sua valorização histórica tardiamente e por isso sofreram tantas mutilações.” VITORINO, 2008, p. 71.
[ 46 ] [esq.] Demolição de uma casa para a abertura da Radial Leste. [ 47 ] [dir.] O contraste da paisagem da cidade entre a zona industrial e a zona central, já verticalizada, em 1947.
A valorização imobiliária desses bairros se estendeu ao longo do final do século XX, mas se expandiu de forma ainda mais acentuada entre os anos 1990 e 2010. Os bairros do além Tamanduateí, em especial a Mooca, passaram por um processo intenso de verticalização, ainda em curso, mesmo que em menor grau por conta das recentes crises econômicas. A construção de grandes condomínios residenciais de médio a alto padrão se consolidou como uma prática comum nesses territórios, altamente valorizados, e se aproveitou das preexistências dos grandes lotes deixados pela morfologia industrial. As habitações populares, por sua vez, representam um caso ainda mais complexo de preservação. Assim como o patrimônio industrial de modo geral, enfrentam a desvalorização conceitual, por se tratarem de arquiteturas relativamente “banais”, muito distantes da noção de patrimônio que, por muito tempo foi preponderante, que o associava à ideia de monumentalidade e excepcionalidade. Nesse sentido, o conjunto urbano atribuído às casas em série é historicamente lido como “comum”, já que eram ocupadas por um grupo médio, com salário médio, com aptidões profissionais médias e que não despertavam, e ainda hoje não despertam, especial interesse, nem pela abundância, nem pela privação” (GENNARI, 2018, p. 135). Sua relevância na historiografia se deu mais fortemente por sua relação com o movimento sanitarista, e menos por sua importância enquanto símbolo da memória social da população trabalhadora. Bonduki pontua sobre o não reconhecimento do patrimônio histórico ligado aos trabalhadores que “se as habitações populares não representassem perigo para as condições sanitárias da cidade, nada se saberia sobre elas” (BONDUKI, 1998, p. 21). 75
Além disso, tem-se o alto grau de complexidade no impedimento de que sejam feitas intervenções sobre imóveis privados, inseridos na esfera de intimidade e domesticidade da habitação. Se, por um lado, esse patrimônio arquitetônico foi sistematicamente apagado, tendo seus edifícios descaracterizados, abandonados ou destruídos, por outro, tem-se na morfologia urbana um dos aspectos herdados da ocupação industrial mais presentes na paisagem atual. Brás, Mooca e Belenzinho tem, em comum a ocupação ao longo dos trilhos ferroviários cujo traçado se deu a partir dos grandes edifícios industriais e pelos acessos às fábricas, criando dinâmicas logísticas que foram definitivas para a configuração do traçado urbano. A partir do contorno e dimensionamento de lotes e vias de acesso, e de dinâmicas de fluxos de transporte de pessoas e mercadorias, definiu-se também a configuração do território em, basicamente, dois tipos principais de organização espacial: de um lado, grandes lotes que abrigavam as indústrias, e de outro, terrenos subloteados em pequenos lotes estreitos, com recuo mínimo lateral ou frontal. As volumetrias, ainda presentes nas áreas intocadas pela voracidade imobiliária, caracterizam uma ocupação de gabarito baixo, de no máximo dois pavimentos, notoriamente compactada, demonstrando as práticas de aproveitamento máximo do lote para as construções de habitação popular. No conjunto da paisagem, destacam-se, assim, os contrastes entre as grandes edificações industriais, as volumetrias maciças de pequenas unidades habitacionais, e as grandes torres verticalizadas mais recentes. Essa configuração sobreviveu às intensas transformações do território e se coloca como uma das grandes permanências do espaço desses bairros ao longo do tempo, configurando a paisagem em um importante marco do patrimônio urbano cultural. O valor patrimonial presente nos bairros além Tamanduateí e nos remanescentes do período aqui tratado é inegável. São importantes testemunhos de um momento histórico chave na evolução urbana da cidade, e compõem uma paisagem que ainda resiste, apesar das destruições. Expõem a coexistência do mundo do trabalho e da moradia no século XX, a partir de tipologias bastante específicas, inéditas não apenas pelas inovações tecnológicas, mas também pelas demandas sociais de habitação, serviços e infraestrutura que se formavam então. Sua importância se justifica, também, pelo importante valor arquitetônico e construtivo, representando a substituição das técnicas tradicionais e a implementação das lógicas industriais na construção civil, exemplificada pela adoção de novos materiais como o ferro, vidro, as cerâmicas, azulejos, mármores, e, finalmente, os tijolos, que compõem de forma característica a estética fabril, ligada aos ideais de funcionalidade, economia e eficiência. 76
1930
2019 [ 48 ] e [ 49 ] A evolução urbana do bairro da Mooca, entre o mapa de 1930 (acima) e a imagem de satélite de 2019. Nota-se que, apesar de certas demolições, a morfologia urbana se mantém muito parecida, com poucas alterações.
77
Compreendendo, segundo Carlos A. C. Lemos, o patrimônio como o “artefato e as suas interrelações com o homem e com o ambiente” (VITORINO, 2008, p. 56), entendemos que, na análise de um objeto de estudo, o contexto urbano se revela de extrema importância para a compreensão de seu valor histórico e de seus significados, estejam eles inseridos nas mais diversas categorias de análise. Do ponto de vista da perspectiva de estudo adotada para este trabalho, entendemos, da mesma forma, que a análise de bens isolados, como a fábrica, a casa, ou a creche, não expressa de maneira abrangente a complexidade das relações sociais que se estabeleceram e se transformaram a partir do ambiente construído, apresentando importantes prejuízos de significado se analisados individualmente27. Nesse sentido, reforça-se a importância do contexto urbano desses bairros para a compreensão das relações aqui estabelecidas, fins para os quais foram produzidos, neste capítulo, os mapas (já apresentados) e o levantamento de bens relacionados ao recorte aqui proposto (apresentado em anexo). A política patrimonial deve compreender, para além dos casos de tombamento, os contextos das áreas de entorno e as configurações urbanas dentro das quais os bens em questão estão inseridos, permitindo assim a leitura do processo de formação histórica desses bairros operários e dos valores em torno dos quais foram consolidados. Do levantamento realizado para este trabalho, sob o recorte temporal e espacial aqui desenvolvido, foram compilados 107 bens. Entre eles, 83 são tombados, dos quais apenas 2 não fazem parte do recorte temporal do final do século XIX e início do século XX, ligado à atividade industrial, sendo eles os IAPIs da Mooca, construídos em 1941 e o Teatro Arthur Azevedo, dos anos 1950. Esses dados revelam a importância do período para a constituição do bairro e do patrimônio que se preserva para as gerações futuras. Nesse sentido, o mapa a seguir ilustra as políticas de proteção institucionais implementadas nesse território ao longo do tempo, dentro das quais o instrumento mais comum é o tombamento. Embora em concentração menor do que nas áreas centrais, é uma quantidade bastante significativa, o que demonstra que, de maneira geral, o patrimônio histórico inserido nos bairros operários do além Tamanduateí foi em certa medida valorizado pelos órgãos de preservação. No entanto, é possível compreender, a partir do estado avançado de deterioração, desvalorização e não reconhecimento desse patrimônio em âmbitos estruturais, com uma série de demolições, depredações e sucateamentos apresentados na maior parte dos edifícios aqui destacados, a insuficiência dos instrumentos na preservação de bens históricos.
78
27 “Esta rede de objetos fragmentados apenas sugere uma história deste território, muito perdida pela destruição física de seus símbolos e pela mudança cultural acelerada das instituições que a sustentaram. Perdidas estão as falas, os gestos e as experiências daqueles que produziram, em seu cotidiano, as imagens e os significados deste primeiro território proletariado da cidade. Documentos escritos, artigos de jornais, relatos verbais, romances, (...) mostram que a sua memória é feita em torno dos clássicos três pontos de ancoramento por onde se representam bairros proletários: a fábrica, a moradia e seu entorno ...”. PAOLI, 1991, apud VITORINO, 2008, p. 59.
É significativa, nesse sentido, a discrepância entre a delimitação de áreas envoltórias nas áreas centrais na cidade em comparação com os bairros em questão, onde são muito menos numerosas, o que reforça o caráter isolado e pontual das políticas de preservação dedicadas à preservação desse patrimônio. Os mecanismos de proteção, ainda que prevejam certo nível de proteção material, não foram capazes de impedir as dinâmicas espontâneas da cidade principalmente pautadas nas lógicas do mercado imobiliário e da valorização da terra. Devem ser, na verdade, articulados com outras políticas multidisciplinares de reorganização de dinâmicas transformadoras, além de promoverem a valorização e reconhecimento dentro das comunidades em que são inseridos. Para além dos valores vastamente evocados na bibliografia existente a respeito desses bairros, existem valores simbólicos importantes, desenvolvidos e destacados ao longo deste trabalho, que reconhecem o conjunto patrimonial em questão como marco do patrimônio imaterial enquanto lugares de memória social e urbana, representando processos de trabalho extintos, a história dos trabalhadores no Brasil e formação da cidade. Soma-se a eles, no caso do presente estudo, o destaque para a perspectiva do gênero, evocando a presença das mulheres trabalhadoras na cidade, sua importância enquanto força de trabalho, corpo político na luta por direitos, e importante personagem na configuração das dinâmicas urbanas que formaram esses territórios. O patrimônio desses bairros sinaliza, portanto, importantes mudanças nas relações de gênero e na emergência do papel social das mulheres, agentes históricos e políticos que passam a ser progressivamente reconhecidos não apenas na esfera doméstica do espaço da casa, mas também na esfera pública, processo associado ao aumento de sua participação no campo produtivo. Além disso, as transformações na configuração do espaço da casa e nas relações de domesticidade aqui apresentadas, reconfiguram, também, os papeis de trabalho reprodutivo, com novos materiais e novas relações de consumo, progressivamente industrializados. Esse conjunto de transformações não se deu de forma simples ou homogênea, mas tem uma forte relevância no reconhecimento de narrativas e significados que não necessariamente estão representados na historiografia oficial. A preservação desse patrimônio ganha, assim, mais uma camada de interesse, na medida em que incorpora a perspectiva de gênero e fornece novas estratégias de análise e reflexão histórica ao redor dessas relações com o território. Expressos nas estratégias materiais e simbólicas adotadas no espaço construído, os instrumentos de redefinição dos papeis sociais, sejam eles familiares (na escala doméstica) ou políticos (na escala pública) são historicamente construídos em torno das relações de gênero. 79
[ 50 ]
área de estudo hidrografia ferrovia
edifícios por ano de tombamento 1991 1992 2007 2010 2011 2012 2014
mapa 07 | patrimonialização
área de estudo 2016 hidrografia 2017 ferrovia 2018
N
edifícios por ano de tombamento área envolt. CONPRESP
80
área de estudo hidrografia ferrovia área envolt. IPHAN área envolt. CONDEPHAAT área envolt. CONPRESP
edifícios por ano de tombamento 1991 1992 2007
1991 área envolt. CONDEPHAAT 1992 área envolt. IPHAN 2007 ZEPEC BIR 2010
2010
2011
2016
2012
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2018
2016 2017
2011 2012 2014
No que diz respeito à construção do processo de reconhecimento a partir dos critérios de atribuição de valor patrimonial, a inserção da perspectiva das relações de gênero na compreensão patrimonial da cidade possibilita o reconhecimento inclusivo de agentes sociais que foram historicamente situados à margem, possibilitando o “desvendamento de processos sociais invisíveis ante uma perspectiva normativa” (PEDRO e SOIHET, 2007, p. 296). O caso do patrimônio industrial brasileiro é ilustrativo nesse sentido, já que frequentemente faz alusão às figuras dos grandes criadores dos impérios fabris. Tem-se frequentemente alusão a figuras patriarcais de poder como o Conde Francisco Matarazzo, Rodolfo Crespi, Jorge Street, entre outros. É raro, nos processos de reconhecimento desses patrimônios, a valorização da contribuição das mulheres, em especial as trabalhadoras, que, como vimos, foi de extrema relevância na composição da força de mão de obra das fábricas geridas por essas figuras, além de sua participação cultural e política para a sociedade. No campo do patrimônio, “negligenciar a participação e conquistas femininas não apenas reflete uma perspectiva única da história, mas corrobora com uma versão limitada e estereotipada da masculinidade, ligada ao poder, sucesso e heroísmo” (SHORTLIFFE, apud COLELLA, 2018, p. 256). A inserção da perspectiva de gênero, a partir do caso das mulheres operárias no contexto de consolidação da indústria na São Paulo do início do século XX se coloca, a partir do conjunto de valores desenvolvidos neste capítulo, em uma importante estratégia de reformulação dos critérios de atribuição de valor, expandindo ainda mais os valores simbólicos e representativos dos bens culturais em questão e ampliando a compreensão sobre aspectos formadores da nossa sociedade, endossando a urgência de proteção a esse patrimônio a partir de diferentes perspectivas de atribuição de valor que fomentem iniciativas práticas e eficazes de preservação e perpetuação desses testemunhos.
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capĂtulo 03
a creche Marina Crespi trabalho feminino e espaços de cuidado
[ 51 ] A creche recém construída, nos anos 1930 (fachada principal, vista da rua João Antonio de Oliveira).
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[ 52 ] A creche recĂŠm construĂda, nos anos 1930 (vista da fachada posterior).
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O TRABALHO FEMININO E A CIDADE espaços de cuidado à infância A dedicação não exclusiva da mulher à esfera doméstica, cada vez mais comum com a participação feminina operária nas fábricas gerou uma onda conservadora de “preocupação” sobre a questão da infância. Estando as mães fora do espaço da casa, às crianças restavam dois cenários possíveis: o trabalho nas fábricas (que, apesar de comum nos primeiros anos da expansão industrial paulistana, passava a ser cada vez menos viável com a evolução da legislação), ou a “vadiagem” nas ruas da cidade1. Até então, o trabalho infantil se justificava por uma visão paternalista que atribuía uma função moralizadora e regeneradora do trabalho às populações pobres, como se “sem a atividade fabril, as crianças [ficassem] abandonadas nas ruas, à mercê de todas as seduções e vícios” (RAGO, 1985, p. 180). Se o trabalho infantil passava a ser condenado, as mães estavam, majoritariamente, trabalhando nas fábricas, e as crianças nas ruas eram levadas a um mundo de perigos, emergia a necessidade de se conceber novas configurações espaciais destinadas à infância2. Esse tema passou a ser recorrente nos debates políticos da época, suscitando correntes de pensamento bastante discordantes no que diz respeito à intervenção do Estado nas relações de trabalho e na vida doméstica do operariado. Clemente Ferreira, importante sanitarista da época, argumentava, já em 1917, a importância da participação do Estado nas questões da infância e das mulheres para além dos esforços dos Códigos Sanitários. Para o médico, a falta de aleitamento materno e os abusos do trabalho feminino estavam entre as principais causas de mortalidade infantil e deveriam ser tratados como um “problema social”, evocando a necessidade do auxílio do Estado como um “direito de todas as mães necessitadas”, por se tratar “de um ato civilizador, de um ato econômico e de um ato de justiça”. Defendia, então o estabelecimento de creches e salas de aleitamento, a serem oferecidas pelos industriais como equipamentos às trabalhadoras que desejassem. (O Combate, 27/09/1917, apud FRACCARO, 2017, p. 94). Em conflito com a visão sanitarista, havia uma vertente moralista e patriarcal. Ao entendimento dos grupos conservadores, que defendiam a não intervenção do Estado e a livre relação entre empresário e empregado, os espaços de cuidado à criança se colocavam como instituições nocivas de substituição da família e, principalmente, do papel da mãe (FRACCARO, 2018, p. 96). A situação ideal para a educação infantil, na visão conservadora, era de que as crianças fossem educadas em casa, pelas mães, função entendida como naturalmente feminina. Em meio aos intensos debates e sendo o emprego de mão de obra feminina nas fábricas cada vez mais comum, a partir dos anos 1930 o empresariado passou a reconhecer determinadas reivindicações da organização operária como incontornáveis. Passou-se progressivamente a incorporar a ideia de que os benefícios de proteção à maternidade e 86
1 Destaca-se o depoimento do industrial Jorge Street: “Na sua grande maioria, eles são filhos, irmãos ou parentes dos meus próprios operários, que trabalham, portanto, na mesma fábrica. Eles só prestam serviços leves e compatíveis com sua idade e forças (...). É de surpreender ver-se essa pequenada trabalhar e sempre tenho a impressão de que eles o fazem sem grande esforço (...).” (FILHO apud RAGO, 1985, p. 180). 2 “Se uma representação simbólica da mulher sustenta o discurso masculino que a redireciona de volta ao lar, a noção de que na infância deve formar-se o caráter e incutiremse virtudes essenciais remeterá a criança em direção à escola. Cada um em seu espaço próprio.” (RAGO, 1985, p. 179).
[ 53 ] Crianças e cuidadoras na creche da vila operária Maria Zélia, sem data.
3 A presença de membros do CIFT nas discussões políticas sobre o tema reforça a associação construída ao longo deste trabalho entre a indústria têxtil e o trabalho feminino. Como os maiores empregadores de mão de obra feminina, os empresários do setor estiveram diretamente envolvidos nos processos de elaboração da legislação sobre o trabalho feminino e infantil, e consequentemente, preocupados com a assistência às crianças, questão que condicionava sua permanência nas fábricas.
à infância significavam, na prática, preservar o trabalho de reprodução social feminino, que garantia a continuidade da lógica de exploração do operariado, numa apropriação capitalista da vida doméstica (BLAY, 1985). Tem-se então mais um desdobramento do projeto “civilizatório” em relação às classes sociais mais pobres, no qual problemas sociais como a marginalidade, a grande quantidade de menores abandonados e a mortalidade infantil eram vistos como frutos das disfunções dos modos de vida desse grupo social. Esse projeto, que, como vimos, incorporou os modos de morar, as formas de sociabilidade e as lógicas de trabalho, também se estendeu às relações de cuidado e formação das crianças, que antes ficavam restritas à esfera doméstica. Essas novas relações exigiram a produção de novos espaços na cidade que permitissem a realização desse tipo de trabalho, que não mais se restringia às dinâmicas da casa. A creche é, assim, a resposta arquitetônica ao novo conjunto de relações entre gênero, trabalho e cidade, e participam significativamente da redefinição das dinâmicas de apropriação do espaço urbano pelas mulheres trabalhadoras. Segundo Kishimoto (1986), em um primeiro momento, no início da década de 1920, o Estado toma para si a responsabilidade sobre a questão do cuidado infantil, determinando que, em localidades socialmente vulneráveis, o governo instalasse “escolas maternais, de preferência junto às fábricas que ofereciam casa para a instalação e alimento para as crianças” (Decreto de Lei 1750 de 1920). Em 1924, determina a implantação de escolas maternais especificamente para filhos e filhas de operários como iniciativas estatais. O projeto foi bem recebido por parte do Centro dos Industriais de Fiação e Tecelagem (CIFT)3, que julgou que as creches consistiriam na “possiblidade de mães trabalharem com eficiência, uma vez que os filhos de idade tenra ficam confiados às escolas” (Circular CIFT nº 332, 1924, apud FRACCARO, 2018, p. 105). Os empresários aderiram à ideia, já que experiências com escolas maternais no interior do Estado vinham sendo satisfatoriamente implementadas, como na fábrica Votorantim, em Sorocaba. Do ponto de vista empresarial, as creches representavam uma despesa de baixo custo diante dos efeitos positivos na disponibilidade e produtividade das tecelãs, ao “tornar mais eficiente o trabalho feminino e libertando a mãe dos cuidados que as criancinhas requerem” (Circular CIFT nº 397, 1924, apud FRACCARO, 2018, p. 106). 87
Não obstante, ao atender a demanda proletária, essa iniciativa representaria também uma ferramenta de apaziguamento das insatisfações operárias, o que, em tese, reduziria a frequência de greves e paralisações. Ao empresário, ficava a incumbência de custear o prédio da escola maternal, com capacidade média de 150 alunos, alimentação das crianças e da equipe pedagógica, os salários de um médico e de um dentista, que poderiam ser aqueles que já prestavam serviços à fábrica. Ao governo, ficava a responsabilidade das despesas de material escolar e salários da equipe pedagógica4 (FRACCARO, 2018, p. 10). Segundo Kishimoto (1986), a primeira creche e escola maternal anexa à fábrica, construída dentro de vilas operárias, coube ao empresário Jorge Street, proprietário da Vila Maria Zélia. Destacamse, nesse sentido, outras iniciativas de implementação de creches ligadas à indústria como a Fábrica Votorantim, em Sorocaba, de 1925, a Fábrica Sant’Anna de Juta, e, por fim, a creche Marina Crespi.
4 Além das escolas destinadas a crianças operárias, surgem também, no período, as escolas profissionais masculinas e femininas, mostrando que a preocupação com a educação envolvida todas as fases de desenvolvimento da criança e adolescência até a vida adulta. Entre 1890 e 1919, foram criadas 4417 escolas primárias no Estado de São Paulo, algumas delas presentes no levantamento apresentado em anexo. Sobre o tema, ver Weinstein (1995).
A CRECHE E O COTONIFÍCIO concepção A creche Nido Condessa Marina Crespi foi criada dentro dos parâmetros conceituais do período, como uma instituição educacional de iniciativa público-privada ligada à indústria, e uma obra assistencial de caráter filantrópico, cujo objetivo era amparar “os filhos dos operários necessitados” (DIÁRIO OFFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO, 1937 apud DIAS, 2011, p. 22). Contava com o investimento do Cotonifício e o subsídio do governo do Estado, que remunerava professores, médicos e educadores sanitários. Era gratuita, destinada principalmente aos filhos das operárias do Cotonifício Crespi, mas também à comunidade de imigrantes italianos e moradores do bairro da Mooca (ANUÁRIO DO ESTADO DE S. PAULO DE 1936, apud DIAS, 2011). Pode-se identificar na iniciativa da família Crespi não apenas uma obra de “componentes caritativos” e uma “preocupação com a colônia italiana”, segundo a Ata de Inauguração (DIAS, 2011, p. 17), mas também uma preocupação com a “produtividade da empresa” (KISHIMOTO, 1986, p. 256), o que se justifica tanto pela política de assistencialismo paternalista quanto pela busca de manutenção do trabalho feminino na fábrica. O envolvimento do Estado com o tema, que se consolida nos anos 1930, envolve, para além de questões sociais, sanitaristas e racionalistas em torno das instituições de ensino e de amparo à infância, uma transformação conceitual que incorpora progressivamente a valorização da educação e da cultura. De fato, esses temas adquirem um caráter central na gestão pública em São Paulo, especialmente sob a figura de Fábio Prado, prefeito da cidade entre 1934 a 1938, casado com a filha do casal Rodolfo e Marina Crespi, Renata Crespi, e membro da diretoria da creche5 (SAMPAIO, 1999). A postura do então prefeito é continuada, em seguida, pelo governo getulista, embora ambos estivessem em campos políticos distintos. 88
5 A gestão de Fábio Prado articulou um forte espírito modernizador com a preocupação sobre questões socioculturais. Foi responsável por importantes obras urbanísticas, e, principalmente, pela implementação de uma política de cultura e educação. Alinhado aos ideais modernistas, e apoiado pela gestão estadual de Armando Sales de Oliveira, (responsável pela criação da Universidade de São Paulo em 1934), criou o Departamento Municipal de Cultura, sob a direção de Mário de Andrade, com o objetivo de popularizar o acesso à arte e à cultura, implementando bibliotecas e “parques infantis” nos bairros operários, além de desenvolver levantamentos socioeconômicos sobre o padrão de vida das populações operárias através de pesquisas sociais inéditas sobre os bairros periféricos (SAMPAIO, 1999).
[ 54 ] Visita de Fábio Prado à creche, provavelmente no dia da inauguração. [ 55 ] A fachada principal da creche em 2020. 89
Em termos arquitetônicos, o projeto original foi concebido em 1934 pelo arquiteto italiano Giovanni Battista Bianchi6, e se apresenta como um exemplar da linguagem racionalista italiana, marcada pelo despojamento ornamental e elementos do art déco. Embora não se adeque plenamente ao movimento da arquitetura moderna brasileira, ainda em formação, é possível reconhecer aspectos modernizadores importantes em relação à produção arquitetônica do período, sobretudo ao que vinha sendo produzido na Europa. Essa modernidade é identificada em elementos como a composição volumétrica escalonada, formas geométricas simples, a utilização de materiais tradicionais como a argamassa raspada, tijolos aparentes e a incorporação de laje de concreto armado. A inovação técnica e estética do edifício é representativa dessa modernidade trazida por Bianchi. Segundo Salmoni e Debenedetti (1981, p. 126), “apesar de ter sido terminado quase oito anos depois da inauguração da primeira casa de Warchavchik [a casa Modernista, de 1928], o edifício da creche, com suas delgadas colunazinhas de base, as faixas horizontais de tijolos, delineadas por alvenaria, e as amplas janelas, pareceu tão radicalmente moderno, que alguns dos jornais insurgiram-se e o censuraram”. Para as autoras, trata-se da “melhor obra de Bianchi”. A modernidade do edifício se dá também pelas claras referências arquitetônicas à composição de navios e embarcações colocadas pelo arquiteto, tema bastante difundido entre as discussões arquitetônicas em voga na Europa dos anos 1920, associada às vertentes futuristas. Essas referências se dão tanto pela disposição da planta, com elementos semicirculares e um corpo central, como também pelo terraço descoberto, perimetrado por gradis metálicos sutis, e pelas janelas em escotilha. Para Telma de Barros Correia (2008, p. 79), trata-se de “um exemplo expressivo de arquitetura de tendência art déco de inspiração náutica [ao incorporar] referências a passadiços e escotilhas além de mastros e formas curvas”. São esses valores arquitetônicos e formais “modernizadores” que são evocados na justificativa do tombamento do edifício. Para Alexandre Martins, arquiteto responsável pelo encaminhamento pedido de tombamento ao Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (CONPRESP), em 2010, o valor arquitetônico da edificação
6 Além do edifício principal do Cotonifício Crespi, dos anos 1920, o arquiteto é também autor de outros projetos importantes na cidade como o Grupo Escolar Campos Sales, a Escola Anhanguera, o Hospital Humberto I e a Capela Santa Luzia (do complexo Matarazzo), e uma série de projetos para a família Crespi, como a casa de Dona Marina Crespi, de Dona Renata Crespi-Prado, na Avenida Paulista. Giovanni Battista Bianchi (1885-1942) nasceu em Erba, na Itália, e teve sua formação profissional na Escola de Belas Artes de Milão. Atuou como arquiteto e engenheiro na Diretoria de Obras Públicas,e lecionou na Escola Politécnica entre 1911 e 1927. Volta ao Brasil em 1933, depois de uma temporada na Itália, por se opor ao regime fascista (SALMONI e DEBENEDETTI, 1981, p. 125).
[ 56 ] e [ 57 ] Residência na Praia do Guarujá, de 1939, que demonstram aspectos modernistas marcantes na obra do arquiteto Giovanni B. Bianchi. 90
“constitui significativo exemplar da arquitetura art-déco e moderna em São Paulo, em especial da influência dos arquitetos de origem italiana; e o valor histórico desse imóvel que, por mais de 70 anos abrigou funções sociais e educacionais, inicialmente vinculadas aos trabalhadores das indústrias Crespi, e posteriormente atendendo à população em geral dessa região”. (Departamento do Patrimônio Histórico, 2010, p. 46). Segundo a então conselheira relatora do DPH Adriana Ramalho no deferimento do tombamento da creche, a necessidade da proteção se justificava não apenas por valores de excepcionalidade arquitetônica, mas também, tendo em vista “o pano de fundo que pautava a educação pré-escolar da época, uma espécie de “projeto civilizatório” das camadas mais pobres da população, a creche é símbolo também do crescente processo de industrialização da cidade, aumento do operariado feminino, a multiplicação de escolas e redução das taxas de analfabetismo” (DPH, 2017, p. 271). É interessante destacar que, embora ao longo do processo tenham sido evocados valores históricos e simbólicos, os discursos institucionais (tanto a resolução de abertura do processo de tombamento quanto a resolução de tombamento em si) privilegiam as questões formais, valorizando sobretudo os aspectos volumétricos, espaciais, arquitetônicos e geométricos do edifício, não evocando, necessariamente, o valor das lutas sociais empenhadas pelo operariado, especialmente feminino, que resultou no surgimento de espaços destinados ao cuidado das crianças. Nota-se o caráter formalista das justificativas, que priorizam aspectos arquitetônicos e materiais de modo que a função educacional e social, bem como valores históricos relacionados aos desdobramentos do trabalho feminino, como os debates sobre a “moralização” do operariado, as virtudes de higiene e sanitarização na vida doméstica e divisão sexual do trabalho, são abordados de maneira pontual. No que diz respeito ao recorte temático aqui proposto e às questões espaciais a ele relacionadas, desenvolvidas ao longo do trabalho, é possível identificar valores arquitetônicos importantes no projeto original que se relacionam de maneira bastante próxima com as transformações em torno do papel da mulher e da infância nesse momento. Entre eles, destacam-se o uso de materiais considerados “higiênicos” como azulejos, cerâmicas e mármores, que facilitavam os hábitos de limpeza, além da organização de ambientes internos a partir de novas noções de praticidade e salubridade (PAULILLO, 2017). Há, por exemplo, na extrusão dos volumes semicirculares, os ambientes privilegiados do projeto, que correspondem aos elementos de maior destaque arquitetônico e volumétrico do edifício, destinados, por sua vez, aos espaços de aprendizado e recreação das crianças. Configuram-se para este fim salas espaçosas, bem servidas de ventilação e luz solar, como prezavam as recomendações médicas e sanitaristas, e refletem o processo de valorização da infância e dos seus espaços de cuidado, que ganhava força na época. As formas de ocupação dos espaços recreativos eram também bem determinadas, divididos, além da faixa etária, entre “sala de meninos” e “sala de meninas”, o que demonstra, já na educação infantil, a definição clara de distinções sociais baseadas no gênero. A sala de amamentação para lactantes, no projeto original, ocupa um desses amplos espaços semicirculares, bem arejados e iluminados, reforçando não apenas a importância dada a esse ritual materno, defendida por critérios médicos e sanitários, mas também a ligação direta da creche com as trabalhadoras operárias, usuárias importantes e recorrentes desse edifício (fossem elas funcionárias do Cotonifício ou de outras indústrias das redondezas). Nesse sentido, o relato de uma operária na obra de Eva Blay (1985) sobre a espacialização da prática da amamentação, evoca também a inserção e conexão urbana que a creche estabelecia, territorializando uma rede de dinâmicas e de deslocamentos dessas mulheres entre os espaços da fábrica, da casa e da creche. 91
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[ 58 ]
Os trabalhadores tinham direito de pôr os filhos na creche. A gente ia na creche às 9 horas, punha um avental, desinfetava o seio, tomava café, depois subia pra cima num quarto reservado, com o avental, porque tinha umas 10, 12 mães que davam de mamar. Nós tínhamos 40 minutos de tempo. A gente toda limpinha, aí vinha a pajem trazia a criança, amamentava e vinha embora. Ia a pé daqui da Javari [rua da fábrica] até a Antonio de Oliveira [rua da creche]. As mães não vinham juntas não, cada uma era de uma seção, não se cruzavam. Depois, às 12 horas ia pra creche de novo, não ia pra casa, não. Almoçava na creche, eles davam almoço naquele tempo, hoje [1985] é tudo pago. Almoçava, tinha arroz e feijão, tinha polenta, carne moída. Eles tratavam bem as pessoas. Foi uma coisa boa que a Condessa Crespi deu pra gente. Aí a gente almoçava, desinfetava o seio, subia. Entrávamos a 1 hora aqui [na fábrica]. Então quer dizer que das 12 à 1 tinha que fazer tudo isso, almoçar correndo, dar de mamar e voltar. Depois de 3 horas voltava à creche de novo. Às vezes a mãe demorava mais tempo na rua que trabalhando. Nós amamentávamos até 3 meses, eles davam essa regalia. (...) E quando era de tarde a gente ia buscar as crianças. Aí eles davam uma cestinha de vime que vinha, de um lado as roupinhas, e no outro, 2 mamadeiras pra dar às 10 da noite e outra de manhã. Agora não, eles são uma exploração, criancinha que é bem pobre, que está lá dentro, tem que pagar 300 cruzeiros por mês. E nós não pagava um tostão. As crianças maiores entravam às 7 da manhã. Eu começava às 5. Tinha uma educadora, tinha médico, tinha bastante assistência mesmo, era uma creche como devia. Era uma caridade que a condessa Crespi fez que foi uma coisa de louco. (depoimento de trabalhadora operária, usuária da creche Marina Crespi, para BLAY, 1985, p. 273).
mapa | implantação urbana da creche escala 1:10000 escolas infantis da rede pública vias estruturais vias de menor porte trem (linha 10 CPTM) metrô *
(linha vermelha)
unidade que assumiu as famílias transferidas da creche Marina Crespi, desativada em 2010. 93
[ 59 ] Uma das salas de aula da creche nos anos 1950.
Ao cruzarmos as informações do relato com a ilustração ao lado, construída com base nas plantas originais, nota-se alguns aspectos relevantes na organização dos ambientes internos. A existência de salas destinadas ao atendimento médico e odontológico reforça a importância do poder médico e o caráter “civilizatório” do movimento sanitarista, sendo introduzido aos grupos sociais mais vulneráveis a partir da educação e formação das crianças. Havia, além de salas de enfermaria e atendimento psicológico, uma sala de isolamento para crianças suspeitas de portarem alguma doença contagiosa. Além disso, a presença da cozinha próxima aos espaços educacionais e recreativos das crianças evidencia o caráter assistencial da creche, tanto aos alunos quanto às operárias, como demonstra o relato. Aos fundos, ao sul do edifício, há um volume ortogonal da planta, onde se concentra uma zona privada de quartos e de serviços destinado aos funcionários. Nessa área, ficavam usos de caráter doméstico/reprodutivo, como lavanderia, dispensa, dormitórios e banheiros. A organização espacial, portanto, mesmo em um equipamento de educação, remonta às lógicas espaciais da domesticidade, e reúnem espaços menos privilegiados da arquitetura às atividades de caráter reprodutivo, ainda que não se trate de um uso habitacional. Nesse sentido, é relevante o dado de que a grande maioria dos funcionários da creche, entre professoras, cuidadoras, cozinheiras e a equipe de limpeza era composta por mulheres (DIAS, 2011, p. 12). Compreende-se que, ainda que a creche represente simbolicamente transformações nas dinâmicas de trabalho doméstico e produtivo, as tarefas ligadas ao campo do cuidado seguem sendo exercidos por mulheres (ainda hoje), mesmo que em um espaço externo à casa e configurado por trabalho remunerado formal. A creche se coloca, assim, como um espaço socialmente feminino na cidade. Seu objetivo é atender a uma demanda feminina, já que é exclusivamente a elas que são atribuídas obrigações que se tornam inviáveis com a sua entrada no mercado de trabalho industrial. O trabalho doméstico de cuidado é mantido como uma função das mulheres, transferido das mães para as cuidadoras, professoras e funcionárias da creche, mesmo que a distinção espacial não se traduza em mudanças nas atribuições dos papeis de gênero. Ao reconhecer os aspectos do recorte aqui proposto, construídos em torno da materialidade das relações entre gênero e trabalho no espaço construído, procura-se ampliar o significado do edifício, de modo que sejam incorporados ao conjunto de significados evocados no processo de tombamento e na historiografia oficial e reafirmem a importância de sua proteção e preservação, reforçando-o como um testemunho a ser salvaguardado não apenas como documento da arquitetura de seu tempo, mas também da história das relações entre trabalho, gênero e da participação das mulheres na construção dos espaços da cidade. 94
plantas | configuração original dos espaços internos [ 60 ]
13 14 3
S
S
4
5
6
2 26 25 24 23 22
7
12 15 11 16 17 8 9 18 10 21
20
19
1
11 3 4
5
6
7 8
2 21
10
12 13
20 19 18 17 16 15 14
1
crianças
9
cuidado
usos - 1º pavimento 1. sala de meninos 2. sala de lactantes 3. sala de meninas 4. pré-primário 5. sanitários 6. chuveiros 7. quarto 8. quarto 9. wc funcionários 10. despensa 11. cozinha 12. copa 13. quarto
14. quarto 15. banheiro 16. quarto 17. saleta 18. quarto 19. sala de isolamento 20. sala dos professores 21. sala da diretoria 22. hall 23. sala de visitas 24. berçário 25. rouparia 26. enfermaria
usos - pavimento térreo 1. salão (crianças de 2,5 a 3,5 anos) 2. salão (crianças de 3,5 a 5 anos) 3. salão (crianças de 1,5 a 2,5 anos) 4. refeitório 5. sanitários 6. refeitório 7. chuveiros 8. sala funcionários 9. wc funcionários
funcionários
10. despensa 11. lavanderia 12. dormitório 13. sala psicologia 14. refeitório 15. refeitório 16. escritório 17. secretaria 18. hall de entrada 19. despensa 20. copa 21. cozinha
uso médico
95
A CRECHE E OUTROS USOS O edifício de Bianchi funcionou como equipamento do complexo do Cotonifício Crespi entre 1936 e 1966, mesmo após o fechamento da fábrica em 1960 (BLAY, 1985, p. 264). Nesse ano, com a transferência da presidência do Conselho da Fundação às irmãs Missionárias Franciscanas de Maria, passou a funcionar em convênio com a Prefeitura, abrigando a Associação Montessori do Brasil (de 1969 a 1997), e sede da Fundação Ninho Jardim Condessa Marina Regoli Crespi, como pré-escola, com crianças de até 7 anos (DIAS, 2011-a, p. 24). Ao longo desta gestão, foram realizadas as intervenções mais significativas, que consistiram na construção do edifício anexo e na ampliação de trechos do segundo e terceiro pavimentos, regularizadas em 1983. Em 1999, a administração é transferida para a Associação Santo Agostinho e, uma década depois, uma determinação da Secretaria da Educação solicita sua desativação devido à precariedade e má manutenção do prédio, sendo, então, desativada7. A Fundação realiza, no mesmo ano, a venda do imóvel a uma incorporadora, interessada em realizar um empreendimento imobiliário no local, que se dá sob condição de permissão de total demolição. Em 2010, iniciado o processo de demolição, no qual foi removida completamente a cobertura do terceiro pavimento, e diante do claro risco de perda do edifício, houve uma mobilização dos moradores e foi encaminhado pelo arquiteto Alexandre Martins o pedido de tombamento da creche, em caráter de urgência8. Em meio ao abandono do edifício, impedido de sofrer intervenções por conta da abertura do processo de tombamento, inicia-se o processo de ocupação por famílias sem teto. Ao longo de três anos e meio, a ocupação intensificou um processo de deterioração que já vinha afetando o edifício, como demonstra a interdição pela
7 “Foi considerado impróprio devido a seu estado de conservação (umidade excessiva provocada por vazamentos internos, parte elétrica e hidráulica comprometida, telhado com vazamentos, etc).” (DPH, 2010, p. 238) 8 Após a abertura do processo de tombamento ao CONPRESP, em caráter de urgência dado o estado do edifício já em processo de demolição, em 2010, é promulgada a Resolução 03/2010 que determina a abertura do Processo de Tombamento da creche e, enfim, o deferimento do tombamento, em 28 de novembro de 2017, pela resolução 42/2017.
[ 61 ] A creche nos anos 1970, já com as intervenções de ampliação no segundo pavimento.
[ 62 ] e [ 63 ] Famílias na fase de ocupação do edifício.
prefeitura. Segundo Pereira (2016, p. 113), existe um processo de “desvalorização material da edificação com respectiva revalorização fundiária, interrompido pela revalorização arquitetônica e histórica do tombamento, e retomado quando ocorreu a ocupação.” As famílias que ali viveram realizaram algumas intervenções pontuais, que consistem, basicamente, em “puxadinhos” descaracterizadores e agravamento de alguns aspectos de desgaste e deterioração material. Entre a remoção das famílias sob ordem judicial, em 2014, e a última visita, em março de 2020, o edifício da creche segue desocupado. Embora tenha passado por todas essas intervenções, o edifício manteve um bom grau de originalidade, não havendo perdido os elementos principais de sua arquitetura. O desenho do acesso principal, as duas escadas externas, e os pilares e aberturas circulares seguem íntegros (com algumas aberturas de passagem realizadas posteriormente) seguem a configuração original. Ainda que a maior parte das esquadrias tenha sido suprimida, os materiais das fachadas seguem originais, com destaque para o bom estado da argamassa raspada. Com exceção dos “puxadinhos” realizados na fase de ocupação de famílias sem-teto, as intervenções realizadas na segunda fase foram relativamente cuidadosas, ainda que não regularizadas de pronto. Segundo os pareceres do DPH, não comprometeram a leitura arquitetônica do edifício, mantendo certa unidade estética e volumétrica, utilizando-se de vãos de aberturas, materiais e volumes compatíveis com o projeto original, sendo sua demolição facultativa para futuras intervenções. (DPH, 2017). A conservação do edifício, por outro lado, é um grave problema, resultado do desgaste natural aliado a anos de práticas insuficientes de manutenção. Destacam-se as infiltrações severas e a tomada por vegetação abundante, que prejudicam a integridade dos materiais. Internamente, apesar do péssimo estado de conservação e dos intensos processos de deterioração causados pela forte umidade, desgastes, saques e demolições, a distribuição dos espaços internos segue majoritariamente inalterada, com a presença de muitos dos revestimentos em azulejos ou cerâmicas, e os acabamentos arredondados das quinas e arestas. Os acabamentos em mármore das escadas internas foram mantidos, mas os ornamentos internos com motivos religiosos já não existem mais. 97
diagrama | cronologia construtiva [ 64 ]
fase 3 | 2007 a 2010 ocupação por famílias sem teto + “puxadinhos”
fase 2 | 1970 a 1983 ampliações feitas pela Fundação + ampliação do segundo e terceiro pavimentos + construção do anexo
fase 1 | 1934 projeto original
98
[ 65 ]
[ 66 ]
[ 67 ]
[ 68 ]
[ 69 ]
[ 70 ]
102
[ 71 ]
[ 72 ]
[ 73 ]
[ 74 ]
[ 75 ]
[ 76 ]
103
[ 77 ] Vista do terceiro pavimento (cujo telhado foi removido), em direção à escadaria principal.
104
[ 78 ] Vista do terceiro pavimento. O piso em cacos de cerâmica original remontam ao uso original de terraço descoberto.
105
[ 79 ] e [ 80 ] vista do interior das salas semi circulares.
106
[ 81 ]
[ 82 ]
[ 83 ]
[ 84 ]
[ 85 ]
[ 86 ]
[ 87 ]
107
[ 88 ]
[ 89 ]
[ 90 ]
PROJETO
MEMORIAL partidos de intervenção
A aproximação arquitetônica e espacial com o edifício da Creche foi construída através da articulação de diferentes ferramentas de estudo de forma concomitante e complementar: por um lado, o estudo bibliográfico, fomentado pelos dados teóricos históricos e sociais apresentados ao longo do trabalho, e, por outro, o estudo projetual, que se deu a partir dos desenhos acessados no dossiê de tombamento da prefeitura e de uma visita de campo9. O estudo do espaço arquitetônico do edifício, entre a escala e inserção urbana e dados construtivos mais específicos, destacou aspectos interessantes que não necessariamente haviam sido expressos no estudo bibliográfico. Da mesma forma, as leituras foram complementando a compreensão do projeto, construindo conexões que não eram explicitamente legíveis com o estudo do espaço per si. O ensaio projetual aqui apresentado não foi pensado como uma “conclusão” dos aspectos estudados nos capítulos anteriores, tampouco tem a pretensão de solucionar as lacunas em torno dos processos históricos de reconhecimento e representação. Foi uma das ferramentas de estudo e um importante método de análise e compreensão do espaço a partir do ponto de vista do recorte adotado, sendo utilizado como um exercício de incorporação dessas questões na prática projetual. A partir dessas frentes de trabalho, a concepção do projeto partiu de dois pontos principais: o primeiro, de grande urgência, se trata de recuperar materialmente a conservação do edifício, através de propostas projetuais de restauro que buscam viabilizar sua sobrevivência física e simbólica para as gerações futuras. Isso se deu, em parte, a partir da definição de ações conservativas gerais. No entanto, dado que a conservação material não se sustenta de forma isolada, tem-se a proposição de um novo programa, que busca restabelecer a ocupação do edifício, recuperando sua vocação na cidade e valorizando seu significado enquanto patrimônio histórico, acessível a todos. Para tal, propõe-se o restabelecimento do edifício como creche, que, para além do significado da função original, histórica e simbólica do edifício, é aqui entendida como um equipamento de grande demanda urbana, sendo, ainda hoje, uma importante condição na dinâmica das relações de gênero na cidade, viabilizando os trajetos cotidianos dos trabalhadores, especialmente das mulheres, que ainda, de forma geral, seguem as únicas responsabilizadas por esse tipo de cuidado (GIANNOTTI et. al., 2017).
110
9 Esse nível de aproximação foi possível graças ao escritório Ambiência Arquitetura e Restauro, que permitiu o acesso aos documentos e a visita ao imóvel.
O segundo ponto está relacionado com a perspectiva de gênero inserida na discussão do patrimônio que foi desenvolvida ao longo do presente trabalho, que adiciona ao conjunto de valores atribuídos ao edifício, também, o significado de um importante lugar de memória sobre a luta das identidades femininas na cidade, destacando sua presença nos processos históricos e sua importância como agentes sociais e políticos na evolução urbana paulistana. Entendendo o complexo conjunto de fatores que tornam o edifício da creche um importante marco no patrimônio histórico e cultural da cidade também desse ponto de vista, propõe-se a criação de um centro de memória, vivência e cultura dedicado às lutas das mulheres e ao combate às desigualdades de gênero, enaltecendo seu valor na contribuição da construção histórica da cidade e oferecendo um espaço dedicado a destacar e debater essa presença. Esse uso consistiria em um núcleo de apoio, acolhimento e discussão sobre o tema, composto por espaços multiuso que permitam o encontro cotidiano, além de atendimento psicológico, uma pequena área expositiva e uma biblioteca, de modo a oferecer às usuárias e usuários ferramentas de questionamento e conhecimento em torno dessas questões, instrumentalizando o debate. Esse espaço permitiria uma pequena exposição permanente sobre o valor histórico, social e arquitetônico do edifício da creche, a ser reconhecido dentro de sua própria comunidade, além de exposições esporádicas variadas. Trata-se, assim, da proposição de um espaço também destinado à troca de experiências, discussões, rodas de conversa e rituais cotidianos de acolhimento entre os usuários da creche, que abrigue as pequenas formas de resistências diárias em torno dos significados do “ser mulher” na sociedade.
111
[ 91 ] e [ 92 ] o edifĂcio anexo da creche.
112
10 Os acessos estão respectivamente indicados no diagrama de “reorganização dos acessos”, apresentado a seguir. 11 Segundo a resolução de tombamento da creche, “fica facultada a demolição destes acréscimos, de modo a preservar apenas os ambientes previstos no projeto original de 1934” (RES 42 2017).
O centro de memória, vivência e cultura é proposto no edifício já existente anexo à creche, um bloco de dois pavimentos de estrutura de concreto armado construído nos anos 1970 e regularizado alguns anos depois. O aproveitamento da estrutura já construída do edifício permitiria a não destruição de um vestígio importante sobre a sua história, valorizando suas diferentes etapas históricas de ocupação, além de não adicionar volumes novos que possam prejudicar a leitura espacial do lote. Através deste espaço, seriam possíveis eventos aos finais de semana ou em horários variados, garantindo o resguardo do núcleo educativo, concentrado no edifício histórico. A utilização do anexo, viabilizaria, por exemplo, o uso do novo programa pelas famílias atendidas atendidas pela creche, enquanto as crianças estão sob os cuidados das atividades educativas, ao mesmo tempo em que se guarda uma certa privacidade às usuárias e usuários, exigida pelas reuniões, debates e atividades propostas. A separação entre o núcleo educativo e cultural em dois blocos distintos situaria o edifício anexo como um espaço de intermédio entre o público externo e a creche, compreendendo as questões de controle de acesso que exige um equipamento de educação infantil. Nesse sentido, a organização dos acessos é importante, na medida em que distingue a entrada dos diferentes públicos: tem-se um acesso de serviços, na rua João Antonio de Oliveira, em leito carroçável, de carga e descarga (hoje o único acesso existente); outro central, na mesma rua, onde foi o acesso original, dedicado à entrada e saída das famílias usuárias da creche e equipe de funcionários; e o terceiro, através do edifício anexo, dedicado a visitantes externos10. Um terceiro ponto é que, arquitetonicamente, o edifício não prejudica a leitura da arquitetura original da creche, tendo apenas dois pavimentos e situado na borda do lote. A presença da vegetação, o baixo gabarito, e as formas simples tornam o anexo em questão uma presença sutil, que não destoa da arquitetura histórica e não prejudica sua inserção e leitura11. Além disso, a criação de um novo acesso pelo edifício anexo, na rua dos Trilhos, se relaciona com a criação de mais um ponto ativo nesta rua, que conta, por um longo perímetro, com muros altos ao longo do lote, configurando fachadas inativas, longe dos “olhos da rua”. Sabe-se, nesse sentido, utilizando-se da expressão de Jane Jacobs (1961), que a questão das fachadas ativas é de grande importância na experiência do caminhar na cidade, ampliando as relações entre usuário e espaço construído e favorecendo a sensação de segurança e, o que é especialmente relevante no caso das mulheres.
113
diagrama | partidos de projeto
preservação da volumetria [ 93 ]
manutenção das fachadas
ocupação do edifício an [ 96 ]
ações conservativas ger
[ 94 ]
[ 97 ]
paisagismo e manutenção do conjunto arbóreo
reorganização dos acess
[ 95 ]
[ 98 ]
114
1
nexo
recomposição das esquadrias [ 99 ]
rais
distinção de materialidade [ 100 ]
sos
fluxos internos [ 101 ]
2
3
115
diagrama | usos [ 102 ] 12
11 9
10
7
8
6
5 4
5 3
4
2 1
2 3 1
núcleo educativo
116
núcleo de apoio
1
sala de atividades (faixa etária 1)
7
sala multiuso
1
biblioteca
2
apoio educativo
8
terraço descoberto
2
salão em meio nível
3
apoio professores
9
apoio professores
3
área externa de leitura
4
sala de atividades (faixa etária 2)
10
apoio educativo
4
atendimento psicológico
5
apoio educativo
11
terraço descoberto
5
espaço expositivo
6
apoio funcionários
12
área técnica
No que se refere às decisões de preservação, buscou-se, para o edifício histórico, principalmente, restabelecer a linguagem arquitetônica e a unidade física do edifício, mantendo seus elementos principais, como a manutenção geral das fachadas, restaurando seus materiais (tijolo aparente, bastante danificado, e a argamassa raspada, em bom estado). Paralelamente, tem-se a proposição de intervenções específicas de viabilização do uso educacional, com atualização de recomendações técnicas, como as esquadrias e a organização do layout interno e acessibilidade. O tombamento define “a proteção dos elementos externos da edificação principal da antiga creche. Deverão ser protegidos os elementos construtivos que marcam a volumetria e a fachada da construção, como a escadaria dupla central, a marquise, os pilares, o tamanho do vão das janelas e os corpos semicirculares salientes. Também deverão ser preservados os revestimentos da fachada, como os tijolos aparentes e a argamassa raspada”. Foram recomendadas, à época da abertura do processo de tombamento, diretrizes básicas pela Seção Técnica de Crítica e Tombamento, que definiam a preservação ou não dos volumes não originais do edifício como uma decisão facultativa a futuras intervenções, já que esse acréscimo “não comprometeu a qualidade do projeto”. Além disso, recomenda-se que “não devem ser acrescentadas novas construções no terreno”. (DPH, 2017). Assim, é prevista a preservação da volumetria original, (destacada em cinza na figura 64), assim como dos volumes da segunda fase (destacados em azul na mesma figura), que, como vimos, se adequam relativamente bem à linguagem original, ao ritmo de aberturas e técnica material, havendo sido, inclusive, já regularizados. A manutenção desses volumes posteriores assumiu, também, a atualização das demandas espaciais de uma creche de grande porte, que passaram por um processo de evolução ao longo do tempo, sendo necessários espaços que não constavam originalmente, especialmente de ordem administrativa. Por outro lado, por questões físicas de compatibilidade construtiva e viabilização da leitura do edifício propõe-se a demolição dos volumes construídos na última fase de ocupação (destacados em vermelho), ainda irregulares. No caso dessa fase em específico, compreende-se que é possível contar sua história por outros aspectos além da preservação dos volumes, como recomposições em argamassas de diferentes tonalidades nas áreas em que se construiu os “puxadinhos”, por exemplo. No terraço descoberto maior, em particular, onde restam apenas as paredes, havendo sido removidos o telhado e as janelas, previu-se fechamentos simples de esquadrias em vidro fixo, de forma a consolidar a ambiência do espaço descoberto a partir da manutenção dessa fase da história do edifício, não apagando as evidências dos processos pelos quais passou. Essa solução procura, além de garantir a segurança contra quedas devido ao uso das crianças sem que sejam necessárias intervenções visualmente impactantes como grades ou redes de proteção, criar uma relação contemplativa com a paisagem, “emoldurando” as diferentes perspectivas do entorno e valorizando-a como parte importante da compreensão do espaço (ver imagem 90). Assim, busca-se considerar e valorizar todas as fases do edifício, que ajudam a contar sua história e seu contexto, compreendendo a passagem do tempo e as transformações simbólicas como elementos importantes dos espaços a serem preservados. 117
intervenções | volumetria [ 103 ]
3º pav.
fase 3 | 2007 a 2010 A DEMOLIR
2º pav.
fase 2 | 1970 a 1983 A RESTAURAR
fase 1 | 1934 A RESTAURAR
1º pav.
térreo 118
[ 104 ]
intervenções | revestimentos Entre as ações conservativas, indica-se estratégias de caráter geral, dada a necessidade de testes e prospecções para a avaliar a necessidade de refazimento, consolidação ou remoção de material. Entre elas, de forma geral, tem-se a modernização de infraestrutura de elétrica e hidráulica, a impermeabilização das lajes, tratamento das infiltrações, refazimento do sistema de calhas, substituição dos revestimentos condenados, etc. A visita à creche permitiu a compreensão da articulação entre o emprego de determinados materiais e os usos dos ambientes, destacando a presença de revestimentos modernos para a época, como os azulejos cerâmicos, por exemplo. De fácil limpeza e higienização, são empregados nas áreas úmidas como a cozinha, banheiros, chuveiros e lavanderia, em concordância com os ideais sanitaristas. Além dos banheiros, azulejos cerâmicos são utilizados também nos salões semicirculares do piso térreo e nas áreas comuns de circulação. O piso em tacos de madeira foi empregado nas salas internas, mas já se encontra em estado avançado de degradação por umidade. Os revestimentos em cacos de cerâmica, ainda presentes nos espaços que abrigavam terraços originais no terceiro pavimento, foram mantidos e seguem em bom estado de conservação, mesmo com as ampliações. O projeto, nesse sentido, buscou manter essas associações, tal como na configuração original. Isso significa, portanto, que ainda que não seja possível o restauro dos revestimentos originais dado o estado avançado de deterioração, são mantidas as articulações entre o material e a função dos ambientes.
[ 105 ]
[ 106 ]
[ 107 ]
[ 108 ]
[ 109 ]
[ 110 ] 119
Em relação às áreas externas, percebe-se a grande relevância do corpo arbóreo situado em torno do lote. As árvores que circundam o terreno fazem parte da ambiência do espaço construído e devem ser mantidas. Há, no entanto, uma enorme quantidade de vegetação infestante, que utiliza a materialidade do edifício histórico como substrato causando uma série de patologias, devendo ser, portanto, removida. Os espaços externos serão remanejados, havendo tratamento do piso externo para peças de concreto semipolido, mais confortáveis para a realização de atividades externas educativas, e áreas ajardinadas, de modo a integrar os espaços entre a creche e o anexo. O entorno imediato da creche é marcado por vários dos elementos que compõem a paisagem dos bairros operários da Zona Leste de São Paulo que foram destacados nos capítulos anteriores. Tem-se uma paisagem horizontalizada característica de casas em série, unifamiliares, de um ou dois pavimentos e recuo mínimo, típicas da produção habitacional do início do século destinado a suprir as demandas habitacionais da região, e a fomentar o desenvolvimento do setor imobiliário na cidade. Nota-se, também, a presença de grandes lotes industriais, especificamente no edifício localizado em frente ao lote da creche, do outro lado da rua João Antonio de Oliveira, a antiga Fábrica de Louças Esmaltadas, de arquitetura tipicamente industrial, com fachadas de tijolos aparentes e esquadrias em ferro. Por fim, outro elemento característico, especialmente relacionado à ocupação contemporânea, é a torre verticalizada de unidades comerciais, localizada do outro lado da rua dos Trilhos, com mais de 20 pavimentos. Ainda que o tombamento não tenha definido para a creche proteção de área envoltória, tem-se no entorno imediato importantes aspectos dos processos de ocupação urbana do território que compõem a ambiência do patrimônio em questão, evocando importantes questões em torno dos contextos sociais e urbanos a partir dos quais se consolidou.
120
[ 111 ] vista 01: praça e torre verticalizada de unidades comerciais.
[ 112 ] vista 02: muro da creche, e mais a frente, do estádio.
[ 113 ] vista 03: residências unifamiliares de 1 ou 2 pavimentos e recuos mínimos, marcantes na paisagem da região.
[ 114 ]
01
02
rua João Antonio de Oli
veira
rua dos Trilhos
03
rua Javari
N 0
100
121
200m
[ 115 ] As esquadrias originais, das quais não foram encontrados registros precisos.
As esquadrias representam um aspecto específico do projeto, já que foram praticamente todas removidas (com exceção da porta de entrada de serviço, por exemplo). A resolução de tombamento define que “uma vez que foram retiradas esquadrias, estas devem ser repostas em conformidade ao desenho original”, no entanto, não foram encontrados registros precisos sobre seu desenho original. A partir das fotografias da época da construção, é possível inferir de forma simplificada o ritmo de aberturas, folhas e caixilhos no que diz respeito às esquadrias dos corpos semicirculares, mas não sobre o restante. Ainda que tenha se buscado a maior aproximação possível das esquadrias originais, a proposição de novas esquadrias considerou, também, a atualização de normas e recomendações em torno das questões de segurança, já que trata-se de um edifício de quatro pavimentos destinados ao uso educacional infantil. Além disso, as questões de reversibilidade e manutenção da leitura das fachadas são também aspectos importantes, de modo a evitar a proposição de estruturas visualmente impactantes como grades ou parapeitos embutidos, por exemplo. Optou-se, assim, por aspectos de segurança pontuais como os tipos de abertura, que permitem maior controle e menor acesso das crianças, o uso bandeiras fixas, que aumentam a altura do parapeito de segurança, e maçanetas altas, que dificultam o acesso.Essas decisões são complementadas por definições pontuais de projeto, como a proposição de mobiliário, que aumenta a distância entre as crianças e as aberturas, mantendo, ainda, a entrada de luz e ventilação e a organização interna dos ambientes.
122
Tipos de esquadrias propostos: [ 116 ]
tipo A | salas semicirculares mesmas proporções de abertura das originais, porém, com abertura em mecanismo maxim-ar, que limita o tamanho do vão, sendo assim, mais segura do que a abertura total, em giro, da original.
tipo C | aberturas do terraço descoberto
tipo B | aberturas ortogonais 2x2m mesmas proporções de abertura das originais, no entanto, invertendo a bandeira fixa para a parte inferior, aumentando a altura do parapeito. Maçanetas na parte superior, fora do alcance das crianças.
tipo D | portas principais ainda existentes, sendo necessário o restauro.
123
diagrama axonomĂŠtrico | entorno [ 117 ]
124
125
planta | implantação 1:500
rua dos Trilhos
[ 118 ]
126
0
10
20m
rua Javari
N
rua JoĂŁo Antonio de Oliveira
127
[ 119 ]
perspectiva 01 | vista da entrada principal da creche.
planta | pavimento térreo D’
[ 120 ]
4 A
1
B
C
C’ 3
1 C
2 B
D
D
2
B
1 A
C
C
7
A
1 C
legenda - ambientes (creche) 1 salas multiuso (x3) 2 salas de aula (x2) 3 sanitários infantis 4 refeitório (refeições rápidas) 5 chuveiros 6 sanitários 7 cozinha 8 refeitório (refeições principais)
9 fraldário 10 berçário 11 lactário 12 dispensa 13 depósito de lixo 14 lavanderia 15 sala dos professores
legenda - ambientes (anexo) 1 recepção 2 espaço multiuso 3 área de leitura externa 4 sanitários
0
5
10m
N
B’
15
B
14 A 13 A 4
2
3
B
A
B
5
A
6
12
A
A
D
8
9
A
B
10 B
A’
11 B
F
B
legenda - piso A azulejo polido B piso de madeira C piso cerâmico D mármore E granilite F caco cerâmico 131
planta | primeiro pavimento D’
[ 121 ]
2 A
3
1
B
C
C’
1 C
D
A
D
2 B
1 A
C
C
7
B A
1 C
legenda - ambientes (creche) 1 salas multiuso (x3) 2 salas de aula (x2) 3 sanitários infantis 4 refeitório (refeições rápidas) 5 chuveiros 6 sanitários 7 sala de repouso 8 refeitório (refeições rápidas) 9 sala pedagogia/psicologia 10 recepção
11 sala de espera 12 administração 13 diretoria 14 enfermaria 15 depósito 16 lavanderia 17 descanso funcionários 18 banheiro funcionários
legenda - ambientes (anexo) 1 área expositiva 2 sanitários 3 atendimento psicológico
8
B
0
5
10m
N
B’
17 B
17 B
18
18 A
A
16 A
15 A 4
2
3
5
A
B
6
14
A
B
A
E
10
9
B
B
11 B
A’
12 B
13 B
B
legenda - piso A azulejo polido B piso de madeira C piso cerâmico D mármore E granilite F caco cerâmico 133
planta | segundo pavimento D’
[ 122 ]
C
C’
2 F D
D
4 F A 1 F
3 F
legenda - ambientes (creche) 1 sala multiuso 2 terraço descoberto 3 sala de apoio professores 4 sala de aula 5 chuveiros 6 depósito - material de limpeza 7 depósito - material educativo 8 terraço descoberto
0
5
6
7
F
F
10m
N
B’
A
5
E
A’ 8
F
B
legenda - piso A azulejo polido B piso de madeira C piso cerâmico D mármore E granilite F caco cerâmico 135
planta | terceiro pavimento D’
[ 123 ]
C
C’
D
A
1 B 2
B
legenda - ambientes 1 área de apoio professores 2 depósito 3 sala de reuniões
B’
3 B
A’
B
legenda - piso A azulejo polido B piso de madeira C piso cerâmico D mármore E granilite F caco cerâmico 137
[ 124 ]
perspectiva 02 | vista externa entre a fachada norte da creche e o anexo.
corte AA’ 1 : 300 [ 125 ]
corte BB’ 1 : 300 [ 126 ]
corte CC’ 1 : 300 [ 127 ]
corte DD’ 1 : 300 [ 128 ]
0
5
10m
141
fachadas | vista oeste
[ 129 ]
fachadas | vista sul
B
A
A
fachadas | vista leste 142
[ 130 ]
fachadas | vista norte
[ 132 ]
0
5
10m
[ 131 ] 143
[ 133 ]
perspectiva 03 | vista interna do salĂŁo semi circular leste, no pavimento tĂŠrreo.
[ 134 ]
perspectiva 04 | vista do terraรงo descoberto no terceiro pavimento.
diagrama axonométrico | edifício anexo vista A [ 135 ]
pavimento superior
pavimento térreo + meio nível
148
B
vista B
A
[ 136 ]
149
[ 137 ]
perspectiva 04 | vista interna do edifĂcio anexo.
considerações finais
Esse trabalho foi resultado de um processo de reflexão em torno dos significados simbólicos e sociais dos espaços da arquitetura e da cidade a partir da perspectiva das relações de gênero. A ampliação desses significados para além da funcionalidade e da materialidade formal são uma grande contribuição do campo da memória, que nos permite reconhecer e salvaguardar, através do espaço físico, as histórias daqueles que o construíram. Pessoalmente, foi muito significativo o processo de reconhecimento desses significados no meu bairro e na história da minha família através do conhecimento e do olhar sensível que a trajetória na FAU me ofereceu. Essa perspectiva não é e não deve ser uma ferramenta isolada de leitura do espaço. Aqui, buscou-se aplicá-la a um recorte específico a fim de dar voz a agentes da história cuja participação conhecemos muito pouco, evocando novas camadas de sentido e de atribuição de valor à memória desses grupos. Aqui também se compreende a limitação de se assumir o gênero como uma perspectiva única na medida em que em torno do sujeito “mulher” existe uma série de identidades distintas, submetidas às mais diversas construções sociais, assim como raça, classe, sexualidade, entre outros, também o são. Foi diante dessa limitação que o trabalho se definiu em torno de uma identidade específica, a da mulher operária. O espaço construído, como vimos, carrega em si marcadores de gênero na medida em que determina a organização dos agentes sociais em territórios e dinâmicas específicos, atribuídos às identidades sociais construídas. A construção dessas relações, especialmente nesse momento final de formação acadêmica e início da vida profissional, se traduz, na prática, como uma busca por ampliar os valores que nós, arquitetos e arquitetas, enxergamos no espaço sobre o qual nos debruçamos, incorporando pontos de vista mais variados e diversos daqueles que construímos particularmente a partir dos nossos contextos pessoais. Como um dos elementos constitutivos dessa construção, a perspectiva de gênero pode fazer parte da leitura e da proposição realizada no exercício da arquitetura, contribuindo para que o gesto projetual dos arquitetos e arquitetas contemple assim uma diversidade maior de experiências, sujeitos e narrativas.
152
O trabalho sugere, nesse sentido, uma forma de ampliação da compreensão política da arquitetura e do nosso papel enquanto agentes leitores e transformadores do espaço, assim como definidores daqueles que são ou não preservados para as gerações futuras. Para isso, buscou-se trazer à luz narrativas daqueles que não tiveram voz, mas que participaram ativamente da construção daquilo que somos hoje. Reconhecer narrativas importantes que não foram expressamente representadas na construção da história dos espaços da cidade é uma forma de ampliar os caminhos possíveis para não apenas compreender as raízes das desigualdades, mas também para buscar, no espaço, meios de reduzi-las. Aqui, esse esforço foi feito a partir de uma identidade histórica muito específica, que durou algumas décadas em um território determinado, mas pode, claramente, se expandir e ser aplicado para compreender uma série de outros recortes, de outras desigualdades, outros grupos, em outros territórios e em outros tempos. Espera-se que, com o exemplo aqui proposto, mais histórias possam ter seus significados ampliados, seus agentes reconhecidos e sua memória legitimada.
153
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SILVA, Joana, & FERREIRA, Pedro. Os sentidos do morar em três atos: representação, 157
ANEXOS
anexo | fichas de levantamento
BELENZINHO BRĂ S
MOOCA
N
160
BRÁS 01. CASA DAS RETORTAS
end.: rua Maria Domitila, 79 distrito: Brás ano de construção: 1889 arquiteto: William Ramsey
tombamento: CONPRESP (res. 09/2012) e CONDEPHAAT (SC-20/2010) uso original: industrial uso atual: cultural (previsão de insalação do Museu da História do Estado de São Paulo)
end.: av. Rangel Pestana, 842
02. COMPLEXO DO GASÔMETRO
distrito: Brás ano de construção: 1890 tombamento: CONPRESP (res. 09/2012) e CONDEPHAAT (SC 20/2010) uso original: industrial uso atual: corporativo (sede da Comgás)
03. CONGREGAÇÃO PEQUENAS IRMÃS DIVINA PROVIDÊNCIA (ANTIGA CASA DA RODA) end.: rua Wandenkolk, 514 distrito: Brás ano de construção: 1901 tombamento: CONPRESP (res. 06/2016) uso: religioso
04. ANTIGA METALÚRGICA MATARAZZO
end.: Rua Carneiro Leão, 147 distrito: Brás ano de construção: uso original: industrial uso atual: demolido
end.: rua da Mooca, 190
05. LIGA OPERÁRIA DA MOOCA
distrito: Brás uso atual: descaracterizada
161
06. CASA RODOVALHO
end.: Rua Luis Gama distrito: Brás ano de construção: 1910 uso original: industrial
end.: rua Fernandes Silva, 296
07. TECELAGEM MARIÂNGELA
distrito: Brás ano de construção: 1904 tombamento: CONPRESP (res. 38/1992) uso original: industrial uso atual: desocupado
end.: rua do Bucolismo, 77
08. ANTIGO MOINHO MATARAZZO
distrito: Brás ano de construção: 1904 arquiteto: Nicolau Spagnuolo tombamento: CONPRESP (res. 38/1992) uso original: industrial uso atual: desocupado
09. GALPÕES MATARAZZO end.: rua do Bucolismo e rua Sampaio Moreira distrito: Brás ano de construção: 1904 tombamento: CONPRESP (res. 38/1992) uso original: industrial
162
end.: rua do Bucolismo e rua Sampaio Moreira
10. VILA QUEIROGA
distrito: Brás ano de construção: anos 1920 uso original: habitação operária uso atual: habitacional
11. IGREJA BOM JESUS DOS MATOSINHOS end.: rua Monsenhor Andrade, 49 distrito: Brás ano de construção: 1900 tombamento: CONPRESP (res. 26/2014) uso: religioso
12. EE ROMÃO PUGGARI end.: av. Rangel Pestana, 1482 distrito: Brás ano de construção: 1898 arquiteto: Ramos de Azevedo tombamento: CONPRESP (res. 29/2014) e CONDEPHAAT (SC 60/2010) uso: escolar
13. ANTIGA ESCOLA PROFISSIONAL MASCULINA
end.: rua Piratininga, 105 distrito: Brás ano de construção: 1917 tombamento: CONPRESP (RES. 24/2016) uso original: escolar uso atual: Fórum da Infância e da Juventude
163
14. FÁBRICA LABOR
end.: rua da Mooca, 699 distrito: Brás ano de construção: 1910
tombamento: CONPRESP (res. 22/2017) e CONDEPHAAT (SC 101/2014) uso original: industrial uso atual: desocupado
15. ETEC CARLOS DE CAMPOS
end.: rua Monsenhor Andrade, 798 distrito: Brás ano de construção: 1911 tombamento: CONPRESP (res.. 29/2014) e CONDEPHAAT (SC 60/2010) uso original: escolar (Antiga Escola Profissional Feminina) uso atual: escolar
16. FÁBRICA SANTANNA DE JUTA
end.: rua Florida (atual rua do Bucolismo) distrito: Brás ano de construção: 1898 uso original: industrial uso atual: demolido
17. EEPSG PADRE ANCHIETA (ANTIGA ESCOLA NORMAL DO BRÁS)
end.: rua Visconde de Abaetés, 154 distrito: Brás ano de construção: 1913 arquiteto: Manuel Sabater tombamento: CONPRESP (res. 05/1991) e CONDEPHAAT (SC 30/1988) uso: escolar
164
18. ANTIGA GARAGEM DE BONDES DA LIGHT
end.: av. Celso Garcia, 158 distrito: Brás ano de construção: 1900
tombamento: CONPRESP (res. 01/2014) e CONDEPHAAT (SC 02/2008) uso original: garagem de bondes uso atual: garagem da CMTC
19. CONJUNTO HABITACIONAL DO HIPÓDROMO
end.: Rua Antonio Rolim Jr. distrito: Brás ano de construção: anos 1920 uso original: habitação operária uso atual: habitacional
20. EDIFÍCIO NA R. JOLI
end.: r. Sampson, 208 distrito: Brás ano de construção: 1907 tombamento: CONPRESP (res. 06/2016)
uso original: indústria de tecelagem Ítalo Brasileira, posteriormente, sede das indústrias Matarazzo
end.: rua Joli, 273
21. TECELAGEM ÍTALO BRASILEIRA
distrito: Brás ano de construção: 1907 tombamento: CONPRESP (res. 06/2016) e CONDEPHAAT (SC 30/2018) uso original: industrial uso atual: comercial
end.: rua Bresser 662
22. VILA SIMEONE
distrito: Brás ano de construção: anos 1910 uso original: habitação operária uso atual: comercial 165
MOOCA 01. HOSPEDARIA DOS IMIGRANTES end.: Rua Visconde de Parnaíba 1316 distrito: Mooca ano de construção: 1887 tombamento: CCONPRESP (res. 05/1991) e CONDEPHAAT (SC 27/1982) uso original: hospedaria uso atual: Museu da Imigração
02. ANTIGA FÁBRICA ALPARGATAS
end.: R. Dr. Almeida Lima, 1134 distrito: Mooca ano de construção: 1908
tombamento: CONPRESP (RES. 05/1991) e CONDEPHAAT (SC 27/1982) uso original: indústria de calçados uso atual: Universidade Anhembi Morumbi
end.: rua dos Trilhos
03. ANTIGA FÁBRICA ARAMINA
distrito: Mooca ano de construção: 1898 uso original: indústria de tecelagem uso atual: demolido
04. ANTIGA CIA. DE LOUÇAS ESMALTADAS
end.: rua dos Trilhos distrito: Mooca
ano de construção: 1903 uso original: indústria de louças uso atual: industrial
05. ANTIGA FÁBRICA CLARK
end.: rua da Mooca e rua João Antonio de Oliveira distrito: Mooca ano de construção: 1908 uso original: indústria de calçados uso atual: atual IMESP 166
06. CRECHE MARINA CRESPI
end.: rua João Antonio de Oliveira distrito: Mooca ano de construção: 1936 arquiteto: Giovanni Battista Bianchi
tombamento: CONPRESP (res. 42/2017) uso original: creche uso atual: desocupada
end.: rua Javari 101
07. ESTÁDIO CONDE R. CRESPI
distrito: Mooca ano de construção: 1925 tombamento: CONPRESP (res. 06/2016) uso: estádio de futebol
08. VILA OPERÁRIA R. CRESPI end.: trav. Cavalheiro Rodolfo Crespi distrito: Mooca ano de construção: 1916 uso original: vila operária uso atual: habitacional
09. COTONIFÍCIO CRESPI end.: rua Javari 403 distrito: Mooca ano de construção: 1897 arquiteto: Giovanni Battista Bianchi tombamento: CONPRESP (res. 06/2016) uso original: indústria de tecelagem uso atual: supermercado
167
10. EE OSWALDO CRUZ
end.: rua da Mooca, 2183 distrito: Mooca ano de construção: 1911 arquiteto: A. Toledo
tombamento: CONPRESP (res. 29/2014) e CONDEPHAAT (SC 60/2010) uso: escolar
11. CONJUNTO R. IOLANDA
end.: rua Javari 101 distrito: Mooca ano de construção: anos 1920 uso original: habitação operária uso atual: habitacional
12. ANTIGA FÁBRICA CIA UNIÃO DOS REFINADORES end.: rua Borges de Figueiredo distrito: Mooca ano de construção: 1910 uso original: industrial uso atual: demolido
13. TECELAGEM S. TEREZINHA (TRÊS IRMÃOS ANDRAUS)
end.: rua Orville Derby 277 distrito: Mooca ano de construção: 1897
uso original: indústria de tecelagem uso atual: condomínio habitacional de alto padrão
14. CONJ. DA RUA HENRIQUE DANTAS
end.: rua Henrique Dantas distrito: Mooca
ano de construção: anos 1920 uso original: habitação operária uso atual: habitacional
15. CIA ANTARCTICA PAULISTA / CERVEJARIA BAVARIA end.: rua Presidente Wilson 251 distrito: Mooca ano de construção: 1892 tombamento: CONPRESP (res. 19/2016) 168
uso original: indústria de cervejas
16. ESTAÇÃO DE TREM DA MOOCA end.: rua Presidente Wilson 1009 distrito: Mooca ano de construção: 1898 tombamento: CONPRESP (res. 14/2007) uso original: estação de trem
17. OFICINAS DA CASA VANORDEN S/A end.: Rua Monsenhor João Felipo, 1 distrito: Mooca ano de construção: 1909 arquiteto: Jorge Krug tombamento: CONPRESP (res. 14/2007) uso original: indústria gráfica uso atual: galpão da estação Mooca de trem
18. CONJ. GRANDES MOINHOS MINETTI GAMBA end.: Rua Borges de Figueiredo 112 distrito: Mooca ano de construção: 1909 arquiteto: Jorge Krug tombamento: CONPRESP (res. 14/2007) e CONDEPHAAT (SC 31/2013) uso original: indústria
19. ANTIGA FÁBRICA FIAT LUX
end.: Rua Borges de Figueiredo 680 distrito: Mooca ano de construção: 1906 arquiteto: Jorge Krug
tombamento: CONPRESP (res. 19/2011) uso original: indústria de fósforos
169
20. CONJUNTO DE GALPÕES E ARMAZÉNS end.: Rua Borges de Figueiredo distrito: Mooca ano de construção: de 1900 a 1920 tombamento: CONPRESP (res. 14/2007) uso original: galpões e armazéns industriais
21. CONJ. SOC. TECNICA BREMENSIS E SCHMIDT TROST end.: Rua Borges de Figueiredo 1294 distrito: Mooca ano de construção: 1925 tombamento: CONPRESP (res. 14/2007) uso original: industrial
22. TEATRO MUNICIPAL DA MOOCA ARTHUR AZEVEDO end.: av Paes de Barros 995 distrito: Mooca ano de construção: 1952 tombamento: CONPRESP (res. 29/1992) uso: teatro
23. ANTIGO HIPÓDROMO
end.: av. Paes de Barros 995 distrito: Mooca ano de construção: 1889 uso original: teatro uso atual: demolido (atual parque)
24. TECELAGEM SANTA CELINA
end.: Rua Catarina Braida e Rua Marcial distrito: Mooca uso original: indústria de tecelagem
uso atual: demolido (atual condomínio de apartamentos)
end.: rua Padre Benedito Maria Cardoso, 82 distrito: Mooca tombamento: CONPRESP (res. 18/2018) uso: habitacional 170
25. IAPIS
BELENZINHO 01. ÁREA DO BELÉM 882
end.: rua Silva Leme, 80 distrito: Belenzinho tombamento: CONPRESP (res. 02/2016) uso: habitacional
02. COTONIFÍCIO ADELINA
end.: Rua Visconde de Parnaíba e Rua Lopes Coutinho distrito: Belenzinho ano de construção: 1932 uso original: indústria de tecelagem uso atual: demolido end.: rua Lopes Coutinho 74
03. ÁREA DO BELÉM 376
distrito: Belenzinho tombamento: CONPRESP (res. 02/2016) uso: habitacional
04. CASARÃO NA AV. CELSO GARCIA
end.: av. Celso Garcia, 849 distrito: Belenzinho
tombamento: RES. 06/2016 uso original: habitacional uso atual: desocupado
05. FÁBRICA ORION end.: rua Joaquim Carlos 71 distrito: Belenzinho tombamento: CONPRESP (res. 06/2016) uso original: indústria uso atual: desocupado
171
end.: rua Santa Clara
06. VILA SANTA CLARA
distrito: Belenzinho uso original: vila operária uso atual: demolido
end.: Rua Saldanha Marinho 138
07. ÁREA DO BELÉM 842
distrito: Belenzinho tombamento: CONPRESP (res. 02/2016) uso original: habitacional end.: rua São Leopoldo, 217
08. ÁREA DO BELÉM 912
distrito: Belenzinho tombamento: CONPRESP (res. 02/2016) uso original: habitacional
end.: Av Celso Garcia 1260
09. ÁREA DO BELÉM 898
distrito: Belenzinho tombamento: CONPRESP (res. 02/2016) uso original: habitacional
end.: rua Santa Clara
10. FÁBRICA DE VIDROS
distrito: Belenzinho uso original: industrial uso atual: demolido
end.: largo São José do Belém, 66
11. EE AMADEU AMARAL
distrito: Belenzinho construção: 1907 arquiteto: Hypolito Gustavo Pujol Júnior tombamento: CONPRESP (res. 29/2014 e CONDEPHAAT (SC 60/2010) uso: escolar
172
12. CRISTALARIA GERMÂNIA
end.: rua Martim Afonso distrito: Belenzinho construção: 1910 uso original: industrial uso atual: demolido
13. COTONIFÍCIO PAULISTA
end.: av. Celso Garcia 1796 distrito: Belenzinho construção: 1921 uso original: indústria de tecelagem uso atual: demolido em 2019
14. TECELAGEM BELENZINHO (MATARAZZO)
end.: av. Celso Garcia distrito: Belenzinho construção: 1921
uso original: indústria de tecelagem uso atual: demolido (atual condomínio residencial)
15. VILA BOYES (VILA INTENDÊNCIA) end.: rua Intendência e rua Caruapanã distrito: Belenzinho ano de construção: 1911 tombamento: CONPRESP (res. 06/2016) uso original: habitacional (vila operária) uso atual: habitacional
end.: rua Intendência e rua Caruapanã
16. FÁBRICA MARIA ZÉLIA
distrito: Belenzinho ano de construção: 1912 arquiteto: Paul Pedarrieux tombamento: CONPRESP (res. 39/1992) e CONDEPHAAT (SC 43/1992) uso original: indústria de tecelagem uso atual: industrial 173
17. VILA MARIA ZÉLIA
end.: rua dos Prazeres distrito: Belenzinho ano de construção: 1917 arquiteto: Paul Pedarrieux
tombamento: CONPRESP (res. 39/1992) e CONDEPHAAT (SC 43/1992) uso original: habitacional (vila operária) uso atual: habitacional
end.: rua Intendência e rua Caruapanã
18. ANTIGA FÁBRICA BOYES
distrito: Belenzinho ano de construção: anos 1900 uso original: industrial uso atual: demolido
end.: rua Catumbi
19. TECELAGEM IRMÃOS ANDRIGHETTI
distrito: Belenzinho ano de construção: 1905 uso original: industrial uso atual: demolido
20. VILA CEREALINA
end.: rua Herval/av. Álvaro Ramos/rua Fernandes Vieira distrito: Belenzinho ano de construção: 1923 uso original: habitacional (vila operária) uso atual: habitacional
21. FÁBRICA DE TECIDOS TATUAPÉ
end.: rua Av. Salim Farah Maluf e Av. Celso Garcia distrito: Belenzinho ano de construção: 1932 uso original: indústria de tecelagem uso atual: hipermercado 174
end.: Rua Padre Adelino 1000
22. TEARES RIBEIRO
distrito: Belenzinho uso original: indústria de tecelagem
end.: Av. Álvaro Ramos, 1022
23. MOINHO SANTISTA
distrito: Belenzinho ano de construção: 1932 tombamento: CONPRESP (res. 17/2018 uso original: indústria de tecelagem uso atual: SESC Belenzinho
24. EE ANTONIO DE QUEIROZ TELLES end.: rua Itaqueri 372 distrito: Belenzinho ano de construção: 1937 arquiteto: José Maria da Silva. Neves tombamento: CONPRESP (res. 17/2018) uso: escolar
175
imagens | fontes iconográficas [contra capa]: mapa da Cidade de São Paulo, 1926. Fonte: Acervo APESP [p. 8]: operários e operárias em frente ao edifício do Cotonifício Crespi, entre 1897 e 1917. Fonte: Acervo Edgar Leuenroth, UNICAMP.
capítulo 01 [1 ] Operárias tecelãs na fábrica Moinho Santista, Belenzinho, 1947. Fonte: Fotos Estadão (https://fotos.estadao.com.br/galerias/cidades,cinco-curiosidades-sobre-o-sesc-belenzinho,22478) [2] Operárias tecelãs na Cia. Nacional de Juta, Brás, 1931. Fonte: Acervo Lindolfo Collor, FGV [3] Mulheres fiandeiras em pequena manufatura em São Paulo, sem data. Fonte: Acervo Digital do Museu da Imigração [4] Família de migrantes provenientes da Bahia. Fonte: Acervo Digital do Museu da Imigração [5] Família de migrantes provenientes da Europa. Fonte: Acervo Digital do Museu da Imigração [6] Operários e operárias da Tecelagem Mariângela, Brás. c. 1910. Fonte: Acervo Digital do Museu da Imigração [7] Operários e operárias da FIat Lux, Água Branca, 1938. Fonte: Acervo pessoal de Hermes Talassi para o blog Vila Anastácio Fatos e Fotos. [8] Operárias na ViscoSeda Matarazzo, S. Caetano do Sul, 1931. Fonte: Fundação Pró Memória de S. Caetano do Sul [9] Família de moradores do conjunto de casas operárias da Vila Intendência, pertencente ao Grupo de Indústrias Reunidas Matarazzo, no Belenzinho, c. 1940. Fonte: Acervo pessoal Carlos Oldani, através do grupo do facebook Belém Antigo. capítulo 02 [10] Mapa da cidade de São Paulo com destaque para os distritos do Brás, Mooca e Belenzinho. Fonte: Produzido pela autora, com mapa base GEOSAMPA. [11] Mapa dos bairros operários do além Tamanduateí. Fonte: Produzido pela autora, com mapa base Google Earth. [12] Mapa da cidade de São Paulo de 1847. Fonte: Base APESP, com intervenção da autora. [13] Mapa da cidade de São Paulo de 1877. Fonte: Base APESP, com intervenção da autora. [14] Mapa da cidade de São Paulo de 1905. Fonte: Base APESP, com intervenção da autora. [15]Mapa da cidade de São Paulo de 1913. Fonte: Base APESP, com intervenção da autora. [16] Rua Florêncio de Abreu, na região central da cidade. Guilherme Gaensly, 1902. Fonte: Acervo Brasiliana Fotográfica [17] Carroças de padeiros e entregadores portugueses na rua Marquês de Valença, na Mooca, 1941. Acervo do Museu da Imigração, Divisão de Iconografia e Museus DPH/PMSP. [18] Mapa 01 | rede ferroviária. Fonte: Produzido pela autora, com cartografia base de 1897 do acervo APESP. [19] Mapa 02 | usos. Fonte: Produzido pela autora, com cartografia base do GEOSAMPA. [20] Panorama da região do Brás, s/ data. Fonte: [21] A estação ferroviária do Brás em 1951. Fonte: Foto de Hildegard Rosenthal, Acervo IMS. [22] Mapa 03 | levantamento. Fonte: Produzido pela autora, com cartografia base de 1926 do 176
acervo APESP. [23] Lavadeiras às margens do rio Tamanduateí. Fonte: Foto de Guilherme Gaensly, 1904. Acervo Brasiliana Fotográfica. [24] Grupo de mulheres, vendedoras de verduras e transeunte, no Pq. Dom Pedro, c. 1910. Fonte: Foto de Vicenzo Pastore, Acervo IMS [25] Mulheres vendedoras nas proximidades do mercado dos Caipiras, na região do Parque Dom Pedro II, São Paulo, c. 1910. Fonte: Foto de Vicenzo Pastore, Acervo IMS [26] Mulheres vendedoras também na região do Parque Dom Pedro II, São Paulo, c. 1910. Fonte: Foto de Vicenzo Pastore, Acervo IMS [27] Mercadinho de Vila Oratório, na rua do Oratório, Mooca, na década de 1930. Fonte: Acervo pessoal de Nio Cler, enviado para o blog Portal da Mooca. [28] Mapa 04 | vias estruturais e o Complexo Crespi. Fonte: produzido pela autora, com base Google Earth. [29] Ilustração axonométrica produzida pela autora. [30] Planta da cidade de São Paulo com a demarcação do perímetro urbano e as redes de água e esgoto em 1900 e 1901. Fonte: PAULILLO, 2017, p. 63. [31] Mapa 05 | rede de esgoto. Fonte: Produzido pela autora, com cartografia base de 1929 do acervo APESP. [32] Mulheres em um cortiço na Mooca. Fonte: Nestor Reis Filho, 1994, p. 38, apud. Bruno Vitorino, 2008, p. 49. [33] Cortiço no Brás, 1947. Fonte: Foto de Peter Scheier, Acervo IMS. [34] Vila Intendência, do grupo Matarazzo, Belenzinho, 1947. Fonte: Acervo Revista Life. [35] Vila Intendência, do grupo Matarazzo, Belenzinho, 1947. Fonte: Acervo Revista Life. [36] Mapa 06 | perímetros urbanos. Fonte: Produzido pela autora, com cartografia base de 1918 do acervo APESP. [37] Projeto de construção de casa para aluguel na rua Marina Crespi, na Mooca, 1911. Fonte: Projeto SIRCA [38] Projeto de construção de casas operárias na rua Santa Clara, Brás, 1911. Fonte: Projeto SIRCA [39] O edifício inicial da fábrica do Cotonifício Crespi, na Mooca, em 2019. Fonte: Google Earth. [40] O mesmo edifício, após bombardeios da revolução de 1924. Fonte: Desconhecida. [41] Operários e Operárias em frente ao edifício do Cotonifício Crespi, entre 1897 e 1917. Fonte: Acervo Edgar Leuenroth, UNICAMP. [42] Fonte desconhecida. [43] Fotos de A. de Barros Lobo, acervo Instituto Moreira Salles, via blog Portal da Mooca [44] O Cotonifício Crespi em 2001. Fonte: RUFINONI, 2009, p. 278. [45] O Cotonifício Crespi em 2004. Fonte: RUFINONI, 2009, p. 278. [46] Demolição de uma casa para a abertura da Radial Leste. Fonte: O Estado de São Paulo, 9/01/1957. [47] O contraste da paisagem da cidade entre a zona industrial e a zona central, já verticalizada, em 1947. Fonte: Acervo Revista Life. [48] Mapa base Sara 1930, com intervenções da autora. Fonte: Acervo GEOSAMPA. [49] Mapa base Google Earth, com intervenções da autora. Fonte: Google Earth. [50] Mapa 07 | patrimonialização. Fonte: produzido pela autora, com base em informações do portal GEOSAMPA. 177
capítulo 03 [51] A creche recém construída, nos anos 1930 (fachada principal, vista da rua João Antonio de Oliveira). Fonte: SALMONI e DEBENEDETTI, 1981, p. 126. [52] A creche recém construída, nos anos 1930 (vista da fachada posterior). [53] Crianças e cuidadoras na creche da vila operária Maria Zélia, sem data. Fonte: RAGO, 1985, p. XX [54] Visita de Fábio Prado, provavelmente no dia da inauguração. Fonte: Fundação Ninho Jardim Condessa Marina Crespi, apud DIAS, 2011, p. 21. [55] A fachada principal da creche em 2020. Foto da autora, tirada em visita de campo em 13/03/2020. [56] e [57] Residência na Praia do Guarujá, de 1939, de Giovanni Battista Bianchi. Fonte: Revista Acrópole, nº 14, 1939. [58] Mapa | implantação urbana da creche. Fonte: produzido pela autora com mapa base do portal Geosampa. [59] Uma das salas de aula da creche, nos anos 1950. Fonte: foto cedida por Elza Gomes para o blog Portal da Mooca. [60] Plantas | configuração original dos espaços internos. Fonte: produzidas pela autora, com base nos desenhos originais disponíveis no processo de tombamento. (DPH, 2017) [61] A creche nos anos 1970, já com as intervenções de ampliação no segundo pavimento. Fonte: Portal da Mooca [62] Famílias na fase de ocupação do edifício. Fonte: PEREIRA, 2016, p. 125. [63] Famílias na fase de ocupação do edifício. Fonte: <http://folhavponline.com.br/2014/01/ edificacao-historica-na-mooca-e-desocupada/>. [64] Diagrama axonométrico de cronologia construtiva. Fonte: Produzido pela autora [65] Foto da autora, tirada em visita de campo em 13/03/2020. [66] Foto da autora, tirada em visita de campo em 13/03/2020. [67] Foto da autora, tirada em visita de campo em 13/03/2020. [68] Foto da autora, tirada em visita de campo em 13/03/2020. [69] Foto da autora, tirada em visita de campo em 13/03/2020. [70] Foto da autora, tirada em visita de campo em 13/03/2020. [71] Vegetação infestante na fachada. Foto da autora, tirada em visita de campo em 13/03/2020. [72] Corpo semicircular no térreo. Foto da autora, tirada em visita de campo em 13/03/2020. [73] Pilar no pavimento térreo. Foto da autora, tirada em visita de campo em 13/03/2020. [74] Vista da área posterior. Foto da autora, tirada em visita de campo em 13/03/2020. [75] Vista da área posterior. Foto da autora, tirada em visita de campo em 13/03/2020. [76] Pilar no pavimento térreo. Foto da autora, tirada em visita de campo em 13/03/2020. [77] Foto da autora, tirada em visita de campo em 13/03/2020. [78] Foto da autora, tirada em visita de campo em 13/03/2020. [79] Foto da autora, tirada em visita de campo em 13/03/2020. [80] Foto da autora, tirada em visita de campo em 13/03/2020. [81] Abertura vista da escadaria principal. Foto da autora, tirada em visita de campo em 13/03/2020. [82] Vista da sala semicircular leste, no 1º pavimento. Foto da autora, tirada em visita de campo em 13/03/2020. [83] Abertura no piso térreo. Foto da autora, tirada em visita de campo em 13/03/2020. [84] Vista do corredor interno. Foto da autora, tirada em visita de campo em 13/03/2020. 178
[85] Vista do terraço. Foto da autora, tirada em visita de campo em 13/03/2020. [86] Vista da sala do primeiro pavimento. Foto da autora, tirada em visita de campo em 13/03/2020. [87] Vista da escadaria interna principal. Foto da autora, tirada em visita de campo em 13/03/2020. [88] Vista da escadaria interna secundária. Foto da autora, tirada em visita de campo em 13/03/2020. [89] Vista da escadaria interna principal. Foto da autora, tirada em visita de campo em 13/03/2020. [90] Foto da autora, tirada em visita de campo em 13/03/2020. [91] Foto da autora, tirada em visita de campo em 13/03/2020. [92] Foto da autora, tirada em visita de campo em 13/03/2020. [93] Diagrama de partido de projeto - axonométrica vista da fachada posterior. Fonte: produzido pela autora. [94] Diagrama de partido de projeto - fachada principal. Fonte: produzido pela autora. [95] Diagrama de partido de projeto - axonométrica vista da fachada posterior. Fonte: produzido pela autora. [96] Diagrama de partido de projeto - axonométrica vista da fachada principal. Fonte: produzido pela autora. [97] Diagrama de partido de projeto - axonométrica vista da fachada posterior. Fonte: produzido pela autora. [98] Diagrama de partido de projeto - axonométrica vista da fachada principal. Fonte: produzido pela autora. [99] Diagrama de partido de projeto - axonométrica vista da fachada posterior. Fonte: produzido pela autora. [100] Diagrama de partido de projeto - axonométrica vista da fachada posterior. Fonte: produzido pela autora. [101] Diagrama de partido de projeto - planta do piso térreo. Fonte: produzido pela autora. [102] Diagrama de usos. Fonte: produzido pela autora. [103] Diagrama de intervenções | volumetria. Diagrama axonométrico produzido pela autora. [104] Plantas esquemáticas de intervenções propostas. Fonte: produzidas pela autora. [105] Ampliação no 2º pavimento, na fachada oeste. Destaque para o piso de caco cerâmico, que indica o uso original como terraço descoberto. Foto da autora, tirada em visita de campo em 13/03/2020. [106] Vista do 2º pavimento. Foto da autora, tirada em visita de campo em 13/03/2020. [107] Vista da escadaria principal. Foto da autora, tirada em visita de campo em 13/03/2020. [108] Vista interna do corpo ortogonal da fachada sul. Foto da autora, tirada em visita de campo em 13/03/2020. [109] Sala semicircular do piso térreo, destaque para o piso em ladrilho cerâmico. Foto da autora, tirada em visita de campo em 13/03/2020. [110] Vista interna dos antigos banheiros no 1º pavimento. Foto da autora, tirada em visita de campo em 13/03/2020. [111] Vista 01. Fonte: Google Earth, 2020. [112] Vista 02. Fonte: Google Earth, 2020. [113] Vista 03. Fonte: Google Earth, 2020. [114] Mapa de implantação, em escala 1:4000. Fonte: produzido pela autora. [115] Fachada posterior da creche na época da inauguração, com intervenções de destaque para as esquadrias. Fonte: Fonte: SALMONI e DEBENEDETTI, 1981, p. 126. 179
[116] Vistas axonométricas das esquadrias propostas, sem escala. Fonte: produzidas pela autora. [117] Vista axonométrica da creche e entorno, sem escala. Fonte: produzida pela autora. [118] planta | implantação. Escala: 1:500. Fonte: produzida pela autora. [119] perspectiva 01 | vista da entrada principal da creche. fonte: produzida pela autora. [120] Planta | pavimento térreo. Escala: 1:300. Fonte: produzida pela autora. [121] Planta | primeiro pavimento. Escala: 1:300. Fonte: produzida pela autora. [122] Planta | segundo pavimento. Escala: 1:300. Fonte: produzida pela autora. [123] Planta | terceiro pavimento. Escala: 1:300. Fonte: produzida pela autora. [124] Perspectiva 02 | vista externa entre a fachada norte da creche e o anexo. Fonte: produzido pela autora. [125] Corte AA’. Escala: 1:300. Fonte: produzido pela autora. [126] Corte BB’. Escala: 1:300. Fonte: produzido pela autora. [127] Corte CC’. Escala: 1:300. Fonte: produzido pela autora. [128] Corte DD’. Escala: 1:300. Fonte: produzido pela autora. [129] Fachada oeste. Escala: 1:300. Fonte: produzido pela autora. [130] Fachada sul. Escala: 1:300. Fonte: produzido pela autora. [131] Fachada norte. Escala: 1:300. Fonte: produzido pela autora. [132] Fachada leste. Escala: 1:300. Fonte: produzido pela autora. [133] Perspectiva 03 | vista interna do salão semi circular leste, no pavimento térreo. Fonte: produzido pela autora. [134] Perspectiva 04 | vista do terraço descoberto no terceiro pavimento. Fonte: produzido pela autora. [135] Diagrama axonométrico | edifício anexo. vista A. Fonte: produzido pela autora. [136] Diagrama axonométrico | edifício anexo. vista B. Fonte: produzido pela autora. [137] Perspectiva 04 | vista interna do edifício anexo. Fonte: produzido pela autora.
Anexo - fichas de levantamento [mapa geral] Mapa produzido pela autora. Brás 01. Fonte: Eduardo Knapp/Folhapress. 02. Fonte: Divulgação Comgás. 03. Fonte: Acervo do Blog Viva Mooca. 07. [sup.] Fonte: Desconhecida e [inf.]: Google Earth. 08. [sup.] Fonte: Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo - IRFM - Memória e Preservação. [inf.]: Google Earth, 2020. 10. Fonte: Google Earth, 2020. 11. Fonte: https://sanctuaria.art/2017/03/09/igreja-do-bom-jesus-do-bras-sao-paulo-sp/. 12. [sup.] Fonte: Acervo IMS e [inf.] Acervo Blog São Paulo Antiga. 13. Fonte: https://www.saopauloantiga.com.br/antiga-escola-profissional-masculina/. 14. Fonte: https://www.saopauloantiga.com.br/casarao-da-fabrica-de-tecidos-labor/. 15. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:ETEC_Carlos_de_Campos.jpg. 16. Fonte desconhecida. 180
17. [sup.] https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Escola_Normal_do_Brás_(1925).jpg e [inf.] Fonte: Acervo do Blog LembraSP. 18. Fonte: Acervo do blog SP Antiga. 19. Fonte: Google Earth, 2020. 20. Fonte: Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo - IRFM - Memória e Preservação. 21. Fonte: Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo - IRFM - Memória e Preservação. 22. Fonte: Google Earth, 2020. Mooca 01 e 02. Fonte: Acervo Hospedaria dos Imigrantes 03. Fonte: Acervo Blog memórias da Mooca 04. Fonte: Google Earth, 2020. 05. [sup.] Fonte: Acervo Portal da Mooca e [inf.] Google Earth 06. [sup.] Salmoni e Debenedetti, 1986 e [inf.]: Fonte: Foto da autora, tirada em visita de campo em 13/03/2020. 07. Fonte: Google Eart, 2020. 08. Fonte: Google Earth, 2020. 09. [sup.] Fonte: Edgard Carone e [inf.] Fonte: Google Earth 10. Fonte: Acervo do Blog Portal da Mooca 11. Fonte: Google Earth, 2020. 12. Fonte: Acervo do blog SP Antiga 15. Acervo Estadão 17. [sup.] Fonte: Acervo do Blog Portal da Mooca e [inf.] Fonte: Google Earth 18. Fonte: Edgard Carone 21. Fonte: Nelson Ferreira de Souza 23. Fonte: Acervo do Blog Portal da Mooca 25. Fonte: https://chc.fau.usp.br/mooca.html Belenzinho 04. Fonte: Acervo do blog SP Antiga 05. Fonte: Acervo do blog SP Antiga 06. Fonte: Google Earth, 2020. 07. Fonte: Google Earth, 2020. 08. Fonte: Google Earth, 2020. 09. Fonte: Google Earth, 2020. 11. Fonte: Desconhecida. 13. Fonte: Acervo do blog SP Antiga. 15. [sup.] Fonte: Acervo Revista Life e [inf.]: Fonte: Google Earth, 2020. 16. Fonte: Acervo do blog SP Antiga 17. [sup.] Fonte: Acervo do blog SP Antiga e [inf.]: Fonte: Marcel Mendes de Carvalho 20. Fonte: https://sites.google.com/site/19151945a/vilas/vila-cerealina/historico 21. Fonte: Acervo do blog SP Antiga. 23. Fonte: Acervo do blog SP Antiga.
FAUUSP julho 2020