212ª Reunião Ordinária do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana Tema: Violência Policial - Exposição: Marcelo Zelic1
Necessidade de regulamentação federal para emprego de armamentos “não-letais” em todo território nacional “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”. - inciso XVI do art. 5º da Constituição da República.
“(...) a polícia não pode proibir a reunião, ou fazê-la cessar, pelo fato de um ou alguns dos presentes estarem armados. As medidas policiais são contra os que, por ato seu, perderem o direito a reunirem-se a outros, e não contra os que se acham sem armas. Contra esses, as medidas policiais são contrárias à Constituição e puníveis segundo as leis”. - ADPF187-DF - Ministro Celso de Mello ARTIGO 2º 1. Cada Estado tomará medidas eficazes de caráter legislativo, administrativo, judicial ou de outra natureza, a fim de impedir a prática de atos de tortura em qualquer território sob sua jurisdição. - Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica)
Quero saudar a Ministra de Direitos Humanos Maria do Rosário, presidente do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) e a todos os membros presentes, bem como agradecer o convite e a oportunidade de expor algumas considerações sobre a violência policial derivada do emprego de armas “não-letais”. Em anexo apresentamos relatos de moradores de comunidades da periferia e participantes de manifestações sociais de São Paulo, bem como denúncias publicadas na imprensa sobre fatos de outros estados, para ilustrar nesse breve relato as dificuldades vividas tanto pelas vítimas que buscam reparação às violências sofridas, quanto pelas entidades de direitos humanos, coletivos e movimentos sociais que, em vão até o momento, reclamam justiça, informações transparentes sobre procedimentos operacionais e nova conduta das polícias. Para nós, membros de entidades de direitos humanos, que convivemos de várias maneiras com as consequencias diárias da violência policial, sentimos intensificar a criminalização da pobreza e dos movimentos sociais, por isso, é esta uma oportunidade de avançarmos em um assunto que necessita de atenção, cuidado e atitudes, pois não está somente ligado a questões de uso e emprego destas armas, ou de como garantir o uso adequado neste novo mercado em amplo desenvolvimento, com previsão de uso em larga escala de armamentos “não-letais” nos eventos esportivos de 2014 e 2016 sediados pelo Brasil.
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Vice presidente do Grupo Tortura Nunca Mais- SP, membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo e coordenador do projeto Armazém Memória.
Diz respeito também ao aprofundamento ou não de nossa democracia, pois dependendo das posturas que tomarmos frente a questão da regulamentação dos armamentos “não-letais”, promoveremos um retrocesso ou um avanço nos direitos humanos no país, como por exemplo nos já frágeis mecanismos de prevenção à tortura, pois corremos o risco de ver estimulada as mesmas condutas que combatemos, em vez de aproximar os profissionais de segurança pública aos mecanismos de não-repetição de condutas já condenadas e novas práticas de respeito à cidadania. Treinadas e educadas com ênfase para a letalidade, onde o conceito de “inimigo interno” povoa ainda a formação e cultura de muitos dos profissionais desta área, com uma herança de conduta e praticas operacionais oriunda da ditadura militar, como o abuso de poder, a tortura, chegando até a termos casos de participação em grupos de extermínio, que vêem nos moradores da periferia das cidades “supostos” bandidos e manifestações sociais como ações de “turbas” e agitadores, é de se concluir que em nossas polícias existem setores que precisam ser estimulados a rever esses conceitos e evoluir para praticas que expressem atitudes consequentes com a Constituição de 1988. A liberação de uso destes armamentos sem enfrentarmos a questão acima é fator de muita preocupação e tem como agravante do problema a abertura do mercado das armas “não-letais” para além da esfera do estado, autorizando também às empresas de segurança privada a sua utilização. O caso do homem que é torturado por “suposto” furto de jogo de panelas em supermercado no Rio de Janeiro retrata o risco de banalização da tortura que enfrentamos hoje. É um alerta das consequencias que a liberação geral sem legislação federal e a ausência de uma política pedagógica nacional para a autorização gradual de uso destes armamentos, proporcionam. Rio - Quanto vale um jogo de panelas? Para alguns seguranças de um supermercado do Centro do Rio custa sessão de espancamento, choque e paulada. Segundo investigações da 5ª DP (Mem de Sá), funcionários da loja da Rua Tadeu Kosciusko são acusados de torturar, por quase uma hora, suspeito de furtar o produto. Três pessoas foram indiciadas, sendo que duas chegaram a ser presas e foram soltas. Os policiais apreenderam também arma de choque — taser — e um cassetete. O fato ocorreu em 10 de julho. Segundo a polícia, Edson Alves de Melo Neto, 27, que também foi preso por furto a estabelecimento e liberado dias depois, teria sido agredido por Franklin Cortes da Conceição, 23, vigilante terceirizado, Diego Moreira Lima, 27, funcionário da loja, e Jomar Pinto de Moraes, 42, que seria segurança da rua. (grifo nosso)
Se não conseguimos conter a pratica de tortura nas forças de segurança pública dos estados e municípios, que segundo dados do Ministério da Justiça de 20072 de um total de 599.973 profissionais, 68% são policiais militares, 21% são policiais civis e 11% são bombeiros militares, como vamos somar a este esforço o contingente de funcionários de empresas de segurança privada país afora, para que fatos como o do supermercado do RJ não aconteçam? Ou o caso do assassinato do cacique Nízio no Mato Grosso do Sul, quando seguranças privados de latifundiários desapareceram com seu corpo e fizeram disparos com bala de borracha nos demais índios e índias que ali lutam pelos seus direitos. É preciso estudarmos e refletir sobre o que estamos fazendo. O uso de armamento “não-letal” pressupõe uma outra forma de agir e atuar junto aos cidadãos por parte dos agentes de segurança pública, necessita de uma outra cultura na sociedade, que suplante o sentimento de indiferença ante a crueldade da tortura e carece de regulamentação nacional que balize condutas unificadas em todos os níveis de nossa segurança pública, tanto no âmbito municipal, quanto estadual e federal, mas isso para agentes do estado, pois é medida de zelo pela cidadania que a autorização de uso destes armamentos a funcionários de empresas de segurança privada, sejam suspensos até que a 2
Profissionais dos Orgãos Estaduais de Segurança Pública (2003 a 2007) http://portal.mj.gov.br/data/Pages/ MJCF2BAE97ITEMIDAACCEEFBA784458E99DCADBC672C3096PTBRNN.htm
contradição entre as praticas de Segurança Pública e Direitos Humanos que vivemos hoje, estejam mais harmonizados em nossa sociedade. Denúncia do mecânico de máquinas André de Jesus Gomes da Silva em Apucarana, Paraná, mostra como foi torturado por agentes da Guarda Municipal em 25/04/2012.3 Sofreu 23 choques de tasers e espancamento. Relata:
“Depois do primeiro disparo da arma eu tentei correr, atiraram outra vez e eu caí. Me bateram, algemaram e me colocaram no camburão da viatura, onde continuei apanhando e levando choque”.
Antes de liberar o uso em larga escala destes armamentos o Brasil precisa enfrentar o quarto eixo da justiça de transição, que aponta a necessidade de mudar a forma de pensar e agir das polícias nos estados e municípios para com o cidadão, deixando para traz os conceitos da “guerra fria”, “lei de segurança nacional” e “bandido bom é bandido morto” aplicados à segurança pública pela ditadura militar e que foi a doutrina repressiva fundante de 68% das forças policiais em nosso país, ou seja das polícias militares, que ainda hoje possuem setores que não se encontram em sintonia com práticas de uma vida em democracia. Em relação à Brigada Militar do Rio Grande do Sul4, o CDDPH participou das apurações de tortura contra os membros do MST em São Gabriel em novembro de 2009, os relatos do emprego em tortura com armas Taser foram consolidados em relatório do Comite Estadual de Combate a Tortura do RS em 23/11/20095, que recomenda “sejam procedidos estudos para aprimoramento da legislação nacional sobre a aquisição e utilização de armas não letais, especialmente as pistolas de eletrochoque TASER”. Diz o relatório:: “Merece ainda tratamento destacado a constatação de que as recentemente adquiridas pistolas TASER foram utilizadas para prática de tortura, conforme comprovado no caso vertente. Trata-se de uma arma considerada não letal que dispara descargas elétricas de até 50.000 (cinqüenta mil volts) a baixa amperagem imobilizando a pessoa atingida que pode perder a consciência por alguns segundos. O disparo, segundo estudos, provoca dor aguda e profunda.” (grifo nosso)
3Apucarana: Guardas municipais são acusados de tortura com taser http://www.tnonline.com.br/noticias/apucarana/ 45,123881,25,04,apucarana-guardas-municipais-sao-acusados-de-tortura-com-taser.shtml 4 Mais Agressões no RS http://hiphopgerais.blogspot.com.br/2009/11/mais-agressoes-no-rs-leiam-com-
atencao.html 5
Relatório MST - São Gabriel - http://naoatorturars.wordpress.com/relatorios/mst-sao-gabriel/
É preciso não deixar de registrar que o tempo de apropriação destes instrumentos para a pratica de tortura é sempre muito rápido nos casos que foram denunciados. No caso de Apuracana entre 25/11/2011, quando a Guarda Municipal recebeu os equipamentos “não-letais” e a primeira denúncia de tortura passaram-se 5 meses, no RS aconteceu tão logo foi adquirido os armamentos, 1 ano antes da portaria liberando o uso. Com uma formação basicamente técnica dos policiais, em cursos de pouca duração, com foco na manipulação de equipamento, é muito pouco provável que prevaleça uma pratica que respeite a convenção contra a tortura por exemplo nos municípios e estados. O Comitê de Combate a Tortura da ONU recentemente solicitou ao governo de Portugal que suspendesse o emprego das armas taser que haviam comprado pois seu uso viola a Convenção Contra a Tortura, da qual nosso país é também signatário. Vale lembrar que a adesão foi assinada sob o impacto das revelações contidas nos estudos sobre a tortura na ditadura civil-militar, apresentados em 1985 no Relatório Brasil Nunca Mais e livro de mesmo nome publicado por Dom Paulo Evaristo Arns e o Pastor Jaime Wright. Diz a ONU: "O uso dessas armas provoca uma dor aguda" e tem "consequências para o estado físico e mental das pessoas alvejadas de natureza a violar as disposições da Convenção Anti-tortura da ONU”, avisa o Comité. Nalguns casos, adianta o grupo de peritos independentes, "pode mesmo causar a morte, como revelaram estudos fiáveis e factos recentemente ocorridos na prática".6
Neste contexto e somando as dificuldades que vivemos no campo da memória, verdade e justiça para se concretizar mudanças tanto na sociedade como no executivo, legislativo e judiciário, demandadas pelas instâncias jurídicas de direito internacional dos direitos humanos, bem como pelas necessidades concretas da justiça de transição, a liberação do uso da taser tanto para o setor público como para o privado poderá proporcionar uma banalização da tortura em nosso país em larga escala. O país não conseguiu se aproximar do quarto eixo da justiça de transição, tão fundamental quanto os demais para o exito de ações como a Comissão Nacional da Verdade e o cumprimento integral da sentença da Corte Interamerica de Direitos Humanos na qual o Brasil foi condenado recentemento por violações de direitos humanos e praticas de terrorrismo de estado entre 1964 e 1985. Por isso é preciso considerar a imediata suspensão do uso e emprego da pistola taser enquanto um marco regulatório não for aprovado no Congresso Nacional e uma política pública de combate e prevenção à tortura, associada a um processo de formação policial para o uso gradual deste armamento em território nacional. O caso do emprego de armamentos não-letais em manifestações político-sociais é outro aspecto fundamental a ser abordado, pois trata-se de ato contrário ao conceito de Nunca Mais, sendo comportamento repetitivo de práticas já condenadas pelo estágio de reconhecimento de direitos dos brasileiros e brasileiras. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que por ocasião da votação da ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 187 (DISTRITO FEDERAL) declarou como comportamento ilegal da polícia as repressões e dispersões de passetas pacíficas, com maciço emprego destes armamentos, aponta o quanto longe estamos de um ambiente social que permita a liberação geral sem regulamentação federal destas armas. Diz o Ministro Celso de Mello em seu voto: “O Estado, por seus agentes e autoridades, não pode cercear nem limitar o exercício do direito de reunião, apoiando-se, para tanto, em fundamentos que
6 Compra da "Taser X26" contestada pela ONU - http://www.jn.pt/PaginaInicial/Interior.aspx?content_id=951001
revelem oposição governamental ao conteúdo político, doutrinário ou ideológico do movimento ou, ainda, invocando, para restringir a manifestação pública, razões fundadas em mero juízo de oportunidade, de conveniência ou de utilidade. Disso resulta que a polícia não tem o direito de intervir nas reuniões pacíficas, lícitas, em que não haja lesão ou perturbação da ordem pública. Não pode proibi-las ou limitálas. Assiste-lhe, apenas, a faculdade de vigiá-las, para, até mesmo, garantir-lhes a sua própria realização. O que exceder a tais atribuições, mais do que ilegal, será inconstitucional. É dever, portanto, dos organismos policiais, longe dos abusos que têm sido perpetrados pelo aparato estatal repressivo, adotar medidas de proteção aos participantes da reunião, resguardando-os das tentativas de desorganizá-la e protegendo-os dos que a ela se opõem.”
É preciso distinguir situações na legislação a ser produzida, que atue sobre a conduta dos agentes de segurança pública frente à segurança dos cidadãos e como também as manifestações político-sociais e culturais, definindo de forma clara os limites citados acima, proibindo o emprego de armamentos letais ou não-letais contra cidadãos organizados em passeatas e manifestações político-sociais e culturais pacíficas. A violência policial contra os manifestantes, além de inconstitucional, demonstra também a ineficácia dos processos de instrução e formação para uso destes armamentos, aplicados à tropa atualmente, pois as balas de borracha atiradas contra o rosto ou a nuca de manifestantes apontam que o policial ao usar estes armamentos “não-letais”, não conseguiu mudar sua formação e prática voltada par o tiro letal. Foto publicada em denúncia do Grupo Tortura Nunca Mais - SP no site Vi o Mundo 7
Na Argentina a medida de proibição de uso de equipamentos repressivos contra as manifestações foi adotada para promover o fortalecimento do estado democrático de direito junto a sua população e agir como fator de superação dos traumas pessoais e sociais decorrentes de sua última ditadura militar e aprendizado de uma pratica que determina ao estado, que negocie e receba comissão de negociação e às forças de segurança de seu país estimula a mudança de conduta frente a reivindicações sociais, proporcionando a reciclagem de procedimentos operacionais às tropas para que atuem baseada no convívio democrático. Em São Paulo a violência policial contra as manifestações sociais é fato sabido de todos e o emprego dos armamentos “não-letais” nas sucessivas repressões que aconteceram contra o Movimento Passe Livre, os camêlos do centro da cidade, a Marcha da Maconha, os sem teto e sem terra, foi objeto de Requerimento de informações pelo Deputado Estadual Simão Pedro Chiovetti, que ele próprio acompanhando manifestação junto a moradores da Zona Leste, foi vítima de uso abusivo de gás pimenta, que não
7 Tortura Nunca Mais: O uso de armas não-letais http://www.viomundo.com.br/denuncias/tortura-nunca-mais-ouso-de-armas-nao-letais.html
poupou nem as crianças presentes. As respostas retornaram vazias, o que provocou uma reclamação pública durante audiência da comissão de segurança ao Secretário de Segurança Pública, que ficou de rever as respostas fornecidas. Ainda aguardamos uma resposta objetiva. O pedido de apuração dos responsáveis pela violenta repressão à Marcha da Maconha, fato este sobre o qual se reporta o Ministro Celso de Mello em seu voto, feito à Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo, pelo Grupo Tortura Nunca Mais-SP e o Coletivo Desentorpecendo a Razão (DAR), não prosperou. Como também está parado na Corregedoria de Polícia os casos encaminhados pela Ouvidoria de Polícia. Em face disso a Defensoria Pública de São Paulo abriu procedimento para levantar os casos relativos a 2011 para buscar amparar com justiça os atingidos e promover mudança de conduta na política de segurança pública no estado de São Paulo, que reconheça o direito de reunião, manifestação e liberdade de expressão. As Audiências Públicas realizadas na ALESP, uma específica sobre regulamentação estadual e outra sobre direitos humanos, que contou com a presença da Ministra e o assunto foi tratado numa brevíssima exposição junto a tantos temas, não obteve êxito em criar grupo de trabalho proposto na esfera estadual e federal. Enquanto isso vítimas perdem a vista com bala de borracha, têm sua perna estraçalhada por bomba de gás lacrimogênio, morre por choque elétrico de taser, são torturados com este mesmo armamento em delegacias, ou têm sua cabeça aberta por cassetetes de vários tipos, surgem, não só em São Paulo, das ações repressivas já apontadas como inconstitucionais pelo STF. O país ao liberar o emprego deste armamento sem o cuidado quanto ao seu uso, perde a oportunidade de aprofundar uma outra pedagogia de segurança pública centrada em direito e cidadania, que promova a mudança de conduta tão necessária à nossa democratização, como por exemplo sua atuação frente à manifestações político-sociais como explicita o Ministro Celso de Mello: “não é dado à polícia analisar ou apreciar a conveniência da reunião – ‘A polícia não pode intervir sem que haja perturbação da ordem. Simples inconvenientes8 não justificam a sua intervenção; tampouco a probabilidade de produzir o ato ou a reunião conseqüências disturbantes ou criminosas. Demais, o que lhe cabe resguardar é a ordem, e não a defesa de determinados direitos privados, ou de governantes, porque tal missão é apenas da Justiça” (grifei).
A atual situação é de acefalia sobre o tema, no que tanje a um marco regulatório, que se extenda a estados e municípios, garantindo uma orientação federal a todo sistema de segurança pública do país, fazendo com que todos devam “adequar seus procedimentos operacionais e seu processo de formação e treinamento às diretrizes supramencionadas.” conforme estabeleceu a PORTARIA INTERMINISTERIAL Nº 4.226, DE 31 DE DEZEMBRO DE 2010, que determina ao Departamento de Polícia Federal, Departamento de Polícia Rodoviária Federal, Departamento Penitenciário Nacional e Força Nacional de Segurança Pública, atuem de acordo com as “Diretrizes sobre o Uso da Força pelos Agentes de Segurança Pública”. Digo acefalia pois esta portaria ao não atingir os órgãos nos estados e municípios torna os cidadãos, que convivem em seu dia a dia com guardas municipais, policiais civis, policiais militares e funcionários de empresas de Segurança Privada, mais vulneráveis, como são os inúmeros relatos de abusos praticados com estes armamentos, ditos “nãoletais.” “Para o subcomandante geral da Polícia Militar do Amazonas, coronel Oliveira Filho, as novas diretrizes definidas pela portaria 4.226 do Ministério da Justiça não são a solução para as ocorrências de pessoas baleadas ou mortas em trocas de tiros em operações 8
- O fechamento temporário de logradouros por exemplo.
policiais. “Não vejo que essas mudanças virão a resolver o problema. Seria excelente que uma portaria acabasse com as trocas de tiros entre policiais e bandidos, mas no calor da ocorrência, nas ruas, o que fala mais alto é o treinamento prático e contínuo”, afirma o coronel.” 9 Como uma portaria libera o uso de um armamento para todos os entes da federação e estabelece norma de conduta para parte das forças de segurança que atuam no dia a dia dos cidadãos e ainda somente federal? O que decorre a partir disso? Que conduta vai prevalecer para regulamentar o uso destes armamentos em Manaus? A portaria do Ministério da Justiça à qual a Polícia Federal é obrigada a seguir ou a rua do Coronel Oliveira Filho? Até onde esta lacuna é responsável pelo descontrole no emprego destes armamentos que passaram a afetar as pessoas? Atenta aos direitos do cidadão a liberação do emprego deste armamento e a delegação para que cada estado normatize seu emprego, pois com esta omissão, na prática, estes armamentos passam a ser utilizados segundo quaisquer critérios e passam a figurar como os modernos instrumentos de tortura e repressão em uso no Brasil. Assim solicitamos ao CDDPH que atue no sentido que concretizemos no Brasil: a) Uma legislação federal que discipline e regulamente os armamentos “não-letais” quanto a definição de tipos de armamentos autorizados, aquisição, controle, formação, emprego e uso, bem como mecanismos de informação aos cidadãos quanto as orientações sobre a manipulação correta destes armamentos, balisadas não só por informações técnicas dos fabricantes, mas por uma comissão mista com representação da sociedade civil e orientações sobre os efeitos à saúde do cidadão, normatizando tanto os aspectos de combate à criminalidade em segurança pública, como o trato com manifestações sociais, políticas e culturais. que devem ter condutas específicas. b) Portaria do Ministério da Justiça suspendendo o emprego da pistola taser em todo território nacional, bem como suspendendo o emprego de armas “não-letais” à empresas de segurança privada, medida baseada no Artigo 2º do Pacto de São José da Costa Rica, até termos definido um marco regulatório e um Plano Nacional de Emprego Gradual de Armamentos “Não-Letais”. c) Portaria do Ministério da Justiça proibindo o emprego de armamentos letais e “não-letais” em manifestações de cunho político-social e culturais, garantidas pelos direitos de reunião, manifestação e liberdade de expressão nos termos da constituição federal e baseada no voto do relator Ministro Celso de Mello em decisão do STF, no caso conhecido como Marcha da Maconha. d) Criação de Grupo de Trabalho para: ● Realizar estudo comparado das regulamentações municipais, estaduais e as normas federais existentes estejam elas aprovadas ou em tramitação, como subsídio à proposta de marco regulatório. ● Pesquisa coordenada pela FIOCRUZ sobre o impacto na saúde do cidadão dos vários equipamentos “não-letais”, estudando tanto os efeitos dos componentes químicos destes armamentos, como as consequencias de seu emprego incorreto. ● Estudo comparativo de programas de treinamentos empregados nos municípios, estados e órgãos federais atualmente autorizados a usar estes armamentos. ● Levantamento nas ouvidorias, de casos de violências sofridas pela população com o emprego incorreto de armamentos “não-letais” para encaminhamento à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal
9 Policiais proibidos de atirar - http://acritica.uol.com.br/manaus/Policiais-proibidos-atirar_0_413958622.html
contendo: ○ casos de repressão a manifestações sociais. ○ casos de tortura. ○ casos de uso de força abusiva nas comunidades. Para a sociedade é fundamental este diálogo estabelecido pelo CDDPH sobre o tema nesta 212ª reunião do conselho, pois confiamos que daqui poderemos ajudar na reflexão que busquem caminhos para superarmos esta chaga que é a violência policial contra os pobres da períferia das cidades, camponeses e índigenas, bem como contra cidadãos no seu legítimo direito de manifestação. Aproveito esta oportunidade para alertar aos membros do Conselho de Defesa do Direito da Pessoas Humana a necessidade de localização do acervo contendo o arquivo da instituição no período de sua fundação até meados dos anos 80, que não se encontram disponíveis em sua sede e podem ser de grande valor à Comissão Nacional da Verdade. Esperamos que as medidas preventivas apontadas acima sejam encaminhadas pelo governo federal visando um país com exercicio pleno de sua democracia e sem torturas. Atenciosamente Marcelo Zelic Vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-SP e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo. Coordenador do projeto Armazém Memória.
ANEXOS Nota do MPL por ocasião da 212ª reunião ordinária do CDDPH. Em cd-rom ● Requerimento de Informações 47 de 2011 do Deputado Estadual Simão Pedro Chiovette PT-SP e documentos de resposta. ● Audiência Pública na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. ● Solicitação de Investigação de uso excessivo de violência pela PM de São Paulo para a Comissão de DH da ALESP. ● Solicitação de Informação à Ouvidoria de Polícia de São Paulo.
NOTA PÚBLICA DO MPL - MOVIMENTO PASSE LIVRE
Atuante desde 2005 em diversas cidades do território nacional, o Movimento Passe Livre (MPL), em exercício do seu direito de manifestação e de liberdade de expressão, organizou em diversos momentos de sua trajetória passeatas e atos de rua nos quais o objetivo único sempre foi colocar em destaque suas reivindicações: um transporte verdadeiramente público, sem tarifa e sem catraca. Apesar disso, nos vimos tratados pelo Estado como criminosos ou como uma ameaça à ordem pública, ao sermos duramente reprimidos pelas Polícias Militares - que deveriam garantir segurança para todos, e não como uma polícia política. Ora, se estávamos em exercício de direitos constitucionais, por que deveríamos ser reprimidos no território onde a Constituição é vigente? Esta repressão não é sem sequelas. O uso de armamento menos letal não garante nem com o seu uso "adequado" (isto é, o uso conforme as instruções apresentadas pelos fabricantes) que seus efeitos sejam temporários, não garante que não haja sérios danos morais, nem garante em nenhuma hipótese a dignidade dos indivíduos que se tornam alvos deste tipo de armamento. Ainda assim, observamos que não há rigor algum por parte da polícia quanto ao uso "correto" dessas armas. Não havendo legislação que regulamente o uso das armas menos letais, os agentes da PM nem sequer se preocupam em respeitar as instruções dos fabricantes, que poderiam promover efeitos menos nocivos. Bombas de estilhaço, segundo os fabricantes, deveriam ser lançadas distantes das pessoas e em locais abertos, para ter um efeito apenas “moral”, de barulho. Mas quando lançadas no meio da multidão, seu efeito é bem mais que moral. Falamos aqui de horrores que cidadãos brasileiros sentiram na pele, carregando até hoje marcas irreparáveis. Durante a repressão a uma marcha pacífica em 2006, Mayara Vivian, que tinha então apenas 17 anos, sofreu queimaduras na perna e teve um dedo da mão mutilado por um estilhaço de uma bomba detonada no exato metro quadrado em que ela se encontrava. Esses mesmos estilhaços cortantes perfuraram pernas de manifestantes durante as passeatas contra o aumento de 2011, quando a polícia chegou a lançar bombas no interior da estação Anhangabaú do metrô. Este ano, em Teresina, assistimos a cenas ainda mais trágicas: Hudson Christh, 21 anos, teve sua narina rasgada e ficou cego permanentemente do olho direito após ser atingido por um estilhaço. Lamentavelmente a bomba de estilhaço não é o único mal. Policiais militares lançam balas de borracha contra manifestantes a poucos metros de distâncias destes, em geral mirando a cabeça e a parte de cima do corpo, conforme mostram os registros das manifestações de 13 de janeiro de 2011 em São Paulo. A pistola taser, arma de choque usada corriqueiramente pela Polícia Militar contra os cidadãos que saíram às ruas para exigir a baixa da tarifa de ônibus em Florianópolis em 2010, tem se mostrado letal: em 26 de março deste ano, na mesma cidade, o assistente social Carlos Meldola morreu após ser imobilizado por um policial com um taser. O cassetete também é utilizado de forma indiscriminada: durante passeata em São Paulo em 17 de fevereiro de 2011, Vinicius Figueira foi vítima de um processo que poderia ser igualmente caracterizado como tortura: sofreu várias fraturas após ser espancado por oito policiais com cassetetes, e teve seu nariz quebrado por um chute de coturno. A bomba de gás lacrimogênio, considerada em outros países uma arma de guerra, é usada aqui de modo indiscriminado, tal qual o spray de pimenta. Esses casos são apenas alguns exemplos, e apontam a urgência de uma nova relação do Estado com a população na qual os nossos direitos sejam garantidos e a violência não esteja na ordem do dia. Faz-se fundamental a restrição do uso de armamento menos letais pela polícia contra manifestações políticas, bem como o julgamento dos responsáveis por abusos como os aqui citados. Movimento Passe Livre de São Paulo (MPL-SP)
links úteis 1. 2. 3. 4. 5. 6.
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Jovem fica cego após confronto com a polícia em protesto no PI - http://www1.folha.uol.com.br/ cotidiano/1036377-jovem-fica-cego-apos-confronto-com-a-policia-em-protesto-no-pi.shtml Homem morre após ser imobilizado com pistola taser da PM em SC - http://oglobo.globo.com/pais/ homem-morre-apos-ser-imobilizado-com-pistola-taser-da-pm-em-sc-4414177 Polícia agride vereadores em ato contra aumento da passagem em São Paulo - http:// www.horadopovo.com.br/2011/fevereiro/2938-25-02-2011/P5/pag5e.htm Férem, aleijam e até matam sim! - por Julio Delmanto - http://dl.dropbox.com/u/27221790/ BlogdaRetratoPDFS/RB50final_1.pdf Uma proposta de regulamentação do uso de armas menos letais - http://www.manifestacao.org/ 2011/06/17/uma-proposta-de-regulamentacao-do-uso-de-armas-menos-letais/#more-1 Exército aponta avanço das armas de choque pelo Brasil; de uso restrito, produto é vendido na web - http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2012/04/16/levantamento-do-exercito-mostraavanco-das-armas-de-choque-pelo-brasil-de-uso-restrito-produto-e-comercializado-ate-na-internet.htm Pimenta nos olhos - http://www.cartacapital.com.br/internacional/pimenta-nos-olhos/
Fotos: Foto da manifestação de 17/03/2011 Fotos do Ato 07/01/09 Fotos de 2 feridos por balas de borracha e cassetetes durante ato contra o aumento da tarifa do busão, em São Paulo
Vídeos Repressão brutal da PM contra estudantes em SP http://www.youtube.com/watch?v=2ExBjlX8-wE