"Shall We Meet?" O storytelling não-linear na perspectiva do utilizador

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FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO

Mestrado em Multimédia

“Shall We Meet?”: O storytelling não-linear na perspectiva do utilizador

Adriano José Branco Cerqueira Licenciado em Ciências da Comunicação: Jornalismo, Assessoria e Multimédia

Dissertação de Mestrado

Porto Julho de 2011


FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO

“Shall We Meet?”: O storytelling não-linear na perspectiva do utilizador Adriano José Branco Cerqueira

DISSERTAÇÃO SUBMETIDA PARA SATISFAÇÃO PARCIAL DOS REQUISITOS DO GRAU DE MESTRE EM MULTIMÉDIA

Dissertação realizada sob a supervisão do Professor Doutor José Azevedo, Professor na Faculdade de Letras da Universidade do Porto e do Professor Doutor Paulo Frias, Professor na Faculdade de Letras da Universidade do Porto

Porto, Julho de 2011 i


Em mem贸ria da minha av贸, Maria Oliveira Rodrigues. At茅 sempre!

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Agradecimentos Ao meu orientador, Professor Doutor José Azevedo pela ajuda no desenvolvimento desta dissertação e pelo tempo despendido. Os seus conselhos e sugestões, assim como a sua constante presença, foram fulcrais na estruturação e preparação deste estudo. Ao meu co-orientador, Professor Doutor Paulo Frias pela preparação académica no desenvolvimento de machinimas e pela sua ajuda na conceptualização deste estudo. À Cátia Figueiredo pela ajuda na recolha de referências literárias e de contactos no âmbito da televisão interactiva. À Ana Gonçalves pela constante fonte de inspiração e pelo apoio dado desde o primeiro dia. E, por fim, aos meus pais, não apenas pela ajuda dada ao longo da conclusão deste Mestrado, mas por todo o apoio que me deram ao longo do meu percurso académico.

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Abstract From hypertext to interactive television, nonlinear storytelling is trying to find its place as a valued method to tell stories in an interactive way, allowing users to merge themselves within a narrative universe. The major players in the entertainment industry have been investing strongly in transmedia and crossmedia narrative production. This method of nonlinear storytelling is also a subject of analysis in this study, as well as the growing influence of online collaborative multimedia production. “Shall We Meet?� is the name of the interactive story that was developed alongside this study in order to present a comprehensive narrative model. User emotion, closure, and the presence of a defined narrative end space are the main points of analysis in order to understand the user’s level of comprehension. The story follows the parallel paths of two young people destined to meet. The user is the one who decides which path to choose, being able to switch between both perspectives at any moment. Based on the preliminary test results of this narrative system it is proposed a research and inquiry methodology to be implemented in future work.

Keywords Nonlinear Storytelling; Narrative; Transmedia; User Interaction; Machinima.

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Resumo Do hipertexto à televisão interactiva, o storytelling não-linear procura afirmar-se como um método viável para contar histórias de forma interactiva e permitir que o utilizador se deixe imergir no universo narrativo. O transmedia e a produção de narrativas através de diferentes meios de comunicação têm sido alvo de uma forte aposta por parte das grandes empresas da indústria de entretenimento. Esta forma de não-linearidade crossmedia é também objecto de análise ao longo deste estudo, juntamente com a crescente influência da produção de conteúdos online com a colaboração de múltiplos utilizadores. “Shall We Meet?” é a história interactiva desenvolvida no âmbito deste estudo com o objectivo de apresentar uma proposta de modelo narrativo que seja facilmente compreensível por parte do utilizador. O papel da emoção, o sentimento de conclusão e a existência de um espaço de fim definido dentro da própria narrativa são os parâmetros em análise com vista a garantir a compreensão da história por parte do utilizador. A história segue os caminhos paralelos de dois jovens destinados a se encontrarem, deixando na mão do utilizador a decisão sobre qual caminho seguir, possibilitando a troca de perspectiva em qualquer momento da narrativa. Com base nos resultados dos testes preliminares ao comportamento dos utilizadores, é ainda proposto um modelo de investigação e de inquérito a ser implementado em futuras análises deste sistema narrativo.

Palavras-Chave Storytelling Não-linear; Narrativa; Transmedia; Interactividade; Machinima.

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Índice Agradecimentos ....................................................................................................................... iii Abstract .................................................................................................................................... iv Keywords .............................................................................................................................. iv Resumo ...................................................................................................................................... v Palavras-Chave ...................................................................................................................... v Índice de Ilustrações e Tabelas .............................................................................................. viii 1 - Introdução ........................................................................................................................... 1 1.1 Motivação e Objectivos.................................................................................................. 2 1.2 Organização da Tese ...................................................................................................... 2 2 - Revisão de Literatura .......................................................................................................... 4 2.1 Narrativa Clássica: Teoria Aristotélica ........................................................................... 4 2.2 Narrativas: Do Linear ao Não-linear .............................................................................. 6 2.3 Narrativas na Era Digital................................................................................................. 7 2.4 Evolução da narrativa Digital ......................................................................................... 8 3 - Interacção como forma de não-linearidade ..................................................................... 11 3.1 CD-ROMs ...................................................................................................................... 11 3.2 Cinema e TV Interactiva ............................................................................................... 13 3.3 Online Storytelling ........................................................................................................ 20 4 - Pope e o estudo do Hipertexto/Hipermédia .................................................................... 25 5 - A emoção no Storytelling Interactivo ............................................................................... 38 6 - Transmedia como forma de interacção ............................................................................ 43 6.1 Doctor Who: O primeiro sucesso de transmedia da BBC ............................................ 44 6.2 Stargate Universe: Kino Videos como ferramenta de storytelling .............................. 50 6.3 Primeval: Transmedia na construção da backstory..................................................... 52 6.4 An Idiot Abroad: Transmedia aplicada a Documentários ............................................ 53 6.5 Evans e a relação entre a Audiência e os Personagens na série Spooks..................... 53 7 - Memes e Interacção com os Utilizadores na criação de narrativas não-lineares............ 58 7.1 A Hunter Shoots a Bear ................................................................................................ 59 vi


7.2 Life in a Day .................................................................................................................. 59 8 - Projecto: Shall we meet? .................................................................................................. 61 8.1 Construção da história/guião....................................................................................... 61 8.2 Desenvolvimento dos Personagens ............................................................................. 63 9 - Machinima como forma de storytelling ........................................................................... 65 9.1 Da Mediatização aos Direitos de Autor ....................................................................... 66 10 - Desenvolvimento da Plataforma .................................................................................... 68 11 - Metodologia .................................................................................................................... 71 11.1 Questões de Investigação .......................................................................................... 72 11.2 Inquéritos ................................................................................................................... 73 12 - Resultados ....................................................................................................................... 79 12.1 Comportamento do utilizador ................................................................................... 79 12.2 Identificação emocional ............................................................................................. 80 12.3 End Space e sentimento de closure ........................................................................... 81 12.4 Interface e sistema de interacção.............................................................................. 82 13 - Conclusões....................................................................................................................... 85 13.1 Soluções Futuras ........................................................................................................ 85 Bibliografia.............................................................................................................................. 87 Filmografia .............................................................................................................................. 92 Anexos .................................................................................................................................... 93

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Índice de Ilustrações e Tabelas Figura 1: Triângulo de Freytag ................................................................................................. 5 Figura 2: Abordagens actuais a narrativas de TV interactivas (Ursu, 2008) ......................... 15 Figura 3: Separação física entre a narrativa e os espaços interactivos (Ursu, 2008)............ 17 Figura 4: Comparação entre a TV linear e a TV interactiva (Ursu, 2008) .............................. 20 Figura 5: Problemas encontrados pelos participantes no estudo de Pope (Pope, 2010)..... 33 Figura 6: Comparação entre a orientação e a compreensão da história (Pope, 2010) ........ 36 Figura 7: Episódio 18 dos Kino Videos na página oficial de Stargate Universe ..................... 51 Figura 8: Paralelismo entre as perspectivas de Sarah e Michael .......................................... 61 Figura 9: Interface de "Shall We Meet?" ............................................................................... 68 Figura 10: Esquema de ferramentas usadas na programação da interface ......................... 69 Figura 11: Esquema de programação em Max/MSP Jitter .................................................... 70

Gráfico 1: Resultados da questão "Como interagiu com a interface de "Shall We Meet"? . 79 Gráfico 2: Resultados da questão "Qual o seu nível de identificação emocional com as personagens?" ..................................................................................................................................... 81 Gráfico 3: Observações sobre o nível de interacção com a interface ................................... 82 Gráfico 4: Viabilidade das plataformas para a exibição de Shall We Meet? ........................ 84

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1 - Introdução Como contar uma história? Não existe uma fórmula concreta e incontestável de o fazer. As personagens, os cenários, os leitores e o próprio escritor, são todos estes elementos que ditam como uma história deve ser contada. Esta dissertação aborda a temática das narrativas nãolineares dentro do actual contexto de desenvolvimento tecnológico e digital. Partindo de uma perspectiva histórica com enfoque no desenvolvimento do storytelling tradicional, é analisada a evolução da narrativa, do livro ao hipertexto, do cinema à televisão interactiva, dos CD-ROMs às narrativas online. Actualmente, as narrativas não-lineares começam a ganhar o seu espaço na indústria do entretenimento. A constante aposta em transmedia e crossmedia permitiu que o universo narrativo das séries de televisão tenha vindo a se expandir através de diversos meios, criando mais conteúdo e possibilitando que os espectadores possam estar sempre em contacto com a história, seja através da internet ou com recurso a smartphones. O enriquecimento narrativo proporcionado pelas características distintas dos diferentes meios é espelhado na construção das histórias e das personagens, que ganham assim mais tempo e espaço para serem desenvolvidas. A interacção como forma de não-linearidade é também objecto de análise com destaque para os mais recentes desenvolvimentos no âmbito de CD-ROMs, hipertexto, televisão e cinema interactivos, assim como ao nível do storytelling online. Obras de não-ficção como os documentários interactivos Gaza Sderot e Prison Valley, analisados no terceiro capítulo, são exemplos de como a não-linearidade proporcionada pelas tecnologias digitais é uma forte ferramenta na construção de narrativas, permitindo que o utilizador explore a história segundo um percurso por ele escolhido, consumindo a informação ao seu próprio ritmo. O papel da emoção na compreensão da narrativa, e a importância da existência de um espaço de conclusão são os restantes temas em destaque neste estudo, desenvolvido com o intuito de analisar o comportamento dos utilizadores perante a história interactiva “Shall We Meet?”, criada no âmbito desta dissertação. Ao longo dos próximos capítulos é apresentado o estado de arte do storytelling não-linear, especificando os passos que levaram à construção de “Shall We Meet?” com base nos estudos de Pope (2010), Evans (2008) e Zagalo (2004), entre outros. São também apresentados os resultados dos testes preliminares de “Shall We Meet?” junto dos utilizadores, com enfoque para o seu comportamento durante o visionamento da narrativa e para a influência da identificação com as personagens na escolha dos elementos de não-linearidade por eles usados.

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1.1 Motivação e Objectivos Há certas histórias que nascem com o intuito de serem contadas. Tal é o caso de “Shall We Meet?”, a narrativa não-linear desenvolvida no âmbito desta dissertação e o principal objecto de análise ao longo do seu desenvolvimento. Desde que surgiram as primeiras narrativas em hipertexto que têm sido desenvolvidos diversos métodos de storytelling não-linear com o objectivo de explorar novas formas de entretenimento e ir mais além da linearidade estabelecida desde os tempos de Aristóteles. A motivação para o desenvolvimento desta dissertação surge da necessidade de analisar os métodos actuais de aplicação do storytelling não-linear, com o objectivo de desenvolver um sistema interactivo para a narrativa “Shall We Meet?”.

1.2 Organização da Tese Esta dissertação encontra-se dividida em três momentos base: revisão da literatura e análise do estado de arte; desenvolvimento do projecto “Shall We Meet?”, e análise dos testes preliminares desta narrativa junto dos utilizadores. O primeiro capítulo aborda a perspectiva histórica, da narrativa clássica com base na Teoria Aristotélica, ao storytelling na era digital, evidenciando o uso de elementos multimédia e do hipertexto nas modernas história não-lineares, com destaque para a importância dos CD-ROMs e da Internet no desenvolvimento das mesmas. O Cinema e a TV Interactiva também são alvos de análise. Os estudos de Pope sobre o hipertexto e hipermédia são a base do capítulo seguinte. Os resultados da análise ao seu trabalho motivaram a construção da narrativa “Shall We Meet?”, com principal incidência sobre a importância de um espaço de final definido e de um prevalecente sentimento de conclusão por parte dos utilizadores após o “consumo” da narrativa. O papel da emoção e do suspense no storytelling interactivo é o tema do capítulo seguinte. A emoção e a identificação com as personagens e com os momentos por elas vividos são elementos importantes para o sucesso da história que está a ser contada e que por vezes se perdem nos meandros do caos proporcionado por um número excessivo de percursos não-lineares. A ponderação sobre o correcto uso da emoção no storytelling não-linear é o aspecto principal desenvolvido ao longo deste capítulo. O transmedia como forma de interacção é o tema que se segue. As séries televisivas Doctor Who, Stargate Universe, Primeval, An Idiot Abroad e Spooks são os exemplos de aplicação de técnicas de storytelling aproveitando as características de medias distintos, usados como ferramentas para o desenvolvimento das suas narrativas e consequente enriquecimento das

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mesmas, ao mesmo tempo que permitem aos espectadores imergirem-se de forma aprofundada nos universos destas séries. O capítulo que encerra a primeira parte desta dissertação remete para a popularidade do conteúdo desenvolvido por utilizadores e divulgado massivamente online. A possibilidade de chamar os próprios utilizadores para a construção de uma narrativa não-linear, como é o caso de Life in a Day, é um dos exemplos do potencial emergente da construção de narrativas em regime cooperativo. O capítulo seguinte foca-se no desenvolvimento da narrativa “Shall We Meet?”, desde a construção do guião, ao desenvolvimento das personagens e à criação da plataforma e do sistema interactivo que possibilitam o seu visionamento. Para finalizar, são apresentados os resultados dos testes preliminares a “Shall We Meet?”, e as sugestões para futuros estudos e desenvolvimentos desta narrativa e da sua plataforma.

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2 - Revisão de Literatura Todas as histórias têm um início, um ponto de partida que impulsiona o destinatário da narrativa a querer saber mais, a abrir os olhos para este novo mundo que lhe é apresentado. Seja qual for o formato que um storyteller (contador de histórias) escolhe como medium de transmissão da sua narrativa todos partilham algo em comum: o primeiro momento em que um utilizador abre a capa do livro, acede ao endereço ou carrega no botão de Play. Embora a ideia de uma narrativa, ou de storytelling não-linear, possa ser inicialmente associada a desenvolvimentos tecnológicos das últimas décadas, a verdade é que antes de se analisar o panorama actual de não-linearidade em narrativas digitais é necessário olhar para toda a evolução histórica que nos trouxe até este ponto. O acto de contar histórias acompanha a humanidade desde o início. Da expressão oral, à arte, passando pela literatura e mais tarde pela rádio, cinema, televisão e plataformas digitais. Comunicar é parte da condição humana. Considerado como o “Pai da Narrativa”, Aristóteles foi o primeiro a criar uma designação formal para o desenvolvimento da narrativa.

2.1 Narrativa Clássica: Teoria Aristotélica A whole is that which has a beginning, a middle, and an end. [...] A well constructed plot, therefore, must neither begin nor end at haphazard, but conform to these principles. (Aristotle)1 A forma mais básica de desenvolvimento de uma narrativa tem início pelo story arc (arco de história). O story arc divide-se essencialmente em três actos, compostos pela introdução, desenvolvimento e conclusão, ou, na definição proposta por Aristóteles, tese, antítese e síntese. Aristóteles centrou a sua tese na Poética com base na tragédia. Para Aristóteles, a tragédia, ou contrário da comédia, era a forma mais alta de drama, sendo o argumento o aspecto mais importante (Clark, 1918)2. “For Aristotle, the most important aspect of drama is the plot. As is commonly done in discourses on narrative theory, the term narrative is used here interchangeably with the term plot. Aristotle defined the best plots as those plots that result in either a reversal or a recognition. Reversal plots result in the exact opposite state of affairs as presented in the beginning of a story, while recognition plots result in a change from ignorance to understanding. The ideal plot combines the result of reversal and recognition.” (Heath, 1996) 1

Perco, G. (2004). Looking for the Hidden Plot. (UMI, Ed.) United States: ProQuest. Hosale, M.-D. (2008). Nonlinear Media as Interactive Narrative. (UMI, Ed.) United States: ProQuest, pp. 9-11 2

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Ao caracterizar o argumento sobre estas duas formas (inverso e reconhecimento), Aristóteles cria as primeiras bases do arco do herói, a base de qualquer narrativa. O arco, ou a viagem, do herói corresponde ao desenvolvimento da personagem ao longo da história, acentuando-se por um crescimento contínuo em busca da resolução do conflito que este procura resolver, culminando no clímax da narrativa e consequente conclusão. A personagem, inserida dentro do story arc, resolve o seu conflito ao longo dos três arcos da história. Embora não exista uma fórmula restrita de desenvolvimento de uma narrativa pode-se descrevê-la de uma forma simples, onde no primeiro acto é apresentada a personagem e o conflito que esta terá que resolver, definindo o início da sua “viagem” de resolução como o final do primeiro acto e o início do segundo. O segundo acto é caracterizado por uma constante escalada da dificuldade dos obstáculos que se cruzam no caminho do personagem até ao início da resolução, ilustrada pelo início do terceiro e último acto onde o conflito é resolvido. Além de Aristóteles, Clark (1918) salienta também o contributo de Freytag para a definição do story arc. Como Hosale (2008) afirma, embora não haja uma clara definição do termo story arc, é comum presumir que este se refere a uma estrutura aproximada, se não mesmo igual ao Triângulo de Freytag (figura 1) (Hosale, 2008).

Figura 1: Triângulo de Freytag

Segundo Hosale (2008), a narrativa linear inicialmente definida na Poética de Aristóteles é tradicionalmente compreendida como uma acção unificada composta por três partes (Heath,

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1996)3, como já foi referido acima. Hosale (2008) refere que embora a narrativa aristotélica tenha sido largamente discutida e criticada ao longo da História, para o autor esta foi aceite como o paradigma da dramaturgia ocidental até Gustav Freytag a ter aprofundado ao publicar o artigo Technique of the Drama4 (Freytag and MacEwan, 1895). Technique of the Drama de Freytag é uma extensão da tese de Aristóteles, partindo de uma estrutura dividida em cinco partes em vez de três, também conhecida como Triângulo de Freytag, ou Pirâmide de Freytag (Hosale, 2008). A figura 1 ilustra um exemplo do Triângulo de Freytag onde se definem as cinco partes constituintes da estrutura. São elas, a introdução, a acção em crescimento, o clímax, a acção em queda e o desenlace. De acordo com a definição de Hosale (2008), a introdução representa o início da narrativa, onde as personagens e os temas são apresentados e o tom da acção é revelado. Durante a “acção em crescimento” é introduzido o conflito entre os principais personagens. O clímax ocorre quando o conflito atinge a sua fase de resolução, cujas consequências dessa mesma acção são representadas pela “queda de acção”. O desenlace, como o próprio nome indica, representa a resolução do conflito, completando assim o story arc. Para Hosale (2008) o Triângulo de Freytag é aceite como a principal definição de narrativa linear.

2.2 Narrativas: Do Linear ao Não-linear Traditional entertainment, especially material that is story based, is almost always linear. In other words, one event follows another in a logical, fixed, and progressive sequence. The structural path is a single straight line. Interactive works, on the other hand, are always nonlinear. Even when interactive works include a central storyline, players or users can weave a varied path through the material, interacting with it in a highly fluid manner. (Miller, 2004) Um dos primeiros autores de uma obra não-linear foi Laurence Stern, autor do romance The Life and Opinions of Tristram Shandy, Gentleman, uma obra de nove volumes publicada entre 1759 e 1766, não muito depois dos romances ingleses terem sido apresentados ao público pela primeira vez (Miller, 2004). Miller (2004) descreve que neste romance, Sterne apresenta o fluxo da história sob diversas formas não convencionais, ao partir por um caminho e depois mudando subitamente de direcção. Acção que é repetida diversas vezes ao longo da narrativa. Sterne também “jogou” com os capítulos ordenando-os de forma aleatória. Segundo Miller (2004), para o autor, estas “inesperadas mudanças na narrativa” eram a essência que dava vida ao livro (Miller, 2004).

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Perco, G. (2004). Looking for the Hidden Plot. (UMI, Ed.) United States: ProQuest. Freytag, G. (1895). Freytag's Technique of the drama, an exposition of dramatic composition and art. Cincinnati: Stewart & Kidd Company. 4

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Já no século XX, William Burroughs fez algumas experiências com narrativas não-lineares em obras que ele chamou de cut up. Estas obras eram caracterizadas pela junção de fragmentos de um texto que eram reordenados numa ordem diferente da original. Burroughs acreditava que ao reordenar estes fragmentos seria capaz de identificar novos sentidos para os textos e trazê-los à tona (Miller, 2004). Miller (2004) acrescenta que esta foi uma técnica aprendida através de Brion Gysin, um pintor e escritor contemporâneo de Burroughs, ao adaptar aos seus textos a técnica artística da colagem onde diferentes pedaços de obras diferentes são aglomeradas para formar um todo distinto da soma dos seus fragmentos. James Joyce é outro autor em destaque com a sua obra a ser descrita como a precursora do hipertexto digital. Tal pode ser visto nos seus romances Ulysses e Finnegan’s Wake através do uso de alusões, imagens e simulações auditivas, tudo em papel dentro das páginas dos seus romances (Miller, 2004). Miller (2004) salienta que apesar da morte de Joyce em 1941, anos antes do desenvolvimento dos computadores modernos, os escritores contemporâneos ainda hoje usam tecnologia digital para construir contos e romances através do uso do hipertexto, muito à imagem de Joyce. Choose Your Own Adventure (1979) é outro exemplo de um conjunto de obras literárias baseadas no uso da não-linearidade como ferramenta de storytelling. Direccionadas para crianças, estes livros apresentavam uma forma de ficção interactiva dando ao leitor a possibilidade de escolher, entre diversas opções, o caminho que queria que a história tomasse. Isto era feito através de pausas na narrativa com indicações para as páginas referentes ao caminho escolhido pelo leitor. Muitos destes livros ofereciam diversas alternativas para o final da história (Miller, 2004).

2.3 Narrativas na Era Digital A História das narrativas não-lineares digitais tem como ponte de partida a narrativa em hipertexto afertoon, a story do autor norte-americano Michael Joyce, publicada em 1990. Para Hosale (2008), o termo hipertexto, comummente associado com a computação moderna e a internet, surgiu originalmente em 1965 no artigo A File Structure for the Complex, the Changing, and the Indeterminate de Theodore H. Nelson (Nelson, 1965)5. Neste artigo Nelson (1965) descreve a forma e a operação de estruturar dados naquilo que ele define como estrutura evolucionária de ficheiros, evolutionary file structure (ELF), um método de estruturação de informação que em vários aspectos antecipa a consulta de informação, ordenação, disposição e ligação comum em aplicações de base de dados actuais (Hosale, 2008). 5

Nelson, T. H. (1965). A File Structure for the Complex, the Changing, and the Indeterminate In The new media reader. (N. W.-F. Montfort, Ed.) Cambridge: MIT Press.

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Segundo o autor, esta estrutura pretende facilitar a implementação de hipertexto, hiperfilmes e trabalhos de hipermédia. Os conteúdos de hipermédia são estruturas não-lineares navegáveis que usam elementos de dados relacionados para ligar a informação na estrutura do trabalho (knowledge space) (Nelson, 1965). Em afternoon, a story, o utilizador segue a perspectiva de um escritor ficcional, chamado Peter, que procura ultrapassar o luto pela perda de um ente querido. Enquanto lê a história o utilizador navega através do terreno psicológico do consciente de Peter que, mediante as escolhas do utilizador, pode originar diferentes resultados (Geyh, Leebron, and Levy 1998)6. De acordo com a descrição de Hosale (2008), à medida que o utilizador navega pela narrativa, este descobre novos aspectos da história que mudam a sua perspectiva e alteram a sua compreensão sobre os sentidos por detrás deste trabalho. As inúmeras possibilidades em aberto no formato dos romances em hipertexto significam que este romance em particular pode ser lido e relido com o potencial para numerosos resultados que podem ser revisitados as vezes que o utilizador quiser (Hosale, 2008). Segundo Caires (2004), aliado à definição de hipertexto está o conceito de Hyperdocument (hiperdocumento). Jean-Pierre Balpe (1990) designa o neologismo hiperdocumento como “todo o conteúdo informativo informatizado no qual a característica principal é de não estar sujeito a uma leitura antecipadamente definida mas de permitir um conjunto mais ou menos complexo, mais ou menos diverso, mais ou menos personalizado de leituras”7. Caires (2004) define “a mobilidade, a instantaneidade, a interactividade, a deslocalização e o generativo” como as características principais para o desenvolvimento destes “geradores de escrita” criados por Jean-Pierre Balpe (1990). “Todo o texto obedece ao mesmo princípio sintáctico generalizado: uma parte das decisões advém das restrições locais; outras de restrições mais gerais – antecedentes da escrita; outras ainda do aleatório”8 (Balpe, 1990).

2.4 Evolução da narrativa Digital One beginning and one ending for a book was a thing I did not agree with. A good book may have three openings entirely dissimilar and inter-related only in the prescience of the author, or for that matter one hundred times as many endings. (Flann O'Brien)9 Os romances em hipertexto não são os únicos exemplos de narrativas não-lineares aplicadas na era digital. Mesmo através do uso do texto como meio de transmissão da narrativa, a 6

Geyh, P. F. (1998). Postmodern American fiction: a Norton anthology (1st ed.). (W. Norton, Ed.) New York: London. 7 Balpe, J.-P. (1990). Hyperdocuments, hypertextes, hypermédias. Eyrolles. 8 Em: http://www.diaclases.com/pages/generation/. 9 Perco, G. (2004). Looking for the Hidden Plot. (UMI, Ed.) United States: ProQuest.

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não-linearidade não se resume apenas à interacção ou à escolha de um caminho dentro de uma história através do jogo do inter-relacionamento das personagens com o argumento. Embora esta conquista da história por parte do leitor seja, de certa forma, apelativa, a não-linearidade pode também ser representada através da fragmentação da história e de uma aleatória reordenação dos seus elementos, muito ao estilo das já referidas obras cut up de Burroughs (Miller, 2004). Um exemplo desta aplicação é o projecto Cent Mille Milliards de Poèmes10 de Raymond Queneau. Cent Mille Milliards de Poèmes é uma obra composta por dez sonetos com catorze versos cada, onde o leitor pode substituir e trocar cada verso a partir dos outros existentes, o que permite gerar 100 000 000 000 000 (cem mil milhões) de poemas diferentes (Caires, 2004). “Apesar das regras determinadas pelo autor, o leitor fica livre no seu percurso, deixando ao acaso (previamente calculado) a criação e interpretação de novos poemas” (Caires, 2004). Do grupo que desenvolveu Cent Mille Milliards de Poèmes, Caires (2004) refere ainda outro projecto sob o método “S+7” que consistia na substituição num “texto já existente (de qualidade literária ou não) os substantivos (S) por outros substantivos do mesmo género que os seguem ou antecedem num dicionário, a uma distância variável (7) medida pelo mesmo número de palavras” (Oulipo, 1973)11. “É evidente que os resultados auferidos dependem dos textos e dicionários escolhidos pelo autor, revelando no entanto uma certa indeterminação nos resultados encontrados”(Caires, 2004). Estes métodos embora proporcionem a criação de inúmeros textos distintos, sujeitos a diferentes interpretações, podem também criar incongruências que os tornem ilegíveis ou que façam com que o texto perca qualquer sentido. É então importante que seja respeitado um fio condutor da narrativa que a empurre para a sua conclusão independentemente das escolhas do leitor, protegendo a história inicial e impedindo esta de se tornar incoerente. Actualmente são inúmeros os exemplos de narrativas não-lineares, não apenas construídas através do uso do hipertexto mas que usam outros meios através de plataformas dinâmicas e interactivas construídas com o recurso a software dinâmico como o Adobe Flash ou o Max/MSP Jitter, que servem-se de aplicações multimédia com recurso a texto, imagens, sons, vídeo, animações e hipertexto para construir uma história não-linear, proporcionando uma navegação e uma interpretação mais profunda do universo da narrativa através do aproveitamento dos recursos digitais disponíveis hoje em dia. Tal é o caso de “Shall We Meet?”, a narrativa construída no âmbito desta dissertação que se apresenta como uma história não-linear inserida numa plataforma que permite ao utilizador seguir a história sobre duas perspectivas diferentes. A aplicação, feita para ser

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Cent Mille Milliards de Poèmes. (s.d.). Obtido em Janeiro de 2011, de http://www.unimannheim.de/users/bibsplit/nink/test/sonnets.html 11 Oulipo. (1973). La littérature potentielle. Gallimard..

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vista com recurso a um computador, assemelha-se aos CD-ROMs multimédia interactivos que serão discutidos no próximo capítulo. Cinema, Televisão interactiva e online storytelling são os restantes exemplos de aplicações de storytelling não-linear desenvolvidos no próximo capítulo.

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3 - Interacção como forma de não-linearidade James Joyce didn’t write books. Marcel Duchamp didn’t create works of art. John Cage didn’t compose music. They created interfaces, instances into which someone, (you), intervened to make choices and judgments that they were not willing to make.... You are empowered, you are in control. Cough during a John Cage recital and you are part of the performance. That’s an interface. (Leggett, 2003) Uma das principais, se não mesmo a principal característica do storytelling não-linear é a capacidade de interacção do utilizador com a história, quer seja através da manipulação dos personagens, como é exemplo dos jogos ou dos ambientes virtuais colaborativos, ou através de hiperligações e do controlo sob o fluxo da narrativa e sob o posicionamento dos diversos momentos que a compõem. O próprio suporte e a interface construída para a apresentação da narrativa são os principais meios de mediação e interacção entre o utilizador/espectador e a história. Mike Leggett (2003) lança a questão sobre o que leva um utilizador a interagir, encontrando a resposta numa outra questão levantada por Darren Tofts (1995): “O que é, ou mais especificamente, onde está uma interface?” Segundo Leggett (2003) o paradigma mais comum define que a interface “apenas existe no domínio cibernético, quando alguém se senta em frente a um computador e clica no rato” (Leggett, 2003). Mas para o autor uma interface é, pelo contrário, “qualquer acto de conjunção que resulte num evento novo ou inesperado”, citando para tal Brenda Laurel que classifica a maçaneta de uma porta como uma interface. Embora este capítulo não se foque na construção da interface, são analisados os suportes usados para a apresentação e armazenamento das interfaces de storytelling não-linear, como é exemplo dos CD-ROMs, do Cinema, da TV Interactiva e do Online. A análise das características dos diferentes suportes foi importante na escolha e na construção da interface de “Shall We Meet?”, desenvolvida de acordo com um modelo similar a uma aplicação para um CD-ROM multimédia que ao mesmo tempo possa ser adaptado para uma futura publicação online.

3.1 CD-ROMs Apesar da já referida aplicação de narrativas não-lineares em obras literárias impressas, os CD-ROMs são o meio mais consensual quando se discutem as origens do storytelling não-linear. Antes da propagação da Internet de banda larga o CD-ROM era o meio mais comum de partilha de conteúdos digitais interactivos, fossem eles jogos, enciclopédias digitais, plataformas educativas ou histórias interactivas.

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Segundo Michael Punt (2000) para a indústria “vapourware”, os CD-ROMs interactivos baseados em arquitectura hipermédia têm o potencial para “alterar, sem limites, a educação e a indústria do entretenimento” (Punt, 2000). “This medium, it was predicted, would be used to store data in a great variety of forms (text, image, sound, graphics, movies) which would be accessed associatively to provide a powerful value-added learning tool. CD-ROMs would transform libraries by eliminating the costly storage of volumes and by providing different modalities of access to data would ultimately, it was claimed, affect scholarship. In short, its most avid promoters insisted that the CD would be a new episteme.” (Punt, 2000) Contudo, o autor reafirma que nada do que estava previsto acontecer, aconteceu, com a excepção de algumas aplicações específicas ligadas à indústria do entretenimento. Punt (2000), reitera que “em vez do que estava previsto, mesmo a um nível de iniciação é necessário um alto investimento num vasto número de equipamento, desde placas de vídeo e som, a scanners, câmaras digitais, a uma série de sistemas de armazenamento incompatíveis entre si, e a um conjunto complexo de software que exige muito da memória de um PC” (Punt, 2000). O autor critica desta forma a indústria do CD-ROM pela falta de preparação dos utilizadores e pelo vasto investimento em material informático que estes necessitavam, na altura, apenas para verem um CD-ROM com a qualidade mínima. Dá ainda o exemplo do sucesso dos leitores de CD portáteis, sugerindo a visão de um equipamento do género para este tipo de aplicações, que dada à sua inexistência condenou ao fracasso a indústria dos CD-ROMs. Com a evolução da Internet, dos Sistemas Operativos e do próprio Hardware, hoje em dia, este tipo de questões são postas de lado devido ao grande crescimento tecnológico vivido na última década. Contudo, essa mesma evolução esperada por Punt (2000) levou quase à extinção do CD-ROM. Hoje em dia já são produzidos computadores pessoais e notebooks sem drive de leitura de CDs, DVDs ou Blu-Ray, apostando fortemente na partilha de conteúdo através das portas USB, ligações sem-fio, streaming e na própria Internet. Os smartphones e os tablets PCs possuem hoje em dia uma interface gráfica capaz de visualizar narrativas interactivas com recurso à Internet ou a aplicações instaladas nestes equipamentos. As histórias desenvolvidas em CD-ROMs, muitas vezes com recurso a software de programação com comportamento semelhante ao Adobe Flash, ainda sobreviveram à época do DVD e dos Blu-Rays, surgindo por vezes como extras associados a filmes, mas foi na Internet que este estilo de storytelling digital e interactivo foi encontrar a sua forma mais sustentada de desenvolvimento. Um caso em que a adaptação a um novo meio foi a chave para a manutenção de um estilo estabelecido de narrativas não-lineares.

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3.2 Cinema e TV Interactiva Talking heads by themselves usually do give the impression that multimedia is but a poor cousin of television. This is often because of the intrusion of technical elements into this traditional TV style of presentation. Spoken narration by itself or over text also invites comparison to a ’talking book’. These are two comparisons that many multimedia practitioners seem particularly keen to avoid. (McPhee, 1997) Num episódio da série de animação, Futurama, a personagem Fry desloca-se a uma sala de cinema no ano 3000. O filme é transmitido de uma forma tradicional até um momento em que uma das personagens depara-se com um dilema: continuar a trabalhar ou ir salvar a sua mulher, proporcionando uma intensa cena de acção. É dado aos espectadores a escolha entre as opções referidas e Fry opta pela segunda. Um intercomunicador confirma a sua opção, afirmando que Fry escolheu a primeira em vez da segunda, o personagem discute com o intercomunicador mas este recusa-se a mudar a opção, dando a ideia de que a única opção para o prosseguimento do filme era a segunda, criando uma falsa ideia de interacção por parte da audiência que, de facto, não tem controlo algum sobre o filme – um formato similar ao Kinoautomat descrito por Caires (2004) mais à frente. Apenas é possível especular se no ano 3000 tal será uma realidade, já actualmente, as experiências a nível do cinema interactivo ainda não se apresentaram como uma solução viável para se afirmarem como o próximo passo na evolução da sétima arte. “Ao longo da história do cinema e da sua evolução tecnológica encontram-se várias tentativas de inovação nos suportes e formatos de projecção. Desde Charles Eames que em 1959 inventava um sistema de projecção múltipla, apresentando em público e pela primeira vez na Exposição Universal de Moscovo o filme Glimpses of the USA12. Trata-se de uma projecção simultânea sobre 7 ecrãs, que deu nascença a uma nova forma de narração. Esta, não se limitava a um efeito de aumento ou de invasão do espaço pelas imagens, mas sim a uma nova relação com o público. Mais tarde, em 1962, Josef Svoboda produziu sob o mesmo princípio, mas adicionando-lhe a performance de actores em palco a Laterna Magika13. E em 1968 foi a vez de Radúz Çinçera inventar o primeiro sistema fílmico interactivo, o Kinoautomat. Este Kinoautomat confrontava os espectadores com o filme projectado através de paragens e escolhas em momentos chaves da narrativa. Nos momentos de paragens, os actores surgiam no palco para perguntar ao público qual das duas hipóteses o filme deveria seguir. Os espectadores faziam as suas escolhas através de um sistema de dois botões implementados nos assentos do auditório, criando a ilusão que cada apresentação de Kinoautomat era distinta, dependendo das escolhas do público. O que na realidade era falso, pois muito poucas escolhas eram possíveis e facilmente as versões podiam se repetir, dia após dia.” (Caires, 2004). 12 13

http://www.loc.gov/loc/lcib/9905/eames.html http://www.olats.org/pionners/pp/svoboda/practicien.html

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Após a análise histórica do Cinema Interactivo feita por Caires (2004), é possível concluir que o cinema é uma arte estabelecida onde a não-linearidade é mais popular quando usada dentro de uma narrativa linear e não tanto ao nível da interacção de uma audiência como um todo. Várias questões surgem aquando da tentativa de criar uma narrativa interactiva para uma sala de cinema. Como dispor as possibilidades de navegação pela história sem interromper o fluxo narrativo, que nível de controlo e de decisão deve ser dado à audiência, como mediar as escolhas da audiência visto que esta não se comporta como um indivíduo comum mas é sim, composta por elementos individuais com liberdade na escolha das suas opções, são alguns dos factores que limitam o desenvolvimento deste tipo de cinema. O elevado orçamento de produção de vários caminhos alternativos dentro de um só filme, a complexidade da escrita do argumento, a preparação das próprias salas e o desenvolvimento do equipamento necessário para este tipo de demonstrações, são outros exemplos das “dores de cabeça” que uma equipa de realização e produção de um filme têm pela frente aquando da aposta neste tipo de narrativas. Tal é tão verdade para o cinema como para a televisão. Contudo, aqui a audiência torna-se mais simples de controlar, ou pelo menos, assim aparenta. Enquanto numa sala de cinema podem ser esperados cerca de cem espectadores, a televisão, com recurso a DVDs, Blu-Rays ou equipamentos multimédia pode proporcionar um ambiente similar àquele vivido num PC, desenvolvido apenas para um espectador ou para um número que dificilmente ultrapassaria os quatro elementos. Contudo, a história complica-se quando nos referimos a TV Interactiva com emissão em directo para milhões de lares. Como se resolve então a questão da interactividade? Na televisão portuguesa foi realizada para a RTP, com emissão na RTP 2, a série O Diário de Sofia. A série contava, na primeira pessoa, o dia-a-dia de uma adolescente, com a particularidade desta colocar aos espectadores uma questão no final de cada episódio sobre a forma como devia resolver os seus problemas. Estes eram então convidados a enviar mensagens dos seus telemóveis para um número específico com a opção que achavam ser a mais acertada, a mais votada ditava o argumento do episódio seguinte e o desenvolvimento da história geral da série, muito à semelhança do processo de selecção e eliminação dos participantes em reality shows como o Big Brother. Desenvolvida inicialmente para a Internet e com a publicação posterior de oito livros baseados na série, O Diário de Sofia teve o seu auge em 2005 quando a série foi emitida pela RTP. Contudo, a série acabou por ser descontinuada, sobrevivendo durante algum tempo como um programa de rádio da Cidade FM. Outro meio de interacção presente na TV é o teletexto, embora este serviço proporcione outro tipo de informação que não aquela relacionada com o programa que está a ser transmitido no momento, é muitas vezes usado como complemento a notícias, fornecendo ao espectador informação útil como o estado do tempo, trânsito, números de farmácias e outras utilidades, assim

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como as mais recentes notícias e os resultados de jogos de futebol em tempo real. O teletexto é também usado como plataforma de legendagem de programas para espectadores com problemas auditivos, além de fornecer a programação do canal e dados extra sobre cada programa. Com a evolução da televisão digital, seja através da TV por cabo/satélite, ou da TDT (Televisão Digital Terrestre), alguma desta informação é já proporcionada pelo software dos equipamentos multimédia usados para a transmissão de televisão em qualidade HD e para a gravação de programas sem a necessidade de recorrer a suportes externos como o VHS, o DVD ou o Blu-Ray. Este sistema tem ainda a vantagem de ser mais rápido que o teletexto e de mais fácil acesso, contudo, por enquanto apenas se foca em informação especializada sobre o canal, não incluindo os extras sobre a actualidade externa ao programa emitido que o teletexto proporciona. Na figura que pode ser vista de seguida, Marian Ursu (2008) define as formas actuais de narrativas interactivas na Televisão. Ursu (2008) divide as narrativas em três categorias, os serviços paralelos, nos quais inclui a transmissão através de teletexto avançado e a Internet TV; os conteúdos que atravessam ambas as plataformas, como fóruns de discussão, jogos e partilha de conteúdos; e as narrativas “verdadeiramente” interactivas, dando como exemplos os programas em directo compilados manualmente e as narrativas desenvolvidas sob estruturas simples que são compiladas de forma automática.

Figura 2: Abordagens actuais a narrativas de TV interactivas (Ursu, 2008)

“Television offered professionally authored content, made with recorded audio-visual material, delivered to (mass) audiences, scheduled or, at the beginning of the 21st century, timeshifted, such as 4oD (Channel 4’s download service), BBC i-player, Sky+, and VoD. Viewers, to whom stories are told, are regarded in this paradigm as being essentially passive during storytelling, without the ability to interact with the narrations in real time. They may choose which

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stories/programs to view and when to view them, but they cannot influence the narrations themselves.”(Ursu, 2008) Ursu (2008) define assim que a única forma de interacção e controlo do fluxo da história para um telespectador passa pelo poder de mudar de canal. A autora dá o exemplo dos jogos e das ficções adaptadas a jogos, por serem baseados no controlo de personagens e objectos em mundos virtuais como uma forma de resolução de problemas, definição de estratégias e desenvolvimento de missões, com destaque para a exploração e descoberta de espaços virtuais, como exemplos de uma boa aposta, não apenas pela boa qualidade de animação gráfica, mas também pela “agência” que Ursu (2008) define, baseada numa citação de Murray (1997a), como “o efeito do utilizador no mundo virtual” (Ursu, 2008). Ainda a nível dos jogos, as histórias eram raramente contadas através de uma interacção real, recorrendo então às cut-scenes (pequenos vídeos criados com as personagens dos jogos) baseadas numa narrativa linear que impulsionava o desenvolvimento do jogo e que eram inseridas entre níveis. (Atkins and Krzywinska, 2007; Zimmerman 2005; Thomas 2003) Ursu (2008) refere ainda a presença de narrativas interactivas online. “A internet era usada principalmente para partilhar informação através de modelos de intercomunicação assíncrona e síncrona. O modelo de comunicação assíncrona é baseado no hipertexto e melhorado através de objectos multimédia e repositórios de bases de dados. Quanto aos objectos de vídeo, a internet não era mais que uma base de dados aberta e acessível através de esporádicas acções de recolha (pesquisas ou “cliques” aleatórios para “ver o que acontecia”). Elementos de narrativa podiam ser implementados dentro do modelo de hipertexto, mas para os media baseados no tempo, o modelo de navegação esporádico como único meio de interacção não é o mais adequado. No modelo síncrono (salas de chat e videoconferência) a comunicação é mais ou menos feita sem limitações, livre e volátil a nível do conteúdo” (Ursu, 2008). “In broad lines it can be concluded that, in the context of screen media, traditionally, television used to be about narrativity, but not about agency and intercommunication; that games used to be about agency, but not about narrativity and intercommunication; and that the Web used to be about intercommunication, but not about narrativity and agency. Recently, however, the boundaries and distinctions among these forms of information and entertainment are becoming blurred (Jenkins 2006).” (Ursu, 2008) Esta mistura e indefinição de conceitos referida por Jenkinks (2006) e interpretada por Ursu (2008) dá azo a um livre posicionamento da TV Interactiva aquando da aposta no desenvolvimento de narrativas não-lineares para televisão. Outra questão possível de ser levantada passa pela própria definição daquilo que é a televisão. Com o crescimento da Internet TV, do número de aplicações multimédia disponíveis e das capacidades de streaming de dados via wi-fi 16


entre os diversos equipamentos multimédia existentes dentro de qualquer habitação, não estará a televisão a redefinir-se como mais uma interface de navegação online? A partir do momento que podemos navegar na internet através do nosso televisor e aceder a um vasto número de canais e conteúdos multimédia online torna-se difícil distinguir a televisão de um smartphone, tablet, ou notebook. Outra questão colocada por Ursu (2008), e ilustrada na imagem seguinte, é a separação física entre o espaço da narrativa e o espaço de interacção. Sendo ambos criados pelo autor, a diferença está no comportamento do espectador. Este consume o espaço da narrativa ao mesmo tempo que participa no espaço de interacção, informando o autor das necessidades da sua audiência que são posteriormente representadas no espaço da narrativa, criando assim um modelo de interacção entre o espectador e o autor, onde o primeiro tem um maior poder de controlo sob o fluxo da história, bastante distinto daquele que a televisão tradicional lhe pode fornecer.

Figura 3: Separação física entre a narrativa e os espaços interactivos (Ursu, 2008)

“Television interactivity can be regarded as encompassing three approaches. One is about choice of linear narrations via multistream synchronous delivery and time-shifted viewing (e.g., delay TV or video on demand). Another one is about services offered in parallel with linear narrations. They can be offered via broadcast to the television set, such as in “enhanced TV” *Jensen 2005], a better version of teletext, or to the computer via the Internet, for example, as the download of extras, such as for NBC’s highly successful Heroes, and of actual episodes themselves, such as for Channel 4’s City of Vice TV miniseries. In both cases the interaction happens alongside, rather than as an integral part of, the actual narratives (the programs). The programs themselves are still linearly conceived and implemented, none of these versions of interactivity really encompassing interactive narrativity.” (Ursu, 2008)

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Regressando ao primeiro modelo proposto por Ursu (2008), a relação entre plataformas, que pode ser definida como uma extensão dos serviços paralelos baseados na internet, começa a construir o terreno para a criação de uma real plataforma interactiva (Ursu, 2008). “I use the term ‘content continuum’ (...) In my view television will continue to be used to build the primary compelling brand position, and all platforms [digital radio, all forms of wireless, all forms of broadcast, all forms of broadband+ will deliver slices of the content pie”. (Forrester 2000, Citando Steve Billinger) Ursu (2008) afirma que os recursos com um alto nível de interacção disponíveis online, são produzidos como espaços dedicados onde utilizadores participativos podem discutir questões e expressar a sua opinião, directa ou indirectamente, sobre os temas desenvolvidos ao longo do programa. “Eles geralmente existem como facetas distintas do mesmo storyspace; à medida que a narrativa e a comunicação convergem, há um aumento do número de instâncias onde interacções com outras plataformas são reflectidas na narrativa linear apresentada na televisão. Contudo, esta ligação é assíncrona e percepcionada pelos autores das narrativas televisivas. Tais recursos de interacção podem ser vistos como meios de interacção com as narrativas, mas, em princípio, não são diferentes dos questionários convencionais feitos aos utilizadores.” (Ursu, 2008). De facto a possibilidade de interacção do espectador com o debate presente num programa televisivo é hoje bastante comum. Desde os programas de “antena aberta” que permitem que o espectador telefone para o programa para dar a sua opinião, ao recurso ao e-mail e às redes sociais como o twitter e o facebook, para partilhar opiniões e conteúdos entre os participantes do programa e os espectadores que o vêem. Aqui, Ursu (2008) salienta ainda a versão emitida no Reino Unido da série O Diário de Sofia (Sofia’s Diary). Desenvolvido para publicação online em 2008, Sofia’s Diary é para Ursu (2008) um bom exemplo de interactividade entre plataformas. “Here, the Sofia’s Diary episodes are primarily produced for Web delivery, but an omnibus edition of edited episodes is broadcast as linear narrative at the weekend, by UK Fiver TV. Sofia is a teenager constantly faced with dilemmas that viewers can comment on and help resolve, and their exchanges can inspire and be incorporated into the very short webisodes as they are produced. This mode of show (already been adapted for US, Germany, Brazil, Chile, Turkey, and Vietnam) is targeted very specifically towards teenagers, and has a strong bias towards social exchange and development, rather than immersive dramatic narrativity.” (Ursu, 2008) Isto remete de volta para as questões da viabilidade de desenvolvimento de narrativas não-lineares interactivas para TV. Segundo Ursu (2008), o desenvolvimento de narrativas para TV interactiva que, por um lado, mantenham um nível elevado de qualidade associado com as

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narrativas lineares da TV tradicional, e que por outro, providenciam ao espectador a “agência” apropriada, provocam desafios a vários níveis: conceitual, pragmático – com ênfase no suporte tecnológico – e económico. “The challenge at the conceptual level is how to craft an explorable media object— interactive narrative space—which provides active viewers with the appropriate means of exploration and communication, and which results in narrative threads of the same or better quality as those told directly by expert creators, but for each viewer’s interactive experience. Questions such as “what is it rewarding to influence in a narrative?”, “to what extent?”, and “by which means?” have to be addressed.” (Ursu, 2008) Ursu (2008), à semelhança de Punt (2000), destaca a importância do desenvolvimento tecnológico e da sua adaptação à realidade do utilizador comum para o sucesso deste tipo de narrativas. “Dedicated software tools are required to create digital narrative spaces, to test them, and finally to deliver them to the public. New workflows are emerging, and these will have to be captured in methodologies to be incorporated into optimized software design. The question of whether active viewers enjoy interactive TV storytelling, and to what extent such productions can be made cost effective, cannot be answered until a statistically significant sample of productions has been made.” (Ursu, 2008) Até todas estas condições serem efectivamente estabelecidas torna-se complicada a implementação em massa da TV Interactiva. Ursu (2008) define ainda um modelo de construção de narrativa não-linear de auxílio à construção e desenvolvimento do storytelling. Como pode ser visto na figura que se segue, Ursu (2008) compara o modelo de desenvolvimento de uma narrativa tradicional e de uma narrativa interactiva. Mais uma vez, a autora destaca o espaço de interacção entre o espectador e o autor, como a principal diferença entre estas duas formas de narrativa televisiva, salientando a necessidade da definição de um sistema que proporcione a liberdade de interacção por parte do espectador.

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Figura 4: Comparação entre a TV linear e a TV interactiva (Ursu, 2008)

Tanto o Cinema, como a Televisão Interactiva, têm ainda um longo caminho de desenvolvimento até encontrarem métodos viáveis para a emissão com sucesso de narrativas interactivas capazes de agradar a uma audiência de massas, contudo, daí surge a questão da real necessidade deste desenvolvimento. A televisão tomou um importante lugar nas nossas casas, afirmando-se como o centro de qualquer sala, o cinema é por si só uma arte estabelecida, mas embora estes meios possam beneficiar do apelo à novidade que é o investimento em sistemas de interacção, até que ponto não se arriscam a tornar-se em apenas mais uma plataforma de apresentação de conteúdos, muito há semelhança da internet? Além do desenvolvimento tecnológico e de uma adaptação de modelos e conceitos de interacção é necessária uma avaliação do sentido que deve ser dado a estes meios, sem nunca descurar a recepção por parte da audiência. É neste contexto que, actualmente, o online se afirma como o principal meio de divulgação de narrativas não-lineares, assim como, a principal ferramenta para publicar e divulgar histórias interactivas como é o exemplo de “Shall We Meet?”.

3.3 Online Storytelling What’s most remarkable about hyperfiction is that no one really wants to read it, not even out of idle curiosity. (Miller, 1998) I don’t think that the general reader would particularly think of fiction as something they’d log onto the internet to experience, even with e-books and fiction-based web magazines in the picture. The main audience for fiction published on the web, or fiction that blends itself with multimedia, is other writers. (Campbell, 2003) A 28 de Janeiro de 2011 o jornal britânico The Guardian noticiou que pela primeira vez a venda de ebooks no portal online Amazon.com foi superior à venda de livros impressos. Na 20


notícia14 uma fonte da empresa afirma que “a Amazon.com está a vender mais livros para Kindle [leitor de ebooks] do que livros impressos”. “Desde o início do ano, por cada 100 livros vendidos na Amazon, foram comprados 115 livros para Kindle. A acrescentar a isto, durante este mesmo período foi vendido o triplo de livros para Kindle do que livros de capa dura”, conclui. Estas referências remetem para os dados da loja nos E.U.A., mas são suficientes para se verificar uma mudança de paradigma em relação ao consumo de histórias em formato electrónico, contrastando desta forma com as afirmações de Miller (1998) e Campbell (2003). O sucesso do mercado de ebooks, tablets e leitores de ebooks demonstra uma maior aptidão por parte das audiências para “consumirem” as suas histórias em formato digital. Embora um ávido consumidor de livros em papel não opte naturalmente por trocar este meio pelo formato digital, a verdade é que os preços mais acessíveis e o facto de não ocuparem qualquer espaço na estante lá de casa tornam os ebooks num meio atraente para atingir o mesmo objectivo que um livro proporciona. Estes dados deixam passar a ideia de que quando uma história tem qualidade e consegue transmitir a sua mensagem de forma clara, havendo a possibilidade de a “consumir” em formato digital, os utilizadores não vão colocar qualquer barreira a que esta tenha sucesso. A principal justificação para a baixa propagação de narrativas digitais interactivas não se prende então numa falta de habituação ao meio em que estas são transmitidas, mas sim, na forma como as histórias são construídas e como a sua mensagem é transmitida. As narrativas digitais não são apenas ebooks ou hipertextos, são também hipermédia, instalações multimédia que conjugam diversos meios audiovisuais num só com o propósito de contarem uma história. Texto, imagem, vídeo, som, animações, hipertexto e realidade aumentada, são as características que definem uma instalação ou uma narrativa multimédia, assim como os diversos meios que a compõem. De seguida são analisados dois documentários multimédia não-lineares, produzidos para o site Arte.tv, da estação de televisão franco-germânica ARTE, Gaza Sderot e Prison Valley. 3.3.1 Gaza Sderot Gaza Sderot15 é um projecto emitido pela Arte.tv, site oficial da televisão cultural francogermânica ARTE, produzido em conjunto com a Alma Films/Trabelsi Productions (Israel) em cooperação com a The Sapir College em Sderot, e os Ramattan Studios (Palestina). Este 14

Adams, R. (2011, Janeiro 28). Amazon's ebook sales eclipse paperbacks for the first time. Retrieved from The Guardian: http://www.guardian.co.uk/world/richard-adams-blog/2011/jan/28/amazon-kindleebook-paperback-sales 15 http://gaza-sderot.arte.tv

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documentário multimédia traça um paralelo entre as vidas de diversas pessoas em ambos os lados da faixa de Gaza, divididas pela cidade palestiniana de Gaza e os vizinhos israelitas de Sderot. As suas histórias paralelas são contadas através de pequenos vídeos, divididos a meio ecrã, que o utilizador pode visionar escolhendo a data e a personagem. Este documentário é composto por um total de 80 vídeos (40 em cada lado da divisória), publicados ao ritmo de dois por dia durante um período que se estendeu de 26 de Outubro a 23 de Dezembro de 2008. De acordo com Alexandre Brachet (2010)16 da Upian.com, empresa responsável pelo desenvolvimento desta narrativa, durante o período de exibição de Gaza Sderot, o site teve mais de 500 mil visitas de utilizadores únicos e os seus vídeos foram vistos mais de 2,5 milhões de vezes, com cada utilizador a despender uma média de 9 minutos no site. A popularidade de Gaza Sderot levou à criação de uma activa comunidade nas redes sociais, levando a vários debates em blogues e no facebook. Além do documentário multimédia, foi também produzido um filme para televisão emitido pela ARTE. Para Alexandre Brachet (2010) o que levou o público a gostar de Gaza Sderot foi o facto de poderem criar as suas próprias histórias e escolher a forma como as consomem. Outros factores como o forte conteúdo emocional, a boa construção técnica, o apelo a uma vasta audiência e a abertura para a criação de debates por parte dos utilizadores, também foram influentes no sucesso deste documentário. A simplicidade de navegação do site e a própria construção da ideia de paralelismo entre os povos de duas cidades separadas por apenas 3 km, mas ao mesmo tempo muito distantes, são um exemplo de como uma história pode ser contada com recurso aos media digitais e a aplicações online para fomentar a interacção e uma liberdade construtiva por parte do utilizador. 3.3.2 Prison Valley Prison Valley17, à semelhança de Gaza Sderot também foi produzido para a ARTE e apresentado no site Arte.tv. Sob a direcção de Philippe Brault e David Dufresne, Prison Valley leva o utilizador a viajar até à cidade de Cañon City (Colorado, E.U.A.), uma cidade isolada com 36 mil habitantes e 13 prisões, considerada a “nova Alcatraz da América”. “A prison town where even those living on the outside live on the inside. A journey into what the future might hold.” É a discrição que podemos encontrar antes de entrarmos nesta cidade

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Brachet, A. (2010). The Pixel Lab. Obtido em Março de 2011, de http://www.slideshare.net/tishna/alexandre-brachet-of-upiancom-case-study-crossmedia-producer-ofgaza-sderot-prison-valley 17 http://prisonvalley.arte.tv

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ficcional. Um olhar sobre o futuro do sistema prisional nos E.U.A. e uma crítica à actual sobrelotação das prisões norte-americanas, Prison Valley leva o utilizador a explorar o dia-a-dia de uma hipotética cidade que é na sua essência uma enorme prisão. Além do documentário interactivo, Prison Valley deu origem a um documentário para televisão, emitido pela ARTE, uma aplicação para iPhone, um livro e uma exposição fotográfica, propagando-se através de vários meios, afirmando-se assim como uma verdadeira produção transmedia. Para Alexandre Brachet (2010) Prison Valley consegue conjugar o cinema documental com a interactividade da Web. As mais de duas horas de conteúdo disponível online fazem de Prison Valley “um documentário que transporta as ferramentas de discussão através da narrativa”, que cria uma interactividade exclusiva, onde o “utilizador pode falar com a personagem do filme e toda a gente tem o seu papel no projecto, desde os autores, aos produtores, passando pelas personagens e pelo próprio utilizador.” Tal como em Gaza Sderot, o sucesso nas redes sociais foi evidente com uma vasta discussão em fóruns e blogues, motivados por uma interactividade emocional que para Brachet (2010) se define através do medo e dos “portfólios emocionais” definidos quando o utilizador reflecte naquilo que vê e expressa as suas próprias emoções perante a narrativa. Apesar de ser no seu âmago um documentário, Prison Valley apresenta-se como um jogo através das plataformas, locais e tecnologia usada. “Há uma liberdade de escrita e de imaginação para os autores e realizadores, motivados por uma história interrompida por pausas interactivas que não se sujeitam a uma linha de tempo contínua”, afirma Brechet (2010). Estes são apenas dois exemplos da potencialidade do online na construção de narrativas interactivas não-lineares. A conjugação de uma boa história com os meios multimédia existentes pode proporcionar aos utilizadores um aproveitamento mais rico da “leitura” de uma história. A ubiquidade do online e o facto de não necessitar de um suporte permanente ou de forçar o consumidor a se deslocar a uma sala de cinema ou a uma loja, fazem deste meio o mais popular e o mais acessível para a divulgação de narrativas não-lineares, proporcionando ao mesmo tempo um conjunto mais amplo de possibilidades de interacção com recurso às redes sociais, blogues, fóruns e chats, criando em cada narrativa o seu próprio micro universo online atravessando um número infinito de utilizadores sem qualquer barreira física. Embora “Shall We Meet?” apresente-se actualmente como uma aplicação em formato de CD-ROM, a necessidade de a transferir para um suporte online torna-se evidente. A ubiquidade da Internet aliada à possibilidade de chegar a um número ilimitado de utilizadores faz do online o

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meio de eleição para a apresentação de narrativas interactivas, sendo a transferência de “Shall We Meet?” do offline para o online o degrau mais importante no crescimento futuro desta narrativa.

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4 - Pope e o estudo do Hipertexto/Hipermédia “Those who tell us that the computer will never replace the printed book point to the physical advantages: the book is portable, inexpensive, and easy to read, whereas the computer is hard to carry and expensive and needs a source of electricity. The computer screen is not as comfortable a reading surface as the page. (…) And you cannot read your computer screen in bed.” (Bolter, 2001) Hoje em dia a propagação de netbooks, tablet PCs e leitores de ebooks, resolvem esta questão da portabilidade dos media digitais enunciada por Bolter (2001), contudo, já na altura o autor reconhecia um forte potencial das tecnologias digitais no âmbito da produção de narrativas multimédia. Partindo da premissa de Murray (1997a) que dizia que os media digitais ofereciam um novo ambiente para criar e experienciar as narrativas, também Bolter (2001) argumentava que as tecnologias digitais permitiam um repensar dos meios em que a escrita podia ser ilustrada, dando relevância à interactividade, colaboração, sequenciação não-linear, disposição em multicamadas e à presença de elementos multimédia, alimentando um novo espaço para o desenvolvimento da narrativa (Bolter 2001). Para compreender as reacções dos leitores a este novo meio de transmissão e desenvolvimento das narrativas James Pope (2006) propôs e executou um estudo que incidiu sobre narrativas em hipertexto, apesar de ter em consciência as diversas barreiras identificadas pelos teóricos do hipertexto. Os resultados obtidos por Pope (2006, 2010) e os métodos por ele usados serviram de inspiração para a construção de “Shall We Meet?” e para o desenvolvimento deste estudo. Como Pope (2006) argumenta com base em Bolter (2001), “os leitores vão ser tão aliciados pela fluidez da expressão e pelo dinamismo verbal e visual do hipertexto que vão ‘aguentar com algumas das suas inconveniências para o usar’ (Bolter, 2001)” (Pope, 2006). “Writing designed to be read on-screen should work better on-screen than it does in any other medium… On-screen text works best when it’s easy to read, preferably displayed in short bursts, animated in bite-sized chunks, intriguingly interactive in some way, or quite simply doing something on-screen that provokes a reaction in the mind of the viewer/reader that could not have been achieved through more traditional methods.” (Campbell, 2003) Tal como Campbell (2003), Pope (2006) deparou-se com a questão da predisposição das pessoas envolvidas no estudo para o “consumo” de ficção em hipertexto. Segundo Pope (2006), existe um conflito na ficção em hipertexto entre a “familiaridade e a novidade”. “My participant readers all came to the hypertext fiction with a preconception of ‘book’, largely because of the label ‘hypertext fiction’, but soon shifted into whichever alternative paradigm 25


they were most familiar with, and this is where Campbell’s argument seems powerful.” (Pope, 2006) Esta familiaridade com o consumo de um livro em formato impresso é uma realidade à qual nos acostumamos desde uma tenra idade. Apenas nas últimas décadas, com a massificação dos computadores pessoais, é que a interacção com um ecrã começou a fazer parte do nosso normal processo de crescimento. O estudo do hipertexto e do storytelling não-linear tem, assim, um obstáculo cuja natureza tem sido atenuada ao longo dos anos, que é a familiaridade do leitor/utilizador e a sua própria predisposição para “consumir” uma história em formato digital com recurso à interacção. “Western cultures have chosen to embody writing in various technological forms, and these choices have in turn affected the organisation, style, and genres of writing and our expectations as authors and as readers. (Bolter, 2001)”18 Também Murray (1997b) argumenta que a tecnologia alimenta o desenvolvimento das formas narrativas. Argumento espelhado por Cavallo e Chartier (1997) quando afirmam que o desenvolvimento digital mudou o papel do leitor assim como o do autor: “The move from the codex to the screen is just as great a change as the shift from the roll to the codex. It establishes new ways of reading that we cannot yet completely describe, but that will quite surely bring new and unprecedented reading practices.” (Cavallo e Chartier, 1997) Pope (2006) afirma que quando se debate a ficção em hipertexto raramente se fala sobre o design da interface e da sua eficiência na transmissão da história. “The physical actions of a user – clicking around in a hypertext, for example – cannot simply be compared to turning the pages of a book while reading because the impact of the computer’s materiality may not be neglected.” (Wenz, 1999) O sucesso de qualquer narrativa não depende apenas da história mas também da forma como esta é contada e, no storytelling digital, na eficiência do design da interface e na correcta preparação da usabilidade da mesma, para que esta não seja mais uma barreira entre o leitor/utilizador e a história. Wright e Monk (1990) argumentam que “é difícil criar uma boa interface”, pois para tal é necessário recolher a opinião dos utilizadores logo a partir do início do seu desenvolvimento e através dos diversos aspectos da criação do sistema. De acordo com Pope (2006), este é um processo muito comum no design de software mas que não é considerado no desenvolvimento de hipertextos de ficção. Gee (2001) chega mesmo a afirmar que “embora a narrativa em hipertexto 18

Pope, J. (2006). A Future for Hypertext Fiction. Convergence: The International Journal of Research into New Media Technologies.

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possa desafiar o conceito de leitura linear e finais definitivos, esta não deve desafiar os valores do design do documento tradicional, de forma a poder ser aceite pelos leitores”. Esta “despreocupação” com a eficiência da interface levou muitos dos participantes no estudo de Pope (2006) a apontarem a “desorientação” como um dos principais entraves à leitura efectiva de um hipertexto. “A comment made by every participant in my study to date was that they very quickly lose orientation, both in the story and in the ‘book’/site, and even though many are quite happy to explore a hypertext, they all still want to know where they are.” (Pope, 2006) Pope (2006) delineou a pobre estruturação dos links (Kendall, 1999) e o fraco design das interfaces (Nielsen, 1990), como os principais motivos para esta desorientação relatada pelos participantes. “All readers need to “make sense” of a text to some extent. Otherwise they complain of obscurity and express varying degrees of discomfort and anxiety”. (Holland, 1975) Por causa das expectativas criadas pelos próprios leitores sobre as relações causa-efeito, desenvolvimento das personagens, excitação, antecipação e conclusões significativas, que o hipertexto proporciona a “desorientação narrativa pode ameaçar ou destruir por completo a experiência de leitura” (Pope, 2006). “With all the choice offered and demanded by the interface, the reader risks ‘being overwhelmed by cognitive overload – and of finding the narrative largely incomprehensible’.” (Douglas, 2000). A sensação de conclusão é uma das principais características das narrativas em hipertexto que Pope (2006) procura estudar. De acordo com Brooks (1984) os leitores esperam experienciar a narrativa segundo uma forma linear e pré-definida até uma conclusão onde todos os nós da narrativa são desatados e a história chega ao seu fim proporcionando-lhes um sentimento de satisfação e catarse. Kendall e Réty (2000) afirmam que é necessário um desenvolvimento sustentável da narrativa para que esta possa atingir uma conclusão aceitável. Contudo, nem todos os autores crêem que seja necessário para a narrativa ter uma conclusão. Explorar a rede de pensamentos e associações criada pelo autor pode ser por si só uma fonte de satisfação para os leitores (Barthes, 1973; Douglas, 2000; Jackson, 1996). Michael Joyce, criador de afternoon, a story, uma das obras analisadas no estudo de Pope (2010), refere que a “conclusão, em qualquer obra é uma qualidade suspeita” (Joyce, 1987). “Quando a história não

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tem mais por onde progredir, quando entra num ciclo, ou quando o leitor se farta dos caminhos, a experiência de leitura acaba” (Joyce, 1987). “*Hypertext+ is always at its end and always at its beginning’, ‘hypertext doesn’t know where it’s going’ and ‘it isn’t clear just where it ends’.” (Jackson, 1996) Jackson (1996) afirma não encontrar nenhum motivo para que o hipertexto não possa criar uma experiência que resulte numa conclusão satisfatória em nada diferente daquela que se obtém ao ler um romance longo e complicado. A autora levanta ainda a questão sobre a importância da conclusão e se esta deve ser mesmo um dos principais temas a serem estudados (Jackson, 1996). Para Pope (2006), a visão de Jackson (1996) é, no mínimo, um desafio para os leitores habituados às histórias lineares presentes no cinema e na literatura, ou, na pior das hipóteses, uma forma de os desmotivar do hipertexto (Pope, 2006). Já para Douglas (1994, 2000) a conclusão nas obras de hipertexto é, na verdade, o reconhecimento do significado da conjunção de eventos com interesse para o leitor que levam à “conclusão” dos assuntos que motivam a sua leitura da obra e que pode assim ser alcançada antes do final efectivo da história. É com base nestes argumentos que ao ser construída a narrativa de “Shall We Meet?” foi dada especial atenção ao desenvolvimento de duas histórias paralelas que permitissem que independentemente da forma como o utilizador interage com a plataforma, no final este possa sentir que ambos os caminhos foram concluídos e que a própria história encontrou o seu fim num end space claro e previamente definido. Regressando à investigação desenvolvida por Pope (2006), o autor refere que os participantes do seu estudo afirmaram que não encontraram um final ou que o desistiram de procurar nas narrativas, afternoon, a story, These Waves of Girls, e L0ve0ne. “The most emphatic expressions of displeasure came from those who craved but could not find an ending, and the clear indication is that hypertext authors need to consider this. If the author makes it apparent where that ending is, or that it has been reached, then closure of the conventional sort will be possible.” (Pope, 2006) Segundo Pope (2006), a conclusão que Douglas descreve ainda é possível se o sistema no qual se insere a narrativa hipertextual permitir liberdade de movimento ao utilizador ao longo das peças que compõem a sua história, contudo, de acordo com as reacções dos participantes no seu estudo, “sem um ‘espaço final’ definido pelo autor, toda a narrativa parece inacabada” (Pope, 2006).

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Outro ponto de relevo no estudo de Pope (2006) é o nível de imersão do leitor nas histórias em hipertexto e a adequação do fluxo da narrativa a este meio. Segundo Pope (2006), se os autores de narrativas em hipertexto não encontrarem uma forma de remover as barreiras da desorientação, sobrecarga cognitiva, fins e inícios indeterminados e a falta de uma conclusão, dificilmente serão capazes de conquistar os leitores (Pope, 2006). Um exemplo de como estas barreiras podem ser ultrapassadas encontra-se no universo dos jogos interactivos. Para Douglas e Hargadon (2001) os jogos interactivos “cumprem a promessa de imersão ao oferecer um esquema óbvio para a estrutura da narrativa e para a sua interface, assim como, interacções previsíveis baseadas num argumento restrito” (Douglas e Hargadon, 2001). Contudo, Pope (2006) afirma que os autores de hipertextos não têm por hábito seguir estruturas de narrativas previsíveis ou interfaces familiares, o que deixa o leitor sem nenhum esquema no qual basear a sua leitura. “Os autores devem se conter e alimentar aos poucos os desafios da narrativa a um ritmo adequado para os leitores”, referiu Pope (2006), acrescentando que a maioria dos participantes no estudo concordou com esta afirmação. Procedimento dos estudos de Pope (2006, 2010): 1.

É pedido aos leitores que comecem a ler as obras de hipertexto,

encorajando-os para comentarem as reacções que vão tendo ao usarem a interface pela primeira vez. 2.

A seguir a esta observação, pede-se aos leitores para ler o hipertexto

livremente no seu espaço de leitura preferido. 3.

É fornecido um questionário aos leitores para eles preencherem após a

leitura da obra. Este questionário abrange diversos aspectos da experiência de leitura livre: a.

Elementos de envolvimento imaginativo na história;

b.

Aspectos do design da interface;

c.

Uma terceira parte que aborda as ligações entre estas duas

facetas ao focar-se na estrutura e nas qualidades operacionais do hipertexto. 4.

Após a leitura e recolha dos questionários é realizada uma sessão de

debate. Para a amostra deste estudo Pope (2006, 2010) escolheu entre 40 a 45 leitores com um vasto interesse na leitura de ficção impressa, baseando-se na definição de “leitor lúdico competente de Nell (1988): “Um leitor competente é aquele que já leu obras de ficção suficientes para reagir a diversas formas de narrativa e a convenções de argumento” (Nell, 1988). Pope (2006, 2010) dividiu ainda a amostra em dois subgrupos, aqueles com experiência no uso de computadores e da internet, e aqueles que ainda se estavam a familiarizar com esta tecnologia. 29


Esta divisão surge pois os utilizadores mais experientes podem estar melhor preparados para explorar o aspecto não-linear das narrativas em hipertexto, enquanto que os restantes estão mais habituados ao aspecto linear da narrativa impressa (Douglas e Hargadon, 2001; Murray, 1997a). Pope (2006) esperava que surgissem padrões de distanciamento entre os dois subgrupos (Murray, 1997a; Wenz, 1999), contudo, também era expectável que emergissem padrões de similaridade entre os testemunhos de forma a poder chegar a um melhor conhecimento dos efeitos que o acto de ler uma obra em hipertexto proporciona. A escolha das obras presentes neste estudo baseou-se nas particularidades do hipertexto de cada uma de forma a ser possível fazer um balanço sobre os efeitos comparativos do texto, da interface e das propriedades multimédia de cada obra. Pope (2006) caracteriza as obras escolhidas da seguinte forma: 

afternoon, a story (1987, Eastgate Systems) de Michael Joyce: o romance hipertexto “clássico” em texto que recorre à interface Eastgate’s Storyspace, em CD.

L0ve0ne de Judy Molloy (1994): narrativa apenas composta por texto, disponível online.

These Waves of Girls, de Caitlin Fisher (2001, http://www.yorku.ca/caitlin/waves): uma obra maioritariamente composta por texto e disponível online com elementos gráficos e algumas composições sonoras.

The Virtual Disappearance of Miriam, de Martyn Bedford e Andy Campbell (2000, http://www.dreamingmethods.com/): uma narrativa multimédia com base em Flash, desenvolvida para a web que combina texto e animações.

Of Day, Of Night de Megan Heyward (2003, Eastgate Systems): uma mistura multimédia de vídeos, gráficos e texto em CD, que funciona como uma aplicação para o software Director.

253 (1996) de Geoff Ryman: organizada em volta de carruagens de metro, é uma narrativa baseada em texto com um menu gráfico no início;

Amelie (2005), projecto de Mestrado de Izaro Ansotegui, construído em flash, combina texto como imagens, sons e uma barra interactiva que oferece uma alternativa de estrutura de narração.

A interface é um dos elementos fundamentais para conquistar a fidelização do leitor a uma narrativa digital. Segundo Pope (2010), “se os autores quiserem que os leitores de ficção em hipertexto ajam como uma audiência em vez de jogadores de videojogos, precisam de garantir que a interface seja apelativa de uma forma operacional e visual que possibilite uma experiência de leitura imersiva”. Para encontrar o equilíbrio ideal entre uma interface idealizada para jogos e para

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leitura imersiva, Pope (2010) enumerou uma série de áreas complementares que possibilitam um conjunto de factores essenciais para optimizar a interface: 

Usabilidade (Campbell, 2003; Gee, 2001; Murray, 1997b; Nielsen,

1989,1990); 

Equilíbrio psicológico esforço/recompensa (Aarseth, 1997; Conklin, 1987;

Csikszentmihalyi,1975, 2002; Nell, 1988); 

Relação entre o leitor e a estrutura narrativa (Brooks, 1984; Douglas,

2000; Fish, 1970, 1980; Iser, 1978 [1976]; Miall, 1999; Miall e Dobson, 2001; Miall and Kuiken, 1994, 1995; Murray, 1997b). 19

O estudo empírico realizado por Pope (2010) envolveu um total de 36 participantes e sete obras de ficção interactiva, com os dados resultantes da discussão a serem recolhidos segundo a seguinte sequência: 1.

Uma sessão de orientação através do método “pensar alto”, onde cada

leitor teve o seu primeiro contacto com o hipertexto seleccionado para ler; 2.

Um período de leitura livre;

3.

Preenchimento de um questionário;

4.

Grupos de discussão.

Esquemas: A tensão entre o “Livro” e o Computador (Pope, 2010) De acordo com Douglas e Hargadon (2001), os leitores baseiam a sua experiência de leitura em esquemas como a construção da acção, os tipos de personagens, estilo, género, entre outros que encontraram nas suas leituras anteriores para tentarem compreender como funciona o fluxo da história que estão a ler. Contudo, para Pope (2010), na ficção em hipertexto, estes esquemas das narrativas comuns podem não se aplicar. Os diferentes grupos presentes no estudo de Pope (2010) registaram alguns graus de confusão e incerteza quando confrontados com as narrativas em hipertexto. “Em ficção interactiva, os esquemas de narrativa misturam-se com o esquema de media e com o esquema de interface, potencializando os sentimentos de confusão e frustração” (Pope, 2010). Pope (2010) salienta que dos dados recolhidos tornava-se claro que os leitores tinham alguma experiência não apenas na leitura de narrativas tradicionais mas também com outros media. Os leitores habituados a livros impressos procuravam convenções desses meios dentro do hipertexto, enquanto que os jogadores de videojogos interagiam com a narrativa como se esta fosse um jogo, e os utilizadores da web 19

Pope, J. (2010). Where Do We Go From Here: Readers' Responses to Interactive Fiction. Convergence: The International Journal of Research into New Media Technologies. pp. 75-94

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pesquisavam as diversas propriedades das narrativas, aglomerando o máximo de informação (Pope, 2010). “The problem for readers is thus much more powerful than the current literature suggests: it is not just a matter of whether a reader is keen enough to work at the newness of form, structure and operation, as advocates of hypertext might claim; and it is more than a simple incompatibility between interactivity and reading, as detractors argue. My data suggest that it is a question of which conventions are most likely to be apprehended and used by readers with multitudinous media backgrounds and reading experience, when none of their familiar conventions neatly fit hypertext reading.” (Pope, 2010) Para Pope (2010), o problema persiste ao considerarmos que não existe nenhum outro meio corrente que se assemelhe a uma narrativa interactiva, pois esta forma de ficção é por definição uma combinação de conteúdo e operações combinadas num ambiente multimédia. “Hypertextual fiction is unique in this way and therefore uniquely able to baffle its readers; it has not yet developed its own conventions to help readers through the mass of links and narrative multi-structures” (Murray, 1997b). Na obra afternoon, a story, a falta de familiaridade com o meio de leitura, aliada com comportamentos de interactividade não estandardizados provocaram alguma distracção e cortes na leitura deste texto, assim como em Waves e LOveOne, embora, Pope (2010) afirme que o mesmo não aconteceu com os leitores de 253, Miriam e Of Day, Of Night e Amelie. Estas últimas quatro obras apresentavam um modelo de página web familiar mais próximo da navegação de um site do que aquela de um livro, o que permitiu que os leitores se conseguissem adaptar cognitiva e ergonomicamente a esta forma de narrativa. No final do estudo, de acordo com Pope (2010), todos os 36 participantes expressaram um interesse considerável pelo conceito de ficção interactiva. Contudo, no questionário realizado após a leitura, enquanto quase dois terços dos inquiridos afirmaram que leriam outra obra de hipertexto, a razão dada era por este ser “um novo meio interessante” e não por ser “uma grande experiência de leitura”. Pope (2010) acrescenta ainda que todos os participantes estavam habituados a ler num monitor, assim como, com a interacção com outros elementos multimédia como forma de pesquisa, entretenimento, compras, entre outros. “(…) problems began to emerge when they were reading for narrative development. In particular, readers reported that plots were extremely difficult to find in the majority of hypertexts studied. Brooks’ (1984) arguments for the essential human need for narrative order, meaning and completion (…) are supported by the data: no matter how familiar they were with interactive 32


media, the readers in this study felt ill-equipped to deal with fractured and multifarious narrative structures alongside the extra cognitive demands of the interface.” (Pope, 2010) O total dos participantes concordou que o hipertexto tinha algumas dificuldades em apresentar uma narrativa satisfatória e coerente criando alguma confusão e frustração nos leitores.

Figura 5: Problemas encontrados pelos participantes no estudo de Pope (Pope, 2010)

Como é visível no gráfico20 acima, o argumento confuso e a inexistência de uma conclusão são os problemas mais mencionados, afirmados por 17 dos 36 participantes (47%) e 19 dos 36 (58%), respectivamente. “Clearly not all readers found these areas a problem, but the overall results suggest that the hypertextual structures studied here caused significant confusion and lack of satisfaction.” (Pope, 2010) Tornar o argumento de uma narrativa demasiado confuso é um dos principais handicaps do storytelling não-linear. Ao ser desenvolvida a história interactiva “Shall We Meet?” estes aspectos foram tidos em consideração, procurando que em cada um dos momentos em que o utilizador opta por trocar de perspectiva, este seja capaz de reconhecer alguns elementos em comum que o mantenham ligado ao percurso narrativo da história. Estes elementos são evidentes no paralelismo entre as acções das personagens e os cenários da narrativa.

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Pope, J. (2010). Where Do We Go From Here: Readers' Responses to Interactive Fiction. Convergence: The International Journal of Research into New Media Technologies, p. 9

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Contudo, Pope (2010) alerta que os dados recolhidos no seu estudo sugerem que mesmo os leitores habituados a consumir narrativas em computadores têm alguma dificuldade em lidar com os desafios narrativos e operacionais que o hipertexto proporciona. “This belies the claim that hypertext fiction offers a more satisfying experience because of its associative, non-linear and therefore more true-to-life structures. This is not to say that hypertext cannot provide satisfying narrative structures; across the total data-set, various elements in each narrative garnered some praise. For example, Of Day, Of Night readers saw a certain beauty in the words and dream inspired images; and Miriam readers enjoyed the search for the main protagonist’s missing girlfriend.” (Pope, 2010) Para Pope (2010), a principal conclusão a retirar destes dados é que a falta de elementos claros de estrutura narrativa é um problema real que bloqueia o prazer da experiência de leitura. Kendall e Réty (2000) afirmam que os leitores de hipertexto necessitam de um crescimento narrativo como um leitor ou espectador comum, contrariando as visões de Bolter (2001), Douglas (1994) e Landow (1997), que indicam que é possível encontrar uma experiência de leitura satisfatória a partir de estruturas hipertextuais ilimitadas e indeterministas. Pope (2010) também recorre ao conceito de Iser (1978) sobre a “construção de consistência” para o ajudar a explicar a experiência relatada pelos participantes neste estudo. Segundo, Pope (2010), à medida que os leitores iam consumindo os diversos elementos multimédia presentes nas obras de hipertexto, estes viam-se obrigados a preencher os espaços em branco e a interpretar as “lacunas” entre as diversas formas da narrativa. Segundo Iser (1978), estas lacunas são áreas de assimetria e indeterminação entre o texto e a interpretação do leitor, enquanto que os espaços em branco são ligações não escritas entre as componentes da narrativa, entre frases, secções ou capítulos, ou, no caso do hipertexto, entre imagens, sons ou animações. “‘Successful’ interactive fictions thus need to reveal a story. No matter which links a reader follows, or in which order they read or view sections of ‘text’, a story needs to emerge, which is then a source of satisfaction.” (Pope, 2010) De acordo com o autor os participantes demonstraram ser capazes de apreciar níveis diferentes de finais para as narrativas, mais ou menos conclusivos, contudo, todos mostraram uma preferência por atingir uma sensação de que a história estava completa, assim como uma sensação de conclusão definitiva, que a história chegou ao fim sem deixar quaisquer questões por resolver. A necessidade de um final declarado, fisicamente no livro ou no site, foi outro aspecto salientado pelo grupo. A obra 253 oferece esse espaço para o final mas os leitores, segundo Pope (2010), sentiram que como a narrativa não direccionava o leitor para esse ponto, esse espaço era esteticamente desapontante. Em Miriam, o final foi considerado um sucesso, pois os leitores

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queriam chegar lá à medida que a história se ia desenvolvendo, o que tornava esse espaço num verdadeiro final que proporcionava uma agradável sensação de conclusão à narrativa em si. Já em afternoon, a story, a ausência de um fim narrativo e de um espaço de final foi um problema persistente ao longo do estudo, com todos os leitores a sentirem-se desapontados com a obra. “They did not, as Douglas (1994) suggests she does, find closure through reading and rereading. The kind of pleasure in closure described by Douglas appears to be part of a highly specialized, academic reading that the ludic reader is unlikely to strive for.” (Pope, 2010) Com base nestes resultados, “Shall We Meet?”, à semelhança de Miriam, oferece um espaço de final definido que é ao mesmo tempo o ponto de convergência de ambas as narrativas, oferecendo ao utilizador um espaço concreto de conclusão da narrativa, que tem como objectivo servir de “recompensa” para o “esforço” de visionamento da história. Pope (2010) afirma que pouco mais de dois terços dos participantes não gostaram de reler as obras, classificando este acto como “irritante” ou “frustrante”. Nos casos de LOveOne e These Waves of Girls, os leitores relataram uma insatisfação total com a ausência de um final que torna estas narrativas incompletas. Pope (2010) conclui que estes dados demonstram que, tal como Brooks (1984) afirmou, os leitores lêem pelo argumento e prosseguem a sua leitura na esperança de alcançarem uma conclusão. “A conclusão da narrativa está fortemente ligada com a satisfação da leitura”(Pope, 2010). O autor confessa que estes dados devem ser interpretados com cuidado dado o pequeno número de participantes, apesar de todos os 36 leitores afirmarem que os factores de orientação dentro da narrativa e a compreensão da história estão ligados. Pope (2010) conclui que uma boa orientação não é suficiente para garantir o sucesso da história, mas se esta vertente for descurada tornar-se-á complicado para o leitor conseguir alcançar um nível total de satisfação com a história, como pode ser verificado no gráfico21 em baixo.

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Pope, J. (2010). Where Do We Go From Here: Readers' Responses to Interactive Fiction. Convergence: The International Journal of Research into New Media Technologies, p. 14.

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Figura 6: Comparação entre a orientação e a compreensão da história (Pope, 2010)

“The art of hyper-writing can be enhanced by a better understanding of the act of hyperreading, thus enabling interactive fiction to evolve and to find a wider audience.” (Pope, 2010) Através dos resultados do seu estudo, Pope (2010) concluiu que as expectativas criadas pela leitura e pelo consumo de outras formas de narrativa por parte dos leitores desempenharam um papel fundamental ao determinar as reacções que os participantes tiveram ao ler as obras de hiperficção. Com isto em mente, os autores deveriam procurar um meio-termo entre os meios convencionais e as narrativas interactivas de forma a habituar aos poucos os leitores a este novo esquema de leitura. As ligações entre as diferentes partes da história e a estruturação do hipertexto devem conduzir à progressão da narrativa, procurando evitar que o leitor se perca dentro da mesma. Embora o efeito da navegação livre através da narrativa seja a base das histórias interactivas não-lineares, esta deve permitir que o leitor viaje ao longo do site de forma restrita para que o consumo cognitivo da história seja satisfatoriamente alcançado. No caso dos websites, Pope (2010) afirma que deve estar sempre disponível um botão de regresso à página inicial para que o leitor tenha sempre um ponto de referência ao longo da sua “viagem” através da narrativa. Os sistemas de navegação devem proporcionar ao leitor a possibilidade de saber exactamente onde se encontra dentro do site e da própria história, considerando assim a orientação da história e do site como partes de um todo que necessita de trabalhar da mesma forma para alcançar o final desejado. 36


Em relação à interface, para o autor, é importante dar uso às convenções presentes na internet para as narrativas interactivas de forma a tornar a acessibilidade o mais clara possível. O próprio design da interface devia ser uma parte da história e não apenas um meio de interacção com a mesma, pois esta interacção deve ser mantida a um nível que melhore o consumo da leitura, dando ao leitor a ideia de que cada elemento de interacção é fundamental para o desenvolvimento da história. “A interactividade deve estar sempre presente para que a interface tenha uma oportunidade de ser, simultaneamente, aliciante e cognitivamente fácil de usar” (Pope, 2010). Para concluir, Pope (2010) refere que o controlo e a escolha pela parte do leitor apenas devem ser oferecidos quando estes apoiam a navegação e são, assim, essenciais para o desenvolvimento da narrativa. Como já foi referido, este estudo desenvolvido por Pope (2010) é a base principal da proposta de investigação e dos testes preliminares realizados no âmbito desta dissertação para testar a viabilidade da narrativa interactiva “Shall We Meet?”. A própria construção da história foi influenciada pelos resultados de Pope (2010), mais concretamente na escolha de um único espaço de fim, assim como a intenção de evitar que os pormenores da narrativa se percam na interacção a ela subjacente. No próximo capítulo é discutida a influência da emoção e do suspense na construção de narrativas, e a sua importância na valorização da própria história por parte da audiência.

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5 - A emoção no Storytelling Interactivo “A emoção é uma variação psíquica e física, desencadeada por um estímulo (objecto ou acontecimento), subjectivamente experimentada e automática que coloca o organismo num estado de resposta ao estímulo. (…) as emoções são um meio natural de avaliar o ambiente que nos rodeia e reagir de forma adaptativa.” (Damásio, 2003) A emoção é uma das principais ferramentas na captação de audiências. Quando o leitor, ou o espectador, consegue se identificar com as emoções vividas pela personagem cuja história acompanha, a narrativa cumpre assim o objectivo de captar a sua atenção. A partilha de identidade entre o utilizador e o personagem, a familiaridade dos locais e situações pelas quais ele passa e o reconhecimento das emoções vividas ao longo da narrativa fazem com que quem a consuma tenha um maior interesse em a concluir. As grandes histórias são vividas emotivamente com cada desenlace e cada personagem a serem imortalizados e a ganharem vida para lá do seu espaço de narrativa. Zagalo (2004) afirma que “em termos psicológicos, podemos estudar a emoção de duas perspectivas distintas, a dimensional e a categórica (Frijda, 1986)”. De acordo com Zagalo (2004) a perspectiva emocional foca-se na resposta da pessoa à situação pela qual esta passa, ou seja, na “forma como o estímulo induz a emoção”, enquanto a perspectiva categórica “dá conta dos estados discretos das emoções que ocorrem ao nível da prontidão de resposta no sujeito, ou seja, observa a forma como o individuo reage ao estímulo”(Zagalo, 2004). Wundt (1897) definiu que as emoções são estados que variam ao longo de três eixos: satisfação – insatisfação, excitação – calma e tensão – relaxe. Para o autor qualquer emoção pode ser definida ao longo do espaço criado por estes eixos consoante o ponto em que ela se encontra. Esta afirmação foi posteriormente confirmada por Russel (1980) através de métodos psicométricos (Zagalo, 2004). O universo das emoções no espaço da narrativa deve ser tão complexo como aquele presenciado no mundo real. O utilizador tem a necessidade de reconhecer as emoções expressadas pelos personagens de forma a compreender os diversos passos de desenvolvimento da história. Em “Shall We Meet?” os sentimentos de ansiedade, esperança e paixão expressos por Michael e Sarah ao longo da narrativa motivam o espectador a procurar as diferentes perspectivas de cada um, ao mesmo tempo que este, ao reconhecer as emoções das personagens, relembra situações similares pelas quais poderá ter passado. Esta identificação motiva-o a absorver todos os elementos da narrativa com o simples intuito de saber qual a conclusão do romance entre as duas personagens. Neste aspecto, Frijda (1986) define a experiência emocional ao defender que “a cognição é determinante na resposta emocional” e “parte integrante da experiência emocional”. Zagalo (2004) acrescenta que “o conhecimento sobre uma determinada situação que se coloca é emocional 38


“porque a situação possui significado para o sujeito” ou seja porque aquela situação em particular é importante para o sujeito. Isto cria no sujeito “estruturas de significado situacional” que possuem ligações directas a referências de “prontidão, necessidades ou possibilidades de actuação”(Frijda, 1986).” Segundo Zagalo (2004), Ekman (1992) “definiu seis emoções discretas, básicas e universais: cólera, desgosto, medo, alegria, tristeza e surpresa”. Damásio (1999) acrescentou a este lote as emoções sociais e as emoções de fundo que podem resultar de combinações de várias emoções. “No campo da neurobiologia, Damásio (1994) defende que possuímos “marcadores somáticos” que em situações de risco nos ajudam a decidir. Assim possuímos na nossa biologia indutores que de forma inata nos permitem reagir emocionalmente às variações “som, tamanho e movimento”. Esta hipótese aplica-se fundamentalmente ao nível das emoções básicas ou inatas. Damásio expõe as emoções como mudanças do estado do corpo predominantemente inconscientes e como reacções a situações que em parte não são apreendidas porque são inerentes ao ser humano.” (Zagalo, 2004) Em “Shall We Meet?”, como o próprio nome indica, uma das principais questões que prendem o espectador à história é se os personagens vão acabar por se encontrar. Esta situação levanta algum suspense ao longo da narrativa através da incerteza de uma conclusão positiva para esta pergunta. O espectador presencia diversas cenas onde ambos os personagens estão a escassos momentos de se conhecerem mas onde tal não acontece devido à presença de um obstáculo que os impede de alcançar esse objectivo. O estudo de Zagalo (2004) abordou o suspense fílmico definindo-o como “uma figura de estilo da narrativa utilizada essencialmente para assegurar o interesse do espectador durante a experiência”. Como refere Wied (1994), o suspense coloca o espectador num “estado de incerteza e atraso que desenvolve ansiedade enquanto se espera pelo resultado de uma situação”. “Assim sendo, o suspense não é por norma uma estrutura que define todo um filme, mas antes uma estrutura episódica (Caroll, 1996) que se repete ao longo de uma história” (Zagalo, 2004). Um dos exemplos mais célebres, protagonizado pelo realizador Alfred Hitchcock, considerado o “pai do suspense”, para explicar o valor do suspense em relação à surpresa passa por “imaginar duas pessoas a conversar quando de repente uma bomba explode sob a mesa. Isto é surpresa. Em outra situação, as pessoas conversam e é mostrado à plateia que uma bomba foi colocada debaixo da mesa e que irá explodir dentro de uma hora. Aqui está criado o suspense”22.

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Silva, C. C. (n.d.). cinema: Ele é genial. Retrieved Março 2011, from Super Interessante: http://super.abril.com.br/cultura/cinema-ele-genial-444914.shtml

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“Ou seja, para que a atenção do espectador se mantenha não chega colocar o espectador na incerteza no início do filme e dar-lhe a resposta ao fim de duas horas. É necessário que o suspense seja renovado de forma paralela ao desenrolar da acção principal” (Zagalo, 2004). Ao estudar a relação entre as emoções e o suspense no cinema, Zagalo (2004) afirma que “a área do suspense compreende dois momentos distintos constituídos pela tensão seguida de ansiedade que de certa forma diferenciam o suspense de uma situação normal de antecipação de informação bastante vulgar no cinema na qual poderá ocorrer algum grau de tensão”. Para definir tensão, o autor começa por afirmar que na Física a tensão é uma “força exercida sobre um corpo para produzir extensão”23, ao passo que numa narrativa “a tensão é estimulada no espectador através da criação de situações de conflito na história, que se transformam, na mente do espectador, em questões”. O espectador pode assim conjecturar diversas hipóteses para a resolução do conflito que este presencia. O desenvolvimento da história e a resolução do suspense começam a ser desenvolvidos cognitivamente pelo próprio espectador antes mesmo que a narrativa transmita essa mesma conclusão. Cabe ao autor tentar antever essas eventuais suposições e optar por as confirmar ou por apostar no elemento de surpresa levando o espectador a um maior exercício intelectual para tentar adivinhar o desenlace da narrativa. Para Zagalo (2004), quando a tensão é “prolongada em demasia no tempo, esta acaba por se transformar em ansiedade”. “A ansiedade pode ser definida por “uma estrutura que consiste numa ausência de propósito cognitivo, com concomitante ausência de pistas para acções de resposta” (Frijda, 1996). Ou, como refere Zagalo (2004), “uma situação em que se exige ao espectador que este se mantenha com uma força tensional, isto é incerteza, accionada para além de uma determinada grandeza, irá provocar no espectador uma incapacidade de definir uma resposta”. Um dos exemplos de tensão e ansiedade referidos no estudo de Zagalo (2004) remete ao filme Seven24 de David Fincher. Na cena final do filme o Detective David Mills após apanhar o assassino John Doe é confrontado com uma caixa que contém a cabeça decepada da sua mulher. Nesse momento é levantada uma questão à audiência: “Irá Mills matar John Doe ou não?”. “Esta pergunta aparece ao sujeito quando este entra na fase de ansiedade, e dessa forma a cognição de novas respostas e novas hipóteses é bloqueada até ao momento em que a tensão é libertada” (Zagalo, 2004).

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Wikipedia 7 Pecados Mortais. (1995). Retrieved Março 2011, from IMDB: http://www.imdb.com/title/tt0114369/ 24

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“Na perspectiva dimensional de Wundt (1897), o suspense pode ser visto como um estímulo indutor de uma resposta que pode ser caracterizada por um ponto próximo da insatisfação, excitação e tensão. Mas analisado do ponto de vista categórico a sua definição é bastante estrita confinando-se a duas emoções apenas: tensão e ansiedade. É por isso que distinguimos a segunda área como a verdadeira área emocional, uma vez que o seu espectro pode ir da alegria à tristeza” (Zagalo, 2004). Dada a natureza não linear de “Shall We Meet?”, o utilizador não se limita a ser um espectador passivo da narrativa pois participa nela ao escolher a perspectiva que pretende visionar num determinado momento. Zagalo (2004) ao referir a interacção a nível dos videojogos caracteriza o espectador como tendo duas funções, a de testemunha e a de agente sobre o mundo virtual. Para compreender o suspense a estes dois níveis, Zagalo (2004) definiu três categorias de fluxo de informação no âmbito dos videojogos. A surpresa, que caracteriza como a “estrutura mais simples ao nível da gestão de informação e a mais fácil de colocar em prática”, que tal como no cinema “é gerida através de estéticas convencionadas que de certa forma conseguem comunicar ao utilizador que algo se irá passar”. “O maior problema no controlo desta estrutura é a sua previsibilidade. Nas primeiras vezes que os elementos de surpresa são lançados, a nossa tensão aumenta e a incapacidade de perceber o significado no imediato dos elementos dá lugar a ansiedade formando a área de suspense na perfeição. Ora quando os elementos se começam a repetir, a imprevisibilidade desaparece, podendo continuar a provocar tensão, se os indutores forem bastante fortes, mas a ansiedade periga de desaparecer uma vez que a restrição cognitiva desaparece” (Zagalo, 2004). Como já foi referido, o autor salienta a necessidade de apostar em algo novo de forma a não tornar o desenvolvimento da história demasiado desinteressante o que poderá resultar na perda de interesse por parte do utilizador. A segunda categoria é a curiosidade, ilustrada na criação de enigmas e na resolução dos mesmos, algo já de si natural aos videojogos e que mantém o utilizador motivado para atingir a conclusão dos mesmos e receber a recompensa que se traduz na continuação da narrativa. O suspense é a terceira categoria referida por Zagalo (2004). “A estrutura de fluxo máximo, não é tão usual nos videojogos como seria de esperar. Apesar destes apresentarem facilidades no desenvolvimento de tensão (…) a evolução para ansiedade não é uma conquista fácil em territórios interactivos” (Zagalo, 2004). Inteligência Artificial, expressividade e narrativa são os três eixos essenciais para a correcta construção do storytelling interactivo. Primar a relação de tensão e ansiedade na criação de suspense, aliada ao desenvolvimento da história baseada num sistema optimizado de relação entre o utilizador e o espaço da história são factores fundamentais na captação da audiência e na 41


conquista emocional e cognitiva do seu interesse pela história que se procura transmitir. Zagalo (2004) vai mais além ao repartir estes três eixos em seis de forma a exemplificar as principais áreas de acção na construção efectiva de suspense numa narrativa interactiva. Para o autor a Inteligência Artificial divide-se em imprevisibilidade e incerteza, e reconhecimento emocional, através de um dinamismo da própria história que adeqúe as emoções das personagens aos momentos por elas vividos. A expressividade deve estar presente não só nos próprios personagens mas no enquadramento dos mesmos com a própria história, enquanto que a narrativa deve combinar a linearidade do argumento com os diversos pontos de interacção que podem desviar o utilizador daquele momento de narrativa, mas não desviá-lo do objectivo principal. Zagalo (2004) sugere ainda a redução do tempo de duração de uma narrativa interactiva. “A experiência do storytelling interactivo, terá de se sintetizar e apresentar como uma experiência mais intensa e de menor duração” (Zagalo, 2004), aproximando-se da duração de um filme ou de um programa de TV, com a duração de entre uma a duas horas, ao contrário dos videojogos cuja duração poderá expandir-se além das 24 horas. “Se tivermos capacidade para criar suspense, mas não soubermos manobrar a sua causalidade, os seus efeitos serão muito ténues, resultando num esquecimento rápido do momento emocional resultante do suspense. O que resta é apenas a “thrill sensation” que sem significado não consegue atingir diferentes patamares emocionais” (Zagalo, 2004). O tratamento da emoção e da relação tensão/ansiedade é tão importante no cinema como no storytelling não linear. Adequar estas relações à narrativa é meio caminho para o sucesso da mesma. O utilizador não se pode dispersar dentro da própria história, necessitando assim de uma “âncora” que é revista na sua relação emocional com a personagem, que o identifica com as situações espelhadas ao longo da história e que o mantém ligado ao desenvolvimento da história. O storytelling não linear não deve descurar a importância das emoções para que o utilizador se possa imergir na história e interagir com esta a um nível mais profundo.

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6 - Transmedia como forma de interacção “Let's face it: we have entered an era of media convergence that makes the flow of content across multiple media channels almost inevitable. The move toward digital effects in film and the improved quality of video game graphics means that it is becoming much more realistic to lower production costs by sharing assets across media.” (Jenkins, 2003) A não linearidade das narrativas não se encontra apenas presente em histórias interactivas que se resolvem dentro de um media em específico. Tal como Jenkins (2003) afirma, hoje é comum programas, documentários e séries de televisão usarem a convergência inter-media para contar as suas histórias ao longo de diversas plataformas. Transmedia é a solução linear para resolver a gestão do tempo disponível que limita o alcance de certas histórias e o próprio desenvolvimento dos personagens ao longo de um episódio. Ao transferir certos excertos para a Web ou ao criar webisodes de contextualização, séries como Doctor Who, Stargate Universe, An Idiot Abroad ou Primeval aumentam os seus universos narrativos e mantém os fãs constantemente actualizados com novos pormenores sobre as séries. Mas este conceito não é novo. Um dos primeiros exemplos de instalação multimédia interactiva remonta ao século XIV e tem o nome de Le Roman de Fauvel. Além de texto, este romance contém imagens que ilustram a narrativa e pautas de música que devia ser tocada à medida que a história avançava. Gagnepain (1996) afirma que embora esta obra fosse na sua essência um livro, seria melhor classificada como um guia para uma performance teatral que seria lida por um pequeno grupo que por turnos interpretava as ilustrações e cantava os excertos de música. Afirmando-se como uma obra multimédia interactiva e participativa. Livro, imagens e música, pode hoje ser traduzido para livro, série de televisão e podcast ou página Web. Como Jenkins (2003) refere, “a estrutura da moderna industria de entretenimento foi desenhada com a única ideia de construir e expandir os franchises de entretenimento”. O autor é crítico do uso desta ferramenta apenas com o intuito de incrementar o lucro económico das séries sem respeitar a visão artística dos autores destas histórias. “In reality, audiences want the new work to offer new insights into the characters and new experiences of the fictional world. If media companies reward that demand, viewers will feel greater mastery and investment; deny it and they stomp off in disgust.” (Jenkins, 2003) Na forma ideal de storytelling transmedia é aproveitada cada característica de cada meio para que a história seja complementada por esta agregação de recursos. Esta multiplicidade de meios deve ser sustida por uma história e por personagens fortes capazes de “sobreviverem” dentro de diversos contextos sem diluir a narrativa original.

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“Each franchise entry needs to be self-contained enough to enable autonomous consumption. That is, you don't need to have seen the film to enjoy the game and vice-versa. (…) A good character can sustain multiple narratives and thus lead to a successful movie franchise. A good "world" can sustain multiple characters (and their stories) and thus successfully launch a transmedia franchise.” (Jenkins, 2003) Ao longo deste capítulo são analisados alguns exemplos recentes de séries de sucesso na aplicação de transmedia no seu processo de storytelling.

6.1 Doctor Who: O primeiro sucesso de transmedia da BBC Doctor Who é uma série de ficção científica britânica produzida e transmitida pela BBC. A série tem como protagonista um misterioso viajante do tempo conhecido apenas como “the Doctor” que viaja na sua máquina do tempo, conhecida como TARDIS, cuja aparência exterior se assemelha a uma cabine da polícia londrina dos anos 60. Juntamente com os seus companheiros, ele explora o espaço e o tempo com o intuito de corrigir os problemas que encontra. A série detém o recorde do Guiness para a mais longa série de ficção científica do mundo, sendo também um ícone da cultura popular britânica. Originalmente destinada a um público infantil, a série é conhecida pelas histórias imaginativas, pelos seus efeitos especiais criativos e por ser uma das primeiras a usar música electrónica. Doctor Who esteve no ar entre 1963 e 1989, quando acabou por ser suspensa até 1996 com a exibição de um telefilme co-produzido pela FOX e pela BBC. A série foi recentemente relançada pela BBC em 2005, tornando-se num dos projectos de transmedia mais mediáticos produzidos pela emissora britânica. Durante o interregno de inactividade da série televisiva, Doctor Who continuou a sobreviver sob a forma de livros e em banda desenhada (BD). De acordo com Perryman (2008), a tradição de storytelling multimédia desta série remonta aos primórdios das transmissões televisivas, quando em 1964 foi publicado o primeiro anual de Doctor Who que incluía BDs e histórias sobre as aventuras do “Doctor”, para que os fãs podem-se acompanhar de forma mais aprofundada a narrativa televisiva ao mesmo tempo que ganhavam um maior conhecimento do universo de Doctor Who. “The original television series was also accompanied by a long-running series of novelizations that were published by a company called Target between 1973 and 1991. Not only did these early paperbacks provide fans with the ability to relive the television stories long before the advent of domestic video recorders, they would also flesh out the stories in far greater depth, sometimes providing extra scenes and information that could not be gleaned

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from the episodes themselves, while occasionally correcting factual or narrative errors that had crept into the original television text” (Perryman, 2008). Além dos livros, Doctor Who também deu origem a episódios de rádio posteriormente comercializados em disco. De acordo com Perryman (2008), em 1976 a editora Decca Records lançou uma história em vinil com o nome “Doctor Who and the Pescatons”, já em 1985 foi a vez da BBC Radio 4 produzir uma mini-série de seis episódios com o nome “Slipback”. Já mais recentemente o site da BBC criou uma secção dedicada a Doctor Who com o intuito inicial de publicar o arquivo fotográfico da série, aliado a alguns factos sobre o franchise. Contudo, por força do interesse dos fãs, esta secção começou aos poucos a ganhar um maior dinamismo e a crescer a um ritmo constante que motivou a criação de conteúdo original e inovador (Perryman, 2008). “The transition from an information-based resource to a content-based delivery mechanism began in July 2001 with the release of ‘Death Comes to Time’: the BBC’s very first webcasted drama serial. Featuring Sylvester McCoy as the Seventh Doctor and guest starring Stephen Fry and John Sessions, it was originally conceived as a play for BBC Radio 4” (Perryman, 2008). Esta transição para o online ocorreu após o episódio piloto feito para ser emitido em rádio ter sido rejeitado pela própria BBC Radio 4. A BBCi (designação do site da BBC na altura) aproveitou esta oportunidade para relançar a série como um drama Web, recorrendo a animações para ilustrar as narrativas em áudio. Segundo Perryman (2008), esta experiência foi considerada um sucesso e culminou com a produção de mais duas séries de podcasts animados com o nome de “Real Time” (2002) e “Shada” (2003). “The Scream of the Shalka” foi o próximo passo na evolução transmedia do universo Doctor Who. A série animada para a Web foi lançada em 2003, ganhando relevância por ser a primeira produzida exclusivamente para a Web em vez de ser adaptada de outro meio, como aconteceu com as séries anteriores. A melhoria na qualidade da animação também contribuiu para o sucesso de “The Scream of the Shalka”. Perryman (2008) salienta ainda a importância da introdução de um novo Doctor em vez da habitual reencarnação de um personagem anterior. Isto deu aos fãs uma continuação da série após um longo interregno. Doctor Who acabou por regressar à televisão britânica em 2005, mas este não foi um regresso repentino graças às diversas plataformas onde a série sobreviveu após a sua versão televisiva ter sido cancelada.

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“For any one month between Doctor Who ending and the new series coming on you could get up to five or six separate Doctor Who stories a month, which is a lot more than you ever got when it was on the telly”, Clayton Hickman, editor da revista Doctor Who Magazine. Aquando do regresso de Doctor Who à televisão em 2005, a BBC apoiou este franchise com uma grande variedade de material feito para a Web, desde trailers, a spots publicitários, imagens para fundo de trabalho e toques de telemóvel. Contudo, o site da BBC também oferecia vídeos em banda larga, desde documentários de curta duração a entrevistas às pessoas envolvidas na série, assim como episódios inteiros de Doctor Who Confidential – programa que acompanha a série principal –, comentários aos episódios em podcast e jogos em flash. “The experience of following a favourite TV show has already changed for many viewers. The structures are there to enable an immersive, participatory engagement with the programme that crosses multiple media platforms and invites active contribution; not only from fans, who after all have been engaged in participatory culture around their favoured texts for decades, but also as part of the regular, ‘mainstream’ viewing experience” (Brooker, 2001). Como afirma Brooker (2001), uma série de TV como Doctor Who tem um forte potencial de ser estruturada ao longo de múltiplas plataformas, permitindo aos fãs imergir no universo da série de forma mais ampla ao mesmo tempo que novas histórias e perspectivas diferentes são exploradas. Tal como Jenkins (2003) refere, os consumidores que activamente se envolvem com um determinado franchise que se desenvolve ao longo de plataformas distintas podem potencialmente apreciar novos níveis de conhecimento e viver a série de uma forma nova que sustém uma maior possibilidade de fidelização por parte dos fãs. Outro exemplo de storytelling transmedia que Perryman (2008) salienta é a criação de metasites ligados ao franchise de Doctor Who, produzidos pela BBC. Para Brooker (2003), esta tendência dos produtores de construir um universo multimédia à volta de uma única história base, recorrendo à internet para incrementar a imersão da audiência na série e a interacção dos utilizadores com a mesma, pode ser definida como “television overflow”. O primeiro metasite criado para a série tinha o nome de “Who is Doctor Who?” e foi lançado algumas semanas antes do lançamento das novas temporadas. Segundo, Perryman (2008), este site apenas ganhou notoriedade quando os fãs descobrirem que este pertencia à BBC. Notoriedade essa que culminou com uma referência ao site no primeiro episódio da nova série, emitido a 26 de Março de 2005 e com o título “Rose”, quando a personagem com o mesmo nome o usou para investigar a identidade do Doctor através da internet.

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Outro exemplo de metasites que figuraram na série é a página da U.N.I.T., uma organização militar fictícia ligada às Nações Unidas com quem o Doctor Who trabalhou durante os anos 70, que apareceu brevemente no episódio “Aliens of London”, emitido a 16 de Abril de 2005. Geocomtex, uma empresa tecnológica fictícia e Guinevere, site de um projecto espacial britânico da série, são outros exemplos de metasites criados exclusivamente para uso da série que funcionaram como ponte entre os fãs e a série. Estes metasites também foram usados em relação com alguns jogos interactivos produzidos para a série. Os utilizadores podiam recolher pistas através dos episódios da série televisiva e dos próprios metasites para resolver puzzles de jogos como o “Leamington Spa Lifeboat Museum Website”, site que contava a história de uma família que tinha sido morta por um “lobo raivoso” (do original ‘mad wolf’) que incluía um jogo interactivo escondido onde o jogador podia procurar por artefactos alienígenas presentes na série. Algumas referências a episódios de Doctor Who e a características das personagens da série podiam ser encontradas ao longo deste site. Um dos exemplos disto remete para o metasite “Millingdale Organic Ice Cream” que inclui vários sabores de gelado com referência à série. Após a emissão do episódio “Army of Ghosts” o sabor “Ghost Glace” possuía uma ligação para uma área restrita com clips de vídeo desse episódio (Perryman, 2008). Contudo, como Perryman (2008) salienta, estes metasites também foram alvo de alguma polémica por parte dos fãs da série visto que por vezes falhavam em pormenores de continuidade da história. Um desses exemplos de falha de continuidade ocorre após a emissão do episódio “Father’s Day”, onde o pai de Rose, personagem da série, acaba por sobreviver ao acidente que o tinha morto no espaço de tempo da série mudando alguns eventos da História. Após a resolução do episódio o blogue de uma das personagens, Mickey, ainda continha informação sobre esses eventos alterados, algo que ele não devia ter presenciado após a reposição da linha de tempo actual (Perryman, 2008). Mas o inverso também aconteceu com os metasites a serem usados para corrigir erros de continuidade presentes na série televisiva. Perryman (2008) aponta a Brooker (2003), quando este avisa que estes sites metatextuais e os jogos podem ter implicações regressivas nas raízes desta cultura. “Rather than grassroots fan communities which produce their own artwork and stories, often with ‘resistant’ interpretations of the text, what we see here are communities who follow the trail laid out by the media producers, from website to merchandise to multiplex. These sophisticated websites encourage an active response, but unlike the kind of fan response which has been around for decades, producing secondary texts on its own terms, this relationship is entirely shaped from ‘above’” (Brooker, 2003). 47


Em oposição a este alerta de Brooker, Perryman (2008) afirma que apesar da forte adesão dos fãs e da sua participação nestes jogos metatextuais, estes continuaram a construir as suas próprias versões destes metasites que continuam a existir à parte da influência da BBC. Outro exemplo da cultura transmedia de Doctor Who são os TARDISODES. Os TARDISODES eram pequenos episódios, com a duração aproximada de um minuto, feitos para serem vistos online ou através do telemóvel. Estes pequenos episódios foram criados com o intuito de manter os fãs ligados à série no interregno entre os episódios de Doctor Who, – em tudo semelhantes aos Kino Videos de Stargate Universe, que serão analisados mais à frente – fornecendo-lhes novas histórias sobre o universo desta série e aumentando o alcance de Doctor Who que podia assim ser visto em qualquer lugar. Julie Gardner, produtora executiva da série, afirma que estes mini-episódios permitem uma maior imersão no mundo de Doctor Who. “I absolutely love the idea of these one-minute mini-episodes that you can have on your phone or PC – it’s just a bit of extra fun. I love the Pixar films, and the joy for me in going to see one is not only how well the stories are told, how beautiful the animation is, how extraordinary the experience is, but all the extras you get, like the shorts at the beginning or the outtakes during the credits. You feel like you are part of this world, and that they really care about you. And I think doing the TARDISodes... you can really immerse yourself in additional Doctor Who, but it’s been done in a coherent way that benefits the actual episodes” (Russell, 2006). Contudo, para Perryman (2008) a grande experiência a nível de storytelling transmedia teve lugar aquando da emissão da aventura interactiva “Attack of the Graske” no Natal de 2005. Este episódio especial foi pioneiro ao misturar acção e efeitos especiais numa narrativa não-linear, permitindo que as audiências com acesso ao serviço de televisão interactiva da BBC fossem guiadas pela história pela personagem de Doctor Who. Este episódio de 15 minutos consistia numa série de puzzles e jogos de observação que eram transmitidos através de dois canais de vídeo distintos. Cada espectador via a transmissão consoante as decisões que tomava a um dado momento durante a narrativa, tendo sido filmadas diferentes sequências para cada possível resultado. No final da narrativa o espectador era alvo de uma avaliação que ditava se este tinha o que era necessário para ser um dos companheiros de Doctor Who. Perryman (2008) refere ainda que este episódio foi realizado com o principal propósito de evitar que os espectadores mudassem de canal após a emissão do episódio “The Christmas Invasion” que tinha sido transmitido imediatamente antes de “Attack of the Graske”. A ideia por detrás dos TARDISODES de Doctor Who é comparável com a série “The Resistance”: uma série de 10 webisodes do remake da série Battlestar Galactica (BSG) que foram

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disponibilizados online no verão de 2006 entre a segunda e terceira temporada da série. Em BSG estes episódios foram usados não apenas como complemento à série de forma a fornecer informação extra sobre a vida das personagens durante o interregno, mas também como uma ferramenta para continuar o desenvolvimento do argumento geral da série. Isto levou a que os espectadores que não viram estes webisodes ficassem perplexos com o surgimento de novas personagens assim como outras novidades que os surpreenderam no início da terceira temporada de BSG. Perryman (2008) refere que no primeiro episódio da terceira temporada de Battlestar Galactica, o personagem principal de “The Resistance” decide tornar-se num bombista suicida de forma a vingar a morte da sua mulher. “Embora este ponto tenha sido aludido no episódio, o impacto e a motivação das suas acções foram diminuídas para os espectadores que não viram o fluxo da narrativa através das diferentes plataformas” (Perryman, 2008). Embora a ideia geral por detrás do transmedia permita enriquecer o universo da narrativa, é importante ter em conta que isto tem que ser feito de forma a garantir que a história principal consiga sobreviver de forma coerente sem a necessidade de recorrer aos objectos da narrativa que são transmitidos através de outros meios de forma a que a audiência fiel a um meio não se sinta “posta de lado” no que diz respeito ao desenvolvimento da história principal. Outro método de evitar esta situação passaria por promover aprofundadamente o consumo da informação disponível através dos outros meios e procurar garantir que as audiências vão activamente procurar esta informação. “Doctor Who is a franchise that has actively embraced both the technical and cultural shifts associated with media convergence since it returned to our television screens in 2005” (Perryman, 2008). Segundo Perryman (2008), os produtores de Doctor Who procuraram fornecer conteúdo valorativo e uma complexidade narrativa quer para a audiência normal, quer para os fãs da série, através de um número de estratégias aliciantes de storytelling publicado ao nível de diferentes plataformas. Embora nalguns casos isto não tenha corrido bem, como no exemplo dos TARDISODES que embora se tivessem apresentado como uma boa ideia, acabaram por não encontrar uma audiência, maioritariamente pela falta de uma aculturalização transmedia na altura da sua produção, também houve casos de sucesso como nas já referidas aventuras interactivas, webcasts, jogos online e podcasts. Os próprios aspectos de memória cultural criados pela série e pelos sites metatextuais ajudaram a suster uma audiência leal e envolvida na série, enquanto Doctor Who apresentava uma estética de convergência de media através de pontos da história que não apenas aumentavam o alcance do seu universo como “empurravam” a narrativa para a frente.

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“The result is that the BBC has successfully created a transmedia world that supports demographic-spanning spin-offs that straddle media platforms and storytelling techniques” (Perryman, 2008). A aposta em transmedia permite que as audiências passivas continuem a desfrutar de Doctor Who apenas como uma experiência televisiva, ao mesmo tempo que aqueles que procuram algo mais interactivo conseguem se imergir numa extensa experiência multimédia proporcionada pelos restantes media em que a série se encontra. Doctor Who é um exemplo de como o transmedia não é apenas uma ferramenta de desenvolvimento narrativo mas também um impulsionador económico que valoriza mais extensivamente todo um franchise. “Uma fábrica que possa criar um mundo sob um tecto colectivo e criar programação distinta e ligada entre si, através de diversas plataformas, audiências e canais é vista pela BBC como um esquema base para a tomada de decisão nas grandes cadeias televisivas” (Perryman, 2008). São inúmeras as possibilidades que o transmedia possibilita como ferramenta de storytelling assim como método promocional da própria série. A solução que o transmedia apresenta para o constante debate entre a história e o tempo disponível para o seu desenvolvimento, é analisada na próxima secção.

6.2 Stargate Universe: Kino Videos como ferramenta de storytelling Como é referido na análise à série Doctor Who da BBC, as produtoras de séries televisivas há muito que se aperceberam da utilidade que a internet e que, mais concretamente, as páginas individuais das emissoras e dos programas de televisão, pode oferecer ao desenvolvimento da história e à fidelização dos espectadores. Stargate Universe (SGU) é o segundo spin-off da série televisiva Stargate SG-1, da produtora MGM. Stargate SG-1 esteve no ar ao longo de dez temporadas, desde 1997 a 2007, dando a origem a dois filmes e a duas séries spin-off, Stargate Atlantis e Stargate Universe. Neste caso, Stargate Universe é o spin-off considerado para análise. SGU é uma série de ficção científica produzida pelo canal norte-americano Sci-fi Channel, em emissão desde 2009. Stargate Universe acompanha a história de um grupo de exploradores do Stargate Homeworld Command (SGC) (divisão do governo norte-americano responsável por gerir todas as operações que envolvam o Stargate – um portal interplanetário usado ao longo do franchise para permitir que as personagens viajem através do universo) que se encontra isolado numa nave extraterrestre sem forma de regressar à Terra. A série marca um tom distinto daquele a que os fãs de Stargate SG-1 e Stargate Atlantis, se tinham habituado, ao focar-se nas relações entre

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as personagens e na forma destas se adaptarem às condições que o ambiente hostil e desconhecido proporcionado pela nave e pelos locais que esta visita. Ao longo da primeira temporada de Stargate Universe, o Sci-fi Channel teve como estratégia de fidelização dos seus fãs a aposta na produção de conteúdos transmedia que eram partilhados no site da série. Biografias das personagens, descrições e screenshots dos episódios são alguns dos exemplos da informação que podia ser encontrada no site. Contudo, uma das principais inovações desenvolvidas por SGU foi os Kino Videos, pequenos vídeos com uma média de duração de dois minutos que eram disponibilizados online após a emissão de cada episódio. Estes pequenos vídeos eram usados como ferramentas de storytelling ao relatar pormenores da nave e do quotidiano da tripulação. O nome, com origem na palavra russa ‘кино’ que significa cinema, é baseado nas câmaras de anti-gravidade que a personagem Eli Wallace (David Blue) usa para documentar a vida a bordo da Destiny (nome da nave).

Figura 7: Episódio 18 dos Kino Videos na página oficial de Stargate Universe

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Um dos principais exemplos de uso dos Kino Videos como ferramentas de transmedia no auxílio à coerência do storytelling de Stargate Universe, tem lugar após a emissão de Time, oitavo episódio da primeira temporada. Neste episódio a tripulação da Destiny encontra um planeta habitado por uma espécie feroz, enquanto alguns membros da tripulação começam a adoecer por terem ingerido água contaminada. Ao chegarem ao planeta a tripulação encontra uma Kino com imagens deles próprios a serem mortos por aqueles seres alienígenas. O episódio aborda o tema da continuidade temporal, após uma anomalia dar capacidades de viagem no tempo ao Stargate. O episódio termina com uma resolução similar àquela que as personagens tinham visto no registo da Kino encontrada no planeta, mas ao contrário do primeiro vídeo, neste, Matthew Scott (Brian J. 25

http://stargate.mgm.com/view/content/1838/index.html

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Smith) consegue enviar uma mensagem a explicar tudo aquilo que a tripulação teria que fazer para evitar cometer os mesmos erros das primeiras duas tentativas de exploração daquele planeta. O episódio termina com Scott a gravar a mensagem, deixando os espectadores na incerteza da real conclusão sobre o que terá mesmo acontecido às personagens. O Kino Video 18, New Kind of Crazy, apresenta a actual linha do tempo onde Matthew Scott e Eli Wallace (ver figura 7) mostram os vídeos que encontraram e explicam como resolveram a situação sem qualquer baixa. Este vídeo também é usado para explicar os motivos que levaram o Stargate a comportar-se daquela maneira. Ao transladar esta informação para o site da série, não foi apenas aberta outra margem para contar a história do episódio como permitiu um maior aproveitamento do tempo de emissão e a exploração de outros ângulos de storytelling. Este fenómeno particular de transmedia ajuda os fãs a fidelizarem-se com o franchise em múltiplas plataformas, tendo SGU uma constante presença online. Esta informação extra também fomenta a criação de grupos de discussão e a divulgação da temática de SGU nas plataformas da Web social.

6.3 Primeval: Transmedia na construção da backstory Primeval é outro exemplo da aposta da televisão britânica em transmedia, desta feita por parte da ITV. Criada em 2007, Primeval, agora na quarta temporada, conta a história de uma equipa de cientistas que com o auxílio do Governo Britânico procuram e analisam anomalias temporais que abrem ‘as portas’ a criaturas pré-históricas e futuristas que invadem o presente provocando caos por onde passam. O arranque da quarta temporada ditou uma reestruturação do fluxo da narrativa inicial ao introduzirem novas personagens e novos cenários para o desenvolvimento dos diversos episódios. De forma a preparar o espectador, para que este não se perdesse com a quantidade de mudanças impostas pelo novo rumo que Primeval estava a tomar, a ITV produziu uma série de episódios para a Web que serviam como ferramenta de transição entre o final da terceira temporada e o início da quarta. Esta estratégia de storytelling permitiu que os espectadores tivessem uma amostra daquilo que lhes esperava na nova temporada antes desta começar. A familiarização com as novas personagens e o conhecimento do estado actual das restantes também alimentaram os fãs durante os meses de hiato entre as temporadas. A publicitação dos vídeos online mostra-se como uma ferramenta útil de desenvolvimento da backstory (história anterior) dos personagens e da própria narrativa de Primeval, ao impulsionar o seu desenvolvimento sem desgastar os episódios emitidos na ITV. Tal como os Kino Videos de SGU, estas pequenas produções de apenas alguns minutos permitiram que outros ângulos de storytelling fossem explorados, assim como libertaram algum tempo da própria série para outros temas serem desenvolvidos.

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Esta não é uma prática nova, com os episódios Web do remake de Battlestar Galactica a serem o exemplo mais popular desta implementação de transmedia como ferramenta de construção de backstory e de desenvolvimento do próprio argumento.

6.4 An Idiot Abroad: Transmedia aplicada a Documentários Outro exemplo do uso de websites como ferramentas de apoio ao desenvolvimento e enriquecimento da narrativa é dado pelo canal de televisão britânico Sky, com a série documental An Idiot Abroad. An Idiot Abroad segue Karl Pilkington, locutor conhecido pela sua participação no podcast The Ricky Gervais Show, enquanto este visita as 7 Maravilhas do Mundo Moderno e partilha a sua peculiar visão destes monumentos e das culturas dos países onde estes se encontram. A viagem partiu de um desafio de Ricky Gervais e Stephen Merchant, colocutores do podcast, a Karl Pilkington, com o propósito de documentar a forma como este iria reagir a situações e culturas distintas daquelas com quem ele estava habituado a conviver. Esta série documental tem subjacente um tom de comédia presente ao longo dos oito episódios que a compõem. Com uma duração de 45 minutos, algumas situações documentadas acabam por ser retiradas na edição ficando de fora dos episódios televisivos. Para colmatar esta lacuna a Sky criou um website específico para a série An Idiot Abroad onde proporciona aos seus utilizadores alguns vídeos de cenas cortadas na edição da série, declarações de Karl Pilkington e de outros interlocutores, assim como informação mais detalhada sobre os locais que Karl visitou. Os vídeos eram apenas disponibilizados após os episódios serem emitidos pela Sky. Esta plataforma transmedia permitiu que os espectadores recolhessem mais informação e seguissem mais de perto os passos de Karl Pilkington que de outra forma ficariam guardados em arquivo. Neste caso, o transmedia além de ferramenta de apoio ao desenvolvimento da narrativa também proporcionou uma alternativa aos 45 minutos de duração da série que ditavam um maior rigor na escolha das cenas que seriam incluídas nos episódios e no próprio fluxo da história. Além do site, An Idiot Abroad conta também com um livro baseado no diário de viagem de Karl Pilkington e a continuação dos relatos no podcast acima referido.

6.5 Evans e a relação entre a Audiência e os Personagens na série Spooks Para Evans (2008), Spooks é “um dos mais interessantes exemplos de como múltiplas plataformas de media audiovisuais estão a ser usadas para criar uma variedade de elementos que contribuem para a construção de um texto transmedia”. 53


Spooks é uma série produzida em conjunto com a BBC e com os estúdios Kudos Film and Television que segue as actividades do MI5, os serviços secretos britânicos. Cada episódio foca-se numa pequena equipa de personagens que investiga uma série de ameaças terroristas no Reino Unido, ao mesmo tempo que têm de lidar com o stress do seu emprego e das suas vidas privadas. Evans (2008) afirma que Spooks tem crescido em popularidade ao longo dos tempos, marcando-se como uma das principais séries do canal BBC One, provando ser o programa ideal para testar as inovações da BBC ao nível da interactividade e da tecnologia digital. Tal como no caso de Doctor Who, também foram produzidos vários jogos baseados em Spooks que foram posteriormente disponibilizados no site26 da série. “Estes jogos, em conjunção com os episódios, formam uma matriz de textos ficcionais interconectados que não são apenas uma extensão do texto televisivo, mas que também são capazes de providenciar diferentes tipos de entretenimento por eles próprios” (Evans, 2008). Na análise realizada a esta série, a autora determinou que o nível e o tipo de interactividade oferecido pelos episódios televisivos será sempre diferente daquele que está presente nos jogos o que torna o nível de actividade ou passividade da audiência para com a série bastante complexo, variando assim através dos diferentes elementos que compõe o texto transmedia de Spooks (Evans, 2008). Como já foi referido, Evans (2008) também defende que o transmedia possibilita um aproveitamento dos valores de cada media de forma a poder enriquecer a experiência da narrativa e a riqueza da história no seu todo, “combinando as diferentes posições da audiência com um drama televisivo dentro de meios mais interactivos como é o caso dos jogos”. O estudo de Evans foca-se na necessidade de desenvolver uma visão alternativa do prazer de experienciar um drama transmedia ao ter em conta os valores específicos de cada media, neste caso comparando uma série televisiva e um jogo. Os jogos baseados na série surgiram durante a segunda temporada e consistiam de puzzles animados por computador e disponibilizados através do site da BBC com o objectivo de testar as capacidades dos jogadores em implementar as técnicas usadas pelas personagens da série. Um dos jogos, “defuse”, obrigava os jogadores a copiar uma sequência de luzes para desactivar uma bomba, tal como acontece num episódio da série. Segundo Evans (2008), outras actividades presentes na série e facilmente reconhecidas pelos fãs também eram reflectidas nos jogos, como é o caso de “bugging” que consistia na colocação de microfones secretos para gravar conversações e “firewall” que implicava aceder a um computador após ultrapassar o seu sistema de segurança.

26

www.bbc.co.uk/drama/spooks

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Estes jogos podiam ser jogados individualmente ou como parte de uma narrativa que proporcionava ao jogador participar em treinos do MI5 e partir em missões. Outros jogos baseados em Spooks também foram disponibilizados através do serviço de televisão interactiva. O estudo protagonizado por Evans (2008) baseou-se em colocar grupos focais a ver a série e a interagir com estes dois tipos de jogos. As suas observações eram anotadas em diários e posteriormente discutidas em grupo. Um dos principais temas debatidos é a posição da interactividade entre a experiência de uma audiência passiva ou activa. Como afirmam Geoff King e Tanya Krzywinska (2002) a distinção entre as actividades de ver um filme e jogar um jogo não criam uma clara forma binária entre um espectador passivo e um jogador activo. “Cinema-going, or film-viewing in other arenas, such as on videotape, is far from an entirely passive process. It involves a range of cognitive and other processes in the act of interpretation. Games, however, place a central emphasis on the act of doing that goes beyond the kinetic and emotional responses that might be produced in the cinema (responses such as laughter, tears, shock, physical startling, increased heart-rate, and so on, that might also be generated by games) (King e Krzywinska, 2002).” Para dar a volta a este debate Evans (2008) centrou-se na descrição de interactividade de James Newman (2002) que afirma que esta “é uma simples medida mecânica de introduzir controlos ou comandos com o intuito de influenciar a acção presente no ecrã”. Já Andrew Darley (2000) aponta que o facto do cinema e da televisão serem considerados tradicionalmente como medias passivos, pode por si só oferecer maiores níveis de interactividade do que a interactividade mais “óbvia” presente nos jogos de computador. Evans (2008) interpreta o argumento de Darley (2000) como que o visionamento de um filme ou uma série de televisão envolvem um tipo diferente de interactividade que aquele que existe ao se jogar um jogo. Um jogo oferece um momento de imersão onde o jogador experiencia uma forma de sinestesia ao ter a impressão que tem controlo sob os eventos que estão a ter lugar no presente, enquanto que um media audiovisual como a televisão oferece um maior nível de “ressonância semiótica e de profundidade semântica” (Darley, 2000). Evans (2008) completa que no último caso o papel activo da audiência parte do acto de interpretação presente no modelo de codificação e descodificação de mensagens proposto por Stuart Hall (1980). A própria caracterização da audiência televisiva como passiva determina o seu papel na possível sensação de interactividade.

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“(…) the space for reading or meaning-making in the traditional sense is radically reduced in computer games and simulation rides. In this sense the much maligned ‘passive’ spectators of conventional cinema might be said to be far more active than their counterparts in the newer forms” (Darley, 2000). A interactividade “não é um conceito monolítico mas sim algo que cobre as subtis distinções entre as diferentes actividades baseadas nos actos de interpretação e de acção física” (Evans, 2008). Ao assistirmos a uma série televisiva podemo-nos imergir no universo da narrativa ao nos colocarmos no lugar da personagem procurando compreender aquilo que lhe está a acontecer, enquanto num jogo este tipo de interpretação pode ser descurado por força da contínua acção da interactividade inerente ao próprio jogo. Como refere Smith (1995), “podemos nos imaginar a nós próprios na situação (de uma forma distinta de nos imaginarmos a ser o próprio personagem nessa situação).” Smith (1995) argumenta ainda que para o espectador substituir a personagem por si próprio é necessário um nível de identificação que “depende da ideia de que as características e os estados mentais do espectador são modelados como os da personagem e não de que a personagem funcione como um ‘armazém’ onde o espectador projecta os seus próprios atributos” (Smith, 1995). Os diversos níveis de interacção possíveis entre o espectador e as personagens da série determinam o nível de imersão e de envolvimento do mesmo durante os episódios de televisão, mas também a forma como este poderá envolver-se no universo transmedia dessa série, ao permitir que essa história o envolva em outros aspectos da sua vida e não apenas durante o horário que o canal disponibiliza para a transmissão da mesma. “With the development of new media technologies, television drama is increasingly being produced to involve multiple forms of audio-visual fictional entertainment, offering different forms of interactivity, across these various technologies. However, the development of transmedia drama is also leading to a complication of the values assigned to these different technologies and the forms available on them” (Evans, 2008). A autora refere ainda que a televisão e computador foram “tradicionalmente colocados numa posição oposta na relação binária entre o interactivo e o não-interactivo”. Isto deve-se ao facto já referido de o computador permitir que o utilizador tenha um maior controlo a nível das acções que a narrativa de um jogo lhe proporciona, além de proporcionar um diferente nível de envolvimento realizado através da própria interface que permite por si só um maior nível de interacção que aquele que a televisão pode fornecer. Os resultados dos grupos focais de Evans 56


(2008) revelaram alguns resultados curiosos ao desafiar este conceito de dualidade entre as propriedades interactivas da televisão e dos jogos de computador. De acordo com a sua investigação, a audiência estudada achou incorrecto dar um valor positivo à inerente associação de interactividade a um computador. “O tipo de interactividade que a televisão oferece pode ser diferente, oferecendo uma maior experiência mental, mas é assim classificada como um meio onde a interactividade tem maior valor” (Evans, 2008). Evans (2008) afirma ser importante compreender a forma como as audiências transferem os valores entre as diversas plataformas quando séries populares como é o caso de Spooks se expandem para além do seu argumento primário criado apenas para televisão. “When texts are developed in this way, viewers perceive, and engage with, new media elements in relation to their perception of, and engagement with, more traditional media forms. In this particular case, the crucial contribution that external characters make to the pleasures of drama texts becomes apparent; when such characters are removed, and their role as guides into the fictional world disappears, audience engagement decreases” (Evans, 2008). A autora conclui assim que é importante manter algum elo de ligação com a série através das personagens conhecidas pelos espectadores, principalmente quando a narrativa é transferida para um role playing game (RPG). As audiências necessitam desse aspecto familiar de forma a manterem a fidelização com a série principal que os fez aderir ao jogo. Segundo este estudo a audiência prefere ser o personagem do que colocar-se no seu lugar, mantendo assim uma relação profunda com o universo da série. Transmedia abre um novo mundo de possibilidades a nível da aplicação de processos não lineares a narrativas de natureza linear. As produtoras de séries televisivas devem saber jogar com as características dos seus produtos de forma a fornecer aos espectadores uma experiência imersiva através de múltiplas plataformas que não apenas os entretenha mas que também seja usada como uma ferramenta de narrativa independente. É necessário aproveitar o valor de cada meio e ter em consideração as suas características para que não sejam cometidos erros de adaptação de um media para outro. No próximo capítulo são analisados os memes e a forma como os utilizadores comuns podem contribuir para uma experiência interactiva sendo eles próprios parte da narrativa.

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7 - Memes e Interacção com os Utilizadores na criação de narrativas não-lineares Um meme é uma ideia, um comportamento ou um estilo que é transmitido de pessoa para pessoa dentro de uma determinada cultura. Com uma definição similar à designação de “gene”, os memes transmitem ideias e informações baseadas em crenças, assim como os genes transmitem informação biológica. “Os memes actuam como uma unidade para a transmissão de ideias, símbolos ou práticas culturais que podem ser propagadas de uma mente para outra através da escrita, da oralidade, de gestos, de rituais ou de outros fenómenos imitáveis. Os apoiantes deste conceito vêem os memes como analogias culturais dos genes por estes se auto-replicarem, sofrerem mutações e responderem a pressões selectivas” (Graham, 2002)27. Este termo foi cunhado por Richard Dawkins em 1976 no seu livro “The Selfish Gene”28, tendo-se tornado mais popular nos últimos anos graças ao fenómeno dos memes na internet. Os memes na internet são definidos como conteúdos criados por utilizadores, sejam eles imagens, vídeos, sons, sites ou até mesmo instalações interactivas, aos quais se acrescentam excertos da memória cultural da nossa sociedade como filmes, videoclips e programas televisivos, que se espalham de forma “viral” através da Web e que atingem um elevado número de utilizadores. Por vezes são partilhados através de “passa a palavra” ou divulgados através dos media com o intuito de partilhar o conteúdo para que as outras pessoas o possam desfrutar, ou então, são partilhados de forma maliciosa com o objectivo de irritar e chocar as pessoas que os vêem. Um dos exemplos mais populares de memes é o chamado “Rick Roll”. Este meme ocorre quando um utilizador tenta ver um vídeo no Youtube, mas quando o vídeo carrega em vez das imagens que esperava aparece o videoclip da música “Never gonna give you up” de Rick Astley. O próprio Youtube no dia 1 de Abril de 2008 substituiu todos os seus vídeos por este meme para celebrar o dia das mentiras. Os memes por si só actuam como agentes de transmissão e de arquivo de memória digital, mas a sua base encontra-se no conteúdo que é produzido pelos utilizadores. Projectos como Life in a Day29 funcionam como uma base de dados de conteúdo produzido por simples utilizadores que se juntam para compor uma narrativa à escala global. Desta forma, os próprios utilizadores não só constroem a narrativa como são parte integrante dela, interagindo ao nível mais básico do seu desenvolvimento.

27

Graham, G. (2002). Genes: a philosophical inquiry. New York: Routledge. Hodge, K. (10 de Agosto de 2000). It's all in the memes. Obtido de The Guardian: http://www.guardian.co.uk/life/science/story/0,12996,923157,00.html 29 http://www.youtube.com/user/lifeinaday 28

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Neste capítulo é analisado o meme A Hunter Shoots a Bear30 e o projecto Life in a Day, dois exemplos da transmissão de memória cultural de uma forma não-linear e interactiva, através da internet.

7.1 A Hunter Shoots a Bear Desenvolvido pela marca de correctores Tipp-ex, este meme foi publicado no Youtube em Agosto de 2010 e rapidamente ganhou popularidade. A Hunter Shoots a Bear é um vídeo interactivo onde um caçador é atacado na sua tenda por um urso selvagem. O utilizador pode, no final do vídeo, escolher se o caçador dispara ou não sobre o urso. Ambas as opções funcionam como ligação para uma página com o nome de tippexperience (experiência Tipp-ex) onde o utilizador se depara com uma interface simples onde surge um vídeo a explicar o que o espectador precisa de fazer para interagir com o vídeo. A personagem vai além do seu ecrã para usar o corrector da publicidade que se encontra ao lado e apagar a forma verbal “shoots”. O caçador pede depois ao utilizador para escrever no espaço agora deixado em branco qualquer acção que queira que o caçador faça ao urso. Para o desenvolvimento deste vídeo foram filmadas inúmeras hipóteses de conclusão da acção entre o caçador e o urso para colmatar todo o universo de possíveis palavras que os utilizadores poderiam escrever naquele espaço, incluindo o verbo original “shoots”. A enumeração das palavras que resultavam em novos vídeos e a catalogação desses mesmos vídeos foram as principais razões para o rápido sucesso deste vídeo que até à data já teve mais de 17 milhões de visualizações no Youtube. A marca Tipp-ex ganhou assim um alargado universo de publicidade barata sem se ver forçado a investir num anúncio publicitário para televisão com custos mais elevados para a empresa, sustentando esta campanha através da partilha dos utilizadores. A Hunter Shoots a Bear é um bom exemplo de um meme interactivo que teve uma rápida ascensão no número de visionamentos. Contudo, ao contrário de Life in a Day, este foi desenvolvido para os utilizadores e não por eles, usando-os apenas como sujeitos reactivos à interactividade presente na interface em que esta narrativa é ilustrada.

7.2 Life in a Day Dos realizadores Ridley Scott e Kevin MacDonald, Life in a Day é um documentário inédito, composto apenas por filmagens inseridas no Youtube por utilizadores, durante o dia 24 de Julho de 2010. O desafio surgiu através de mensagens dos realizadores publicadas em vídeos no Youtube. Estes apelavam para que qualquer pessoa participasse, bastando para tal apenas ter uma câmara. “Pode filmar tudo o que quiser, sem restrições, mas depois serão Ridley Scott e Kevin MacDonald a 30

http://www.youtube.com/watch?v=4ba1BqJ4S2M

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seleccionar as filmagens que serão utilizadas. Se não estiver inspirado, pode sempre tentar responder às questões que os realizadores propuseram: "O que mais ama? O que mais teme? O que mais o assusta? Que objectos tem nos bolsos?"”.31 Kevin MacDonald (Cabral, 2010) viu este projecto como uma oportunidade para usufruir das potencialidades da internet para reunir testemunhos de pessoas de todo o mundo e usá-los na composição de uma narrativa colaborativa onde os utilizadores são toda a base do seu desenvolvimento. “É uma experiência singular de cinema social e qual a melhor maneira de reunir uma gama infinita de imagens? Conseguir a participação do mundo todo”, afirmou o realizador. Recolhidas as imagens e após uma selecção feita pelos realizadores, foi criado um canal no Youtube que qualquer utilizador pode aceder e navegar através de uma interface em forma de globo onde todos os testemunhos seleccionados se encontram disponíveis. É possível pesquisar por país, por temas, por zonas geográficas e por mapas de calor que salientam os locais com mais vídeos enviados. Life in a Day contou com participações de todos os continentes, inclusive da Antárctida, originando uma enorme base de dados de conteúdo produzido por utilizadores com um único propósito de construção de uma narrativa. Este projecto originou ainda um documentário em filme com estreia marcada para o segundo semestre de 2011. A Internet é hoje em dia o principal meio de transmissão de histórias, sejam elas lineares ou não-lineares, interactivas ou colaborativas. A sua globalidade e versatilidade permite que os próprios utilizadores sejam eles próprios criadores de conteúdo, afirmando-se como pedras fundamentais no desenvolvimento da narrativa global que todos os dias se constrói e é divulgada em rede através da internet. Hipertexto, CD-ROMs, Televisão Interactiva, Internet, Transmedia e Memes, são todos meios com um único fim: contar histórias. O storytelling não-linear é alimentado pela imaginação de cada um dos seus criadores e pela necessidade de contar uma história, de permitir que quem a ouve, lê, vê e sente, se consiga imergir no universo narrativo tornando-a tão real como qualquer outro elemento do seu dia-a-dia. Mais do que uma interface interactiva “Shall We Meet?” é também uma história. Os próximos capítulos são dedicados à construção e desenvolvimento da narrativa de “Shall We Meet?”.

31

Cabral, M. (2010, Julho 24). "Life In A Day": Um dia na história do mundo. Retrieved Maio 2011, from Expresso Online: http://aeiou.expresso.pt/life-in-a-day-um-dia-na-historia-do-mundo=f595552

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8 - Projecto: Shall we meet? A base de qualquer história começa a ser construída com uma simples ideia. “Shall We Meet?” é o título da narrativa que motivou a construção da plataforma de storytelling não-linear que é analisada ao longo deste capítulo. Dois caminhos paralelos, duas pessoas destinadas a se encontrarem, duas histórias unidas em uma só, deixando nas mãos do utilizador a escolha das perspectivas que pretende visualizar. Título: Shall We Meet? Premissa: Um casal destinado a se encontrar, vê todas as oportunidades para se conhecerem falharem até ao dia em que os seus olhares finalmente se cruzam. Sinopse: Sarah e Michael, dois jovens desconhecidos, partilham um com o outro o sonho de se encontrarem. Com a ajuda dos seus amigos, Katie e Jack, começam a questionar a possibilidade do seu sonho ser real e partem ao encontro um do outro. Caminhos simétricos que se cruzam sob dois percursos distintos com um objectivo em comum. Uma história contada por duas vozes, colocando nas mãos do espectador a escolha sobre qual pretende ouvir.

8.1 Construção da história/guião

Figura 8: Paralelismo entre as perspectivas de Sarah e Michael

“Shall We Meet?”32 segue os caminhos paralelos de duas personagens, Sarah e Michael, dois jovens que se “encontram” em sonhos e que questionam a realidade dos sentimentos ilustrados através do seu subconsciente. Sem se aperceberem, ambos os seus caminhos cruzam-se em diversos momentos, contudo nunca conseguem se encontrar. Contando com a ajuda dos seus amigos Jack e Katie, o predestinado casal acaba por marcar um encontro, tornando real o sonho que ambos partilhavam.

32

Os guiões integrais de ambas as narrativas encontram-se disponíveis em anexo.

61


Através de uma interface que permite visualizar ambos os percursos paralelos de cada personagem, o utilizador é convidado a explorar ambas as perspectivas, culminando num único final onde Sarah e Michael finalmente se encontram. A base do guião foi inicialmente inspirada numa série de contos publicados no blogue Portraits of Me33, intitulados “Infinito”, “Numa Tarde” e “Momentos”, que lidam com episódios de uma relação proibida entre duas personagens, Sara e Miguel, que embora estejam ambos cientes dos sentimentos que nutrem um pelo outro, recusam-se a aceitar o seu amor devido a restrições externas que os impedem de estar juntos. A filmografia do realizador John Hughes também serviu de inspiração, nomeadamente nas cenas iniciais de “Shall We Meet?” e na construção da personalidade de ambas as personagens. “16 Candles” (1984), “The Breakfast Club” (1985) e “Pretty in Pink” (1986) foram os principais filmes deste realizador que serviram de inspiração para a construção desta narrativa, assim como para a escolha da banda sonora utilizada. Também o filme “Say Anything” (1989) do realizador Cameron Crowe é homenageado na cena de abertura da perspectiva da Sarah em “Shall We Meet?”. Ambas as histórias iniciam-se com o sonho que Sarah e Michael partilham. Embora ambas as personagens estejam presentes nesse sonho, os cenários e os diálogos são distintos. Após acordarem ambas as personagens são confrontadas com a possibilidade do sonho ser real e recorrem aos seus amigos, Katie e Jack, para tentar encontrar uma explicação para os seus sentimentos. Michael decide então procurar Sarah, mantendo a ideia de que se ela for real acabarão por se encontrar. Sarah continua a viver a sua rotina diária, contudo, não é capaz de afastar Michael dos seus pensamentos. Ambos quase se encontram num clube de dança e num parque onde Sarah costuma passear e libertar a sua arte musical. Um primeiro encontro finalmente acontece num Planetário por mero acaso. Jack convida Michael para o visitar enquanto este se encontra com a sua amiga Katie que lhe apresenta Sarah. Os três começam a conversar e Jack refere o sonho de Michael. Ao descobrir que ele era real, Sarah procura-o dentro do planetário. Os seus olhos encontram-se por um mero instante e Sarah regressa para dizer a Jack que combine o encontro entre ela e Michael. O casal cumpre o seu destino e acaba por se encontrar, concluindo assim o percurso da narrativa. A história está desenhada de forma a que independentemente do método que o utilizador use para navegar entre as perspectivas de cada personagem, seja sempre mantida uma certa linearidade da narrativa de forma a que todos os elementos do guião sejam claros e facilmente compreendidos pelo utilizador. Desta maneira o valor da história e da mensagem que está a ser transmitida não se perde e o utilizador consegue assim construir o percurso narrativo à sua medida. Tal como Pope (2010) afirma, “uma ficção interactiva para ter sucesso necessita de 33

http://portraitsofme.blogspot.com

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revelar uma história, independentemente do percurso que o leitor escolhe, a história precisa de emergir para que este possa sentir qualquer tipo de satisfação”. A escolha de uma espaço final igual para ambas as personagens remete para os estudos realizados por Pope (2010), já referidos no capítulo “Pope e o estudo do Hipertexto/Hipermédia”, que concluiu que os participantes tinham preferido que cada história tivesse um end space definido. Ao convergir ambas as narrativas para o mesmo espaço final, pretende-se que o utilizador possa assim ter uma sensação de conclusão de todos os percursos e aspectos da história, não deixando nenhum “laço narrativo por desenlear”.

8.2 Desenvolvimento dos Personagens Como já foi referido, “Shall We Meet?” segue a história de duas personagens, Michael e Sarah, que assumem os papéis principais quer das suas narrativas individuais quer da história base desta instalação interactiva. Ambos são apoiados pelas personagens secundárias, Jack e Katie, respectivamente amigos de Michael e Sarah, que servem ao mesmo tempo de confidentes e de ferramentas narrativas que ajudam a impulsionar o desenvolvimento da história. As personagens foram desenvolvidas com recurso ao ambiente virtual colaborativo Second Life, animadas e modeladas com recurso ao mesmo. Neste mundo virtual cada utilizador assume um avatar que visa ser a sua representação dentro deste ambiente. No quadro seguinte são definidas as características de cada personagem.

Imagem

Nome

Características Físicas

Personalidade

Michael

Jovem, robusto, com

Michael é um eterno

boa aparência. Olhos romântico e cabelos castanhos.

e

sonhador, capaz de arriscar tudo naquilo que acredita. Segue o seu próprio destino mas

procura

no

universo sinais que o guiem no caminho certo.

63


Sarah

Jovem, atraente, de

Realista

e

cabelo claro e olhos extrovertida, Sarah é verdes.

também

ela

romântica e atenta à voz do seu coração. Não corre riscos, mas também não se deixa levar

pela

rotina,

procurando

sempre

novas

formas

de

expressar a sua arte e talento musical. Jack

Jovem,

bem Amigo de Michael,

constituído, de pele e

Jack é um parceiro

cabelos escuros.

leal e apto para o aconselhar. Gosta de viver no momento, é calculista

e

nunca

desperdiça

uma

oportunidade para se divertir.

Katie

Jovem, alta e bela, de

Melhor

amiga

de

cabelos claros e olhos Sarah, procura ajudácastanhos.

la a racionalizar os seus

por

vezes

desmedidos sentimentos.

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9 - Machinima como forma de storytelling A produção de uma curta-metragem é um processo bastante dispendioso que envolve uma vasta equipa empenhada no casting de actores, no guarda-roupa, na procura de localizações para se filmar, entre outros pormenores essenciais para a sua boa execução. Uma das alternativas para as filmagens com recurso a cenários e actores reais é a machinima. Esta técnica usada em “Shall We Meet?” permite recorrer a um largo número de personagens, localizações e possibilidades narrativas que não se encontram com facilidade no “mundo real” e que necessitam de um vasto investimento. Machinima, ou Machine Animation, é um género de produção cinematográfica com base em ambientes virtuais colaborativos. O termo surge a partir da palavra Machinema (do inglês “machine” mais “cinema”), contudo, devido a constantes erros de tradução a comunidade online de produtores do género acabou por adoptar a palavra nos seus moldes actuais (Nitsche, 2005). É difícil definir o momento exacto em que a Machinima se afirmou como uma nova técnica cinematográfica. A comunidade de produtores de machinima vê as suas origens na cultura hacker, popular na década de 1980 (Marino, 2004). “Diferentes hackers e os seus grupos demonstravam as suas capacidades de programação ao gerar pequenas assinaturas introdutórias – chamadas “demos” – que inseriam dentro da programação do jogo e que surgiam antes do jogo iniciar” (Nitsche, 2005). Nitsche refere ainda que algumas destas “demos” eram “sequências extraordinárias com elaborados efeitos sonoros e visuais”. O autor acrescenta que é possível encontrar referências a Machinima dentro do lado mais industrial da comunidade de jogos. “Os game developers programavam pequenas cenas animadas não interactivas – chamadas “cutscenes” – nos seus jogos. As “cutscenes” usavam os componentes dos jogos, como personagens, níveis e sons, para criar pequenas sequências animadas que operavam dentro do contexto do jogo” (Klejver, 2002). Tanto as “cutscenes” como as “demos” eram renderizadas em tempo-real a partir do algoritmo do jogo, e não eram apresentadas como imagens pré-gravadas como no cinema ou na televisão. O fenómeno da produção de vídeos com base em ambientes virtuais começou a ganhar popularidade no início da década de 1990 quando alguns fãs do popular jogo Doom™ começaram a gravar algumas jogadas e a divulgá-las para o resto da comunidade como forma de demonstrar as suas capacidades como jogadores. Destes pequenos vídeos embebidos no código do primeiro first person shooter a duas dimensões, este género evoluiu para uma proeminente forma de arte que chega a marcar presença em festivais como Sundance. Hoje, machinima pode-se definir como uma “técnica cinematográfica de animação em tempo-real dentro de um ambiente virtual 3D” (Marino, 2004).

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Nos últimos anos, graças ao boom da Web 2.0, ambientes virtuais como o Second Life ou o IMVU têm substituído os MMORPGs (massive multiplayer online role-playing games) como as principais plataformas para a produção de machinima. A facilidade de modelação dos avatares e a multiplicidade de ambientes e cenários possíveis de serem reproduzidos nestas plataformas 3D, fazem delas um universo de novas oportunidades para os jovens cinematógrafos explorarem conceitos inovadores de produção de vídeos 3D partindo de um orçamento acessível a qualquer um. O ciberespaço pode agora ser usado para a realização de curtas e longas-metragens originais, para a reencenação de eventos da vida real em ambientes 3D, assim como para a realização de documentários que abordem por dentro as fortes questões psicossociológicas que assolam o ciberespaço. As potencialidades são infinitas e o único limite é moldado pelo alcance da criatividade de cada um.

9.1 Da Mediatização aos Direitos de Autor Mais do que uma forma de documentar e promover a perícia de um jogador, a machinima não tardou a se assumir como uma forma de arte. Uma das mais mediáticas incursões da machinima no mundo das artes aconteceu através do videoclip da música “In the Waiting Line” da banda “Zero 7”. Este videoclip foi inteiramente filmado com recurso aos gráficos do jogo Quake 3™. No vídeo, um robot sem face passeia-se por uma floresta virtual 3D. Outro fenómeno mais recente é a longa-metragem “Life 2.0”. Um documentário machinima realizado por Jason Spingarn-Koff que “segue a vida de residentes do Second Life, cujas vidas reais foram drasticamente transformadas pelas suas novas vidas no ciberespaço”34 Embora a associação de machinima à comunidade de jogos ainda persista, os últimos anos foram marcados por uma crescente aceitação desta técnica dentro da comunidade de cinema digital. As técnicas de produção de machinima já são muito similares às usadas na indústria de cinema. Os novos realizadores não se limitam a editar cenas filmadas aleatoriamente em ambientes virtuais, há todo um processo por detrás da produção de uma machinima, desde o conceito e premissa, passando pelo guião e modelação das personagens e cenários, culminando num jogo de câmaras e luzes em tudo similares a uma produção em imagens reais. Existe agora um novo nível de profissionalismo dentro desta comunidade que olha para os ambientes virtuais 3D e para os avatares correspondentes, da mesma forma que um realizador olha para os cenários e actores de qualquer filme em produção. “O jogador, ou devemos dizer, o artista, que cria machinima retira do jogo experiências e produz um trabalho de arte que se assemelha a um filme animado, como um jogo de vídeo em que o jogador não tem influência” (Picard, 2006). 34

Da sinopse presente no Sundance Film Festival Film Guide em http://www.life2movie.com Visitado a 30 de Janeiro de 2010.

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Picard (2006) vê a apropriação mediática do processo de Machinima – quando um novo media usa os recursos de outro media pré-existente – não apenas como uma “convergência de animação, cinematografia e desenvolvimento de jogos” como referido por Frank Dellario no site da “Academy of Machinima Arts and Sciences” (www.machinima.org), mas também como uma fusão entre o comercial e o contemporâneo (Picard, 2006). Uma das principais questões que assola a perseverança da Machinima como uma forma de arte é o direito de autor. Ao usar grafismos de um jogo ou ambiente virtual pré-existente para a divulgação de um projecto com fins académicos ou comerciais, o realizador de machinima tem que ter em atenção a correcta creditação da plataforma usada. O Second Life, por exemplo, permite a livre realização de machinimas desde que a privacidade dos seus utilizadores seja respeitada ou que estes aceitem prescindir de alguns direitos para participar na machinima em questão. Conversas privadas e “instant messages” não podem de forma alguma ser filmadas. A própria plataforma disponibiliza a opção de retirar o nome dos avatares de forma a manter a sua privacidade. Nos casos de cenas filmadas em propriedade privada é também importante referir o endereço dos sítios usados e pedir permissão aos respectivos donos para usar as suas instalações. Processos que, embora virtuais, reflectem as semelhanças entre a produção de filmes reais e a produção de machinima. Apesar de tudo, Machinima tem vindo a se afirmar como uma forma de arte. Já não é uma simples técnica restrita ao mundo dos videojogos mas uma alternativa à produção de filmes com baixo orçamento, acessível a qualquer utilizador, o que motivou a sua escolha como meio de ilustração da história interactiva “Shall We Meet?”.

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10 - Desenvolvimento da Plataforma

Figura 9: Interface de "Shall We Meet?"

Relativamente à interface e ao sistema de interacção, “Shall We Meet?” é uma aplicação desenvolvida em Max/MSP/Jitter que permite ao utilizador visualizar e trocar entre as perspectivas de duas personagens com recurso a duas teclas que funcionam assim como interface directa entre o utilizador e aplicação. A tecla ‘S’ permite que o utilizador visualize a perspectiva de Sarah, enquanto que a tecla ‘M’ faz com que este assuma a perspectiva de Michael. É possível alternar entre ambos ao longo da narrativa e é ainda disponibilizada uma barra de navegação que torna possível retroceder ou avançar na história caso o utilizador assim o pretenda. A barra de espaço é usada para dar início aos vídeos. Esta interface baseia-se num modelo similar ao projecto “Your World, Your Imagination”, desenvolvido por Adriano Cerqueira, Eliana Ribeiro e João Guimarães. Esta narrativa permitia ao utilizador trocar entre uma narrativa que ilustrava o dia-a-dia de um rapaz em imagens reais e aquilo que se passava na sua imaginação, representado com recurso a machinima. Embora houvesse um paralelismo entre as duas narrativas, estas concentravam-se no binómio entre o real/virtual, consciente/subconsciente, não afectando a história de cada uma, permanecendo assim independentes. Cabia apenas ao utilizador escolher entre seguir a realidade ou navegar através do universo virtual da mente da personagem. Em “Shall We Meet?” este paralelismo é usado como ferramenta de narrativa, tornando necessário navegar entre as perspectivas de ambas as personagens para que a história principal se revele. Dois universos reais, dois caminhos distintos, entrelaçam-se para contar a história de Michael e Sarah de uma forma mais completa que aquela que seria possível através do storytelling linear.

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Figura 10: Esquema de ferramentas usadas na programação da interface

Quanto à programação foram utilizadas as seguintes ferramentas (exemplificadas na figura 10): para a leitura dos vídeos foram utilizados dois objectos 'jit.qt.movie' (figura 1), esses objectos podem receber variadíssimas ordens ou comandos. Os utilizados neste caso emitem a mensagem de 'read' (figura 2) seguido do nome do ficheiro do vídeo que se quer accionar, a mensagem de 'start' (figura 3) para accionar o vídeo e a mensagem de 'stop' (figura 4) para parar a leitura do vídeo. Os dois vídeos, por sua vez, estavam conectados ao objecto 'jit.xfade' (figura 5) que serve para fazer o cross fade ou alternar entre ambos. Para a janela de visualização foi utilizado o objecto 'jit.pwindow' (figura 6). Depois foi criada uma parte de controlo com valores pré definidos que faz uma automatização aos valores de cross fade de ambos os vídeos com uma relação inversa, ou seja, quando um está a receber uma ordem de subida de valores o outro recebe uma ordem de descida de valores e vice-versa. Essas ordens são válidas tanto para a imagem como para o som dos vídeos, de forma a que a experiência de cruzar entre as duas narrativas não seja afectada pelos fades sonoros e visuais. Para aceder ao controlo de volume é enviada uma mensagem 'vol $1' (figura 7) no objecto 'jit.qt.movie' que permite enviar valores variáveis para o controlo de volume. Foi também criada uma parte que permite enviar os valores referentes às teclas do computador. Neste caso a barra de espaço para accionar e parar os vídeos (que controla também o áudio) e as teclas 'S' e 'M' que correspondem uma a cada vídeo, como já foi referido. Para aceder aos valores das teclas foi utilizado o objecto 'key' (figura 9). Quanto à barra de navegação, foi implementado um controlo de localização dos vídeos através de objecto 'slider' que envia um valor variável através da mensagem

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'time $1' para o objecto 'jit.qt.movie' (figura 8). Assim o utilizador pode controlar a posição dos vídeos.

Figura 11: Esquema de programação em Max/MSP Jitter

Relativamente ao design da interface, este é composto por uma imagem que ilustra a divisão entre dois caminhos, um de empedrado e outro de terra, figurativo dos caminhos paralelos que ambos os personagens percorrem. Os vídeos podem ser visualizados ao centro, com a barra de navegação alinhada imediatamente por baixo. O título da narrativa encontra-se no topo a letras brancas de forma neutra para se confundir com o fundo da interface, enquanto as instruções estão colocadas em baixo de igual forma, para que o utilizador seja capaz de as descodificar mas que ao mesmo tempo não distraiam o seu ponto de atenção do centro da interface onde os vídeos podem ser visualizados.

70


11 - Metodologia Foi realizado um teste preliminar da plataforma interactiva desenvolvida para a narrativa “Shall We Meet?” no dia 27 de Junho de 2011. O teste envolveu um total de dez participantes e teve como objectivo fazer uma análise preliminar da percepção que os utilizadores têm ao entrar em contacto quer com a interface, quer com a própria história de “Shall We Meet?”, assim como testar o método de estudo proposto para analisar a relação entre os utilizadores e esta narrativa não-linear. O teste consistiu no visionamento da narrativa e interacção com a plataforma, seguido do preenchimento de um questionário e de uma breve entrevista. A amostra que participou neste teste foi constituída por cinco elementos do sexo masculino e cinco elementos do sexo feminino, residentes no Porto, com idades compreendidas entre os 18 e os 44 anos. Os dez participantes eram estudantes e profissionais da comunicação e audiovisual com experiência no consumo de narrativas não-lineares, o que limita a análise dos resultados obtidos visto que o intuito deste estudo é compreender os factores responsáveis pelo comportamento do espectador comum quando confrontado com uma forma de narrativa diferente, sem discriminar o background sociocultural. A influência do sexo, da idade e do percurso académico no comportamento dos utilizadores são objectos de análise propostos para um estudo mais aprofundado sobre a viabilidade de “Shall We Meet?” junto do público em geral, contudo, dado o número limitado de participantes esses factores não foram tidos em conta nos resultados dos testes preliminares. O visionamento da narrativa foi realizado num lugar público, sem qualquer tipo de interrupção, deixando o utilizador a explorar a interface após uma breve explicação das suas funcionalidades. O inquérito e a entrevista foram realizados imediatamente após o visionamento de “Shall We Meet?”, seguidos de uma breve conversa com o objectivo de enumerar eventuais sugestões e comentários à narrativa e à sua interface, deixando os participantes sempre à vontade para se expressarem livremente. Os objectivos deste teste foram analisar o comportamento dos utilizadores para com a narrativa e recolher feedback acerca da plataforma, usabilidade e consistência narrativa. Foram analisados os seguintes aspectos: 

Nível de interacção e de uso das ferramentas interactivas disponíveis;

Nível de compreensão da história;

Nível de identificação com os personagens;

Nível de compreensão emocional; 71


Percepção de conclusão da narrativa.

Os principais factores em análise foram o sentimento de “closure” no final da narrativa – definido como a sensação que todos os laços narrativos foram desenleados e que ambos os caminhos narrativos chegaram a uma conclusão – e a viabilidade da definição de um end space claro para a conclusão da mesma. Os dados quantitativos incidiram sobre o comportamento dos utilizadores para com a plataforma de “Shall We Meet?”, assim como o seu feedback preliminar sobre a história. Qualitativamente, o teste focou-se na experiência dos utilizadores durante e após o visionamento, e nos sentimentos demonstrados perante esta narrativa, e pela forma como ela é retratada.

11.1 Questões de Investigação Identificar os principais benefícios das narrativas não-lineares na perspectiva do utilizador é o principal objectivo deste estudo. Torna-se necessário analisar a forma como a narrativa é construída, tendo em atenção o meio e a forma como ela é depois contada, para que a sua mensagem não se perca e para que o utilizador seja capaz de compreender todos os aspectos do seu desenvolvimento, assim como o seu final. “Pode a interacção ser vista como uma mais-valia na forma como o utilizador se relaciona com a narrativa?”, foi a principal questão analisada durante o teste preliminar de contacto de “Shall We Meet?” com os utilizadores. Desta questão inicial surgiu uma série de sub-questões: 

O utilizador usa todos os recursos de interacção à sua disposição?

A escolha do personagem que segue é influenciada por uma identificação com o mesmo?

Tem o utilizador uma sensação de “closure” após o final?

A plataforma de “Shall We Meet?” dispõe essencialmente de duas ferramentas de interacção: a capacidade de trocar entre as perspectivas das personagens Sarah e Michael, e uma barra que possibilita retroceder e avançar na narrativa. É por este motivo importante verificar se o utilizador usa todos os meios ao seu dispor. Saber se as decisões de visionamento são determinadas por uma identificação com as personagens, se dependem dos momentos narrativos ou se partem de uma influência emocional quer com as personagens, quer com as próprias cenas. Finalmente, é também necessário determinar até que ponto este método de nãolinearidade permite que todos os aspectos da narrativa sejam desenvolvidos até ao fim, providenciando um sentimento de “closure”, de conclusão dos caminhos da história quando esta 72


chega ao fim, sem deixar nada em aberto. A identificação de um claro espaço definido para a conclusão da narrativa e a sua viabilidade para a compreensão e para o sucesso da transmissão da mensagem da própria história são também dois factores em objecto de análise. Para responder a estas questões foi desenvolvido um modelo de inquérito e entrevista que foi igualmente testado aquando do primeiro visionamento público de “Shall We Meet?”.

11.2 Inquéritos Os inquéritos35 usados durante o teste preliminar eram constituídos por sete questões divididas por quatro temas: comportamento do utilizador durante o visionamento; identidade emocional da narrativa; “espaço de conclusão” como ferramenta de narração e usabilidade da interface. A primeira questão focava-se na interacção do utilizador com a narrativa. Foram dadas quatro hipóteses fechadas que expunham as diversas possibilidades de comportamento do utilizador. Exemplo 1. Como interagiu com a interface de "Shall We Meet"?    

Troquei entre ambas as histórias de forma igual Numa fase inicial troquei entre ambas as histórias, mas acabei por escolher uma Vi apenas a perspectiva do Michael Vi apenas a perspectiva da Sarah

Já a segunda questão procura justificar a resposta à questão anterior através do nível de identificação do utilizador com as personagens. A questão é dividida em dois momentos, um primeiro de resposta fechada e um segundo onde o inquirido tem que justificar a escolha tomada. Exemplo 2. Identificou-se com alguma das personagens?   

Sim, com a Sarah Sim, com o Michael Não 2.1. Se respondeu "Sim" à questão anterior, explique porquê. 2.2. Se respondeu "Não" à questão anterior, explique porquê. A dificuldade de análise de uma questão aberta levanta a necessidade de que em estudos

posteriores envolvendo um maior número de participantes, esta questão seja substituída por uma

35

O modelo do inquérito usado durante o teste preliminar pode ser consultado em anexo.

73


Escala de Likert, em que num grau de 0 a 5 é pedido ao utilizador para definir o seu nível de identificação com cada uma das personagens, à semelhança da questão seguinte. Para identificar o nível de identificação emocional com as personagens foi usada uma Escala de Likert em que o 5 corresponde a um nível “Muito Alto” e o 0 a “Nenhum”. Exemplo 3. Qual o seu nível de identificação emocional com as personagens? Nenhum

0

1

2

3

4

5

Muito Alto

Em estudos posteriores é sugerido que a questão deva ser desenvolvida de forma menos abstracta incidindo sobre outros aspectos da identidade emocional do utilizador para com as personagens. O sentimento de “closure” foi o alvo da questão seguinte. Esta questão fechada apenas obriga o utilizador a justificar a sua opção se a resposta for negativa. Exemplo 4. Após o visionamento de "Shall We Meet" ficou com a sensação que todos os aspectos da história ficaram concluídos?  

Sim Não

4.1. Se respondeu "Não" à questão anterior explique porquê. Tal como na segunda questão a dificuldade de análise de respostas abertas torna-a inviável para um estudo mais aprofundado. Desta forma seria mais útil definir já uma série de opções de possíveis respostas a esta questão entre as quais o utilizador escolheria apenas uma. A quinta questão é em tudo semelhante à anterior, com a excepção de se focar no sentimento de conclusão da narrativa. Exemplo 5. A presença de um espaço claro para o final das narrativas ajudou-o a concluir a história?  

Sim Não

5.1 Se respondeu "Não" à questão anterior explique porquê.

74


De igual forma é sugerida que se elimine a resposta aberta e que sejam definidas as possíveis respostas. A própria questão devia ser reformulada para que seja mais clara para o utilizador. As duas últimas questões limitaram-se a determinar o nível de usabilidade da plataforma em que está inserida a narrativa “Shall We Meet?”, assim como procurar futuras sugestões para a sua implementação, e para o desenvolvimento de novas narrativas não-lineares com outros recursos. Exemplo 6. Relativamente ao nível de interacção da interface.    

Era o adequado. Preferia ser capaz de manipular as personagens. Preferia ser capaz de criar a minha própria personagem. Outro

7. Qual a melhor plataforma para visionamento desta narrativa?     

CD-ROM Internet Aplicação para Smartphone Televisão Interactiva Outro

Após o preenchimento do questionário cada participante foi submetido a uma entrevista composta por três questões breves: 1. O que achou da história? 2. O que achou deste sistema de interacção? 3. Sentiu que a história estava concluída? O objectivo desta entrevista foi obter respostas mais desenvolvidas para algumas das questões já analisadas durante o questionário. Contudo, em estudos posteriores é sugerido que esta fase seja substituída por uma sessão de grupos focais em que sejam debatidos os diversos aspectos da narrativa, da plataforma e do sistema de interacção. Após a análise do questionário usado durante o teste preliminar à narrativa “Shall We Meet?” é sugerido o seguinte modelo de inquérito a ser implementado em estudos posteriores. 11.2.1 Sugestão de Inquérito 1. Como interagiu com a interface de "Shall We Meet"?  

Troquei entre ambas as histórias de forma igual Numa fase inicial troquei entre ambas as histórias, mas acabei por escolher uma 75


 

Vi apenas a perspectiva do Michael Vi apenas a perspectiva da Sarah

1.1. A sua opção deveu-se a: (0 – Discordo; 5 – Concordo) 0 1

2

3

4

5

0

1

2

3

4

5

0

1

2

3

4

5

Identifiquei-me com aspectos da personalidade do Michael Identifiquei-me com aspectos da personalidade da Sarah Interessei-me por ambas as histórias de igual forma Procurei explorar todos os aspectos da narrativa Apenas senti necessidade de trocar de perspectiva em determinados momentos

2. Qual o seu nível de identificação emocional com as personagens? (0: Nenhum; 5: Muito Alto)

Michael Sarah Jack Katie

2.1. De que forma se identifica com os seguintes aspectos da narrativa? (0: Nada; 5: Muito)

Situação vivida pelas personagens Sentimento partilhado entre a Sarah e o Michael Situação de desencontro inicial Estilo de vida das personagens

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Aceitação do seu destino

2.2. Qual o seu nível de concordância com as seguintes afirmações? (0: Discordo: 5: Concordo Totalmente) 0

1

2

3

A história era irreal. Não me identifico com este tipo de histórias. Havia uma química clara entre as duas personagens. A sua história ainda agora começou. Era necessário mais tempo para desenvolver as personagens. Foi pouco tempo para me identificar emocionalmente.

3. Após o visionamento de "Shall We Meet" ficou com a sensação que todos os aspectos da história foram concluídos? Concordo

Discordo

Sim, ambos os caminhos foram concluídos. Não, alguns pormenores ficaram por explicar. O sistema de interacção possibilitou o desenvolvimento de todos os aspectos narrativos. O sistema de interacção fez com que se perdessem alguns pormenores. A história ficou em aberto.

4. A presença de um espaço claro para o final das narrativas ajudou-o a sentir que a história foi concluída? Concordo

Discordo

Sim, ao partilharem a cena final ambas as personagens concluíram os seus caminhos.

77

4

5


Não, há detalhes que não foram desenvolvidos. Sim, mas preferia ser capaz de ver finais distintos. Não, a história ainda está por concluir.

5. Relativamente ao nível de interacção da interface.    

Era o adequado. Preferia ser capaz de manipular as personagens. Preferia ser capaz de criar a minha própria personagem. Outro:

6. Em que plataformas gostaria de ver esta narrativa? (Escolha duas opções)     

CD-ROM Internet Aplicação para Smartphone Televisão Interactiva Outro:

7. Comentários e sugestões

8. Habilitações Literárias

9. Idade

10. Sexo: M / F

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12 - Resultados Os testes preliminares à história interactiva “Shall We Meet?” consistiram no visionamento da narrativa, seguido pelo preenchimento de um inquérito e por uma breve entrevista. Participou um total de dez pessoas, com idades compreendidas entre os 18 e os 44 anos, com ambos os sexos representados equitativamente. Relativamente às habilitações literárias, participaram sete licenciados, dois mestres e uma pessoa com o 12.º ano. Como já foi referido todos os participantes eram estudantes ou profissionais da comunicação e audiovisual.

12.1 Comportamento do utilizador Como interagiu com a interface de "Shall We Meet"?

10 9 8 7 6 5 5 4 4 3 2 1 1 0 0 Troquei entre ambas as histórias de forma Numa fase inicial troquei entre ambas as igual histórias, mas acabei por escolher uma

Vi apenas a perspectiva do Michael

Vi apenas a perspectiva da Sarah

Gráfico 1: Resultados da questão "Como interagiu com a interface de "Shall We Meet"?

Como é possível verificar no gráfico acima, metade dos participantes afirmaram ter trocado entre ambas as histórias de forma igual, enquanto 40% apesar de o terem feito numa fase inicial, acabaram por escolher apenas uma das perspectivas. Um dos participantes preferiu apenas seguir a perspectiva do Michael, não recorrendo ao sistema de interacção. Nenhum dos participantes usou a barra disponibilizada para avançar ou retroceder na história. Os participantes acharam positiva a possibilidade de ver a história sobre duas perspectivas distintas, contudo, houve algumas críticas à possibilidade de se perderem alguns pormenores da narrativa: “Apesar de limitada, a interactividade e a composição da história parecem-me interessantes. Principalmente por estar relacionada com a possibilidade de ver a narrativa de dois pontos de vista diferentes.” Participante n.º 10. 79


“Eu gosto mais de histórias contínuas, mas acho piada em saber o que se passa na cabeça de um e do outro em momentos diferentes, mas depois uma pessoa acaba por optar. Eu fui mudando por curiosidade mas eu acho que numa situação normal eu prefiro ter uma única história e não várias.” Participante n.º 1. “No momento a seguir em que escolhes a perspectiva (…) é um bocadinho confuso, mas depois com o desenrolar consegue-se perceber melhor.” Participante n.º 2 “Eu gosto deste tipo de interactividade. Aliás já experimentei este tipo de situações num documentário especificamente para a internet e achei óptimo nós podermos também, não direi fazer parte da história, mas sim interagir com a história. O espectador não fica somente do lado de cá. A narrativa não é uma mono narrativa e o espectador pode assim interagir com a história.” Participante n.º 4. “Gostei. Dá para ter a oportunidade de ver o lado de cada uma das personalidades e não ficar centrada numa só, numa só história. Assim tens a oportunidade de escolher duas e ir mudando consoante o nosso próprio gosto. Também gostaria de ter o poder de manipular mais ou de ser eu própria a escolher um final ou escolher caminhos diferentes para as personagens.” Participante n.º 7. Sem descurar as limitações empíricas destes testes preliminares, é possível observar que a maioria dos utilizadores achou positiva a possibilidade de trocar a perspectiva da história em momentos distintos, sendo que em alguns casos foi mesmo sugerido que a narrativa tivesse um maior nível de interacção. É também importante analisar em estudos futuros qual a influência da idade e dos hábitos de consumo/leitura de histórias dos participantes, na forma como estes interagem com a narrativa.

12.2 Identificação emocional Apenas dois dos participantes afirmaram ter-se identificado com uma das personagens, os restantes justificaram a sua falta de identificação com a curta duração da narrativa. O facto de não se reverem na história de “Shall We Meet?” também foi um factor importante para esta ausência de identificação emocional. “Não me identifiquei com nenhuma das personagens, porque o sonho que os moveu para se procurarem nunca me ocorreu.” Participante n.º 8. “Não tive tempo, uma vez que a história era curta, para criar uma identificação com uma personagem em particular.” Participante n.º 2.

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Isto é aliás evidente nos resultados da questão sobre o nível de identificação emocional com as personagens, demonstrado no gráfico seguinte, onde em seis níveis de 0 a 5, o 5 corresponde a um nível “Muito Alto” e o 0 a “Nenhum”.

Qual o seu nível de identificação emocional com as personagens? 10 9 8 7 6 5 4 3 3 2

2

2

3

4

2 1 1 0 0 0

1

2

5

Gráfico 2: Resultados da questão "Qual o seu nível de identificação emocional com as personagens?"

Em estudos futuros, se estes resultados se vierem a confirmar junto de uma audiência mais vasta e diversificada, é necessário determinar quais os factores que levaram a esta falta de identificação com as personagens. “Será a história demasiado irreal?”, “Os 8 minutos de duração não possibilitam a identificação com as personagens?”, “Serão as personagens demasiado simples e pouco desenvolvidas?”, são estas algumas das questões que devem ser analisadas de forma profunda com o intuito de reconstruir a narrativa de forma a possibilitar um maior nível de identificação e de compreensão emocional com os personagens.

12.3 End Space e sentimento de closure Embora tenha havido um consenso geral relativamente à importância de existir um espaço de final definido para que a história tenha uma conclusão, relativamente ao sentimento de “closure” os participantes concordam que ambos os caminhos ficaram concluídos mas alguns afirmam que a história mantém-se em aberto: “A mim deu-me a sensação de ficar em aberto, mas por um lado é bom não ter aquele final do “feliz para sempre”.” Participante n.º 7. “Acho que podia continuar, porque aquilo ficou em aberto, acho que nenhuma das cabeças resolveu a história. Eu não percebi se eles iam ficar ou se se encontraram de passagem, 81


outra vez. É um final em aberto mas isso também faz parte da interactividade, deduzo eu.” Participante n.º 1. “Concluída não. Eu acho que houveram ali situações paralelas que podiam ter outro desenvolvimento, que poderiam dar um maior contexto e um maior relevo à história. Eu percebo que tem oito minutos, também não dá para muito mais, mas a aprofundar poderíamos ir por outros caminhos.” Participante n.º 4. “Sim, no final a história conclui-se e percebe-se que eles conseguem encontrar-se e conseguem estar juntos e percebem o porquê da história.” Participante n.º 6. “A conclusão que eu senti que a história teve foi dos percursos das personagens. Senti que a história teve uma conclusão em termos de percurso, ou seja, cada uma fez o seu caminho até ambos os caminhos se encontrarem, nesse aspecto sinto que a história teve uma conclusão. (…) Isso é perfeitamente constatável a partir do momento em que ambos os caminhos se unem, aí penso que isso funciona como uma conclusão, até figurativamente.” Participante n.º 8. A viabilidade do espaço de fim e do sentimento de conclusão são factores que necessitam ainda de ser confirmados em estudos empíricos mais desenvolvidos. Contudo, em primeira análise, os resultados destes testes indicam que estes aspectos parecem ter cumprido os seus objectivos de forma geral, permitindo que os utilizadores tenham compreendido o story arc da narrativa, identificando a sua conclusão sem deixar qualquer “laço por desenlear”.

12.4 Interface e sistema de interacção Relativamente ao nível de interacção da interface.

Preferia ser capaz de criar a minha própria personagem. 0% Outro 0%

Era o adequado.

Preferia ser capaz de manipular as personagens. 50%

Preferia ser capaz de manipular as personagens.

Era o adequado. 50%

Preferia ser capaz de criar a minha própria personagem.

Outro

Gráfico 3: Observações sobre o nível de interacção com a interface

82


Como o gráfico acima demonstra, 50% dos inquiridos afirma preferir ser capaz de manipular as personagens, enquanto que os restantes acharam o sistema adequado à história. “Relativamente às histórias em paralelo, fico com a ideia que se tivermos mais opções acaba por ser mais aliciante, quer nesta forma de nos colocarmos entre duas personagens, entre duas teclas, mas também seria interessante poderes escolher se tu queres criar a tua própria personagem ou manipular e se tiveres essas opções poderão sempre ser enriquecedoras.” Participante n.º 5. “(…) gostaria de ter o poder de manipular mais ou de ser eu própria a escolher um final ou escolher caminhos diferentes para as personagens.” Participante n.º 7. “Acho que é muito bom e tem potencialidades para outro tipo de narrativas porque acaba por permitir ao utilizador seguir aquilo que quer, não ao todo dar-lhe manipulação da história mas de certa forma ver das formas que lhe é permitido ver consoante a sua vontade. Tem a potencialidade de ser aplicada em histórias em que exista mais do que uma versão.” Participante n.º 8. “Achei interessante a ideia de se poder ver a narrativa de dois pontos diferentes. A única coisa que eu acho que podia ser um pouco mais profundo na questão da interactividade era se pudesses manipular a personagem e escolher, por exemplo, se ela vai entrar no planetário ou noutro sítio, acho que isso seria mais interessante na produção do vídeo.” Participante n.º 10. Nenhum dos participantes escolheu a opção de criar a sua própria personagem, o que sugere que apesar de estarem abertos a um maior nível de interacção com a história, preferem deixar os principais aspectos narrativos na mão do autor. Em estudos futuros seria também interessante possibilitar a manipulação das personagens assim como criar outras perspectivas, para compreender as tendências preferenciais dos utilizadores no consumo deste tipo de narrativas não-lineares.

83


Qual a melhor plataforma para visionamento desta narrativa?

Outro 0%

Aplicação para Smartphone 10%

Televisão Interactiva 10%

CD-ROM 20% CD-ROM Internet Aplicação para Smartphone Televisão Interactiva Outro

Internet 60%

Gráfico 4: Viabilidade das plataformas para a exibição de Shall We Meet?

Relativamente ao meio mais adequado para apresentação desta narrativa, 60% dos inquiridos responderam que preferiam poder vê-la online, 20% preferiam vê-la num CD-ROM, 10% escolheram Televisão Interactiva, e os restantes 10% gostariam de a ver num smartphone. “Dos sistemas de interacção que eu conheço, tem sido sempre como base num computador (…). Acho que seria interessante se isto fosse possível ver num smartphone, quer via internet, quer já descarregado em offline, mas parece-me que pelo menos num laptop, funciona bem.” Participante n.º 5. O background académico e profissional dos participantes neste estudo pode ter alguma influência nestes resultados ao denotar-se um óbvio à vontade com os novos media, assim como a preferência do online em detrimento das restantes opções. Em estudos futuros seria interessante desenvolver esta narrativa para ser apresentada online, criando um universo transmedia à sua volta. Ao criar novos conteúdos e ao disponibilizar mais informação acerca das personagens tornarse-ia importante determinar o nível de imersão dos utilizadores na narrativa, assim como determinar quais os elementos que estes exploram após um primeiro contacto com “Shall We Meet?”. Os resultados dos testes preliminares, embora inconclusivos, apresentam um sentimento positivo em volta da narrativa e da interface de “Shall We Meet?”. Alguns aspectos menos positivos no âmbito de falhas de paralelismo temporal entre as perspectivas de Sarah e Michael, e da não compreensão da história no seu momento inicial são elementos a ter em conta num futuro melhoramento da interface e da própria história antes da realização de um estudo empírico de larga escala. 84


13 - Conclusões Em qualquer aventura, O que importa é partir, não é chegar. Miguel Torga O storytelling não-linear apresenta um grande potencial. A evolução tecnológica e a facilidade de acesso à internet em qualquer lugar abrem todo um universo de possíveis aplicações para narrativas não-lineares, sendo a imaginação o único “limite” à criatividade do storyteller. Este primeiro contacto de “Shall We Meet?” com o público mostrou-se positivo, contudo, o diminuto número de participantes não permite retirar conclusões definitivas quanto à viabilidade deste sistema e da própria história que o sustém. Das observações e comentários recolhidos é notável a curiosidade dos participantes em relação a novas formas de narrativa, e a sua vontade em explorar novos métodos de consumir histórias e de interagir com as mesmas. Torna-se assim necessária a realização de estudos mais aprofundados para descobrir o nível de interactividade adequado sem se cair na tentação de entregar todo o poder criativo ao utilizador, permitindo ao mesmo tempo que este escolha o seu próprio caminho através da narrativa sem se perder e sem se sentir confuso com a própria história. O transmedia começa a se afirmar como uma hipótese legítima de investimento em storytelling não-linear ao apostar em conteúdo relacionado através de diversas plataformas. Hoje em dia uma narrativa não pode apenas subsistir ligada apenas a um meio, mas ao transferir-se para outras plataformas não pode limitar-se a copiar conteúdo, este deve ser adaptado de forma a proporcionar uma nova experiência narrativa para os utilizadores e a fornecer nova informação, aproveitando as características do novo media. A história de “Shall We Meet?” termina por agora, mas como o final em aberto indica, os destinos de Sarah e Michael possuem um enorme potencial em construção. O mesmo se adivinha para o futuro do storytelling não-linear, restando o desafio de confirmar todo o seu potencial.

13.1 Soluções Futuras Embora este tipo de estudos permita uma perspectiva mais pessoal e aprofundada sobre os motivos que levaram os utilizadores a agir de uma determinada forma perante a narrativa, a preponderância de questões abertas presentes no inquérito e a entrevista que a este se segue são factores que ditam uma análise bastante complexa, além de despenderem um largo período de tempo. Torna-se assim necessário formalizar um método mais eficiente de inquisição e observação das atitudes dos utilizadores. Além do modelo de inquérito sugerido no capítulo anterior, o estudo deve envolver um maior número de elementos, repartidos equitativamente entre membros de

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ambos os sexos, respeitando também uma faixa etária entre os 18 e os 65 anos, repartindo de igual forma os diversos estratos etários aí representados. Embora as habilitações literárias não sejam um factor de exclusão, os indivíduos participantes no estudo deverão ter os conhecimentos informáticos suficientes para interagir com a plataforma de “Shall We Meet?”. Dotar a própria plataforma de outros elementos de interacção, como a possibilidade de manipular as personagens, ou de ditar as escolhas que elas fazem, assim como acrescentar outras perspectivas, poderá ser benéfico para um estudo mais aprofundado do potencial não-linear desta narrativa. A criação de um filme machinima que aglomere ambas as perspectivas, aliado a um sítio online dedicado à história com background das personagens, jogos e novas histórias, também poderá ser um passo para a análise das mais-valias do transmedia como ferramenta de storytelling. Tal como o próprio conceito de narrativas não-lineares, são inúmeras as possibilidades de desenvolvimento e análise deste projecto. Contudo, é unânime a necessidade de um estudo empírico rigoroso para avaliar o impacto e a recepção que esta história poderá ter para o grande público. O storytelling não-linear é uma ideia em constante desenvolvimento, actualmente é visível um grande investimento em transmedia por parte das principais cadeias televisivas mundiais, como é o caso da BBC, Sky e FOX. A indústria do entretenimento está a mudar ao ritmo da evolução tecnológica, cabe agora aos storytellers, aos contadores de histórias, adaptarem-se e verem em cada argumento todo o potencial interactivo das suas narrativas.

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92


Anexos 1. Guião de “Shall We Meet? Sarah’s Perspective” 2. Guião de “Shall We Meet? Michael’s Perspective” 3. Inquérito 4. Transcrição das Entrevistas 5. Resultados Inquérito

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Shall We Meet? (Sarah’s Perspective) De Adriano Cerqueira


INT. SARAH’S BEDROOM - LATE AFTERNOON A girl is lying in her bed, fully dressed. The sun is setting on the outside. It’s a late Sunday afternoon. Her name is Sarah, a beautiful green-eyed, fair-haired young woman. She’s starring out the window, thoughtful. Music starts coming in from her front yard. At first she ignores this strange sound that begins filling her room. As the music starts getting louder she recognizes the song and gets off her bed. She stares through the window looking for the source of this song. A young man is standing in her front yard holding a boom box over his head. Right next to him, there’s a blue convertible. Once Sarah recognizes who he is, she bursts out of the room, running towards him. As she reaches him the only thing Sarah’s able to say is his name. SARAH (passionately) Michael! FADE TO: EXT. GARDEN - DAY Sarah is sitting in a park bench. Someone is waking her up. KATIE (laughing) You dozed off for a second there. Sarah opens her eyes, trying to figure out what’s going on. She sees her friend Katie. A young brown-eyed girl who’s been Sarah’s best friend for years. SARAH (drowsy) Katie? Was I asleep? I’ve just had the weirdest dream. Katie stares at her, smiling.

(CONTINUED)


CONTINUED:

2. KATIE You looked tired, so when we sat here to rest after this long walk, I let you sleep for a while. SARAH (awkwardly) Oh... I’m so sorry Katie, I shouldn’t have spent all night watching that John Hughes marathon... KATIE (laughing) It’s ok. So who’s Michael?

Sarah looks at Katie, confused by what she just asked. SARAH Michael? KATIE Yeah. You were calling out for Michael in your sleep. SARAH (confused) Well, I had this weird dream with John Cusack. He was holding a boom box and... KATIE Alright, you don’t need to tell me who he is. But, come on, John Cusack? You could’ve made up a better dream than just ripping off a scene from ’Say Anything’. They both laugh and start heading home. CUT TO: INT. CLUB - NIGHT It’s Friday night and after a long day with Katie, Sarah decides to unwind by going to her favourite club. She arrives a little latter than usual. The club is already packed. None of her friends are around so Sarah decides to go get a drink. As she turns towards the bar, her eyes stop at a familiar silhouette of a young man sitting at the bar. (CONTINUED)


CONTINUED:

3.

Even though she can’t remember when they’ve met, or who he is, part of her knows he’s not just a stranger. She begins walking towards him. KATIE Hey Sarah! Over here! Katie’s calling out to her from the other side of the dance floor. She waves at her and moves away from the bar. Sarah looks back once more but the crowd has already blocked her view of the young man. SARAH (sighing) Who can he be? How do I know him? EXT. GARDEN - DAY It’s a beautiful Saturday morning. Despite last night’s clubbing, Sarah gets up early to go for a walk at her special garden. In this garden there’s a piano that Sarah loves to play every chance she gets. Before she sits down to play, Sarah spots the very same silhouette from the night before. SARAH Is it you, or are my eyes playing tricks on me? Shaking off these thoughts, she sits down at the piano and starts playing her song. The melody slowly fills the garden. As the song plays on, her mind is overwhelmed with thoughts of this stranger who has suddenly taken over her dreams. When Sarah stops playing, she decides to just sit around for a while. But her phone rings. She’s just got a text from Katie. KATIE Meet me at the planetarium in 15 min. Sarah sighs and heads back to meet up with Katie.


4.

At the distance the fading silhouette of the young man of her dreams begins running towards her. But she’s no longer there. INT. PLANETARIUM - AFTERNOON Katie’s waiting for Sarah at the entrance of the planetarium. She’s talking to someone. SARAH Sorry I’m late, I got caught up with my thoughts. KATIE John Cusack? SARAH (laughing) You might say that... The boy that was talking to Katie stares awkwardly at both of them. JACK You know John Cusack?! Sarah and Katie start laughing out loud. KATIE It’s sort of an inside joke. Never mind. KATIE (turning to Sarah) By the way, this is Jack, a friend. Jack, this is Sarah. SARAH (with irony) Pleased to meet you, Jack, the friend. JACK Likewise. Your name is Sarah? Hmm... Sarah stares at Jack, confused by his question. JACK I was just with a friend, his name is Michael and...

(CONTINUED)


CONTINUED:

5.

KATIE Let me guess, he’s been dreaming about a girl named Sarah from a Cameron Crowe movie. JACK (amazed) Actually... It’s a John Hughes movie. Sarah is speechless at this revelation. Everything that happened over the last few days was real and not just part of her imagination. SARAH Where is he? JACK He just got in the planetarium, if you want I can go get him. Sarah thinks for a little while before answering. SARAH No, just tell him to meet us at the beach, and don’t mention this conversation. JACK Hmm... Ok. After saying good-bye to Jack, Sarah and Katie go inside the planetarium. A giant replica of the Solar System fills the whole room. It’s pitch dark. She sees him hanging around a replica of ’Mars’, and impatiently waits for their eyes to meet. When he turns around and recognizes her, he waves at her. He’s real, her dream is real. She waves back at Michael and starts walking towards him KATIE Come on Sarah, let him chase you for a little while longer. The two girls head for the exit and leave the room. The sound of footsteps echoes behind them as Michael tries desperately to reach them before they’re gone. CUT TO:


6.

EXT. BEACH - SUNSET Michael arrives at the beach in his car. Sarah sees him and walks towards him. SARAH You finally came. MICHAEL (smiling) It seems you were the one who kept running away. Sarah looks down embarrassingly biting her lips. SARAH I had a dream about you, you know... MICHAEL (amazed) So did I. The walk towards each other as the sunsets on the background. SARAH (staring into his eyes) Make a wish. MICHAEL It’s already come true. When they’re about to kiss, Sarah moves away and points at Michael’s car. SARAH (jokingly) Wanna go for a ride? MICHAEL I thought that was my line. SARAH (laughing) Someone had to say it... Sarah gets inside Michael’s car and they both ride towards the horizon. FADE OUT.

(CONTINUED)


CONTINUED:

7.

THE END


Shall We Meet? (Michael’s Perspective) De Adriano Cerqueira


INT. DINNING ROOM - NIGHT A dim lighted dinning room. There’s a table by the window. It’s pitch black outside, clearly the sun has long set on the horizon. A couple is sitting on top of the table with a birthday cake in between them. Michael, an average highschooler that wouldn’t normally stand out in a crowd, stares into the girl’s eyes hopelessly trying to mask what they’ve both known all along: he’s in love with her. Sarah, a green-eyed, fair-haired teenager that unlike Michael, could fill a room with her smile, stares back at him, telling him how deeply she loves him back, without even muttering a word. MICHAEL Happy Birthday, Sarah! SARAH I can’t believe you remembered... Michael smiles at her and leans towards the cake. MICHAEL Make a wish. SARAH (smiling back at him) It’s already come true. They both lean to each other, slowly building up the expectation of the moment that would soon follow: their first kiss. CUT TO: INT. MICHAEL’S ROOM - DAY Michael wakes up startled by the continuous bip coming from his alarm clock. As his eyes open, Michael’s mind wonders between his dreams and reality. Could it be? Was it only a dream? As he comes to, the reality of his daily routine brings him back to the real world.

(CONTINUED)


CONTINUED:

2.

MICHAEL God... I’m in love with Molly Ringwald... Jack, Michael’s roommate hears his friend’s awkward realization. JACK (with sarcasm) Well, I’m glad you’re not setting your sights TOO high! Michael looks up at Jack’s condescending tone. MICHAEL Shut up. I’ve just had the most wonderful and weird dream ever... JACK With Molly Ringwald? Dude... MICHAEL (staring with disdain) No! I dreamt about this amazing looking girl named Sarah. But for some reason we we’re reenacting the final scene from 16 candles... JACK Ok, no more John Hughes movies for you before bed. Michael and Jack leave Michael’s room, laughing. FADE TO: INT. CLUB - NIGHT It’s Friday night and after a long day of classes, Michael decides to unwind by going to his favourite club. As the crowd parties on the dance floor, he finds himself thinking about this mystery girl. Sarah, the woman of his dreams. Michael’s sitting at the bar waiting for his drink when someone walks in. A strange feeling sweeps over him, as if some invisible force was pulling him towards the door. He tries to fight this urge, to no effect.

(CONTINUED)


CONTINUED:

3.

When he finally looks at the door he catches only a glimpse of someone that seemed familiar. BARTENDER Waiting for someone? MICHAEL (surprised) Sorry, I was distracted. No, I just thought I saw someone that probably doesn’t even exist. BARTENDER (condescending) Whatever you say sir. Michael looks around the room not finding anyone. He wonders if his eyes are starting to play tricks on him. EXT. GARDEN - DAY It’s a beautiful Saturday morning so Michael decides to go for a walk in the park. As he strolls along he stars hearing a song. Someone was playing a piano. MICHAEL Where is this song coming from? He runs around looking for the source of this mysterious melody. The piano suddenly stops playing. Michael desperately looks around for any sign of where that song was playing, with no luck. He decides to give up and starts heading back when he spots someone at the distance. MICHAEL (yelling) WAIT! He runs towards the elusive figure at a distance. When he finally gets there, she’s gone. He looks around the piano and heads back home. Now he knows it’s not just his imagination. Something’s going on.


4.

INT. PLANETARIUM - AFTERNOON Jack finally talked Michael into exploring the new planetarium. JACK Have a look around that room, I’m going to meet someone. MICHAEL Sure, see you later. Michael walks into a dark room. A giant replica of the Solar System fills the whole room. It’s pitch dark. As he hangs around ’Mars’ he spots the strange figure that seems to have been following him for the last few days. MICHAEL I can’t believe it. It’s the girl he dreamed about the other day. Sarah. Michael waves at her. She looks around and waves back with a surprised look on her face. He decides to go talk to her, but as he takes his first step, her friend pulls her back and they disappear through the door. Michael runs towards her, but she’s already gone. MICHAEL Sarah, Molly, whatever your name is... I’m going to find you! Jack runs into Michael just as he’s coming out of the Planetarium. JACK Talking to yourself again, I see... MICHAEL Dude, remember that girl from the dream? JACK Molly Ringwald? MICHAEL No! Sarah, she was just here, with another girl.

(CONTINUED)


CONTINUED:

5.

Jack’s now serious. He falls into deep thought for a minute and then turns to Michael. JACK A tall brown haired girl? MICHAEL (hopeful) Yeah. Why? Do you know her? JACK Hmm... Sarah, Katie’s friend, was just here a minute ago. Katie told me they were heading out for the beach. MICHAEL Thanks dude, I owe you one! Michael sets out to finally meet the girl of his dreams. CUT TO: EXT. BEACH - SUNSET Michael arrives at the beach in his car. The mysterious girl sees him and walks towards him. SARAH You finally came. MICHAEL (smiling) It seems you were the one who kept running away. Sarah looks down embarrassingly biting her lips. SARAH I had a dream about you, you know... MICHAEL (amazed) So did I. The walk towards each other as the sunsets on the background. SARAH (staring into his eyes) Make a wish.

(CONTINUED)


CONTINUED:

6.

MICHAEL It’s already come true. When they’re about to kiss, Sarah moves away and points at Michael’s car. SARAH (jokingly) Wanna go for a ride? MICHAEL I thought that was my line. SARAH (laughing) Someone had to say it... Sarah gets inside Michael’s car and they both ride towards the horizon. FADE OUT. THE END


Análise da história interactiva "Shall We Meet?" 1. Como interagiu com a interface de "Shall We Meet"? • • • •

Troquei entre ambas as histórias de forma igual Numa fase inicial troquei entre ambas as histórias, mas acabei por escolher uma Vi apenas a perspectiva do Michael Vi apenas a perspectiva da Sarah

2. Identificou-se com alguma das personagens? • • •

Sim, com a Sarah Sim, com o Michael Não

2.1. Se respondeu "Sim" à questão anterior, explique porquê. 2.2. Se respondeu "Não" à questão anterior, explique porquê. 3. Qual o seu nível de identificação emocional com as personagens? Nenhum

0

1

2

3

4

5

Muito Alto

4. Após o visionamento de "Shall We Meet" ficou com a sensação que todos os aspectos da história ficaram concluídos? • •

Sim Não

4.1. Se respondeu "Não" à questão anterior explique porquê. 5. A presença de um espaço claro para o final das narrativas ajudou-o a concluir a história? • •

Sim Não

5.1 Se respondeu "Não" à questão anterior explique porquê. 6. Relativamente ao nível de interacção da interface. • • • •

Era o adequado. Preferia ser capaz de manipular as personagens. Preferia ser capaz de criar a minha própria personagem. Outro:


7. Qual a melhor plataforma para visionamento desta narrativa? • • • • •

CD-ROM Internet Aplicação para Smartphone Televisão Interactiva Outro

8. Comentários e sugestões

9. Habilitações Literárias • • • • •

9.º ano 12.º ano Licenciatura Mestrado Doutoramento

10. Idade


Transcrição das Entrevistas Entrevistado 1 O que achou da história? Não me identifico muito por causa do cenário. Esse é o primeiro problema porque não me identifico com aquele tipo de avatares, é algo que me passa completamente ao largo. Acho que é um romance um pouco irreal, mais de ficção. Eu acho que aquilo só se passou na cabeça deles, não se passou de facto, mesmo. Cada um imaginou para um lado histórias diferentes e apesar de terem um espaço aparentemente comum no final eu acho que eles nunca se encontraram. O que achou deste sistema de interacção? Eu gosto mais de histórias contínuas, mas acho piada em saber o que se passa na cabeça de um e do outro em momentos diferentes, mas depois uma pessoa acaba por optar. Eu fui mudando por curiosidade mas eu acho que numa situação normal eu prefiro ter uma única história e não várias. Não gosto que me dêem opções neste tipo de coisas, gosto que me dêem uma história e não que eu escolha a história, se não para isso escolho eu. Portanto, gosto de consumir a história, da originalidade da forma como as coisas se desenrolam gosto de ser observadora, não gosto de ser eu a decidir por isso também não pus a opção de manipular as personagens, porque acho que isso não tem graça. Eu não quero isso, quero que me contem a história para eu não gostar, me identificar ou não, para eu ir rolando com o que me vão dando, não para eu fazer. Sentiu que a história estava concluída? Não. Acho que podia continuar, porque aquilo ficou em aberto, acho que nenhuma das cabeças resolveu a história. Eu não percebi se eles iam ficar ou se se encontraram de passagem, outra vez. É um final em aberto mas isso também faz parte da interactividade, deduzo eu. Preferia que houvesse a possibilidade de múltiplos finais? Não, não gosto. Gosto de uma história com final, ponto. Não gosto de coisas abertas.


Entrevistado 2 O que achou da história? Enfim, no início estava um bocadinho confusa quando não consegui perceber o que se estava a passar. Se eles estavam a imaginar ou se não estavam a imaginar. Mas de resto acho que estava bem, achei piada à escolha das músicas nas várias cenas. O que achou deste sistema de interacção? Acho que funciona bem, mas acho que se pode tornar um pouco confuso, houve uma altura que mudei e apareceram coisas completamente diferentes, só passado um bocadinho é que comecei a perceber o porquê de terem aparecido as situações completamente diferentes. No momento exacto em que escolhes a perspectiva, no momento a seguir, melhor dizendo, é um bocadinho confuso, mas depois com o desenrolar consegue-se perceber um bocadinho melhor. Sentiu que a história estava concluída? Não sei. Não percebi muito bem se concluiu ou se existia alguma coisa com o amigo da personagem principal. Mas acho que a história dos dois ficou concluída.


Entrevistado 3 O que achou da história? Achei uma história interessante. O rapaz ficava sempre na dúvida se a rapariga era verdadeira ou não, provavelmente pelo aspecto dela. Era bonita e ele ficava a pensar: “será que é verdade?” e ele acabou por descobrir que era verdade. É uma boa história. O que achou deste sistema de interacção? Acho que é um bom sistema que possibilita ver as diferentes perspectivas das personagens. Sentiu que a história estava concluída? Sim.


Entrevistado 4 O que achou da história? Eu achei a história um pouco leviana, muito superficial. No sentido em que há uma espécie de romance, há uma paixão entre duas pessoas de sexos diferentes e a partir daqui sabemos pouco mais do que isto. O que achou deste sistema de interacção? Achei fantástico. Eu gosto deste tipo de interactividade. Aliás já experimentei este tipo de situações num documentário especificamente para a internet e achei óptimo nós podermos também, não direi fazer parte da história, mas sim interagir com a história. O espectador não fica somente do lado de cá. A narrativa não é uma mono narrativa e o espectador pode assim interagir com a história. Acho que é muito interessante. Sentiu que a história estava concluída? Concluída não. Eu acho que houveram ali situações paralelas que podiam ter outro desenvolvimento, que poderiam dar um maior contexto e um maior relevo à história. Eu percebo que tem oito minutos, também não dá para muito mais, mas a aprofundar poderíamos ir por outros caminhos, mas está muito interessante.


Entrevistado 5 O que achou da história? A história é uma história simples. Acho que está bem conseguida embora aqui na interacção das duas personagens gostava de ter visto a partir do momento onde fiquei e não desse um salto demasiado grande, principalmente depois da cena da floresta. O que achou deste sistema de interacção? Dos sistemas de interacção que eu conheço, tem sido sempre como base num computador, não tenho muito o hábito de jogar aqueles jogos de consolas, portanto não conheço as outras plataformas. Acho que seria interessante se isto fosse possível ver num smartphone, quer via internet, quer já descarregado em offline, mas pareceme que pelo menos num laptop, funciona bem. Relativamente às histórias em paralelo, fico com a ideia que se tivermos mais opções acaba por ser mais aliciante, quer nesta forma de nos colocarmos entre duas personagens, entre duas teclas, mas também seria interessante poderes escolher se tu queres criar a tua própria personagem ou manipular e se tiveres essas opções poderão sempre ser enriquecedoras. Sentiu que a história estava concluída? Senti. Aliás, compreendi bem a história. Estou um bocado céptico em relação à escolha musical. Embora Peter Gabriel encaixe ali que nem gingas. Esta é uma história simples, um “boy meets girl” que acaba tudo bem, embora a forma como eles se conhecem acaba por ser algo criativo por vir de um sonho.


Entrevistado 6 O que achou da história? Percebi o final da história, percebi o desenrolar. Senti que me faltou se calhar perceber como é que tudo isto começou. Além do desenvolvimento ser perceptível, o final ainda mais, já o início, estava à espera de perceber melhor como tudo isto se desenrolou, ou como começou neste caso. O que achou deste sistema de interacção? Este sistema é de facto interactivo, se calhar, vai te obrigar a escolher mais uma personagem do que outra. Já a escolha, acho que é um bocadinho aleatória e depois tem a ver com a fase com que tu começas a seguir a história, logo vais acabar por te identificar mais com um ou com outro. Logo, se começas a ver o vídeo com o Michael vais conseguir perceber qual é a perspectiva dele mais do que a da Sarah. Se começares com a Sarah vais ter que tentar perceber melhor ainda a perspectiva da Sarah. Seria bom se pudéssemos ver essas duas versões em tempos faseados em alturas diferentes e não ao mesmo tempo. Acho que seria melhor. Sentiu que a história estava concluída? Sim, no final a história conclui-se e percebe-se que eles conseguem encontrar-se e conseguem estar juntos e percebem o porquê da história. Acho que sim, que ficou concluída.


Entrevistado 7 O que achou da história? Achei engraçada mas também pela oportunidade de poder alternar, ou seja, a parte do suporte em si, acho que ajudou a melhorar o storytelling. O que achou deste sistema de interacção? Gostei. Dá para ter a oportunidade de ver o lado de cada uma das personalidades e não ficar centrada numa só, numa só história. Assim tens a oportunidade de escolher duas e ir mudando consoante o nosso próprio gosto. Também gostaria de ter o poder de manipular mais ou de ser eu própria a escolher um final ou escolher caminhos diferentes para as personagens. Sentiu que a história estava concluída? A mim deu-me a sensação de ficar em aberto, mas por um lado é bom não ter aquele final do “feliz para sempre”.


Entrevistado 8 O que achou da história? Ao princípio demorei um bocado a perceber em que é que se baseava a história, mas pelo que percebi era uma história em que as duas personagens tinham um sonho em comum que de certa forma as aproximava, mas não sabia como se encontrar e acabaram por se encontrar. Em termos da interface, acho que foi bem construída para o objectivo da história em que se inseriam duas personagens e sendo assim acho que é interessante termos a visão de uma e a visão de outra, prosseguindo passo-a-passo até um certo momento em que essas duas visões se fundem numa. Acho que ficou bem construída. O que achou deste sistema de interacção? Acho que é muito bom e tem potencialidades para outro tipo de narrativas porque acaba por permitir ao utilizador seguir aquilo que quer, não ao todo dar-lhe manipulação da história mas de certa forma ver das formas que lhe é permitido ver consoante a sua vontade. Tem a potencialidade de ser aplicada em histórias em que exista mais do que uma versão. Sentiu que a história estava concluída? A conclusão que eu senti que a história teve foi dos percursos das personagens. Senti que a história teve uma conclusão em termos de percurso, ou seja, cada uma fez o seu caminho até ambos os caminhos se encontrarem, nesse aspecto sinto que a história teve uma conclusão. Não sei se em termos da ideologia da história, se teve uma conclusão, se a história foi rica ao ponto de ter uma conclusão, mas em termos de caminhos das personagens sim. Isso é perfeitamente constatável a partir do momento em que ambos os caminhos se unem, aí penso que isso funciona como uma conclusão, até figurativamente.


Entrevistado 9 O que achou da história? Eu gostei da história. A noção com que eu fiquei é que eram duas realidades diferentes que no final cruzaram-se. Ambos estavam interessados um no outro e não sabiam como encontrar-se. O que achou deste sistema de interacção? Eu gostei. Dá-nos a possibilidade de ficarmos só por uma história. Analisarmos a história só da Sarah, por exemplo, se quiséssemos, ou então se nos interessamos e se optássemos mais no início pela do Michael, podemos assistir à do Michael, como dános a possibilidade de visualizar as duas história sem simultâneo. Isso depende do gosto de cada um, portanto acho que está muito bem assim. Sentiu que a história estava concluída? Sim, eles no final ficaram juntos. A realidade deles unificou-se.


Entrevistado 10 O que achou da história? Eu gostei bastante da história. Achei interessante a ideia de se poder ver a narrativa de dois pontos diferentes. A única coisa que eu acho que podia ser um pouco mais profundo na questão da interactividade era se pudesses manipular a personagem e escolher, por exemplo, se ela vai entrar no planetário ou noutro sítio, acho que isso seria mais interessante na produção do vídeo. Mas a iniciativa acho muito interessante. O que achou deste sistema de interacção? Gostei bastante, principalmente pela temática ser relacionado com a questão feminina e masculina parece que dá uma vontade ainda maior de perceber os dois pontos de vista. A única coisa é que eu interagi muito pouco, devia ter trocado mais as perspectivas. Sentiu que a história estava concluída? Na verdade, senti que tinha uma conclusão pelo desfecho, mas acho que algumas coisas ainda podiam ser desenvolvidas.


Resultados Questão 1 Como interagiu com a interface de "Shall We Meet"?

10

9

8

7

6 5 5 4 4

3

2 1 1 0 0 Troquei entre ambas as histórias de forma igual

Numa fase inicial troquei entre ambas as histórias, mas acabei por escolher uma

Vi apenas a perspectiva do Michael

Vi apenas a perspectiva da Sarah

Gráfico 1: Respostas à questão “Como interagiu com a interface de “Shall We Meet”?”

Questão 2 Identificou-se com alguma das personagens?

10

9 8 8

7

6

5

4

3

2 1

1

Sim, com a Sarah

Sim, com o Michael

1

0

Gráfico 2: Nível de identificação dos participantes com os personagens.

Não


Questão 3 Qual o seu nível de identificação emocional com as personagens? 10

9

8

7

6

5

4 3 3 2

2

2

2 1 1 0 0 0

1

2

3

4

Gráfico 3: Nível de identificação emocional com as personagens

Questão 4 Após o visionamento de "Shall We Meet" ficou com a sensação que todos os aspectos da história ficaram concluídos? 10 9 8 7 6 5

5

Sim

Não

5 4 3 2 1 0

Gráfico 4: Resultados sobre o sentimento de conclusão da narrativa por parte dos utilizadores.

5


Questão 5 A presença de um espaço claro para o final das narrativas ajudou-o a concluir a história? 10 9 9

8

7

6

5

4

3

2 1 1

0 Sim

Não

Gráfico 5: Valorização do end space

Questão 6 Relativamente ao nível de interacção da interface.

Preferia ser capaz de criar a minha própria personagem. 0% Outro 0%

Preferia ser capaz de manipular as personagens. 50%

Gráfico 6: Nível de interacção da interface.

Era o adequado. 50%

Era o adequado. Preferia ser capaz de manipular as personagens. Preferia ser capaz de criar a minha própria personagem. Outro


Questão 7 Qual a melhor plataforma para visionamento desta narrativa?

Televisão Interactiva 10%

Outro 0% CD-ROM 20%

Aplicação para Smartphone 10%

CD-ROM Internet Aplicação para Smartphone Televisão Interactiva Outro

Internet 60%

Gráfico 7: Preferências de plataformas para visionamento da narrativa.

Dados dos participantes Sexo

M F

Gráfico 8: Sexo


Habilitações Literárias

9.º Ano 12.º Ano Licenciatura Mestrado Doutoramento

Gráfico 9: Habilitações Literárias

Média de Idades: 26,7 Máximo: 44 Mínimo: 18 Mediana: 24


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