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CRÉDITOS Idealização do Projeto Marta Pipponzi Coordenação do Projeto Luciana Bobadilha Pesquisa Cláudia Priscilla Luiza Thesin Parceiros de Desenvolvimento Cristiana Pipponzi Danielle Fiabane Marta Pipponzi Equipe de Desenvolvimento e Relacionamento Maria Farinha André Botelho Caroline Oliveira Luciana Bobadilha Viviane Zangrossi Facilitadoras Jam Session Camila Andrade Camila Piza Participantes Jam Session Ana Lúcia Marques de Souza Anna Carolina Aranha Sayão Antônio Carlos Pipponzi Beatriz Craveiro Caio Megale Carolina Pasquali Cláudia Priscilla Cristiana Pipponzi Cristiane Ferrari Danielle Fiabane Elca Rubinstein Ellane Follador Estela Renner Flávia Dória Guilherme Nascimento Izumu Honda José Bueno Juliana Sztrajtman Luiza Thesin Márcia Frizzo Marcos Nisti Maria Fernanda Teixeira Maria Lúcia de Andrade Mariana Tolovi Marta Pipponzi Maysa Lopes de Oliveira Sérgio Serapião Sílvia Lacaze Sonoko Yoshiyasu Sylvia Guimarães Tânia Cristina Santos Matos Valéria Midena Victor Lopes Viridiana Bertolini
Equipe Maria Farinha Filmes Estela Renner Luana Lobo Marcos Nisti André Botelho Beatriz Craveiro Bruna Bravo Bruna D’arc Bruno Decc Carlos Vieira Caroline Avelino Caroline Oliveira Cinthia Imamura Flávia Doria Geisa França Luciana Bobadilha Mari Adela Mitre Mariana Mecchi Mariana Moraes Mariani Ohno Marina Mercês Marlise Rodrigues Mayara Silva Renata Romeu Roger Moreira Rosemery Pires Samira Franca Sara Rodrigues Tais Caetano Viviane Zangrossi
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SUMÁRIO Apresentação.......................................................................................................................................11 1. Aspectos Filosóficos.....................................................................................................................13 - Abertura: Mil Platôs, Deleuze e Guattari................................................................................14 - Trechos do Livro “A Velhice”, de Simone de Beauvoir.......................................................15 - Ser e Envelhecer na Antiguidade..............................................................................................16 - Análise do Livro “O Tempo da Memória”............................................................................18 - Análise do Conceito “Eterno Retorno”..................................................................................19 - “Vida Nua, Vida Besta, Uma Vida”, de Peter Pal Pélbart...................................................21 2. Contextualização............................................................................................................................25 - Abertura: Retrato, Cecilia Meireles...........................................................................................26 - Envelhecer em Diferentes Partes do Mundo.........................................................................27 - Velhice no Brasil: Destino e História......................................................................................29 - Envelhecimento e Longevidade no Brasil..............................................................................30 - Novas Terminologias - Palavras e Seus Usos........................................................................31 3. Saúde – Corpo e Mente................................................................................................................33 - Abertura: A Oração Ao Tempo, Caetano Veloso..................................................................34 - Entrevista Com Alexandre Kalache........................................................................................36 - Conceito de Envelhecimento Ativo.........................................................................................39 - Cuidados Com o Corpo, Centro Internacional de Longevidade Brasil............................41 - Entrevista Exclusiva com Dra Mariana Maleronka..............................................................43 - Para Retardar o Envelhecimento, Dráuzio Varella................................................................45 - O segredo da Longevidade por Mestre Liu Chih Ming.......................................................47 - Entrevista Exclusiva com Dra Eliane Follador......................................................................48 - Ganhos e Perdas na Medicina Atual, Magali Cabral.............................................................49 - Trechos do Livro Testo Junkie, Paul B. Preciado..................................................................51 - Entrevista Exclusiva com Lygia V. Pereira Sobre Genoma e Bioética..............................53 - Entrevista Mayana Zatz e Michel Naslavsky sobre Programa 80+...................................55 - Nath David, Palestrante SXSW 2018.....................................................................................57 - Entrevista com Laura Daming, Palestrante SXSW 2018.....................................................58 - Mindfulness Contribui Para a Longevidade...........................................................................62 - Trechos do Livro “O Último Suspiro”, de Luis Buñuel......................................................63 - Trechos da entrevista de Zygmunt Bauman...........................................................................64 4. Gênero e Sexualidade....................................................................................................................65 - Abertura: Trechos do Discurso da Cantora Madonna.........................................................66 - Masculino x Feminino, Centro Internacional de Longevidade Brasil................................67 - A Feminização da Velhice, Carmen Delia Sánchez Salgado................................................68 - Entrevista com Miriam Goldenberg sobre o livro “A Bela Velhice”.................................70 - Baby Boomers Estão Envelhecendo, Gisela Castro.............................................................73 - Idadismo, TED da escritora Ashton Applewhite.................................................................74 - Corpo de Velho, Denise Bernuzzi de Sant’Anna..................................................................76
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- Sexo Depois dos 60, Datafolha................................................................................................77 - O Que É Violência Oculta – Sexualidade na Velhice, Contardo Calligaris......................78 - Eu Quero Comer Você, Música Elza Soares.........................................................................80 - Entrevista Exclusiva com Mirela Berger.................................................................................81 - Diversidade Sexual e de Gênero, Carlos Henning e Guita Grin Debert..........................83 - Centro de Convivência LGBT no México, matéria El País................................................85 - Tinder Para Terceira Idade........................................................................................................86 - Amor - Longevo Sim e Ainda Com Muitos Desejos, Rogério Lacerda............................86 - Trechos do Livro “A Cerimônia do Adeus”, Simone de Beauvoir.....................................89 5. Autonomia e Ética.........................................................................................................................93 - Abertura: En Memoria de Angelica – Jorge Luis Borges....................................................94 - Resenha: Livro Mortais..............................................................................................................95 - Bioética- Direito na Terminalidade da Vida, Marco Segre e Gabriela Guz......................97 - Entrevista Exclusiva com Jean Claude Bernardet...............................................................100 - A Vida é Um Direito ou Um Dever, Entrevista com Luciana Dadalto..........................103 - Sobre a Transitoriedade, Sigmund Freud..............................................................................105 - A Materialidade da Morte, Miriam Chnaiderman...............................................................106 - Entrevista Exclusiva com Miriam Chnaiderman.................................................................108 - Entrevista Exclusiva com Tiago Pimentel - Redes Sociais e Morte.................................110 - Texto de Manoela Miklos........................................................................................................111 6. Estado e Direitos.........................................................................................................................113 - Abertura: Tempo é Movimento, Clarice Lispector.............................................................114 - A Política Nacional do Idoso, Vicente de Paula Faleiros...................................................115 - Novos Velhos, artigo da Revista do SESC..........................................................................117 - Envelhecimento, Cuidado e Cidadania, Berlindes Kuchemann........................................118 - Mundo Prateado, Entrevista com Marta Pessoas................................................................120 - O Enfermeiro – Breve Análise do Conto de Machado de Assis......................................121 - Selo de Alerta Para Mais Idosos, OAB.................................................................................122 - Entrevista Exclusiva com Elisabete Saiki.............................................................................123 - Ranking – Melhores Países para os Idosos...........................................................................125 - Ranking – Melhores Cidades Para os Idosos no Brasil......................................................126 - Cidade Amiga do Idoso (OMS)............................................................................................127 - Entrevista Exclusiva com Nabil Bonduki.............................................................................128 7. A Importância da comunidade como sistema de suporte....................................................131 - Abertura: Envelhecer – Mario Quintana..............................................................................132 - Solidão.......................................................................................................................................133 - Caso: Idosas japonesas Fazem Pequenos Furtos Para Morar na Cadeia.........................134 - Caso: Idoso Chinês Procurou Família Para Ser Adotado..................................................135 - Porteiros e Idosos, Iniciativa Bradesco Seguros..................................................................137 - Antropologia do Envelhecimento Gay, Wladirson Cardoso.............................................138 - Psicóloga Susan Pinker Tem o Segredo da Vida................................................................140 - Blue Zones – Onde Moram as Pessoas Que Mais Vivem, Dan Buettner......................141 - McLeod Ganj - Lugar de Devoção, Tradição e Amor.......................................................143 - Prece Para Vida Longa, Dalai Lama....................................................................................145
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- Vila Adaptada Para Pacientes Com Alzheimer....................................................................145 - Co-Lares, Arquitetura Para a Longevidade , Lilian Lubochinski......................................148 - Novos Modelos de Moradia Para a Terceira Idade.............................................................150 - Projetos de Moradias Estaduais e Municipais no Brasil....................................................152 - República Para Idosos em Santos – Pesquisa de Campo...................................................153 - Entrevista Exclusiva com Lilia Sampaio de Souza Pinto...................................................155 - Sentir a Vida – Blog Sementeira - Lilia Sampaio de Souza Pinto.....................................156 - Trecho do Livro “Maturidade E Velhice”, Deusivania V. Da Silva Falcão.....................158 - Espaço de Convivência São Joaquim – Pesquisa de Campo.............................................160 - Entrevista Exclusiva com Sergio Serapião ..........................................................................163 - Os Involuntários da Pátria, Eduardo Viveiros de Castro...................................................164 - Sobre Cultura Indígena............................................................................................................167 - Entrevista Exclusiva com Mariana Herrero.........................................................................168 - Manifesto – Mais Pajés Menos Intolerância.........................................................................170 - Os Mais Velhos nos Terreiros do Candomblé, Pai Rodney de Oxóssi...........................171 - Relato de Experiência: Interação do idoso na Escola de Samba......................................172
8. A Importância do Contato Intergeracional.............................................................................175 - Abertura: O Tempo, Carlos Drummond de Andrade........................................................176 - Análise do Livro “Como Envelhecer Bem”, Mariza Tavares............................................177 - Cultura Intergeracional, José Carlos Ferrigno......................................................................178 - Entrevista com Mariano Sánchez Martinez.........................................................................180 - Programa TOY – Together Old and Young........................................................................182 - Jovens em Comunidades de Idosos É Sonhar Demais?, Mariza Tavares.......................183 - Universidade Aberta – USP....................................................................................................184 - Entrevista Exclusiva com Maria Vilani.................................................................................184 9. Envelhecimento e trabalho........................................................................................................189 - Abertura: Retrato do Artista Quando Coisa, Manoel de Barros......................................190 - Envelhecimento Populacional no Brasil, Alexandre Kalache...........................................191 - Inversão da Pirâmide, IBGE..................................................................................................192 - A Previdência Social Brasileira, Ana Amélia Camarano.....................................................195 - Analfabetismo da População Idosa, IBGE.........................................................................198 - Silenciosa Epidemia Mata de Fome Idosos no Brasil, The Intercept..............................198 - O trabalho aos 100 anos, Andrew Scott...............................................................................200 - A Visão da Velhice É Velha, David Cohen..........................................................................203 - Idosos Podem Ser Uma Potência Econônica, Ellie Anzillot............................................206 - Inovação e Serviços no Brasil.................................................................................................212 - Talentos Grisalhos, GPTW - Great Place to Work...........................................................215 - Caso - Avó do Vale do Silício.................................................................................................216 - Caso - Agricultor de 105 anos...............................................................................................217 10. Reinvenção e Ressignificação...................................................................................................219 - Abertura: Novos Rumos, Paulinho da Viola........................................................................220 - Terceiro Ato da Vida, Jane Fonda..........................................................................................221 - O Tempo, Mario Quintana.....................................................................................................223
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- Caso - O Segredo da Longevidade de Jeanne Louise Calment.........................................224 - Caso - Blogueira Ativista Sueca..............................................................................................225 - Caso - As Blogueiras que Ditam Moda na Terceira Idade.................................................226 - Caso - A Reinvenção de Garcia-Roza...................................................................................230 - Caso – Formanda em Nutrição aos 87 anos.......................................................................230 - Caso – Formando em História aos 79 anos........................................................................231 - A Metamorfose das Plantas – Goethe..................................................................................232 - Espiritualidade e Envelhecimento..........................................................................................233 - Envelhecer à Maneira Taoista, José Bizerril.........................................................................234 - Kairós, Joel Martins..................................................................................................................236 11. Estudo de Argumento..............................................................................................................237 12. Referências Bibliográficas........................................................................................................241 13. Referências Audiovisuais..........................................................................................................255 14. Links Adicionais.........................................................................................................................261
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APRESENTAÇÃO “Em que espaço medimos o tempo que está para passar? Será no futuro, donde parte? Mas nós não podemos medir o que ainda não existe! Será no presente, por onde parte? Mas nós não medimos o que não tem nenhuma extensão! Será no passado, para onde parte? Mas, para nós, não é mensurável o que já não existe!” Santo Agostinho A jam session foi o pontapé para pensarmos nos temas fundamentais sobre longevidade. Assim nasceu o Caderno de Pesquisa que pretende tratar da longevidade e suas múltiplas facetas. Por ser um tema de interesse universal, a respeito do qual muitos pensadores, artistas, políticos refletiram, assumimos aqui um recorte, tanto quanto ao tema, quanto aos olhares. Alguns conceitos fundamentais acompanham todos os artigos e entrevistas que compõem o Caderno. Importante ressaltar que além das pesquisas bibliográficas e dados estatísticos, estamos realizando um trabalho de campo. Acreditamos no “corpo a corpo”, no encontro que gera material vivo para nossa pesquisa. Encontros com pessoas de variadas áreas que possam lançar luz sobre o tema e também encontros com pessoas que estão vivenciando a longevidade, retratando experiências de vida através do resgate das memórias. Esses encontros se encontram aqui em forma de entrevistas Importante destacar que a divisão por capítulos, baseada nos argumentos apresentados na jam session, é antes de tudo uma decisão de organização metodológica. Os temas se embaralham, se namoram. Dados estatísticos relacionam-se intimamente com olhares qualitativos. Esta divisão é somente uma sugestão de perspectiva para o leitor. Um caminho a ser percorrido em busca do entedimento do complexo assunto da longevidade.
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ASPECTOS FILOSÓFICOS A jornada deste Caderno de Pesquisa se inicia com trechos sobre os mitos, extraídos do livro “A Velhice”, de Simone de Beauvoir. Vale dizer aqui que esta obra, que é uma das maiores referências sobre o tema, será citada várias vezes ao longo de todo o percurso da pesquisa. Um breve passeio pelos filósofos da antiguidade nos aponta claramente a diferença das visões orientais e ocidentais sobre a velhice. Apresentamos aqui uma gama de olhares sobre o tempo até a chegada no pensamento filosófico contemporâneo. Finalizamos este capítulo com trechos de uma aula do filósofo húngaro, radicado no Brasil, Peter Pál Pelbart, que aborda a materialidade do corpo através dos conceitos de Michel Foucault e Giorgio Agambem. Uma visão contemporânea sobre o conceito de vida.
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“Saber envelhecer não é permanecer jovem, é extrair de sua idade as partículas, as velocidades e lentidões, os fluxos que constituem a juventude desta idade. Saber amar não é permanecer homem ou mulher, é extrair de seu sexo as partículas, as velocidades e lentidões, os fluxos, os n sexos que constituem a moça desta sexualidade. É a própria idade que é um devir-criança, como a Sexualidade, qualquer sexualidade, um devir-mulher, isto é, uma moça”. G. Deleuze e F. Guattari - Mil Platôs
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MITOLOGIA DA VELHICE
Trechos do livro “A VELHICE: a realidade incômoda”, de Simone de Beauvoir Muito poucas informações temos a respeito do lugar ocupado pelos velhos entre os outros povos da Antiguidade. Diante disso, não podemos deixar de recorrer às mitologias. Encontramos, tanto na história, como na mitologia grega, inúmeros ecos dos conflitos em que se defrontaram jovens e velhos. Segundo Hesíodo (poeta oral grego da Antiguidade), antes de tudo existiu Caos, depois Gaia e Eros. Gaia gerou um ser igual a ela própria, capaz de cobri-la por completo - Uranos -, e de ambos nasceu a segunda geração. Gaia odiava Uranos devido a sua inesgotável fecundidade e este, por sua vez, odiava os próprios filhos. Uranos era um pai destruidor, que sepultava os filhos logo que nasciam. Gaia, revoltada, ordenou aos filhos que castrassem o pai. Kronos foi o único que obedeceu, castrando-o com uma foice. Kronos, quando se tornou pai, talvez por ter castrado o seu, desconfiava muito de seus filhos, detestava-os e os devorava. Réa, mulher de Kronos, escondeu seu último filho – Zeus -, que depois de crescido, entrou em luta contra o pai. Zeus saiu vencedor. Há várias versões desses acontecimentos, mas o interesse maior reside na ideia geral de que a medida que vão envelhecendo acentuam-se as maldades e perversões dos antigos deuses. É evidenciado também que há uma luta entre gerações, que sempre termina com o triunfo dos jovens. Pode-se colher algumas outras indicações sobre a atitude dos antigos gregos a respeito da velhice: o mito de Tirésias, que estabelece uma relação que encontramos com frequência entre a idade, a cegueira e a luz interior. Tendo a cólera de Hera cegado Tirésias, Zeus, para compensá-lo, lhe concedeu o dom da profecia, capaz de responder a todas as perguntas de forma infalível. Os mitos também revelam que a decrepitude constituía num flagelo pior que a própria morte. Quando Aurora obteve imortalidade para o marido, esqueceu de pedir a eterna juventude. Miserável e solitário, atingido pela decrepitude, secou, que os deuses misericordiosos o transformaram em cigarra. Imortalizar a juventude, sim, significava para o homem a suprema ventura
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SER E ENVELHECER NA ANTIGUIDADE “Fiz um acordo de coexistência com o tempo: nem ele me persegue, nem eu fujo dele. Um dia a gente se encontra”. Mário Lago O médico Drauzio Varella, em um artigo destacou: “O envelhecimento é sombra que nos acompanha desde a concepção: o feto de seis meses é muito mais velho do que o embrião de cinco dias”. O curso do tempo sobre o corpo do homem foi sempre um tema caro. Oriente e Ocidente estiveram desde a antiguidade às voltas com essa questão, o envelhecer. E mesmo que o substrato seja o mesmo, esse processo natural e partilhado que é o envelhecimento encontra inconsonância em sua apreciação ao longo da história humana. Visitando A Epopeia de Gilgamesh 3000 a.C, antigo poema épico da Mesopotâmia, uma das obras mais antigas da literatura mundial, descobrimos a trajetória do rei Gilgamesh fundador da cidade de Uruk e sua busca pela imortalidade. Ilustrando que um dos textos mais longínquos da história, pautava-se em torno do tema do envelhecimento e da finitude. Observando que o significado do nome Gilgamesh é: “o velho que rejuvenesce”, logo o infortúnio da concepção do envelhecer esteve vigente no imaginário humano, mesmo esta ideia estando ligada a finitude, são os sinais da idade no corpo e a decadência de suas funções que terrificam o homem ao longo de sua existência. Simone de Beauvoir, em seu célebre livro A Velhice, depara com um outro texto, tido como a primeira referência ocidental sobre o tema. Trata-se de Ptha-Hotep (2500 a.C) vizir egípcio da V dinastia que discorre: “Quão penoso é o fim do ancião! Vai dia a dia enfraquecendo: a visão baixa, seus ouvidos se tornam surdos, o nariz se obstruí e nada mais pode cheirar, a boca se torna silenciosa e já não fala. Suas faculdades intelectuais se reduzem e torna-se impossível recordar o que foi ontem. Doem-lhe todos os ossos. A ocupação a que outrora se entregara com prazer, só a realiza agora com dificuldade e desaparece o sentido do gosto. A velhice é a pior desgraça que pode acontecer a um homem” (Beauvoir, 1990, p.114). Os escritos de Ptha-Hotep (2500 a.C) oferece um primeiro parâmetro de como o mundo ocidental foi ao longo construindo o conceito e o papel do idoso na sociedade. Transpondo agora nossa linha do tempo ao Oriente, deparamos com um pensador da antiga China, Confúncio (551 a.C). Para ele, o principal não era o acúmulo do conhecimento, mas sim o desenvolvimento do caráter e da humanidade. No Confucionismo o conceito de “rito” pode ser compreendido como “bons hábitos herdados dos ancestrais” o que oferece a chave para absorver sua compreensão do envelhecer. Os ancestrais, portanto, os mais idosos, são os guardiões dos saberes éticos. Confúncio pregava um governo de ritos, segundo ele, mais prudente que um governo de leis. Com isso vislumbramos que aquele que respeita tanto os pais quanto os anciões, não desafia os superiores, portanto, obedece a política vigente. O envelhecer era então um privilégio, a autoridade, tanto quanto a liberdade, é alçada com o tempo e a longevidade. Lao Zi ou Lao Tzu (533 a.C) foi uma figura importante e também mítica da história do pensamento da antiga China. A ele é atribuído os fundamentos do Taoísmo. Lao Zi que também quer dizer “velho” ou “velho mestre” segundo algumas lendas em torno de sua
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figura, teria nascido com aparência de velho, em outras atribuem que Lao Zi havia permanecido até os 72 anos no ventre de sua mãe. O interessante de sua compreensão acerca do envelhecer está no que tange o supremo momento da espiritualidade, alcançando aos 60 anos, quando então se é acometido por uma espécie de êxtase, um libertar-se do corpo físico. A complexidade de sua reflexão está em que a velhice é algo reconhecida no outro, o corpo ou o dono de um corpo em envelhecimento, está temporalmente na existência, se renova, busca novos limites almejando sempre alcançar essa dimensão espiritual ou o cume da trajetória da vida. Já no berço do pensamento ocidental, a antiga Grécia temia a velhice, mas entendia como um processo natural da existência. A civilização Helênica, que entendida como sinônimo de beleza e juventude, sempre contou com um conselho de anciões. Esparta, dispensava os homens maiores de 60 anos das obrigações militares, honrados e respeitados esses passavam a ser aqueles que oprimiam a sociedade. Atenas manteve as pessoas idosas com poder até o advento da democracia. É neste ponto crucial da história da civilização grega que o conceito de velhice converge e o envelhecer passa a ser visto com divergências. A transição do pensamento mítico ao racional, o advento da pólis e como consequência o nascimento do pensamento filosófico, figura uma série de alterações nos modelos políticos, econômicos e sociais da sociedade grega. Platão sempre foi crítico à democracia Ateniense e a Espartana, pois segundo ele a primeira não atentava as reais competências dos cidadãos para governar a pólis, e já a segunda elegia como magistrados os formados pela guerra. O Platonismo tinha o corpo de alguma forma como uma realidade ilusória. As ideias que eram imortais, portanto, só após muitos anos de educação, o homem estaria apto a governar a pólis. Aos 50 ou 60 anos se alcançaria uma maior proximidade com a verdade da existência. Divergente a Platão, está Aristóteles, para quem o homem é exclusivamente a união entre corpo e alma, e ambos deveriam permanecer em simbiose perfeita para um bom envelhecimento. As mazelas e as transformações físicas do homem ao envelhecer tem como fim o afastamento do mesmo da vida pública: “Para o filósofo Aristóteles, a juventude era calorosa e apaixonada e a velhice era o oposto: Porque viveram inúmeros anos, porque muitas vezes foram enganados, porque cometeram erros, porque as coisas humanas, quase sempre más, os velhos não têm segurança em nada, e seu desempenho está manifestamente aquém do que seria necessário. Estão sempre supondo o mal em virtude de sua desconfiança e desconfiam de tudo por causa de sua experiência de vida. São mornos tanto nos amores como nos ódios. São mesquinhos porque foram humilhados pela vida. Falta-lhes generosidade. São egoístas, pusilânime e frios. São imprudentes: desprezam a opinião. ‘Vivem mais da lembrança do que da esperança’. Estão abertos à piedade, não por grandeza da alma, mas por fraqueza. Lamentam-se e não sabem mais rir”. (Beauvoir, 1990: 136). A era Cristã nos apresentou o jurista e orador Cícero (103 – 43 a.C) o primeiro a discorrer sobre o envelhecimento, o romano retoma o otimismo platônico diante da velhice. Ao escrever: “Catão, o velho, ou diálogo sobre a velhice” observa que seria estupidez subestimar aquilo que é próprio da natureza, como o curso do tempo e os efeitos da idade no corpo. Segundo ele: “os velhos inteligentes, agradáveis e divertidos suportam facilmente a velhice, ao passo que a acrimônia, o temperamento triste e a rabugice são deploráveis em qualquer idade”. Cícero enumera quatro pontos, que considera relevantes o temer da velhice, são eles: 1. o afastamento da vida ativa; 2. o enfraquecimento do corpo; 3. a privação
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dos melhores prazeres e 4. a aproximação da morte. E sem ignorar por nenhum momento tais afecções, o jurista perfaz sobre a velhice: “é a cena final dessa peça que constitui a existência”. Outro romano a discorrer sobre a idade foi Senêca (4 a.C – 65 d.C) advogado e conselheiro de Nero, seguia uma ética estóica, severa onde autodisciplina era o fim para alcançar estágio de tranquilidade, onde nenhum infortúnio poderia o abater. Em conselhos ao seu discípulo nas conhecidas “Cartas a Lucílio”, Senêca almeja lhe mostrar que o tempo, nada mais é que uma forma de aprender com as circunstâncias, atuar no momento oportuno, lidar com o imperativo do presente e não pensar no passado. O primordial não é o tempo de vida e sim o bem viver. Em sua famosa carta XII discorre uma bela alusão sobre o envelhecer a seu discípulo Lucílio: “Estou obrigado a admitir que minha velhice se tornou aparente. Apreciemos e amemos a velhice; pois é cheia de prazer se alguém sabe como usá-la. As frutas são mais bem-vindas quando quase acabadas; A juventude é a mais encantadora em seu fim; O último drinque deleita o ébrio, é o copo que o sacia e dá o toque final em sua embriaguez” O mundo contemporâneo ainda não encontrou uma unidade para o trato com o envelhecimento e a finitude, a longevidade é hoje ponto a ser explorado, acreditamos ter avançado muito desde a antiguidade, são inúmeros os avanços. Por ora, seguimos humanos e finitos. Talvez quem saiba a máxima do ator Mario Lago (1912 -2002) mereça maior atenção: “Fiz um acordo de coexistência com o tempo: nem ele me persegue, nem eu fujo dele. Um dia a gente se encontra”
ANÁLISE DO LIVRO “O TEMPO DA MEMÓRIA”, DE NORBERTO BOBBIO José Carlos Campos Velho - médico geriatra e clínico geral, formado pela Universidade Federal de Santa Maria, Rio Grande do Sul. Norberto Bobbio foi um dos grandes intelectuais italianos do século XX. O titulo “De Senectude” é uma referência ao opúsculo de Marco Túlio Cícero, escrito ainda na época da Roma Imperial, “Saber Envelhecer”. A parte inicial do livro é aquela que mais nos desperta interesse, pois Bobbio olha para sua própria velhice do alto de seus 80 anos, de forma melancólica, sem ilusões. Mas com um realismo poético, pungentemente humano, expondo a partir da perspectiva do vivido as vicissitudes da velhice. “O Tempo da Memória” é composto de 2 partes. A primeira é um discurso proferido em 5 de maio de 1994 na Università degli Studi di Sassari, quando lhe foi concedido o diploma “Honoris Causa” em Ciências Políticas e a segunda parte, a partir de “Ainda estou aqui” foi escrita para a edição do livro. Ao longo do texto, fala de sua visão do processo de envelhecer, da suposta sabedoria da velhice, da lentidão que vai tomando conta da alma e do corpo do velho, da morte e particularmente da memória, que identifica como o grande patrimônio do velho. Abaixo, retiramos algumas partes do texto que ilustram estas afirmações.
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“O mundo dos velhos, de todos os velhos, é, de modo mais ou menos intenso, o mundo da memória. Dizemos: afinal, somos aquilo que pensamos, amamos, realizamos. E eu acrescentaria: somos aquilo que lembramos.” “Dizem que para um velho a sabedoria consiste em aceitar resignadamente os próprios limites. Mas para aceitá-los é preciso conhecê-los. Para conhecê-los, é preciso tratar de encontrar um motivo. Não me tornei sábio. Conheço bem os meus limites, mas não os aceito. Admito-os, unicamente porque não posso fazer de conta que não existem.” “O tempo do velho, repito ainda uma vez, é o passado. E o passado revive na memória. O grande patrimônio do velho está no mundo maravilhoso da memória, fonte inesgotável de reflexões sobre nós mesmos, sobre o universo em que vivemos, sobre as pessoas e os acontecimentos que, ao longo do caminho, atraíram nossa atenção.” “O velho está destinado a ficar para trás, enquanto os outros avançam. De vez em quando precisa descansar um pouco. Os que estavam atrás o alcançam, o ultrapassam. Ele gostaria de apressar o passo, mas não pode. Quando fala, procurando as palavras, talvez o escutem com respeito, mas também com certo sinal de impaciência.” “Não foi do meu trabalho que obtive as alegrias mais duradouras de minha vida (…). Obtive-as dos meus relacionamentos, dos mestres que me educaram, das pessoas que amei e que me amaram, de todos aqueles que sempre estiveram ao meu lado e que agora me acompanham no último trecho da estrada.” Nos tempos em que se insiste na velhice como a “Melhor Idade”, as palavras de Bobbio, ao contrário do que ele afirma, são de grande sensatez e sabedoria.
ANÁLISE DO CONCEITO “ETERNO RETORNO”, DE FRIEDRICH NIETZSCHE “Eterno retorno é a lei de um mundo sem ser, sem unidade, sem identidade.” Gilles Deleuze Eterno Retorno é um conceito desenvolvido pelo filósofo Friedrich Nietzsche (1844-1900), considerado por ele próprio um dos seus pensamentos mais aterrorizadores. Foi durante um passeio em 1881 que Nietzsche refletiu sobre os sentidos das vivências em alternâncias que se “repetem”. Embora em várias de suas obras encontramos pistas do que seria o Eterno Retorno, é na sua obra A Gaia Ciência (1882), um dos mais belos livros antes de Nietzsche sofrer das baixas de sua saúde, que ele nos brinda com a ideia mais nítida do que seria esse conceito: “E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: “Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e seqüência – e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna
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ampulheta da existência será sempre virada outra vez – e tu com ela, poeirinha da poeira!” - Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderías: “Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!” Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: “Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?” pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?” (aforismo 56) Parece que o Eterno Retorno defende a tese de que pólos se alternam nas vivências numa eterna repetição. Criação e destruição, alegria e tristeza, saúde e doença, bem e mal, belo e feio. tudo vai e tudo retorna. Porém, esses pólos não se opõem, mas são faces de uma mesma realidade, isto é, um complementa o outro, são contínuos de um jogo só. Alegria e tristeza são faces de uma única coisa experienciada com grau diferente. A temporalidade não está presente no Eterno Retorno, a realidade para Nietzsche não tem uma finalidade nem um objetivo a cumprir, e por isso as alternâncias de prazer e desprazer se repetem durante a vida. – O Eterno Retorno não se reporta a uma demarcação temporal cíclica e exata, mas às nuances de vivências que se complementam e dão o colorido da vida. O devir não ocorre de um modo exatamente igual, mas são variações de sentidos já vivenciados, faces de uma mesma realidade. A alegria e a tristeza que senti não serão iguais no amanhã, mas voltarei a experimentar esses estados em suas diferentes variações. A indagação que Nietzsche nos faz através do aforismo acima não se trata de uma negação da vida, pelo contrário, nos remete a uma afirmação da vida. Não posso crescer se não experimento declínio e vice-versa, são faces de uma mesma moeda sem demarcação de tempo e exatidão, de tal modo, Nietzsche nos aponta que “os homens não têm de fugir à vida como os pessimistas, mas como alegres convivas de um banquete que desejam suas taças novamente cheias, dirão à vida: uma vez mais”. – Eis aqui uma bela resposta de Nietzsche ao “pessimismo” de Schopenhauer. Se tudo retorna – o prazer e o desprazer, a dor e o deleite, a alegria e o sofrimento – queremos mesmo viver à eternidade onde nada de novo irá acontecer além de vivências com nuances variadas de uma mesma realidade? – Não é fácil dar uma resposta a indagação que o Eterno Retorno nos faz. Talvez decorra daí o sentido perturbador do conceito. Nietzsche nos dá o Eterno Retorno como uma saída, que consiste em buscar a criação na destruição; só nessa complementação que podemos transcender e reafirmar a vida em detrimento dos valores que envenenaram a humanidade e negaram a vida, sobretudo, aqueles simbolizados na cruz.
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TRECHOS DA AULA “VIDA NUA, VIDA BESTA, UMA VIDA” Peter Pál Pelbart - Graduado em Filosofia pela Universidade Paris IV (Sorbonne), mestre pela Pontífica Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), doutor em Filosofia, pela Universidade de São Paulo. É professor no Departamento de Filosofia e no Núcleo de Estudos da Subjetividade do Pós-Graduação em Psicologia Clínica da PUC-SP Eu queria dizer duas palavrinhas antes de começar a abordar o tema ao qual eu me propus. Filosofia é uma matéria volátil, impalpável, mas que afeta o corpo e o pensamento. Nem tudo vai ser compreensível, nem tudo vai ser entendível, e isso não tem a menor importância. Então vocês podem surfar à vontade naquilo que forem ouvindo, podem se conectar com algumas coisas e se desconectar de outras. Eu queria então lhes falar da relação entre poder e vida. o poder tomou de assalto a vida. Isto é, o poder penetrou todas as esferas da existência, e as mobilizou inteiramente, e as pôs para trabalhar. Desde os genes, o corpo, a afetividade, o psiquismo, até a inteligência, a imaginação, a criatividade. Tudo isso foi violado, invadido, colonizado; quando não diretamente expropriado pelos poderes. Mas o que são os poderes? Digamos, para ir rápido, com todos os riscos de simplificação: as ciências, o capital, o Estado, a mídia etc. Os mecanismos diversos pelos quais se exercem esses poderes são anônimos, esparramados, flexíveis. O próprio poder se tornou pós-moderno. Isto é, ondulante, acentrado (sem centro), em rede, reticulado, molecular. Com isso, o poder, nessa sua forma mais molecular, incide diretamente sobre as nossas maneiras de perceber, de sentir, de amar, de pensar, até mesmo de criar. Para resumi-lo numa frase simples: o poder já não se exerce desde fora, desde cima, mas sim como que por dentro, ele pilota nossa vitalidade social de cabo a rabo. Já não estamos às voltas com um poder transcendente, ou mesmo com um poder apenas repressivo, trata-se de um poder imanente, trata-se de um poder produtivo. Este poder sobre a vida, vamos chamar assim, biopoder, não visa mais, como era o caso das modalidades anteriores de poder, barrar a vida, mas visa encarregar-se da vida, visa mesmo intensificar a vida, otimizá-la. Daí também nossa extrema dificuldade em resistir. Já mal sabemos onde está o poder e onde estamos nós. O que ele nos dita e o que nós dele queremos. Nós próprios nos encarregamos de administrar nosso controle, e o próprio desejo já se vê inteiramente capturado. Nunca o poder chegou tão longe e tão fundo no cerne da subjetividade e da própria vida, como nessa modalidade contemporânea do biopoder. Eu então vou começar pelo mais extremo: o mulçumano. Vou retomar brevemente uma descrição feita por um filósofo italiano contemporâneo chamado Giorgio Agamben. O autor acompanha aqueles que, num campo de concentração, durante a Segunda Guerra Mundial, recebiam essa designação terminal de mulçumano. O que era um muçulmano, ou a quem se chamava de mulçumano num campo de concentração nazista? Era o cadáver ambulante, era uma reunião de funções físicas nos seus últimos sobressaltos. Era um morto vivo, o homem-múmia, o homem-concha. Encurvado sobre si mesmo, este ser bestificado, sem vontade, tinha o olhar opaco, a expressão indiferente, a pele cinza pálida, fina e dura como papel, que já começava a descascar, tinha a respiração lenta, a fala muito baixa e feita a um grande custo. O mulçumano era o detido, que havia desistido de viver. Indiferente a
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tudo que o rodeava, exausto demais para compreender aquilo que o esperava em breve, a saber, a morte. Essa vida não humana já estava excessivamente esvaziada para que pudesse sequer sofrer. Por que mulçumano, já que se tratava sobretudo de judeus? Porque o mulçumano entregava sua vida ao destino conforme uma imagem simplória e totalmente equivocada so-bre um suposto fatalismo islâmico. Quando a vida era reduzida ao contorno de mera silhueta, como diziam nazistas ao se referirem aos prisioneiros, eles os chamavam de Figuren. Figuras, manequins. Quando a vida é reduzida a isso, aparece a perversão de um poder que não elimina o corpo. Mas o mantém numa zona intermediária entre a vida e a morte. Entre o humano e o inumano. É o sobrevivente. O biopoder contemporâneo, conclui Giorgio Agamben, reduz a vida à sobrevida, reduz vida à sobrevida biológica, produz sobreviventes. De Guantánamo à África isso se confirma a cada dia. Ora, quando cunhou o termo biopoder, Michel Foucault tratava de descriminá-lo, esse biopoder, de um regime anterior denominado soberania. O que era o regime de soberania? Consistia em fazer matar e deixar viver os demais. Cabia ao soberano a prerrogativa de matar de maneira espetacular os que ameaçassem o seu poderio, e cabia ao soberano deixar viver os demais. Já no contexto biopolítico surge uma nova preocupação, segundo Foucault. Não cabe ao poder fazer morrer, mas sobretudo fazer viver, isto é, cuidar da população, da espécie, dos processos biológicos, cabe ao poder otimizar a vida. Gerir a vida em todas as suas dimensões, mais do que exigir a morte. Assim, se o poder, num regime de soberania, consistia num mecanismo de supressão, de extorsão, seja da riqueza, do trabalho, da força, do sangue, culminando com o privilégio de suprimir a própria vida, no regime subsequente de biopoder ele passa a funcionar na base da incitação, do reforço, da vigilância, visando a otimização das forças vitais que ele submete. Ao invés então de fazer morrer e deixar viver, trata-se de fazer viver e deixar morrer. O poder investe a vida, não mais a morte. Daí porque se desinvestiu tanto a própria morte, que antes era ritual, espetacular e hoje é anônima, insignificante. Claro que o nazismo consiste num cruzamento extremo entre soberania e biopoder, ao fazer viver ao máximo a raça ariana e ao fazer morrer ao máximo as raças ditas inferiores, um em nome do outro. Mas, segundo Giorgio Agamben, o poder contemporâneo já não se incumbe nem de fazer viver, como postulava Foucault, nem de fazer morrer, como antigamente era a incumbência do regime de soberania. Mas o biopoder contemporâneo, o poder sobre a vida, faz sobreviventes, cria sobreviventes e produz sobrevida – é a produção da sobrevida. O biopoder contemporâneo teria essa incumbência, de produzir um espaço de sobrevida biológica, reduzir o homem a essa dimensão residual, não humana, vida vegetativa, que o mulçumano por um lado, no caso dos campos de concentração nazistas, ou os neo-mortos das salas de terapia intensiva, quando se quer prolongar a qualquer custo a vida, mesmo que seja uma vida absolutamente impotente, encarnam. A sobrevida é a vida humana reduzida ao seu mínimo biológico, é a vida sem forma, reduzida ao mero fato biológico. É o que Agamben chama de vida nua. Mas engana-se quem apenas vê vida nua na figura extrema do mulçumano, sem perceber o mais assustador: de certa maneira, somos todos mulçumanos.
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O corpo Estamos às voltas, em todo caso, com o registro de uma vida biologizada, reduzidos ao mero corpo, do corpo excitável ao corpo manipulável, do corpo espetáculo ao corpo auto-modulável: é o domínio da vida nua. Continuamos na esfera da sobrevida, da produção maciça de sobreviventes, no sentido amplo do termo, mesmo que os sobreviventes sejam de classe média ou alta, ou no extremo luxo do consumo. Tomemos a título de exemplo o superinvestimento do corpo que caracteriza nossa atualidade. Desde algumas décadas, o foco do sujeito deslocou-se da intimidade psíquica para o próprio corpo. Hoje, o eu é o corpo. A subjetividade foi reduzida ao corpo, a sua aparência, a sua imagem, a sua performance, a sua saúde, a sua longevidade. Por um lado, trata-se de adequar o corpo às normas científicas da saúde, longevidade, equilíbrio, por outro, trata-se de adequar o corpo às normas da cultura do espetáculo, conforme o modelo das celebridades. O corpo se tornou também um pacote de informações, um reservatório genético, um dividual estatístico, com o qual somos lançados ao domínio da biossociabilidade (“faço parte do grupo dos hipertensos, dos soropositivos” etc.), isto só vem fortalecer os riscos da eugenia.
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CONTEXTUALIZAÇÃO Para introduzir o leitor ao tema, este capítulo apresenta um breve panorama do envelhecer em diferentes partes do mundo e, no Brasil, como a ideia de envelhecimento mudou do século passado para cá. Além disso, aponta a diferença entre os conceitos de envelhecimento e longevidade. Relaciona algumas palavras que surgem em decorrência do contexto em que vivemos - novas palavras para um novo olhar sobre a velhice.
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Retrato Eu não tinha este rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro, nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo. Eu não tinha estas mãos sem força, tão paradas e frias e mortas; eu não tinha este coração que nem se mostra. Eu não dei por esta mudança, tão simples, tão certa, tão fácil: - Em que espelho ficou perdida a minha face? Cecília Meireles
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O ENVELHECER EM DIFERENTES PARTES DO MUNDO A população mundial está envelhecendo. Em todo o mundo, as pessoas estão vivendo mais tempo graças aos avanços na saúde, nutrição e tecnologia. Esta mudança da população traz consigo incríveis possibilidades – mas também um novo conjunto de desafios. O escritor e estudioso Jared Diamond examina as enormes diferenças de como as comunidades em todo o planeta veem e tratam seus cidadãos idosos. Alguns grupos reverenciam e respeitam os seus membros mais velhos, enquanto outros os olham como senis e incompetentes, tornando-os alvo de piadas. Em algumas sociedades, os filhos cuidam de seus pais em casa; em outras, os filhos colocam seus pais em casas onde outras pessoas cuidam deles. Algumas culturas veem seus idosos como um fardo e gasto e optam por abordagens mais violentas para atendimento ao idoso. Aqui está uma amostra de como as pessoas em todo o mundo tratam o pessoal mais velho. Quem é considerado velho? A ONU considera que a pessoa começa a ser idosa aos 60, e celebra o Dia Internacional do Idoso em outubro de cada ano para reconhecer as contribuições de idosos para a sociedade. O valor reconhecido dos idosos é um fator importante para determinar se eles são respeitados ou não. Isto pode ser em função de quem é considerado velho e quando. Nos Estados Unidos, um idoso é definido como alguém que tem 65+. Na Nova Guiné, qualquer pessoa com 50 anos ou mais é considerada “lapun”, ou um “homem velho”. Esta lacuna de 15 anos tem amplas implicações, pois os dois grupos tendem a ter diferentes capacidades físicas e mentais em diferentes idades. Onde é que os idosos vivem? O ensino confucionista da piedade filial molda as condições de vida dos idosos na Ásia. Cerca de três quartos dos pais japoneses idosos vivem com seus filhos adultos, um padrão replicado na Coreia e China. Lei dos Direitos dos Idosos da China ordena que os filhos visitem seus pais com frequência, não importa o quão longe eles vivem. Se os filhos não obedecerem, eles podem enfrentar multas ou penas de prisão. “Nós educamos nossos filhos a cuidarem de nós quando envelhecemos”, disse um idoso chinês à BBC. Mas, claro, não é preciso ideais de Confúcio para valorizar o tempo com os idosos. O artigo 207 do Código Civil francês de 2004 exige que os filhos adultos “mantenham contato” com seus pais idosos. A lei foi aprovada, de acordo com um artigo na The Week, em resposta a um estudo que mostrou uma alta taxa de suicídios de idosos na França (e uma onda de calor em que 15.000 pessoas morreram na sua maioria idosos). Na Índia e no Nepal, a tradição tem sido do casal recém-casado morar com a família do noivo, no que é chamado de arranjo “patrilocal”. Mas de acordo com Pesquisa de Desenvolvimento Humano India da Universidade de Maryland, deslocamento de forças econômicas estão redefinindo os padrões de residência. Como partes do país estão se urbanizando, os filhos estão se mudando para bem distante de seus pais. Os governos indiano e nepalês estão abordando isso, desenvolvendo programas estatais de cuidados a idosos.
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Como é que as pessoas descrevem os idosos? A atitude de uma cultura em relação a idosos muitas vezes se reflete na sua língua. Sufixos honoríficos como “-ji” em hindi adiciona um nível extra de respeito às pessoas importantes – como Mahatma Gandhi, que é muitas vezes referido como Gandhiji. A palavra “mzee” em Kiswahili – falado em muitas partes da África – é um termo usado por falantes mais jovens para comunicar um alto nível de respeito pelos mais velhos. A palavra havaiana “kupuna” significa “anciãos”, com a conotação adicional de conhecimento, experiência e especiais. No Japão, o sufixo “-san” é usado frequentemente para anciãos e revela profunda veneração da nação para o mais velho. O país detém um Dia Anual do Respeito aos Mais Velhos, em que a mídia divulga várias matérias sobre os cidadãos japoneses idosos. Os japoneses também veem o 60º aniversário de uma pessoa como um grande evento. “Kanreki”, como a celebração é chamada, marca um rito de passagem para a velhice. Quais alimentos os idosos comem? Em todo o mundo, é possível notar que uma série de sociedades tradicionais reservam determinados alimentos para os idosos. Em Nebraska, apenas os membros idosos dos índios Omaha comem medula óssea – eles acreditam que se os homens jovens comerem eles vão torcer o tornozelo. Da mesma forma, os Iban de Bornéu aconselham que apenas homens velhos comam carne de veado, porque se o jovem sentir o gosto, poderia ficar tímido. Na Sibéria, os Chukchi acreditam que o leite de rena faz homens jovens impotentes e mulheres jovens terem pouco peito, por isso é reservado apenas para as pessoas mais velhas. Os aborígines Arunta, que vivem perto de Uluru na Austrália, tem fortes tabus alimentares, acreditando que comer determinados alimentos pode levar a uma “série de consequências terríveis para os jovens.” Eles acreditam que comer papagaios criará um buraco na cabeça e queixo de um homem jovem. Se jovens Arunta comerem gato selvagem, desenvolverão feridas dolorosas e mau cheiro em sua cabeça e pescoço. Enquanto isso, as mulheres jovens que comerem as caudas de canguru envelhecerão prematuramente e ficarão carecas. O consumo de codorna levará ao desenvolvimento atrofiado da mama e, inversamente, ingerir falcões marrons levará os seios a incharem e explodirem, sem produzir leite. Os idosos têm poderes especiais? Muitos idosos são respeitados por causa de habilidades altamente especializadas. Por exemplo, avós havaianas são reverenciadas por seu conhecimento único e habilidade em criar colares ornamentados e acessórios de penas. Da mesma forma, uma mulher idosa na Nova Guiné era a única pessoa viva que testemunhou um tufão devastador, então seu povo olhou para ela em busca de orientação sobre que plantas seriam seguras para comer, se outro desastre acontecesse. Sociedades ocidentais também associam a experiência com a idade – a idade média para um presidente dos Estados Unidos é de 54; a idade média para um juiz da Suprema Corte é de 53.
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Certas sociedades levam isso ainda mais adiante e atribuem poderes mágicos para os idosos. O povo Huaorani do Equador acredita que os xamãs idosos, chamados de “mengatoi”, são dotados de poderes mágicos. Esses curandeiros idosos sentam com os enfermos para canalizar seus espíritos animais e encontrar uma cura para a doença. Como é o fim da vida? Decisões de fim de vida variam drasticamente entre as culturas. Algumas sociedades fazem todo o possível para manter seus idosos vivos; outros grupos veem os membros antigos e frágeis como um fardo e tomam medidas para acabar com suas vidas. Diamond observa que o chamado “eldercide” desses grupos normalmente acontece em comunidades que são nômades ou que vivem em climas ásperos com recursos limitados. De acordo com um estudo realizado pela American Ethnologist, os Chukchi da Sibéria praticam a morte voluntária, em que um velho solicita morrer na mão de um parente próximo quando ele já não está em boas condições de saúde. E os índios Crow nos EUA e tribos nórdicas na Escandinávia seguem práticas similares – os idosos se colocam em uma situação impossível, como fazer uma viagem sozinho para o mar. Os Ache do Paraguai deixam seus homens vagarem e morrerem na “estrada do homem branco”, e – talvez surpreendentemente para alguns – eles matam mulheres idosas, quebrando seus pescoços. Por outro lado, a ilha grega de Ikaria parece ter magia de prolongar a vida em seu solo, observou o The New York Times. Os moradores desta pequena ilha do Mediterrâneo são quatro vezes mais propensos do que os seus homólogos americanos de viverem até os 90, e vivem, em média, oito a dez anos a mais depois de ser diagnosticado com câncer ou doença cardiovascular. Seus moradores não se apressam com a vida: eles ficam acordados até tarde, comem azeitonas Kalamata, bebem chá de montanha e nadam na água cristalina. A resposta para a longevidade desta ilha, provavelmente, encontra-se em seus hábitos alimentares e estilo de vida descontraído, mas ninguém pode definitivamente explicar a mágica por trás desta ilha de centenários.
TRECHOS DO ARTIGO “VELHICE NO BRASIL: ENTRE DESTINO E HISTÓRIA” Denise Bernuzzi de Sant’Anna - Professora livre-docente de História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Velhice é uma palavra pouco utilizada pelos meios de comunicação de massa da atualidade. Em seu lugar, usa-se com maior assiduidade a expressão “terceira idade”, ou o otimista atributo de “melhor idade”. Da mesma maneira, em vez de “velho”, prefere-se dizer “idoso”. Tais mudanças no vocabulário não resultam simplesmente de modismos ou de uma evolução limitada à linguagem. Elas exprimem transformações sociais bastante amplas, ocorridas ao longo das últimas décadas e que influíram diretamente nas maneiras de conceber e de lidar com os velhos ou idosos.
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Assim, por exemplo, antes de meados do século XX, quando “velhice” era um termo relativamente comum em revistas e jornais brasileiros, dizia-se que vários problemas da velhice podiam ser amenizados com o uso de xaropes, licores, entre diferentes medicamentos destinados à recuperação das forças físicas. Era comum chamar alguém com 30 anos de “pessoa madura”, tanto quanto era usual designar aqueles que haviam passado dos 40 de “gente velha”. As cirurgias estéticas eram raras e as mulheres que recorriam a tais procedimentos tendiam a ser consideradas excessivamente vaidosas e moralmente suspeitas. A menopausa feminina era considerada o fim da vida sexual das mulheres. A expectativa de vida estava longe de ser a mesma vigente em nossos dias, assim como eram diferentes as possibilidades científicas e tecnológicas para melhorar a saúde e obter alguma jovialidade. A partir de 1950, a sociedade brasileira tornou-se mais urbana que rural, ao passo que, nas grandes cidades, a família nuclear iniciou uma rotina dependente de automóveis e eletrodomésticos, além de roupas, remédios e alimentos industrializados. Progressivamente, um crescente mercado voltado a produtos para a saúde e o rejuvenescimento ganhou força mundial e sua publicidade não cessou de difundir a ideia de que era possível melhorar sempre um pouco mais o desempenho físico de todos os jovens e idosos. Em 1945, conforme a Organização Mundial da Saúde definiu, saúde devia ser entendida também como sendo sinônimo de bem-estar. E este deveria fazer parte de todas as idades da vida. Mas, desde os anos de 1980, quando a expectativa de vida dos brasileiros estava em torno dos 62 anos, o termo “velhice” deixou de ser comum na mídia. Foi quando, em vários países, surgiram campanhas em prol do aumento da consciência dos direitos dos idosos, da necessidade de reconhecê-los e cuidar de seus problemas, atendendo as suas carências. Em 2003, depois de alguns anos de tramitação no Congresso Nacional, o Estatuto do Idoso, referente às pessoas acima de 60 anos, foi finalmente aprovado no Brasil. Desde então, as atividades de lazer, turismo e cultura para a terceira idade ganharam uma visibilidade inédita no país, contribuindo para mudar antigos significados do envelhecimento e da velhice.
ENVELHECIMENTO E LONGEVIDADE NO BRASIL José Eustáquio Diniz Alves - Doutor em demografia e professor titular do mestrado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE. Envelhecimento e longevidade são dois conceitos correlacionados, mas que têm acepções diferentes. Segundo o dicionário Houaiss: - Longevidade é característica ou qualidade de longevo; duração da vida mais longa que o comum. - Envelhecimento é ato ou efeito de envelhecer; ato ou efeito de tornar-se velho, mais velho, ou de aparentar velhice ou antiguidade. A longevidade da população cresceu muito durante o século XX. É cada vez maior o número de pessoas vivendo acima dos 100 anos de idade, embora pouquíssimas ultrapassem os 115 anos. Com novas tecnologias e avanços médicos a tendência é de aumento progressivo na longevidade humana. Quanto mais longeva, mais envelhecida é a pessoa.
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Nesse sentido, os dois conceitos possuem acepções semelhantes. Mas envelhecimento, em termos demográficos, é um processo mais complexo. Em primeiro lugar é preciso definir a idade de corte para definir o idoso, idade esta que varia historicamente e possui início diferente conforme os objetivos de uma pesquisa ou de uma política pública. Por exemplo, o Estatuto do Idoso no Brasil define o começo da “terceira idade” aos 60 anos: “Art. 1º É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 anos”. Já o Benefício de Prestação Continuada – BPC/LOAS – considera a população idosa, para efeito de recebimento do benefício, a partir de 65 anos. Porém, qualquer que seja a idade de início da categoria idoso, o envelhecimento populacional é um conceito que mede a proporção de pessoas idosas na população. Evidentemente a longevidade contribui para o envelhecimento, mas o que mais influencia este fenômeno é a redução da fecundidade, pois o nascimento de menos crianças faz com que a base da pirâmide etária se estreite, enquanto a alta proporção de crianças que nasceram no passado vão se tornando adultos e, depois, idosos. Estas mudanças são chamadas de transição da estrutura etária. Desta forma, com a população idosa crescendo em ritmo superior ao dos outros grupos etários, o envelhecimento populacional brasileiro é inevitável. Quanto menor for a fecundidade, maior será a proporção de idosos no país, podendo chegar a um idoso para cada quatro brasileiros, em meados do atual século. Ou seja, a população brasileira está envelhecendo e ficando mais longeva. Mas, se por algum motivo, as taxas de fecundidade aumentassem, haveria uma situação em que a estrutura etária da população iria rejuvenescer, mesmo com a continuidade do aumento da longevidade. Portanto, para entender o processo de envelhecimento populacional é preciso olhar para a pirâmide como um todo e observar os números absolutos e relativos, assim como as relações entre os grupos etários.
NOVAS TERMINOLOGIAS - PALAVRAS E SEUS USOS Envelhecimento Ativo - O conceito de Envelhecimento Ativo da OMS captura essa visão positiva e holística do envelhecimento e a utiliza tanto como aspiração individual quanto como meta de políticas. Aplica-se igualmente a indivíduos e sociedades. O Envelhecimento Ativo é o processo de otimização de oportunidades para a saúde, a aprendizagem ao longo da vida, a participação e a segurança para melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas envelhecem. Gerofobia - termo que se usa para descrever os preconceitos e estereótipos, em relação às pessoas idosas, fundados unicamente em sua idade. Gerontobofia – Medo mórbido de envelhecer. Gerontolescência - Conforme a Revolução da Longevidade ganha impulso, uma fase de transição contemporânea vai sendo engendrada, delineada mais por marcadores funcionais do que pela idade. Muitos observadores consideram que represente um estágio do
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desenvolvimento humano singular e sem precedentes. Também chamada de “final da meia idade” por alguns, em referência à manutenção da saúde e das atividades da meia idade. Gerontolescente - É a geração que lutou contra o racismo, a homofobia e o autoritarismo político, é a favor dos direitos da mulher, do empoderamento dos cidadãos e da liberdade sexual. É uma geração que se sente confortável em se fazer ouvir e está reinventando a forma como se vive e se percebe a velhice. Idadismo - tradução portuguesa do termo inglês “ageism”, é uma forma ainda muito pouco discutida de preconceito baseado na idade que ocasiona a discriminação contra as pessoas vistas como idosas.
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SAÚDE CORPO E MENTE Este capítulo trata a questão da longevidade tendo em vista as diferentes perspectivas da ciência e medicina. São autores brasileiros e estrangeiros com as mais diferentes formações e perspectivas. São aqui apresentadas sínteses de pensamentos fundamentais para o tema como os de Alexandre Kalache e Dráuzio Varella, além de entrevistas especialmente produzidas para esta pesquisa e outras colhidas em diversos suportes. A cientista Lygia Pereira fala sobre ciência e bioética. Entre o material mais inusitado apresentado aqui, discutimos a perspectiva da farmácia como construção da subjetividade através do filósofo Paul Beatriz Preciado (homem-trans). Destacamos a importância de se pensar a memória, em uma obra como "O Último Suspiro", de Buñuel e em uma entrevista de Bauman.
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Oração Ao Tempo És um senhor tão bonito Quanto a cara do meu filho Tempo, tempo, tempo, tempo Vou te fazer um pedido Tempo, tempo, tempo, tempo Compositor de destinos Tambor de todos os ritmos Tempo, tempo, tempo, tempo Entro num acordo contigo Tempo, tempo, tempo, tempo Por seres tão inventivo E pareceres contínuo Tempo, tempo, tempo, tempo És um dos deuses mais lindos Tempo, tempo, tempo, tempo Que sejas ainda mais vivo No som do meu estribilho Tempo, tempo, tempo, tempo Ouve bem o que te digo Tempo, tempo, tempo, tempo Peço-te o prazer legítimo E o movimento preciso Tempo, tempo, tempo, tempo Quando o tempo for propício Tempo, tempo, tempo, tempo
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De modo que o meu espírito Ganhe um brilho definido Tempo, tempo, tempo, tempo E eu espalhe benefícios Tempo, tempo, tempo, tempo O que usaremos pra isso Fica guardado em sigilo Tempo, tempo, tempo, tempo Apenas contigo e comigo Tempo, tempo, tempo, tempo E quando eu tiver saído Para fora do teu círculo Tempo, tempo, tempo, tempo Não serei nem terás sido Tempo, tempo, tempo, tempo Ainda assim acredito Ser possível reunirmo-nos Tempo, tempo, tempo, tempo Num outro nível de vínculo Tempo, tempo, tempo, tempo Portanto, peço-te aquilo E te ofereço elogios Tempo, tempo, tempo, tempo Nas rimas do meu estilo Tempo, tempo, tempo, tempo Caetano Veloso
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ENTREVISTA COM ALEXANDRE KALACHE: “O BRASILEIRO É PRECONCEITUOSO COM A VELHICE” Graduado no Rio, Kalache partiu para um mestrado na Inglaterra em 1975. Lá, teve um estalo: os brasileiros e o restante do mundo, a exemplo do que observava entre os ingleses, também passariam a envelhecer. Durante os 34 anos em que esteve longe do país natal, Kalache se tornou doutor em Saúde Pública pela Universidade de Oxford e trabalhou por 14 anos como diretor do Programa Global de Envelhecimento e Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS). Hoje morando no Rio, ele é presidente do Centro Internacional de Longevidade Brasil e copresidente da Aliança Global, que reúne centros de 17 países. O gerontólogo fez proposições inovadoras, como a ideologia do envelhecimento ativo, segundo a qual viver bem pressupõe ter acesso a saúde, conhecimento, capital social (pessoas com quem contar) e recursos financeiros. Para ele, é fundamental sempre pensar no futuro. O Brasil envelheceu rápido demais, fenômeno que o senhor chama de revolução da longevidade, e envelheceu antes de enriquecer. Quais as consequências disso? É um grande desafio, agravado agora por uma crise gigantesca. Não temos modelo para ver o que outros países fizeram em circunstâncias similares. A essa velocidade, vamos dobrar a proporção de idosos nos próximos 17, 18 anos: de 12,5% para 25%. É muito rápido. Já seria muito rápido para um país rico e estruturado. E ainda temos um legado complicado, uma população que está envelhecendo com problemas de saúde crônicos que pesam, que poderiam ter sido evitados. O Canadá hoje tem o dobro da proporção de idosos do Brasil: 25%. Em 2050, segundo a ONU, o Brasil terá 31% de idosos, e o Canadá, 30%. Mas o Canadá tem a casa em ordem, um excelente sistema de saúde, um ensino público fantástico, estradas, infraestrutura. Nós ainda estamos tentando resolver esses problemas. E os brasileiros que estão envelhecendo tiveram precariedades ao longo da vida. O canadense está envelhecendo com uma saúde que sempre foi boa, com acesso aos serviços. Hoje, no Brasil, um terço dos idosos são analfabetos. Não é só ser um país com graves deficiências de desenvolvimento socioeconômico, é ter uma população que sofre em decorrência disso. O senhor não gosta de definir cronologicamente a velhice. Quem é velho? Você precisa de uma definição porque precisa planejar serviços. A coisa mais pragmática e operacional é a idade. Mas o que quer dizer ter 60 ou 70 se você está com boas condições de saúde, capacidade funcional, independência? Tenho 70 anos, continuo contribuindo com a sociedade, você me buscou, está interessada em ouvir a minha opinião. Por quê? Estou atualizado, ativo, continuo trabalhando pelo mundo afora. Qual é o estereótipo dos 70 anos? Será que é o do meu avô, que morreu mais jovem do que sou hoje, arrastando chinelo, de pijama, para ir ler o jornal na varanda? Não. Quando falamos somente na idade cronológica, inevitavelmente caímos em estereótipos, e temos que mudar isso, mudar a construção social do que é ser uma pessoa idosa. Hoje, mundialmente, há a emergência da geração dos baby boomers. Temos força porque somos numerosos, nascidos depois da guerra, com um nível de saúde mais alto do que qualquer geração anterior. Somos os primeiros privilegiados pela tecnologia médica. Até a II Guerra, não existia antibiótico, marca-passo, eram poucas as vacinas. Essa geração está envelhecendo com mais saúde, mais bem informada, porque a escolaridade aumentou, e com mais dinheiro no bolso. Participamos do movimento de liberação sexual, das lutas contra o apartheid, das revoluções simbolizadas pelos Beatles, pela Tropicália, a luta contra a ditadura. Tudo isso está escrito no meu
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DNA, então não vai ser agora que vou me conformar, botar o chinelo, o pijama e ir para a varanda ler jornal. O senhor difunde o termo “gerontolescência”. Daqui a 15, 20 anos vamos pegar o dicionário e ler o que é gerontolescência da mesma forma que lemos hoje o que é adolescência. A adolescência dura cinco ou seis anos, mas a gerontolescência será um período muito mais longo, de 25, 30 anos, iniciado a partir dos 55, 60 anos. Imagine esse tempo todo para experimentar, se rebelar, virar a mesa. Você já não quer as coisas que queria antes. Estou liberado, não tenho filhos pequenos (é pai de Pedro, 42 anos, e Julia, 37), não tenho que pagar universidade, não estou preocupado em fazer carreira. Chega um momento de liberação que você quer pôr essa energia para fora e continuar contribuindo para a sociedade. Isso eu chamo ser gerontolescente. A definição etária cronológica é muito pobre para esse momento de criar uma nova construção social, uma nova forma de envelhecer. Muitos não gostam da expressão “melhor idade”. O que o senhor acha? Está totalmente defasada. É um conceito cheio de ranço, de discriminação. A melhor idade é aquela em que você vive bem, satisfeito consigo mesmo. Pode ser aos 20, aos 40, aos 60 e se prolongar. Quando estou na fila para o check-in e ouço “passageiros da melhor idade”, dá vontade de dar uma bengalada (risos). É um eufemismo e está deixando de ser usado. Não precisa me paternalizar, tampouco me infantilizar. Só porque fiquei mais velho tem de chamar de melhor idade? O brasileiro é preconceituoso com a velhice? Muito. Temos um compromisso com a juventude. O belo é o jovem, a pele lisa, as formas perfeitas, a malhação. Não é à toa que temos as taxas mais altas de cirurgia plástica no mundo. Todas as sociedades, de uma forma ou de outra, têm um ranço preconceituoso. A longevidade, do ponto de vista histórico, é algo muito recente, mesmo nos países mais desenvolvidos, que primeiro envelheceram. A expectativa de vida mais alta em 1900 era na Alemanha, na Austrália, e não passava de 50 anos. Ainda estamos nos adaptando. Não é à toa que o símbolo universal do envelhecimento ainda é uma figura curvada com uma bengala na mão. Já fiz isso com plateias de milhares em congressos internacionais: pego as pessoas de surpresa, peço para fecharem os olhos e pensarem numa pessoa idosa que conheçam. “Quantas dessas pessoas idosas que vocês imaginaram têm uma bengala na mão?”, pergunto. É uma minoria. Não é que tenha algo de errado em ter uma bengala na mão, mas, coletivamente, quando você faz isso num auditório com milhares, você percebe que o símbolo universal é preconceituoso: a pessoa tem que ser frágil, curvada, se arrastando com uma bengala na mão. Temos que combater esses preconceitos, que levam a expressões tipo “vamos ser bonzinhos com os velhinhos”. Não quero que ninguém seja bonzinho comigo. Quero que me respeitem, e esse respeito não está associado à idade. Não quero que ninguém ache também que, por eu ser idoso, tenho que ser especialmente sábio, inteligente, interessante. A maioria das pessoas não é especialmente bonita, interessante, sábia. Por que essas pessoas comuns, à medida que envelhecem, para serem bem aceitas, têm que ser superinteligentes, charmosas, bonitas? Temos que respeitar o indivíduo como ele é.
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Muitos querem viver muito, mas com boa saúde física e mental. Não é um tanto ilusório esse desejo de superlongevidade saudável? As pessoas não costumam pensar “como vou estar daqui a 30, 60 anos?”. Gosto muito de falar com jovens, fazer com que pensem que eles têm um amanhã que vai depender do que fazem hoje. Quando peço às pessoas para que pensem na noite do seu aniversário de 85 anos, a imensa maioria imagina que vai estar bem, dentro de casa, celebrando com os netos, a família, os amigos. De vez em quando alguém se imagina fazendo uma viagem que nunca fez, escrevendo um livro. Todos estão ativos, lúcidos, com capital social, netos. Para isso, tem que investir. Tem gente que vai sofrer doenças crônicas, degenerativas, independentemente do seu comportamento. Aí, sinto muito, é uma condição hereditária, congênita. Mas a imensa maioria dos problemas pode ser prevenida com hábitos saudáveis, investindo em prevenção das doenças crônicas. E tem que caprichar para manter o capital social. Adulto ranzinza é muito chato, mas velho ranzinza ninguém tolera. Então, seja mais doce. Dou o exemplo do meu sogro, que faleceu há poucos anos, já muito velhinho, 104 anos, mas com senso de humor. Uma enfermeira um dia perguntou: “Quantos filhos o senhor tem?”. A resposta dele: “Por enquanto, só três”. Quando ele ia ao hospital, a faxineira, o recepcionista, o auxiliar de enfermagem, todo mundo ia lá conversar com ele, ouvir uma piada. O ranzinza acaba realmente só. À medida que você vai envelhecendo, vai ficando sobrevivente da sua geração. Minha mãe, antes do Alzheimer, dizia: “Ai, meu Deus. Olho para o meu caderno de endereços e tem cada vez mais gente riscada”. Você vai ficando isolado. Se não tiver um diálogo com a geração que precede... Quando ela tinha 75 anos, dizia: “Agora só faço amigo que seja pelo menos 20 anos mais jovem, senão vou acabar só”. Eu estou fazendo isso (risos). As pessoas precisam de uma razão para viver, e é comum os idosos alegarem que nada mais os impulsiona. Este é um dos desafios da velhice? É. Não só porque você tem perdas do ponto de vista pessoal, de saúde, financeiro, de capital social, porque as pessoas foram morrendo. É sobretudo existencial, você não tem mais projetos, um plano para o futuro, algo que te motive a sair da cama com alegria, que faça você se sentir útil. O mais importante é que as pessoas vivam pensando nesse futuro. As pessoas não percebem isso e acabam empurrando. É mais característico do homem. Quando o homem se aposenta, é um desastre. Ele investiu tudo no universo do trabalho, e de repente ele trabalhou até as cinco hoje e amanhã às nove ele está aposentado. Veja a perversidade de como foi traduzida a palavra Retirement (“aposentadoria”) para o português: te botam num aposento, você fica lá no fundo da casa. Quando inventaram a palavra, as pessoas moravam em casas grandes, e tinha um aposento nos fundos onde ficava o velho. Se você não brigar para estar na frente da casa, na frente da sociedade, é onde você vai acabar: nos aposentos da sociedade, escondido. Como há uma perda também financeira, você não vai ter o dinheiro para fazer aquelas viagens que sonhou, os prazeres que achava que teria depois de aposentado. Vai ter montes de tempo e não vai saber como preenchê-los. Vá fazer um trabalho voluntário, um mestrado, aprender mais, mexer no computador, para continuar motivado. Com essa longevidade, não é a velhice que se prolonga, é a vida que é mais longa. Quando a gente vivia até os 60 anos, num passado recente, a vida era uma corrida de cem metros. Você vinha com todo o gás para chegar ao fim. Hoje a vida é uma maratona. Você precisa ter estratégias, treino, objetivos. Não há interesse nenhum de chegar ao final dessa maratona aos trapos, sem qualidade. O resto a gente, de alguma forma, com-
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pensa. Perdas são inevitáveis. Quanto mais tempo você vive, mais perdas vai acumular. Mas se você mantiver a motivação, vai longe. Teme-se mais a velhice ou a morte? As pessoas estão com menos medo da morte, mas com muito medo do sofrimento que pode precedê-la. Em parte porque os nossos serviços de saúde não estão preparados para a morte. Médicos e enfermeiros são treinados hoje no Brasil como eu fui treinado 50 anos atrás. Aprendi anatomia em um atlas onde figurava um homem jovem, com todos os seus músculos, veias e artérias intactos, no apogeu dos seus 25 anos. Gosto muito de falar para os estudantes de medicina, olhando no olho: ou vocês vão fazer um esforço para aprender sobre envelhecimento, ou vocês vão errar muito. Vão matar pacientes na santa ignorância, não vão estar nem desconfiando que estão matando aquele paciente do qual tanto gostam. O senhor está muito bem. Além da rotina produtiva, ao que mais deve essa boa forma? Escolhi bem os meus pais (risos). Ter pais longevos e saudáveis até uma idade respeitável, isso ajuda, mas só 25%. O resto, 75%, é aquilo que você faz, como você vive, aquilo que você come. O brasileiro está ficando obeso, a epidemia de doenças cardiovasculares, obesidade, problemas osteomusculares, tudo isso é decorrência de uma dieta muito inadequada e de vidas muito sedentárias. O brasileiro é preguiçoso. Vai comprar pão a um quarteirão da casa e pega o carro. Não é só fazer exercício físico como se fosse treinar para ser um atleta, mas no dia a dia. Estou falando com você andando de um lado a outro do apartamento, me mexendo. É natural, já está incorporado. Sou muito privilegiado, moro de frente para a Avenida Atlântica, no edifício onde nasci e me criei. Meu sonho era um dia voltar a morar aqui. Consegui, deu certo, isso é qualidade de vida. Gosto muito de cozinhar, o que também me ajuda. Quando estou em casa, como supersaudável, compensa pelos pecadilhos das viagens. Mantenho meu computador em uma bancada, trabalho quase sempre de pé, está provado que faz bem para a saúde. Andar, procurar andar mais rápido, mover todas as suas articulações, isso tudo é muito importante. Fazer uma caminhada, uma higiene mental... O (jornalista e escritor) Zuenir Ventura, um cara maravilhoso, que está com 85 anos, diz que as melhores ideias que teve na vida foi caminhando em Ipanema. E ele continua fazendo isso todo dia.
ENVELHECIMENTO ATIVO Fonte: Centro Internacional de Longevidade Brasil (ILC-BR) Há 50 anos, o paradigma da medicina era aconselhar as pessoas de mais idade a fazerem repouso. Era clássica a imagem do velho de pijama, sentado na poltrona da sala, sem fazer qualquer esforço, sem andar, sem ir sequer à padaria. Esse paradigma foi totalmente rechaçado pela medicina atual. Hoje, entendemos que o envelhecimento ativo conduz ao envelhecimento saudável. Na verdade, essas expressões são quase sinônimas quando empregadas na literatura e nas recomendações cotidianas.
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O Envelhecimento Ativo é o processo de otimização de oportunidades para a saúde, a aprendizagem ao longo da vida, a participação e a segurança para melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas envelhecem. O conceito de Envelhecimento Ativo da OMS captura essa visão positiva e holística do envelhecimento e a utiliza tanto como aspiração individual quanto como meta de políticas. Aplica-se igualmente a indivíduos e sociedades. Atualmente, são considerados os Pilares do Envelhecimento Ativo: Saúde; Aprendizagem ao Longo da Vida; Participação e Segurança/ Proteção. A saúde é universalmente reconhecida como o requisito mais essencial para a qualidade de vida. A capacidade de participar de todas as esferas de atividade - trabalho, diversão, amor, amizade, cultura - depende, em grande parte, de ter saúde física e mental. A participação, por sua vez, contribui para uma boa saúde. A aprendizagem é um recurso renovável que melhora a capacidade de se manter saudável e de adquirir e atualizar conhecimentos e habilidades para permanecer relevante e melhor assegurar a segurança pessoal. Quanto mais saudável e instruído se é em qualquer idade, maiores as chances de se participar plenamente na sociedade. Saúde e conhecimento são, portanto, fatores chave para o empoderamento e a participação plena na sociedade. O Envelhecimento Ativo é um processo contínuo, um investimento de vida que se estende por toda ela. Quanto mais cedo se começa a otimizar as oportunidades de saúde, aprendizagem ao longo da vida, participação e segurança, maior a chance de desfrutar uma velhice com qualidade de vida. Políticas eficazes que abordem esses quatro pilares do Envelhecimento Ativo aumentarão enormemente a capacidade dos indivíduos de obter os recursos necessários à resiliência e ao bem-estar pessoal durante o curso de vida. A constituição biológica, os comportamentos pessoais e as disposições psicológicas influenciam sobremaneira o desenvolvimento da resiliência, mas, por sua vez, são moldados por fatores determinantes externos - a maioria dos quais é muito afetada por decisões políticas. Em 2002, a OMS promulgou um conjunto inter-relacionado de Fatores Determinantes do Envelhecimento Ativo.
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Desta forma, a cultura e o gênero foram considerados como fatore determinantes abrangentes e transversais que moldam as pessoas e o meio em que estão inseridas ao longo da vida. Os fatores determinantes e os comportamentos pessoais são específicos de cada pessoa. O ambiente físico, bem como os fatores determinantes sociais, econômicos, de saúde e de serviço social – constituem os fatores contextuais. A seguir, alguns princípios norteadores do Envelhecimento Ativo: - A atividade não se restringe à atividade física ou à participação na força de trabalho. Ser “ativo” abarca também o engajamento significativo na vida social, cultural, espiritual e familiar, bem como no voluntariado e em causas cívicas. - O Envelhecimento Ativo se aplica a pessoas de todas as idades, inclusive idosos frágeis, com alguma deficiência e que precisam de cuidados, assim como idosos que são saudáveis e ativos. - As metas do Envelhecimento Ativo são preventivas, restaurativas e paliativas e lidam com as necessidades de todo um espectro de capacidades e recursos individuais. Garantir a qualidade de vida de pessoas que não possam recobrar a saúde e o funcionamento é tão importante quanto estender a saúde e o funcionamento. - O Envelhecimento Ativo promove a autonomia e a independência assim como a interdependência - a troca recíproca entre indivíduos. - O Envelhecimento Ativo é uma abordagem baseada em direitos, e não em necessidades, que reconhece o direito das pessoas à igualdade de oportunidades e tratamento em todos os aspectos da vida à medida que se desenvolvem, amadurecem e envelhecem. Respeita a diversidade e cumpre todas as convenções, princípios e acordos de direitos humanos promulgados pelas Nações Unidas, com foco particular sobre os direitos das pessoas sujeitas à desigualdade e à exclusão ao longo da vida. Reconhece especialmente os direitos humanos da população idosa e os Princípios das Nações Unidas para o Idoso: independência, participação, dignidade, cuidado e autorrealização.
CUIDADOS COM O CORPO Fonte: Centro Internacional de Longevidade Brasil (ILC-BR) Alimentação Há amplo consenso científico de que uma dieta saudável em qualquer idade consiste em uma variedade de grãos integrais de alto teor nutricional, frutas e vegetais, leite e derivados com baixo teor de gordura, proteínas com baixo teor de gorduras saturadas e quantidades limitadas de carnes vermelhas, sal e açúcares. As mulheres pós-menopausa precisam de mais cálcio e vitamina D para minimizar a perda óssea. Embora se saiba muito sobre a alimentação saudável, o sobrepeso e a obesidade tomaram proporções epidêmicas. Essas são grandes preocupações nos países desenvolvidos e a prevalência está aumentando rapidamente nas regiões menos desenvolvidas, particularmente nas áreas urbanas. De 1980 a 2013, a prevalência global de sobrepeso e obesidade (índice de massa corporal acima de 25) subiu de 28,8% para 36,9% nos homens e de 29,8% para 38,0% nas mulheres. O preço muitas vezes mais alto dos alimentos mais saudáveis e nutritivos é um fator que dificulta a mudança dos hábitos alimentares - uma dieta branca (rica em açúcar, grãos refinados, ami-
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do, sal, gordura e álcool) é muito mais barata do que a seleção mais saudável que “traz cor à mesa”. A obesidade, em específico, é fator de risco para a diabetes tipo II, a hipertensão, a doença cardíaca, alguns tipos de câncer e a osteoartrite. As patologias crônicas relacionadas à obesidade dobraram desde 1990 e é possível que os ganhos em aumento da expectativa de vida sejam perdidos em consequência de obesidade. De fato, alguns estudos já preveem uma perda de anos de expectativa de vida devido à obesidade. O estilo de vida urbano é mais sedentário e os alimentos processados, ricos em gordura, sal e calorias, mas pobres em nutrientes, estão amplamente disponíveis como resultado da globalização dos mercados. A obesidade combinada à desnutrição é mais prevalente em pessoas de condição socioeconômica mais baixa porque os alimentos processados são baratos, trazem saciedade e há muita propaganda para vendê-los. Nos países menos desenvolvidos, as mulheres estão sujeitas a maior risco, pois apresentam taxas mais altas de obesidade do que os homens. Nos países mais desenvolvidos, homens e mulheres estão sujeitos a riscos igualmente altos. Em toda a África Subsaariana e em alguns países asiáticos, como a Índia, a subnutrição representa o maior risco de mortalidade. A desnutrição e o baixo peso são motivos frequentes de preocupação, especialmente em relação a idosos que vivem sozinhos na comunidade e os internados em hospitais e instituições de cuidado de longa duração, inclusive em países mais desenvolvidos. As causas são várias e incluem as perdas relacionadas ao envelhecimento do paladar, olfato e saciedade, o déficit cognitivo, as incapacidades físicas, problemas dentários que causam dificuldade em se alimentar, efeitos colaterais de alguns medicamentos, doenças crônicas e depressão. Idosos que vivem em suas próprias comunidades podem comer mal devido ao isolamento social e à pobreza. A ingestão inadequada de nutrientes contribui para a fragilidade, as quedas, o enfraquecimento do sistema imunológico, a cicatrização ruim e a depressão. Atividade física Os benefícios abrangentes, e de impacto ao longo de toda a vida, da atividade física regular em todas as idades para a saúde física, cognitiva e mental estão bem estabelecidos. O exercício é uma das ações mais importantes para promover o Envelhecimento Ativo. Nunca é tarde demais para colher os benefícios da atividade física. Ela reduz os riscos de doença cardíaca e acidentes vasculares, diabetes, câncer, depressão, quedas e declínio cognitivo; preserva a mobilidade, a força muscular, a resistência, a força óssea, o equilíbrio e a coordenação. Um grande estudo longitudinal com homens noruegueses concluiu que 30 minutos de qualquer atividade física seis dias por semana estão associados a uma redução de 40% da mortalidade acima dos 70 anos. Mostrou também que aumentar a atividade física é tão benéfico quanto parar de fumar para reduzir o risco de mortalidade. O nível de atividade física está, contudo, caindo em todas as idades e no mundo inteiro como resultado do estilo de vida cada vez mais sedentário. Os níveis de atividade física são mais baixos nas mulheres do que nos homens e são mais baixos na velhice em ambos os sexos. Sono O sono adequado é uma contribuição ao Envelhecimento Ativo pouco valorizada.
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Dormir regularmente duas horas a menos do que as oito horas recomendadas aumenta o risco de obesidade, diabetes e doença cardiovascular e reduz a resistência a infecções, além de prejudicar a aprendizagem, a memória e a resolução de problemas. Dormir cinco horas ou menos por noite pode aumentar o risco de mortalidade em até 15%. Pesquisas em países mais desenvolvidos mostram que a duração média do sono nos adultos diminuiu de oito para sete horas e que as queixas de dificuldade para dormir aumentaram. Desempregados e pessoas com condição socioeconômica mais baixa relatam mais problemas de sono do que outros grupos. Pessoas que trabalham de noite ou em sistema de plantão têm mais risco de desenvolver problemas de saúde a longo prazo, inclusive doença cardiovascular. É comum que os idosos tenham dificuldade de dormir adequadamente devido às mudanças normais relacionadas ao envelhecimento e também a patologias que causam distúrbios secundários do sono, como a osteoartrite e a próstata aumentada. Um estudo recente com pessoas acima dos 50 anos em seis países mostrou uma associação positiva entre o desempenho cognitivo, a duração do sono de seis a nove horas e a boa qualidade de sono relatada pelo sujeito. Os adultos que já sofrem privação crônica de sono podem ter menor resiliência e maior suscetibilidade a doenças à medida que envelhecem.
DETERMINANTES SOCIAIS DE SAÚDE ENTREVISTA EXCLUSIVA COM A DRA. MARIANA MALERONKA - Graduada em Medicina pela Universidade de São Paulo, mestrado em Medicina (Medicina Preventiva) pela Universidade de São Paulo e doutorado na Medicina Preventiva da Universidade de São Paulo. Atuou como médica de família e gerente de UBS na Fundação Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; como Diretora do Departamento de Atenção à Saúde Indígena do Ministério da Saúde. Atua atualmente como professora de graduação na área de Atenção Primária da Universidade da Cidade de São Paulo. São os aspectos econômicos que determinam qual parcela da população irá utilizar o sistema público de saúde e qual usará o particular. É possível apontar diferentes resultados no processo de envelhecimento entre essas duas parcelas da população? Em relação ao envelhecimento, não apenas o acesso a saúde pode ser considerado como um fator que diferencia o processo nas diversas classes sociais. Hoje trabalhamos com o conceito de determinantes sociais da saúde. Alguns pontos em relação ao envelhecimento podem ser destacados: 1. Condições socioeconômicas, culturais e ambientais gerais Apesar desses avanços, a desigualdade de renda persiste entre os idosos brasileiros. No Nordeste, 68% dos idosos residem em domicílios com renda familiar per capita menor que um salário mínimo, enquanto no Sul e no Sudeste este percentual está abaixo dos 35%. À desigualdade de renda soma-se a desigualdade de gênero, que coloca em desvantagem as idosas com histórico de escassa participação no mercado de trabalho, com benefícios mínimos de aposentadoria e inteiramente dependentes do sistema público de saúde.
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2. Condições de vida e de trabalho Essas condições e seus efeitos psicossociais são influenciados pelas condições socioeconômicas, culturais e ambientais gerais e constituem um dos principais mediadores através dos quais a estratificação socioeconômica influencia a situação de saúde de indivíduos ou grupos, bem como as desigualdades existentes entre eles. A maior parte dos idosos brasileiros (61%) coabita com familiares, como forma de suporte ou como alternativa à falta de recursos financeiros dos filhos para a manutenção de moradias próprias. Nesse âmbito há um longo percurso a ser trilhado para atingir a habitação saudável, que inclui a adequação de projetos arquitetônicos às limitações físicas e fisiológicas impostas pelo envelhecimento. Condições de emprego e trabalho a posição social e a desigualdade de renda encontram-se no eixo da determinação das condições de trabalho e, essas por sua vez, influenciam a situação de saúde do trabalhador e sua família. Há muitas evidências de que trabalhadores manuais são mais expostos a danos físicos e químicos quando comparados a administradores e profissionais liberais. Para muitos aposentados, a necessidade de manter-se no mercado laboral pode estar relacionada à insuficiência dos proventos para cobrir as despesas do dia a dia, agravada pelo descuido com a saúde em certas atividades, especialmente àquelas com prolongadas e cansativas jornadas de trabalho. Nesses casos, parte dos recursos é absorvida para a aquisição de medicamentos. Muitos avanços foram obtidos com programas como o Piso de Assistência Básica, o Programa Nacional de Imunização, o Programa de Alimentação e Segurança Nutricional e a Estratégia Saúde da Família. Contudo, as desigualdades sociais no acesso e na utilização de serviços de saúde ainda persistem. Para os usuários do SUS, a falta acesso aos serviços de saúde foi maior, embora 11,2% dos indivíduos com cobertura por planos de saúde também não tenham conseguido ser atendidos (no mesmo período de referência). 3. Redes sociais e comunitárias O empobrecimento do capital social tem sido apontado como um determinante social da saúde, o qual atua sobre o estilo de vida, sendo tão nocivo como o fumo, a hipertensão, a obesidade e o sedentarismo, fatores que influenciam diretamente as condições de saúde do indivíduo. O desgaste dos laços de coesão social em sociedades não equitativas tem explicado em grande medida por que sua situação de saúde é inferior à de sociedades em que as relações de solidariedade são mais desenvolvidas. Para muitas pessoas, em especial as idosas, as redes constituem o único recurso disponível para aliviar as cargas da vida cotidiana e aquelas que provêm da enfermidade. Entretanto, o idoso estando debilitado tende a enfraquecer a interação e os contatos afetivos e a colocar em risco o apoio social recebido, que se sustenta numa relação de reciprocidade. Dessa forma, as doenças e incapacidades do idoso podem contribuir para o isolamento social por limitar a sua participação na comunidade. A rede social reduzida, por sua vez, pode exacerbar a incapacidade original ou impor novas limitações no estilo de vida do idoso 4. Comportamentos e estilos de vida
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Os comportamentos e estilos de vida são considerados como determinantes proximais, por serem modificáveis pelos indivíduos. Entre aqueles com maior influência sobre a saúde dos idosos, destacam-se a dieta pouco saudável, a falta de atividade física, o tabagismo e o abuso do álcool. Esses fatores de risco modificáveis explicam parcialmente o perfil epidemiológico das doenças não-transmissíveis - as doenças cardiovasculares, diabetes, obesidade, câncer e doenças respiratórias -, que estão entre as principais causas de morte dos idosos brasileiros. Entre os idosos brasileiros, encontraram uma prevalência de 32,3% de sobrepeso e de 11,6% de obesidade. Para as mulheres, a chance de sobrepeso foi 1,32 vezes maior e de obesidade, 4,11. Os idosos portadores de doenças crônicas apresentaram maior risco de alterações do estado nutricional. Nos idosos foi encontrada uma prevalência de 31,4% de fumantes entre os homens e 10,3% entre as mulheres. A escolaridade igual ou superior a oito anos mostrou-se protetora tanto para homens quanto para mulheres. O consumo abusivo do álcool é considerado um fator de risco para doenças cardiovasculares, diabetes, doenças hepáticas, doenças cerebrovasculares, determinados tipos de câncer, acidentes de trânsito e violência, além de gerar impactos psicossociais. Em Pelotas/ RS, o consumo pesado de álcool (>30g/dia) apresentou uma prevalência de 14,3%, sendo 10 vezes maior entre os homens. A idade entre 60-69 anos revelou um consumo 2,5 vezes maior do que a idade entre 20-29 anos. Obs.: os dados estatísticos supracitados foram retirados do artigo “Determinantes sociais da saúde do idoso”, de Lorena Teresinha Consalter Geib.
PARA RETARDAR O ENVELHECIMENTO Drauzio Varella - médico oncologista, cientista e escritor A longevidade é a expectativa de esticar os limites de nossa permanência no mundo independe de melhorias ambientais. Para estendermos a longevidade, existe apenas uma estratégia: envelhecer mais devagar (o sonho de todos). A velocidade de envelhecimento dos órgãos depende de nossos genes. Como não nos é dado o privilégio de escolhermos os pais, só podemos contar com um caminho para a fonte da juventude: a sabedoria humana, habilidade por meio da qual povoamos a Terra e aprendemos a voar. Na década de 30, Clive McCay, da Universidade Cornell, observou que ratos mantidos com dieta de baixo conteúdo calórico viviam mais tempo. Como em outras descobertas relevantes, a comunidade acadêmica interpretou o achado como simples curiosidade. Afinal, a quem interessa aumentar a longevidade de ratos? Nos últimos 20 anos, diversos trabalhos provaram que McCay tinha razão: restrição calórica retarda o envelhecimento e aumenta a longevidade do animal. A mesma afirmação vale para seres unicelulares, pulga d’água, aranha, caranguejo, peixe, sapo, rato e, provavelmente, também para os primatas, nossos parentes mais próximos. As conclusões principais desses estudos sobre o envelhecimento são:
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1) Respeitados os limites da desnutrição, a expectativa máxima de vida é inversamente proporcional ao número de calorias ingeridas diariamente. Se dividirmos ratos geneticamente iguais em dois grupos, deixarmos o primeiro comer à vontade e cortarmos 50% das calorias do segundo, estes viverão muito mais tempo. 2) O exercício físico aumenta a sobrevida média de uma população, mas não altera o limite de idade de quem o pratica. Quer dizer o seguinte: se todos andassem míseros 30 minutos por dia, em São Paulo, haveria menos ataques cardíacos, diabetes e hipertensão. Como consequência, aumentaria a média de idade dos paulistanos (em vez de 70 anos, digamos, passaria para 73), a longevidade, é pena, permaneceria inalterada. É lógico que, em termos pessoais, mil vezes morrer de pneumonia aos 90 do que de infarto aos 40, por isso a atividade física é fundamental. Mas nem correndo uma maratona por dia o recorde de 120 e poucos anos será quebrado na espécie humana. 3) Por si, o grau de adiposidade não estica ou encurta os limites da vida. A chave mestra da longevidade é o número de calorias na dieta. Ratos portadores de um gene chamado ob-ob engordam só de olhar para a comida. Se tomarmos ratos em tudo idênticos a eles, exceto pela ausência do gene ob-ob, e alimentarmos os dois grupos com o mesmo número de calorias diárias, no final do experimento os portadores de ob-ob estarão mais obesos. Tem lógica: o gene ob-ob facilita o acúmulo de gordura. A presença desta, entretanto, não tem impacto na longevidade: gordo ou magro não faz diferença, é o número de calorias ingeridas que manda. 4) Embora uma dieta rica em frutas e verduras seja importantíssima para aumentar a expectativa de vida média da população e melhorar a qualidade de vida individual (o que não é pouco), não há evidência de que algum tipo de alimento, complemento nutricional, medicamento, sal mineral ou vitamina na dose que quiser aumente a longevidade dos bem-nutridos. O número de calorias é ditador absoluto, venham elas de onde vierem, da gordura ou da cenoura. A diferença é questão de quantidade: 500 calorias são meia dúzia de torresmos ou um saco até a boca de cenoura. A ciência do século XX deixou claro que qualidade de vida se persegue com dieta rica em frutas e verduras e parcimônia no consumo de açúcar e gordura. Retardar o envelhecimento para chegar bonito aos 100 anos, no entanto, será privilégio apenas dos que tiveram sorte com os genes e ingeriram menos calorias na dieta. Infelizmente. Não adianta ficar revoltado, a natureza é impiedosa.
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SAÚDE E OS SEGREDOS DA LONGEVIDADE POR MESTRE LIU CHIH MING “Meditação é uma forma de prática que pode recuperar a energia do corpo humano,aumentando sua resistência. Ela tem a capacidade de nos relaxar totalmente, equilibrando o yin e o yang, o sangue e a energia vital – tanto do terapeuta como do paciente. A meditação pode também ajudar o espírito do terapeuta a ficar mais concentrado, promovendo a união entre ser humano, céu e terra. Desta forma, ele pode aplicar sua intenção na terapia atingindo resultados mais eficazes. Já para o paciente, a meditação ajudará bastante o corpo a melhor receber o tratamento. Portanto, ambos os lados se beneficiam das práticas meditativas, harmonizando a essência, a energia e o espírito – segredos taoístas para se atingir saúde e serenidade” Liu Chih Ming Cada vez mais os brasileiros vêm procurando por terapias alternativas em lugares junto à natureza, adotando hábitos saudáveis para contrapor os malefícios causados pela baixa qualidade de vida nos grandes centros urbanos. Especializado em Técnicas da Medicina Tradicional Chinesa, e ministrando palestras sobre o tema “Saúde e Longevidade”, Mestre Liu tem alertado as pessoas de que cada um é responsável pela sua própria saúde. Mestre Liu aconselha as alternativas de tratamentos preventivos, baseadas em sua visão taoísta. Lançando mão de estatísticas, Mestre Liu aponta que, a cada cinco pessoas, três estão com colesterol alto a partir dos 50 anos. E ainda mais alarmante é constatar que as crianças vêm desenvolvendo doenças de adultos, como colesterol alto, diabetes, câncer e outras graves enfermidades. Estatísticas levantadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que 10% dos problemas de saúde estão relacionados à sociedade; 8% ao sistema de medicina; 7% ao clima; 15% são genéticos ou provocados por acidentes etc; e 60% está ligado a você mesmo. Segundo Mestre Liu, nosso organismo possui um relógio biológico que se ajusta com a natureza. Desde há bilhões de anos até agora a natureza não muda, mantendo o ciclo das 4 estações: Primavera, Verão, Outono e Inverno. Se observarmos uma árvore que segue os ciclos da Natureza com muita sabedoria, percebemos este ciclo: na Primavera aparecem as folhas verdes; no Verão, ficam cheias de flores; no Outono, elas armazenam, e surgem as frutas; e no Inverno, as folhas caem e a árvore guarda energia, que vai para a raiz. Sabiamente, elas sabem que se não seguirem esse ciclo, morrem. A árvore sabe cuidar de sua vida. A maioria dos humanos não sabe. Ele exemplifica: há muitas pessoas que no Inverno correm nos parques, transpiram e até tomam sorvetes. Está tudo errado. No Inverno, temos de reservar energia ao máximo, diminuir a atividade, para que na Primavera tenhamos energia de reserva. Observe os passarinhos, que saem cedinho procurando alimento e, de tarde, voltam para seus ninhos. Até as aves e animais sabem respeitar as estações, mas os humanos não sabem. Mestre Liu costuma orientar as pessoas para que mantenham uma alimentação
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regular e natural; atividade física regular e equilibrada, sem excessos, inclusive na atividade sexual; manter sua mente tranquila e estável; e, acima de tudo, que cuidar de sua vida diária em harmonia com a natureza.
ENTREVISTA EXCLUSIVA COM A DRA. ELIANE FOLLADOR Eliane Follador – Possui graduação em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e doutorado em Pneumologia pela Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Pneumologia, com ênfase em Psicologia e Educação. Conseguimos identificar o aumento do consumo de medicamentos na nossa sociedade nos últimos anos, em especial entre idosos? Se sim, o que se deve esse fator? O uso de medicação aumenta já a partir da quarta década de vida. No Brasil, estimase que 91% dos idosos fazem uso de algum tipo de medicamento e que por volta de um terço deles use 5 ou mais medicamentos. As causas do aumento do uso de medicação são muitas. Há as alterações típicas da idade e o aumento das doenças crônicas. 70% dos idosos sofrem de doenças crônicas que necessitam de tratamento farmacológico com uma ou mais drogas. Mas a questão do uso excessivo de medicamentos e o consequente aumento de complicações relacionados a isso é muito mais complexo do que isso. Obviamente vai depender da condição sócio-economica e cultural do idoso e do cuidado a que ele tem acesso. A questão da polifarmácia entre outras coisas, depende da comorbidade (número de doenças diagnosticadas), da falta de continuidade e de unidade no tratamento (o paciente é tratado por mais que um médico, a qualidade da consulta: não há pergunta sobre a medicação etc) e também da presença de automedicação. O Brasil, se comparado com outros países, pode ser considerado hipermedicalizado? A questão da polifarmácia não é uma questão brasileira. Em muitos países é descrito o uso excessivo de medicamentos e seus consequentes efeitos adversos. No Reino Unido, 2/3 dos idosos utilizam medicamentos prescritos ou não. Nos Estados Unidos, 40% dos medicamentos vendidos sem prescrição médica são comprados por idosos. A iatrogenia inerente à polifarmácia é a terceira causa de internação hospitalar nos Estados Unidos. A medicina padrão (alopática, não-holística), como praticada hoje, contribui para a hipermedicalização da 3ª idade? Se sim, quais os riscos? O modelo de intervenção médica vigente no ocidente implica em um risco de aumento de atuação médica desnecessária, pois tem um caráter medicalizador e intervencionista. Essa é uma questão complexa e bastante estudada na saúde pública e pela medicina preventiva. Em geral nesse modelo são menos considerados os fatores sociais e culturais e a intervenção médica tende a ser imposta como único modelo. O que tem sido estudado para se contrapor a isso é a abordagem baseada na pessoa, a medicina baseada em evidências (a busca de evidências científicas para a abordagem médica) e o centramento do cuidado na
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atençào primária da saúde. Outras racionalidades médicas, mais centradas na pessoa e na relação medico/paciente também adereçam essa questão de maneira mais completa. Também vale ressaltar a importância de ações educativas para assegurar a autonomia do idoso e o envelhecer saudável. Como é denominado, dentro da medicina, esse consumo excessivo de remédios? O termo para isso é polifarmácia (uso de 5 ou mais medicamentos). A gente pode dizer que os medicamentos de venda livre são os principais “vilões” nessa questão? Não tenho dados, mas não é a única causa. O acesso desinformado a medicações para tratar alterações como insônia e constipação acontece frequentemente. Do ponto de vista médico, quais as dicas para uma longevidade saudável? Os cuidados de saúde para uma vida saudável passam pela questão sócio economica: atendimento das necessidades básicas, como acesso ao saneamento básico, higiene e educação. Tem a ver com o estilo de vida, hábitos saudáveis como a prática de exercícios, o ritmo do sono, evitar o tabaco e o alcool, e uma boa alimentação. Mas, mais do que tudo, um senso de pertencimento e de relações sociais, com a construção de uma rede de relações (família e amigos) e um senso de propósito na vida.
GANHOS E PERDAS NA MEDICINA ATUAL Magali Cabral em Pagina22 – Revista da Escola de Administração de Empresas da FGV Apesar de avanços médicos notáveis, o tratamento do ser humano se fragmentou, a relação médico-paciente piorou e “fabricaram-se” novas doenças A história das ciências médicas passou por vários marcos terapêuticos. Citando os mais emblemáticos, eles vão desde a descoberta de um mundo microbiológico que proporcionou a incorporação do conceito de assepsia às práticas médicas, passando pelo surgimento da anestesia e do antibiótico, até chegar às tecnologias de ponta, como as pesquisas de células-tronco, que prometem “milagres” em um futuro breve, e a medicina personalizada, baseada nas variações moleculares e genéticas dos indivíduos. O progresso médico neste último século foi tão notável que, à primeira vista, parece haver hoje mais soluções tecnológicas envolvendo saúde do que propriamente patologias. O tema da longevidade traz um exemplo representativo de como o avanço da medicina, ao mesmo tempo que ajuda a prolongar vidas com qualidade, tem um lado não tão magnânimo. Até os anos 1990, as doenças típicas da meia-idade e o envelhecimento eram prevenidos com inocentes exercícios físicos, alimentação balanceada, algumas cápsulas de vitaminas e check-ups; e a estética, com cremes antirrugas, peelings e cirurgias plásticas. Mas o sonho de viver longamente agora vem com um plus tão irresistível quanto perigoso: envelhecer livre da angústia da decadência física.
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A indústria anti-aging Nos Estados Unidos, onde a pesquisa científica atira em todas as direções, envelhecimento, para muitos, virou sinônimo de doença. O mercado farmacêutico oferece pílulas de longevidade capazes de “tratar e curar” a velhice. O faturamento da chamada indústria anti-aging (antienvelhecimento) está chegando a impressionantes US$ 100 bilhões ao ano, e em 1990 esse setor nem sequer existia na economia. Os “elixires da juventude” oferecidos são confeccionados à base de hormônios bioidênticos, substâncias hormonais que possuem a mesma estrutura química e molecular dos hormônios produzidos no corpo humano, como o hormônio do crescimento, a testosterona, o estradiol, entre outros. A jornalista Arlene Weintraub, que trabalhou por dez anos como repórter científica na revista Business Week, investigou essa indústria e publicou um livro em que relata, em tom de denúncia, o surgimento desse mercado nos Estados Unidos (O livro é Selling the Fountain of Youth: How the anti-aging industry made a disease out of getting old – and made billions, que em tradução livre significa Vendendo a Fonte da Juventude: Como a indústria antienvelhecimento transformou o envelhecer). Um dos pontos que ela critica efusivamente é o fato de a legislação americana não exigir que as farmácias de manipulação – as mais usadas pelas clínicas antienvelhecimento – façam bulas ou rótulos com advertências sobre os efeitos colaterais das substâncias hormonais que compõem esses tratamentos. “Isso é uma tragédia”, alerta. Mas esse imperativo da medicalização não é prerrogativa dos Estados Unidos. No livro O Mito do Progresso, o escritor e cientista social Gilberto Dupas – vítima de um câncer em 2009 quando presidia o Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais e coordenava o Grupo de Conjuntura Internacional da USP – observa que a medicalização, atrelada à lógica do retorno do investimento da indústria farmacêutica e de equipamentos médicos, é atualmente “concentrada e transnacional”. Virou doença Inspirado nas pesquisas do sociólogo Frank Furedi, da Universidade de Kent, no Reino Unido, Dupas indignava-se com o fato de que determinadas características pessoais, que durante séculos foram classificadas como questões existenciais, agora recebem rótulos médicos e tratamento. “É o caso da boa e velha timidez, agora diagnosticada como fobia social”, relatou no livro. O uso de drogas para tratar distúrbios de hiperatividade por déficit de atenção também passou a ser trivial, inclusive no Brasil. Dupas criticava a falta de preocupação sistemática para identificar as razões que levavam essas pessoas à desatenção. “As drogas usadas nesse tipo de tratamento são estimulantes desestabilizadores do humor e podem deixar as pessoas emocionalmente instáveis”, advertiu. Segundo ele, o uso crescente do termo wellness (bem-estar total) também sugere que nunca se está totalmente são, mas potencialmente doente. “A partir do momento em que cada tristeza é convertida em distúrbio, ganha prestí-
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gio e função social aquele que se apresenta como curandeiro capaz de restabelecer o status quo, ou a situação anterior à desarmonia”, observa Barros Filho. Para ele isso é bem visível na Psiquiatria, especialidade que registra um aumento tão expressivo das doenças que não mais se atribuem nomes a elas, apenas códigos, em uma combinação de números e letras. O professor de Filosofia lembra também que, não faz muito tempo, a fonoaudiologia passou a defender um padrão de excelência vocal que se mostrou inalcançável. Ou seja, a partir desse padrão vocal todas as pessoas apresentam alguma anomalia no seu modo de falar. “É de uma conveniência máxima consagrar o mundo inteiro como paciente em potencial da fonoaudiologia”, ironiza. Essa ultraespecialização da medicina, a seu ver, atende a necessidades que estão relacionadas a uma espécie de “economia da gestão da vida”. E conclui: “Desse ponto de vista, é compreensível que se multiplique o número de doenças”. Existe, de fato, uma “tecnicalização” da saúde que interfere na relação médico-paciente. Quem diz isso é a imunologista e oncologista do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, Nise Yamaguchi, que, na busca de uma visão mais holística de seus pacientes, graduou-se também em Filosofia. Ela explica que é muito comum essa tecnicidade ocorrer dentro do sistema de saúde suplementar, onde se dão os convênios médicos. “É difícil construir uma relação individual personalizada com seu médico dentro de ambientes mais hostis, onde a relação humana não tem espaço e tempo preponderantes”, explica. Nesse caso, a medicina passa a ser muito baseada em exames, diagnósticos e intervenções do ponto de vista cirúrgico e medicamentoso. “Talvez uma boa parte desses procedimentos pudesse ser evitada dentro de uma medicina mais voltada para o indivíduo”, pondera. De qualquer modo, a relação com os pacientes é uma decisão pessoal do médico. “Tem a ver com uma formação pessoal e o compromisso com o outro. Não importa se o sistema contribui mais ou menos com o seu sustento; importa o que você resolve fazer.” A ultraespecialização da medicina, que fragmenta as pessoas em órgãos e membros, não ajuda na construção holística que a médica busca em seu trabalho, mas é importante. Segundo ela, não existe uma verdade única. “Apesar de ter autorização do Conselho Regional de Medicina, não serei a melhor opção para fazer cirurgia ortopédica em meus pacientes.” O especialista é habilitado para fazer certas coisas com melhor performance. E, nas patologias de alta complexidade, como câncer, doenças cardíacas ou problemas nefrológicos, a falta de um especialista pode inclusive ser fatal.
TRECHOS DO LIVRO “TESTO JUNKIE” Paul B. Preciado – filósofo e escritor. Ele pertence a uma geração de novos filósofos cosmopolitas que tentam imaginar uma transformação da sociedade, dos nossos modos de produção de valor e de conhecimento. Subversivo e radical, segue a tradição iniciada por Nietzsche, na qual a filosofia é um modo de vida Nasci em 1970, momento em que a economia do automóvel, que então parecia estar no auge, começava a declinar. O que hoje conhecemos como “fordismo”, a indústria do
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automóvel sintetizou e definiu um modo específico de produção de consumo, uma temporalização taylorizante da vida caracterizada por uma estética multicor e lisa do objeto inanimado, uma forma de pensar o espaço interior e de habitar a cidade, um agenciamento conflituoso do corpo e da máquina, um modo descontínuo de desejar e de resistir. Nos anos que se seguiram à crise energética e à crise das linhas de montagem, procurou-se por outros setores que cresceriam na nova economia global. É nessa época que os experts começaram a falar das indústrias bioquímicas, eletrônicas, informáticas ou da comunicação como novos suportes industriais do capitalismo. No entanto, parece bem possível desenhar uma nova cartografia das transformações da produção industrial durante o último século do ponto de vista daquilo que se transformaria progressivamente no negócio do novo milênio: a gestão política e técnica do corpo, do sexo e da sexualidade. Em outras palavras, hoje é filosoficamente relevante realizar uma análise sexo-política da economia mundial. Estamos sendo confrontados com um novo tipo de capitalismo: quente, psicotrópico e punk. Essas transformações recentes impõem um conjunto de novos dispositivos microprotéticos de controle da subjetividade por meio de protocolos técnicos biomoleculares e multimídia. Nossa economia-mundo depende da produção e circulação interconectada de centenas de toneladas de esteroides sintéticos e de órgãos, fluidos e células (tecnossangue, tecnoesperma, tecno-óvulo etc.) tecnicamente modificados; depende da difusão global de imagens pornográficas; depende da elaboração e distribuição de novas variedades de psicotrópicos sintéticos legais e ilegais (Bromazepam, Special K, Viagra, speed, crystal, Prozac, ecstasy, poppers, heroína); depende do fluxo de sinais e circuitos digitais de informação; depende de que todo o planeta se renda a uma forma de arquitetura urbana em que megacidades miseráveis convivem com altas concentrações de capital sexual. Esses são só alguns dos indicadores do surgimento de um regime pós-industrial, global e midiático que a partir de agora chamarei de “farmacopornográfico”. O termo se refere aos processos de governo biomolecular (fármaco-) e semiótico-técnico (-pornô) da subjetividade sexual, dos quais a Pílula e a Playboy são dois resultados paradigmático Durante a segunda metade do século XX, os mecanismos do regime farmacopornográfico serão materializados nos campos da psicologia, da sexologia e da endocrinologia. Se a ciência alcançou o lugar hegemônico que ocupa como discurso e como prática na nossa cultura, isto se deve, como notaram Ian Hacking, Steve Woolgar e Bruno Latour, a seu funcionamento como aparato material-discursivo da produção corpórea. A tecnociência estabeleceu sua autoridade material transformando os conceitos de psiquismo, libido, consciência, feminilidade, masculinidade, heterossexualidade, homossexualidade, intersexualidade e transexualidade em realidades tangíveis, que se manifestam em substâncias químicas e moléculas comercializáveis, em biotipos humanos, em bens tecnológicos geridos pelas multinacionais farmacêuticas. O sucesso da indústria tecnocientífica contemporânea consiste em transformar nossa depressão em Prozac, nossa masculinidade em testosterona, nossa ereção em Viagra, nossa fertilidade ou esterilidade em Pílula, nossa AIDS em triterapia, sem que seja possível saber quem vem antes: a depressão ou o Prozac, o Viagra ou a ereção, a testosterona ou a masculinidade, a Pílula ou a maternidade, a triterapia ou a AIDS. Esse feedback performativo é
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um dos mecanismos do regime farmacopornográfico. A sociedade contemporânea está habitada por subjetividades toxicopornográficas: subjetividades que se definem pela substância (ou substâncias) que abastece seus metabolismos, pelas próteses cibernéticas e por vários tipos de desejos farmacopornográficos que orientam as ações dos sujeitos e por meio das quais eles se transformam em agentes. Assim, nós falaremos de sujeitos-Prozac, sujeitos-cannabis, sujeitos-cocaína, sujeitos-álcool, sujeitos-ritalina, sujeitos-cortisona, sujeitos-silicone, sujeitos heterovaginais, sujeitos-dupla-penetração, sujeitos-Viagra, sujeitos-$. Não há nada para ser descoberto na natureza, não há um segredo escondido. Vivemos na hipermodernidade punk: já não se trata de revelar a verdade oculta da natureza; trata-se da necessidade de explicitar os processos culturais, políticos e tecnológicos por meio dos quais o corpo – como artefato – adquire um status natural. O biocapitalismo farmacopornográfico não produz coisas. Produz ideias móveis, órgãos vivos, símbolos, desejos, reações químicas e condições de alma. Em biotecnologia e pornocomunicação não há nenhum objeto a ser produzido. O negócio farmacopornográfico é a invenção de um sujeito e, em seguida, sua reprodução global.
ENTREVISTA EXCLUSIVA COM A CIENTISTA LYGIA PEREIRA Lygia da Veiga Pereira Carramaschi - professora universitária e pesquisadora brasileira. Desde 1997, atua na Universidade de São Paulo. É a responsável pelo estabelecimento de uma primeira linhagem brasileira de células-tronco embrionárias de multiplicação in vitro, disponibilizadas para outros grupos de pesquisa no país. Dessa forma, pesquisadores brasileiros ganharam certa independência em relação à importação dessas células, agilizando os estudos que a utilizam. Quais os maiores desafios hoje no estudo do genoma? A gente conhece hoje a sequência do genoma humano, mas cada um de nós tem pequenas variações, que fazem com que a gente seja absolutamente diferente um do outro.O desafio hoje é descobrir que variações dessas sequencias estão determinando cada uma das nossas características. Quais genes fazem eu ser mais alta? Quais determinam a cor do cabelo, pele, olho, etc? A partir das descobertas dos genes é mais fácil produzir pílulas, remédios? Por que? É mais fácil produzir pílulas do que ficar repondo, regenerando tecidos com células. Vamos pensar em termos de indústria farmacêutica, é muito mais fácil você descobrir um remédio que você pode produzir em quantidade, distribuir em todas farmácias pelo mundo, do que você ter que pegar as células, multiplicar essas cédulas. Quer dizer, quando você tem as células como remédios, esse produto celular é um material biológico muito mais complexo, mais difícil de trabalhar. Mas a ciência está dando tiro para todos os lados. Se a gente descobrir uma forma de criar células cardíacas e conseguir viabilizar o uso dessas células para regenerar um infarto, já é um ganho, melhor que fazer um transplante cardíaco. Mas
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tomar uma droga que meu coração se regenere sozinho é mais fácil. Mas como a gente não sabe se vai chegar nessa droga e quando, vamos tentando caminhos alternativos, tentando várias estratégias diferentes. O que as descobertas do genoma apontam no campo do envelhecimento humano? Temos vários caminhos. Tem o caminho da restrição calórica, que está gerando muito interesse. Você faz uma observação em animais e depois vai subindo para animais mais complexos, e vê que a restrição gera mais saúde e longevidade nos animais. O que essa restrição calórica está mexendo no nosso metabolismo? Será que é possível criar um medicamento que simule essa restrição calórica? Outro caminho interessante é identificar genes e que, quando alterados, aumenta a longevidade. Tem uma minhoca que se fizer uma mutação específica, ela vive mais. Que gen é esse? Produz que proteína? Essa mesma via existe em seres humanos? Um caminho novo é o plasma do sangue jovem, que é incrível. Você imaginar que existem fatores no sangue de indivíduos jovens que promovam uma melhora de vários parâmetros metabólicos e de saúde, abre uma avenida para novas descobertas. O plasma é cheio de moléculas diferentes. Quais delas estão exercendo esse papel? E como? Tem muitas avenidas diferentes sendo exploradas. Existe uma perspectiva de retardar ou parar o processo do envelhecimento do corpo? Por exemplo, essa história do sangue jovem, já existem alguns testes em pacientes com Alzheimer para ver se melhora a cognição deles. Então, nos próximos 10 anos, muito provavelmente, teremos novos produtos e novos resultados que levarão ao desenvolvimento de novos produtos, que vão melhorar nossa saúde. E ao envelhecer com mais saúde, isso significa você aumentar a longevidade. De uma forma resumida o que é a bioética? São as questões éticas envolvidas em pesquisas biológicas, na biologia. É a mesma ética da filosofia, os mesmos princípios (igualdade, não fazer o mal, etc) mas aplicado às novidades da ciência. Exemplo: devemos usar embriões humanos para pesquisas com células troncos. Isso é ético, mas colocamos o “bio” antes porque envolve o embrião, a célula tronco etc. Tem uma série de questões relacionados ao genoma humano. Se vamos poder fazer teste de DNA para a pessoa entrar na escola, por exemplo. Existem pautas em relação a extensão da vida que podem ser questionadas eticamente? Uma questão é o acesso. Quem terá acesso a isso? Mas a gente já vive isso com a ciência moderna. Essa curva da longevidade, do ser humano ao longo dos anos, a gente está colocando todos os seres humanos no mesmo “saco”. Mas se você dividir por quem tem agua encanada x quem não tem, já vai dar uma diferença. Então não é uma questão nova, a gente já vive isso hoje com quem tem acesso a uma medicina mais sofisticada. É um problema que só vai ser acentuado.
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A segunda questão: uma certa classe vai viver mais, e vai caber todo mundo aqui? Tem outras questões que não são de acesso, mas como vai comportar todo mundo que vai viver a mais? Temos que tomar cuidado para resolver um problema por lado e isso pipocar em vários outros problemas mais graves ainda para a população como um todo. Para o individuo é ótimo viver até os 120 anos - se ele pudesse fazer isso sozinho... mas não, será feito por uma parcela da população. Mas e para a sociedade? Como a sociedade vai aguentar isso? São questões que terão que ser discutidas enquanto a ciência avança.
ENTREVISTA MAYANA ZATZ E MICHEL NASLAVSKY - PROJETO 80+ Mayana Zatz - Bióloga molecular e geneticista. Coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano e Células Tronco. Michel Naslavsky - Doutor em Genética do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP). O que é o 80+? Michel Naslavsky: Esse é o “nome artístico” do projeto. Nosso objetivo é entender os componentes genéticos que contribuem para o envelhecimento saudável das pessoas. Em 2010, começamos a sequenciar o DNA de idosos saudáveis com mais de 80 anos. Iniciamos também uma parceria com as professoras Maria Lúcia Lebrão, que faleceu em 2016, e Yeda Duarte, da Faculdade de Saúde Pública da USP. Desde 2000, elas acompanhavam um grupo com mais de 60 anos, que vivia em São Paulo, em um trabalho chamado Saúde, Bem-estar e Envelhecimento (Sabe). No total, chegamos a uma amostra de 1,5 mil indivíduos. Em 2011, em conjunto com o professor Edson Amaro, do Hospital Albert Einstein, fizemos a ressonância magnética cerebral de 600 desses idosos. Como o projeto começou? Mayana: Foi quando eu fui procurada por um casal com uma filha. Ela tinha um problema, mas ninguém descobria qual era. A garota foi submetida a um estudo do genoma nos Estados Unidos. No exame, foi descoberta uma mutação genética herdada do pai. Ela nunca havia sido descrita antes e causava um tipo de distrofia muscular, uma doença que estudo há tempos, que leva à degeneração dos músculos. O curioso é que o pai, aos 43 anos, embora tivesse a mutação, era saudável. Mas ele queria saber se, com o tempo, poderia ter algum problema. Essa era a dúvida? Mayana: Sim. Foi aí que resolvemos sequenciar o genoma dos parentes mais velhos do pai. Constatamos que eles também tinham a mutação, e eram também saudáveis. Ou seja, o pai tinha grandes chances de não ter nada no futuro. Esse é um dos aspectos relevantes do mapeamento do genoma de idosos. Podemos chegar a conclusões desse tipo: saber o quão grave uma mutação genética pode ser para uma pessoa no futuro. Além do mais, vamos desenvolver novos tratamentos, se conseguirmos entender o que protege essas
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pessoas dos efeitos das mutações. Essa é uma abordagem interessante. Em vez de só olhar para o que causa a doença, vocês estudam o que protege as pessoas desses problemas. A ideia é, se possível, replicar essa proteção? Mayana: Exato. Publicamos uma pesquisa no fim de 2015 nessa linha. Esse tipo de distrofia muscular também existe em cachorros, mas encontramos um animal, um golden retriever chamado Ringo, que tinha a mutação e não a desenvolveu. Um dos filhos dele, o Suflair, também herdou o problema e está tendo uma sobrevida normal. Com uma pesquisa genômica, descobrimos a troca de uma letrinha no DNA, em um gene chamado Jagged1. Acreditamos que ele está protegendo os cães. Esse tipo de constatação pode ser muito promissora. Novas pesquisas em biologia molecular indicam que será possível identificar um gene com problema e substituí-lo por outro E por que o 80+ pode fazer a diferença no cenário mundial? Naslavsky: Entre 2012 e 2013, sequenciamos os exomas, a porção do genoma que contém as “receitas” das proteínas de mais de 600 idosos. A ideia é que tenhamos os genomas completos da quase totalidade das 1,5 mil pessoas do projeto. Ou seja, temos a maior amostra genômica de idosos do país e teremos, com a nova etapa, o maior conjunto de genomas de brasileiros. O importante é que essas pessoas mapeadas são representativas da nossa população, que tem uma história de miscigenação absurda, muito diferente da de outros países. Isso faz toda a diferença, porque é uma base única de dados. Vamos estudar as mutações a partir da ancestralidade das pessoas, o que pode ser muito revelador. E todos esses dados vão estar no que chamamos de ABraOM [de Abraão, o personagem bíblico], o Arquivo Brasileiro Online de Mutações, acessível gratuitamente. Mayana: A amostra expressa as características sociais e étnicas da população. Com ela, também vamos poder entender como variantes ambientais interferem na saúde das pessoas, identificando o que afinal é ou não um fator genético naquele problema. Esse material é único e pode ser muito valioso. Em 2003, com a conclusão do Projeto Genoma Humano, havia a expectativa de que os segredos da vida seriam revelados e isso traria grandes e breves avanços na medicina. Até aqui, eles não foram tão espetaculares. Por quê? Mayana: Na verdade, houve avanços e muito importantes, mas as coisas seriam mesmo complicadas. A ideia do Projeto Genoma era localizar os genes que definiam todas as nossas características. Acreditava-se que teríamos uns 150 mil genes. Descobrimos 20 mil. Foi uma decepção. O tomate, por exemplo, tem 37 mil. Para onde aponta a medicina do futuro? Mayana: Fala-se muito em P4, uma medicina preventiva, preditiva, personalizada e participativa. Um exemplo, ainda que parcial, dessa tendência aconteceu com a atriz Angelina Jolie. Ela descobriu uma mutação genética, tinha antecedentes na família e decidiu
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fazer uma cirurgia, uma dupla mastectomia, como forma de prevenção ao câncer de mama. Foi uma decisão que causou polêmica, mas mostra um pouco do que vem por aí. Também teremos drogas mais eficazes. Elas tendem a ser personalizadas. A resposta a um remédio difere muito de uma pessoa para outra. Se você for um metabolizador rápido, por exemplo, a mesma droga que é suficiente para mim pode ser insuficiente para você. Se seu metabolismo for lento, a droga boa para mim pode ser tóxica para você.
SXSW 2018: NED DAVID , EMPREENDEDOR QUER FAZER VOCÊ VIVER ATÉ OS 102 ANOS Empreendedores trabalham para que a longevidade dos seres humanos vá além da expectativa de vida atual. Um deles é o biólogo americano Ned David. Ele está à frente da Unity Biotechnology, empresa que aposta em uma “limpeza” das células para retardar o envelhecimento. David participou de um painel sobre mobilidade no South by Southwest (SXSW) A empresa já recebeu US$ 151 milhões em financiamentos desde sua criação. Peter Thiel, conhecido por ser o fundador do PayPal, é entusiasta da busca por uma vida mais longa e um dos apoiadores da empresa. As células humanas passam por um processo natural de envelhecimento, causado por dois fatores principais: um limite de divisão celular que impede a troca de tecidos velhos por novos e a liberação de uma enzima, chamada beta-galactosidase, que se acumula com o tempo e impede que a célula realize suas funções normalmente. “Conforme a enzima vai se acumulando, mais e mais células são contaminadas, de forma parecida a um ataque zumbi”, afirma o empreendedor. O trabalho da Unity está em retirar essa enzima das células. A empresa foi criada há seis anos e vem desde então fazendo testes em ratos e desenvolvendo substâncias capazes de fazer essa “retirada de impurezas” das células. A empresa costuma realizar testes com um ratos irmãos nascidos na mesma ninhada. Um deles recebe medicação contra a beta-galactosidase, enquanto o outro não toma nada. Os resultados dos estudos mostram que a “limpeza” de fato retardou o envelhecimento dos animais que tomaram o medicamento. Enquanto isso, os ratinhos que não foram tratados aparentavam estar muito mais velhos e desenvolviam uma série de doenças renais, cardíacas e ósseas, bem como tumores malignos. Em média, os animais medicados sobrevivem 35% mais que os irmãos. De acordo com David, a expectativa da empresa é que resultados semelhantes sejam vistos quando forem realizados testes com seres humanos. Ou seja, o remédio poderia elevar a expectativa de vida dos brasileiros para 102 anos. Testes com humanos, de acordo com o empresário, devem começar ainda neste ano. Segundo David, os primeiros medicamentos lançados pela Unity fariam o tratamento específico para algumas doenças. “Criaríamos remédios com a tecnologia capazes de tratar
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artroses, doenças oculares e pulmonares”, diz. Em outro momento, a meta seria lançar remédios que atuassem em todo o corpo, tratando células com a enzima conforme surgissem. E se? David foi a estrela de um painel que também contou com a presença de Laura Deming, cofundadora do The Longevity Fund, um fundo de investimento focado no apoio a startups que atuem em soluções para o aumento da expectativa de vida dos seres humanos. Durante a conversa, também falaram sobre como o aumento da longevidade humana mudaria a sociedade em que vivemos. De acordo com Laura, os tratamentos de longevidade fariam com que uma questão ética surgisse: e se alguém desejasse não tomar os remédios e deliberadamente morrer mais cedo do que poderia? “Decisões como essa poderiam gerar polêmica. De qualquer forma, eu defendo que, apesar de defender a extensão da vida, cada um deve ter o direito de fazer o que quiser com ela.” Já David falou sobre prováveis mudanças na previdência social. “Com as pessoas vivendo mais tempo, seria natural que o poder público alterasse as regras da aposentadoria, aumentando o tempo de contribuição dos trabalhadores”, diz. Quando perguntado sobre a possibilidade de somente pessoas ricas poderem usá-los e de um possível aumento da desigualdade entre países ricos e pobres, David afirmou que não acredita nesse cenário. “Em países ricos ou pobres, o gasto com um medicamento como o nosso evitaria gastos enormes em tratamentos de saúde convencionais. Além disso, ter mais pessoas contribuindo para o funcionamento do Estado também deverá ser visto como algo bom pelos governantes de todo mundo”, afirma. Também segundo o empreendedor, o aumento da longevidade daria incentivo a quem quisesse, por exemplo, mudar totalmente de rumo após algumas décadas de vida. “Uma vida maior daria a chance para as pessoas seguissem carreiras completamente diferentes, fizessem outras faculdades e se dedicassem a outras paixões.”
SXSW 2018: ENTREVISTA COM LAURA DEMIMG Laura Deming - when she was 8, Laura Deming realized that we were all going to die of a disease called aging. Ever since, her driving passion has been to slow aging and eliminate age-related disease. She started working in a biogerontology lab when she was 12, and matriculated at MIT when she was 14. At 17, she was one of the youngest 20under20 fellows awarded $100,000 by Peter Thiel to pursue her venture full time. Laura is currently a full-time partner at The Longevity Fund, an early stage venture capital fund backing companies which target the aging process to treat disease, with investments in gene editing, small molecule therapeutics, and novel methods to treat disease. It seems like there’s significant resistance to the idea that we don’t have to die. Why is that?
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Deming: That’s an awesome question and one that I’m entirely unqualified to answer. I can give you a bit a background, just from spending most of my life talking to a lot of people who think this is a really terrible idea, and trying to understand why they think that. But also, I think from looking at the history of the field evolving from a scientific standpoint and how the medicine, I think, has failed to meet expectations for a long period of time. What you need to know about longevity in general is that the first-ever lifespan study that showed an increase in lifespan of any organism whatsoever was done in the 1930s with caloric restriction. So, basically, the first actual scientific piece of data that we had in this field occurred less than a hundred years ago And so, for the longest time, I think people had been promised these amazing snake oil-like cures, “we’re going to make you live forever.” “This will make you live longer.” And so, I think maybe part of the large inability to believe in this space comes from a history of it being impossible to work on. But if you look at the science, it would only have been possible to work on it recently as a point of fact. And then I think another part of it comes from folks having a large inability to believe that it works, and therefore, in their minds, not allowing themselves to hope for the possibility of living a longer time. I think that contributes a lot to a resistance to the idea, because it would eliminate that hope and sort of allow folks to believe in something that could not be true. There are a lot of people out there who actually don’t want to live longer, even if given the chance. How could someone possibly be against living longer? Deming: Yeah, it is a pretty crazy thing. When I was a kid, I remember talking to people about this on planes, telling them how excited I was that you could make a worm live twice as long as normal, and that humans had genes that were similar to the worm’s. And, having people just say, “Well, I would hate for that to happen, because then I would live longer.” And it’s kind of like, wait, what? Isn’t that the point? Wouldn’t you want that? It’s so difficult to understand. I really think some part of it is linked to folks just not believing that it’s possible. But it’s been very difficult to really get to the heart of it. Who’s working to extend longevity? Who’s best at it right now? Who’s poised to be better at it in the near future? Deming: There are a couple of very high-profile efforts in this space, that have a lot of funding and public attention. One, of course, is Calico, funded in part by Google. And the other is Human Longevity, Inc., from Craig Venter.
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One company that is closest to putting actual drugs into patients is UNITY Biotechnology, which we’re lucky to be investors in. They are targeting end of 2017 for first human dose. Their approach targets cells that no longer divide (so called “senescent cells”). When you clear these cells from mice, you can get really nice increases in lifespan and even help reverse osteoarthritis in mice. What I think a lot of people kind of overlook is that there are hundreds of companies doing interesting research in aging, some subset of which may be successful in a clinic, but are in the early stages of development. These are a lot of companies that have a drug that’s a lead candidate, they know what they’re targeting, they’re about a year away from getting it to people, but they’re pre-proof of concept. And so, I think that’s the interesting area to watch. It’s really difficult to say right now what the interesting companies and that cohort will be, but there are a lot of them that have very solid science. They’re going after very specific biomarkers and we’ll see readout in the next three to five years. Even in the next couple of years there’s be interesting readouts. But I think in the next three to five years, it’s going to be great to watch the space evolve. How are those companies approaching the problem? Deming: The basic idea behind a lot of these approaches is that someone at some point has taken a mouse and increased or decreased sort of the expression of a gene in that mouse, and seen a corresponding increase in lifespan. To me as a biologist, it’s really impressive that you can take a mouse, change a single gene in this incredibly complex organism, and get like a 30% increase in life. Is this something that you have to edit in the blastocyst or something that you could potentially create a gene therapy for and affect a mouse after birth? Deming: Doing gene therapy on grown organisms is still pretty tough to get good expression on the mouse. Typically if you try to do that, you can’t get every cell in the mouse to express a gene. And therefore, it’s really difficult to get the mouse to kind of show you what full body expression would give you. So, something that would help our next generation, but not necessarily us? Deming: Here’s the interesting thing, in the world of pharmaceuticals, kind of the whole points of the whole world of drug-making is to go after single genes with drugs. And so whenever someone talks about a drug for cancer or a drug for diabetes, the way that the pharma industry thinks about it is, “we made a molecule that’s very good at binding and killing the activity of X protein.” The thing that we can do now, which is I think still a pretty valid approach, is to take drugs that do basically the same thing: either increase or decrease the activity that a gene expresses and put those into humans and see what happens.
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Where are we going in the next 10 or 20 years with longevity science? Deming: I think it’s an interesting mix of two different tracks. One is the area of using traditional methods of pharmaceuticals to develop drugs for the genes that we know extend life in mice. There are forty to fifty different genes, where if you change them in a mouse, or you give a drug to a mouse that sort of changes their activity, you see some increase in lifespan. There are lots of companies working on drugs that do basically that, but could be used for humans and are going into clinical trials soon, or are in clinical trials currently. Those are very interesting, because they’re first-generation approaches to doing what we can, given what we know, and the tools that we have. But I think, in general, biology has a kind of underlying problem in that it’s a very complicated science that’s thought of in very linear terms in the drug world. So you have this kind of first-generation, very linear approach of using what we have to do what we can. But then you have kind of the second wave of work trying to figure out how biology actually works and how you can actually talk about these very complex systems in ways that are amenable to human intervention. And that’s a process that—we don’t know how long it will take to get useful, actionable information out of, but—I think that’s where you’re going to see a lot of the very long-term increases in lifespan. What’s my lifespan going to be? Deming: Well, I guess that depends on your risk tolerance, personally, or current risk profile, which I won’t speculate on. But, I think it’s reasonable to say that a 20%-30% percent increase is not out of the ballpark at all. I think that’s a very reasonable thing to kind of speculate about at this point. Solana: So, I should be hitting the hundred-year mark? Deming: Yes. I think that’s very reasonable. If you’re interested in your health at this age and going forward, I think that’s a very reasonable thing to say could happen. And am I going to be 100 looking like the crypt keeper, or what? Deming: No, I think with this field people have this conception that if you live longer, you look like the crypt keeper. But really, if you think about it, it’s almost impossible to take an old, decrepit thing and make it live longer. The way that all these therapies work basically that we’re seeing, is that they you live longer as a healthy person, and then have kind of the same decrepit period. But they don’t really enlarge that period of life. So what’s the point of aging therapy? Because, generally like if you have a disease-s-
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pecific therapeutic, typically, you get this kind of weird effect where you’re kind of forestalling some pathology, but you’re still getting all the other pathologies that you would get, and you look terrible. I think with aging, the point is that your forestalling all pathologies. And so that’s really like the push that the field has. Last question: what about rejuvenation? Deming: I’d say 50% of the stuff we see is just preventative, and 50% is taking an old thing and trying to make it younger. And I think it’s much more difficult to do that, but you’re going to see at least a couple therapies in that regard coming along.
PRÊMIO NOBEL DE MEDICINA AFIRMA QUE MINDFULNESS CONTRIBUI PARA LONGEVIDADE Elizabeth Blackburn foi contemplada com o Prêmio Nobel de Medicina por ter descoberto a base do envelhecimento. Segundo a bióloga, quanto mais encurtados os telômeros, extremidade das células onde está o DNA, menor o tempo de vida das células. O encurtamento dessas estruturas também indica doenças. Outro dado é que pessoas com depressão ou ansiosas têm telômeros mais curtos. A boa notícia para quem sofre com a depressão é que depois de se recuperar essas estruturas tendem a alongar-se novamente. Como forma de preservar o comprimento ideal dos telômeros, a cientista indica boa alimentação, cuidados com a saúde mental e práticas Mindfulness. De acordo com Elizabeth Blackburn, estudos indicam que pessoas que focam a mente no presente têm telômeros mais íntegros em comparação a quem divaga. Analisando os treinamentos de Mindfulness propriamente ditos, pesquisas mostram que passar por programas de “consciência plena” têm efeito positivo na saúde dos telômeros. Assim, Mindfulness contribuiria para a longevidade. Muito mais que uma prática, mindfulness é um estado, uma escolha de vida – de estar presente, atento, pleno, a cada minuto. Tudo o que aprendemos na vida foi explicado para nós por alguém. O problema é que a partir do momento em que aprendemos uma coisa, em determinado contexto, fica muito mais difícil desaprendê-la ou enxergá-la de outra maneira. Sempre que olhamos para um conceito que já aprendemos na vida, trazemos à tona nosso raciocínio já formado sobre ele – nossa mente não precisa mais se ocupar com esse assunto e seguimos em frente. Entrando no modo automático. A enrascada em que nos encontramos é que esse “modo automático” é uma armadilha que colocamos para nós mesmos. Estamos cercados de conceitos já prontos que nos levam a pensar tudo a partir deles. Porém, quem nos garante que esses conceitos são os certos ou os mesmos em todos os contextos?
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Quando uma criança na escola diz que 1 + 1 não é igual a dois, por exemplo, será que ela está realmente errada? A verdade é que ela deveria ser questionada: como foi que ela chegou a esse resultado? Afinal, ela poderia estar partindo de outra base conceitual que não a dos óbvios números no modo ocidental de fazer contas. O estado de mindfulness nos lembra que existe mais de uma resposta certa para quase tudo. E isso inclui tudo o que aprendemos sobre quem somos, do que somos capazes, o que podemos fazer e o que acreditamos. Isso vale, por exemplo, para a maneira como a mente se movimenta depois dos 70, 80 anos. Pessoas que começam a ser tratadas como idosos incapazes acabam transformando seus corpos e envelhecem rápido, muito em breve chegando no mesmo lugar onde sua mente foi colocada. Idosos que são estimulados a fazer mais coisas são capazes de fazer mais. Parecem mais jovens, são mais dispostos, vivem mais. Ter atenção plena é fácil: primeiro, basta perceber que não sabemos nada e assumirmos que ninguém mais sabe e por isso nada tem tanto poder sobre nós quanto nós mesmos e nossas crenças. Seremos do tamanho delas. Depois, é desligarmos nosso modo automático e vivermos por completo. Presentes, somos mais plenos. Somos mais nós mesmos. Nos vemos e somos vistos com mais carisma, mais saúde e mais alegria. Estamos vivos.
MEMÓRIA: TRECHOS DO LIVRO “MEU ÚLTIMO SUSPIRO”, DE LUIS BUÑUEL Nos dez últimos anos de sua vida, minha mãe, pouco a pouco, perdeu a memória. Quando ia vê-la em Saragoça, onde ela morava com meus irmãos, acontecia que se lhe déssemos uma revista, que ela folheava cuidadosamente da primeira à última página. Após o que tomávamos a revista de suas mãos, para oferecer-lhe uma outra que, em realidade, era a mesma. Ela se punha novamente a folhear com o mesmo interesse. Chegou ao ponto de já não reconhecer seus filhos, de já não saber quem éramos nós, quem era ela. Eu entrava, beijava-a, passava algum tempo a seu lado – sua saúde física se mantinha intacta, ela se mostrava até bastante ágil para sua idade -, depois tornava a sair, retornava imediatamente, me recebia com o mesmo sorriso, pedia que me sentasse, como se me estivesse vendo pela primeira vez, já não sabendo, aliás, nem mais meu nome. Acontece-me sentir uma inquietação muito intensa, e até uma angústia, quando não consigo lembrar-me de um fato recente, que vivi, ou então do nome de uma pessoa com quem estive nos últimos meses, ou até de uma coisa. De repente, minha personalidade se desagrega, se desmantela. Já não consigo pensar em outra coisa e, no entanto, todo o meu esforço, toda a minha fúria é inútil. Será isso o início de um desaparecimento total? É um sentimento atroz o ter que usar uma metáfora para dizer “uma mesa”. Além disso, a pior das angústias: estar vivo, mas já não reconhecer-se a si mesmo, já não saber quem se é. É preciso começar a perder a memória, ainda que se trate de fragmentos desta, para perceber que é esta memória que faz toda a nossa vida. Uma vida sem memória não seria uma vida, assim como uma inteligência sem possibilidade de exprimir-se não seria uma
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inteligência. Nossa memória é nossa coerência, nossa razão, nossa ação, nosso sentimento. Sem ela, não somos nada. Indispensável e todo-poderosa, a memória, é também frágil e ameaçada. Ela não é apenas ameaçada pelo esquecimento, seu velho inimigo, mas também pelas lembranças enganosas que dia após dia nos invadem. A memória é permanentemente invadida pela imaginação e pelo devaneio, e como existe uma tentação de acreditar no imaginário, acabamos por transformar nossa mentira em verdade. O que aliás só tem importância relativa, já que ambas são igualmente vividas e pessoais. Neste livro, semibiográfico, no qual ocorrerá que me desvie como num romance picaresco, que me abandone ao charme irresistível do relato inesperado, talvez ainda subsistam algumas lembranças enganosas, apesar de minha vigilância. Torno a repetir, isso tem pouca importância. Sou feito de meus erros e de minhas dúvidas, bem como de minhas certezas. Não sendo historiador, não utilizei nenhuma anotação, nenhum livro, e o retrato que ofereço, de toda maneira, é o meu, com minhas afirmações, minhas hesitações, minhas repetições, minhas lacunas, com minhas verdades e minhas mentiras, em uma palavra: minha memória.
O PAPEL DO TEMPO - TRECHO DE ENTREVISTA ZYGMUNT BAUMAN Eu não acredito em autobiografias. Porque, provavelmente, em algum momento da sua vida você vai se sentir impelido a reescrever a sua história e se verá tentado a preencher as lacunas em sua memória. A memória não é um bom guia para seguir porque cada memória é seletiva. Não há dúvidas de que não podemos lembrar de tudo, nossos cérebros não são feitos para isso, apesar de termos agora a computação em nuvem e, com isso, podermos guardar as nossas memórias em outro lugar, distante, sem mantê-las em nossos cérebros. No entanto, há uma abundância de espaços em branco que você tem que preencher para dar sentido aos eventos, e você os preenche pela imaginação. Assim, o que se diz pode ser verdade, mas talvez não. Talvez houvesse uma tal relação causal entre o evento A e o evento B, mas apenas eventualmente. Tenho tido uma vida incrivelmente longa. Atravessei uma enorme quantidade de mudanças, o que se poderia chamar de “a conversa mais antiga da cidade”. Ou, em uma linguagem mais politicamente correta, poderíamos chamar de uma “mudança de modas” – a moda, quando eu era jovem, mudava a cada dez anos, agora muda a cada dez dias; apenas isso já é uma diferença. Além disso, diferentes regimes, diferentes programas políticos, todos os tipos de coisas. Por isso, estou dolorosamente consciente, em primeiro lugar, do papel do tempo na vida individual. Não só na história, mas na vida individual, na biografia. Mas, também, do transitório e temporário caráter da realidade.
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GÊNERO E SEXUALIDADE De forma irônica e provocativa, Madonna pede, em seu discurso na Billboard, para as mulheres não envelhecerem. Nesse emocionante depoimento entendemos claramente as diferenças de gênero que nos acompanham ao longo de toda a vida e como isso pode ser agravado com o passar dos anos. Mas talvez nem tudo esteja perdido para as mulheres. A antropóloga Mirela Berger acredita em uma nova revolução sexual feminina aos 60 anos. Mais liberdade e menos opressão nessa fase da vida. Outra mulher de destaque aqui é a cantora Elza Soares que lançou, em se último álbum, a música “Quero Comer Você”. Também animadora é a abordagem de que estamos diante de uma população velha que fez parte das revoluções de costumes nos anos 60 e 70. Muitos pensadores afirmam que eles estão criando um novo jeito de envelhecer e são pessoas que não podem ser classificadas por idade, por anos. Uma geração que continua existindo e resistindo, que vive intensamente o contemporâneo.
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Trechos do discurso da cantora Madonna no recebimento do prêmio de Mulher do Ano concedido pela Billboard em 2016 “Estou aqui em frente a vocês como um capacho. Quer dizer, como uma artista feminina. Obrigada por reconhecerem minha habilidade de dar continuidade à minha carreira por 34 anos diante do sexismo e da misoginia gritante, e do bullying e abuso constante.” “Eu me inspirei, é claro, em Debbie Harry e Chrissie Hynde e Aretha Franklin, mas meu muso verdadeiro era David Bowie. Ele personificava o espírito masculino e feminino e isso me agradava. Ele me fez pensar que não havia regras. Mas eu estava errada. Não há regras se você é um garoto. Há regras se você é uma garota. Se você é uma garota, você tem que jogar o jogo. Você tem permissão para ser bonita, fofa e sexy. Mas não pareça muito esperta. Não haja como você tivesse uma opinião que vá contra o status quo. Você pode ser objetificada pelos homens e pode se vestir como uma puta, mas não assuma e se orgulhe da puta em você. E não, eu repito, não compartilhe suas próprias fantasias sexuais com o mundo. Seja o que homens querem que você seja, e mais importante, seja alguém com quem as mulheres se sintam confortáveis por você estar perto de outros homens. E por fim, não envelheça. Porque envelhecer é um pecado. Você vai ser criticada e humilhada e definitivamente não tocará nas rádios.” “Eu acho que a coisa mais controversa que eu já fiz foi ficar aqui. Michael [Jackson] se foi. Tupac se foi. Prince se foi. Whitney [Houston] se foi. Amy Winehouse se foi. David Bowie se foi. Mas eu continuo aqui. Eu sou uma das sortudas e todo dia eu agradeço por isso. O que eu gostaria de dizer para todas as mulheres que estão aqui hoje é: Mulheres têm sido oprimidas por tanto tempo que elas acreditam no que os homens falam sobre elas. Elas acreditam que elas precisam apoiar um homem. E há alguns homens bons e dignos de serem apoiados, mas não por serem homens, mas porque eles valem a pena. Como mulheres, nós temos que começar a apreciar nosso próprio mérito. Procurem mulheres fortes para serem amigas, para serem aliadas, para aprenderem com elas, para serem inspiradas, para serem apoiadas e para serem instruídas.” “Estou aqui mais porque quero agradecer do que para receber esse prêmio. Agradecer não apenas a todas as mulheres que me amaram e me apoiaram ao longo do caminho; vocês não têm ideia de quanto o apoio de vocês significa. Mas para aqueles que duvidam e para todos que me disseram que eu não poderia, que eu não iria e que eu não deveria, sua resistência me fez mais forte, me fez insistir ainda mais, me fez a lutadora que sou hoje. Me fez a mulher que sou hoje. Então, obrigada.”
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MASCULINO X FEMININO Fonte: Centro Internacional de Longevidade Brasil (ILC-Brasil) Conforme documentado pelo Fórum Econômico Mundial, as mulheres estão em variados graus de desvantagem em todos os países e em todas as áreas da vida - participação econômica e oportunidades, grau de escolaridade, saúde e sobrevivência e poder de decisão política. Especialmente em regiões mais desenvolvidas, houve progresso substancial, mas as desigualdades de gênero persistem em todo o mundo. Mesmo em alguns países de alta renda há situações recentemente relatadas de aumento de desigualdade: na Austrália, por exemplo, as mulheres estão ganhando 81,8 centavos para cada dólar que os homens ganham, nos mesmos postos e ocupações, abaixo dos 85,1 centavos que ganhavam há dez anos. O relatório da OMS sobre Mulheres, Envelhecimento e Saúde (2006) apresenta várias desigualdades específicas de gênero: - Meninas e mulheres podem ter menos acesso a alimentos nutritivos, a atividades físicas que promovam a saúde e a sono adequado. - Meninas e mulheres tem menos acesso à educação e a oportunidades de participação e desenvolvimento pessoal fora de casa. - Na educação formal e no mercado de trabalho, os estereótipos de gênero restringem as escolhas de carreira da mulher, o nível de aspiração, o salário e a renda após a aposentadoria. - As mulheres podem não ter direito de herdar os bens da família nem de conseguir um acordo justo por ocasião do divórcio. - As expectativas com relação ao tradicional papel de cuidadora da mulher na família muitas vezes limitam as possibilidades de desenvolvimento pessoal e profissional fora de casa, assim como a segurança financeira atual e futura. - Meninas e mulheres tem maior probabilidade de sofrer violência doméstica e abuso sexual do que meninos e homens. - As mulheres sofrem discriminação no acesso à saúde; por exemplo, as mulheres não têm o mesmo acesso do que os homens a muitos serviços e intervenções especializados. Diferenças biológicas relacionadas ao envelhecimento e ao sexo, agravadas pelo impacto cumulativo das desigualdades sociais ao longo da vida, levam a maiores taxas de morbidade e incapacidade. Por exemplo, uma análise transversal recente de dados internacionais concluiu que a baixa idade materna quando do nascimento do primeiro filho está ligada a uma maior prevalência de doença crônica e ao pior desempenho físico na velhice. No âmbito mundial, embora 40% de todos os homens e mulheres acima dos 60 anos vivam com alguma deficiência, mais mulheres apresentam problemas de mobilidade, incontinência, lesões relacionadas a quedas, demência e depressão. As mulheres, com maridos mais velhos de cuja renda dependem, têm muito mais probabilidade de ficar sozinhas e pobres na velhice. É comum que mulheres idosas vivam sozinhas, com uma baixa renda, muitas vezes com doenças crônicas e deficiências e, portanto, sejam socialmente isoladas e vulneráveis. Mulheres de idade avançada pertencem ao grupo populacional que demanda mais cuidados da comunidade. Um fator de proteção contra o isolamento das mulheres, entretanto, é o vínculo mais estreito com familiares e,
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em geral, uma rede maior de amigos em comparação com os homens. Embora desfrutem mais das vantagens sociais e econômicas do que as mulheres, a socialização dos homens que estimula, na maioria das culturas, ser “masculino” (ou seja, forte e autossuficiente) traz vários riscos ao bem-estar físico, social e mental. O fato de os homens se exporem a risco mais frequentemente ao longo da vida é uma das explicações para sua expectativa de vida mais baixa em comparação a das mulheres, apesar de suas melhores condições socioeconômicas. De acordo com a ONU, as mulheres vivem 4,5 anos mais do que os homens em todo o mundo. Os homens têm maior probabilidade de consumir álcool em excesso, fumar, utilizar drogas ilícitas e se envolver em acidentes de trânsito. Os homens são as vítimas mais frequentes de violência fora de casa. No Brasil em 2013, 22 em cada 1000 homens jovens entre 15–24 anos morriam antes de completar 25 anos, comparado com 12 em cada 1000 mulheres jovens na mesma faixa etária. Em praticamente todas as regiões do mundo, os homens acima dos 60 anos apresentam a maior incidência de suicídio com taxas aumentando progressivamente a cada década. Alguns estudos mostram que os homens relutam mais a buscar ajuda para lidar com problemas de saúde. Em um levantamento randomizado de adultos australianos, os homens tinham consideravelmente menos probabilidade do que as mulheres de buscar informações de saúde e de se responsabilizarem pela própria saúde. Esforços para direcionar informações e serviços de saúde para os homens estão aumentando nos países mais desenvolvidos. De acordo com a avaliação dos mesmos, os que se provarem mais eficazes, poderão ser mais amplamente implementados. A transição para a aposentadoria pode ser mais difícil para os homens, uma vez que a identidade do homem pode depender mais da sua ocupação e os relacionamentos fora da família podem ser principalmente relacionados ao trabalho. Os homens em geral mostram mais resistência em participar de organizações e atividades voltadas para os idosos, mas a probabilidade de que participem aumenta quando a oferta se adequa aos interesses específicos e à experiência profissional. Os homens costumam cultivar menos as relações sociais com familiares e amigos, tendendo a delegar ao cônjuge esse papel. Viúvos idosos têm maior chance do que as viúvas de se casar novamente, possivelmente porque tenham menos companheirismo com iguais do que as viúvas e também porque tenham mais recursos financeiros. O isolamento social dos homens idosos reflete uma relutância em se envolver com os outros, e os riscos de isolamento são mais altos para os homens divorciados e para os que nunca se casaram.
A FEMINIZAÇÃO DA VELHICE Trechos da pesquisa de Carmen Delia Sánchez Salgado – médica e autora do livro Gerontología Social Dentro do processo de envelhecimento populacional, destaca-se a feminização da velhice, ou seja, o predomínio de mulheres na população idosa. Como resultado da desigualdade de gênero na expectativa de vida, existe uma maior
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proporção de mulheres do que de homens com idade avançada. Os problemas e mudanças que acompanham essa etapa de vida são predominantemente femininos, pelo que se pode dizer que a velhice se feminilizou. No Brasil, as mulheres vivem, em média, sete anos mais do que os homens e estão vivendo mais do que nunca. Outra característica deste grupo populacional é que existe uma maior proporção de viúvas do que em qualquer outra faixa etária. Uma razão que poderia explicar essa situação é que, por tradição, a mulher tende a se casar com homens mais velhos do que ela, o que, associado a uma mortalidade masculina maior do que a feminina, aumenta a probabilidade de sobrevivência da mulher em relação ao seu cônjuge. Além de que os viúvos voltam, mais do que as viúvas, a se casar depois de enviuvar. Essa situação é a mesma para os divorciados. Hoje em dia, em países desenvolvidos, as mulheres que chegam aos 65 anos podem esperar viver, em média, mais 18 anos. Qualquer análise sobre longevidade indica claramente que, em relação à sobrevivência, as mulheres são o sexo mais forte. As projeções demográficas indicam que, no futuro, essas gerações estarão compostas, principalmente, por mulheres velhas que, possivelmente, estejam cuidando de suas velhas mães ou avós. As mulheres de idade avançada enfrentam muitos desafios gerados por leis e políticas sociais de uma sociedade sexista e gerofóbica. É parte de uma maioria invisível cujas necessidades emocionais, econômicas e físicas permanecem, em sua maioria, ignoradas. As mulheres idosas enfrentam uma problemática muito particular na sociedade atual, o que as coloca, em uma posição de fragilidade e de vulnerabilidade. Diferem de outros grupos de idade quanto ao nível de educação formal (escolaridade), tendo normalmente menos anos completos de escola do que outros grupos. Geralmente possuem menor qualificação profissional para conseguir emprego do que os grupos mais jovens e do que os grupos de homens idosos. Chegam a uma idade em que a probabilidade de doenças de cuidado prolongado é maior. Encontram-se, muitas vezes, em uma situação de dependência de seus familiares, amigos(as) ou sistemas formais de serviços, mais do que qualquer outra faixa etária. Situações enfrentadas pela mulher na velhice: - Discriminação pela Idade (gerofobia ou “ageism”) - preconceito de idade enfrentado pelas mulheres ao envelhecer está composto pelo sexismo e pela dupla mensagem que considera velha a mulher com idade inferior à do homem. Essa dupla mensagem da velhice leva a aceitar a visão de que os cabelos brancos e a calvície que fazem os homens parecerem “distintos e muito atrativos”, mostram uma mulher em “decadência”. A cultura hispano-americana, particularmente, vê a sexualidade da mulher idosa como fonte de humor – “grotesca, inapropriada”. Tal preconceito surge, em parte, ao igualar erroneamente a sexualidade feminina a sua capacidade reprodutiva. - Pobreza e Solidão - Quando uma pessoa idosa começa a viver no limite da pobreza tem muito menos possibilidade de escapar dessa situação do que outra de qualquer faixa etária. A pobreza na idade avançada tende a aumentar a dependência produzida por condições físicas e psicológicas. As diferenças de gênero tornam a situação mais crítica. As pesquisas gerontológicas mostram que são as mulheres de idade avançada (e não os homens) que estão mais expostas à pobreza e à solidão e que também tem mais condições de morbidade,
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que consultam mais médicos e que tem menos oportunidades de contar com um companheiro em seus últimos anos de vida. - Perdas e Mudanças - A chegada da idade avançada se associa com saúde debilitada e incapacidade e se estima que a mulher enfrente maiores problemas de saúde e doenças crônicas do que os homens. Nos Estados Unidos 70% das mulheres acima de 80 anos tinham uma ou mais dos seguintes problemas crônicos de saúde: artrite, câncer, catarata, diabetes, problemas cardíacos, fratura de cadeiras, hipertensão, osteoporose, acidentes vascular cerebral e varizes. Pressupõe-se que os problemas de saúde estejam associados, em parte, ao nível socioeconômico baixo. Outra mudança é a dependência ou morte dos pais. Exatamente quando acabaram de criar os filhos ou filhas, surge a necessidade de cuidarem dos pais ou mães que se tornam dependentes por condições físicas ou mentais. Nos Estados Unidos, estima-se que, hoje em dia, as mulheres passam em torno de 18 anos cuidando de seus pais, mais do que o tempo que cuidaram de seus filhos ou filhas. Um aumento da expectativa de vida da mulher também traz como consequência maior possibilidade de que, hoje em dia, viva mais tempo como avó. As avós exercem uma função importante dentro do sistema familiar amplo, provendo uma gama de apoio tanto aos filhos(as) quanto aos netos(as). Esta função de avó serve de meio para a expansão da identidade social e pessoal. Isso vai levar ao desenvolvimento de novas relações entre avós e netos ou netas, que redundarão em benefício para ambas as partes.
ENTREVISTA COM MIRIAN GOLDENBERG - A BELA VELHICE Desde 2007, a antropóloga Mirian Goldenberg, 60, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pesquisa o envelhecimento. Em um de seus cinco livros sobre o tema, A Bela Velhice (ed. Record-2013), ela conta que sua inspiração vem da escritora francesa Simone de Beauvoir (1908-86): “Depois de ler incontáveis vezes A Velhice, decidi aceitar o desafio e ser mais uma a ajudar a romper a conspiração do silêncio que cerca a velhice”, diz a antropóloga nas páginas iniciais do livro. E explica que o objetivo de suas pesquisas não é falar das violências, discriminações e preconceitos sofridos pelos velhos, o que muitos autores já fizeram. “Quero compreender se existe algum caminho para conseguir chegar à última fase da vida de uma maneira mais digna, mais bela e mais feliz”. Para quem viveu os anos 1960 e 1970 e a revolução dos costumes promovida pela geração baby boomer (nascidos após a Segunda Guerra), você acha que o mundo hoje está mais careta, mais conservador, ou a gente segue avançando? Não vejo conservadorismo. É o contrário. O que era vanguarda nos anos 1960 hoje é normal. Não casar virgem, ter vários parceiros. O que eu vejo é que dentro deste universo de mais escolhas, algumas pessoas reagem às mudanças e escolhem uma vida mais tradicional. Mas é uma minoria. A maioria, pelo menos no comportamento e no discurso, absorveu totalmente tudo o que a gente fazia nos anos 60 e 70. Mas até hoje é difícil encontrar uma mulher “meio Leila Diniz”, que é a minha ícone dessa revolução comportamental. A Leila era o extremo da liberdade naqueles anos e seria até hoje se estivesse viva. Ela era livre. Mas a liberdade que nós conquistamos, apesar de não conseguirmos ser Leila Diniz, é enorme. Então eu não acho que haja retrocesso. Claro que têm discursos conservadores, mas não é
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maioria. As relações homoafetivas são encaradas com mais normalidade do que naquela época? Acho que hoje ninguém é normal. Mesmo o casamento mais caretinha não se percebe como normal. Eu acho que o modelo de normalidade acabou. É uma minoria que hoje consegue reproduzir aquele modelo de normalidade. Tenho um livro chamado De Perto Ninguém é Normal (Ed. Record, 2004). Acabou a ideia de normal, o que é muito bom porque aí você não precisa se enquadrar em um modelo para se sentir mais normal. Todo mundo hoje sabe que ninguém é normal. E é essa mesma geração de boomers que está mudando agora a forma de se encarar a velhice? Eu acho que a grande mudança, eu sempre digo isso, é que se o século passado foi o século das mulheres, este século é dos velhos. Essa mesma geração que explodiu esses modelos nos anos 1960 é a geração que está hoje com 60, 70 e até com 80. É uma geração que não restringiu sua vida, seus projetos, seu corpo porque envelheceu. Gosto de dar exemplos mais públicos: Ney Matogrosso é velho? Marieta Severo é velha? Caetano e Gil são velhos? Não dá mais para chamar essas pessoas de velhas. São todos ageless [sem idade], são inclassificáveis porque continuam sendo como sempre foram. Essa é grande mudança. Não existe mais aquilo de agora eu sou velho e não posso mais fazer isso ou aquilo. Eu sou velha e sou a Mirian Goldenberg. Se eu sempre gostei de minissaia, não vou usar uma saia no joelho. Se eu sempre usei biquíni, não vou usar maiô. Se eu sempre usei calça jeans, camiseta e tênis, não vou mudar. E não preciso mais mudar. Antes havia uma coerção social muito mais forte. Hoje não. Eu saio com a roupa que eu quero e foda-se. Essa é a palavra que eu mais escuto das minhas pesquisadas mais velhas. Foda-se o que os outros pensam. Foda-se se acharem que eu sou uma velha ridícula. Foda-se o que os outros vão pensar. É uma revolução do foda-se. Pode por aí, porque são elas que falam. Você acha que do lado masculino tem esse mesmo foda-se? Não, eles não tem isso. Primeiro porque eles não mudam tanto. Segundo, eles não são tão coagidos a mudar. Terceiro porque eles sempre tiveram muito mais liberdade para ser o que quisessem. E as mulheres não. Eu tenho cinco livros sobre esse tema. Começa com Coroas: Corpo, Envelhecimento, Casamento e Infidelidade, depois vem Corpo, Envelhecimento e Felicidade, em seguida A Bela Velhice, depois Velho é Lindo e a agora acabei de lançar Por que os Homens Preferem as Mulheres mais Velhas? Todos são baseados em pesquisas, mas A Bela Velhice é o livro mais importante para entender essa revolução do foda-se. Já que estamos falando em livros, no texto, A velhice, Simone de Beauvoir escreveu em 1970 que o idoso é uma espécie de objeto incômodo, inútil. Você acha que hoje ela escreveria diferente? Acho que não. Esse livro poderia ser o mesmo. Só que eu estou pesquisando uma outra face da velhice que ela fala também, mas fala muito pouco. O meu livro A Bela Velhi-
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ce surge do livro dela, mas lá é uma coisa muito periférica. E eu decidi mostrar que a bela velhice não é uma possibilidade tão periférica assim. É uma possibilidade bem grande. E o que tem de bom na velhice? Eu gosto de falar uma coisa que uma pesquisada minha diz. Não acho que existe nada de bom, nem nada de ruim. Acho que é simplesmente diferente como todas as fases da vida. Tem conquistas possíveis e a liberdade eu acho que é a mais importante para as mulheres. Tem a valorização do tempo, a realização de novos projetos. Aprende-se a dizer não, a ligar o botão do foda-se. Tem as amizades. Também tem coisas ruins na velhice. Não é fácil olhar o espelho, ver as rugas, sentir problemas de saúde, engordar com facilidade, tem os preconceitos, algumas portas se fecham. Depende muito de como você lida com tudo isso. De como construiu a sua vida. Se você sempre valorizou muito a beleza, vai ser dura demais a velhice. Mas se valorizou a vida intelectual, como eu, a vida pode ser bem produtiva na velhice. Quem exerce uma atividade intelectual ou artística tem mais facilidade de tocar essa fase da vida do que alguém que se dedicou aos serviços braçais, ou burocráticos? Não é fácil para ninguém. Eu acho que o fato de ter projetos e ser apaixonada, e eu sou muito apaixonada pelas coisas que eu faço, ajuda a enfrentar as dificuldades. Mas não é fácil a minha vida. Eu trabalho pra caramba. Sim, mas não foi isso que eu quis dizer com facilidade. O campo de trabalho intelectual é mais flexível em relação à idade. Você, escritora, pode continuar escrevendo livros durante toda a velhice. Eu tenho amigos de 89 anos, de 94 anos e não é a profissão a responsável por eles estarem bem. Mas é tocar piano, tocar pandeiro, ter amigos, ter uma família bacana. Tem tanta coisa bacana que faz as pessoas viverem bem a velhice. Tem o amor. Às vezes as pessoas se encontram mais velhas. Não é só a profissão que conta. No meu caso, o trabalho me alimenta desde os 16 anos. O trabalho sempre foi a coisa mais importante da minha vida e continua sendo. Para outras pessoas não. A família é mais importante, para outras o amor, a amizade… O que você acha das pesquisas em universidades norte-americanas e laboratórios de Palo Alto, na Califórnia, que buscam combater a velhice e buscar a “vida eterna”? Eu tenho aluno de doutorado que vai defender uma tese agora sobre essas teorias de que dá para viver não sei quantos séculos forem “curadas” as células do envelhecimento. Eu espero que dê certo. Eu adoraria viver 1000 anos. Você vê diferença na forma como o brasileiro encara a velhice. É diferente de outras culturas como a europeia? A grande diferença é que eles aprenderam a ser velhos e a conviver com velhos há mais tempo. E nós estamos aprendendo agora, neste século. A gente permanece com a ideia de que o Brasil é um país de jovens e não é mais. É uma questão de tempo para se enxergar a velhice de outra forma. Mas isso já esta ocorrendo, só que não de forma tão na-
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tural como na França, na Alemanha, na Inglaterra. Lá eles convivem com o envelhecimento desde o pós-guerra. Você escreveu recentemente em sua coluna do jornal Folha de S. Paulo, que uma amiga sua não gostava de ser chamada de velha, nem de coroa, nem de idosa. E você pediu sugestões aos leitores sobre como classificar os 60+. Recebeu muitas sugestões? Recebi. Ganhou o termo “velho”. Mas teve uma, por exemplo, que disse gostar de “flor de outono”. Outra falou “jovem há mais tempo”, mas o que ganhou disparado foi “velho”. Mas a minha amiga Nalva [que motivou a coluna] fez 89 anos e disse que prefere dizer que está na flor de outono. Ela lançou recentemente um livro de poesias, gravou vários CDs de músicas clássicas e românticas ao piano, tem um livro de memórias. É impressionante a produção dela. E não é só ela. Tenho amigos de 89, de 91, 92, 94 anos. Eu amo essas pessoas. Aliás, eu agora só quero ser amiga delas. Por quê? Porque são as pessoas que mais me mostram que é possível eu chegar aos 90 com alegria, paixão, amizade, doçura. São pessoas maravilhosas e, para mim, não são velhas nem nada, são pessoas com quem eu quero conviver. Agora, eu escolho as pessoas com quem eu quero conviver. E as mais velhas são as mais bacanas.
OS BABY BOOMERS ESTÃO ENVELHECENDO (TRECHOS DO ARTIGO) Gisela G. S. Castro - Psicóloga, Mestre e Doutora em Comunicação e Cultura (UFRJ), com pós-doutorado em Sociologia na University of London. Docente e Pesquisadora do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM. Nascida no pós-Segunda Grande Guerra, a geração baby boomer compreende contingentes de indivíduos hoje septuagenários e sexagenários. O estudo da construção social dos modos de ser e de doar sentido às diferentes etapas do ciclo da vida adquire especial significado quando se focaliza uma geração que de certa forma fundou um modelo de juventude até hoje considerado emblemático. Trata-se de uma geração que protagonizou transformações históricas em nossa sociedade. Miriam Goldenberg descreve esta geração como sendo composta por homens e mulheres que passaram por importantes mudanças na sociedade ou mesmo tiveram participação ativa nelas, tais como o movimento feminista, as mudanças no comportamento sexual, os novos modelos de casamento e de família, a entrada maciça das mulheres nas universidades e no mercado de trabalho, o uso da pílula anticoncepcional, o movimento da contracultura, a lei do divórcio, entre tantas transformações que ocorreram nos anos 1960 e nas décadas seguintes . Alinhados com esta perspectiva, Featherstone e Hepworth (1995) salientam que não seria razoável que os jovens frutos destas intensas transformações envelhecessem segundo
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os mesmos padrões das gerações que os antecederam. Os protagonistas da cultura jovem – dos movimentos de contracultura e também contemporâneos da massificação do consumo – trariam para a maturidade estilos de vida marcados pelo presenteísmo e individualismo que de certo modo caracterizam o contemporâneo. Como ressaltam os autores, trata-se de uma crescente sensibilidade por parte dos negociantes acerca dos potenciais novos mercados constituídos pela vida na meia idade e além. Na sociedade contemporânea, não são apenas os mais jovens que são encorajados a desenvolverem um interesse na moda, nos modos de apresentação de si e na construção e reconstrução das expressões do self por meio de estilos de vida individualistas através dos bens de consumo, mas também aqueles acima dos 50. O próprio uso da categoria geração precisa ser posto em questão de modo a se enfatizar não apenas a diversidade de estilos e modos de ser entre co-etários, como também para chamar a atenção para o estreitamento desta categoria nas atuais configurações de família que passam a coexistir com a tradicional família nuclear. A passagem de avô para pai e deste para filho e neto não é mais necessariamente tão claramente demarcada quando se pensa nos arranjos familiares em que se promove a convivência entre proles de diferentes casamentos de genitores e progenitores. Convivemos com diferentes modelos de jovens, adultos, velhos e idosos. Ao lado do vovô austero de cabelos brancos, temos o motoqueiro tatuado que já é avô e vira pai novamente. É justamente nesta riqueza simbólica encontramos elementos para constituir a atribuição de sentidos para o envelhecimento.
IDADISMO (TRECHOS DE TED) Ashton Applewhite – escritora e ativista. O que todo mundo aqui irá se tornar algum dia? Velho. A maioria de nós morre de medo dessa possibilidade. Como essa palavra faz vocês se sentirem? Eu costumava me sentir da mesma forma. O que mais me preocupava? Acabar babando em algum corredor de uma instituição horrível. Então aprendi que apenas 4% dos americanos mais velhos estão vivendo em casas de repouso, e o percentual está caindo. Sobre o que mais eu me preocupava? Demência. Acontece que a maioria de nós é capaz de pensar bem até o final. Os índices de demência também estão caindo. A doença real é a angústia pela perda de memória. Acontece que, quanto mais as pessoas vivem, menos elas temem morrer, e que elas são mais felizes no começo e no final de sua vida. Isso é chamado de curva em U da felicidade, e foi confirmado por dezenas de estudos em todo o mundo. Você não precisa ser budista ou bilionário. A curva é uma função da forma como o envelhecimento afeta o cérebro. Então comecei a me sentir muito melhor sobre envelhecer, e a ficar obcecada em saber por que tão pouca gente sabia disso. A razão é o preconceito de idade: discriminação e estereótipos baseados na idade. Passamos por isso sempre que alguém assume que somos
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muito velhos para algo, em vez de descobrir quem somos e do que somos capazes, ou que somos muito jovens. O preconceito de idade atravessa os dois caminhos. Todos os “-ismos” são ideias construídas socialmente: racismo, machismo etc. Isso significa que nós as inventamos, e que elas podem mudar ao longo do tempo. Todos esses preconceitos nos colocam uns contra os outros, para manter a situação atual, como os trabalhadores dos EUA que competem contra os do México em vez de se organizarem por melhores salários. Sabemos que não é bom alocar recursos por etnia ou gênero. Por que seria bom comparar as necessidades dos jovens com as dos idosos? Todo preconceito depende dos “outros”, ver um grupo de pessoas como além de nós mesmos: outra etnia, outra religião, outra nacionalidade. O estranho sobre o preconceito de idade é que esse outro somos nós. O preconceito alimenta-se da negação, da relutância em reconhecer que nos tornaremos essa pessoa mais velha. É negação quando tentamos nos passar por mais jovens, quando acreditamos em produtos anti-idade, ou sentimos que nossos corpos estão nos traindo, simplesmente porque estão mudando. Por que paramos de comemorar a capacidade de se adaptar e crescer no decorrer de nossa vida? Por que envelhecer bem é uma luta para olhar e se movimentar como versões mais jovens de nós mesmos? É constrangedor ser chamado de mais velho até deixarmos de ter vergonha disso, e não é saudável passar a vida temendo nosso futuro. O quanto antes sairmos desta roda de negação da idade, melhor estaremos. Estamos todos preocupados com algum aspecto de envelhecer, seja ficar sem dinheiro, ficar doente, acabar sozinho, e esses medos são legítimos e reais. Mas o que a maioria de nós não percebe é que a experiência de atingir a velhice pode ser melhor ou pior dependendo da cultura em que ocorre. Não é ter uma vagina que torna a vida mais difícil para as mulheres. É o machismo. Não é amar um homem que torna a vida mais difícil para os gays. É a homofobia. Não é a passagem do tempo que faz envelhecer ser muito mais difícil do que deveria. É o preconceito de idade. Quando fica difícil ler os rótulos ou não há corrimão, ou não conseguimos abrir o maldito pote, culpamos a nós mesmos, à nossa incapacidade de envelhecer com sucesso, em vez do preconceito de idade que torna essas transições naturais vergonhosas e da discriminação que torna esses obstáculos aceitáveis. Não se pode ganhar dinheiro com a satisfação, mas a vergonha e o medo criam mercados, e o capitalismo sempre precisa de novos mercados. Quem disse que as rugas são feias? A bilionária indústria de cosméticos. Quem disse que perimenopausa, testosterona baixa e comprometimento cognitivo leve são condições médicas? A trilionária indústria farmacêutica. Quanto mais claramente vemos essas forças em movimento, fica mais fácil criar histórias alternativas mais positivas e precisas. O envelhecimento não é um problema a ser corrigido ou uma doença a ser curada. É um processo natural, poderoso e vitalício que une todos nós. Mudar a cultura é uma tarefa difícil, eu sei, mas a cultura é adaptável. Vejam quanto a situação das mulheres mudou durante a minha vida, ou os avanços incríveis dos direitos dos homossexuais em apenas algumas décadas. Olhe para o gênero. Pensávamos nele como um binário, masculino ou feminino, e agora entendemos que é um espectro. Já está na hora de abandonar o binário velho-jovem
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também. Não há um limite entre velho e jovem. Por que incluir outro -ismo na lista quando tantos, o racismo em particular, pedem ação? O negócio é o seguinte: não temos que escolher. Quando fazemos do mundo um lugar melhor para envelhecer, fazemos dele um lugar melhor para qualquer pessoa, que tenha uma deficiência, seja homossexual, pobre ou negra. A longevidade veio para ficar. Um movimento para acabar com o preconceito está aí. Estou dentro e espero que vocês se juntem a mim.
CORPO DE VELHO Denise Bernuzzi de Sant’Anna - Professora livre-docente de História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Um dos grandes tabus das sociedades contemporâneas é o corpo dos velhos. O mais fácil é associá-los preferencialmente a tudo o que já não são, como se fosse impossível encontrar em suas presenças algo singular, positivo ou simplesmente independente das imagens da perda e da inutilidade. Tentar ver as várias dimensões do corpo envelhecido também pode parecer um exagero romântico e irreal, igualmente inútil diante de tantas fraquezas evidentes nos corpos dos mais velhos. No entanto, seria redutor imaginar um único corpo imperativo na velhice, aquele das perdas, repleto de carências e ausências. Os corpos, do nascimento à morte, apresentam-se de modo singular e único dentro da vida e estão longe de serem reduzidos a um drama sórdido, cuja única característica seria, por exemplo, a doença. Ao longo da existência, a mutação corporal desenha silhuetas nem sempre esperadas, várias vezes em desacordo com o que a indústria da moda e a insistência no rejuvenescimento divulgam como sendo o melhor para todos. Mas um corpo envelhecido é antes de tudo marcado por um passado cuja lembrança pode ser tão boa quanto necessária. Ele funciona como expressão de uma distância entre as épocas, essencial para que a infância e a juventude sejam devidamente vividas e ultrapassadas. Ou seja, o corpo envelhecido é sempre um corpo solidário ao tempo vivido, expressivo daquilo que os jovens ainda não sabem. Trata-se de um registro humano da densidade do mundo, de suas épocas, suas intempéries e bonanças. Evidentemente, é sempre o rosto a expressão primeira desse mundo vivido. Mas a postura, a voz e o sorriso compõem com o rosto, a paisagem estampada por cada presença corporal, seja ela mais ou menos velha. O corpo velho seria então, em primeiro lugar, antigo, uma presença de outros tempos e uma prova da perseverança humana na luta pela própria sobrevivência. Em segundo lugar, ele é também o registro das singularidades de cada batalha vivida. E, enfim, algumas características lidas comumente como sinônimos da fragilidade típica da idade, quando colocadas sob o plano histórico e cultural, adquirem novos signifi-
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cados: fonte de emoções, este corpo encerra mistérios, tanto quanto as centenárias árvores, cujos troncos soberanamente contêm uma quietude, típica de quem “já viveu muito” e que, por isso mesmo, duvida um pouco da necessidade de adiantar conselhos quando eles não são pedidos. Diante dos corpos antigos, não se trata portanto de procurar beleza, nem de insistir em sua ausência. Eles importam sobretudo porque atualizam tempos e espaços que já não mais existem, suas imagens não apenas levam ao rememorar essencial à condição humana mas, principalmente, à certeza de que ninguém está excluído de suas impermanências.
SEXO DEPOIS DOS 60 “Amor é privilégio de maduros estendidos na mais estreita cama, que se torna a mais larga e mais relvosa, roçando, em cada poro, o céu do corpo (...) Amor é o que se aprende no limite, Depois de se arquivar toda a ciência Herdada, ouvida. amor começa tarde” Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) Segundo a poesia, o amor é um privilégio dos maduros, o mesmo, nem sempre, vale para o sexo. Cerca de metade dos idosos entrevistados pelo Datafolha (pesquisa feita em 3 de setembro de 2017) relata que costuma ter relações sexuais (53%). O levantamento ouviu 2.732 pessoas com 16 anos ou mais em todo o país e tem margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
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O resultado mostra que o declínio da prática sexual é gradativo. Na faixa de 55 a 59 anos, 75% dizem que costumam fazer. Na de 60 a 70, o índice cai a 58% e, depois, a 43% na de 71 a 80 anos. Após essa idade, 31% afirmam ainda manter relações. De acordo com a pesquisa, de cada cem homens com 60 anos ou mais de idade, 83 responderam que costumam ter relações sexuais, ante 29 de cem mulheres. Segundo a pesquisa Datafolha, além do gênero, o nível de atividade sexual varia também de acordo com a escolaridade e renda, em todas as faixas etárias. Entre os idosos, são ativos 75% dos que ganham mais de cinco salários mínimos, contra 46% entre os que que têm renda de até dois salários. Para especialistas, a explicação pode estar no maior acesso a serviços de saúde, já que uma boa condição física no geral é pressuposto para uma vida sexual saudável.
O QUE É VIOLÊNCIA OCULTA? Contardo Calligaris - escritor, psicanalista e dramaturgo italiano radicado no Brasil. É colunista do jornal Folha de S. Paulo. “É uma violência que não é reconhecida nem por suas vítimas nem por seus agressores. São pequenos gestos que passam desapercebidos como reflexos da convivência”, explica o psicanalista Contardo Calligaris. Parece difícil de entender, mas vamos dar um exemplo simples. No Brasil, as famílias tendem a aceitar quando os filhos jovens levam o namorado para dormir em casa. Pode ser em camas separadas no início, mas depois as normas podem se afrouxar e a figura do parceiro em casa se torna comum. Agora, caso sua mãe (na terceira idade) more na sua casa por estar mais debilitada ou por questões financeiras e resolva levar um homem para dormir com ela. Seria aceito sem problemas? “Ia ser proibido, o que é bem engraçado. A mulher de 60 anos não pode transar no lugar em que vive e a neta de 17 pode”, comenta Calligaris. O idoso tem seu desejo negado e fica explícita uma violência oculta. O filho não assimila que quem está na terceira idade continua ativo. E a senhora, por sua vez, não desafia a família e passa a acreditar que não pode mais ter pretensão sexual. Segundo o psicanalista, a sociedade tende a colocar o idoso como alguém com menos direitos, que não consegue tomar decisões e é até infantilizado. “A pessoa perde autonomia. Tratar um idoso como bebê faz com que ele responda como tal, renunciando cada vez mais sua individualidade”. É preciso que o idoso consiga buscar autonomia para lutar contra esse movimento que os anula como cidadãos. “Homossexuais e mulheres, por exemplo, também sofrem violências pontuais, mas têm a vantagem de já estarem na luta, terem consciência de que
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são um grupo discriminado e conseguirem respostas políticas. Os idosos precisam conquistar esse poder de luta”, diz Calligaris. E o contexto pode estar perto de uma reviravolta. O psicanalista explica que uma nova geração de idosos mais inquietos está se formando e pode dar voz aos problemas da idade. “Vejo que quem tinha cerca de 20 anos em 1968 está chegando na terceira idade e é um grupo acostumado a pensar a política de uma maneira diferente, quer ter voz, quer direito individual e pode incomodar para conseguir”. Como frear a violência? A dica para não praticar nenhuma violência oculta ao se dirigir a um idoso é autoconhecimento. “Costumamos cuidar de idosos que tenham relação muito próxima, como pais ou sogros. Isso faz com que muitas vezes a gente, mesmo sem querer, desconte neles traumas antigos”, afirma. É aquela história de ter ficado no seu inconsciente um ressentimento por algo que seus pais fizeram durante a sua infância e de alguma forma na velhice, quando chega sua vez de cuidar, existir espaço para a revanche. “Temos que trabalhar no autoconhecimento para não levarmos neuroses antigas para o presente. Temos que pensar, debater e ver o idoso como um igual, para darmos seu devido espaço social”.
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Eu quero comer você Eu quero dar pra você, mas eu não quero dizer Você precisa saber ler Eu quero dar pra você, mas eu não quero dizer Você precisa saber ler A linha da minha mão Meus olhos na noite escura A minha indecisão No picho daquele bar Temos na última casa Uma tragada de ar Eu quero dar pra você Eu quero dar pra você Eu quero explorar você E nem preciso explicar Nem tenho que soletrar “Nu” Eu quero explorar você E nem preciso explicar Nem tenho que soletrar “Nu” Uma vontade comum Na tua geografia A linha dura em mim Suor na pele marrom O arrepio no pelo A veia da tua mão Eu quero comer você Eu quero comer você É É Eu quero dar pra você Ui Eu quero dar pra você Ui Elza Soares [Deus é Mulher]
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ENTREVISTA EXCLUSIVA COM MIRELA BERGER Mirela Berger - cientista social com mestrado e doutorado em antropologia pela Universidade de São Paulo e pós-doutorado pela Unicamp. Docente há mais de vinte anos, autora de vários artigos e livros, a escritora nos presenteia com esta incrível temática do universo feminino. Autora do livro “Corpo, erotismo e sexualidade em mulheres da terceira idade”, que retrata a vida dessas mulheres em vários campos do cotidiano, seja na vida social, pessoal e principalmente sexual. A pesquisadora frequentou sex shops com as entrevistadas e descobriu que elas adoram próteses penianas e toys. Metade delas tem vida sexual ativa e o restante, mesmo sem vida sexual, vivenciam o erotismo até mesmo em situações cotidianas. Frequentam bailes da terceira idade em busca de possíveis parceiros sexuais. As mulheres estão vivendo a vida intensamente e fazendo revoluções cotidianas em vários planos, mas principalmente na sexualidade. Para muitas delas, a vida, antes de se apagar com a terceira idade, começa justamente com ela. Seu livro “Corpo, Erotismo e Sexualidade em mulheres da terceira idade” foi o primeiro sobre o tema. Como você concebeu a ideia dessa obra? A ideia surgiu durante o processo de pesquisa bibliográfica para a construção do projeto de pós doutorado, quando constatei a ausência de pesquisas brasileiras que tratassem prioritariamente da sexualidade em mulheres idosas. O projeto e o livro surgiram para preencher essa lacuna. Como foi a pesquisa? O que mais te surpreendeu na vivência com essas mulheres? Primeiramente, a pesquisa de campo foi extremamente cansativa, física e teoricamente porque as mulheres, tanto da periferia quanto da elite estavam dispostas a falar sobre qualquer assunto, menos sobre sua sexualidade. Então fiz todas as atividades de ginástica que elas faziam, em longas e intermináveis horas, dançando coreografia do programa afro mix, fazendo hidroginástica, alongamento, aula aeróbica e inclusive frequentando bailes da terceira idade. Somente depois de quatro meses de intensa convivência, consegui as primeiras entrevistas e aí o campo fluiu. O que mais me surpreendeu foi a intensa fome de vida e de experimentar coisas novas em todos os âmbitos, inclusive sexualmente. Como é o sexo casual na 3ª idade? Para as mulheres separadas é muito tranquilo. Elas inclusive vão a bailes da terceira idade com a esperança de que consigam um parceiro sexual. Para exemplificar, cito a fala de uma das entrevistadas, Pagu, de 67 anos: “É um lugar de caça mesmo, eu sempre brinco que paquera é pra molecada. Tem bares da terceira idade aqui na Liberdade que você precisa conhecer também. Tem um bar na rua da Glória que é ‘as vovós do rock roll’ e eu sou da geração rock roll”. Ela diz até fazer um kit para o baile: “Preservativo, lenço umedecido, pomada, talvez, depende do ressecamento, se você parou um pouco a reposição hormonal, tudo isso, uma lingerie mais bonita, uma lingerie que combine com o seu corpo. Eu vou preparada, com certeza, ou pra matar ou para voltar [rs]! E se eu voltar, eu volto feliz, mas se eu encontrar alguém que eu quero, eu vou tentar, vou tentar mesmo porque ai eu vou ficar mais feliz ainda!”
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Como o desenvolvimento da medicina e das tecnologias influenciaram na mudança de comportamento sexual do idoso? Para o homem, medicamentos como o Viagra e outros similares foram fundamentais para o alongamento da vida sexual. Para as mulheres, a reposição hormonal e os produtos de sex shops, como bolinhas de lubrificação íntima, toys (brinquedos sexuais) e mesmo as próteses penianas causaram uma verdadeira revolução na vida sexual de tais mulheres Você acredita que estamos diante de uma geração idosa que está revolucionando a sexualidade? Com toda certeza. As mulheres, por mim entrevistadas, vivem sua sexualidade de uma maneira muito intensa, experimentando experiências sexuais e eróticas que não vivenciaram quando mais novas. Uma delas, Energia, 62 anos, gosta de esperar o marido fazendo o jantar vestida com uma fantasia de sex shop de empregada. Você tem informações/dados de como é o mercado sexual na 3ª idade (consumo de pornografia, produtos de sex shop, etc)? Sim, fiz uma pesquisa em dois sex shops e fiquei extremamente surpresa com os resultados. As vendedoras estimam que 15% do público é de mulheres idosas. Como já dito, brinquedos sexuais que funcionam como estimuladores clitorianos são os muito procurados (Matadoura, 72 anos, estava com uma calcinha com um vibrador embutido no baile da lua). Curiosamente, o item mais desejado são as próteses penianas, que quanto mais realísticas melhor. Você trabalhou com mulheres de diferentes classes sociais. Na sua pesquisa, você constatou essa questão como fator de diferença? A classe social influenciou pouco os resultados. Ela só é significativa no sentido de que as mulheres da elite tem mais e melhores oportunidades de lazer do que as mulheres da periferia. No entanto, todas elas afirmaram que estão vivendo muito mais agora do que antes, que se sentem pela primeira vez protagonistas de suas vidas, que não se sentem velhas e sim mulheres “bem conservadas” e que não medem esforços para viver suas vidas plenamente, até mesmo do ponto de vista sexual. Como as mulheres enxergam e cultivam a beleza na terceira idade? Essa é uma resposta complexa, porque é claro que a aparência influencia na melhora da auto-estima e da disposição para o sexo, mas eu descobri que não há um modelo único de beleza para a terceira idade, mas sim um tripartido. No primeiro estrato estariam aquelas mulheres que não fazem grandes intervenções no corpo ou no rosto. São adeptas da ginástica, cuidam dos cabelos, mantêm as unhas da mão e dos pés bem feitas, fazem a sobrancelha. Elas já se aceitam, nas palavras delas, como “senhoras bem conservadas”. Têm recursos para fazer plástica e já a fizeram quando mais jovens, mas nesse momento da vida, buscam o equilíbrio entre corpo e mente e acreditam que muitas plásticas o estragam, pois seria um descompasso.
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No segundo estrato, estão as que querem ir um pouco além dos cosméticos e das roupas e optam por botox, preenchimento facial, drenagem linfática, massagens redutoras. As de menor poder econômico gostariam de fazer plásticas, mas não o podem. As mais abastadas ficam divididas entre fazer ou não fazer plásticas, acredito que elas ainda estão negociando consigo mesmas a percepção da passagem do tempo e a imagem que querem passar de si mesmas. No terceiro e último estrato seriam as “mulheres Madonnas”, que obviamente, se inspiram na pop star norte americana. Essas procuram todo e qualquer recurso que as façam parecer jovens aos olhos de si mesmas, mas sobretudo, serem percebidas como jovens pelas outras pessoas. O tipo ideal de mulher Madonna é aquela que détem o controle do tempo sobre seus corpos, munindo-se de plásticas estéticas e outras técnicas corporais, num processo que exige dedicação, esforço, sacrifícios, disciplina e capital, pois esse corpo é um corpo de classe, disponível somente para aquelas com grande poder aquisitivo. Para essas, o corpo é seu maior capital. Mas, de todo modo, todas elas acreditam que uma aparência mais bem cuidada influi diretamente no exercício da sexualidade e do erotismo.
DIVERSIDADE SEXUAL E DE GÊNERO Carlos Eduardo Henning - Professor Adjunto I de Antropologia no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social e na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás (UFG). Doutor em Antropologia Social pela UNICAMP. Mestre em Antropologia Social pela UFSC. Guita Grin Debert - Professora Titular do Departamento de Antropologia da UNICAMP. Possui graduação em Ciências Sociais (1973), mestrado em Ciência Política (1977), doutorado em Ciência Política (1986) pela Universidade de São Paulo (USP) e estudos de pós-doutorado no Department of Anthropology, University of California, Berkeley. A associação entre velhice e homossexualidade ou entre velhice e experiências transgêneros é algo praticamente inexistente na nossa literatura. E tal ausência é surpreendente sobretudo em um contexto como o brasileiro, o qual conta com uma das maiores Paradas LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros) do mundo, a da cidade de São Paulo, e com uma ampliação significativa do debate acerca do reconhecimento dos direitos das, assim ditas, “minorias sexuais”. É quase como se “velhice” e “homossexualidade” fossem noções impossíveis de serem associadas. E isso poderia se dar, entre outras razões, pelas representações provenientes do senso comum que vinculam a velhice à ausência de vida sexual, assim como, em contrapartida, pela associação oposta entre homossexualidade e os estereótipos de promiscuidade e vida sexual abundante. Nesse ponto de vista, portanto, não seria possível que existissem “homossexuais velhos”. Os velhos e as velhas LGBT poderiam ser vistos como duplamente ignorados, tanto pelos gerontólogos quanto pelos movimentos sociais LGBT, os quais, em termos gerais, manteriam suas bandeiras e agendas políticas marcadamente centradas em adultos jovens,
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assim como nos de meia-idade. Nessa direção seria possível afirmar também que a agenda de reivindicações dos “velhos LGBT” no contexto dos movimentos sociais no Brasil é, em grande medida, algo praticamente inexistente, salvo a atuação de alguns ativistas isolados. Ademais, essa situação não deixaria de ser algo paradoxalmente triste quando consideramos que muitos desses velhos e velhas homossexuais, bissexuais, travestis e transexuais foram alguns dos pioneiros dos “movimentos de liberação gay”. No momento atual, ao adentrarem na velhice, esses pioneiros se veriam ignorados e sem apoio tanto pelos movimentos sociais que auxiliaram a constituir quanto pelos profissionais do campo da gerontologia social. No entanto, destoando desse cenário, ao menos na América do Norte, um campo que tem desafiado frontalmente ao panorama heteronormativo sobre a velhice e que tem fomentado o debate sobre envelhecimento e identidades sexuais e de gênero é a gerontologia LGBT. Esse campo teria raízes antigas que remontam a fins da década de 1960 e tem denunciado desde então o apagamento das questões e problemáticas específicas de velhos e velhas LGBT. Ao mesmo tempo, tal campo gerontológico tem contribuído decisivamente para ampliar as visões acerca da pluralidade de experiências de envelhecimento, em particular no que diz respeito a questões de gênero e sexualidade . De acordo com essa literatura, os velhos LGBT necessitariam do desenvolvimento urgente de políticas públicas específicas, uma vez que eles tenderiam a viver mais sozinhos que a média populacional, considerando que somente um quarto deles teriam filhos e muitos teriam rompido relações com suas famílias de origem. Elementos esses que dificultariam sobremaneira a constituição de redes de apoio social e de cuidado na velhice. De acordo com tal literatura, tais características somadas ao “duplo estigma” (o da velhice e o da homossexualidade) seriam questões que trariam desafios extras e substanciais para tais velhos. Esse campo também aponta que estatisticamente os velhos LGBT correriam um risco maior de cair na pobreza ao adentrarem na velhice, assim como o de se tornarem “sem teto”. Em suma, essa literatura frequentemente denuncia que tais velhos viveriam a conjunção de várias discriminações, questões que promoveriam desafios sobressalentes quando comparadas com a média populacional abrangente. Além disso, esse braço da gerontologia na América do Norte tendeu também, ao longo de sua história, a oscilar entre representações sociais bastante negativas e outras marcadamente positivas acerca dos envelhecimentos desses indivíduos. Do lado positivo, a literatura argumenta, entre outras questões, que na ausência muitas vezes do apoio das famílias de origem haveria a criação de redes de amizade que funcionariam como uma espécie de família de adoção. Nessas redes de suporte baseadas na amizade prevaleceria a solidariedade tanto na velhice como na doença – como foi possível constatar, em grande medida, com a crise epidêmica do HIV/Aids. E a literatura pontua igualmente a possibilidade de um acúmulo de bens materiais e financeiros dada a relativa ausência de despesas, por exemplo, com filhos. Um dos elementos dignos de nota em relação a essa literatura, porém, é a sua escolha por enfocar mais as eventuais diferenças entre envelhecimentos de “homossexuais” e “heterossexuais”, em detrimento de possíveis comunalidades. Assim, em termos gerais, a gerontologia LGBT tende a difundir um enfoque analítico de tom mais diferencialista. E outro ponto notável na literatura é a relativa ausência de crítica e desconstrução dos binarismos de gênero e sexualidade, especialmente no que se refere à oposição homossexual x
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heterossexual. Por fim, ainda sobre essa tensão pendular no campo – heterossexuais / homossexuais -, permanece sem resposta a ideia de quem se adaptaria melhor à velhice. No Brasil ainda não existe nada consolidado e desenvolvido nos moldes de uma “gerontologia LGBT” como na América do Norte. Apesar disso, é possível afirmar que já existe um conjunto consolidado de investigações – em especial socioantropológico –, o qual tem atentado para a diversidade sexual e de gênero na velhice na última década. Autores apontam de maneira sagaz e oportuna que, mais do que meramente estarmos aprendendo sobre o “envelhecimento LGBT”, esse conjunto de pesquisas em desenvolvimento estaria, sim, investigando “uma determinada experiência geracional, bem circunscrita em termos históricos, sociológicos e culturais, a dos ‘entendidos’ e ‘primeiros gays’”.
CENTRO DE CONVIVÊNCIA LGBT NO MÉXICO Fonte: El Pais “Na terceira idade, o gay volta para o armário para sobreviver” A ativista transexual Samantha Flores abrirá na Cidade do México um centro de convivência para idosos gays com o objetivo de combater a solidão que os atinge. Samantha Flores tem 84 anos, é transexual e quando olha para uma câmara se transforma em uma diva. Comporta-se com desenvoltura, consciente de ter muitos admiradores do outro lado das lentes. Ela conquistou esse estatuto à base de muita luta, mantendo uma queda de braço com uma realidade cruel. Uma combatente pelos direitos dos pacientes com HIV, que volta a ter reconhecimento. Em seu velho e modesto apartamento, ela comemora incrédula o êxito de sua mais recente batalha: construir um albergue para idosos LGBT na Cidade do México. “Os heterossexuais da terceira idade estão esquecidos, abandonados, postos de lado, segregados. Mas os idosos LGBT são simplesmente invisíveis. Ninguém sabe que nós existimos. Queremos satisfazer a mais básica das necessidades: acabar com a solidão e podermos nos reunir como uma grande família”, diz Samantha, que foi homenageada em Madri durante os eventos do orgulho Gay. 80 anos de força – esse é o título dado pela revista Out ao perfil que publicou sobre Samantha, que aproveitou para angariar 400.000 pesos (cerca de 76 mil reais) por meio de um crowdfunding. Com esse dinheiro, ela abrirá um centro de convivência LGBT, que, com o tempo, pretende transformar em albergue. É a sua luta pelos direitos de uma comunidade que o imaginário coletivo associa à juventude e festas, mas que, quando chega a terceira idade, “volta para o armário para poder continuar vivendo em sociedade. Não somos casados nem temos filhos ou família. Estamos sozinhos. Precisamos formar um grupo de pessoas da terceira idade para dar conta das nossas necessidades de afeto”, explica Samantha.
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Samantha luta pelos direitos de uma geração que foi criminalizada em sua juventude e esquecida na velhice. Coetâneos de luta de Samantha que, em inúmeros casos, tiveram de romper com seus familiares depois de expor sua identidade. Era um tempo em que sair do armário significava enfrentar a rejeição significava enfrentar a rejeição e passar a fazer parte do lado sórdido da sociedade. “Será um local de convivência diurna onde não iremos resolver nenhum problema de saúde. Trata-se de reunir a terceira idade LGBT para combater a nossa solidão. Mas se alguém disser que tem uma amiga íntima que não é gay, mas que quer ir lá também, será muito bem-vinda. Ou se um outro tem um amigo muito macho com quem costuma beber nos fins de semana e que diz ‘eu quero ver o que esses veados fazem ali reunidos’, também lhe abriremos as portas. Fomos rejeitados durante tantos anos, não é agora que começaremos a discriminar”, diz.
‘TINDER’ PARA 3ª IDADE A proposta do Stitch, aplicativo criado pelo australiano Andrew Dowling, que apresenta aos usuários um sistema de aprovação e recusa próximo ao do Tinder, é ser voltado especificamente para um público de 50 anos ou mais. Por enquanto, os únicos territórios onde o aplicativo está presente é o do Estado de Nova Gales do Sul, na Austrália; e na Califórnia, EUA. Apesar de se anunciarem como o ‘Tinder para a terceira idade’ inicialmente, o dono do app agora prefere se distanciar do rival – que não possui limitação de idade máxima. “Estamos muito focados nas necessidades específicas do público mais velho, só por isso já somos diferentes do Tinder”, disse Downling à VICE. “Verificamos as identidades das pessoas até a preferência deles por ligações em vez de mensagens de texto.” Segundo dados recentes da Comscore, no Brasil, usuários com mais de 55 anos totalizam 6,9% da audiência online local. A pesquisa aponta ainda que brasileiros passam o dobro do tempo gasto em redes sociais do que o resto do mundo.
AMOR - LONGEVO SIM E AINDA COM MUITOS DESEJOS Rogerio Lacerda – filósofo pela PUC-SP. Atua como pesquisador de conteúdo para filmes e series de TV. Escreveu este artigo exclusivamente para a referida pesquisa. “Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura” Guimarães Rosa – Grande Sertão Veredas Debrucemos sobre tudo o que já foi escrito sobre amor, páginas e páginas e muitas ainda estarão por serem escritas. Pensemos sobre as canções, de todos os tempos, um árduo trabalho enumerar todas as composições feitas em nome do amor. O mesmo pode-
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mos dizer sobre o cinema, desde seu advento, são incontáveis produções. Mas o que seria o amor? Como explicar o famoso verso de Camões “o amor é um fogo que arde sem se ver”? Quem sabe com o verso de outro poeta, Carlos Drummond de Andrade: “Se você sabe explicar o que sente, não ama, pois, o amor foge de todas as explicações possíveis”. Mas amor não carece de uma definição, de conceito que lhe de unidade. É, de alguma forma, uma inexplicável força, uma poderosa energia que não se entende, é um rechaço ao homem, a sua miséria ontológica. Segundo o neurocientista Larry Youn: “A ciência será capaz de nos dizer muitas coisas sobre a química e os mecanismos cerebrais envolvidos no amor. Mas não nos fará entender sua magia. Isso só se pode entender estando apaixonado”. E a ciência? Deixemos por ora o amor, em muito em breve voltamos ao nosso objeto e vislumbremos algo com precisão que a ciência hoje é capaz de nos revelar; os avanços científicos são imensuráveis, muito além do que podíamos imaginar há 100 anos atrás. Medicina regenerativa, células-tronco e biologia molecular são alguns exemplos. Os novos hábitos adquiridos, maior acesso a informações, cuidados com o corpo e a mente, a ciência prova que nos tornamos mais longevos. Longevidade é o conceito do momento. Nosso tempo de vida prorrogado, podemos chegar aos 150 anos, algo até então inconcebível. A finitude continua o fantasma sempre a espreita, mas essa é a natureza humana. Elucidando que um maior tempo de vida, sem dúvida, acarreta uma série de transformações, reinvenções, rompimentos de normas e conceitos que nos permeavam até então. A humanidade é insaciável e isso com louvor, não é o bastante prolongar nosso tempo de vida, se não podermos desfrutá-la com qualidade. A sociedade agora pondera, com maior ênfase, o envelhecer, em todos os âmbitos da vida, políticas públicas e privadas, o meio ambiente e os recursos naturais, tecnologias e principalmente as relações humanas agora ainda mais transversais. Envelhecer hoje não é mais sinônimo de decrepitude, mas quem sabe uma nova aurora. Simone de Beauvoir em “Moral da Ambiguidade” (1947) reflete: “O homem não se justifica por sua simples presença no mundo. O homem só é homem por sua recusa em permanecer passivo, pelo vigor com que se projeta do presente para o futuro e se orienta para as coisas, a fim de dominá-las e dar-lhes forma. Para o homem, existir é refazer a existência. Viver é a vontade de viver”. Simone Beauvoir foi uma romancista e filósofa e acima de tudo uma mulher avant-garde. “Moral da Ambiguidade” foi escrito antes de sua célebre obra “A Velhice” que data de 1970. Para os estudiosos da autora, ficará claro uma mudança em sua percepção do tempo, da vida e do envelhecer claramente mais pessimista na última obra referida. Entretanto o século XXI nos trouxe um ansiar que enxergo poder estar mais próximo de uma Simone dos anos 40. Com clareza e distinção, devemos olhar com cautela as transformações sociais e principalmente ao que concerne a longevidade. Como já dito há muito a ser discutido e reinventado. Adélia Prado, em uma entrevista para a Revista do Sesc nos aclara: “É uma espécie de injeção de ânimo que, às vezes, peca pelo artificial. Eu acho que o velho precisa ser educado e ajudado no sentido primeiro de aceitar a própria condição, isto é, perceber os limites e não alimentar fantasias para transpô-los”. Concordo com Adélia Prado, entretanto acrescento que não só o velho deve ser educado, mas a sociedade em sua totalidade, crianças e jovens devem desde muito cedo compreender que serão mais longevos que talvez
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seus próprios avós. É necessário romper com esse distanciamento, de apenas enxergar o envelhecer no outro, de relacionar esta fase da vida, com a debilidade e aproximação da finitude. Devemos nos fazer perguntas como por exemplo: Que idade eu sinto ter? Qual o tipo de velhice almejo alcançar? O que clama meu corpo? Meus sonhos, meus desejos quais são? Quais são os afetos com que trato meu presente? Não somos de natureza passiva, nos projetamos para o futuro. Assim que me valho do seguinte provérbio chinês: “O passado é história, o futuro é mistério, o hoje é uma dádiva. Por isso é chamado de presente!” Prosseguimos, agora com o amor, esse outro jocoso mistério da vida. Ilustrando com uma reflexão do escritor português José Saramago que em uma entrevista alegou: “Penso saber que o amor não tem nada que ver com a idade, como acontece com qualquer outro sentimento. Quando se fala de uma época a que se chamaria de descoberta do amor, eu penso que essa é uma maneira redutora de ver as relações entre as pessoas vivas. O que acontece é que há toda uma história nem sempre feliz do amor que faz que seja entendido que o amor numa certa idade seja natural, e que noutra idade extrema poderia ser ridículo. Isso é uma ideia que ofende a disponibilidade de entrega de uma pessoa a outra, que é em que consiste o amor” (Revista Máxima - 1990). O psiquiatra Flávio Gikovate também segue uma linha de raciocínio semelhante: “Sempre que uma pessoa de mais idade se apaixona costuma falar assim: estou parecendo adolescente! Parece que, de repente, sentir-se encantada por alguém é sinal de imaturidade emocional”. Agraciados, com a longevidade, deveremos primordialmente pontuar não apenas o amor, mas a paixão e a sexualidade destes anos conquistados. A sociedade acostumou-se enxergar na velhice a fragilidade, impotência e dependência, mas isso terá de ser deixado para trás hoje os velhos desejam, sempre desejaram e pouco a pouco começam, aceitar essa maravilhosa condição. Questões extremamente relevantes não poderão ser deixadas de lado. O corpo talvez o primeiro e mais forte tabu, deve ser aceito e isso não será uma tarefa fácil. Afinal, foram séculos de exaltação do corpo jovem como ideal de beleza e perfeição. Mas o melhor de toda revolução é quando se faz o tempo de desconstruir determinados padrões. E talvez na adolescência, tais ideais de beleza se faça, mas presente, mas na maturidade, acredito que internamente não são esses os valores que manifestam o amor e as paixões. O encantamento vem agora junto com a experiência e o companheirismo é mais do intelecto do que físico propriamente. A sexualidade é outro ponto bastante interessante. Recorro novamente a Flávio Gikovate: “Onde existe intimidade de verdade as trocas de carícias eróticas sempre existirão – apesar das limitações que a natureza impõe com o passar dos anos” Diversos estudos demonstram que a sexualidade não se esgota e um ponto curioso é que as relações mesmo tendendo a serem mais espaçadas podem ter maior qualidade. A professora e antropóloga Guita Grin Debret, da UNICAMP, autora do estudo: “Velhice, Violência e Sexualidade” constatou: “As mulheres passam a ser menos recatadas e os homens, mais afetuosos. Nas sensações também há mudanças. O prazer estaria espalhado pelo corpo, ocorrendo um processo de desgenitalização”. Segundo informações do site Mundo Prateado: uma pesquisa publicada pela AARP Magazine nos Estados Unidos, feita com pessoas de 40 a 69 anos, aponta para números como: 63% atualmente namorando, 13% interessados em namorar e 14% esperando encontrar o parceiro perfeito. Do total, apenas 9% mencionaram não ter interesse em um relacionamento amoroso. “O que define a sexualidade não é a idade que você tem. Se tem 18, 30, 50 ou 70 anos. É a sua quantidade de vida, de alegria e, o que é
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fundamental, a capacidade de sentir curiosidade por si mesmo através do outro”, afirma o psicólogo José Raimundo. “A necessidade que me impede de fazer o que sei e quero pode surgir do mundo, ou de meu próprio corpo, ou de uma insuficiência de talentos, dons e qualidades de que o homem é dotado por nascimento e sobre os quais ele tem tanto poder quanto as demais circunstâncias; todos esses fatores, sem exclusão dos psicológicos, condicionam exteriormente o indivíduo no que diz respeito ao quero e ao sei, isto é, ao próprio ego; o poder que faz face a essas circunstancias, que liberta, por assim dizer, o querer e o conhecer de sua sujeição a necessidade, é o posso. Somente quando o quero e o posso coincidem a liberdade se consuma” (Hannah Arednt) O corpo em sintonia com a mente, está em consonância com os efeitos do tempo e não o teme, o vivenciar e a experiência. O desejo não se escassa ao envelhecer. Um tênue elo na maturidade se liga e liberta, potencializa a sensibilidade do corpo principalmente ao que se refere a vida sexual, que é livre e criativa ainda mais com o passar dos anos. O amor, as paixões são forças motriz e vão sempre colorir a vida, e mesmo sem poder dar cabo nos afastará da miséria humana a que somos condenados nem que seja apenas por alguns átimos de tempo. E se hoje podemos ser ainda mais longevos que possamos ser livres e amar até que se complete nosso ciclo.
TRECHOS DO LIVRO “A CERIMÔNIA DO ADEUS”, DE SIMONE DE BEAUVOIR A 14 de abril, quando cheguei, ele dormia; acordou e me disse algumas palavras, sem abrir os olhos; depois estendeu-me a boca. Beijei sua boca, seu rosto. Ele voltou a dormir. Essas palavras, esses gestos, insólitos nele, inscreviam-se, evidentemente, na perspectiva de sua morte. (pag 166) Alguns meses depois, o Professor Housset, que eu quis ver, disse-me que Sartre, às vezes, lhe fazia perguntas: “Em que vai dar tudo isto? O que vai acontecer?” Mas não era a morte que o preocupava: era seu cérebro. Certamente pressentiu a morte, mas sem angústia. Estava “resignado,” disse-me Housset, ou antes, corrigiu, “confiante”. Certamente, os antidepressivos que lhe deram contribuíram para esta tranquilidade. Mas sobretudo - exceto no início de sua semicegueira - ele sempre suportara com humildade o que lhe acontecia. Não queria aborrecer os outros com seus problemas. E a revolta contra um destino inevitável lhe parecia inútil. Dissera a Contat: “É assim e nada posso fazer, então não tenho motivo para desolar-me.” Ainda amava a vida ardentemente, mas a ideia da morte, ainda que afastasse seu desfecho até os oitenta anos, lhe era familiar. Aceitou sua chegada sem problemas, sensível às amizades, às afeições que o rodeavam, e satisfeito com seu passado: “Fez-se o que se podia fazer.” (pag 166) Sua morte nos separa. Minha morte não nos reunirá. Assim é: já é belo que nossas vidas tenham podido harmonizar-se por tanto tempo. (pag 170)
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Entrevistas com Jean-Paul Sartre Simone de Beauvoir - Quando você vive no presente, as coisas lhe evocam reminiscências? O presente é invadido pelo passado? Jean-Paul Sartre: Não, ele é sempre novo. E a razão pela qual sustentei em La nausée que a experiência de vida não existe. (pag 536 e 537) Não é bem assim que penso. Penso nas superposições que se produzem - pelo menos em mim isso é frequente - do passado sobre o presente e que dão ao presente uma dimensão particularmente poética. Uma paisagem de neve me lembrará uma paisagem de neve na qual esquiei com você, e a paisagem, com isso, ser-me-á mais preciosa.Um odor de relva cortada evocará imediatamente, para mim, as pradarias do Limousin. Sim, sem dúvida. Os odores podem levar a outros odores; mas a paisagem de neve que evoca uma paisagem de esqui - isto é, um conjunto de coisas que aconteceramem outra época, na mesma paisagem -, não. Minha vida passada só é lembrada por mim de forma contemplativa e não povoando lembranças presentes. É claro que a cada instante tenho lembranças, estão presentes como momentos que se perdem no presente e não como coisas precisas que me fariam voltar ao passado. E passado, mas passado incorporado ao presente. (pag 537) Gostaria de saber: em suas diferentes idades, quais foram suas relações com sua idade? Inexistente. Em todas as idades. (pag 540) Sim, como você mesmo disse, a idade é um irrealizável, nós mesmos não podemos nunca perceber como realizar nossa própria idade; ela não nos está presente; mas o fato de ter ou trinta ou quarenta anos, ou cinquenta anos, ou sessenta anos, não acarreta relações diferentes com o futuro, com o passado, com uma série de coisas? Isso não faz diferença? Enquanto havia um futuro a idade era a mesma. Havia um futuro aos trinta anos, havia um futuro aos cinquenta anos. Talvez fosse um pouco mais ressequido aos cinquenta do que aos trinta, não me compete julgar. Mas a partir dos sessenta e cinco, setenta anos, já não há futuro. Obviamente, o futuro imediato, os cinco próximos anos; mas eu mais ou menos havia dito tudo o que tinha a dizer; de um modo geral, sabia que já não escreveria muito, que em mais dez anos isso teria terminado. Lembrava-me da triste velhice de meu avô aos oitenta e cinco anos, ele acabara, sobrevivia, não se entenda por que ele vivia; quanto a mim, pensava às vezes que não desejava essa velhice; e em outras vezes pensava que era preciso ser modesto e viver até o fim da idade que tivesse e desaparecer quando fosse a hora. (pag 543) Todo mundo, ao ultrapassar uma certa idade, é obrigado a pensar nisso e detesta pensá-lo.
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Por exemplo, o fato de ter sessenta e nove anos, que pelo pensamento transcrevo como setenta, me é desagradável; pela primeira vez, penso, de quando em uando, em minha idade: tenho setenta anos, isto é, estou terminando, mas isso tem a ver com coisas que vêm certamente do estado de meu corpo, conseqüentemente de minha idade, mas que não ligo com a idade: com o fato de enxergar mal, de já não escrever; já não posso escrever, nem ler, porque não enxergo; todas essas coisas estão ligadas à idade. (pags 544 e 545) Atualmente você então sente uma idade? Por momentos. Ontem pensei nisso; na semana passada, também, ou há quinze dias atrás. Evidentemente, trata-se de uma realidade de fato, na qual penso de quando em quando, mas apesar de tudo, de um modo geral, continuo a sentir-me jovem. (pag 545) Sim, isso é compreensível. Há outras coisas a dizer sobre sua relação com o tempo, relação que talvez explique essa ausência de um sentimento de idade. Primeiro essa maneira que você sempre teve de preferir o presente ao passado. O que quero dizer é o seguinte: se você toma um copo de uísque, dirá: Ah! este copo de uísque está maravilhoso, melhor do que o de ontem. De um modo geral, há sempre uma preferência pelo presente. O presente é concreto e real. Ontem é menos nítido, e em amanhã ainda não penso. Para mim há uma preferência do presente em relação ao passado. Há pessoas que preferem o passado, porque lhe conferem um valor estético ou um valor cultural. Eu não. O presente morre, ao passar ao passado. Perdeu seu valor de entrada na vida. Pertence-lhe, posso referir-me a ele, mas já não tem essa qualidade que é dada a cada instante, na medida em que vivo, e que perde quando já não vivo. (pags 547 e 548)
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AUTONOMIA E ÉTICA Este capítulo problematiza o direito à morte sob diferentes perspectivas: do ponto de vista médico - mas também quando este mesmo médico se vê no lugar da família (em Mortais); da bioética; da psicanálise e, por fim, a morte no ambiente virtual. A morte, como tabu, é analisada em um texto da psicanalista Miriam Chnaiderman, em que ela conclui: porque não temos mais clareza sobre o que é a vida, não sabemos mais da morte. Além de artigos, são aqui apresentadas entrevistas exclusivas, especialmente cedidas para esta pesquisa. Destacamos a conversa com o maior crítico de cinema vivo no Brasil, Jean Claude Bernardet, que traz seu depoimento pessoal sobre a proximidade da morte. Nela, ele afirma “sou um produto da indústria farmacêutica e médica também. Eu me distancio muito de todo o pensamento que é individual, eu me sinto um produto social”.
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EN MEMORIA DE ANGÉLICA Cuántas posibles vidas se habrán ido en esta pobre y diminuta muerte, cuántas posibles vidas que la suerte daría a la memoria o al olvido! Cuando yo muera morirá un pasado; con esta flor un porvenir ha muerto en las aguas que ignoran, un abierto porvenir por los astros arrasado. Yo, como ella, muero de infinitos destinos que el azar no me depara; busca mi sombra los gastados mitos de una patria que siempre dio la cara. Un breve mármol cuida su memoria; sobre nosotros crece, atroz, la historia. Jorge Luis Borges
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RESENHA DO LIVRO “MORTAIS”, DE ATUL GAWANDE Gustavo Castro Araujo - nasceu em Curitiba, PR, em 1973. Influenciado por Niccolò Ammaniti e John Boyne, escreveu seu primeiro romance, “O Artilheiro”, finalista no Concurso Nacional do SESC em 2009. Dois anos depois, teve o conto “O Logaritmo do Gato” selecionado para a Coletânea Machado de Assis, do SESC-DF. Em 2013, os contos “O Livro de Elisa” e “Catarina” foram publicados na Antologia “!” da Caligo Editora. Em 2015, seu romance “Pretérito Imperfeito” foi lançado pela Caligo Editora. Existem certos assuntos para os quais jamais estaremos prontos. Sim, a frase beira o clichê, daqueles mais surrados, mas é que também reflete uma constatação difícil de negar, especialmente quando nos referimos à morte. Não apenas a nossa própria, mas especialmente daqueles que nos são queridos. Mesmo nos casos mais evidentes de aproximação da hora final, mesmo nas ocasiões em que, de fora, não hesitaríamos em reconhecer o derradeiro suspiro, jamais estaremos em condições plenas de aceitação ou de resignação. Quando se trata de médicos esse cenário ganha ainda mais profundidade. Isso porque em regra, profissionais de saúde são talhados para sustentar a vida a qualquer preço. Como resultado, empregam o que há de mais eficaz em termos de equipamentos, remédios e tratamentos com o nobre propósito de impedir que seus pacientes morram. Respiradores artificiais, tubos, ressuscitadores, remédios, enfim, um arsenal que a medicina moderna provê para que a vida não se perca. Nesses extremos, os familiares são os que mais sofrem, até porque se veem compelidos a tomar uma série de decisões que invariavelmente apontam para o uso de todo e qualquer meio para salvar o pai, a mãe, o irmão, a esposa, o marido ou o amigo prestes a morrer. Nos dias atuais, quem age diferente? Que médicos dispensam o tratamento em seus limites mais extensos? Que parentes têm a coragem de abrir mão de tudo o que a medicina dispõe para manter vivos aqueles a quem se ama? O médico e escritor americano Atul Gawande mergulha fundo nessas incômodas questões em “Mortais”. Em 250 páginas, convida o leitor a imergir no que há de mais perturbador a respeito da morte, em especial no que se refere às decisões que devemos tomar quando a vida escorre como areia entre os dedos. Por meio de uma prosa envolvente, o autor demonstra como estamos despreparados para discutir nossa mortalidade e como isso influencia negativamente em nossos raciocínios quando alguém que nos é importante se aproxima do fim da vida. Invariavelmente, apresentamos a nós mesmos justificativas nobres, mas na verdade agimos como tiranos, assumindo sem permissão o controle da existência de nossos entes mais caros quando eles já não conseguem se virar sozinhos. Entremeando argumentos filosóficos e científicos com casos reais, Gawande critica a medicina moderna e a busca desmedida pela cura, mesmo quando se sabe que isso é estatística ou virtualmente impossível. O autor aborda primeiramente histórias de pacientes com idades avançadas, às margens da demência ou das fases mais complicadas do Alzheimer. Em seguida, passa aos casos de enfermidades terminais. Em ambos os casos, traz a lume a eterna e difícil questão: quando seus pais necessitarem de ajuda para toda e qualquer tarefa,
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você os colocará em um asilo ou em uma casa de repouso? Ou os levará a um hospital, onde ficarão até o fim? Ou preferirá contratar um enfermeiro, deixando-os em suas próprias casas? Ou tomará conta deles você mesmo na sua própria casa? Em geral, temos concepções fundadas desde a juventude sobre essas perguntas, mas a prática, ensina Gawande, pode ser torturante mesmo para os mais resolutos. Não há como fugir dessas realidades. Cedo ou tarde seremos atingidos por alguma delas ou por ambas. A julgar pela maneira como a civilização ocidental – mormente a cristã – evoluiu, pouco espaço há para se discutir o nosso próprio fim, para debater a velhice, as doenças e a morte, para que homens ou mulheres enxerguem a si mesmos como seres finitos, eis que apegados a dogmas religiosos ou a milagres improváveis. Conversar sobre isso, sobre a morte de maneira geral, não poderia, jamais, ser considerado tabu ou gerar constrangimentos. Em situações extremas, parentes e médicos deveriam discutir opções, prioridades, desejos e concessões com o maior interessado – o doente ou o velho – em vez de usurpar-lhe o direito de decidir. Gawande defende uma espécie de revolução na medicina, uma releitura do juramento de Hipócrates, visando preservar, nos momentos derradeiros, o ser em detrimento do mero existir. Para tanto, sugere que os médicos sejam menos informativos e mais tolerantes com suas próprias limitações, que busquem compreender seus pacientes, descobrir, afinal, o que lhes importa realmente. Quando se está no fim, seja por conta de velhice, seja por causa de uma doença terrível, o ser humano tende a diminuir seu círculo de interesses. Cresce de importância o apego à família e aos amigos. Dispensam-se novos projetos. Nessa hora, pergunta-se até que ponto é preferível apelar aos avanços médicos, às terapias experimentais, aos tubos e respiradores artificiais, a uma terceira ou quarta rodada de quimioterapia quando tudo mais falhou; até que ponto deve se investir num milagre – que pela própria essência da palavra se afigura impossível – em detrimento de cuidados paliativos que tendem a conferir àquele que parte algum conforto na hora derradeira? O recado de Gawande é claro: ninguém deveria morrer em um hospital, preso a máquinas, na esperança de uma intervenção sobrenatural; é preferível mil vezes ser assistido por enfermeiros, em casa, junto à família e aos entes queridos. Até o último suspiro. “Mortais”, enfim, entrega o que promete. É um livro que nos reduz àquilo que realmente somos, que nos faz pensar na brevidade de nossa existência e daqueles que nos cercam, parentes e amigos queridos. Ao fazê-lo, permite-nos perceber que também os instantes derradeiros – mesmo aqueles resultantes de condições extremas – podem refletir, não um momento de dor, mas apenas o ponto final de uma existência completa.
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BIOÉTICA E DIREITO NA TERMINALIDADE DA VIDA Marco Segre - Médico, Professor Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e Presidente Honorário da Sociedade de Bioética de São Paulo. Gabriela Guz - Advogada, Mestre em Saúde Pública e Especialista em Bioética pela Universidade de São Paulo. Membro da Sociedade Brasileira de Bioética e da American Health Lawyers Association. Bioética, pela sua própria razão de ser, busca uma hierarquização de valores atinentes à vida e à saúde humana. Inclui-se, com destaque, nessa análise, o que se refere à morte, desfecho da vida. As reflexões e discussões sobre posturas a se adotarem face à terminalidade da vida geraram sempre vivíssimas polêmicas. Estará o médico “brincando de Deus” quando ele atua no sentido de abreviar a vida de um seu paciente que padeça de moléstia incurável, sem qualquer expectativa de qualidade ou quantidade de vida? Situações como as da morte cerebral e encefálica, estado vegetativo persistente, “síndrome de cativeiro” (lesão do tronco cerebral, com prejuízo total da motricidade voluntária), bem como doentes que têm grande sofrimento em fase terminal de doença oncológica, ou de cardiopatias sem possibilidade de compensação, deverão eles fazer jus a cuidados, por vezes propiciando mais dor, no sentido de prolongar-lhes a “vida”? Como em toda reflexão ética, o elemento afetivo é o fulcro a partir do qual se estruturam as construções racionais - por exemplo, a crença de não nos ser lícito interferir na morte, que é obra divina – e como tal ela nem sempre é percebida e reconhecida pelo próprio ator social. E é justamente o reconhecimento desses moventes emocionais, sentimentos e crenças, que nos permitirá discutir, agora à luz da racionalidade, que prioridades deveremos eleger para que nossas condutas respeitem, no verdadeiro sentido humanista, a dignidade de ser humano. É a esse tipo de análise ética que denominamos “Ética de Reflexão Autônoma” (ERA), no qual se visa ao não alinhamento automático com formas de pensamento filosófico, religioso ou jurídico, e sim à reflexão tão livre quanto possível de pressupostos, e embasada no que consideramos prioridade em nossa vida de relação: empatia, solidariedade, compaixão, ou “alteridade”, esta última citada pelo filósofo Levinas referindo-se à condição humana de poder identificar-se com o “outro”. Como ponto de partida para nossas reflexões, faz-se também necessário tentarmos conceituar o que seja “vida”. Aleatoriedade dos parâmetros de início e fim da vida O que é vida? Biologicamente, é um conjunto de características, absolutamente variáveis de uma espécie para outra (vejam-se, a título de exemplo, as diferenças entre uma bactéria e um ser humano), todas elas observadas e verificadas por estudiosos. Mas essa caracterização da vida é vista “de fora”. O que significa isso? Que a descrição desses aspectos todos nos permite saber “o que consideramos vida”, mas não o que a vida de fato é. A essência da vida está na subjetividade, na forma como cada um a percebe e, portanto, ela é indefinível, e sua experiência, inefável. Se nos louvarmos nas religiões, a vida precede a concepção e o nascimento e ultrapassa a morte – todos fenômenos biológi-
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cos percebidos “ de fora”. Se não conseguimos definir o que é “vida”, dentro dessa ótica, muito menos poderemos definir quando ela tem início nem quando termina. Mesmo nessa visão “de fora”, quando procuramos dizer que há vida a partir de determinadas manifestações, abrangeremos como vivas cada uma das células de um organismo, um espermatozóide, um óvulo e ainda, uma pessoa em coma profundo, só para exemplificarmos a partir de quando, e até quando, queremos considerar e respeitar “algo” como vivo. Não havendo possibilidade de dissociarmos o que queremos considerar “vivo” de aspectos biológicos – portanto, vistos “de fora” – admitamos que a impossibilidade de estabelecer o início e o fim da vida nos obriga a dar um caráter aleatório a parâmetros, essencialmente, para sabermos a partir de quando e até quando, de acordo com os valores de nossa sociedade devemos respeitar a vida. Com essa introdução, desejamos colocar ênfase no fato de que não é o cientista, o biólogo ou o médico quem nos dirá quando a vida humana começa ou termina, cabendo a esses profissionais tão somente a descrição dos fenômenos biológicos. A fixação desses parâmetros (começo e fim da vida) somente será determinada a partir de fatores culturais, religiosos etc. Autonomia e abreviação da vida Outro aspecto a ser enfocado é o que diz respeito ao conceito de autonomia do ser humano. Dentro desse contexto, para nós a autonomia é uma abstração. Partimos do pressuposto de que ela exista. Esse pressuposto é uma crença, transitando pelo terreno da afetividade, não apenas do pensamento racional. Assim como um religioso poderá ser incapaz de “pensar” fazendo abstração dos desígnios divinos dos quais todos dependeríamos, ou um jurista pragmático não conseguirá “inovar” filiando-se irrestritamente ao ordenamento legal vigente, nós, enquanto autonomistas, optamos pela aceitação de um livre-arbitrismo, de um exercício da vontade, de um “self ” transcendente a todos os condicionamentos virtualmente recebidos. Kantianamente, estamos seguros de que toda lei é pensada e proposta pelo próprio homem – e nem poderia ser diferente, uma vez que a “realidade” nada mais é o do que o pensar e o sentir humanos, e as leis são o instrumento para o convívio dessas pessoas. Não contradiz o pressuposto da autonomia o fato de existir um inconsciente, que desconhecemos; também não, a “dupla hélice” do DNA, que estruturaria nosso “ser”; muito menos as experiências e vivências de nossa existência. Se tudo o que pensamos nada mais é do que o resultado de um “projeto informático” transcendental, o Homem nunca será “sujeito” de seu destino. A idéia de que o homem é quem criou Deus, e não o contrário, nada tem de afrontoso para os religiosos, pois a realidade divina só existe para os que nela crêem. Entendemos também que esta opção não é apenas prudente – a hesitação é justificada diante de assunto por demais complexo – mas acreditamos que é a posição que mais se coaduna com uma discussão ética da autonomia. Não ignoramos que existe grande número de definições formais de autonomia, freqüentes em certa literatura bioética, mas acredita-
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mos que fechar questão nesta matéria é o tipo de atitude intelectual e profissional que deixa de fazer justiça à complexidade do que se trata de discutir. Nesse sentido, longe de configurar omissão, deixar em aberto uma questão desta magnitude indica antes a consciência da responsabilidade de oferecer à apreciação e à discussão do público interessado uma pluralidade de direções possíveis, esperando que as estratégias de aproximação de verdade se revelem mais promissoras do que a posse imediata de falsas certezas. Mas, mais importante do que a difícil conceituação de autonomia, para o objetivo deste artigo, é decidirmos se queremos, ou não, respeitá-la. Se as decisões do ser humano, no que concernem a sua própria vida (e, também, morte), merecem ser acolhidas. Estará aí o cerne dos posicionamentos relativos à eutanásia. O direito à vida e o dever de viver No contexto jurídico, a discussão sobre a possibilidade de se tomar decisões que afetem a própria vida passa pela compreensão do que vem a ser o ‘direito à vida’. Primeiramente, é preciso salientar que a vida, para o Direito, ‘não será considerada apenas no seu sentido biológico de incessante auto-atividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica mais compreensiva. Sua riqueza significativa é algo de difícil apreensão, porque é algo dinâmico, que se transforma incessantemente sem perder sua própria atividade’. Dessa maneira, a noção de vida protegida pelo Direito não engloba apenas a idéia de existência ou continuidade biológica, mas também a concepção de vida privada, que é o direito de cada um guiar a própria vida segundo suas escolhas, sem a ingerência de outros. O direito à vida, em todas as suas acepções, deve ser garantido pelo Estado, que tem o dever de preservar e resguardar esse direito através, por exemplo, de políticas públicas de segurança. A esse dever do Estado corresponde a garantia de inviolabilidade do direito à vida a que alude o artigo 5o caput, da Constituição Federal. Dessa forma, temos que a inviolabilidade do direito à vida representa a proteção de tal direito contra terceiros, de tal sorte que o Estado deve preservar a vida e atuar positivamente no sentido de proteger esse direito. Quando a Constituição Federal assegura a ‘inviolabilidade’ do direito à vida - assim como também o faz, por exemplo, em relação à liberdade e à intimidade -, está garantindo a proteção de um direito individual - o que não pode ser confundido com a proibição de disponibilidade de um direito. Disponibilidade, aqui, significa a possibilidade de se exercer um direito de forma ativa – o que não significa necessariamente renunciá-lo. Em outras palavras, é a disponibilidade que permite ao indivíduo dar a seus direitos a finalidade que melhor lhe convier, de acordo com as suas concepções pessoais. Logo, concomitantemente à noção de inviolabilidade por terceiros, o direito à vida traz consigo a idéia de disponibilidade pelo próprio titular do direito. É preciso que fique clara a distinção entre a ‘inviolabilidade’ do direito à vida – através da qual se reconhece uma proteção contra terceiros – e da ‘disponibilidade’ do direito à vida, que alcança a própria pessoa envolvida e corresponde, efetivamente, à possibilidade de cada um guiar a sua vida de acordo com a sua própria concepção de vida. Ambas as noções – in-
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violabilidade e disponibilidade – devem compor o direito à vida. Entretanto, verifica-se que, sob a argumentação de que a vida constitui direito inviolável, alguns juristas entendem pela impossibilidade de um indivíduo tomar decisões que digam respeito à sua vida – e morte. Em que pesem as opiniões em contrário, fica claro, para nós, que tal entendimento manifesta uma confusão entre as noções antes aludidas de inviolabilidade e disponibilidade, de tal sorte que traz consigo a idéia de um ‘dever de viver’ imposto pelo Estado – frise-se, inexistente no ordenamento jurídico brasileiro. Observe-se que, caso entendêssemos a inviolabilidade do direito à vida - que constitui uma proteção garantida pelo Estado -, como uma proibição de dispor da vida de acordo com os valores, cultura, prioridades e necessidades individuais, estaríamos incorrendo na própria violação do direito à vida, no que concerne ao seu exercício ativo pelo indivíduo. Nesse ponto, ressaltamos que a própria noção de dignidade humana, princípio norteador de nosso ordenamento jurídico, está intrinsecamente ligada à noção de subjetividade e respeito à essência da pessoa humana. Logo, é igualmente inaceitável a idéia de um conceito pré-concebido e imposto de ‘vida digna’, uma vez que o próprio conteúdo da dignidade humana representa um valor subjetivo, que depende da concepção que cada indivíduo tem sobre si mesmo e sobre sua própria vida. Dessa forma, “o princípio da dignidade humana estará distorcido se for utilizado para impedir que o indivíduo alcance seus ideais íntimos de personalidade ou que se realize enquanto ser racional e volitivo. É preciso perceber a necessidade de respeito à pessoa concreta, às suas razões e desejos concretos”. Concluímos, pois, salientando que a imposição de um conceito de vida, bem como de um padrão de dignidade humana, fere o respeito à subjetividade e à diversidade a que se propõe o Estado Democrático de Direito. Sendo assim, entendemos que a pessoa não é mera espectadora no exercício de seu direito à vida, cabendo a cada qual o direito de efetivamente tomar as decisões sobre a própria vida - e morte.
ENTREVISTA EXCLUSIVA COM JEAN CLAUDE BERNARDET Jean Claude Bernardet - Pesquisador, crítico, autor de livros como Brasil em tempo de cinema (1967) e Cineastas e imagens do povo (1985), roteirista de clássicos como O caso dos irmãos Naves (Luís Sérgio Person, 1967), Bernardet nos últimos tempos surpreendeu a todos ao trocar a atividade intelectual pela carreira de ator aos 70 anos. Nos últimos oito anos, desde Filmefobia (2008), de Kiko Goifman, atuou em dez longas-metragens, o que dá uma média de mais de um por ano. “A imensa máquina da medicina (hospitais, laboratórios, farmácias, médicos, seguro saúde, máquinas de diagnósticos por imagem etc, e mais cosméticos, alimentação…) produz a nossa longevidade. Somos um produto dessa indústria. Produto e fonte de riqueza. A máquina precisa manter nossa longevidade para se expandir e lucrar. A preocupação da máquina capitalista não é nos manter em vida com qualidade de vida, mas manter em nós a bio. À máquina não interessa o ser vivo, mas a bio de que ele é portador. Um primeiro passo para resistir à máquina que nos alienou de nossos corpos é se recusar a técnicas de prorrogação da
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bio em nós. Passo mais radical para eliminar a fonte de riqueza da máquina: o suicídio consciente e lúcido como forma de resistência extrema e de reapropriação de nossos corpos.” Texto extraído do Blog de J C Você já viu a morte de perto, como foi? Jean Claude Bernardet - Eu tive meningite e meu cérebro parou, não lembrei de buscar meus resultados. O laboratório entrou em contato com meu médico que me telefonou e e me disse para ir imediatamente para o hospital. Uma coisa curiosa que aconteceu é que eu fumava muito e me deixaram fumar no quarto, eu interpretei isso como se estivessem me concedendo o último desejo e que eu estava morrendo mesmo. Três dias depois o meu médico entrou no quarto e me disse que eu estava reagindo à medicação. Depois soube que eu fui um dos únicos casos a sobreviver. Meu irmão veio me visitar e contei para ele que estava com AIDS, isso em 1993 significava uma morte a curto prazo. E foi assim que entrei na história da medicina no Brasil. Meu médico fez uma publicação e virei um caso clínico A partir do momento que você acredita que você vai morrer em breve, isso te liberta de muitos compromissos que enchem o saco. Nasceu em mim uma liberdade e essa liberdade foi bem frutífera, bem criativa. Foi nessa época que fiz o filme “São Paulo Sinfonia e Cacofonia”, que teve muita repercussão, escrevi com Teixeira Coelho “Os Histéricos”, escrevi “Doença: uma experiência”, trabalhei no roteiro do filme “Um Ceu de Estrelas”. Eu me senti absolutamente vivo. Vivo porque eu estava nas últimas. Como foi quando você descobriu que iria sobreviver? Quando comecei a tomar o coquetel e minha carga viral ficou indetectável as pessoas falavam “Nossa que bom que agora está tudo bem”. Eu dizia “Vocês acham que está tudo bem porque vocês não passaram por tudo isso, vocês não sabem o trabalho que é tornar a doença criativa, a aproximação da morte criativa e ter que desmanchar tudo isso”. Foi um dos momentos mais difíceis, pode parecer estranho, mas foi um dos momentos mais difíceis, inclusive pra mim que não tenho esse vitimismo e não acredito na vida a qualquer preço. Até hoje os médicos ficam surpresos, porque mesmo com o coquetel eles não achavam que a gente ia passar dos 65, 70anos. Você diz que hoje você é um produto da indústria farmacêutica. Por que? Essa questão foi colocada numa sessão com o meu médico, quando estávamos falando quem ou o que era responsável pela minha vida. Eu acho que se não existisse o remédio e o Caio (médico) eu não estaria mais vivo, então eu sou um produto da indústria farmacêutica e médica também. Eu me distancio muito de todo o pensamento que é individual, eu me sinto um produto social. Veja bem, se sentir um produto social e não um indivíduo fechado sobre si mesmo é bom, não é uma limitação. É evidente que num certo nível, eu estou aqui graças aos remédios que eu tomo todos os dias, mas também eu tenho plena consciência que eu falo uma língua que não é minha, não no sentido de nacionalidade, mas que é uma herança cultural, como o cinema é uma herança cultural, assim como Cervantes, Virgílio e Jean Paul Sartre também são heranças culturais que eu, de uma forma ou de outra, acabei fazendo, desses materiais todos a minha formação. Portanto a minha formação, ela não é minha, porque sem a língua portuguesa e sem Sartre eu não seria o que eu sou.
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Como você trabalha sua espiritualidade? Eu sou desprovido de qualquer espiritualidade. O que me impressiona é o que frequentemente as pessoas chamam de coincidência. Por exemplo, eu estava pensando em alguém e essa pessoa me liga imediatamente. Isso acontece com algumas pessoas na minha vida, eu acho que pode existir uma forma de telepatia, de ondas cerebrais, mas eu não vejo nada de místico, mas sim uma percepção de uma possibilidade material. Estamos vivendo num mundo de ondas e atualmente é evidente que emitimos ondas, mas não atribuo nenhum fator sobrenatural a isso. Como você percebe o tempo? Eu me pauto muito por Santo Agostinho, eu vou simplificar aqui o que ele fala “mas quem sou eu, meu Deus que só pode ver o passado do presente. Quem sou eu, meu Deus, que só pode ver o futuro do presente. Não temos nada além do presente”. Você fez uma carta política que define limites de tratamentos médicos para a prolongação da sua vida. Eu estava conversando com meu gerontologista sobre a morte e ele me sugeriu uma carta. Ele elaborou o texto a partir de sugestões minhas. Essa carta diz que eu não devo ser submetido a processos que prolonguem artificialmente a minha vida, que eu não posso ser reanimado, que eu não posso ser entubado. Diz também que eu não posso ser submetido a procedimentos invasivos que não se tenham absoluta certeza de resultados. São coisas desse tipo. Quem assinou essa carta? Eu, o médico e achei também que minha filha deveria assinar. A Ligia (filha) não ficou surpresa porque ela sabe que tem um pai com tendências suicidas, mas acho que não passam de tendências. Você se reinventou aos 70 anos Quando eu me aposentei da faculdade, eu ainda estava trabalhando em roteiros, mas comecei a ficar um pouco deprimido. Em 2005, comecei a perder a visão e nesse momento me dei conta que a instituição dá uma certa estrutura, mesmo com seus aspectos negativos. Você tem compromissos e a partir do momento que se aposenta não tem mais isso. Comecei a fazer psicanálise. Paralelamente, meu irmão que trabalhava numa multinacional foi degolado aos 55 anos. Eu e meu irmão começamos a conversar muito sobre isso e a questão da reinvenção provém desses diálogos. Ele passou a fazer cursos de artes plásticas, um curso de escultura de aço e começou a fazer Ciências Sociais na USP. Ele passou a fazer coisas novas com muito vigor. Então foi uma coisa de nós dois. Eu estava deprimido e ele me ajudou muito nisso no ponto de vista afetivo. Até que o Kiko Goifman e o Hilton Lacerda me procuraram para fazer o Filmefobia. Eu já tinha atuado em filmes da faculdade e outros filmes, mas como experiências isoladas, o que mudou nesse filme foi que percebi que não poderia ser uma experiência isolada como tinha sido os outros. No Filmefobia aconteceu uma coisa bastante interessante que me fez pensar que eu tinha me desafiado,
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que eu podia ir além dos meus limites. Comecei a pensar que a performance e os limites seriam os parâmetros que iriam me orientar.
A VIDA É UM DIREITO OU UM DEVER? Luciana Dadalto - fundadora do Portal Testamento Vital e do RENTEV, autora de livros e artigos científicos sobre o tema no Brasil, doutora em Ciências da Saúde pela faculdade de Medicina da UFMG e mestre em Direito Privado pela PUCMinas. De onde surgiu a ideia de criar um site sobre testamento vital? Luciana Dadalto – O testamento vital é um documento que surgiu nos Estados Unidos da América na década de 1970. É um documento de manifestação de vontade em que uma pessoa vai dizer como ela gostaria de ser cuidada e tratada pela equipe de saúde quando estiver com uma doença grave e terminal. Eu pesquiso sobre o assunto desde 2008. Em 2012 entrei no doutorado na faculdade de medicina da UFMG e continuei estudando. O site eu criei em 2012 ou 2013. E durante este tempo eu sempre penso “eu só sei que nada sei”, quanto mais eu estudo mais coisas aparecem, mais dúvidas, mais possibilidades. É um assunto extremamente complexo principalmente em uma sociedade como a nossa que tem muita dificuldade em falar sobre a morte e que leva essas questões para o lado moralista e religioso. Por que surgiu a necessidade deste documento naquela época? O testamento vital é produto da constante tecnicização da medicina. A medida com que as formas de prolongamento artificial da vida foram sendo inventadas começou-se a discutir se todos os pacientes são obrigados a aceitar este prolongamento. E aí a gente entra em uma discussão sobre o que é vida. O que significa estar vivo? É estar em uma cama ligado à aparelhos sem poder fazer nada? E é muito curioso notarmos que estamos falando de uma discussão que começou 40 anos atrás e no Brasil a gente ainda está engatinhando no assunto. O prolongamento artificial da vida, que a gente chama tecnicamente de distanásia, ainda é a realidade no nosso país. O testamento vital tornou-se um contraponto a esta ideia de prolongamento? Historicamente o testamento vital está associado a recusa de tratamento. Mas é um documento de manifestação de vontade, que pode ser positiva ou negativa, mas como o mais comum é que a equipe de saúde prolongue, consequentemente o paciente costuma pedir para que não seja feito este prolongamento. É importante deixar claro que um pedido de eutanásia ou suicídio assistido no testamento vital só existe em países como a Bélgica, a Holanda e a Suíça, onde há legalização. Isso no Brasil é proibido. Não se trata, portanto, de um documento feito somente para eutanásia ou suicídio assistido. É um documento cujo conteúdo vai se amoldar de acordo com a lei vigente em cada país. O que existe de legislação sobre o testamento vital no Brasil?
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Existe uma resolução do Conselho Federal de Medicina de 2012. Mas nós não temos nenhuma perspectiva de aprovação de uma lei federal, não há nada tramitando. Ainda existe muito desconhecimento, tanto da sociedade quanto de quem trabalha no Direito. Os próprios profissionais de Saúde desconhecem, eles acham que o paciente não tem direito a este tipo de testamento. E a discussão de eutanásia e suicídio assistido são quase inexistentes. Quando esta discussão aparece é mais em uma perspectiva moral e religiosa do que em uma perspectiva de direito. E qual seria a diferença entre as duas perspectivas? A questão moral e religiosa tem a ver com o certo e o errado. Numa perspectiva religiosa a vida pertence a um deus de determinada religião. E neste aspecto a pessoa não poderia – mesmo com uma doença incurável – dizer que não deseja permanecer viva biologicamente. Uma pessoa que não quer permanecer viva é taxada de doida, alguém que possui alguma doença psíquica. Mas no aspecto jurídico esta é uma discussão de direito. Uma pessoa que já tem um diagnóstico de doença terminal tem o direito de querer morrer? Nós discutimos se a vida é um direito ou um dever. Porque se a vida é um direito você poderia dizer que não quer estar vivo com uma doença terminal cujo tratamento te aflige. Mas se a vida é um dever eu não posso pedir isso, porque eu tenho o dever de permanecer vivo. Este é o dilema que existe do ponto de vista jurídico. Porque alguns países na Europa aprovaram o suicídio assistido, mas a eutanásia não? É uma questão legal, foi uma opção do legislador. Muito ligado a ideia da autonomia. De dizer “olha, se você quer tirar a sua vida tudo bem, o ordenamento jurídico vai permitir, mas neste caso é você que vai fazer”. Existem autores que dizem que isso é uma hipocrisia, que não faz o menor sentido diferenciar eutanásia de suicídio assistido do ponto de vista legal, já que nos dois eu tenho um terceiro ajudando. Mas é uma discussão filosófica e social e é complicado dizermos se é certo ou errado. Eu acho que o pior é o que a gente vive no Brasil hoje, em que nem esta escolha existe. O nosso país está preparado para enfrentar uma discussão sobre o assunto? Eu não acho que temos maturidade social para falar sobre isso. Eu acho que é necessária uma discussão social prévia e bem ampla. Nós vivemos em um país em que as pessoas ainda não têm acesso a medicamentos. O uso de opióides no Brasil ainda é muito baixo. E o opióide é importante para que o paciente em fim de vida tenha sua dor controlada. Em um país como o nosso seria muito complicado uma legalização da eutanásia ou do suicídio assistido. O paciente pode pedir um procedimento de interrupção da vida simplesmente porque não está recebendo tratamento. A aprovação de uma lei sobre testamento vital vai permitir que a gente discuta sobre suicídio assistido e eutanásia? Não. Não é uma ligação lógica. Mas a aprovação de uma lei sobre testamento vital vai ajudar nossa sociedade a quebrar este tabu de falar sobre morte. A gente tem dificuldade com a doença incurável, com a finitude e com tudo aquilo que não conseguimos controlar. A aprovação desta lei possibilitaria um passo de diálogo maior sobre a finitude.
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SOBRE A TRANSITORIEDADE Texto de S. Freud (1916/1915). Retirado do vol XIV das Obras Completas – Ed. Imago. Não faz muito tempo empreendi, num dia de verão, uma caminhada através de campos sorridentes na companhia de um amigo taciturno e de um poeta jovem mas já famoso. O poeta admirava a beleza do cenário à nossa volta, mas não extraía disso qualquer alegria. Perturbava-o o pensamento de que toda aquela beleza estava fadada à extinção, de que desapareceria quando sobreviesse o inverno, como toda a beleza humana e toda a beleza e esplendor que os homens criaram ou poderão criar. Tudo aquilo que, em outra circunstância, ele teria amado e admirado, pareceu-lhe despojado de seu valor por estar fadado à transitoriedade. A propensão de tudo que é belo e perfeito à decadência, pode, como sabemos, dar margem a dois impulsos diferentes na mente. Um leva ao penoso desalento sentido pelo jovem poeta, ao passo que o outro conduz à rebelião contra o fato consumado. Não! É impossível que toda essa beleza da Natureza e da Arte, do mundo de nossas sensações e do mundo externo, realmente venha a se desfazer em nada. Seria por demais insensato, por demais pretensioso acreditar nisso. De uma maneira ou de outra essa beleza deve ser capaz de persistir e de escapar a todos os poderes de destruição. Mas essa exigência de imortalidade, por ser tão obviamente um produto dos nossos desejos, não pode reivindicar seu direito à realidade; o que é penoso pode, não obstante, ser verdadeiro. Não vi como discutir a transitoriedade de todas as coisas, nem pude insistir numa exceção em favor do que é belo e perfeito. Não deixei, porém, de discutir o ponto de vista pessimista do poeta de que a transitoriedade do que é belo implica uma perda de seu valor. Pelo contrário, implica um aumento! O valor da transitoriedade é o valor da escassez no tempo. A limitação da possibilidade de uma fruição eleva o valor dessa fruição. Era incompreensível, declarei, que o pensamento sobre a transitoriedade da beleza interferisse na alegria que dela derivamos. Quanto à beleza da Natureza, cada vez que é destruída pelo inverno, retorna no ano seguinte, do modo que, em relação à duração de nossas vidas, ela pode de fato ser considerada eterna. A beleza da forma e da face humana desaparece para sempre no decorrer de nossas próprias vidas; sua evanescência, porém, apenas lhes empresta renovado encanto. Um flor que dura apenas uma noite nem por isso nos parece menos bela. Tampouco posso compreender melhor por que a beleza e a perfeição de uma obra de arte ou de uma realização intelectual deveriam perder seu valor devido à sua limitação temporal. Realmente, talvez chegue o dia em que os quadros e estátuas que hoje admiramos venham a ficar reduzidos a pó, ou que nos possa suceder uma raça de homens que venha a não mais compreender as obras de nossos poetas e pensadores, ou talvez até mesmo sobrevenha uma era geológica na qual cesse toda vida animada sobre a Terra; visto, contudo, que o valor de toda essa beleza e perfeição é determinado somente por sua significação para nossa própria vida emocional, não precisa sobreviver a nós, independendo, portanto, da duração absoluta. Essas considerações me pareceram incontestáveis, mas observei que não causara impressão quer no poeta quer em meu amigo. Meu fracasso levou-me a inferir que algum
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fator emocional poderoso se achava em ação, perturbando-lhes o discernimento, e acreditei, depois, ter descoberto o que era. O que lhes estragou a fruição da beleza deve ter sido uma revolta em suas mentes contra o luto. A idéia de que toda essa beleza era transitória comunicou a esses dois espíritos sensíveis uma antecipação de luto pela morte dessa mesma beleza; e, como a mente instintivamente recua de algo que é penoso, sentiram que em sua fruição de beleza interferiam pensamentos sobre sua transitoriedade. O luto pela perda de algo que amamos ou admiramos se afigura tão natural ao leigo, que ele o considera evidente por si mesmo. Para os psicólogos, porém, o luto constitui um grande enigma, um daqueles fenômenos que por si só não pode ser explicado, mas a partir do qual podem ser rastreadas outras obscuridades. Possuímos, segundo parece, certa dose de capacidade para o amor – que denominamos de libido – que nas etapas iniciais do desenvolvimento é dirigido no sentido de nosso próprio ego. Depois, embora ainda numa época muito inicial, essa libido é desviada do ego para objetos, que são assim, num certo sentido, levados para nosso ego. Se os objetos forem destruídos ou se ficarem perdidos para nós, nossa capacidade para o amor (nossa libido) será mais uma vez liberada e poderá então ou substituí-los por outros objetos ou retornar temporariamente ao ego. Mas permanece um mistério para nós o motivo pelo qual esse desligamento da libido de seus objetos deve constituir um processo tão penoso, até agora não fomos capazes de formular qualquer hipótese para explicá-lo. Vemos apenas que a libido se apega a seus objetos e não renuncia àqueles que se perderam, mesmo quando um substituto se acha bem à mão. Assim é o luto. Minha palestra com o poeta ocorreu no verão antes da guerra. Um ano depois, irrompeu o conflito que lhe subtraiu o mundo de suas belezas.
MATERIALIDADE DA MORTE Miriam Chnaiderman - psicanalista, documentarista, escritora e professora Vivemos um mundo sem espaço para elaboração da morte. É uma sociedade que circula em torno da promoção do narcisismo, uma sociedade onde a violência atinge inclusive a possibilidade de enterrar os mortos. José de Sousa Martins, na introdução ao livro A morte e os mortos na sociedade brasileira, por ele organizado, refere-se a um “silêncio civilizado” em relação à morte. Descreve uma atitude racional e prática que remove rapidamente da vida o peso dos mortos. Cita Weber, para quem uma sociedade para a qual a morte já não tem sentido, é também uma sociedade que perdeu o sentido da vida. Cristopher Lasch fala em uma “mentalidade da sobrevivência” em nossa cultura contemporânea, potencializada cotidianamente pela representação de catástrofes possíveis – a tecnologia vem desenvolvendo a maquinaria da guerra como possibilidade de extermínio em massa. A subjetividade se reduz a um “mínimo eu”, afirma Christopher Lasch passando a ser busca de bens imediatos. É porque não temos mais clareza sobre o que é a vida que não sabemos mais da morte. Foi o importante historiador Philippe Ariès que identificou que a morte acabou por ser banida, ocultada, proibida das preocupações do homem ocidental de nosso século: ela
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chega a ser até algo obsceno, um verdadeiro tabu. Áries fala de uma morte domesticada e de uma morte selvagem. Até meados da Idade Média a morte era domesticada – lutava-se menos contra a natureza, a morte era um fato natural. O quarto do moribundo enchia-se de gente, inclusive crianças e o ritual era conhecido de todos. Depois, a morte vai-se tornando selvagem, estranha. Ora, ocultando a morte, é a própria vida que o homem atual atinge. A psicanálise diante da morte Não teríamos nós, psicanalistas, a partir da afirmação de Freud sobre o não simbolizável que é a morte, nos tornado cúmplices do silêncio que nosso mundo contemporâneo traçou em torno dessa questão? Maria de Fátima Vicente, no ensaio “A eternidade e os futuros possíveis”, procura mostrar como a “mentalidade da sobrevivência” contribui para que “o investimento dos pais sobre seus filhos seja uma busca de sua própria reprodução”. Cita Freud em A interpretação dos sonhos: “ninguém é insubstituível”. Na seção II do ensaio de Freud sobre o narcisismo, a terceira via para o estudo do narcisismo é abordada: a vida erótica. Freud aí inclui como especificidade a relação dos pais com suas crianças. Lembra aí como a condição de paternidade e maternidade abriga um dos aspectos mais imbatíveis das características do narcisismo primário infantil: a impossibilidade do eu em crer em sua própria morte: “a crença na própria imortalidade é o ponto mais espinhoso do sistema narcisista”. Ao conjeturar sobre a relação do homem primitivo e sua relação com a morte, Freud afirma que “a própria morte lhe era tão inimaginável” quanto para qualquer um de nós. A morte não pode ser simbolizada porque não se inscreve como negação ou contradição. Apenas a experiência de perda de um semelhante porque amado aproxima da experiência impossível de reconhecer-se mortal. Aí, o semelhante amado seria um pedaço do próprio eu. Mas, é também a partir dessa perda que Freud pensou a melancolia: na morte o outro se desvela também como depositário de impulsos hostis, surgindo então a culpa. É através desse ódio que o Eu se protege de admitir a própria morte como aniquilamento. Inventará então uma vida futura, uma religião. Para Freud, o narcisismo primário infantil partilha da disposição primitiva da humanidade, pois o eu do adulto, hoje, também não pode crer em sua mortalidade. Max Chur mostra em seu estudo Freud: vida e agonia de que forma a angústia ligada à morte sempre esteve presente em Freud e de que modo sua teorização enraizou-se nesse pano de fundo. Mas, Freud foi cúmplice da selvageria que passou a envolver a morte a partir da modernidade. A morte é o que não tem representação, é o que está do lado traumático, da pura intensidade sem ligação. A morte, a mulher – o que não pode ser nomeado. Michel Vovelle, no ensaio A história dos homens no espelho da morte, aponta como olhando-se no espelho os homens descobrem a morte – esse é um tema que a pintura sempre ilustrou, do século XVI ao barroco alemão ou espanhol. Citando Vovelle: “Os pintores souberam oferecer este efeito de surpresa: uma jovem em seu toucador, onde o velho casal Burgkmeyr olha-se no espelho, que lhes devolve a imagem em forma de caveira...” . Mais
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uma vez a pintura antecipou-se à psicanálise, fazendo a relação entre narcisismo e morte. Mais do que os psicanalistas, os historiadores tem podido, mais recentemente, se enfrentar com o tema da morte. Vovelle e Ariès são a prova Mas, nós, psicanalistas, continuamos emudecidos, confortáveis com a asserção freudiana de uma impossível simbolização da morte. E, em qualquer visita ao Cemitério da Consolação, onde o historiador da funerária nos guia, os símbolos da morte se sucedem ao infinito. Parece que nos que diz respeito à morte, estamos diante de mais uma cumplicidade metafísica da psicanálise, para utilizar o termo tão caro a Derrida.
ENTREVISTA EXCLUSIVA COM MIRIAM CHNAIDERMAN A gente queria que você comentasse o texto do Freud. O tempo é curto, a vida curta e é o Freud se dando conta disso.Freud era bem amargo em relação a possibilidade do trabalho analítico com pessoas mais velhas - que não é como a gente pensa hoje. Ele achava que tinha um enrijecimento das estruturas psíquicas, dos modos de agir psíquicos, que era muito difícil interferir psicanaliticamente em pessoas mais velhas. Descordo totalmente.Mas o que eu acho sábio nesse texto, é que o Freud coloca que o envelhecimento é uma despedida, é um momento de consciência da vulnerabilidade, da não-eternidade, é um momento duro. O que a gente pode fazer é torna-lo mais confortável, mais digno possível. O que a gente vive hoje, essa onda de plásticas é uma negação da transitoriedade de que fala o Freud, é a juventude eterna. A gente tem essa relação com a juventude, como se fosse o melhor momento, que concentra a beleza, a produção, etc. Eu acho que tem uma questão que é real, tem uma coisa biológica, de vitalidade, que é um dado que a gente tem que considerar. Mas eu acho que a gente tem que acolher a transitoriedade e as marcas do tempo. Tem uma coisa horrível que a gente vive, como se na velhice tivesse uma morte do desejo, a impossibilidade do belo enrugado. A sociedade é muito cruel com a passagem do tempo porque a gente vive num mundo que propõe, via sociedade de consumo, um presente eterno. Então a evidência da passagem do tempo é muito mal acolhida no mundo que a gente vive. Acho que na velhice pode ter uma imensa libertação do julgo de um certo corpo em que o que vale é a genitalidade. Temos que lembrar do texto do Freud - os três ensaios sobre a sexualidade -, onde ele fala que toda zona é erógena, que não tem o predomínio de uma genitalidade, que é voltada para procriação. Essa coisa com a velhice é o preconceito que existe que você só vive a sexualidade se for para fazer filho, transa tendo relaçnao com uma família: mãe, pai e filhinho. Em função disso, o velho é muito escorraçado. Nesse sentido a velhice é uma libertação de um julgo atroz. O olhar do nosso mundo sobre o velho é cruel. Ao contrário do que acontece nas tribos africanas, onde o velho é a sabedoria, alguém que pode te falar de um jeito de viver a sexualidade de uma forma mais livre, mais solta.
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Fale mais sobre isso que você traz do envelhecimento como libertação. O Jean Claude Bernardet tem muito claro isso que eu estou falando do envelhecimento como libertação. Ele fala isso no Sobreviventes. Quando ele descobriu que ia morrer, ele botou pra quebrar. Ele fez tudo que tinha vontade: brigou, escreveu roteiro etc. Ele é como eu penso a velhice. A velhice tem sido o palco dele, o teatro dele. É muito admirável. Se autorizar numa reinvenção de um jeito de estar na vida – o Jean Claude pôde fazer isso. Meu pai quando se aposentou, quando ele adoeceu, antes de morrer, teve um câncer no reto. E aí ele pegou todos os livros que quis ler a vida toda e leu todos. Leu tudo que teve vontade de ler. Foi uma coisa maravilhosa que ele fez. Era o sonho dele. Mas são pessoas [JC e Pai] que tem repertório para se reinventar. Nem todo mundo tem repertório para se reinventar. Muita gente se aposenta não tem o que fazer porque não tem repertorio. O Sesc, por exemplo, com o trabalho que desenvolve, tenta fornecer subsídios para isso. Mas essa cabeça, tomara que um filme como esse possa transmitir: que cada um se descubra. Tem gente que sonhou dançar, vai dançar. Teatro, vai fazer. Mas isso é uma questão: como ser autor de sua vida depois que se aposenta? Como sentir que pode ser dona da sua própria vida? Tenho pacientes nessa situação que se aposentam e ficam com um vazio, psiquicamente é muito complicado. O se aposentar é acolhimento da passagem do tempo mas não é fim da vida. Descobrir como você pode ser dono da sua vida. E nesse sentido entra a arte. Ou entra outra coisa. Mas é complicado... que recursos cada um vai ter para poder se reinventar? Para a mulher é muito mais cruel envelhecer na sociedade? Tenho amigas que vivem o olhar do não desejo o tempo todo. A mulher mais velha tem a sua beleza, que não é a do modelo da publicidade. É um preconceito em relação ao desejo. É tão disruptor pensar a velhice como é pensar as pessoas trans e travestis. O mundo que a gente vive não tem espaço para o desejo da mulher mais velha. O abjeto da velhice, que é pouco falado. Descobrir o erotismo que tem no envelhecimento, mas não é fácil porque a velhice traz a questão da morte. Não dá para falar da velhice sem falar da morte. O preconceito da velhice é porque traz a questão da morte. Quando meu pai teve o segundo câncer, aí me veio uma consciência aguda da vida, de ir cuidando de fazer boas despedidas. Temos que acolher a questão que todos morreremos. Essa negação só faz mal. A morte faz parte da vida. Precisamos tentar construir isso de uma maneira digna, continuar desejantes, erotizados, bonitos, cuidando disso. Na velhice, tem a libertação mas tem perdas horríveis também. Não dá para por a velhice como uma coisa bonitinha. É muito dolorido envelhecer e despedir é sempre triste. A questão é como fazer isso de um jeito que você se respeite. E O Jean Claude é bem modelo mesmo. O que precisa ter no filme? Tem que trazer a questão da morte, das limitações, da sexualidade, a questão da despedida. A despedia em todos os sentidos. São muitas despedidas. Poder entender a longevidade não como um eterno presente porque não é. A longevidade, para mim, vem do acolhimento das limitações e da passagem do tempo. Essa longevidade a qualquer preço não interessa, porque petrifica o afeto também.
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ENTREVISTA EXCLUSIVA COM THIAGO PIMENTEL – REDES SOCIAIS E MORTE Thiago Pimentel – Pesquisador de Cultura Digital e Hacker Há uma “imortalidade” nos ambientes virtuais? A morte parece ser um tema fundamental na antropologia. Só humanos enterram seus mortos. Só humanos guardam luto. E parecem o fazer menos para proteger os que se vão, mais para resguardar os que ficam. Se por um lado a morte nos coloca o mais objetivo dos problemas (todos vamos morrer), por outro lado é justamente a esse problema objetivo que respondemos com as mais subjetivas das respostas. Todas as religiões, de certa forma, parecem responder à essa mesma questão. Na perspectiva que aqui nos interessa, é importante lembrar, há seculos, escritores e escritoras tem buscado na literatura uma estratégia de imortalidade, uma maneira de sobreviver para além de sua morte. Aliás, nesse mesmo sentido e apenas para ilustrar, são chamados “imortais” os membros da Academia Brasileira de Letras. Da mesma forma que as palavras escritas podem render ao seu autor uma certa estratégia de imortalidade, temos visto uma tendência na ficção científica de buscar essa imortalidade na digitalização das informações contidas no cérebro humano. Uma espécie de backup da mente parece ser uma das apostas da ficção científica na busca da imortalidade. As redes sociais parcem lidar muito claramente com esse tema. Tanto que o Facebook, a mais popular das redes sociais entre nós, percebendo isso, tem uma política de transformar em “memorial” a conta de pessoas falecidas. Essa comunicação com perfis mortos parece suscitar diversos tipos de interações. Para além das homenagens e recordações que buscam não deixar desaparecer a memória do falecido, há reflexões filosóficas sobre o sentido da vida, sobre a própria morte. Esses espaços parecem também suscitar laços de solidariedade entre amigos, familiares, admiradores dos falecidos. Uma rápida busca pelo termo “gente morta” no Facebook vai te levar a inúmeros grupos dedicados a concentrar listas de perfis de falecidos. Esse (https://www.facebook. com/groups/pgmreal/?ref=br_rs), por exemplo, tem mais de 77 mil membros. Parece haver aí algo mais que uma curiosidade mórbida nesses cemitérios virtuais.
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POST DE MANOELA MIKLOS Manoela Miklos - feminista, doutora em em Relações Internacionais, idealizadora das campanhas Não Tem Conversa e #AgoraÉQueSãoElas. (texto postado no facebook) A gente vai precisar entender isso aí de morte e redes sociais. Hoje minha mãe faria aniversário. Eu faço aniversário da minha mãe hoje. Comemoro os anos que passei com ela. Os que ela viveu antes de mim. Penso nos 5 aniversários sem ela. Tempos tão iguais e tão diferentes. Cada ruga que aparece no canto dos meus olhos me lembra dela. As manias parecidas vão desabrochando. O museu dela sou eu. Muitas vezes nesses cinco anos, incontáveis vezes pensei em apagar o perfil de minha mãe aqui. Nunca consegui. E sempre me culpo muito. Todo amanhã vai ser vai ser o dia de deletar a conta dela. Fechamos, meu pai e eu, o perfil para novos comentários. Mas apagar as fotos dela? Que ela escolheu? Nas quais ela achava que estava linda, do jeitinho que queria ser vista? Apagar os comentários aleatórios? A frustração com o PT externada diante de uma entrevista infeliz da Ideli Salvati? Ou uma frase do Osho que ela acordou num dia qualquer de chuva em SP achando que fazia sentido? Aquelas fotos minhas que ela postava com declarações de amor que me enchiam de vergonha à época? Tanta coisa que vale tão mais pra saber quem ela foi e quem eu sigo sendo do que tudo dito dentro daquele hospital frio sob a névoa da guerra que perdemos? Saldo: os muitos amigos dela aqui receberam o aviso hoje cedo a respeito do aniversário da minha mãe. Como recebemos sobre nossos contatos regularmente. E devem ter se lembrado dela. Alguns. Outros não. Não sei. Mas eu me lembrei deles. Foi bom. Quem sabe essa rede é mesmo mais que uma rede social, que sabe é de fato uma rede social? Amanhã eu tento outra vez deletar a conta da Dona Rachel. Hoje vou passar o dia passeando pela trajetória online dela, pensando que a mulher de 34 anos que eu me tornei não vai poder olhar pra ela e dizer “hoje eu entendo”. Mas hoje eu entendo tanto do que a minha mãe me dizia. Como ela gostaria de saber disso.
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ESTADO E DIREITOS Este capítulo investiga o papel do Estado na garantia de alguns direitos para os idosos. Sendo assim, são elencados países, cidades e programas que são referências na qualidade de vida para esta população. É inegável alguns avanços nas políticas, mas, mesmo com o Estatuto do Idoso, ainda estamos longe de ser uma sociedade que respeita e garante direitos básicos aos idosos. Como afirma Marilia Viana Berzins, Presidente do Observatório da Longevidade Humana e Envelhecimento, “o Brasil já está atrasado na adequação da nova realidade etária”. Esta ausência do Estado pode ser sentida também quando mapeamos quem são os cuidadores dos idosos no Brasil: mulheres da família. Além de uma breve análise do conto “O Enfermeiro” de Machado de Assis. Em entrevista exclusiva, o Ex-secretário Municipal de Cultura de São Paulo e Urbanista, Nabil Bonduki, aponta a moradia como um dos grandes desafios sociais, ele acredita no modelo da locação social, onde a habitação não é uma propriedade, mas um serviço. 113
TEMPO É MOVIMENTO Isto não é um lamento, é um grito de ave de rapina. Irisada e intranquila. O beijo no rosto morto. Eu escrevo como se fosse para salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria vida. Viver é uma espécie de loucura que a morte faz. Vivam os mortos, porque neles vivemos. De repente as coisas não precisam mais fazer sentido. Satisfaço-me em ser. Tu és? Tenho certeza que sim. O não sentido das coisas me faz ter um sorriso de complacência. Decerto tudo deve estar sendo o que é. Clarice Lispector
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A POLÍTICA NACIONAL DO IDOSO Vicente de Paula Faleiros - possui graduação em Direito pela Faculdade de Direito de Franca, graduação em Serviço Social pela Universidade de Ribeirão Preto, doutorado (PhD) pela Université de Montreal e pós-doutorados pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais- Paris e Université de Montréal. Especialista em Gerontologia pela SBGG- Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. Valor de lei! Só assim, davam tranquilidade boa à gente. Por que o Governo não cuida?! Ah, eu sei que não é possível. Não me assente o senhor por beócio. Uma coisa é por ideias arranjadas, outra é lidar com país de pessoas, de carne e sangue, de mil-e-tantas misérias” João Guimarães Rosa A implementação da cidadania como reconhecimento de direitos e deveres de todos implica uma superestrutura jurídico-política do Estado enquanto poder normalizador e pactuante num território determinado. A construção de pactos federativos no Brasil, em favor das pessoas idosas, é um processo que se traduziu formalmente, no Estatuto do Idoso de 2003, na trilha da PNI – Política Nacional do Idoso. A visão filantrópica do velho coitado e do cuidado familiar foi sendo modificada ao longo da história, ainda que presente na oferta de serviços institucionais. A previdência social possibilitou um seguro-velhice. A formulação da PNI, em 1994, superou uma visão apenas securitária da velhice, vinculada às contribuições prévias para um fundo de benefícios. A previdência social representou uma garantia de renda para as pessoas idosas, mas foi implantada no Brasil de forma segmentada por categoria profissional, o que configurou uma cidadania trabalhista industrial vinculada ao projeto de industrialização da Era Vargas. A Constituição Federal/1988 rompeu com a visão securitária da velhice e configurou a seguridade social, articulando previdência, assistência social e saúde, além de colocar o envelhecimento nas relações familiares, na sociedade e na esfera do Estado. A PNI deu expressão às experiências diversificadas da atenção à velhice e ao envelhecimento, e à pressão de movimentos sociais. Diante do aumento da expectativa de vida, a política colocou em pauta o paradigma do envelhecimento ativo, incentivando o autocuidado e seguindo padrões internacionais, mas no contexto neoliberal de reduzir custos do Estado. O Decreto no 1.948/1996, com foco na gestão de resultados, reduziu as competências dos diferentes setores e a participação dos idosos na formulação das políticas, bem como estabeleceu a focalização da política social. De certa forma, a PNI estabeleceu uma visão setorial (aparentemente intersetorial) da política para o envelhecimento, abrindo o leque das políticas públicas. Ao definir uma forma “asilar” e outra “não asilar” de política de atendimento, ainda se reforça o modelo denominado “asilar”, em geral destinado aos pobres, dentro do paradigma filantrópico. Com o Estatuto do Idoso de 2003, consolida-se o paradigma de velhice como direito personalíssimo, com uma visão articulada das políticas em rede, enfatizando-se o envelhecimento ativo e participativo. A velhice se representa de forma multidimensional e multi-
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determinada, e o direito ao envelhecimento é reconhecido pelo estatuto. Seu protagonismo precisa ser mais reconhecido não como objeto de cuidado ou de funcionalidade (como em algumas propostas de envelhecimento ativo) e sim como sujeito participante da sociedade, cidadão e dotado de autonomia. Vários pactos de políticas para o envelhecimento que consideram a política na atenção em rede foram formulados na saúde, no enfrentamento da violência, na assistência social e no processo de inclusão nas cidades. A política de educação para pessoas idosas, no entanto, permaneceu muito limitada, seja nas universidades, seja nas experiências isoladas. A constituição dos conselhos da pessoa idosa (2002) e dos fundos correspondentes (2010) andou a passos lentos. Novos desafios estão surgindo diante da política do neoliberalismo, da transição demográfica, do aumento da longevidade, da incidência de doenças degenerativas e da mudança na família. Hoje não se vivem somente novas fronteiras da idade, mas se colocam em questão a sociedade e os mitos sobre a idade avançada. Essas fronteiras, ao mesmo tempo societárias e pessoais, em que o envelhecimento traz desafios na relação entre gerações, na repartição dos tempos sociais, na formulação de políticas públicas, na dinâmica do envelhecimento demográfico e no sentido que a velhice tem para as pessoas. O protagonismo da pessoa idosa implica o fortalecimento das instâncias participativas na defesa dos direitos desse segmento, pois o envelhecimento e a velhice são uma conquista da humanidade, necessitando-se desconstruir a velhice como categoria social somente de perdas ou de doenças. Sem suporte social adequado e eficaz, o sujeito que envelhece não dá conta das demandas. A rede pessoal e primária das pessoas idosas é fundamental para o cuidado, mas precisa estar articulada à rede secundária de serviços, que, aliás, precisa funcionar como rede compartilhada de responsabilidades. As relações concentradoras de poder e de exclusão social têm por consequência a produção de um “déficit de cidadania”, isto é, resultam na redução ou no impedimento da participação, da autonomia, da garantia de condições de vida e da construção democrática do Estado e da sociedade. As formas de bem-estar social, implantadas no contexto da globalização, da redução do Estado, da precarização do trabalho e da valorização do mercado, têm profundo impacto nas políticas para a pessoa idosa, que, além disso, sofrem as consequências da profunda transição demográfica. A diversidade e a heterogeneidade do envelhecimento se articulam às condições em que se envelhece e aos estilos de envelhecer de forma inseparável, mas a universalização dos direitos fundamentais é que vai favorecer, paradoxalmente, a singularidade das pessoas, não se podendo uniformizar os maiores de 60 anos numa categoria genérica chamada velhice.
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NOVOS VELHOS Revista do SESC – Desafios da Longevidade Será que estamos prontos para ser um país de idosos? Entre especialistas, há consenso sobre o avanço nas iniciativas voltadas a idosos saudáveis, como a criação de centros de convivência, universidades da terceira idade, academias ao ar livre, grupos de atividades e programas de incentivo ao turismo. Para a advogada e consultora em políticas públicas voltadas ao envelhecimento Pérola Melissa Vianna Braga, é preciso maior atenção com o outro lado da velhice: “Questões como a assistência social, políticas de saúde voltadas às diferentes faixas do envelhecimento, direito à medicação independentemente da situação financeira, criação de hospitais públicos de retaguarda específicos para idosos e novas vagas em instituições de longa permanência”, exemplifica. Na opinião da organizadora do livro Políticas Públicas para um País que Envelhece (Martinari, 2012) e presidente do Observatório da Longevidade Humana e Envelhecimento (Olhe), Marília Viana Berzins, o Brasil já está atrasado na adequação à nova realidade etária. “Apesar de ser evidente o aumento do número de pessoas idosas, o país ainda pensa que é jovem. A Política Nacional do Idoso, a Política de Saúde do Idoso e o Estatuto do Idoso contemplam o que é necessário, mas ainda não foram efetivados na realidade”, analisa. “O grande desafio é pôr em prática aquilo que está estabelecido.” Para Marília, é importante lembrar que o envelhecimento não é um problema social, mas uma conquista. “O envelhecimento populacional reflete uma história de sucesso das políticas sociais, da tecnologia, da medicina. Passará a ser um problema se não nos prepararmos. Por isso, precisamos incorporar a pergunta ‘O que você vai ser quando ficar velho?’ à nossa existência, para não nos surpreendermos com o envelhecimento”, propõe ela, lembrando que essa conscientização deveria vir desde a infância. “Afinal, quem está na escola hoje são os idosos de amanhã.” Desafios para o presente O aumento da expectativa de vida da população impõe mudanças de paradigmas para a qualidade de vida - Acessibilidade: a melhoria das vias urbanas, as calçadas, faixas de pedestre, rampas de acesso e afins são necessárias não apenas para a locomoção e acessibilidade dos idosos, mas de todos. - Aposentadoria: para garantir aposentadorias justas de acordo com o que foi contribuído, o grande desafio é reinventar e adaptar o sistema às novas condições demográficas. - Cuidadores profissionais: com a redução do número de filhos e mudanças familiares, muitos idosos não têm a quem recorrer e precisam contratar um cuidador. A ocupação, porém, ainda não é reconhecida como profissão. - Formação em gerontologia: enquanto o geriatra é o médico especialista em envelheci-
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mento, o gerontólogo é o profissional apto a contribuir com o melhor envelhecimento em diferentes áreas, não apenas na saúde. A maior oferta da formação em cursos de graduação aumentaria o número de profissionais preparados para atenderem pessoas idosas. - Instituições de longa permanência e centros-dias: a ampliação do número de centros-dias, espaços que recebem idosos para cuidados e atividades durante o dia, é uma solução para evitar que os idosos recorram às instituições de longa permanência, hoje com filas de espera. - Teleassistência: com uma espécie de pulseira ou celular especial, os idosos que moram sozinhos podem acionar um pedido de ajuda em caso de mal súbito, quedas ou outras situações. A Espanha, por exemplo, é um dos países em que há serviço de teleassistência pública.
ENVELHECIMENTO POPULACIONAL, CUIDADO E CIDADANIA Berlindes Astrid Küchemann - Professora do Dept. de Sociologia da Universidade de Brasília. Estudos feitos na área da saúde indicam que, na virada do século, cerca de 40% dos indivíduos com 65 anos ou mais precisavam de algum tipo de ajuda para realizar tarefas como fazer compras, cuidar das finanças, preparar refeições e limpar a casa. Uma parcela menor (10%) foi considerada com falta de autonomia para realizar tarefas básicas, como tomar banho, vestir-se, ir ao banheiro, alimentar-se, sentar e levantar de cadeiras e camas. Passados nem dez anos, a proporção dessa parcela aumentou em, aproximadamente, 5%, perfazendo um total de 15% (3,2 milhões) da população idosa atual, sendo que, desses 3,2 milhões, 2 milhões (63%) são mulheres (IPEA, 2010). Esses dados indicam que o trabalho do cuidado está ganhando cada vez mais importância na sociedade brasileira. Cuidar ou ser cuidado constitui uma questão central na vida de todos nós. Em momentos os mais diversos, todos nós cuidamos ou necessitamos do cuidado de alguém. Cuidar implica algum tipo de responsabilidade e compromisso e, quando uma pessoa ou um grupo cuida de alguém, é porque está “disposto a trabalhar, a se sacrificar, a gastar dinheiro, a mostrar envolvimento emocional e despender energia em relação ao objeto de cuidados”. Cuidar também significa aproximar-se, estar presente e valorizar o/a outro/a com a devida atenção à sua individualidade. Cuidar é uma atividade que possibilita um encontro dialógico entre o ser que cuida e o ser que é cuidado. Levando-se em consideração que, com o avanço da idade, o idoso e a idosa podem sofrer graduais perdas cognitivas, apresentarem mudanças comportamentais e emocionais, a atividade do cuidado não pode ser uma atividade movida meramente por questões humanitárias ou éticas. Requer competências específicas para o seu exercício e boas condições de saúde de quem a exerce. Historicamente, em países que vivenciaram essa transição demográfica de forma mais lenta, tais como França, Inglaterra e Alemanha, tem sido implementadas diversas formas de apoio e de cuidados aos idosos e às idosas. No Brasil, apesar do Estado prover alguns serviços básicos de saúde para a população da terceira idade, a cobertura dos servi-
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ços é deveras insuficiente, sobretudo, em se tratando de serviços e alojamentos para cuidados de longa duração e para necessidades não cobertas pelos planos de saúde. Serviços de atenção integral, como, por exemplo, residências ou centros de recreação, são poucos e restritos a setores de nível socioeconômico mais altos, capazes de custear tais serviços. Nos países europeus supracitados, nos quais o envelhecimento populacional tem sido mais lento e tem recebido a devida atenção durante décadas, encontramos uma rede de organizações que se define community care, cujo objetivo é manter o/a idoso/a em sua casa, oferecendo suportes para a família e o/a cuidador/a. Entre as diferentes modalidades de assistência ao/à cuidador/a familiar, estão, entre outros, o serviço de um profissional para alternar os cuidados com o/a cuidador/a familiar, a redução da jornada de trabalho do cuidador/a familiar e o recebimento de uma ajuda, em dinheiro, para suprir os gastos com a assistência prestada ao seu idoso e à sua idosa. Um programa largamente divulgado é o da “comida sobre rodas”, que produz e distribui refeições programadas para idosos/as que moram sozinhos/as, idosos/as enfermos/as ou com pouca autonomia, poupando o/a idoso/a e o/a cuidador/a da tarefa de cozinhar todos os dias. No Brasil, estudos na área da saúde têm mostrado um quadro nada alentador a respeito dos/as familiares que cuidam de idosos/as. Além de nem sempre estarem preparados/as para prestarem um trabalho à altura do necessário, os/as mesmos/as nem sempre apresentam boa saúde, como mostra um estudo realizado no município de São Paulo, com 102 pessoas acima de 50 anos, que sofreram o primeiro episódio de acidente vascular cerebral (AVOCÊ). Esse estudo revelou que em 98% dos casos pesquisados, o/a cuidador/a era alguém da família. Dentre esses familiares, 92,9% eram mulheres: 44,1% eram esposas, 31,3% eram filhas e, em menor proporção, noras ou irmãs. Apesar de serem as principais atrizes na dinâmica dos cuidados pessoais diários dos portadores de AVOCÊ dos pesquisados, 67,9% prestava esses cuidados sem nenhum tipo de apoio. Além do mais, 59% dessas cuidadoras tinham acima de 50 anos e 41% entre 60 e 80 anos, o que indica que pessoas idosas estão cuidando de idosos/as. Quanto às condições físicas dessas cuidadoras, o estudo revelou que as mesmas são doentes em potencial e que sua capacidade funcional deixa a desejar: 40,7% tinha dores lombares, 39,0% depressão, 37,3% sofria de pressão alta, 37,3% tinha artrite e reumatismo, 10,2% problemas cardíacos e 5,1%, diabete. Segundo dados da PNAD de 2008, 87,9% das mulheres e 46,1% dos homens inseridos no mercado de trabalho declararam que executam afazeres domésticos e tarefas relacionadas aos cuidados com os membros familiares do domicílio. Quanto à intensidade com que homens e mulheres se dedicam aos afazeres reprodutivos, as mulheres estimaram dedicar 20,9 horas semanais às atividades domésticas e ao cuidado de seus familiares, e os homens 9,2 horas semanais. Esses dados revelam que, apesar dos esforços empreendidos para desnaturalizar os papéis socialmente construídos, o cuidado ainda é compreendido como um valor predominantemente feminino, realizado gratuitamente no âmbito familiar. Mas o cuidado também é exercido profissionalmente, tendo significativa expressão no campo da saúde, em especial na medicina e enfermagem, e no serviço social. Importante ressaltar que, quando exercido por profissionais dos serviços de cuidado ou por trabalhadoras domésticas remuneradas, as atividades vinculadas ao trabalho reprodutivo passam a ser contabilizadas no sistema de contas nacionais no valor equivalente ao de sua remuneração. Mas, se exercidas gratuitamente por alguém da própria família, deixam de ser mensuradas e, portanto, tornam-se
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invisíveis oficialmente. Se o trabalho reprodutivo exercido majoritariamente pelas mulheres fosse contabilizado, o PIB brasileiro, de 2008, aumentaria 10,3%, segundo cálculos feitos a partir da PNAD/IBGE (BANDEIRA, L; MELO, H. P; PINHEIRO, L. S. “Mulheres em dados: o que informa a PNAD/IBGE”, 2008. in Observatório Brasil da Igualdade de Gênero)1. Hoje, cabe quase que exclusivamente às mulheres a tarefa de conciliar trabalho produtivo e reprodutivo. Como contam com pouco apoio por parte do Estado, elas acabam por desenvolver uma série de ativos sociais para redistribuir algumas tarefas e, assim, satisfazer as necessidades práticas decorrentes da sua condição de cuidadora e promotora do bem-estar familiar. Ademais, a não consideração do trabalho reprodutivo como uma questão pública promove o aprofundamento das desigualdades e alimenta o ciclo de reprodução da pobreza, na medida em que o acesso a serviços de cuidado fica disponível apenas para grupos sociais, cujos rendimentos permitem sua contratação. 1 A metodologia utilizada partiu do pressuposto de que a remuneração média das/os trabalhadoras/os domésticas/os é o valor de mercado que a sociedade atribui aos prestadores desse serviço. Sendo assim, ao trabalho doméstico não remunerado aplicou-se a mesma valoração.
MUNDO PRATEADO Marta Pessoa, subsecretária estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação, de 63 anos, é cofundadora do Mundo Prateado fala do empreendedorismo digital voltado para a velhice “O Mundo Prateado é formado por um blog que fala da velhice de um jeito leve, com histórias inspiradoras e informações, uma página no Facebook, newsletter, Twitter, canal de Youtube e o guia gratuito Páginas Prateadas, de serviços voltados para idosos. O foco é o que chamo de PIS: pré-idosos, idosos e simpatizantes”, diz ela, que nasceu no sertão da Paraíba. Filha única, é de uma cultura, a sertaneja, de cuidados com os parentes. “Comecei a visitar outros países para saber como é envelhecer lá. Já conversamos com uma produtora para ver se vira uma websérie ou série de TV por assinatura.” Como veio a ideia de tratar do tema da velhice? Meus pais começaram a envelhecer e a adoecer. Ele teve um AVOCÊ em 1995 e morreu em 2000. Ela morreu em 1997. Ficou a empregada deles, Neném, que foi minha babá e continuou morando na casa. Ao longo desse tempo, tive que cuidar dos três a distância, eles na Paraíba, eu no Rio. Precisei montar uma organização para dar conta das tarefas, das mais simples às mais complexas: comprar comida, roupas, remédios e eletrodomésticos, reformar a casa, pagar contas, contratar cuidadores, acompanhar consultas médicas, telefonar para minimizar a solidão. À época, vivi a solidão de não ter com quem conversar sobre o tema, compartilhar dúvidas, me aconselhar, dividir esforços. Não havia livros, programas de TV, sites, associações. E como surge o Mundo Prateado?
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Eu havia conhecido a Maristela no MBA, em 2005, mas só no ano passado resolvemos dividir a experiência que temos com parentes que envelheceram. Foi a partir de uma queda que Neném teve em 2013. Ela quebrou o fêmur e passou a exigir cuidados 24 horas. Convenci até uma pessoa a criar uma empresa de cuidadores, a CuidarSenior. Montei uma rede de apoio e uso a tecnologia para monitorar o seu dia a dia. Falo com Neném, que faz 90 anos em dezembro, por Skype e Face Time. Converso pelo WhatsApp com a empregada que trabalha lá, com a dona da CuidarSenior e com as cuidadoras. Mudei Neném para um prédio onde moram cinco parentes e amigos meus, que ajudam a cuidar. Para diminuir a solidão, a faxineira, que conhecia minha mãe, conversa com ela sobre o passado. O apartamento é uma filial do play. Boto bombons e balas para as crianças do prédio irem lá. Como é o guia de serviços e produtos Páginas Prateadas? Buscar um profissional na internet é cansativo e pode ser infrutífero, ainda mais quando se está com pressa. Você quer o conforto de ter a informação de forma rápida e confiável. Não é suficiente achar um asilo perto de casa, é importante saber se é bom ou não. No guia, você se cadastra e os leitores avaliam, gratuitamente. A ideia é ser uma espécie de Trip Advisor de cuidados com os idosos. No Trip Advisor, você não procura hotel, procura indicação de hotel. É como se compartilhássemos todas as agendas de pessoas confiáveis que tomam conta de idosos. Você enfrentou resistências para falar da velhice? Se você falar sobre criança, todo mundo quer ajudar. Mas velhice não é um tema charmoso num país que assimilou o culto à juventude. Como ela é considerada uma espécie de antessala da morte, a reação em geral é não querer pensar. É comum a ideia de que a velhice é uma tragédia que se abate sobre os outros, nunca sobre nós. Mas é melhor encará-la de frente, desmistificá-la e se preparar para uma velhice ativa, independente e autônoma. Nos próximos 50 anos, cerca de um terço da população brasileira terá mais de 60 anos. A velhice agora é nossa realidade demográfica, quanto mais a negarmos mais pesada ela será. E o Brasil está despreparado. Muitos só pensam quando surgem as limitações físicas e mentais, mas a boa velhice começa na juventude.
SOBRE O CONTO “O ENFERMEIRO” DE MACHADO DE ASSIS Há mais de 150 anos. Sim, a história de “O Enfermeiro” se passa em 1860. Procópio é designado para ser o enfermeiro-cuidador do Coronel Felisberto. Esse conto é interessante para se pensar em um tipo de relação que existe ainda atualmente. O Coronel é reconhecidamente por todos como uma pessoa difícil. Nas palavras do escritor, além de rabugento, era mau. Vale também se considerar que a idade dele é sessenta anos, velho para os parâmetros da época, relativamente jovem para hoje em dia. No início Procópio sofre ofensas verbais, que avançam até agressões físicas. Ao final, Procópio estrangula o Coronel, faz com que a morte pareça natural e depois descobre que vai ganhar muito dinheiro sendo escolhido como o herdeiro do Coronel. Uma certa culpa e angústia, abandonada ao fim do conto.
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O que é merecedor de destaque é a relação difícil e os conflitos intergeracionais entre os dois personagens. O Coronel abusa de seu poder, humilha e agride o seu cuidador. Este chega ao limite que é materializado em um assassinato. A representação da pessoa idosa aqui dista da ideia do “velho bonzinho” e o paradoxo marca a presença do herói sofredor cuidador que se transforma em criminoso. Uma relação difícil desde muito tempo. A partilha da intimidade nunca é isenta da antiga estrutura social de dominante e dominado, de rico e pobre. Fica para pensarmos atualmente em uma dificuldade de relação respeitosa entre pessoas de diferentes idades e, principalmente, de classes sociais distintas em funções e cargos diferentes. Conflito anunciado há mais de um século e meio e longe de se extinguir no mundo atual.
SURGE SELO DE ALERTA PARA DAR PRIORIDADE AOS MAIS IDOSOS - OAB Pessoas acima dos 80 anos passaram a ter prioridade sobre os sexagenários e septuagenários, com a entrada em vigor da Lei nº 13.466/2017, sancionada pela presidência da República em julho. A legislação altera o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) e dá mais rapidez aos atendimentos para octogenários em importantes setores, principalmente o do Judiciário e o da Saúde, locais em que a população nessa faixa etária precisa ser atendida com mais celeridade. Os mais velhos, apesar de terem legislação em seu favor e dispor de estatuto próprio, ainda não conseguem garantir a maioria de seus direitos. Por conta disso, conforme afirma a presidente da Comissão de Direitos da Pessoa Idosa da OAB SP, Adriana Maria de Fávari Viel, é necessário conscientizar a população e contar com bom senso para que os direitos sejam respeitados. “Na Justiça, onde o número de processos tem aumentado e a espera é longa, os octogenários passaram a ter suas necessidades atendidas com preferência em relação aos demais (entre 60 e 79 anos)”, explica. Adriana afirma que essas predileções devem ser respeitadas, o que se traduz em um andamento mais rápido na tramitação de ações e procedimentos, assim como a execução dos atos e diligências judiciais em que eles figurem como parte. Para atender essa demanda, a Justiça paulista está providenciando alterações no sistema, conforme informações do Tribunal de Justiça de São Paulo, mesmo procedimento adotado pelos demais tribunais. No Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por exemplo, os processos físicos têm identificação especial, enquanto os eletrônicos recebem um aviso de alerta. Além da Justiça, esses idosos passaram a ter prioridades no Sistema Único de Saúde (SUS), em filas de bancos e supermercados e outros locais. “Hoje em dia não tem como comparar uma pessoa com 60 anos a uma de 80”, acrescenta Adriana, ressaltando que o Estatuto havia deixado uma lacuna ao não estabelecer essa diferenciação. A advogada usa como base dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), o que exige mudanças na forma de agir e de pensar para essa população.
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De acordo com o vice-presidente do Conselho Nacional do Idoso, Bahij Amin Aur: “Os maiores de 80 anos têm primazia sobre os demais, mas na questão da saúde, um dos pontos mais importantes é que eles só serão atendidos primeiro se não houver casos emergenciais.” Bahij Aur ainda não percebeu os efeitos da lei: “O único banco que vi com informações sobre a questão foi a Caixa Econômica Federal. Ou seja, precisamos disseminar melhor essa legislação”.
ENTREVISTA EXCLUSIVA COM ELIZABETE SAIKI Elizabete Saiki – Mestre em Gerontologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Assistente Social da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, do Núcleo Especializado dos Direitos do Idoso e da Pessoa com Deficiência e Mestra em Gerontologia pela PUC/SP. Você poderia falar um pouco de como é o trabalho da Defensoria Pública no atendimento exclusivo ao idoso? A gente consegue ter um breve panorama das principais lesões aos direitos mais recorrentes entre essa parcela da população? Primeiro cabe esclarecer que a Defensoria presta atendimento jurídico àquelas pessoas que não tem condições de pagar por um advogado. Assim, a população que atendemos não tem condições financeiras, geralmente estão em situação de vulnerabilidade social. A Defensoria tem Unidades de Atendimento e os Núcleos Especializados. Nas unidades ficam os casos individuais: inventário, falta de medicação, briga de vizinho, pensão alimentícia etc. Com os núcleos, os quais possuem atuação estadual, ficam os casos coletivos e os individuais paradigmáticos. Então, no Núcleo do Idoso e da Pessoa com Deficiência o que temos são as ações coletivos, poucos casos individuais, fomento de políticas públicas, suporte técnico aos defensores, servidores e projetos de educação em direitos. Não há um atendimento individual exclusivo para idosos no núcleo. Por exemplo, um idoso que vem à Defensoria pedir uma pensão vai ser acompanhado pela Unidade de atendimento e não pelo núcleo. Os poucos casos do núcleo são aqueles muito complexos. Assim, fica um pouco difícil de dizer quais as principais demandas que aparecem na Defensoria para este público. Quais as principais necessidades dos idosos hoje em termos de serviços públicos? O Estado tem conseguido atender? Eu acho que o nosso grande problema é que o Estado ainda não entendeu que existe uma diversidade de jeitos de ser velho e para cada um desses jeitos existe uma necessidade diferente. Um único tipo de serviço voltado ao idoso não consegue dar conta dessa diversidade. Precisamos de centros de convivências, centros-dias, ILPIs, repúblicas, locação social, programa de acompanhante de idosos (programa da Secretaria de Saúde do Município de São Paulo), cuidadores etc. O documento da OMS sobre Envelhecimento Ativo é norteador, inclusive, de políticas públicas. Qual sua opinião sobre esse conceito?
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Eu acho o documento bacana e ele traz conceitos importantes, mas no meu ponto de vista o problema é que muitas vezes no discurso de Envelhecimento Ativo o que aparece é o ser ativo fisicamente. Portanto, um uso errado do documento. Fala-se muito sobre a necessidade de empoderar os idosos. Quais são os caminhos para promover esse empoderamento? O documento da OMS fala inclusive no empoderamento. Para mim é um instrumento importante de trabalho que visa fortalecer o nosso usuário para superação da situação de vulnerabilidade e muitas vezes também de violência. Você, por exemplo, empodera o seu usuário quando explica para eles quais são os seus direitos, o que ele pode fazer, como funciona os serviços, onde ele pode reclamar. Quando você explica para ele a importância da mobilização social. Como você enxerga a necessidade de reinvenção/ressignificação na Terceira idade? Para mim ressignificar a velhice é mostrar o quanto ela tem de potência e essa potência não precisa ser mudar sua vida completamente, pode ser uma coisa simples, como participar de aulas de dança. A grande questão é não fazer da velhice o fim, um peso. Há diferentes níveis de violência contra o idoso, que não se dá somente na agressão física. A infantilização, por exemplo, pode ser considerada uma forma de violência contra o idoso? Quais outras formas “sutis” de violência? Eu particularmente acho que a violência física é a que menos aparece nos meus atendimentos. O que eu me deparo com mais frequência é violência psicológica e financeira. Eu considero sim a infantilização como violência, você diminui o outro. Você colocar alguém em ILPI contra a sua vontade também é uma violência tamanha, mas para outros isso é considerado proteção envoltas em falas “mas é melhor para ele”, “eu sei o que é melhor para eu pai/mãe”. Como funcionam as ILPI públicas hoje no Brasil? Nós temos vários tipos de ILPIS: privadas, conveniadas (com o setor público), públicas, mistas (vagas particulares e vagas conveniadas) e não podemos nos esquecer das clandestinas. E o funcionamento delas acaba mudando muito. As privadas geralmente tem um olhar mais para as questões de saúde, então, possuem muitos cuidadores, enfermeiros, médicos. Mas falta muitas vezes um trabalho social. Já nas conveniadas, públicas, tem um olhar muito mais social. Por outro lado, pelo convênio ser feito com a Secretaria de Assistência Social, fica complicado a contratação de profissionais da saúde. De qualquer forma as conveniadas e públicas tem uma fiscalização fortíssima pela Vigilância, Prefeitura (tendo em vista o convênio) etc. As particulares ficam mais pela Vigilância e bem, as clandestinas é o que nome diz. ILPI virou um mercado de oferta de serviços e não é barato. A população mais vulnerável se não consegue uma vaga na conveniada/pública provavelmente vai recorrer a esses serviços. Um outro debate é se as ILPIs estão preparadas para saírem do conservadorismo e receber casais gays, pessoas trans etc. Olha, falar de sexualidade na velhice (e falar de AIDS então... mas idoso pega AIDS, sífilis) é um verdadeiro tabu, imagina falar de sexualidade na velhice na ILPI!!
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Temos hoje no Brasil alguma ILPI que possa ser considerada modelo? É difícil dizer, todos tem erros e acertos. Não existe instituição perfeita, mas eu diria que as conveniadas tem experiências riquíssimas.
RANKING: MELHORES PAÍSES PARA OS IDOSOS A Suíça é o melhor país para idosos viverem. O Brasil está em 56º lugar. É o que revela o novo levantamento da Global AgeWatch Index 2015, realizado pela organização HelpAge International, em parceria com a Universidade de Southampton, nos Estados Unidos A Suíça foi avaliada como o melhor país no mundo para os idosos viverem, seguido pela Noruega, Suécia e o Canadá. O Brasil ficou em 56º lugar no ranking, subindo duas posições em relação ao ano anterior. O Afeganistão foi avaliado como o pior país para pessoas com mais de 60 anos. O relatório incluiu 96 países e representou 91% das pessoas com mais de 60 anos no mundo. O indicador avaliou o bem-estar social e econômico dos idosos por meio de critérios como renda, saúde, educação, emprego e ambiente favorável. “O indicador nos permite comparar não apenas a renda e a saúde, mas também os ambientes em que vivem os idosos”, disse Asghar Zaidi, pesquisador da Universidade de Southampton. Os autores atribuíram a liderança da Suíça às políticas e programas nacionais do país. Com o Afeganistão é o oposto. O país conta com poucas políticas que visam promover o bem-estar dessa faixa etária da população. Além disso, o estudo também revelou dados importantes sobre o envelhecimento da população mundial. A comparação do ranking atual com os mais antigos mostrou que houve um aumento na desigualdade da qualidade de vida da população idosa em diferentes países. A diferença entre a maior e a menor expectativa de vida aos 60 anos passou de 5,7 anos em 1990, para 7,3 anos em 2012. O relatório também apontou que as mulheres são mais vulneráveis à pobreza na terceira idade. Os autores atribuem este fato à discriminação de gênero e à desigualdade. Brasil – O setor em que o Brasil foi melhor avaliado foi o da garantia de renda para os idosos: o Brasil ficou em 13º entre os 96 países avaliados pela pesquisa. Em compensação, o país ficou na 87ª posição no ranking no quesito “ambiente favorável para os idosos”. Alguns dos fatores que contribuíram para essa avaliação foram baixa satisfação em relação à segurança e ao transporte público. Em comparação com os outros países da América Latina presentes no relatório, o Brasil ficou a frente apenas do Paraguai (69º lugar). Os países melhor posicionados foram: Panamá (20º), Chile (21º), Uruguai (27º), Costa Rica (28º), Argentina (31º), México (33º), Colômbia (36º), Equador (44º), Peru (48º), El Salvador (54º) e Bolívia (55º).
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RANKING: MELHORES CIDADES PARA OS IDOSOS NO BRASIL Índice de Desenvolvimento Urbano para Longevidade – Instituto de Longevidade Mongeral Aegon/FGV A literatura científica a respeito de bem-estar e felicidade estabelece que os ambientes físico e social podem promover ou deteriorar o estado de saúde das pessoas, a sua disposição para engajar-se em atividades, a sua produtividade e os seus propósitos de vida conforme envelhecem. O Índice de Desenvolvimento Urbano para Longevidade – Instituto de Longevidade Mongeral Aegon/FGV (IDL) identifica ambientes amigáveis aos idosos para viver, por meio da promoção do bem-estar, os quais potencialmente mitigam o declínio da qualidade de vida associado à idade. A metodologia emprega dados objetivos e subjetivos, isto é, apoia-se em dados publicamente disponíveis acerca de características das cidades relevantes para a qualidade de vida de idosos, como cuidados de saúde, bem-estar, transporte, situação financeira, trabalho e oportunidades educacionais, envolvimento com a comunidade e habitação. Segue a lista das dez mais bem preparadas cidades: 1.Santos Quando o assunto é qualidade de vida, a maior cidade do litoral paulista sempre está bem posicionada nos rankings. Com 433.565 habitantes, abriga o maior complexo portuário da América Latina – o que a coloca em destaque na economia brasileira – e o maior jardim de praia do mundo, com 5.300 m de extensão. Santos oferece muitas opções de lazer e cultura. 2. Florianópolis/SC Ela não é mais conhecida somente por 42 praias de tirar o fôlego. Com 461.524 habitantes, transformou-se no Vale do Silício Brasileiro, abrigando as maiores empresas do setor de tecnologia da informação. Recebeu da Unesco o título de uma das “cidades criativas” do país, e a ONU classificou-a com o melhor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) entre as capitais brasileiras. 3. Porto Alegre/RS A quinta cidade mais populosa do país enfrenta os problemas de quem se desenvolveu com rapidez e hoje abriga mais de 1,4 milhão de habitantes. Por outro lado, ostenta inúmeros prêmios nacionais e internacionais que a apontam como um dos melhores lugares para morar, trabalhar, fazer negócios, estudar e se divertir. 4. Nierói /RJ Por sua localização privilegiada entre duas das maiores bacias de petróleo e gás natural do Brasil, o município de 495.470 habitantes despontou como ponto de apoio à produção de petróleo. Em termos de Cultura e engajamento, constata-se que é a cidade de maior acesso a internet fixa. 5. São José do Rio Preto/SP Atraídas por menores custos de operação, boa infraestrutura logística, oferta de mão
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de obra qualificada e proximidade com importantes centros de ensino e pesquisa, como Fatec e Unesp, muitas empresas se transferiram para o noroeste paulista. Os setores de negócios e saúde são os que mais movimentam a cidade de 438.354 habitantes à beira do rio Preto. 6. Ribeirão Preto/SP A qualidade da infraestrutura do ensino, da pesquisa, da saúde e dos serviços é resultado da renda do agronegócio, mola propulsora da economia dessa cidade de 658.059 habitantes, sediada num dos polos agroindustriais mais importantes e competitivos do país. Município mais quente do estado, situado na região norte, é famoso pelas atrações culturais que acontecem em seus parques, jardins e museus. 7. Jundiaí/SP Estrategicamente localizada entre a Grande São Paulo e a região metropolitana de Campinas, a cidade de 397.965 habitantes só cresce. Boa parte desse progresso se deve à atração cada vez maior de empresas de tecnologia, interessadas em mão de obra qualificada, em regiões com infraestrutura sustentável e boa qualidade logística. Com riqueza hídrica e uma paisagem marcada pela Serra do Japi, foi declarada pela ONU reserva da biosfera da Mata Atlântica. 8. Americana/SP A cidade que em 1866 recebeu imigrantes norte-americanos sulistas refugiados da Guerra Civil hoje se destaca como um dos principais polos têxteis da América Latina. Para atrair comerciantes e varejistas, o município de 226.970 habitantes da região metropolitana de Campinas oferece boa infraestrutura em hotelaria, gastronomia e logística. 9. Vitória/ES A capital do Espírito Santo é a terceira cidade mais antiga do Brasil. Reconhecida pela qualidade de vida proporcionada aos seus 352.104 habitantes, tem sua economia voltada às atividades do seu complexo portuário e esbanja recortes em sua geografia, com montanhas, costões, praias e pontes de várias épocas ligando ilhas e ilhotas que impulsionam o turismo. 10. Campinas/SP Com 1.154.617 habitantes, a cidade que já foi a grande produtora de café do noroeste do Estado, transformou-se numa rica metrópole, que abriga um dos maiores polos de pesquisa e desenvolvimento brasileiro, responsável por 15% de toda a produção científica nacional
CIDADE AMIGA DO IDOSO Desde 2008, a Organização Mundial da Saúde (OMS) tem certificado municípios que adaptam suas estruturas e serviços para que sejam acessíveis a idosos e promovam a inclusão dessa faixa da população. O reconhecimento “Cidade Amiga do Idoso” é dado pela OMS para as cidades que estimulam o envelhecimento ativo ao otimizar oportunidades para saúde, participação e segurança, a fim de aumentar a qualidade de vida no envelheci-
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mento, levando em conta as diferentes necessidades e capacidades do idoso. A ideia da Cidade Amiga do Idoso teve início no 18º Congresso Mundial de Gerontologia, no Rio de Janeiro, em 2005. Três anos depois, foi lançado internacionalmente um manual que detalha o que os munícipios devem fazer para conseguir o reconhecimento. A primeira atitude é formar grupos de idosos para que a opinião deles seja ouvida a fim de atender suas necessidades. Além disso, dentre os pontos da cartilha, destacam-se: prédios públicos e espaços abertos, transporte, moradia, participação social, respeito e inclusão social, participação cívica e emprego, comunicação e informação, apoio comunitário e serviços de saúde. No Brasil, Porto Alegre e Veranópolis são as cidades que possuem o selo, ambas do Rio Grande do Sul, estado que, proporcionalmente, concentra a maior população idosa do Brasil.
ENTREVISTA EXCLUSIVA COM NABIL BONDUKI Arquiteto, urbanista, professor universitário e político brasileiro. Exerceu mandato de vereador na Câmara Municipal de São Paulo entre 2013 e 2016 e foi Secretário Municipal de Cultura na gestão de Fernando Haddad. São Paulo é uma cidade que está preparada para esse futuro próximo de aumento da população idosa? São Paulo está muito mal preparada, as cidades do Brasil de forma geral, mas São Paulo, especialmente. Isso porque a inversão da pirâmide etária não era uma questão até então, mas está se tornando um problema. Precisamos mudar a chave. Tem muita iniciativa para criança e adolescente (não que elas sejam eficientes), mas com a queda da natalidade, em médio prazo, teremos menos jovens que temos hoje. Nós tradicionalmente não somos um país que se preocupou com o idoso, apesar do estatuto do idoso, esta ainda não é uma questão que está colocada. No acesso à cidade, as dificuldades de locomoção, muitas vezes pensadas em relação às pessoas com deficiência, os idosos também sofrem – falta de continuidade nas calçadas, buracos nas vias etc. E a queda do idoso é muito grave. E não estamos preparos também em equipamentos específicos (escolas, por exemplo). Vai ter que se trabalhar muito para se melhorar esse cenário. Tem alguma cidade que você acha modelo? De modo geral as cidades europeias estão melhores nesse quesito. Mas também porque essa questão se colocou antes para eles. Eu conheço centros de convivências em Portugal que são modelos.
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Tem algum projeto urbanístico interessante? Um modelo interessante que podemos pensar é um projeto habitacional para o idoso, associando à habitação, uma série de serviços (saúde, educação, convivência etc). Por exemplo, um centro de convivência desses como de Portugal dentro de uma locação habitacional. Tradicionalmente os programas habitacionais não são voltados para os idosos. Desde a época do BNH, nos conjuntos habitacionais que são de propriedade, o idoso nem sequer poderia ser contemplado porque não tinha prazo para pagar. Por isso que a questão da locação social funciona muito bem. É entender a habitação não como uma propriedade, mas como um serviço. Essa questão da habitação é muito interessante e precisa ser trabalhada. Tem uma experiência interessante em São Paulo que é a Vila dos Idosos. A Vila dos Idosos, o primeiro projeto de locação social para idosos bancado pela Prefeitura de São Paulo, na época da Marta Suplicy. Localizado no bairro do Pari, foi construído exclusivamente para pessoas com mais de 60 anos e baixa renda. O idoso que consegue a vaga – através de inscrição no COHAB – ganha direito de usufruto, podendo viver por lá a vida toda, mas sem que o apartamento se torne propriedade de ninguém. Quando um morador vem a falecer, uma nova vaga passa a estar aberta. O edifício possui rampas com piso antiderrapante, elevadores, cobertura em todas as áreas, dispõe de uma equipe de assistentes sociais etc.
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COMUNIDADE COMO SISTEMA DE SUPORTE A comunidade como sistema de suporte é, provavelmente, o maior aliado da longevidade. São imensuráveis os benefícios que os vínculos sociais trazem e que, muitas vezes, se sobrepõem a questões econômicas e médicas. Para reforçar o quão importante são as redes afetivas que construímos ao longo da vida, este capítulo se inicia no lado oposto, com dados aterrorizantes sobre a solidão. O impacto da solidão na nossa sociedade foi o que mais nos tocou ao longo da pesquisa. Somam-se aos dados, diferentes casos que ilustram isso. Aqui também são apresentados exemplos de comunidades em outras culturas (indígena, afrodescendente e tibetana, por exemplo), que envolvem outras sabedorias, bem como alternativas e projetos modelos da vida em comunidade na terceira idade.
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Envelhecer Antes, todos os caminhos iam. Agora todos os caminhos vêm. A casa é acolhedora, os livros poucos. E eu mesmo preparo o chá para os fantasmas. Mario Quintana
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SOLIDÃO Fonte: revista continente multicultural “A solidão é um lugar povoado: uma cidade em si mesma” Olivia Laing A solidão já vem sendo chamada de “o mal do século”. Segundo estudos apresentados durante a 125ª reunião anual da American Psychological Association, a solidão é hoje um fator que afeta a saúde. Pesquisadores da Universidade de Brigham Young, nos Estados Unidos, analisaram 218 pesquisas (que envolveram no total cerca de 4 milhões de pessoas de vários países) sobre os efeitos do isolamento no corpo humano. Sentir-se solitário, isolar-se socialmente ou viver sozinho aumenta o risco de morte prematura em 26% - aproximadamente o mesmo que a obesidade. Pessoas isoladas socialmente são mais suscetíveis a doenças como infecções virais, males associados a processos inflamatórios e elevados níveis de cortisol (o hormônio do estresse). Atualmente, vivemos calcados num modelo em que o individualismo é prevalente, numa sociedade que isola e apaga o sujeito, em que o narcisismo se sobrepõe às construções de vínculos, em que a pressa, a velocidade e o instantâneo da vida são imperativos categóricos. A solidão, portanto, surge ocupando um espaço no vazio da vida de cada um. No livro “Solidão – a natureza humana e a necessidade de vínculo social” (Record, 2010), os autores William Patrick e John T. Cacioppo descrevem que, desde que nossa espécie começou a deixar traços de existência, as evidências sugerem que as experiências mais evocativas emocionalmente na vida tem sido casamentos, nascimentos e mortes – acontecimentos associados com os inícios e términos de laços sociais. Segundo eles, esses lanços são a força centrípeta que sustenta a vida. Apontam também que nos preocupamos profundamente com o que os outros pensam de nós e é por isso que, entre as dez fobias mais comuns, três delas tem relação com ansiedade social: medo de falar em público, medo de multidões e medo de conhecer pessoas novas. Em janeiro deste ano, o Reino Unido criou oficialmente o Ministério da Solidão. A solidão passou a ser encarada como um problema grave de saúde pública, que pode ser tão prejudicial quanto fumar 15 cigarros por dia. Considerado o mais solitário da Europa, o Reino Unido tem 65 milhões de habitantes, sendo 9 milhões solitários. A solidão não é uma questão de classe. Aqueles que pertencem a 1% que possui 48% da riqueza global, também não estão felizes. Uma pesquisa do Boston College com pessoas com patrimônio superior a 78 milhões de libras indica que elas também foram assaltadas pela ansiedade, insatisfação e solidão. Devido à perda dos espaços públicos, medo da violência nas ruas, confinamento em casas, bem como longas jornadas de trabalho, cobrança por produtividade e competitividade incentivados pelo sistema capitalista, a infelicidade tende a crescer.
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A epidemia da solidão contrasta com o mundo hiperconectado em que vivemos. Segundo a psicanalista Ivanise Ribeiro, elas estabelecem um certo nível de comunicação, mas não resolvem o sentimento de solidão. Na verdade, as redes sociais avançam porque já há muita solidão anterior. Segundo uma pesquisa realizada pela Instituição de saúde pública do Reino Unido - Royal Society for Public Health -, o facebook e outras redes sociais já são consideradas drogas mais viciantes que álcool e cigarro. Jovens entre 14 e 24 anos formam a principal faixa etária das redes sociais e foram avaliados como ansiosos, deprimidos, sem sono e com baixa auto-estima. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, cerca de 5,8% da população brasileira sofre de depressão, isto é, 11,5 milhões de pessoas – a mesma quantidade da população de Cuba ou Bolívia. Os índices de casos no Brasil é o maior da América Latina, e o segundo maior nas Américas, atrás apenas dos EUA. No mundo, 800 mil pessoas anualmente morrem de suicídio. E o Brasil é o 8º pais em que mais acontecem mortes desse tipo: uma a cada 45 minutos. Outro alerta é a alta taxa de suicídio entre idosos com mais de 70 anos – foram registrados nos últimos 6 anos, uma média, de 8,9 mortes por 100 mil. A média nacional era de 5,5. Também se destaca o alto índice entre jovens (4ª maior causa de morte), homens e indígenas. O CVV (Centro de Valorização da Vida) fez uma parceria com o facebook para lançar uma ferramenta de prevenção ao suicídio. A ideia é: quando for vista uma publicação preocupante, o usuário poderá “denunciar” e o autor da mensagem será contatado pelo CVV. Fato é: nosso bem-estar é minado quando nossa necessidade particular de vínculo não é suprida. Ainda segundo “Solidão – a natureza humana e a necessidade de vinculo social”, como os primeiros humanos tinham mais chances de sobreviver quando se mantinham juntos, a evolução reforçou a preferência por fortes laços humanos ao selecionar os genes que favorecem o prazer da companhia e produzem inquietude quando se está involuntariamente desacompanhado. Além disso, a evolução nos moldou não apenas para nos sentirmos bem quando estamos conectados a outros, mas também nos sentirmos seguros. A dor da solidão seria, então, um sinal de alerta do corpo, assim como a fome, a sede e o sono.
IDOSAS JAPONESAS FAZEM PEQUENOS FURTOS PARA IR MORAR NA CADEIA Idosas japonesas estão indo parar na prisão propositalmente por se sentirem sozinhas ou “invisíveis” em casa. Segundo reportagem da “Bloomberg Businessweek”, uma em cada cinco presas nas cadeias japonesas está na terceira idade. Os crimes cometidos pelas idosas são pequenos. Nove em cada dez velhinhas foram condenadas por furto. Um dos motivos que leva as japonesas a serem presas é o fato de que o cuidado com os idosos é responsabilidade da família ou da comunidade. O número de pessoas na terceira idade que vivem sem ninguém tem aumentado e já chega a 6 milhões de pessoas no país.
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O Japão tem a população mais velha do mundo, com 27,3% dos habitantes com 65 anos ou mais. De acordo com uma pesquisa realizada pelo governo de Tóquio em 2017, mais da metade dos idosos pegos furtando vivem sozinhos. Desses, 40% não têm família ou raramente conversam com seus parentes. Mesmo quem tem onde morar se sente invisível em casa, onde não conversam com ninguém e se consideram como um peso para os familiares. Além disso, as mulheres idosas sofrem com a falta de dinheiro. Quase a metade dos japoneses com 65 anos ou mais que vive sozinho está em situação de pobreza em comparação com o restante da população. “Meu marido morreu no ano passado. Não temos filhos e eu fiquei sozinha. Fui ao mercado comprar verduras e vi um pacote de carne. Eu fiquei com vontade, mas achei que pesaria no meu orçamento. Por isso, furtei”, contou à “Bloomberg Businessweek” uma idosa presa. Uma outra idosa, de 80 anos, que foi presa quatro vezes por furto e condenada a dois anos e meio de cadeia, afirmou que era muito difícil cuidar do marido doente. Sem vontade de voltar para casa, resolveu furtar e ir presa. “Minha vida é mais fácil na prisão. Posso ser eu mesma e respirar, pelo menos temporariamente. Meu filho me diz que estou doente e deveria ser internada em uma instituição para quem tem problemas mentais. Mas não me acho doente. Acho que minha ansiedade me fez começar a furtar” Idosa japonesa de 80 anos Outra velhinha, de 79 anos, foi pega três vezes por furtar alimentos e condenada a um ano e cinco meses de prisão. Ela conta que se sente muito bem atrás das grades. “A prisão é um oásis para mim. É um lugar para relaxar e me sentir confortável. Não tenho liberdade aqui, mas também não tenho com o que me preocupar. Tenho muitas pessoas para conversar. Eles me dão uma alimentação nutritiva três vezes por dia.” Idosa japonesa de 79 anos O problema para o governo é que o custo para manter essas idosas presas está aumentando. De 1995 para 2015, o gasto com custos médicos nas cadeias subiu 80%. As autoridades também se veem obrigadas a contratar funcionários especializados para cuidar das presas mais velhas que precisam de ajuda para tomar banho e ir ao banheiro. Durante à noite, as agentes penitenciárias ficam responsáveis por essas tarefas, o que transforma as prisões em uma espécie de asilo. A promotoria japonesa vem trabalhando junto com o governo para assegurar cuidados especiais para essas idosas e evitar que elas cheguem, propositadamente, às prisões.
IDOSO CHINÊS PROCUROU FAMÍLIA PARA SER ADOTADO Han Zicheng sobreviveu à Invasão Japonesa, à Guerra Civil Chinesa e à revolução cultural, mas sabia que não seria capaz de suportar a tristeza de viver sozinho. Em um dia frio de dezembro do ano passado, decidiu que resolveria o problema — o velhinho de 85
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anos pegou alguns pedaços de papel e escreveu em azul: “Procuro alguém para me adotar”. “Velho solitário de 80 anos. Forte. Pode fazer compras, cozinhar e cuidar de si mesmo. Sem doenças crônicas. Aposentado do Instituto de Pesquisa Científica em Tianjin, com uma pensão mensal de 6 mil renmimbi (US$ 950)”, escreveu no anúncio que fixou em um ponto de ônibus. “Eu não vou a um lar de idosos. Minha esperança é que uma pessoa bondosa ou familiar me adote, me nutra pela velhice e enterre meu corpo quando eu estiver morto”. Zicheng estava desesperado por companhia. Sua mulher morreu, e os filhos não o visitavam. Os vizinhos tinham filhos para criar e seus próprios pais idosos. Ele era capaz de andar de bicicleta até o mercado para comprar castanhas, ovos e pãezinhos, mas sabia que sua saúde um dia o deixaria. Também sabia que ele era apenas um entre dezenas de milhões de chineses que estavam envelhecendo sem apoio suficiente. A melhora dos padrões de vida e a política do filho único transformaram a pirâmide populacional da China de cabeça para baixo. Quinze por cento dos chineses já têm mais de 60 anos. Em 2040, será quase um em cada quatro, de acordo com projeções atuais. Jiang Quanbao, professor de demografia do Instituto de Estudos de População e Desenvolvimento da Universidade Xi’an Jiaotong, disse que o desafio é que a China é tanto uma sociedade envelhecida quanto um país em desenvolvimento. A China “envelheceu antes de enriquecer”, afirmou. Peng Xizhe, professor de população e desenvolvimento da Universidade Fudan, de Xangai, disse que a oferta e a qualidade dos lares de idosos na China são “seriamente inadequados”. Zicheng estava esperançoso. As pessoas se aproximaram, mostrando preocupação. Um restaurante local oferecia comida. Ele iniciou uma amizade telefônica com uma estudante de Direito de 20 anos. Com a chegada do inverno, as ligações se tornaram menos frequentes, e ele foi mais uma vez consumido pelo medo de que morreria na cama sozinho. Suas últimas semanas da vida foram um mistério, obscurecido pelo silêncio teimoso e pelas chamadas perdidas. O que está claro é que o sistema falhou — e provavelmente irá falhar em outros. Em fevereiro, Zicheng começou a fazer ligações para a Linha de Entrega de Amor de Pequim. O serviço foi fundado para prevenir o suicídio, particularmente entre os idosos que moram sozinhos. A estudante de Direito conversou pela última vez com Zicheng no dia 13 de março. No dia 14, ele ligou e ela não entendeu. No dia 19, ela ligou de volta. Quem atendeu foi Han Chang, filho de Zicheng. Ele disse que seu pai morreu no dia 17. Han, que veio do Canadá, estava com raiva do pai por postar o aviso de adoção e
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irritado com a imprensa por cobrir o caso. Segundo ele, Zicheng mentiu ao afirmar que ninguém cuidava dele. Também disse que Zicheng tinha três filhos, e não dois, como comentava, mas recusou-se a dizer nomes ou telefones dos irmãos. Para Han Chang, seu pai não estava solitário, apenas velho: “Isso poderia acontecer em qualquer lugar”.
PORTEIROS E IDOSOS: AMIZADE DE MÃO DUPLA Em um prédio da zona sul de São Paulo, porteiros e idosos tecem uma relação mútua de amizade e carinho. Há oito anos, Raimundo Nonato Alves dos Santos, 47 anos, trabalhava como vigilante em um prédio em Cuiabá (MT) quando viu na televisão uma reportagem sobre o programa Porteiro Amigo do Idoso. Inspirado, ele logo procurou o síndico para se candidatar a uma vaga de porteiro quando seu contrato acabasse. “Quando vi a reportagem passando ali no Rio de Janeiro, em Copacabana, eu achei interessante aquela parceria, aquela amizade verdadeira, sabe?”, recorda o maranhense de Santa Quitéria. “Trabalhando como segurança, era proibido ter comunicação com os moradores, pra não dar problema. Eles só podiam falar com a gente naquela janelinha de vidro.” O síndico topou a proposta de Raimundo, e foi assim que ele começou a trabalhar como porteiro. No fim de 2017, surgiu a oportunidade de ir para São Paulo (SP), e lá foi ele mudar de cidade de novo. Curiosamente, ele arranjou emprego em um prédio na Chácara Inglesa (zona sul de São Paulo) e foi escalado pela subsíndica Ana Maria Cristina Afonso para participar do treinamento do Porteiro Amigo do Idoso (iniciativa Bradesco Seguros) com outro porteiro e a auxiliar de limpeza. “Eu fiquei surpreso, era tudo o que eu queria. Agora, eu posso ser mais amigo das pessoas, mais companheiro, é outra coisa”, diz. No seu dia a dia, Raimundo convive bastante com os moradores mais velhos, que são numerosos. Quando algum deles entra no elevador ou aparece no portão, ele logo se apronta para recebê-los e ajudar a carregar sacolas. Com os mais chegados, pega na conversa quando eles descem para fazer uma caminhada nas áreas comuns. “Os porteiros aqui são pessoas muito agradáveis, ajudam muito as pessoas mais idosas. A gente aqui se sente muito segura, eu sei que dá pra contar com eles”, diz a moradora Izel Kalil Ponzini, 84 anos. Há 21 anos no edifício, ela vive sozinha e conta que foi muito bem cuidada pelos porteiros e pelas vizinhas quando teve de ficar de molho em casa por causa de uma queda. Todo dia, Raimundo e seus três colegas ligam para todos os idosos do prédio para saber se está tudo bem e se precisam de alguma coisa, pois muitos moram sozinhos. Se eles não respondem, ele liga de novo ou aciona outro funcionário para subir, bater na porta e
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falar com o morador – uma medida de segurança para socorrer em caso de um acidente doméstico, como uma queda, por exemplo. “Já aconteceu de uma moradora cair e não ter como se comunicar. Se a gente não tivesse insistido, ninguém teria descoberto que ela tinha sofrido um acidente”, diz o porteiro. Essa checagem diária rende conversas cotidianas que se transformam em uma relação mútua de cuidado e de amizade. “Ele sempre me telefona pra saber se eu estou boa, diz que faz tempo que não me vê”, conta Zelma Zulzke, 78 anos, moradora do prédio há 28 anos – ela morou muito tempo sozinha em seu apartamento, que hoje divide com a filha e a neta. “O Raimundo e os outros porteiros são muito prestativos, muito bonzinhos, me ajudam em tudo.” O interfone, porém, tem mão dupla, e Raimundo conta que os moradores mais velhos também ligam para ele. “Eles querem saber quem está na portaria, conversar um pouco, avisar que estão mandando um pedaço de bolo pelo elevador”, conta Raimundo. Zelma confirma que tem mais paparico: “A gente é amigo deles também. Eu sempre faço meu aniversário no salão de festas. Quando tem festinha, a gente leva para os porteiros prato de doce, salgado...” Essa convivência calorosa alegra o coração de Raimundo. “É muito gostoso trabalhar com eles, não tem preço. Aqui eu me sinto muito motivado por ser tratado com tanta atenção e carinho. É isso que me dá força pra pegar o primeiro ônibus às 3h da manhã pra trabalhar. Se me chamassem para ir trabalhar em um prédio com pessoal mais jovem eu recusaria.”
ANTROPOLOGIA DO ENVELHECIMENTO GAY Experiências e vivências cotidianas de um grupo de quatro amigos homossexuais em processo de envelhecência Wladirson Cardoso - Doutor em Antropologia Social [PPGA/UFPA]; Mestre em Direitos Humanos e Inclusão Social [PPGD/UFPA] e Bacharel/Licenciado em Filosofia [IFCH/UFPA]. Professor da Universidade do Estado do Pará [UEPA]. Ernani Chaves - É graduado em Administração pela Universidade Federal do Pará (1978), Mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1986) e Doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo (1993). É Professor Titular da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal do Pará. Há aproximadamente 87 km de Belém, a cidade de Soure – localizada na Costa Oriental da Baía do Marajó – é conhecida pelas enormes fazendas de campos alagados, onde pastam tranquilamente grandes búfalos pretos, que servem não só para o transporte de carga, mas, também, para o corte e a produção do leite, De ruas largas e numeradas, com frondosas mangueiras ao centro e com um Mercado Municipal de frutas, verduras, peixes e artefatos – vendidos como “autêntico” registro da cultura material dos nativos do lugar – Soure é uma Cidade de médio porte, isto é, com uma atividade econômico-comercial que atende às necessidades dos habitantes municipais e dos moradores das comunida-
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des próximas, como a comunidade do Caju-Una. É justamente na vida quase açoreana dessa realidade dos pastos aquosos e fluidos da Amazônia, que se encontram um grupo de amigos que se reúnem frequentemente na casa do mais velho deles para celebrar sua amizade, dividir uma boa companhia e brindar aprazíveis histórias de flertes e conquistas. É, portanto, nessa “geografia” – que se desenha nos contornos de um relevo homoerótico e diferenciado; mas também incômodo e perturbador – em que vivem Agatão, Fedro, Erixímado e Pausânias1: quatro amigos que se ajudam e “suportam”, ao mesmo tempo em que brigam e discordam – mas, sobretudo, envelhecem juntos... Esse grupo de amizade e apoio constitui-se no ponto nodal de uma paisagem sóciossexual complexa que aproxima categorias e/ou conceitos que se vinculam numa descrição etnocartográfica de relações bastante singulares, definindo, assim, uma fronteira entre “homossexualidade masculina” e “envelhecimento gay”, em que o jogo afetivo se dá no horizonte de um registro marginal e dissidente, num sentido múltiplo - “homem gay” e “homossexual envelhecente”. As estratégias de sobrevivência e de resistência ao preconceito homofóbico – seja na sua truculência discursiva, quando, por exemplo, são acusados de pedófilos pelo Bispo representante da Prelazia; seja, ainda, através da sutileza do gesto cordial e, obviamente, hipócrita da polícia, que já “reconduziu” um deles até à própria residência, para, com isso – supostamente – “evitar o perigo” – impõem-lhes um modo de vida íntimo, singular, onde performatizam não somente a amizade de uma maneira autêntica; mas também o gênero, os limites e possibilidades do corpo no envelhecimento, o desejo, o prazer, o sexo e o gozo. A casa de Agatão é uma espécie de ponto de encontro de amigos. É para onde esse “grupo de conhecidos” vai todas as vezes que querem se ver, se encontrar, conversar, trocar ideias, sentimentos e experiências e, também, dividir histórias, angústias e tensões. A casa de Agatão é, neste caso, um espaço de homossociabilidade, ao qual todos recorrem e por um motivo muito simples: Agatão é o mais velho deles, mora só desde há muito tempo e, hoje em dia, quase não sai mais. É a renda e a moradia própria, assim como o suporte da diarista e da sobrinha em Belém, tanto quanto dos amigos e convivas de Agatão, que lhe dão a garantia de uma existência amparada e a estabilidade emocional de que precisa para não sentir-se totalmente sozinho e abandonado. Aliás, é, justamente, esta independência, subscrita nestas condições objetivas, que permitem a Agatão o exercício de sua sexualidade, na reserva e intimidade de sua casa, mais precisamente, de seu quarto, pois, como ele mesmo afirma constantemente: “(...) eu gosto de fazer tudo na cama, deitado, com tranquilidade – nada de pressa! Sexo pra mim tem que ser desse jeito.” A resistência desse grupo de homossexuais envelhecentes não significa, necessariamente, uma negação da velhice, do transcurso do tempo e da memória; nem, tampouco, uma rejeição da trajetória existencial e da própria carreira sexual. Pelo contrário: é uma necessidade de atualização do desejo, de vivência mesma do prazer e, finalmente, de presentificação da sexualidade, num momento da vida em que todas essas coisas são tidas ou percebidas – vulgarmente – como impensadas ou inesperadas. Agatão, Fedro, Erixímaco e Pausânias atestam o contrário do imaginário popular que é muito cruel com os gays – particularmente quando se encontram no interior de uma coorte geracional (des)qualificada como “terceira idade”.
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1. Como esta pesquisa trata do modo de vida e da intimidade de gays envelhecentes na cidade de Soure e, com isso, procura investigar seu lugar na “paisagem social” do Marajó, resolvi atribuir aos sujeitos pesquisados os nomes das personagens mais expressivas do Symposium (O Banquete), do velho sábio Platão.
SUSAN PINKER TEM O SEGREDO DA VIDA Susan Pinker - psicóloga canadense, professora da prestigiosa Universidade McGill e conferencista do Fronteiras do Pensamento. Quando falamos sobre longevidade, há uma estatística à espera de ser explicada pela ciência: as mulheres vivem mais do que os homens. Compreender por que isso acontece pode ser uma chave para expandir tanto nosso tempo quanto nossa qualidade de vida. Na Sardenha, uma ilha na costa italiana, a realidade é outra: os homens são tão longevos quanto as mulheres. Lá, há seis vezes mais pessoas centenárias do que na Itália como um todo e 10 vezes mais do que nos Estados Unidos. A Sardenha é uma das cinco Blue Zones, termo utilizado por especialistas para designar locais no mundo onde a longevidade ultrapassa a marca dos cem anos de idade. Para tentar entender a superlongevidade, Susan Pinker foi conhecer como vivem os moradores da pequena Villagrande, cidade no epicentro da Blue Zone da Sardenha, e compartilhou sua experiência no livro The Village Effect: Why Face to Face Contact Matters (publicado em 2014). Visitando centenários, que vivem em suas próprias casas, e discutindo com estudiosos que seguem essa população, Pinker descobriu que fatores usualmente pesquisados não são determinantes da longevidade: a genética parece influenciar não mais do que 25%; e a dieta mediterrânea não difere daquela das cidades costeiras italianas, mesclando vegetais com boa dose de carboidratos e de proteína animal, além do vinho tinto. Por outro lado, confirmou que muitos trabalharam até os 90 anos, ou mais, na cidade e nas encostas da montanhosa região, o que lhes garantiu atividade física moderada e constante. O único fator comum na vida de todos os visitados é sua vida social, o contato e o cuidado diário que recebem de familiares, dos vizinhos e dos demais membros da comunidade. Há um forte senso de pertencimento àquela vila, àquela comunidade; todos parecem sentir-se incluídos. Essa marca cultural é tradição e os que hoje cuidam dos mais velhos, sejam filhos, sobrinhos ou netos, o fazem verdadeiramente motivados. Interagir, conversar e viver em família, apesar de serem hábitos simples, podem ter efeitos poderosos sobre o organismo, especialmente sobre o cérebro. Estudos da neurociência demonstram que, ao interagir face a face, áreas específicas do cérebro envolvidas com a atenção, a inteligência social e a recompensa emocional são ativadas. Ainda, o contato face a face causa a liberação de hormônios como a oxitocina, associada à confiança, e a beta-endorfina, uma das mediadoras da sensação de bem-estar, bem como diminui os níveis de cortisol, o hormônio do estresse. É possível inferir que, além de alimentação, água e sono, o genuíno contato humano é necessário para sobreviver com boa qualidade de vida.
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Ao voltar o olhar para o cotidiano e observar como as pessoas a nossa volta se relacionam, nos damos conta de que há muito que aprender com os centenários italianos. Paradoxalmente, ou nem tanto, nesta era digital dominada pelas mídias sociais, é comum observar grupos de adolescentes ou casais não muito jovens em restaurantes conversando com os olhos fixos nas telas dos telefones celulares. Pesquisas de opinião revelam que as pessoas passam até 10 horas diárias nas redes sociais e navegando na internet. Assim, não surpreende o fato de que, na Inglaterra, um terço das pessoas com mais de 65 anos declare não ter outra pessoa a recorrer em caso de necessidade, e que percentual semelhante de jovens com menos de 25 anos se sinta desconectado das pessoas ao seu redor. É o silêncio ensurdecedor da solidão. A doutora Pinker defende que o contato pessoal e a consciência de não estarmos sós são um imperativo biológico e que todos podem construir “sua própria vila”. Construir relações pessoais em todos os ambientes e cultivá-las pelo contato frequente e afetivo, usando as tecnologias para aproximar-se e aumentar as interações face a face. Talvez, seja esse o segredo para viver mais e melhor.
BLUE ZONES: ONDE MORAM AS PESSOAS QUE MAIS VIVEM NO MUNDO? Dan Buettner - Pesquisador da National Geographic, Dan é três vezes recordista do Guinness Book em ciclismo de distância e autor de best-sellers. O próximo livro a ser lançado por ele é o The Blue Zones of Happiness. Para Dan Buettner, o segredo da longevidade é vê-la como um caminho natural resultante de um estilo de vida, e não algo forçado por nós mesmos. Estudos nos mostram que apenas 20% de nossa longevidade é ditada por genes, 10% é ditada pela tecnologia médica e todo o resto depende de nosso ambiente e estilo de vida. Em um trabalho que foi muito além do ambiente restrito dos laboratórios e envolveu diversos profissionais de diferentes áreas, Dan Buettner foi até 5 áreas do globo onde as pessoas vivem, estatisticamente, mais. São regiões chamadas de Blue Zones, repletas de idosos centenários que, de geração em geração, vivem mais e vivem bem. 1. 14 vilarejos na Sardenha, Itália. Um conjunto de vilarejos isolados na região da Sardenha, na Itália, agrupa um alto número de idosos centenários que adotam uma dieta muito específica: suas refeições quase sempre têm um tipo de pão produzido na região, um queijo probiótico feito do queijo de suas cabras e um vinho caseiro. Em sua sociedade, a família sempre vem antes. Tudo o que eles fazem é motivado por ela, que é a prioridade e o centro de tudo. Nestes vilarejos, pessoas idosas são celebradas por sua sabedoria, constantemente solicitadas para aconselhar os mais jovens, inclusive em decisões políticas da região. 2. Ilha de Okinawa, no Japão. Uma população que come basicamente legumes, seguindo uma dieta de 200 anos que os ensina a parar de comer antes de seu estômago estar cem por cento cheio. Em Okinawa, a solidão não existe. Desde os 5 anos de idade, as pessoas ingressam em clusters, pequenas sociedades que
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se ajudam – e se encontram – durante toda a vida. O propósito dos habitantes de Okinawa é muito arraigado, sendo quase uma mistura de propósito e responsabilidade: dê de volta. Outra curiosidade de Okinawa é que lá, as mulheres são as líderes espirituais. 3. Loma Linda, Califórnia, nos EUA. Lá vive uma grande comunidade de adventistas, cristãos conservadores que vivem uma década mais que a população média dos Estados Unidos. Isso sem estarem isolados em uma ilha no Japão ou no Mediterrâneo. Como isso é possível? Entre outros fatores, porque apesar de não se encontrarem geograficamente isolados, isolaram-se culturalmente. Todas as semanas, os adventistas guardam o sábado, quando param por um dia inteiro para se dedicar a Deus e caminhar na natureza. Sua dieta é derivada de uma passagem bíblica que diz que Deus fez as árvores e frutas para a alimentação do homem – por isso, não comem carne. Vivem em uma forte comunidade, que está sempre se encontrando e que valoriza o trabalho braçal e o movimento físico. 4. Nicoya, Costa Rica. Essa comunidade pobre, mas com as menores taxas de mortalidade na meia-idade no mundo e alta expectativa de vida nos lembra que longevidade não é sinônimo de ser rico. Sua dieta é baseada em ingredientes que reúnem todos os aminoácidos necessários para nosso corpo. Sua vida simples, em comunidade, cunhou a expressão “pura vida”, que usam como “bom dia”. Ela traz em sua essência a “sensação de se estar bem, mesmo em meio à mais pura simplicidade”. 5. Ikaría, Grécia. Esta área muito isolada geograficamente reúne centenários que se alimentam com a dieta mediterrânea, rica em vegetais, feijões e ervas – não só como tempero, mas também como ingredientes de chás extremamente anti-inflamatórios. Os habitantes da região cultivam suas próprias comidas, poucos têm carro e são muito participativos na comunidade. Buettner levou 5 anos e 27 viagens até as Blue Zones para descobrir que o segredo da longevidade dessas pessoas não estava apenas em sua dieta ou em algum componente genético. Ouvindo a frase acima de um dos pesquisados, ele percebeu que era sobre muito mais que isso: era sobre simplesmente não se esforçar para chegar lá. Em todos os pesquisados, Dan percebeu que ninguém se esforçou para alcançar uma velhice plena e saudável. Os habitantes dessas regiões apenas deixaram a longevidade chegar. Não seguiram receitas, não entraram na academia pensando em viver mais ou executaram conscientemente o estado de atenção plena. Apenas viveram. Porém, viveram em um ambiente que proporcionou tudo de que precisavam sem nem perceberem. Nessas zonas, as pessoas são encorajadas a envelhecer bem como parte de cada hábito, cada pequena tarefa do dia. Elas se exercitam com atividades do dia a dia, fazendo pão, plantando, locomovendo-se nas vilas. Estão sempre ativas, executando tarefas que estimulam o corpo e a mente. Fazem meditações como parte de sua rotina, ou tiram uma soneca, ou tomam uma boa taça de vinho, diariamente. Comem de forma mais acertada, sem pressa. Colocam a família em primeiro lugar. Praticam uma fé. E, por fim, têm uma rede de amigos selecionada, que reforçam seus hábitos.
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Os habitantes dessas Blue Zones têm tanto estresse e preocupações cotidianas quanto nós. A diferença é que aqui, fora delas, no auge do mundo ocidental, nos acostumamos a um estilo de vida pouco saudável, a um mundo de facilidade e abundância. Nele, não nos mexemos naturalmente (por isso, temos que ir até a academia malhar), não comemos bem como parte normal da rotina (a não ser que decidamos começar uma dieta) e nem sempre somos incentivados pela sociedade e pela nossa rede de amigos a reforçar hábitos positivos (quando foi a última vez que você foi convidado para uma tarde de salada entre amigos?). Longevidade tem mais a ver com um caminho natural advindo de um estilo de vida do que com um caminho artificial, forçado por nós mesmos.
MCLEOD GANJ - LUGAR DE DEVOÇÃO, TRADIÇÃO E AMOR McLeod Ganj é uma vila tibetana fincada nas montanhas dos Himalaias, no estado de Himachal Pradesh, extremo norte da Índia. É a primeira morada de muitos refugiados e sede do governo tibetano em exílio, concentrando importantes instituições, desde o Parlamento até a Faculdade de Medicina e Astrologia tibetana. Também conhecida como “Little Lhasa”, é um território cedido – e protegida – pelo governo indiano ao governo tibetano em exílio, dentro dos limites da cidade de Dharamshala. Tempo não é problema para quem chega a Dharamsala (as noções orientais a respeito, de qualquer maneira, são outras). Os tibetanos se organizaram para uma longa permanência na Índia: já nasceu a terceira geração no exílio. Essa comunidade de refugiados, fundada em 1960, é hoje um importante ponto turístico da Índia. Atrai não apenas ocidentais que praticam ou se interessam pelo budismo tibetano, mas também, e cada vez mais, os próprios indianos, que agora integram uma galopante classe média. Mesmo com o frenesi do turismo, é possível sentir no ar, impregnado nas ruas e nas montanhas, o perfume do darma, os ensinamentos de Buda. Os tradicionais debates filosóficos, prática fundamental dentro do treinamento monástico, acontecem diariamente nos pátios dos muitos monastérios da vila. Por todos os lados, monges e monjas vestidos em seus trajes bordôs exibem, na expressão de seus rostos e nos seus gestos, a virtude que advém do trabalho duro, do esforço constante em seus estudos e práticas religiosas. Novidades sobre aulas e cursos com gueshes e rinpoches – como são chamados os professores da tradição – são tema constante das conversas nos cafés e nas ruas. Em janeiro de 2018, o ministro principal Virbhadra Singh declarou Dharamshala como a segunda capital do estado de Himachal Pradesh. Recentemente Dharamshala foi escolhida pelo governo como uma das cem cidades indianas para o plano Smart Cities, programa de renovação urbana com a missão de tornar cidades mais amigáveis e sustentáveis. DALAI LAMA McLeod, na verdade, parece girar física e sutilmente em torno do Dalai Lama. Por entre as árvores do bosque ao redor do complexo do Monastério Namgyal, onde está localizada sua casa, há um caminho de pedras, cheio de bandeiras, rodas de oração e estupas – esculturas simbolizando o corpo de Buda. Em tibetano, o ato de dar voltas em torno
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de locais sagrados tem um nome próprio: kora, uma prática comum entre budistas. Todos os dias é possível encontrar tibetanos, especialmente idosos, com uma bengala em uma mão e uma japa mala (espécie de rosário) em outra, recitando mantras e girando as rodas de oração. Para os habitantes dessa comunidade não há grande diferença entre o que ocidentais chamariam de mundo real e mundo mágico. O budismo tibetano é célebre por ter incorporado com maior presença, em rituais e na vida cotidiana, formas milenares de cultivo de espíritos, que são tão numerosos e variados quanto os próprios seres humanos. Em meditações, preces e sessões de comunicação com “o mundo sem formas”, como diz o Dalai Lama, os espíritos participam da rotina de qualquer tibetano que leve a sério suas obrigações religiosas. O próprio Dalai Lama tem uma comissão de “oráculos oficiais”, ou videntes, que o ajuda a tomar decisões difíceis, sobretudo as de governo. Um dos mosteiros mais importantes de Dharamsala, o de Nemchug, próximo à magnífica biblioteca e ao arquivo tibetano, está dedicado a desenvolver qualidades mediúnicas em jovens monges. Impermanência A única certeza que um ser humano pode ter, segundo o Dalai, é a de que vive o momento presente e de que pode morrer a qualquer momento. Por mais catastrófica que essa idéia possa parecer, para o Dalai ela é uma verdade incontestável e um motivo de alegria. Significa que, se as coisas boas podem ficar ruins de um momento para o outro, as coisas ruins também podem ficar boas de repente. Para ele, essa certeza também serve para que preparemos o que ele chama de “boa morte” – a tentativa de manter um saldo positivo na própria existência. Ou de, pelo menos, zerar a contabilidade entre as atitudes boas e más de que inevitavelmente se compõe uma vida.
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PRECE PARA LONGA VIDA, DE DALAI LAMA
VILA ADAPTADA PARA PACIENTES COM ALZHEIMER É como um micro-mundo e é também uma forma pioneira de abordar uma doença sem cura. O Alzheimer é dos mais poderosos males que afetam o cérebro humano, levando à demência e à perda progressiva de faculdades mentais e motoras. Em Hogewey Village, na Holanda, os pacientes não ficam entre corredores e cheiro de hospital. Eles levam uma vida normal, tanto quanto for possível, em um mundo que se adaptada às suas próprias fantasias. Na vila todo mundo tem ligação com o Alzheimer: se não é doente, é porque é médico, enfermeiro ou assistente social. São 23 casas em toda a vila, divididas por 152 residentes. O mais curioso é que Hogewey tem tudo o que as pessoas podem querer, como salão de beleza, restaurante, café, clube cultural ou mercado. Mas então quem atende os pacientes nesse tipo de estabelecimentos? Isso mesmo, os profissionais de saúde. São 250 enfermeiros e especialistas em tempo integral e parcial, que vagueiam pela cidade e possuem uma infinidade de profissões na vila, como caixas de supermercado e atendentes.
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Os moradores estão autorizados a circular livremente pelas ruas, sentar ao sol, passear na chuva ou entrar nas casas uns dos outros – as portas estão sempre destrancadas. Hogewey oferece liberdade em um ambiente protegido. Aqueles que se perdem são levados para casa pelos cuidadores. Há um supermercado onde os que esquecem suas carteiras ainda podem pagar as mercadorias, e os pacientes que enchem seus carrinhos com 14 frascos de molho de maçã podem levá-los para casa. Um atendente os devolverá mais tarde.
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O lugar é realmente fantástico e já foi comparado com o filme “O Show de Truman. Os doentes têm uma vida normal dentro do mundo criado pela mente deles . São os próprios residentes que cuidam da sua casa, embora possam sempre receber ajuda dos funcionários da vila.
Na Hogewey Village, os pacientes não ficam curados e não deixam de perder a memória dos dias felizes. Mas a verdade é que, até aos últimos momentos de suas vidas, eles não vão perder uma coisa – o prazer de uma vida digna. A vila foi construída com dinheiro do Governo em 2009 e vai se mantendo também de doações de outras entidades e de contribuições das famílias dos doentes. Desde a criação de Hogeweyk, diversas outras empresas europeias já manifestaram interesse na iniciativa. Inclusive, uma vila parecida foi construída na Suíça, imitando a vida na década de 1950. Além disso, em maio deste ano, um grupo formado por corretores de imóveis, advogados, ONG’s e empreendedores americanos lançou um projeto com o intuito de conseguir fundos e apoio para a criação da Mahal Ciello Village (Vila Amor no Céu), que será construída em San Luis Obispo, nos Estados Unidos, para tratar de pacientes com Alzheimer.
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CO-LARES (COHOUSING), ARQUITETURA PARA A LONGEVIDADE Lilian Avivia Lubochinski - Arquiteta e urbanista formada pelo Technion Institute of Technology, Haifa (Israel,1976). Tem se dedicado à facilitação na construção de novas arquiteturas sociais no campo das comunidades intencionais, desde 1988, promovendo a Arquitetura para a Longevidade. Nestes últimos quatro anos, particularmente, tem se dedicado ao modelo de Cohousing (Co-Lares) e comunidades intencionais, proferindo palestras em diversas cidades brasileiras. Cohousing é entendido como um arranjo espacial destinado também à moradia de pessoas que pertencem a outra etapa de fragilidade inerente ao ciclo de vida humana: a velhice. Independentemente de ser um cohousing intergeracional ou somente para pessoas idosas, os cuidados mútuos e compartilhados, facilitados pelos vínculos relacionais somados à proximidade física, alcançam assim maior qualidade de vida. Em 1988 apresentei o tema livre Arquitetura para a terceira Idade no 8oCongresso da SBGG – Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. Falei sobre os arranjos de moradia que buscavam preservar a autonomia e a individualidade das pessoas idosas, além de prevenir a imposição limitadora que caracteriza as Instituições de Longa Permanência, as ILPIs, incluindo aqui as casas de repouso, as vilas diversas, enfim, os asilos – a verdadeira natureza destas instituições. Entendo que a institucionalização é uma resposta adequada para as situações em que há perda da autonomia e/ou limitações significativas no exercício das atividades e rotinas do dia a dia, o que, no entanto, só ocorre na vida de uma parcela muito pequena de idosos. Nos Estados Unidos, somente 4% das pessoas acima dos 65 anos estão em ILPIs (Instituições de Longa Permanência para Idosos). Desses, 10% tem mais de 85 anos, sendo que mais da metade dessa população, dos acima dos 85 anos, dá conta de suas atividades do dia a dia com autonomia. No entanto, quando a solidão é a causa da institucionalização, o resultado da perda de autonomia implicada é depressão e seus trágicos desdobramentos, inclusive queda na expectativa de vida. Soma-se ao fenômeno da solidão a insuficiência e inadequação das políticas públicas e das alternativas privadas destinadas à proteção de uma população de idosos que não para de crescer. Com as mudanças nas estruturas do núcleo familiar contemporâneo, tais como das mulheres, que antes cuidavam das pessoas idosas de suas famílias saindo de casa para trabalhar, a vivência da condição de aposentadoria gerando na vida dos idosos um espaço relacional esvaziado que provoca frequentemente conflitos e separações entre casais, a solidão acaba se tornando um fenômeno dolorido e dominante na vida dos idosos das grandes cidades. Fez parte da contracultura o anseio por comunidades. Muitas se formaram e pouquíssimas sobreviveram. As causas podem ser atribuídas a um autoritarismo presente no modelo de coletivo e um tanto de machismo enquanto a consciência feminista emergia. Ainda assim, o anseio por comunidade continua presente, principalmente entre as mulheres que ativamente respondem aos chamamentos para uma nova forma de envelhecer, afirman-
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do com muita frequência que este é seu plano de vida. Viver entre amigos, com autonomia em relação aos filhos, compartilhando espaços. O primeiro cohousing, agregando 27 famílias, foi fundado em 1972, em Copenhagen, na Dinamarca. O arquiteto Jan Gudmand-Hoyer é reconhecido como idealizador deste movimento, mas o impulso inicial se deve ao debate levantado pela psicóloga Bodil Graee. Atualmente, cerca de 1% da população da Dinamarca vive em cohousing (cerca de 50 mil pessoas). Co-lares Fisicamente é um conjunto de moradias autônomas e próximas, espaços de uso comum, tendo sempre uma cozinha e um ambiente para refeições coletivas que são ofertadas algumas vezes por semana e seu preparo é rodiziado dentre os membros (conforme decide a comunidade). Há diversos espaços de lazer, biblioteca, lavanderia e outros ambientes de uso comum, conforme indicação e definições da comunidade. Estas características valem para os espaços externos. Tipicamente, são adotadas soluções ambientais que visam a reduzir a pegada ecológica, como por exemplo, água, bio-saneamento, construções solares, uso de materiais de baixo impacto, autonomia energética, lixo zero. Exemplos pelo mundo Suécia - O Färdknäppen é um prédio com intuito de criar uma comunidade em Estocolmo. Os 43 apartamentos não são exclusivamente para idosos e o ambiente promove encontros para cozinhar e compartilhar refeições, cuidar dos jardins, fazer trabalhos domésticos e lazer na biblioteca ou sala de marcenaria. Califórnia - Este conjunto nos EUA aceita pessoas com mais de 50 anos desde 2012. A ideia é equilibrar a vida pessoal com o coletivo, em um espaço compartilhado que conta com cozinha gourmet, sala de estar, lavanderia e quarto de hóspedes. Existem casais, solteiros e idosos e a interação frequente entre os vizinhos Canadá - Esta opção em Vancouver conta com 19 casas, além de um projeto cheio de elementos ambientais para deixar a comunidade sustentável --como material de construção reciclado, reciclagem e até reaproveitamento da água. A proposta do espaço é encorajar um senso de comunidade e conexões entre os moradores. Inglaterra - O “New Ground Cohousing”, uma moradia compartilhada para mulheres em Londres. Este projeto é a primeira comunidade cohousing sênior no Reino Unido e seus membros têm planejado este desenvolvimento por muitos anos. As 26 mulheres, com idades entre 50-87. Na comunidade residem tanto proprietárias como inquilinas e elas querem com esse projeto encorajar outras pessoas mais velhas a desenvolverem iniciativas semelhantes.
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NOVOS MODELOS DE MORADIA PARA A TERCEIRA IDADE Entusiasta dos novos modelos de moradia para a terceira idade, a professora Guita Grin Debert, professora titular do Departamento de Antropologia da Unicamp (SP), foi uma das primeiras incentivadoras dos trabalhos do GTMoradia da Associação de Docentes da Unicamp e garante que vai estar já no primeiro grupo a ser formado para a realização de projeto de cohousing da Vila ConViver, recém lançado na Instituição. O projeto Vila ConViver propõe novo olhar sobre as formas de habitar a cidade, ofertando opções de moradia baseadas no modelo de “comunidades intencionais” para docentes aposentados ou em vias de se aposentar da Unicamp. Vila ConViver abre espaço para importantes reflexões sobre os padrões de moradia e convivência que estão estabelecidos hoje nos centros urbanos. Guita é autora de um dos livros de referência nos estudos da moderna gerontologia, “A Reinvenção da Velhice” (Fapesp e Edusp, 1999), no qual dedica um capítulo especial à questão das novas formas de moradia de idosos – incluindo dados de países europeus, entre eles a Dinamarca, onde o conceito de cohousing surgiu. A professora selecionou alguns trechos nos quais trata da questão da moradia do idoso no capítulo “Família, Integração e Segregação Espacial do Idoso” de seu livro “A reinvenção da Velhice”. Condição de moradia dos idosos nos anos 1960. Início da mudança As pesquisas sobre a relação entre os idosos e seus familiares, desenvolvidas no final dos anos 1960, mostram que os estereótipos de isolamento e de abandono não expressam a condição da totalidade dos idosos, nem mesmo nos países de capitalismo avançado. A pesquisa comparativa de Shanas et alli (1968), feita na Inglaterra, Dinamarca e Estados Unidos, era bastante reveladora nesse sentido. Conclui que, se para os idosos há uma retração das “relações periféricas” – colegas de profissão e outros contatos –, há poucas modificações no que diz respeito às relações com filhos adultos. Uma proporção expressiva de idosos vive com pelo menos um deles (20% na Dinamarca, 28% nos Estados Unidos e 42% na Inglaterra). Entre os que não moram com os filhos, boa parte reside a uma distância de cerca de 30 minutos da casa deles (40% na Inglaterra, 49% nos Estados Unidos e 55% na Dinamarca). Cresce o número de idosos que moram separados dos filhos Pesquisas recentes mostram que a proporção de idosos morando com os filhos tende a diminuir nos Estados Unidos e nos países europeu; entretanto essa tendência deve ser tratada com cuidado. Wall (1989), analisando arranjos de moradia entre os idosos, na Europa dos anos 1980, ressalta a diversidade de arranjos ainda presentes. Mostra que, na Europa Ocidental, a tendência geral é de que os idosos passem cada vez mais a morar em unidades domésticas separadas das dos filhos.
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Idosos morando sós. Um novo tipo de arranjo Outros estudos sugerem que a tendência de os idosos morarem sós não tem de ser, necessariamente, percebida como reflexo de um abandono por parte de seus familiares. Ela pode significar um novo tipo de arranjo, uma nova forma da família extensa, na qual a troca e a assistência ocorrem de maneira intensa. Para Rosenmayr e Koeckeis (1963), trata-se de uma “intimidade à distância”. Esse novo tipo de relação, facilitado pelo aumento da mobilidade e pelo aperfeiçoamento das formas de comunicação à distância, que beneficiaram as diferentes classes sociais, não implicaria uma mudança qualitativa nas relações entre as gerações na família. Além disso, o fato de os idosos viverem com os filhos não é garantia da presença do respeito e prestígio nem da ausência de maus-tratos. As denúncias de violência física contra idosos aparecem nos casos em que diferentes gerações convivem na mesma unidade doméstica. Assim sendo, a persistência de unidades domésticas plurigeracionais não pode ser necessariamente vista como garantia de uma velhice bem-sucedida, nem o fato de moraram juntos um sinal de relações mais amistosas entre os idosos e seus filhos (Evandrou e Victor, 1989). Comunidades de idosos ampliam a satisfação na velhice Em outra direção caminha uma série de estudos sobre novas formas de arranjos residenciais, que tendem a dissolver a ideia de que o bem-estar na velhice estaria ligado à intensidade das relações familiares ou ao convívio intergeracional. Mais do que a convivência num espaço heterogêneo, do ponto de vista da idade cronológica, é a segregação espacial dos idosos que permite a ampliação de sua rede de relações sociais, o aumento do número de atividades desenvolvidas e a satisfação na velhice. É essa, em geral, a conclusão a que chegam os estudos sobre idosos vivendo em conjuntos residenciais segregados ou em condomínios fechados com serviços e outras facilidades ou, ainda, em hotéis ou congregate housings. Os títulos das obras sobre o tema, que envolvem tanto pesquisas quantitativas quanto qualitativas com entrevistas em profundidade e observação participante, deixam claro o que o conjunto de dados levantados revela: The Unexpected Community: Old People, New Lifes; Retirement Communities; Networks as Adaptation; Living Together; If I live to Be 100… Novas comunidades ampliam redes de solidariedade e de trocas de afeto Novas comunidades são criadas, o conjunto de papéis sociais anteriormente perdidos são reencontrados, redes de solidariedade, de trocas e de afeto são desenvolvidas de maneira intensa e gratificante, promovendo uma experiência de envelhecimento positiva, mesmo para aqueles cujos vínculos com os filhos e parentes são tênues. As diferenças de gênero são apagadas ou, quando mantidas, ganham outros significados. Relações interétnicas tornam-se mais harmônicas, uns ajudam outros, de modo que a independência de cada um posse ser mantida a institucionalização evitada. Enfim, a segregação espacial do idoso é defendida como a solução mais adequada a um envelhecimento bem-sucedido.
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O papel ativo dos idosos na criação das novas mudanças Ao fazer um balanço dos trabalhos de cunho antropológico sobre as novas comunidades dos idosos, Keith (1980) mostra, com razão, que eles redirecionam a reflexão sobre a velhice. Por um lado, oferecem elementos para uma revisão da ideia dos idosos como sendo sujeitos passivos de um conjunto de mudanças sociais, apontando, ao contrário, o seu papel ativo como criador dessas mudanças, fazendo novos arranjos sociais em resposta às transformações da sociedade. A família e as novas formas de sociabilidade na velhice Os motivos que conduzem à criação das comunidades de idosos são os mesmos que levam à formação de comunidades de outros grupos em diferentes faixas etárias, como, por exemplo, a ameaça exterior, a homogeneidade, a interdependência. As identidades criadas no interior dessas comunidades, como em outras de faixas etárias distintas, são uma forma ativa de rejeição a um conjunto de valores que acabam por colocar certos setores nos degraus mais baixos da hierarquia social. Se no caso dos idosos é a unidade cronológica que estabelece um ele entre os residentes, ela passa a ser irrelevante para definir o status da pessoa na experiência comunitária. Há uma reciclagem das identidades anteriores e a criação de uma nova comunidade. Além disso, esses estudos alertam para o fato de que a família não é um mundo social total adequado para os idosos nem para qualquer um depois da infância. As novas formas de sociabilidade na velhice não deveriam, assim, ser pensadas como substitutas das relações familiares, mas como esferas distintas de relações. No entanto, se nesses trabalhos a tendência é relativizar a importância das relações familiares para o bem-estar na velhice, outras pesquisas enfatizam que as relações familiares ainda são fundamentais na assistência ao idoso e nas expectativas em relação ao processo de envelhecimento. Interação entre idosos e criatividade grupal Pensar na relação entre o idoso e a família é ora fazer um retrato trágico da experiência de envelhecimento, ora minimizar o conjunto de transformações ocorridas nas relações familiares. Pensar na interação entre idosos é, pelo contrário, traçar um quadro em que um conjunto de mudanças e a criatividade grupal seriam capazes de minimizar ou mesmo negar os inconvenientes trazidos pelo avanço da idade.
PROJETOS DE MORADIAS ESTADUAIS E MUNICIPAIS QUE SÃO REFERÊNCIA NO BRASIL A ausência de políticas habitacionais voltadas para o idoso fez surgirem iniciativas nas esferas municipais e estaduais que mudaram o ‘conceito’ de moradia para idosos e se tornaram referências em respeito à terceira idade. Focados em um perfil de idoso que tem autonomia para morar sozinho e não precisa
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de tanta assistência, projetos de condomínios, repúblicas e vilas começam a surgir no País. É o caso do programa Cidade Madura, em João Pessoa, Paraíba, da Vila dos Idosos, na capital paulista, e da República dos Idosos, em Santos (SP). Cidade Madura, na Paraíba Inaugurado em 2014, em João Pessoa, Paraíba, o programa Cidade Madura é uma iniciativa destinada a idosos de baixa renda. Possui mais duas unidades — uma em Campina Grande e outra em Cajazeiras — e cada uma conta com 40 casas adaptadas de 54 m². O condomínio oferece posto de saúde, academia ao ar livre, horta comunitária, pista de caminhada, centro de convivência com salão, salas de aula, de TV e de fisioterapia, copa, banheiros acessíveis e até um redário. Quem pode viver no Cidade Madura? Idosos a partir dos 60 anos — preferencialmente quem vive há mais de dois anos na cidade — com renda de até cinco salários mínimos, que morem sozinhos ou apenas com os cônjuges e possuam autonomia para realizar atividades diárias. Os beneficiados pagam apenas uma taxa de condomínio e podem viver lá o tempo que quiserem e precisarem. Vila dos Idosos, em São Paulo Projetada pelo Héctor Vigliecca, a Vila dos Idosos estimula o convívio com hortas, espaços para banho de sol e lavanderia coletiva. Lá, o idoso pode morar sozinho ou com até uma pessoa. Inaugurada em 2007, a Vila passou a ser uma referência da administração municipal de São Paulo. O local é mantido pela Secretaria de Habitação, que pensou nessa tendência de estimular a vida em comunidade na terceira idade. Quem pode viver na Vila dos Idosos? O espaço é voltado para pessoas de baixa renda sem família por perto, com quitinetes privadas e pontos coletivos, onde é possível viver em privacidade e socializar quando desejar. No momento, há 200 moradores e quem os seleciona é a própria secretaria. O custo mensal para cada morador sai em torno de R$ 100 reais. O espaço conta com seguranças, e o valor cobrado inclui manutenção e serviços.
PESQUISA DE CAMPO: REPÚBLICA PARA IDOSOS EM SANTOS Moradores convivem em sistema semelhante às casas de estudantes. A ideia de moradia coletiva tornou-se referência para outras cidades. Dados a partir da Conversa Exclusiva com Celiana Nunes - chefe da seção de repúblicas da Prefeitura de Santos. A primeira república específica de atendimento ao público da terceira idade surgiu em Santos, no litoral de São Paulo, em 1995, abriga idosos autônomos, hoje com idades entre 66 e 90 anos, e funciona como a de estudantes. O sucesso do projeto foi tamanho que
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várias Prefeituras se interessaram em replicar o modelo. Nessas moradias autônomas, os residentes ficam responsáveis pelos cuidados com a limpeza e dividem as tarefas igualmente para todos. Cada morador paga um aluguel simbólico de R$ 117,00 e dividem as contas de água e luz, o que gera despesa mensal de aproximadamente 20% de suas rendas. Para morar no local, o idoso precisa residir em Santos, ter no mínimo 60 anos, ter independência física e psicológica e receber de 1 a 2 salários mínimos. A pessoa não deve ter família, ou não manter vínculos e não pode ter casa própria. Recentemente havia uma fila de espera de umas 60 pessoas. A intenção jamais é tirar o idoso de sua família, pelo contrário. A Secretaria de Assistência Social só tira o idoso de sua família se tiver sofrendo maus tratos. Cada morador cuida de sua própria refeição. Uns preparam em casa, outros comem em restaurantes ou nas unidades do Bom Prato, onde almoçam por R$ 1. Fica a cargo da Prefeitura, a administração geral do programa, os funcionários da assistência social, mas também o funcionário da faxina, além de fornecer os móveis das áreas comuns. Não está incluído serviços de saúde. A presença dos funcionários da Prefeitura é periódica. Há um regulamento interno, com normas de boas convivências – que foi modificado ao longo dos anos com a participação dos próprios moradores. Nas assembleias, as questões levantadas são iguais de uma república de estudante (não tirou o lixo, deixou o banheiro molhado etc), e os funcionários da Prefeitura fazem a mediação para chegar a um consenso. Também há atendimentos individuais, que são bem produtivos, para tratar de questões pessoais (ajudar a entender um diagnostico médico, desabafar alguma questão familiar ou outras dores etc) As vantagens de viver em comunidade, quando se está em idade avançada, são muitas. Uma delas é evitar o aparecimento da depressão, um transtorno mental que afeta a autoestima de ambos os sexos e faz com que a pessoa se sinta triste e desmotivada. A oportunidade de conhecer novas pessoas é mais um benefício. Isto porque, como a casa está sempre cheia, é possível fazer novas amizades, espantando a solidão e melhorando o humor. A diferença entre residir em uma república e um asilo está no convívio social. Nos asilos, como os idosos não podem sair, o convívio acaba ficando limitado ao ambiente. Ou seja, não participam da sociedade, não conhecem novas pessoas e não têm vida produtiva e ativa culturalmente. Diferente dos asilos, nas repúblicas eles têm a liberdade para sair no momento em que desejam. Com isso, proporciona uma independência para frequentar bailes, festas da terceira idade ou para participar de programas sociais. Assim, o ambiente das repúblicas possibilita que a terceira idade mantenha a vida social ativa, além de estimular a convivência social. Sem contar que formam uma outra família, criam vínculos, um cuida do outro.
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Nenhum morador quer ir embora das repúblicas, inclusive cuidam mais da própria saúde com medo de precisar partir. Na república, sentem-se amparados, acolhidos. Exercem a solidariedade – não há um morador que não tenha se modificado. Exemplo: muito comum homens que, pela primeira vez, desempenham atividades domésticas. Além dos inúmeros ganhos emocionais, há uma vantagem financeira. Se esses idosos não estivessem nas Repúblicas, estariam num quarto de cortiço, pagando R$ 500,00 (dividindo) ou R$ 800,00 (individual), em locais degradados - e aqui, diferente do cortiço, eles sabem quem são os companheiros. Essa economia possibilita uma liberdade financeira de usar o dinheiro deles como bem entendem. O fato de não se preocuparem com dinheiro porque seu custo de vida é baixo, e também porque a moradia está garantida, faz com que eles até viajem, por exemplo. Quando eles perdem autonomia, devem deixar a república e ir para uma instituição de longa permanência. Mas eles negam até o final. E é muito comum os demais moradores camuflarem e fazerem as atividades do colega, tentando encobertar o problema. E aí, entra um outro trabalho que as assistentes sociais tem que desenvolver com eles, talvez o mais difícil.
ENTREVISTA EXCLUSIVA COM D. LÍLIA SAMPAIO DE SOUZA PINTO Dona Lilia é uma mulher que tem curiosidade pela vida. Aos 95 anos, mora sozinha e tem uma vida ativa na cidade de Santos. Foi a primeira a se inscrever na Universidade Aberta para a Terceira Idade no curso de Terapia Ocupacional. A pedagoga aposentada é uma entusiasta das redes sociais. Criou o blog Sementeira onde fala sobre assuntos variados. “A internet foi um dos maiores presentes que o homem ganhou, uma linguagem universal. Além de ser um local de acesso ao conhecimento, é uma fonte de alfabetização, nunca tivemos uma pedagogia tão potente como a internet”. Após ter participado de um seminário sobre moradia realizado no Sesc de Santos, criou um grupo de estudos para desenvolver um projeto de uma ecovila sustentável para idosos. “A base de todos os problemas da terceira idade está na moradia. Você tem dois grandes problemas na vida do idoso que fazem ele ficar mais ‘velho’ do que deveria ficar, um é o isolamento da família e o outro é manter a sua casa com privacidade”. Após uma investigação de modelos de moradias no Brasil e no exterior, D Lilia acredita que encontrou a solução para o problema. “Eu quero fazer uma moradia que esteja integrada a uma comunidade maior, a cidade. Não é uma moradia isolada, o idoso precisa da cidade também, assim como qualquer cidadão. Essa comunidade terá residências privativas. O idoso vai morar sozinho até quando puder, e no momento certo, terá um cuidador exclusivo. Vai ter uma área comum com cozinha e oficinas multifuncionais”. Ela destaca que “o mais importante é que a permacultura seja o principal. Vamos trabalhar no sistema de cooperativas”.
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O projeto está em fase de finalização e, neste momento, ela está a procura de financiadores que topem a empreitada. Praticante de Tai Chi Chuan, acredita que não existe tempo. “O tempo é uma abstração do homem, o que existe é espaço e movimento e isso a física quântica e o taoísmo ensinam pra gente”. Para D. Lilia o envelhecimento traz vantagens. “O idoso fica mais sociável, percebe a riqueza que é o outro. O processo de ficar mais lento, mais pausado, na verdade é a mais vivência. Conseguimos observar muito mais do que os moços. A importância da terceira idade é a sabedoria, temos isso para ensinar”
SENTIR A VIDA – BLOG SEMENTEIRA DE LÍLIA SAMPAIO DE SOUZA PINTO Fiquei muito feliz por vocês se lembrarem e - importante - terem se comunicado comigo no Dia dos Avós. Para mim isso teve um grande significado, pois me fez acordar para um acontecimento óbvio, nem sempre entendido, porem sentido pelos idosos, o qual chamarei de Evolução do Sentir a Vida. Eu o defino como um ciclo do viver que, para cada casal tem início com a geração de seu primeiro filho. Esta criança se torna o centro, a primeira e maior razão do viver dos pais, os quais passam a ocupar lugar secundário na ordem de importância na familia. Entretanto eles continuam sendo os primeiros, os principais, pois deles dependeu a formação da nova vida e a responsabilidade sobre seu desenvolvimento em termos de cuidados, amor e proteção. Este amor acompanhará o filho por toda a sua vida - e além da vida. Ainda que o filho se torne cada vez mais independente em muitos aspectos materiais e sentimentais, ele será, para os pais, sempre o bebezinho fragil que precisa de proteção e carinho (embora muitas vezes mal interpretados pelo filho e contra a sua vontade). O desenvolvimento de novos interesses, de necessidades naturais às sucessivas faixas etárias, assim como as variadas tarefas que a vida impõe provoca um distanciamento crescente de comunicação, identidade e comunhão entre os pais e cada um de seus filhos, em diferentes graus. O Sentir a Vida vai se tornando particular e individual e, sem uso, os canais de comunicação vão enfraquecendo cada vez mais. Tal processo tende a ocorrer com maior ou menor intensidade em todas as familias e só sofrerá nova mudança em sua natureza, em um certo e importante momento na vida de cada um: quando os filhos tiverem seus próprios primeiros filhos. Então o ciclo recomeça mais uma vez. Mas... e quando os pais se tornam avós? Há sempre uma grande festa emocional, quando os avós recebem seus netinhos e com eles convivem - em geral por pouco tempo. Faz parte da evolução natural que o distanciamento crescente entre os netos e seus avós seja maior do que entre os filhos e seus
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pais. É tambem natural que os avós estejam emotivamente (demonstração de carinho e não a falta de amor) mais ligados aos netos fisicamente mais proximos. Neste caso o enfraquecimento dos laços familiares tende a não ocorrer, podendo ser fortalecidos pelo maior uso dos canais de comunicação, atualização de outros canais já existentes e a criação de novos canais que permitam maior comunicação e identidade entre as gerações. E o ciclo continua... O que dizer, então dos bisnetos e seus respectivos bisavós? Não é sem razão que já se pode pensar nisto pois a expectativa de vida está aí pelos 100 aninhos... Há uma necessidade cada vez maior de participação socio-econômica na solução de problemas, inclusive de sobrevivência, de idosos. De outro lado, há um contingente significativo de aposentados em condições de usufruir do que a vida tem a oferecer. O interesse financeiro e comercial, atualmente voltado para a clientela infantil, começa a descobrir um novo veio promissor: a terceira e/ou melhor idade. O que o Comércio faz melhor é pesquisar e responder aos interesses e necessidades da sociedade. Com a extensão crescente da vida individual, as famílias e as comunidades se veêm obrigadas a pensar mais frequentemente nos avós e bisavós - esperando-se que o “Alemão” esteja cada vez mais controlado para não levar grande parte dos velhinhos a “praias distantes”. Penso que o amor (não a piedade), o carinho (não a subserviência) e a convivência (não a proximidade apenas física), representam um fator emocional e emotivo capaz de ajudar a corrigir o desgaste do viver que se instala com o distanciamento crescente entre as gerações dentro da família. É preciso entender tambem que tal processo tende a acelerar com a crescente e absorvente agitação da vida moderna. Daí a preocupação cada vez maior da família com o que fazer com o contingente de avós e bisavós “distantes e dependentes”. Muitas vezes idosos em famílias bem estruturadas emotiva e emocionalmente demonstram tanta vitalidade e alegria de viver que amigos e conhecidos dizem admirados: “Parece que o tempo não passou para voce!”. Ora, o tempo não se vê nem se mede; logo, não existe! O que se pode quantificar são as mudanças que ocorrem no espaço e que o definem. Daí o descompasso entre a idade cronológica (proposta social) e a “ idade de vida” (determinada pelo Sentir a Vida). Por isso encontramos jovens “velhos” e velhos “jovens”. Uma resposta positiva e promissora está nos interesses sociais e governamentais pela criação de atividades socio-culturais e físicas compatíveis com a 3a. - e por que não - 4a. idades. Neste sentido, está crescendo o interesse por um atendimento especial aos idosos, isto é, aqueles que estão “na melhor idade”. Morrer é um FATO e não um PROBLEMA, como diz minha neta Aninha. Então procuraremos resolver os problemas de “como”, “quanto” e “com que qualidade de vida” devemos e podemos viver. Viver Sentindo a Vida deverá ser nossa meta, que envolverá bisavós, avós, pais,
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filhos, netos e bisnetos, pois todos deverão passar por esta escala (na melhor das hipóteses), até o dia e a hora que formos chamados de Volta para Casa. Colocando minha vida numa balança, vejo que tenho muito a agradecer pelas graças abundantes que tenho recebido de nosso Pai Maior e por ter sido, por Ele, abençoada toda a minha família. Por razões desta natureza fiquei muito feliz com o Dia dos Avós e aguardo a chegada do Dia dos Bisavós.
TRECHOS DO CAPÍTULO “AS RELAÇÕES FAMILIARES ENTRE AS GERAÇÕES: POSSIBILIDADES E DESAFIOS”, DO LIVRO “MATURIDADE E VELHICE” Deusivania Vieira da Silva Falcão - Professora Doutora da Universidade de São Paulo (USP). Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH). Pós-Doutoranda em Psicologia na University of Central Flórida (UCF). Doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília (UnB). A família não é um fato natural, diz respeito a uma conquista cultural, arraigada numa dimensão histórica de construção, ao longo dos séculos, e, consequentemente, atravessando mudanças. Petzold (1996) apontou que uma definição científica de família requisita levar em consideração a pluralidade de formas atuais dessa instituição. Na sua visão, a abordagem “ecopsicológica” parece ser apropriada para compreender todos os tipos de famílias, porque inclui uma ampla gama de formas de vida familiar, isto é, não somente as diferentes formas tradicionais, mas também, as alternativas. De modo semelhante, Beauvers e Hampson (1995) mencionaram que a família é necessária para a saúde do indivíduo, mas o modelo dessa instituição não deve ser obrigatoriamente o de uma família tradicional, e sim, de um grupo de pessoas comprometidas com o apoio mútuo, compartilhando suas expectativas e significados. Nesse sentido, uma família pode ser compreendida como um “grupo com história”, uma vez que as relações funcionais apresentam a tendência de serem duradouras. O sentimento de pertencer a uma família envolve afeto, liberdade, reciprocidade, histórias compartilhadas, enfim, aspectos inerentes à condição do ser humano que abarcam questões conscientes e inconscientes. Os sujeitos que se distanciam geograficamente da família de origem podem, por exemplo, adotar pessoas da comunidade em que vivem para compor suas “novas” famílias, elegendo-as como também sendo seus membros familiares. Em síntese, o conceito de família é polissêmico... O conceito de família é uma elaboração ideológica e social, e que fracassará qualquer tentativa de difini-la como uma instituição delimitada, com características universais. Nesse cenário, como compreender as relações familiares entre as gerações? Qual é o papel dos avós nos âmbitos psicossocial e familiar?
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As relações intergeracionais na família: possibilidades A maioria das pesquisas sobre os avós provém dos Estados Unidos, do Canadá e do Reino Unido, porém começaram a surgir estudos na realidade brasileira. O aumento considerável de trabalhos concernentes a essas figuras ocorreu principalmente na década de 1980, devido a fatores como a longevidade humana, o trabalho da mulher fora do lar, a aceitação social de pais solteiros, a alta incidência da Aids, bem como dos divórcios e recasamentos, os quais fizeram sobressair a importância dos avós e, desse modo, despertaram o interesse dos pesquisadores sobre eles. Na sociedade brasileira, aos poucos, vem sendo ultrapassada a imagem de avós associada à figura do(a) velho(a) que, por sua vez, está atrelada a estereótipos, tais como o de pessoas doentes e de ideias retrógradas. Em alguns casos, as mulheres, que passaram a vida toda cuidando do marido e dos filhos, por vezes, sentem -se, nesse período, mais “libertas” para exercerem atividades fora do lar. Todavia, muitas continuam com a “sina de cuidadoras eternas” e terminam cuidando dos pais idosos e dos netos, para que seus filhos possam trabalhar. São vários os papéis a serem desempenhados pelos avós no meio sócio-histórico-cultural e familiar. Foi detectado que, no final da década de 1960, eles tinham papéis tradicionais, tais como provedores de mimos e presentes, narradores de estórias e cuidadores das crianças durante a ausência dos pais. Nas décadas de 1970 e 1980, o estudo sobre o papel dos avós foi enfocado nos âmbitos: a) social, b) emocional, c) transacional, d) simbólico, e) como parte de um processo grupal da família, envolvendo o relacionamento entre as gerações, considerando o poder e o controle na estrutura parental, focalizando modelos de ajuda e manutenção da família. Nesse prisma, os tipos de avós eram preditos pelo estilo de vida, e os principais papéis exercidos foram os de babá, figuras de apoio emocional e financeiro, mentores, historiadores e modelos de papéis a serem seguidos, por conta das experiências adquiridas e da importância do meio sócio-familiar. Já na década de 1990, seu papel centralizou-se em proporcionar muito afeto e pouca repreensão aos netos, como fonte de apoio e compreensão nos momentos tempestuosos vividos pela criança, como perpetuadores da história familiar, transmissão dos conhecimentos de sua própria infância e da infância de seus filhos. Para os próprios avós, seu papel pode significar continuidade biológica, uma chance de atuar melhor do que quando foram pais, uma oportunidade de reavaliação da própria vida, bem como de complementação do “self ” e, ainda, de realização vicária através dos netos. O exercício do papel de avós também propicia a oportunidade para eles reconhecerem erros e reverem posições e pontos de vista ao refletirem sobre suas atuações como pais. É fundamental refletir sobre o fato de que a informática provocou mudanças no dia a dia das pessoas, atingindo os idosos de maneira incontestável, pois muitos passaram a ser “analfabetos funcionais”. Nesse sentido, a posição de saber na família, antes ocupada pelos avós, vem sendo, aos poucos, assumida pelos netos que dominam os computadores com facilidade. Uma pesquisa realizada pela “America Online” revelou que a internet é muito importante na vida dos avós americanos, pois quase a metade (45%) dos netos que participaram da pesquisa afirmaram que conversam mais com os avós on line e, por vezes, ensina-
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vam-nos a se conectarem à rede. Através das pesquisas e dos estudos, foi visto que os avós continuam exercendo forte influência na vida dos adolescentes, bem como nas comunidades a que pertencem, através de suas experiências e do apoio que oferecem, especialmente nos momentos mais estressantes ou nas dificuldades enfrentadas pelo grupo familiar, tais como divórcio, adoção, maternidade na adolescência, uso de drogas, doenças ou mesmo morte dos pais. Nesse cenário, as relações que os avós estabelecem com seus filhos e netos também dependem do contexto sócio-histórico-cultural, das características de personalidade dos envolvidos, do modo de os idosos se verem como avós e do significado deste papel em suas vidas.
PESQUISA DE CAMPO: ESPAÇO DE CONVIVÊNCIA SÃO JOAQUIM O Padroeiro, São Joaquim, é considerado o Santo dos avós. “Como tudo o mais, o tempo não tem explicação: corrói ou transfigura, conforme cada um escolhe, sofre ou inventa” Lia Luft A Associação São Joaquim de Apoio à Maturidade é uma entidade sem fins de lucro que presta serviços de convivência e fortalecimento de vínculos para pessoas idosas, na cidade de Carapicuíba-SP. Atua no atendimento de 320 beneficiários diretos e colabora com a garantia de direitos e com a melhoria da qualidade de vida das pessoas idosas do município por meio de representação em conselhos paritários e empoderamento cidadão dos usuários. O objetivo é oportunizar um envelhecimento saudável e ativo, a autonomia, inclusão e valorização do idoso, colaborando para que exerçam sua cidadania e possam atuar como força integradora no meio em que vivem. O Programa Centro de Convivência da Associação São Joaquim é desenhado de forma a contribuir para a manutenção da autonomia e para o envelhecimento ativo dos usuários, visando apoiar o atendimento da crescente demanda desta natureza e atuar preventivamente, diminuindo a necessidade de atendimento nos sistemas de saúde no futuro. O Centro de convivência, onde este projeto está inserido, oferece um conjunto de atividades que apoiam a pessoa idosa no seu desenvolvimento integral: o primeiro passo é cuidar do seu corpo, exercitando-se. Com isso, a pessoa idosa apresenta melhora na disposição, humor, quadro geral de saúde, bem-estar e maior segurança nos movimentos corporais e mobilidade de forma geral. A partir desta conquista, os idosos estão aptos a participar das demais atividades voltadas para a valorização de suas histórias, para a manutenção e o desenvolvimento de suas capacidades. As atividades artísticas trabalham o equilíbrio emocional e entendimento das vivências afetivas de sua história, proporcionando ressignificá-las novamente para viver o presente com liberdade e leveza, sem prender-se ao passado.
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O Programa como um todo, sobretudo, dá acesso ao lazer e ao convívio social, oferecendo também passeios, festas, bailes e palestras. O trabalho permite manter a autoestima das pessoas idosas elevada, por meio do desenvolvimento de suas habilidades e do fortalecimento de vínculos familiares e sociais. O resultado é a socialização e a melhora da qualidade de vida das pessoas idosas, que passam a agir como força integradora do meio em que vivem. ENTREVISTA EXCLUSIVA COM A SIMONE SPADAFORA (VICE-PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO) Qual o perfil dos atendidos na São Joaquim? 86% mulheres e 14% homens Por que mais mulher? A mulher tem menos resistência. O homem parece que faz cursos, entram numa atividade com um objetivo fim. A mulher já não. Faixas etárias 6% - 80 a 89 anos 8% - 55 a 59 anos 31% - 70 a 79 anos 55% - 60 a 69 anos Aqui, você pode achar que 60 anos é uma pessoa nova. Mas para quem trabalhou duro, como eles, o corpo está muito desgastado. Em geral, foram trabalhadores da roça, que migraram de minas, do nordeste e interior do estado. Escolaridade 69% - ensino fundamental (4ª série, que a gente fala) Mas como muitos tiveram o ensino interrompido, na prática, vemos que não é igual a uma criança que estudou de fato até a 4ª série. 23% - ensino médio 6% - não alfabetizado 1% - técnico 1% - superior Renda pessoal 64% - 1 salário 29% - 2 a 3 salários 7% - 4 a 5 salários A questão que pega com eles não é a renda em si. Muitos tem casa própria, utilizam sistema público de saúde e não pagam transporte. Mas gastam muito com medicamentos e muitos ajudam a família. Para fazer parte da associação, há uma restrição em relação à renda? No passado, o critério de inclusão era a baixa renda. Mas na velhice, o isolamento é
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muito pior que a renda. A gente entende hoje que as pessoas que ficam sozinhas, isoladas desenvolvem uma série de processos patológicos. Objetivos Nós buscamos sair um pouco fora dos modelos de centros de convivência de ocupação do tempo. Nosso objetivo é uma proposta de desenvolvimento integral por meio da convivência. Na prática, quando eles chegam, eles passam por uma avaliação com três profissionais (psicóloga, assistência social e eu, geronto) e nessa avaliação a gente reconhece as vulnerabilidades. Sendo assim, além do que ele veio buscar aqui (muitas vezes atividades físicas), a gente contribui para evolução daquilo que ele nunca teve oportunidade de exercer, em atividades como: de autoconhecimento, artísticas, de socialização e o sentir etc. A ideia é evoluir através da convivência. Ele sai de casa, se relaciona, dá risada e a doença (não crônica) fica menos importante do que quando ele chegou. É possibilitar, para essas pessoas, fazer coisas que nunca fizeram, aqui é um espaço de possibilidade, romper a barreira do “será que eu consigo?”. Aqui eles experienciam coisas muito novas: violão, teatro etc. Proporcionamos a alegria do “eu consigo” e de ver a velhice como um tempo de possibilidade, que a gente não vê em idosos de rendas melhores. Parece que quando a pessoa teve muita oportunidade a velhice vai se instalando como perda ou com isolamento. Aqui não, eles tem a mesma renda mínima que eles tinham antes, não cai o padrão de vida e agora eles tem tempo e liberdade. Metodologia A inspiração é a antroposofia. A metodologia é olhar o ser humano de forma integral, e sempre comtemplar o desenvolvimento humano não só dos aspectos físicos, mas também mental, espiritual, anímico. A gente olha a pessoa dessa maneira, e as atividades tem que estar dentro desse sentido e fazer sentido para o idoso. E o sentido que a gente fala é da salutogênese – a gente facilitar essa saúde que está dentro de cada um. Apesar do que está instalado, a gente pode ainda produzir saúde. É uma visão positiva. Há muitas atividades, mas entendemos que a introspecção é importante. As rodas são muito presentes aqui. A gente vê que cada vez mais eles gostam de estar em roda. O que esse filme tem que ter? A gente acredita muito que a velhice é plural. Então se a pessoa não diz da perspectiva dela o que é o envelhecimento, a gente não sabe de nada. O discurso vem de uma perspectiva pessoal, só assim você reconhece como ele é diverso. Porque ele tem a ver com a sua história de vida e suas escolhas. É ruim quando é de fora para dentro. Seria um filme que desse voz para eles. DEPOIMENTOS COM FREQUENTADORES Celia Reis, 71 anos – frequentadora há 10 anos “Aqui tem viagens, em agosto vamos para Águas de São Pedro. Aqui eu me distraio demais, ajudo na cozinha quando precisa. São Joaquim é a minha segunda casa, aqui somos uma família”.
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Roberto, 63 anos – frequentador há 3 meses “Esse filme tem que falar sobre aceitação e coragem. Até pra morrer precisa ter coragem”. Margarida de Andrade, 64 anos – frequentadora há 9 anos “Depois de tanto tempo aqui, me tornei uma voluntaria. Hoje dou aula de bijuteria” “Em relação ao filme, acho que precisa fazer filmes que levem o idoso a viver a vida, tem muito idoso parado em suas casas por falta de incentivo. O filme que vocês tem que fazer deve levar esses idosos a buscar movimentos, passeios, coisas que levem eles a viver, saber que eles estão vivos. A gente está vivo, olha aqui quanta vida tem aqui dentro!”
ENTREVISTA EXCLUSIVA COM SERGIO SERAPIÃO – REDE AFETIVA DO LAB60+ Como surgiu o Lab60+? Ele surgiu de uma inquietação de perceber que os projetos e os atores não se conheciam. A gente fazia projetos em educação, envelhecimento e desenvolvimento local. O pessoal de educação e desenvolvimento local, entre si, se conheciam e tinha um norte, diretrizes de governo e sociedade. Já o de longevidade, ninguém se conhecia (o principal investidor da área, representantes do governo, empresas do setor - não conheciam o trabalho um do outro). Daí, surgiu a ideia de unir as pessoas, um guarda-chuva maior para criar um espaço comum e uma agenda comum. E os cafés (ComVida) que vocês realizam é uma rede afetiva, mas também é uma rede econômica? O café ComVida é o encontro da rede, é a porta de entrada da rede. É mais afetiva, porque a velhice tem uma grande invisibilidade. A luz vai se apagando conforme os anos vão passando. Tanto em termos econômicos, trabalho, quanto em outros mais sutis: as vacinas não são testadas para idosos; nas agências de pesquisas, o público alvo vai até 60/65 anos; o voto deixa de ser obrigatório. Que direito é esse que o idoso passa a ser invisível ou optativo? É uma invisibilidade em todos os sentidos, na família inclusive. Há o domínio de uma cultura jovemcêntrica, que a gente vive, que não é só brasileira, é mundial. O jovem é a solução para tudo - beleza, trabalho, criatividade, toda a força é juvenil. Então, como a gente redefine essa cultura? A nossa ambição, do Lab60+, hoje, mais que juntar organizações e pessoas, mais que ver as potências e limites que temos em todas as idades, queremos alterar uma cultura jovemcêntrica para uma cultura de todos, onde todos tem potências. Não uma cultura só do velho, onde vamos excluir os jovens, pelo contrário. Uma cultura onde todos tem potências e saber reconhecer todas elas. A intenção dos cafés é ter um caráter mais “amador”? O café ComVida é um espaço de encontro entre pessoas com ideias que podem encontrar parceiros para sua realização.
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O que é importante, que acabamos construindo uma estrutura que abre espaço para promover essa confiança entre as pessoas. Algo que se possa colaborar. Temos apenas uma pequena formação das pessoas que trabalham no projeto, que não é em termos de facilitação, e sim: como você se empatiza e como você se vulnerabiliza. Porque a rede se forma a partir da vulnerabilização: eu não tenho tal coisa e eu preciso de você. Se a gente faz um encontro convencional de network, não tem conexão de relação, mas de transação - tudo certo com isso, mas você não cria uma rede afetiva. Ao redor de uma rede afetiva, você tem outras transações que podem ocorrer. Quando a gente conseguir varias organizações que se alimentam e retribuem de formas amorosas, a gente tem uma rede autossustentável. O que você acha do envelhecimento ativo? O envelhecimento ativo ainda trata da fragilidade. A gente vai perdendo nossa capacidade física e cognitiva, e o envelhecimento ativo vem para atenuar essa curva decadente. Nós, do Lab 60+, achamos que isso é uma miopia, isso é parte da história mas não é toda. Se a gente perde nossa força física – claro, com o tempo a gente perde -, a gente ganha uma série de outras coisas, que a ciência e a pesquisa já estão mostrando. Nossas inteligências múltiplas: a emocional, por exemplo, não é decadente a partir dos 35 anos. Todas as 12 inteligências (espiritual, natural, etc), se elas podem ter ascenção, você pode contribuir muito mais emocionalmente aos 80 anos do que você mesmo poderia aos 20. Hoje, como a gente cria um grande laboratório que, ao invés de falar de conceito, fala sobre práticas? Com corresponsabilização, a partir de encontros improváveis, onde um tem uma potência e outro tem uma necessidade e vice-versa, criando uma coisa nova. Por isso a gente precisa romper a cultura do jovem-centrismo. E desses encontros, tem experiência positivas? Tem! Um exemplo é a criação de cadeira: jovens engenheiros e designers, que se juntaram a gerontólogos experientes e fizeram o projeto de uma cadeira para idoso que foi premiada. Esses encontros aceleram os processos. Tem vários - de trabalho, de empreendedores que surgiram aqui. É parar de pensar em silos e pensar mais no todo, no integral e aí a gente consegue mais inovação e ter um mundo mais legal.
OS INVOLUNTÁRIOS DA PÁTRIA - TRECHOS DA AULA PÚBLICA Eduardo Viveiros de Castro - antropólogo, professor da UFRJ Há uma guerra em curso contra os povos índios do Brasil, apoiada abertamente por um Estado que teria (que tem) por obrigação constitucional proteger os índios e outras
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populações tradicionais, e que seria (que é) sua garantia jurídica última contra a ofensiva movida pelos tais donos do Brasil, a saber, os “produtores rurais” (eufemismo para “ruralistas”, eufemismo por sua vez para “burguesia do agronegócio”), o grande capital internacional, sem esquecermos a congenitamente otária fração fascista das classes médias urbanas. Estado que, como vamos vendo, é o aliado principal dessas forças malignas, com seu triplo braço “legitimamente constituído”, a saber, o executivo, o legislativo e o judiciário. Mas a ofensiva não é só contra os índios, e sim contra muitos outros povos indígenas. Devemos começar então por distinguir as palavras “índio” e “indígena”, que muitos talvez pensem ser sinônimos, ou que “índio” seja só uma forma abreviada de “indígena”. Mas não é. Todos os índios no Brasil são indígenas, mas nem todos os indígenas que vivem no Brasil são índios. Índios são os membros de povos e comunidades que têm consciência — seja porque nunca a perderam, seja porque a recobraram — de sua relação histórica com os indígenas que viviam nesta terra antes da chegada dos europeus. Foram chamados de “índios” por conta do famoso equívoco dos invasores que, ao aportarem na América, pensavam ter chegado na Índia. “Indígena”, por outro lado, é uma palavra muito antiga, sem nada de “indiana” nela; significa “gerado dentro da terra que lhe é própria, originário da terra em que vive”. Há povos indígenas no Brasil, na África, na Ásia, na Oceania, e até mesmo na Europa. O antônimo de “indígena” é “alienígena”, ao passo que o antônimo de índio, no Brasil, é “branco”, ou melhor, as muitas palavras das mais de 250 línguas índias faladas dentro do território brasileiro que se costumam traduzir em português por “branco”, mas que se refere a todas aquelas pessoas e instituições que não são índias. Essas palavras indígenas têm vários significados descritivos, mas um dos mais comuns é “inimigo”, como no caso do yanomami ‘napë’, do kayapó ‘kuben’ ou do araweté ‘awin’. Ainda que os conceitos índios sobre a inimizade, ou condição de inimigo, sejam bastante diferentes dos nossos, não custa registrar que a palavra mais próxima que temos para traduzir diretamente essas palavras indígenas seja “inimigo”. Durmamos com essa. Mas isso quer dizer então que todos as pessoas nascidas aqui nesta terra são indígenas do Brasil? Sim e não. Sim no sentido etimológico informal abonado pelos dicionários: “originário do país etc. em que se encontra, nativo”. Um colono de ‘origem’ (e língua) alemã de Pomerode é “indígena” do Brasil porque nasceu em uma região do território político epônimo, assim como são indígenas um sertanejo dos semi-árido nordestino, um agroboy de Barretos ou um corretor da Bolsa de São Paulo. Mas não, nem o colono, nem o agroboy nem o corretor de valores são indígenas — perguntem a eles… Eles são “brasileiros”, algo muito diferente de ser “indígena”. Ser brasileiro é pensar e agir e se considerar (e talvez ser considerado) como “cidadão”, isto é, como uma pessoa definida, registrada, vigiada, controlada, assistida — em suma, pesada, contada e medida por um Estado-nação territorial, o “Brasil”. Ser brasileiro é ser (ou dever-ser) cidadão, em outras palavras, ‘súdito’ de um Estado ‘soberano’, isto é, transcendente. Essa condição de súdito (um dos eufemismos de súdito é “sujeito [de direitos]“) não tem absolutamente nada a ver com a relação indígena vital, originária, com a terra, com o lugar em que se vive e de onde se tira seu sustento, onde se ‘faz a vida’ junto com seus parentes e amigos. Ser indígena é ter como referência primordial a relação com a terra em que nasceu
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ou onde se estabeleceu para fazer sua vida, seja ela uma aldeia na floresta, um vilarejo no sertão, uma comunidade de beira-rio ou uma favela nas periferias metropolitanas. É ser parte de uma comunidade ligada a um lugar específico, ou seja, é integrar um ‘povo’. Ser cidadão, ao contrário, é ser parte de uma ‘população’ controlada (ao mesmo tempo “defendida” e atacada) por um Estado. O indígena olha para baixo, para a Terra a que é imanente; ele tira sua força do chão. O cidadão olha para cima, para o Espírito encarnado sob a forma de um Estado transcendente; ele recebe seus direitos do alto. “Povo” só ‘(r)existe’ no plural — povoS. Um povo é uma multiplicidade singular, que supõe outros povos, que habita uma terra pluralmente povoada de povos. Quanto perguntaram ao escritor Daniel Munduruku se ele “enquanto índio etc.”, ele cortou no ato: “não sou índio; sou Munduruku”. Mas ser Munduruku significa saber que existem Kayabi, Kayapó, Matis, Guarani, Tupinambá, e que esses não são Munduruku, mas tampouco são Brancos. Quem inventou os “índios” como categoria genérica foram os grandes especialistas na generalidade, os Brancos, ou por outra, o Estado branco, colonial, imperial, republicano. O Estado, ao contrário dos povos, só consiste no singular da própria universalidade. O Estado é sempre único, total, um universo em si mesmo. Ainda que existam muitos Estados-nação, cada um é uma encarnação do Estado Universal, é uma hipóstase do Um. O povo tem a forma do Múltiplo. Forçados a se descobrirem “índios”, os índios brasileiros descobriram que haviam sido ‘unificados’ na generalidade por um poder transcendente, unificados para melhor serem des-multiplicados, homogeneizados, abrasileirados. O pobre é antes de mais nada alguém de quem se tirou alguma coisa. Para transformar o índio em pobre, o primeiro passo é transformar o Munduruku em índio, depois em índio administrado, depois em índio assistido, depois em índio sem terra. Os índios são os primeiros indígenas do Brasil. As terras que ocupam não são sua propriedade — não só porque os territórios indígenas são “terras da União”, mas porque são eles que pertencem à terra e não o contrário. Pertencer à terra, em lugar de ser proprietário dela, é o que define o indígena. E nesse sentido, muitos povos e comunidades no Brasil, além dos índios, podem se dizer, porque se sentem, indígenas muito mais que cidadãos. Não se reconhecem no Estado, não se sentem representados por um Estado dominado por uma casta de poderosos e de seus mamulengos e jagunços aboletados no Congresso Nacional e demais instâncias dos Três Poderes. O Estado brasileiro e seus ideólogos sempre apostaram que os índios iriam desaparecer, e quanto mais rapidamente melhor; fizeram o possível e o impossível, o inominável e o abominável para tanto. Não que fosse preciso sempre exterminá-los fisicamente para isso — como sabemos, porém, o recurso ao genocídio continua amplamente em vigor no Brasil —, mas era sim preciso de qualquer jeito desindianizá-los, transformá-los em “trabalhadores nacionais”. Cristianizá-los, “vesti-los” (como se alguém jamais tenha visto índios ‘nus’, esses mestres do adorno, da plumária, da pintura corporal), proibir-lhes as línguas que falam ou falavam, os costumes que os definiam para si mesmos, submetê-los a um regime de trabalho, polícia e administração. Mas, acima de tudo, cortar a relação deles com a terra. Separar os índios (e todos os demais indígenas) de sua relação orgânica, política, social, vital com a terra e com suas comunidades que vivem da terra — essa separação sempre foi vista como ‘condição necessária’ para transformar o índio em cidadão. Em cidadão pobre, naturalmente. Porque sem pobres não há capitalismo, o capitalismo precisa de pobres, como
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precisou (e ainda precisa) de escravos. Transformar o índio em pobre. Para isso, foi e é preciso antes de mais nada separá-lo de sua terra, da terra que o ‘constitui’ como indígena. A terra é o corpo dos índios, os índios são parte do corpo da Terra. A relação entre terra e corpo é crucial. A separação entre a comunidade e a terra tem como sua face paralela, sua sombra, a separação entre as pessoas e seus corpos, outra operação indispensável executada pelo Estado para criar populações administradas. Pense-se nos LGBT, separados de sua sexualidade; nos negros, separados da cor de sua pele e de seu passado de escravidão, isto é, de despossessão corporal radical; pense-se nas mulheres, separadas de sua autonomia reprodutiva. Pense-se, por fim mas não por menos abominável, no sinistro elogio público da tortura feito pelo canalha Jair Bolsonaro — a tortura, modo último e mais absoluto de separar uma pessoa de seu corpo. Tortura que continua — que sempre foi — o método favorito de separação dos pobres de seus corpos, nas delegacias e presídios deste pais tão “cordial”. Os índios precisam da ajuda dos brancos que se solidarizam com sua luta e que reconhecem neles o ‘exemplo’ maior da luta perpétua entre os povos indígenas (todos os ‘povos’ indígenas a que me referi mais acima: o povo LGBT, o povo negro, o povo das mulheres) e o Estado nacional. Mas nós, os “outros índios”, aqueles que não são índios mas se sentem muito mais ‘representados’ pelos povos índios que pelos políticos que nos governam e pelo aparelho policial que nos persegue de perto, pelas políticas de destruição da natureza levadas a ferro e a fogo por todos os governos que se sucedem neste país desde sempre — nós outros também precisamos da ajuda, e do exemplo, dos índios, de suas táticas de guerrilha simbólica, jurídica, mediática, contra o Aparelho de Captura do Estado-nação. Um Estado que vai levando até às últimas consequências seu projeto de destruição do território que reivindica como seu. Mas a terra é dos povos.
CULTURA INDÍGENA A viagem da Cobra-Canoa Segundo os Tukano, antes de tudo existir havia o Avô do Universo, sozinho na “Maloca do Céu”, em meio à escuridão. Um dia, ele resolveu fazer o Mundo, com suas águas, terras, matas, dias e ar, nuvens e ventos, e também os seres humanos. Assim, fez surgir o Mundo e, por último, fez surgir a Gente de Transformação, que são os primeiros ancestrais dos povos tukano. No extremo Leste, onde o Sol nasce, ele fez surgir o Lago de Leite. Transformando uma grande cobra em uma canoa, mandou que todos embarcassem nela para iniciar uma longa viagem rumo ao centro da Terra A cobra-canoa, então, iniciou sua jornada pelo Rio de Leite, onde hoje ficam os rios Negro, Uaupés e seus afluentes. A canoa foi parando pelo caminho e, a cada parada, os ancestrais tukano adquiriam poderes e conhecimentos que até hoje fazem parte da herança cultural das etnias dessa família linguística.
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Durante a pesquisa, não foram encontrados dados absolutos sobre a expectativa de vida do povo indígena no Brasil, mas pode-se destacar a mortalidade infantil (4x maior) e as dificuldades de acesso a saúde – que influencia diretamente na expectativa de vida. No artigo “Características sociodemográficas de indígenas nos censos brasileiros de 2000 e 2010: uma abordagem comparativa” de João Luiz Bastos, aponta que a principal mudança se referiu a um sutil envelhecimento da estrutura etária, principalmente na situação urbana. Cabe destacar que as populações localizadas em áreas rurais apresentaram perfil etário mais jovem, se comparadas com aquelas de situação urbana; enquanto cerca de 13% dos indígenas da situação urbana apresentaram idades entre 0-9 anos em 2000 e 2010, mais de 30% deles pertenceram ao mesmo grupo etário na situação rural. O mesmo artigo aponta expressivo crescimento da população indígena entre 1991 e 2000 tem sido atribuído a um cenário mais amplo de (re)emergência de etnicidades indígenas em um contexto de valorização e reconhecimento da sociodiversidade presente no país no período seguinte à promulgação da Constituição Federal de 1988.
ENTREVISTA EXCLUSIVA COM MARINA MARCELA HERRERO Bacharel em Dança pela Escuela de Danza y Estudios Coreográficos de Bahia Blanca, Pesquisadora e indigenista, já foi assessora da Secretaria Estadual de Cultura de São Paulo, hoje é assessora do SESC-SP. Qual a média da expectativa de vida da população indígena hoje no Brasil? Não tem uma unidade na questão indígena, é muito variado. Mas há algumas referências: se ele não morrer de acidente ou nos primeiros anos de vida ou por alguma intercorrência, eles vivem muito. Os motivos de morte que fazem cair muito a expectativa de vida são por conta de acidentes que acontecem com o povo que mora na floresta (picada de cobra, ataque de bicho etc). Um fator que ajuda a manter os idosos autônomos por mais tempo é que índio não ajuda se você não pedir, é assim com criança também. Eles deixam livres e eles aprendem os limites, sozinhos. Sem contar que a saúde deles é muito melhor que a nossa – não tem contato com agrotóxico, poluição, lixo contaminante etc. O alimento não é industrializado, sem conservante, sem veneno, sem corante. E a medicina da floresta é incrível. Só pode ir ao médico se for para tratar de algo trazido pelos não-índios. Lembrando que não se pode generalizar. No Brasil temos mais de 200 etnias, estou falando aqui sobre a minha pesquisa. Mas tem realidades muito diferentes. Há uma valorização dos idosos pela população indígena? A população indígena não pode ser considerada como um grupo homogêno, dife-
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rentes grupos têm diferentes maneiras de lidar com o processo de envelhecimento. Um traço comum, entretanto, é que os idosos sejam considerados como detentores de um saber que deve ser respeitado e passado aos mais novos. Porém, o contato frequente com a população não indígena e com nossa cultura, modo de vida e produção tem levado a uma mudança nas relações entre os indígenas, com impacto crescente na falta de valorização dos saberes tradicionais de modo geral e dos idosos de modo específico. No entanto, interessante notar que, na velhice, eles são mais felizes. Chegar na velhice é sinal de sucesso. A época mais difícil é quando eles tem que aprender, que é um momento de muita exigência. Se não consegue aprender a fazer uma canoa, por exemplo, a dificuldade que terá para viver será grande. E depois que aprendeu tudo, sobreviveu e formou uma família, eles tendem a ser mais felizes. Mesmo no fim da vida, mesmo tendo perdido um filho, por exemplo. Porque a morte, para eles, é mais natural. As relações são intergeracionais? Sim, os idosos são super ouvidos, as crianças vão todas ouvir as histórias deles. São culturas orais (claro que agora parte está estudando) mas enquanto moram na aldeia os acessos são mais restritos (não tem energia elétrica). Os idosos são portadores da cultura que será transmitida na oralidade. Se tem que tomar alguma decisão importante, eles são consultados. De modo geral, entre eles, há muito respeito, não tem nenhum tipo de violência contra o idoso, nem contra a criança. Você teria a indicação de alguma comunidade que seria interessante abordar no documentário? O local onde fiz minha pesquisa é muito interessante. É uma comunidade onde tem vários idosos, inclusive com mais de 100 anos e grande parte autônomos – que vão no rio, não pescam mais, não remam, mas tomam banho sozinhos. Localizada no Amapá no limite com a Guiana Francesa, no Rio Paru D’este, nas terras indígenas dos Wayana y Aparai, parque do Tumucumaque. Tem várias aldeias, uma delas é a Aldeia Bona. Uma idosa muito interessante é a avó do Kutanã, uma liderança muito forte (um dos presidentes da associação wayana-aparai). Quando fui ela tinha 102 anos.
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MANIFESTO DOS POVOS E LIDERANÇAS INDÍGENAS DO BRASIL: MAIS PAJÉS, MENOS INTOLERÂNCIA Mais pajés, mais Céu, mais espíritos, mais floresta, mais vida. Menos ódio. Menos intolerância. Menos racismo. Precisamos superar a impossibilidade de conviver em igualdade nas nossas diferenças, e passar a partilhar o mundo com outros seres vivos, outros viventes, viver e se olhar e se reconhecer no olhar do outro, com reciprocidade, com respeito aos humanos e respeito também aos não-humanos, uns ao lado dos outros, vivendo juntos em nossas diferenças. Existe apenas um planeta, e todos podemos viver nele, livres do peso do racismo e do sexismo. Existem muitos mundos que convivem nas diferentes formas de habitar este planeta. Durante muitos séculos, os pajés equilibram a vida na Terra. Com seus cantos, rezas, curas e sabedoria, massageiam o Planeta proferindo lindas palavras, as mais belas palavras sagradas. São médicas e médicos, rezadoras e rezadores, curandeiras e curandeiros, sabedores do mundo, com suas próprias ciências e sua filosofia. Em nome de um deus, homens missionários agrediram nos últimos séculos muitas outras formas de vida. Se nos anos 1970 a própria Igreja admitiu sua violência catequista, esse processo não arrefeceu. Assistimos hoje ao crescimento de novas cruzadas de intolerância, sobretudo de missões protestantes. Se aliam com os inimigos dos povos indígenas para deles extraírem suas almas. O etnocídio que visa esvaziar todos os corpos de suas espiritualidades. O genocídio matou os povos em seus corpos físicos e o etnocídio em seu espírito, sua essência, sua forma de viver, que é a sua cultura. Alguns leem na Bíblia a mensagem para invadir o mundo inteiro para forçadamente pregar o evangelho para todas as criaturas, entendendo que quem não se converter irá arder no inferno que essa própria religião inventou. Essa corrida colonial provoca ainda hoje, talvez como nunca antes, uma disputa por almas que esconde poder, dinheiro, controle de territórios, mercados de almas. Hoje atravessamos muitas crises, ecológica, econômica, política, a nossa frágil democracia foi atacada e os territórios indígenas estão sendo invadidos e saqueados. Junto com o ferro e o fogo, vem a conversão racista. Trocam as rezas pela bíblia e as medicinas por aspirinas. Epidemias de depressão provocam os maiores índices de suicídio do mundo manchando de sangue as lindas florestas do Brasil. Os espíritos da floresta estão bravos, pedindo socorro, pois cada árvore derrubada, cada rio contaminado, faz com que desapareçam. Assim disse um sábio pajé, a floresta é um portal cristalino, e todos nós humanos precisamos dela. Se acabar a floresta, também acabará nosso espírito. Os pajés precisam existir, e para existir, precisam ser respeitados. Antes que seja tarde demais, que o mundo esteja esvaziado de espiritualidade e o Céu caia sobre nossas cabeças! Basta de etnocídio! Mais pajés! Menos intolerâncias!
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A BENÇÃO AOS MAIS VELHOS: PODER E SENIORIDADE NOS TERREIROS DO CANDOMBLÉ Lá, no Gantois, morava uma senhora de porte realmente majestoso, a quem nós, garotos, de acordo com as regras de boa educação, tomávamos a “bênção”, tanto ela estivesse na categoria dos “mais velhos”. Cid Teixeira Rodney William Eugênio ou Pai Rodney de Oxóssi - antropólogo e professor. Graduou-se em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC SP - em 1997, instituição na qual também recebeu o título de Mestre em Gerontologia e onde atualmente cursa o Doutorado em Ciências Sociais com ênfase em Antropologia. Há mais de 20 anos, Pai Rodney de Oxóssi atua como pesquisador nas áreas de relações raciais e religiões de matrizes africanas. A visão de mundo africana é preservada nos terreiros, revelando as especificidades deste povo, desta cultura, um patrimônio convencionalmente transmitido pela oralidade. Sendo assim, os velhos são os grandes responsáveis pelo conhecimento. Os velhos ensinam e os mais novos aprendem. No Camdomblé, entre as categorias específicas de hierarquia e poder, a dos “mais velhos” é, sem sombra de dúvidas, a de maior prestígio, afinal, trata-se de uma religião calcada nos princípios de senioridade e ancestralidade, na qual a idade, como fator preponderante na aquisição de conhecimento, torna-se sinônimo de autoridade e força. No dizer dos Candomblés tradicionais “idade é posto”. Sendo assim, o lugar ocupado por alguém na hierarquia dos terreiros, isto é, o seu cargo, pode variar em seu grau de dignidade conforme a idade do postulante, o que, na prática, significa que quanto mais velho, mais alta e prestigiada a função de uma sacerdotisa ou sacerdote. Esta idade, no entanto, não está relacionada apenas ao tempo cronológico, apesar de tratar-se de um importante indicador a ser considerado na compreensão da velhice. O Candomblé é uma religião iniciática. Logo, o dito tradicional também se refere ao tempo de iniciação, inferindo que todo o aprendizado adquirido ao longo dos anos, bem como a memória, as vivências e todos os saberes transmitidos pelos “mais velhos” são determinantes na construção da autoridade e na manutenção do poder. O “grau” de senioridade ocorre formalmente quando um omô-Orixá (omô = filho / orixá = divindade) completa 50 anos de iniciação. Valorizar a experiência e o conhecimento dos mais velhos é algo comum em diversas culturas, mas no Candomblé idade é ainda sinônimo de saber. Portanto, numa religião de transmissão oral, com fundamentos que remontam a um passado longínquo e com rituais tão particulares, se idade e saber não caminharem juntos não há poder que se estabeleça. Nas palavras de Michel Foucault, “não é possível que o poder se exerça sem saber, não é possível que o saber não engendre poder” e, como estamos diante de um segmento social em que existem relações de poder vinculadas a um saber, cabe observar em que medida a categoria dos “mais velhos” se insere nessa lógica.
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Infere-se, pois, que, nos terreiros de Candomblé, “saber é posto” e entender a categoria dos “mais velhos” nesta religião e, sobretudo, de que forma estão imbricados idade, senioridade, poder e saber, é uma tarefa complexa – inclusive, por se tratar de uma religião repleta de mistérios. Nos terreiros de Candomblé, alguns sinais da idade são propositalmente exacerbados como forma de legitimar o poder do sacerdote. No Candomblé, o envelhecimento é sempre um ideal a ser atingido. Até mesmo determinados elementos, como improdutividade, declínio físico e morte iminente, que constituem o modelo (negativo) de velhice socialmente sugerido, nos terreiros passam a ser valorizados à medida que aproximam os “mais velhos” da ancestralidade – princípio sagrado e fonte de poder nesta religião. Vai na contramão do senso comum no qual o velho é sempre o outro, no qual os demais não se reconhecem, e as perdas, tidas como naturais na velhice, não são destacadas Cada sociedade ou grupo constrói eu mundo a partir de determinados parâmetros; portanto, o significado de ser velho nos terreiros de Candomblé é muito diferente daquele vigente no imaginário da grande maioria das pessoas. As ideias de perda e degradação física e social não têm, nesse caso, nenhum valor. Sendo assim, nessa religião as características da velhice e do envelhecimento podem ser um modelo de vivência integrada e valorizada, atribuindo àqueles que chegaram à categoria dos “mais velhos” um status privilegiado que deveria servir de exemplo à sociedade brasileira como um todo.
RELATO DE EXPERIÊNCIA: INTERAÇÃO DO IDOSO NA ESCOLA DE SAMBA Por Alessandra Márcia Castro Soares, Juliano Xavier Rodrigues, Patrícia de Oliveira Maximo e Claudia Lysia de Oliveira Araújo Publicado na Revista Kairós Gerontologia O carnaval é considerado a mais legítima de todas as manifestações de liberdade e sexualidade, de explosão incontida de cantos, risos, gritos e alegria, reunindo as pessoas nas ruas, praças e clubes de qualquer cidade, com características regionais próprias, mas que quase sempre inclui folia, diversão, dança, música, fantasias etc. É considerada a maior festa do Brasil, acontecendo pelo menos durante quatro dias, enquanto que, em certas regiões, prolonga-se por muito mais dias. Para a continuidade da tradicional festa brasileira, o carnaval, é extremamente necessária e importante a existência da chamada velha guarda, à qual se filiam os mais antigos participantes de uma escola de samba. É sob esse rótulo que se agregam novos amantes do carnaval tributários a uma tradição passada de geração a geração. Assim, o carnaval estende suas raízes, e todos os componentes vão-se dando conta, cada vez de forma mais marcante, do verdadeiro sentido do carnaval brasileiro. Justamente por tudo isso, tais senhores e senhoras, que constituem as alas da velha guarda, são também responsáveis pela confecção de alegorias, sendo considerados os verdadeiros valores humanos das escolas de samba. De forma tal, que eles se tornam donos do pavilhão da escola. A beleza deles concentrada em seus belos cabelos brancos, a que se aliam o charme, a experiência e a sabedoria de seus portadores, tudo isso acaba se tornando objeto de referência em muitos sambas. Não sem razão os versos do consagrado autor carnavalesco Adoniran
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Barbosa, “embaixo dessa cinza ainda tem muita brasa pra queimar”. De acordo com a referida pesquisa que, em campo, entrevistou idosos que fazem parte da comunidade, quando questionados, o que mudou em sua vida com o início de suas atividades realizadas dentro da escola de samba, as respostas foram: “muito prazer de viver e ser útil”, “me deixa muito feliz, ao todo novas amizades a cada ano e vendo pessoas novas chegando cada vez mais”, “no começo não percebemos, mas com o tempo é que vemos como muda nossa vida não tínhamos hora de sair e sim hora para entrar”, “tenho perspectiva de vida”, “lazer inspiração e satisfação”, “na minha vida mudou tudo, era cheia de problemas de saúde, vivia em hospitais e uma amiga já frequentava, foi quando ela me convidou para ir acompanhá-la, me apaixonei logo no primeiro instante assim que cheguei à alegria, a felicidade, a harmonia é contagiante. Logo passei a fazer parte das atividades realizadas na escola, sem perceber estava tão influenciada com toda a magia, energia tudo que percebi que minha saúde melhorou cem por cento. Comecei a participar de grupos de terceira idade e hoje sou feliz, coisa que já havia muito tempo que não era. O carnaval mudou completamente a minha vida.” Em relação ao sentimento em fazer parte da escola de samba, as respostas obtidas foram: “Felicidade, realização em minha vida particular”, “me sinto parte importante, pois nos empenhamos muito para sair tudo certinho”, “feliz grata pelo amor que os componentes têm pela velha guarda”, “uma higiene mental a pessoa esquece o estresse e ajuda na cultura carnaval”, “realizado e muito feliz”, “feliz a alegria me contagia”. Interessante notar que nesse tipo de evento há a oportunidade de aproximação com os mais jovens, um fator importante na relação intergeracional, e por ser um acontecimento semanal, é propício ao início de novas amizades entre os idosos, fato tão importante para espantar a solidão de que se queixam os idosos muitas vezes. Quando questionados sobre a indicação de outras pessoas idosas a participarem de atividades relacionadas ao carnaval: “sim, pois é uma ótima atividade para o lazer satisfação, novas amizades e que é mais importante, valorizar mais a vida”, “indicaria os outros idosos, pois, foi assim que mudei completamente minha vida”, “sim sair na velha guarda e esquece-se dos problemas, mais saúde na vida e esquecer-se de remédios”, “sim, para manter essa cultura maravilhosa”, “sim todos devem participar, pois é um momento de alegria único”, “sim o foco é viver melhor, participar do carnaval juntamente com amigos com muito prazer e alegria”, “sim, projeto de cultura nunca deve acabar, mesmo na idade de idoso, pois é uma terapia para a alma o samba nos traz a vida”.” Não deixe o samba morrer não deixe o samba acabar, venha curtir a velha guarda sou feliz e todos os outros anos da minha vida”. Os idosos, ao se envolverem com a Escola de Samba, promovem a integração com outras pessoas, sendo com os da mesma idade ou com os mais jovens; sentem-se estimulados a participarem de eventos em grupo; atividade esta que aumenta o sentimento de “utilidade”, bem-estar, autoestima, estimula a alegria e a vontade de viver cada vez mais, proporcionando a renovação da sociabilidade, reforçando os vínculos familiares e de amizade. Por ser a Escola de Samba uma atividade grupal, exerce sobre os idosos um processo de crescimento, levando-os a desenvolver um sentimento de crescimento interior. Podemos dizer que interagir é um ato criativo, um impulso para uma constante transformação. Pode-se observar nas citações a receptividade e a energia do ambiente. O indivíduo, aos poucos, é conduzido a focar sua atenção numa vivência agradável. Sem perceber, altera seu
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pensamento e sua energia e começa a se direcionar de modo novo, promovendo emoções positivas e também uma melhoria na disposição física. Quanto à relação da motivação e a satisfação proveniente da interação do idoso dentro da escola de samba, pode-se notar ainda, que ambos os sentimentos trazem em sua essência um grande teor afetivo. Isso pode propiciar maior comunhão entre as pessoas, colaborando visivelmente para mudanças significativas dos indivíduos participantes, inclusive, no próprio modo de encararem a vida e os relacionamentos interpessoais. Fica clara, em suas narrativas, a abertura para uma perspectiva de vida melhor, promovendo a renovação existencial desses idosos.
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A IMPORTÂNCIA DO CONTATO INTERGERACIONAL Neste capítulo descobrimos que até o advento da sociedade moderna não havia na civilização européia uma noção de geração. Ao longo da história podemos ter perdido o que hoje os estudiosos defendem ser um dos pilares para uma longevidade mais feliz, o contato intergeracional. Na entrevista exclusiva que fizemos com D. Maria Vilani, líder comunitária do Grajaú, ela conta que seu sonho para o idoso seria um lugar onde os velhos e as crianças convivessem. Encontramos muitos exemplos de propostas bem sucedidas mundo afora, mas e aqui? No Brasil, demos pequenos passos em direção à intergeracionalidade em espaços sociais, estamos caminhando lentamente. A descoberta mais interessante relacionada a esse tema foi perceber que quando falamos de propostas de contato intergeracional, não estamos nos referindo apenas a projetos que beneficiam os idosos, mas a uma sociedade como um todo. Os ganhos dessas relações são imensuráveis.
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O Tempo Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um individuo genial. Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão. Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui para diante tudo vai ser diferente. Para você, desejo o sonho realizado, o amor esperado, a esperança renovada. Para você, desejo todas as cores desta vida, todas as alegrias que puder sorrir, todas as músicas que puder emocionar. Para você, neste novo ano, desejo que os amigos sejam mais cúmplices, que sua família seja mais unida, que sua vida seja mais bem vivida. Gostaria de lhe desejar tantas coisas… Mas nada seria suficiente… Então desejo apenas que você tenha muitos desejos, desejos grandes. E que eles possam mover você a cada minuto ao rumo da sua felicidade. Carlos Drummond de Andrade
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ANÁLISE DO LIVRO “COMO ENVELHECER BEM” Mariza Tavares - Jornalista, mestre em comunicação pela UFRJ e professora da PUC-RIO Se eu tivesse que indicar um livro de “iniciação” a quem pretende transformar seus dias de maturidade numa fase ativa e prazerosa, meu voto iria para “Como envelhecer”. Escrito pela jornalista e socióloga Anne Karpf, a obra faz parte da coleção “The School of Life” (“A escola da vida”), que se dedica a refletir sobre questões fundamentais para o ser humano. Ela usa como fio condutor a personagem Gina, que acaba de completar 30 anos e se angustia ao descobrir o segundo fio branco em seus cabelos. Seus pais, na faixa entre 55 e 65 anos, comportam-se como se tivessem 15 a menos – e a filha também tem pavor da velhice. A partir daí, a autora vai apresentar o envelhecimento como um processo que dura a vida toda, já que começa no momento em que nascemos. Não é algo confinado aos seus estágios mais avançados e, principalmente, trata-se de mais uma oportunidade para a gente se desenvolver. A propósito, em hebraico, a palavra guil significa tanto alegria quanto idade. Anne ensina que temos que nos livrar do chamado “modelo deficitário” do envelhecimento, como se ele só trouxesse perdas. Para começar, o cérebro é mais elástico do que se acreditava e, se a memória de curto prazo pode diminuir, as conexões entre as informações que retemos são melhores. E lembra: Winston Churchill se tornou primeiro-ministro aos 66, Verdi compôs “Otello” aos 72 e Sófocles escreveu “Édipo Rei” com 68. Um dos meus trechos preferidos é quando ela dá nova moldura a uma frase recorrente de idosos: “Não me sinto velha, ainda me sinto como se tivesse 18 anos por dentro”. Na verdade, temos todos os nossos tempos dentro de nós ou, como diz a autora: “as idades anteriores não são estripadas pela idade, e sim cobertas umas pelas outras, como anéis no tronco de uma árvore”. Ao assumir o envelhecimento, abraçamos o processo da vida em si, com suas dores, alegrias e dificuldades. Anne escreve que as pessoas que envelhecem melhor são aquelas capazes de se livrar das ideias a que se apegaram quando veem que não são mais adequadas: “Todos sabemos que desapegar-se de velhas narrativas pode ser extremamente doloroso”. Quando nos depararmos com uma pessoa mais velha, devemos imaginá-la como o nosso futuro. “Em vez de nos horrorizarmos com suas rugas e enfermidades”, propõe Anne, “devemos aplaudir sua resiliência. Precisamos reumanizar as pessoas mais velhas, atribuir a elas o mesmo mundo interior rico e cheio de paixões que presumimos existir dentro dos mais jovens e em nós mesmos”. Por isso o contato entre gerações é tão importante: segundo o gerontólogo Bill Bytheway, há uma conexão direta entre segregação por idade e preconceito contra os mais velhos. O livro é dividido em seções que tratam do medo de envelhecer, da importância de abraçar a idade que se tem e até o que a autora chamou de “Um capítulo bem curto sobre a morte”. Curto mesmo, tem menos de dez páginas, mas uma das melhores frases da obra, retirada de “Memento mori”, da escritora Muriel Spark: “A morte, quando se aproxima, não deve pegar a pessoa de surpresa. Deve fazer parte do que esperamos da vida. Sem um senso de morte sempre presente, a vida é insípida”.
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CULTURA INTERGERACIONAL Trechos da tese de José Carlos Ferrigno - Doutor em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo. Especialista em Gerontologia pelo Instituto Sedes Sapientiae, pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia e pela Universidade de Barcelona. Especialista em Gestão de Programas Intergeracionais pela Universidade de Granada. Ex-assessor e pesquisador da Gerência de Estudos e Programas da Terceira Idade do SESC São Paulo. Ex-editor do periódico A Terceira Idade. Ex-coordenador do Programa Intergeracional “SESC Gerações”. “Eu tenho todas as idades dentro de mim, a da menina, a da moça e a da velha”. Cora Coralina, poeta de Goiás Velho Embora muitos detalhes da convivência entre grupos etários nas sociedades do passado tenham se perdido ao longo dos séculos, há grande variação de comportamentos na interação entre velhos e jovens de uma cultura para outra. Pesquisadores como Philippe Ariès, nos revelam como era diferente a posição social da criança, assim como a configuração das relações familiares na sociedade medieval e no início da modernidade. Até o advento da sociedade moderna não havia na civilização européia uma noção de geração, tal como a temos hoje. A segregação geracional em espaços sociais exclusivos não era conhecida. Crianças e adultos se misturavam nas atividades cotidianas. Ariès nos revela que até o século XVIII as fases da infância e da adolescência se confundiam. É importante observar, todavia, que a variação nos padrões do relacionamento intergeracional não é um fenômeno que se dá somente ao longo da história. Habitamos um planeta no qual as condições da vida humana são muito diversificadas, apesar da recente globalização econômica e cultural. Hoje, se traçarmos um panorama geográfico do relacionamento intergeracional, veremos que ele assume formas distintas nas cidades grandes, nas cidades pequenas ou no meio rural. Diferentemente do anonimato que caracteriza as metrópoles, nas cidades menores as relações são facilitadas porque muitos jovens e velhos já se conhecem de outros lugares ou, às vezes, têm algum grau de parentesco, ou, ainda, porque os jovens são filhos de amigos do idoso. À desfiguração do espaço urbano, e com ele das relações humanas, resultado, entre tantas outras causas, do crescimento exagerado das cidades, Simone Weil identifica outros fatores que geram um fenômeno de alienação social que chamou de desenraizamento. Para a autora, o desenraizamento significa a quebra das raízes culturais que promovem no indivíduo a sensação de pertencimento a uma comunidade. Movimentos migratórios, desemprego e opressão cultural, por desrespeito direto às tradições, e impedimento ao acesso a novos conhecimentos, alienam o sujeito de seus vínculos com as coisas e com as pessoas que fizeram parte de sua história. A interação entre um jovem e um velho pode promover o enraizamento de ambos. Pelas narrativas dos mais idosos de uma comunidade os jovens podem conhecer mais profundamente sua história e a história de sua gente e, assim, realizarem escolhas mais conscientes para sua vida futura. Para os velhos, esse contato os faz se sentirem mais vivos
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e presentes na família e na sociedade. Os movimentos sociais dos anos 60 deflagraram importantes mudanças de valores e comportamentos, inclusive na indumentária das gerações. O exemplo relativo ao modo de vestir é aqui utilizado porque as roupas das pessoas têm nos informado sobre uma progressiva indiferenciação das idades e dos gêneros. Não somente homens e mulheres atualmente se vestem de modo parecido, mas também jovens e velhos. É claro que, acompanhando a indiferenciação das roupas, há uma aproximação de valores e comportamentos. Curiosa situação essa que vivemos, na qual os mais velhos querem parecer mais jovens, enquanto que crianças e adolescentes se esforçam para obterem um visual de pessoas mais velhas. As meninas, muitas vezes, equivocadamente estimuladas por suas próprias famílias e pela mídia, se vestem como mulheres em miniatura, num processo de precoce erotização de comportamento. As fronteiras demarcatórias das fases do ciclo vital são mais tênues. O discurso das ciências da saúde e de setores empresariais que incentivam os velhos a adotarem um estilo de vida parecido com o dos jovens. Como consequência, constatamos que aquela figura provecta, sisuda e contida de um “velho de 50 anos” presente no imaginário popular em décadas passadas, contrasta com a representação e mesmo com o comportamento dos idosos do século XXI que voam de asa delta e praticam outros esportes radicais. É bem verdade, no entanto, que grande parte dos velhos tem uma vida bem mais comedida, e, muitas vezes, dificultada por doença, pobreza e solidão, há novas imagens de velhice circulando e criando uma nova mentalidade. Para vários autores, estaríamos vivenciando um momento de “apagamento dos comportamentos tidos como adequados às diferentes categorias de idade”, “uma descronologização da vida”, “um embaçamento das gerações”. Nestes novos tempos é possível criar ou experimentar novas sexualidades e identidades etárias tanto na vida real como no mundo virtual. Bauman ao analisar as transformações da identidade social, usa a expressão “liquidez das coisas”, quando comenta a volatilidade de valores, atitudes e comportamentos na chamada pós-modernidade. Estará, então, havendo algo semelhante com a identidade etária, uma “confusão das idades”, reflexo das múltiplas oportunidades de escolha de estilos de vida? Possivelmente, a reaproximação das gerações passe pela redefinição das identidades etárias, sendo, realmente causa e conseqüência dessa ampla transformação de valores, atitudes e comportamentos. O que se espera é que o resultado desse processo favoreça o desenvolvimento do respeito e da solidariedade entre pessoas de todas as idades. A proliferação de projetos intergeracionais nas áreas do lazer, da cultura e do voluntariado, pode corresponder a uma tendência crescente de aproximação (ou de reaproximação, se quisermos, considerando o modus vivendi do passado) entre as gerações. Tais iniciativas se baseiam na riqueza das trocas afetivas e de experiências entre jovens e idosos. Essas experiências de aproximação entre mais jovens e mais velhos, ou seja, entre gerações diferentes, têm apontado um caminho interessante para o arrefecimento do preconceito etário. É possível que visões reciprocamente estereotipadas, possam se dissipar através do convívio.
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E essa preparação deve começar desde cedo, na convivência com os avós e outros velhos. A preparação para velhice, implica uma convivência desde tenra idade com os velhos.
ENTREVISTA COM MARIANO SÁNCHEZ MARTINEZ Cadernos de Cidadania SESC A convivência entre diferentes gerações sempre existiu. “A evolução, é que hoje em dia temos ferramentas para entender o que isso significa”, explica Mariano Sánchez Martinez, professor de sociologia da Universidade de Granada, e integrante de grupos de estudos sobre o assunto. É possível definir o que significa o termo intergeracionalidade? Quando você morde uma maçã, o que aquele gosto significa? Estamos falando de algo que é pessoal, que não conseguimos descrever. Poderia ser definido como qualquer relação em que diferentes gerações estão envolvidas, mas isso é muito pequeno se comparado à experiência em si. Outra dificuldade enfrentada nessa busca pela definição é que muitos conceitos são oferecidos, e a maior parte deles é focado na troca, interação, ajuda mútua, comunicação, diálogo, aprendizado. Tudo isso são tipos de relações. Ainda que eu não consiga te dar uma definição exata, o ponto-chave, para mim, não deve tratar apenas do contato, e sim de estabelecer ações com as quais as pessoas estejam envolvidas para compreender a si mesmas, sentir que estão conectadas ao mundo e que podem aprender. Ter essa identidade não é individual, é sempre coletivo. Quando a preocupação com essas relações se tornou mais presente? Todos nascemos, é claro, por conta de uma geração anterior. Desde o início, um adulto cuidou do recém-nascido, e aí já existe a relação entre gerações. É até paradoxal, porque apesar de ser algo natural, muitas vezes não enxergamos, não percebemos, essa convivência intergeracional. Não sei precisar quando começamos a nos preocupar mais, talvez na década de 1960, sobretudo na América do Norte, as pessoas começaram a se organizar e aproveitar esse processo de convivência. Foi o tempo em que identificamos este campo, mas as relações sempre estiveram aí. É verdade que se vivemos mais, como hoje, existe a probabilidade de cada indivíduo interagir com três ou quatro gerações ao mesmo tempo. Pela primeira vez na história humana isso está acontecendo, e é um fator importante para entender porque apenas recentemente temos consciência do assunto. Como se deu a transformação da prática com o passar dos anos? Inicialmente, as pessoas que faziam os projetos queriam oportunidades para as gerações estarem no mesmo espaço, era apenas isso. Depois, o próximo passo era o “fazer” qualquer coisa juntos, e não apenas conviver; tornou-se necessário aproveitar, conhecer, ir mais a fundo no encontro. As gerações que participaram desse processo, então, começaram a se perguntar o que fazer para beneficiar as duas partes, e houve um passo importante no sentido de desenvolver isso comunitariamente. Ou seja, pensar o espaço público. Quais são
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os lugares mais apropriados para as atividades em conjunto? Atualmente, muitos países já agem assim. Um exemplo são as casas de repouso para terceira idade, que muitas vezes têm sido colocadas próximas a escolas, creches, tudo na intenção de dividir o espaço de forma harmônica. Qual papel o Estado pode exercer para facilitar a intergeracionalidade? Para ser honesto, acho que estamos falando de algo que deveria ser administrado primordialmente pelos cidadãos, e não pelo governo. Na Europa, anos atrás, perguntamos para as pessoas sobre o que o governo deveria fazer. Nas respostas, percebemos que ele não é responsável por promover relações entre pessoas. O Estado pode dar recursos, organizar iniciativas em espaços públicos, cuidar da legislação, tudo para orientar o comportamento. Mas é principalmente um comprometimento civil, não é questão política, é da própria sociedade. Existem diferenças muito gritantes entre a Europa e países de envelhecimento recente, como o Brasil? Primeiro, devo dizer que estive no Brasil poucas vezes, e portanto, meu conhecimento sobre o tema por aí ainda é limitado. A questão é que na Europa isso realmente existe faz mais tempo, embora haja conexões e similaridades com a América Latina. Acho também que diz respeito à diversidade... sinto que os brasileiros são mais familiarizados com as diferenças, facilitando esse processo de abertura entre gerações diferentes. Quando falamos de trabalhos interculturais e intergeracionais, as duas expressões se encontram no princípio do “inter”, da troca. Se existem iniciativas para o intercâmbio cultural, é bem possível atingir a excelência no intercâmbio geracional. É sempre complicado implementar ideias novas, mas acho que no Brasil vocês estão em boas condições de inovar. Onde estão os maiores conflitos nesse processo? Em primeiro lugar, estamos cometendo um grande erro em separar as relações intergeracionais entre o espaço familiar e o espaço comunitário. É um obstáculo a que devemos prestar atenção, porque isso precisa estar ligado. Outro problema: o crescimento do capitalismo e a mercantilização do estilo de vida é um grande desafio. Há muita atenção voltada à produtividade, e não tanta às conexões humanas. Sobretudo na Europa, o discurso de que é preciso produzir e fazer contribuições positivas em tempos de crise vai contra a ideia de conectar as pessoas e dar tempo aos relacionamentos. Por fim, é cada vez mais comum perceber que os cidadãos estão mais velhos, mas esquecemos das novas gerações, que precisam estar aptas a viver em uma sociedade de jovens e idosos. Ambos precisam de preparação. Quais são as maiores conquistas atingidas até o momento? Acima de tudo, os assuntos relacionados às relações entre diferentes gerações ganhou visibilidade. Está, inclusive, na agenda política, possibilitando que todos ouçam mais e mais sobre o tema. Além disso, em quatro décadas de discussão sobre o tema, foi possível acumular bastante conhecimento, com pesquisas e iniciativas práticas que contribuem para a evolução da integração. Apesar de não ser um campo tão sólido, ele existe, e tem sido estudado, pesquisado, há expertise para desenvolver isso ainda mais. Hoje em dia, diversas
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organizações vêm fazendo o possível para estabelecer contato e trocar ideias com outros países, ter ligação. Finalmente, o mais importante é perceber a chance de lutar contra a discriminação por meio de ações e projetos do gênero. Há visibilidade e recursos para isso.
TOGETHER OLD AND YOUNG - TOY O objetivo do Programa TOY é promover a aprendizagem intergeracional e criar novas possibilidades para idosos e crianças pequenas aprenderem juntos e se beneficiarem da companhia uns dos outros. As pessoas estão vivendo mais, mas os idosos e as crianças pequenas estão cada vez menos em contato umas com as outras. Segundo TOY, pais e netos estão migrando para cidades e países distantes dos avós e às vezes é difícil manter contato. Apontam também que a falta de convívio entre idosos e crianças se dá muitas vezes pelo fato dos idosos viverem isolados (em casas especializadas) onde raramente veem crianças. O Programa TOY teve origem num projeto financiado pela União Europeia, realizado em sete países: Irlanda, Itália, Eslovénia, Espanha, Países Baixos, Polónia e Portugal. O projeto reuniu as duas extremidades do espectro da aprendizagem ao longo da vida - educação infantil e atividades para idosos. Em colaboração com universidades, ONGs e municípios, foram realizadas pesquisadas, documentação e apoio a iniciativas de aprendizado envolvendo crianças e idosos na Europa. Em números, foram: 589 crianças, 163 idosos e 101 facilitadores envolvidos. Temas abordados: 35% foram natureza, já artes, cultura e criatividade, 65%. Exemplos de algumas iniciativas: Na Itália, entre maio e junho de 2014, crianças entre dois e três anos de idade e cinco pessoas idosas (com mais de 80 anos) partilharam tempo e conhecimento. Com a facilitação de dois profissionais, os grupos participaram de atividades como jardinagem, culinária, pintura, ginástica e jogos. Ainda na Itália, outra iniciativa, promovida por uma organização de educação ambiental, juntou crianças entre oito e nove anos e 12 de seus avós para conscientizar sobre estilos de vida mais saudáveis. Na Holanda, uma escola primária e uma casa de idosos se encontraram com o objetivo de desenvolver um projeto coletivo de arte. Na Polônia, escolas primárias colaboraram com a biblioteca local na implementação de atividades relacionadas a artesanato e jogos tradicionais, envolvendo crianças entre quatro e nove anos e idosos da comunidade. O projeto TOY demonstrou benefícios claros na intergeracionalidade para crianças pequenas e idosos, bem como para as comunidades em geral. Dentre eles: compreensão mútua, aumento do bem-estar, diminuição da solidão, satisfação de compartilhar conhecimento e experiência com crianças e maior coesão social. Atualmente, o TOY visa estender esses benefícios a mais crianças e idosos em mais comunidades e em mais países. Sendo assim, atua em diferentes frentes:
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- TOY-PLUS: Criar oportunidades de treinamento e compartilhando de conhecimento, por meio de publicações e cursos, sobre os princípios e práticas de aprendizado intergeracional para garantir a implementação de experiências intergeracionais significativas e de qualidade entre crianças pequenas e idosos. - TOY for Inclusion: Em resposta ao aumento da segregação dos ciganos na Europa, visa melhorar a experiência de transição das crianças ciganas para as escolas, através da criação de Centros Comunitários de Educação e Cuidados na Infância (ECEC) envolvendo crianças pequenas (ciganos e não ciganos), as suas famílias e idosos, dando atenção à integração social e ao diálogo intercultural e intergeracional. Este projeto é co-financiado pela União Europeia e pelas Open Society Foundations.
JOVENS EM COMUNIDADES DE IDOSOS É SONHAR DEMAIS? Mariza Tavares - Jornalista, mestre em comunicação pela UFRJ e professora da PUC-RIO No Brasil, ficamos de cabelos arrepiados ao ouvir o termo asilo, que remete à imagem de um depósito de velhos. Já a expressão neutra, ou politicamente correta, é impessoal: instituição de longa permanência para idosos (ILPI no jargão dos que lidam com a questão). Prefiro comunidade de idosos, mas com uma missão: de que este seja um lugar estimulante e de convivência prazerosa. Uma fantasia? Algumas iniciativas bem sucedidas mostram que não. Em Cleveland, nos EUA, uma instituição dessas – que lá são chamadas de continuing care retirement community, ou seja, focando nos cuidados contínuos, e não na longa permanência – oferece vagas para alunos do Cleveland Institute of Music. Os estudantes não pagam aluguel e, em troca, são voluntários em eventos e regularmente fazem apresentação para os internos. Verdade que os idosos que vivem na Judson Manor, onde antes funcionava um hotel, têm um padrão de vida muito mais elevado que seus pares brasileiros. Há apartamentos para os moradores que conservam sua independência e que podem inclusive cozinhar, além de opções para quem precisa de atenção especial. Mas por que não podemos replicar a experiência aqui? Na cidade de Deventer, a duas horas de Amsterdã, a Humanitas tem 160 idosos e hospeda seis universitários. Os estudantes também não pagam aluguel e, em troca, dedicam 30 horas por mês aos internos. Considerando que os jovens daquele país gastam, em média, 400 euros por mês de aluguel, é um ótimo negócio para eles. Os universitários empregam seu tempo ensinando novas habilidades para os mais velhos, principalmente na área de tecnologia: mandar e-mails, usar Skype e redes sociais. Preparam refeições e fazem compras, mas simplesmente bater papo é o que faz a diferença, já que estudos comprovam que a solidão está relacionada ao declínio mental. Interação social faz bem para a saúde em qualquer idade – começa com um bom dia, passando por rir de uma piada – mas a vivência intergeracional também enriquece os mais jovens. Desde que foi implantado, em 2012, o modelo da Humanitas foi adotado por mais duas entidades na Holanda e programa similar foi introduzido em Lyon, na França. Gea Sijpkes, responsável pela comunidade, resume o espírito do lugar: “a iniciativa melhorou a qualidade de vida nesta casa. Com os estudantes, os mais velhos sentem como se o mundo exterior chegasse a eles”.
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UNIVERSIDADE ABERTA À TERCEIRA IDADE Em sua 48ª edição, a iniciativa gratuita Universidade Aberta à Terceira Idade, realizada na capital e nos campi do interior, disponibiliza 4.743 vagas, divididas entre disciplinas regulares, oferecidas nos cursos de graduação da USP, e atividades complementares, que englobam cursos, palestras, excursões, práticas esportivas e didático-culturais. Os interessados não precisam ter vínculo com a Universidade e devem ter mais de 60 anos. Ao mesmo tempo em que amplia as vagas e proporciona um intercâmbio geracional com os alunos da Universidade, o programa vem se posicionando como um polo de discussão sobre o tema do envelhecimento ativo, com atividades e parcerias que vão além das disciplinas abertas especificamente a esse público. Atividades Ciência Política, Contabilidade Introdutória, Gestão da Qualidade, História da Música, Instituições de Direito, Introdução à Astronomia, Técnica Publicitária e Tecnologia e Gestão da Produção de Obras Civis: Edifícios estão entre os 347 cursos disponíveis, que são ministrados nos campi da USP em Bauru, Lorena, Piracicaba, Pirassununga, Ribeirão Preto, São Carlos e São Paulo. Algumas disciplinas exigem pré-requisito, mas para a maioria nada é exigido. Atividades esportivas exclusivas para idosos também tem vagas em programas como Dança Circular, Ginástica Adaptada, Musculação, Pilates e Equilíbrio e Treinamento Funcional. Além disso serão oferecidas atividades culturais com especialistas de diversas áreas, como Alimentação Saudável do Corpo e da Mente, Artesanato, Criação e Produção de Vídeo, Oficinas de Nutrição, Oficinas de Memória e Teatro e Dança. Criado pela professora Ecléa Bosi em 1994, o programa, que completa 24 anos de atividades ininterruptas, é uma iniciativa da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP e é realizado pelo Núcleo de Direitos da USP.
ENTREVISTA EXCLUSIVA COM MARIA VILANI Filósofa, professora e mãe de cinco filhos. Retirante cearense, chegou a São Paulo repetindo a sina de muitos migrantes que deixam a terra natal em busca da própria sorte. Sozinha, aprendeu a ler e hoje é escritora e poeta. Fundou o CAPS – Centro de Arte e Promoção Social - no bairro periférico do Grajaú. Fale um pouco da sua experiência de criar um Centro de Arte de forma criativa e democrática. Maria Vilani - Interessante que às vezes as coisas acontecem sem a gente planejar, não foi uma coisa de caso pensado. Na realidade, partiu de nossas necessidades e quando a gente vai tentar satisfazer as nossas necessidades, a gente percebe que não é só a gente que tem fome, mas que tem muita gente com fome. Quando a gente começa a trabalhar por esse alimento, a gente desperta outras consciências e essas pessoas chegam junto. Sabe, falta
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muita iniciativa, falta fé no ser humano. Falta ter iniciativa que não seja para massagear o ego, mas que todos possam beber dessa fonte. Na realidade a gente sozinha consegue abrir uma fenda e quando todo mundo se junta abre um portal. Então, acho que foi isso que aconteceu. Eu fiquei cinco anos fora do Grajaú, morando num bairro vizinho, foi quando eu voltei para o Grajaú que eu comecei minhas atividades. Eu sempre levava meus filhos para a escola e sempre conversava com as outras mães. Conheci uma mãe maravilhosa que se chama Adelia Prates, uma das fundadoras do movimento feminista do bairro, que me convidou para conhecer a Associação de Mulheres do bairro e foi onde tudo começou. Hoje, nós temos uma parceria entre a Associação de Mulheres do bairro e o CAPS – Centro de Arte e Promoção Social e nós fazemos um estudo da história da mulher, nosso último encontro foi sobre Marxismo e Feminismo. Eu tenho uma sede muito grande de conhecimentos mas não é para engavetar, não é para ostentar é para dividir, para trocar. Quantas mulheres se reúnem nesses encontros? Maria Vilani - Não são só mulheres, as rodas são abertas para os homens também. Nós convidamos homens e mulheres para essas rodas porque nós entendemos que a sociedade é composta por homens e mulheres e nós temos que nos irmanarmos, que não devemos combater os homens e sim combater o machismo que existe em homens e mulheres. A senhora vê diferença entre viver no centro e na periferia. Se sim, quais? Maria Vilani - Eu acredito que no centro as pessoas estão mais isoladas, cada uma no seu canto cuidando da sua vida. Na periferia há uma coisa muito gostosa, onde eu vejo o outro e o outro me vê. O centro é um lugar de passagem e quem fica, fica em seu apartamento, apartado do mundo. Tem um texto que eu escrevi sobre isso, as pessoas caminham lado a lado no centro, cada uma mergulhada na imensidão do seu próprio egoísmo. A senhora usa bastante a rede social? Maria Vilani - Não bastante porque eu não tenho tempo, se ficar dando só atenção às redes sociais você não cria, você não dá atenção à família, você não dá atenção aos amigos, porque os amigos da rede social são fictícios. Eu uso para marcar encontros, porque a conversa tá aqui, no encontro. A internet pode servir como um meio inclusivo para o idoso? Maria Vilani - Muito, nós devemos caminhar com o tempo. Não existe – “ah no meu tempo” – o tempo é o tempo que você está vivendo, você está caminhando com ele. Meu tempo é esse, é essa contemporaneidade que nos ilumina, que nos agrega, que nos acolhe. Esse é o nosso tempo. O que seria ideal para um melhor convívio entre os idosos? Maria Vilani - Sabe qual é o meu sonho de consumo para o idoso? É que tivesse um lugar onde ele passasse o dia, mas falta equipamento público. Um lugar com jogos para despertar a racionalidade, o pensamento, o raciocínio lógico. Um espaço que trabalhasse a mente e o corpo. Meu sonho é que se criasse um espaço ocupado por idosos e crianças,
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onde eles pudessem interagir. Dessa forma a criança vai crescer sabendo que ela vai ficar daquele jeito, vai construir humanidade nessa criança. Quando você vai numa aldeia indígena onde todos se misturam, percebemos que o idoso tem um lugar. Na nossa sociedade a gente separa as pessoas e o lugar do idoso é o não lugar. Precisamos começar a juntar, precisamos urgentemente fazer isso. Por causa do seu trabalho, a senhora tem um intenso convívio com os jovens do bairro. Maria Vilani - Eu tenho amigos que tem 13 anos, 20, 30, 60, 80. A senhora não classifica as pessoas pela idade? Maria Vilani - Não, a gente é muito além desse corpo. A gente tem uma essência e a essência não envelhece e nem rejuvenesce, ela é essência. A senhora acredita que arte é transformadora? Maria Vilani - Eu acredito que a arte é um caminho que te leva pra ti mesmo. Se eu quero chegar a mim, eu chego através da arte, porque a arte emana do ser, a arte é criação humana e só a criação humana leva o humano para si mesmo. Eu escolhi a arte. A senhora está aposentada, como está sendo essa vivência? Maria Vilani - Eu me aposentei em janeiro desse ano, eu ainda não senti que me aposentei. As pessoas acham que o trabalho é tudo, mas o trabalho é apenas uma parte da nossa vida. Eu tinha meu trabalho que eu me dedicava, fiquei 22 anos na rede pública de ensino, mas eu não tinha só isso. Eu tinha a comunidade, eu tinha a Associação de Mulheres, eu tinha o Centro de Arte e minha família. Eu tenho uma facilidade muito grande em me subdividir, sem me estressar. Eu fatio o meu cérebro, quando eu estou aqui, eu estou aqui. Quando eu fui fazer faculdade eu tinha 42 anos, pegava três conduções pra chegar no Ipiranga e quando eu chegava lá eu não lembrava que eu tinha cinco filhos em casa, mas quando eu estava com meus filhos não existia a faculdade, não existia nada. As pessoas vivem para o externo e não para o interno, negando a subjetividade. Existe um perfil da mulher idosa na periferia? Ela tem uma vida ativa? Maria Vilani - As famílias confiam mais nas mulheres para tomarem conta dos netos e eu acho uma maldade isso. Nós, mulheres cuidamos a vida inteira, quando ficamos velhas, está na hora de sermos cuidadas. Eu amo meus netos, mas eu não cuido, são meus filhos que cuidam. Eu levo para passear, levo no cinema, levo no pagode, levo pra viajar. Como você vê a morte? Maria Vilani - Eu acho que é egoísmo não querer morrer. Eu não quero ir embora porque eu tenho muita coisa que eu quero fazer, mas eu estou preparada, porque outros viverão e eu não morrerei, percebe? Outros precisam ocupar esse lugar. A morte não é um bicho de sete cabeças, a morte é um processo natural. É natureza e a natureza é sábia.
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O que você gostaria de ver num filme sobre a longevidade e a velhice? Maria Vilani - Eu não gostaria de ver a desgraça que fazem com o idoso, eu gostaria de ver o sonho, como nós sonhamos o idoso. A desgraça todo mundo mostra, a televisão mostra toda hora. Eu acho que a gente deveria ir para o caminho da utopia. Trabalhar o imaginário.
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ENVELHECIMENTO E TRABALHO Um dos maiores desafios que o envelhecimento populacional apresenta, por causa da inversão da pirâmide etária, é a consequência econômica, em especial, em relação à previdência social. Para além deste problema, este capítulo também traz o ponto de vista de Joseph Coughlin, que aponta o quanto o mercado está deixando de olhar para a longevidade como oportunidade, bem como outros textos que mostram alguns exemplos de novos negócios e empreendimentos no Brasil e no mundo. Uma mudança de paradigma é proposta por Andrew Scott, que defende que os tradicionais três estágios da vida se transformarão em múltiplas etapas. Para ele, “a longevidade não é apenas sobre envelhecer mais tempo. É sobre viver mais tempo, sendo idoso por mais tempo e sendo jovem por mais tempo”. A pesquisa também apresenta dados da triste realidade brasileira, como os altos indices de analfabetismo e da pobreza entre idosos. Por fim, são apresentados casos que enfatizam o significado do trabalho nesta fase da vida, em ambientes opostos (área rural no nordeste do Brasil e no Vale do Silício). 189
Retrato do artista quando coisa A maior riqueza do homem é sua incompletude. Nesse ponto sou abastado. Palavras que me aceitam como sou — eu não aceito. Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas, que puxa válvulas, que olha o relógio, que compra pão às 6 da tarde, que vai lá fora, que aponta lápis, que vê a uva etc. etc. Perdoai. Mas eu preciso ser Outros. Eu penso renovar o homem usando borboletas. Manoel de Barros
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ENVELHECIMENTO POPULACIONAL NO BRASIL: UMA REALIDADE NOVA Por Alexandre Kalache Os fatores determinantes do envelhecimento, em termos populacionais de um país, são, fundamentalmente, ditados pelo comportamento de suas taxas de fertilidade e, de modo menos importante, de suas taxas de mortalidade. Para que uma população envelheça, é necessário, primeiro, que haja uma queda da fertilidade; um menor ingresso de crianças na população faz com que a proporção de jovens, na mesma, diminua. Se, simultânea ou posteriormente, há também uma redução das taxas de mortalidade (fazendo com que a expectativa de vida da população, como um todo, torne-se maior), o processo de envelhecimento de tal população torna-se ainda mais acentuado. Tal processo é dinâmico, estabelece-se em etapas sucessivas e é, comumente, conhecido como “transição epidemiológica ou demográfica”. Na sua etapa inicial, as taxas de fertilidade são altas e a mortalidade está concentrada nos segmentos mais jovens da população; progressivamente, as taxas de mortalidade decrescem, aumentando a percentagem de crianças e prolongando a sobrevida, enquanto as taxas de fertilidade diminuem fazendo com que, proporcionalmente, os grupos de mais idade aumentem em relação aos mais jovens. Finalmente, quando as taxas de fertilidade e de mortalidade se mantém baixas, há um progressivo aumento, na proporção de adultos, na população, incluindo, naturalmente, os mais idosos. Neste estágio da transição epidemiológica, a “pirâmide” populacional passa a apresentar uma configuração retangularizada, característica das populações européias de hoje, por exemplo. O Brasil está em franco processo de envelhecimento. Até a década de 50 ou mesmo 60, as características demográficas do país indicavam uma população bastante jovem, com altas taxas de fertilidade e taxas de mortalidade que apenas começavam a diminuir. A partir de então, teve início um processo de redução das taxas de fertilidade que, nos últimos anos, vem se acelerando. Para o País, como um todo, as taxas de fertilidade diminuíram, tanto nas zonas urbanas como nas rurais. Paralelamente, tem havido uma diminuição nas taxas brutas de mortalidade para o País, como um todo, desde o início deste século, particularmente, a partir da década de 40. Como consequência, a expectativa de vida, ao nascer, de 1940 a 2016, aumentou em mais de 30 anos. Hoje a expectativa é de 75,8 anos. Este processo de rápido envelhecimento populacional não é, naturalmente, uma característica única do Brasil, sendo compartilhado, de modo mais ou menos acentuado, por diversos outros países em desenvolvimento. Há, no entanto, uma diferença fundamental entre os fatores que levaram a transição epidemiológica dos países mais desenvolvidos e aqueles que se observam, hoje, nos países em desenvolvimento. Até a Segunda Guerra Mundial, o impacto médico-tecnológico, na redução da mortalidade, estava limitado a um mínimo. Foi só a partir daí que se tornou possível prevenir e tratar diversas enfermidades, cujo desfecho, anteriormente, era, frequentemente, fatal. No entanto, muito antes disso, a expectativa de vida na Europa, como exemplo, já havia alcançado valores altos como os do Brasil recentemente. Isso se deveu a uma melhoria das condições de vida para as populações daquele continente como um
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todo: melhor nutrição, condições habitacionais, saneamento etc. Atualmente, mesmo que as condições de vida, sob o ponto de vista socioeconômico, não tenham melhorado, significativamente, para uma parcela apreciável da população dos países em desenvolvimento, as taxas de mortalidade vêm experimentando substanciais diminuições. Elas são resultantes de intervenções, de medidas específicas de saúde pública, do tratamento efetivo de infecções; não é portanto o processo de “envelhecimento natural” como consequência de melhores níveis de vida para a maioria dos habitantes (como na Europa pós-Revolução Industrial), mas um processo “artificial”, em que muitos sobrevivem, apesar de suas condições de vida, simplesmente, porque recebem imunização ativa contra determinadas doenças ou tratamento específico, para outras. O envelhecimento da população brasileira é um fato irreversível, e que deverá se acentuar, no futuro próximo imediato. O impacto desta nova “ordem demográfica” é imenso — sobretudo, quando se observa que os fatores associados ao subdesenvolvimento continuarão se manifestando por um tempo difícil de ser definido. Não estamos, portanto, diante de uma situação como a européia quando o envelhecimento de suas populações ocorreu, a maioria dos países europeus já apresentava níveis socioeconômicos que proporcionavam, a grande parte de suas populações, condições de vida satisfatórias. Com isso, os problemas consequentes ao envelhecimento populacional puderam ser encarados como prioritários. Nem por isso tem sido fácil resolvê-los. O desafio para nós é, portanto, considerável. O envelhecimento de nossa população está se processando em meio a condições de vida, para parcelas imensas da população, ainda muito desfavoráveis. O idoso não é uma prioridade. No entanto, eles estão aí para ficar e em proporções crescentes.
INVERSÃO DA PIRÂMIDE ETÁRIA NO BRASIL
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Aspectos econômicos Estudos apontam que, nos anos 2040, a alta proporção de idosos será um desafio para o país e, consequentemente, para a Previdência Social. Com a inversão da pirâmide, haverá redução da quantidade dos contribuintes e aumento da quantidade dos que recebem o “benefício”, ou seja, a Previdência receberá ainda menos do que hoje e terá que pagar cada vez mais. Independente da controvérsia – inclusive por conta da proposta da reforma apresen-
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tada pelo atual governo –, esse é um foco de atenção dos economistas pois o Brasil terá de enfrentar em curto prazo os problemas causados pela queda populacional, que já ocorre em muitos países. Para equalizar esse desafio previdenciário, há quem defenda a redução do valor da aposentadoria, mas isso agravaria um problema que a Europa, por exemplo, já começa a sofrer: a pobreza entre idosos. Na França, por exemplo, o governo elevou a idade mínima para a aposentadoria, de modo a diminuir a quantidade de beneficiários. Porém, aumentar a idade oficial da aposentadoria, é ignorar que por trás desses números estão diferenças notáveis com base da renda, educação, estilo de vida etc. E, para aqueles que não se beneficiaram de vidas longas e saudáveis (maior parcela dos brasileiros) isso equivale a uma intervenção cruel e retrógrada. Trabalhar mais anos e pagar mais impostos seria uma forma de manter o valor das aposentadorias mais competitivo. Mas também são necessárias ações advindas da iniciativa privada, que deveria valorizar mais e oferecer salários maiores para idosos devido a experiência e prática que estes possuem, porém, sem desvalorizar os jovens, pois ambos são importantes no cenário econômico. Um país que perde população é uma sociedade que pode perder poder econômico. Esse indicador reflete o peso ou a carga econômica do grupo de crianças e de idosos sobre o segmento populacional exercendo alguma atividade produtiva. Até 1970, a carga potencial econômica da população ativa apresentava uma tendência crescente, diminuindo a partir da década de 1980, quando a fecundidade começou a apresentar queda consistente em todo o país, independentemente dos estratos sociais. Naquele ano, por exemplo, 100 pessoas em idade ativa teriam que trabalhar para suprir as necessidades de 89,3 inativos; em 2000, essa relação caiu para 61,9 inativos:
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Desta forma, a responsabilidade de sustentar o contingente crescente de idosos vem aumentando, visto que, em 2020, estima-se 21,2 idosos para cada 100 pessoas em idade ativa, relação esta que, de acordo com as projeções do IBGE, poderá elevar-se para 51,9, em 2050, em uma tendência oposta à seguida pelas crianças e adolescentes de 0 a 14 anos de idade. Atualmente, o Brasil vive o chamado bônus demográfico: quando a população em idade ativa (de 15 a 65 anos) é maior do que a de crianças e idosos, dependentes do sustento desse outro grupo. Sendo assim, o país deve aproveitar esse período, de predomínio da população produtiva, para minimizar o impacto do envelhecimento nas contas públicas, investir em formação e treinamento do jovem para aumentar a produtividade e se preparar para as transformações que já acontecem em países como a França.
No entanto, o envelhecimento da população não é ruim, mas, sim, algo a se comemorar, pois é um sinal que pessoas estão vivendo mais e isso é uma boa notícia.
A PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA Ana Amélia Camarano - Realizou sua pesquisa de pós-doutorado na Nihon University - Tóquio/ Japão (2004/2005) sobre envelhecimento populacional e arranjos familiares. É doutora em Estudos Populacionais pela London School of Economics (1995). Mestre em Demografia pela Universidade Federal de Minas Gerais (1975). Graduada em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (1973). É pesquisadora da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (DISOC) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Suas áreas de interesse são: Políticas Públicas, Estudos Populacionais e Arranjos Familiares, com ênfase em Envelhecimento Populacional. Embora esteja claro que a previdência social é uma forma de seguro compulsório com o objetivo de amparar o indivíduo e/ou o grupo familiar ante os eventos decorrentes de morte, doença, invalidez e desemprego, esta não deixa de ser uma definição genérica, que inclui um grande número de variáveis dependentes de fatores políticos, econômicos,
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sociais, históricos e culturais que influenciam a evolução de cada sistema. A característica básica é o vínculo contributivo ao sistema, com o objetivo de compensar parcial ou totalmente a perda de capacidade laborativa, que pode ser efetiva ou presumida. Nas sociedades modernas, a idade avançada é uma destas situações em que se assume a perda. A questão é que biologicamente não se conhece a idade em que ela ocorrerá. A sua concretização varia temporalmente segundo regiões geográficas, classes sociais, ocupações etc. Por isso, presume-se uma idade, o que se constitui em um acordo social. Uma das situações que pode levar à perda da capacidade laborativa e, consequentemente, à necessidade de um benefício previdenciário é o trabalho árduo ou sob condições adversas por um longo período de tempo. Um exemplo típico é o dos mineiros ingleses na virada do século XIX, que trabalhavam em minas subterrâneas sob condições bastante adversas. Esse tipo de trabalho leva a uma perda efetiva da capacidade laborativa, apesar de o tempo necessário para esta perda se concretizar variar entre os indivíduos. A legislação brasileira tornou mais abrangente o conceito e definiu uma aposentadoria por tempo de serviço, independentemente do tipo de trabalho envolvido. Com a Emenda Constitucional 20/1998, ela se transformou em aposentadoria por tempo de contribuição. No Brasil, a aposentadoria por tempo de contribuição não exige uma idade mínima, o que leva a que as pessoas se aposentem muito jovens. Como o Brasil é um dos cinco países do mundo que não exige idade mínima, atualmente este tema está em discussão para as aposentadorias por tempo de contribuição. Isso, contudo, vai esbarrar na definição de qual deve ser a idade, entre outras dificuldades. No Brasil, a renda da população idosa depende, fortemente, da renda da previdência social e que o sistema existente tem sido capaz de resolver de forma satisfatória a pobreza entre os idosos no país, beneficiando, também, os não idosos. Assim sendo, pode-se dizer que a política da previdência permite, no espaço privado familiar, uma revalorização das pessoas idosas, as quais, com a renda de aposentadoria, obtêm uma espécie de salvaguarda de subsistência familiar, invertendo o papel social de assistidos para assistentes, no contexto da estratégia de sobrevivência das famílias pobres. Essa melhor situação tem acarretado, no entanto, uma série de preocupações com os custos do envelhecimento, especificamente da previdência social. Vários autores já apresentaram simulações que apontam para uma insolvência do sistema no médio prazo, caso se mantenham as condições atuais de benefícios e contribuições. Chama-se a atenção para uma das possíveis consequências desta insolvência: a ruptura indiscriminada das promessas de direitos. Para muitos idosos, principalmente aqueles que perderam sua capacidade laborativa e/ou as condições de reingresso no mercado de trabalho, isso significaria a perda total de rendimento, ou seja, os custos sociais seriam altos. Por isso, estes mesmos autores salientam a necessidade de se repensar o modelo previdenciário brasileiro, repactuando direitos e obrigações. Sem dúvida, este é um tema politicamente espinhoso, porque trata da distribuição de recursos na sociedade, da eliminação de privilégios, da quebra de promessa de direitos, entre outros motivos. No caso da previdência, os desafios acarretados não se devem apenas ao crescimento a taxas elevadas da população idosa, mas também ao menor crescimento da população em idade ativa (PIA) e da população economicamente ativa (PEA). Pode-se pensar em esti-
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mular o crescimento da PEA através dos incentivos à entrada mais cedo e/ou à saída mais tarde do mercado de trabalho. As mudanças no mundo do trabalho estão requerendo cada vez mais uma mão de obra com escolaridade elevada. Os avanços na tecnologia médica e o maior acesso aos serviços de saúde estão contribuindo para um envelhecimento mais ativo. Ou seja, é difícil pensar numa antecipação da idade à entrada na atividade econômica, mas é factível supor no adiamento da idade à saída. Isso significa não apenas alterar a idade mínima à aposentadoria mas também melhorar as perspectivas de inserção profissional dos trabalhadores de idade mais avançada para reduzir o preconceito com relação ao seu trabalho. O fato de um indivíduo estar aposentado não significa que ele tenha se retirado da atividade econômica. No caso brasileiro, não há dúvidas de que a aposentadoria por tempo de serviço/contribuição colabora para isso. Há, contudo, que se considerar também a existência de barreiras e preconceitos em relação ao trabalho do idoso. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), as dificuldades de se manter o idoso no mercado de trabalho advêm tanto do lado do empregador quanto do empregado. No primeiro caso, isso inclui, entre outros fatores, percepções negativas a respeito da capacidade dos trabalhadores idosos de se adaptarem às mudanças tecnológicas e organizacionais, dos custos que crescem com a idade, devido, entre outros fatores, ao absenteísmo pela alta prevalência de morbidade. Além disso, não é clara a relação entre idade e produtividade. Do lado dos empregados, estes podem sentir o seu capital humano depreciado por não receberem ajuda nem incentivos para treinamentos e atualizações. Pode-se pensar, portanto, em políticas de saúde ocupacional para reduzir o fluxo das aposentadorias por invalidez e as taxas de absenteísmo por morbidade, bem como em políticas de capacitação continuada. Esta tem sido uma estratégia usada no Japão: oferecer oportunidades de emprego para trabalhadores mais velhos. Uma delas é fornecer uma educação financeira, que é associada a um maior treinamento em capital humano. Sem dúvida, uma variável-chave é o aumento da escolaridade. Este aumento pode compensar parte da diminuição da PEA. Além disso, uma PEA mais escolarizada apresenta maiores ganhos de produtividade e, consequentemente, aumenta a massa salarial e contributiva. Com relação à PIA, o que se pode sugerir para o curto prazo são medidas que visem ao seu aumento ou a uma menor redução, tais como a diminuição da mortalidade de jovens adultos por causas externas, principalmente de jovens do sexo masculino. Para o longo prazo, ainda podem ser feitos esforços para a continuação da redução da mortalidade infantil, bem como pensar em incentivos para o aumento da natalidade. Outro ponto a ser ressaltado é o impacto das mudanças nos arranjos familiares, da queda da fecundidade e das mudanças no papel social das mulheres na legislação previdenciária. Uma das razões para o menor tempo de contribuição/trabalho exigido para as mulheres se aposentarem é o custo de oportunidade gerado pela maternidade. No entanto, as mulheres atualmente passam menos tempo tendo e criando filhos. É crescente o número de mulheres que chegam aos 50 anos sem terem tido filhos. Além do que já foi discutido, a crise da previdência também deve ser pensada tendo como marco a crise do bem-estar social, do pleno emprego, as mudanças nas relações de trabalho, que caminham em direção a uma maior informalização da economia, o desemprego etc. Além disso, há que se considerar também novas alternativas de captação e distri-
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buição de recursos na sociedade. Conclui-se que, no nível micro, o grau de dependência dos indivíduos idosos é, em boa parte, determinado pela provisão de rendas por parte do Estado. Como uma parcela importante da renda familiar depende da renda do idoso, sugere-se que, quando se reduzem ou se aumentam os benefícios previdenciários, o Estado não está simplesmente atingindo indivíduos, mas uma parcela importante dos rendimentos de famílias inteiras. Isso é importante de ser notado porque, como consequência, o perfil do sistema previdenciário construído hoje influirá na distribuição futura da renda das famílias. Sintetizando, pode-se concluir que se está frente a novos desafios para o financiamento da previdência social, uma questão que se impõe não apenas ao Brasil. Não se acredita em uma solução única para a maioria dos países. Esta deverá vir de uma decisão política.
ESTATÍSTICA: ANALFABETISMO NA POPULAÇÃO IDOSA
SILENCIOSA EPIDEMIA MATA DE FOME IDOSOS NO BRASIL Fonte: The Intercept. Autoria: Rafael Moro Martins, Alexsandro Ribeiro, José Lazaro Faz mais de 25 anos que a desnutrição mata mais idosos do que crianças no Brasil, apontam dados do Datasus, um banco de dados do Sistema Único de Saúde alimentado com informações sobre doenças, epidemias e mortalidade. Pelo menos quase 5 mil pessoas com mais de 60 anos de idade morreram de fome em 2016, número que vem se repetindo há uma década. Em 1980, morriam 58 crianças por desnutrição a cada 100 mil habitantes. Trinta e cinco anos depois, em 2015, esse número caiu para menos de duas, enquanto o total de ido-
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sos mortos de fome pulou de quase 15 para mais de 21 a cada 100 mil, no mesmo período. Nas últimas três décadas, o Brasil vem conseguindo reduzir a morte de crianças por desnutrição – a queda foi de impressionantes 97% entre 1980 e 2015. Mas pouco se fez para conter a fome dos idosos. O número de brasileiros com mais de 60 anos cresceu 231% nesses anos, e as mortes por falta de nutrição adequada, entre eles, subiram 365%. Há uma silenciosa epidemia de desnutrição matando milhares de idosos por ano – uma média de 13 casos por dia - de números enormemente subestimados. As causas para a desnutrição entre idosos vão do abandono pela família à exploração econômica deles – normalmente, por pessoas próximas. “Não é incomum que idosos sejam abandonados por famílias sem condições de sustentá-los”, disse Kiko Afonso, diretor-executivo da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, a ONG fundada pelo ativista Herbert de Souza, o Betinho.
Morte de idosos por fome cresce enquanto média nacional de óbitos por desnutrição cai
“Não temos dúvidas de que a desnutrição está aumentando entre os idosos, relatou o médico José Elias Pinheiro, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. “Nem que é subnotificada. O idoso raramente tem uma só doença. Há o que chamamos de comorbidade, em que problemas como demência, diabetes, doença degenerativa predispõem à desnutrição – ou a mascaram.” “Quando o Brasil vai acordar para o fato de que envelhece a passos acelerados, sem que se veja a construção de políticas públicas para dar conta disso?”, questionou Tortelli. A Constituição brasileira determina que é da família, do Estado e da sociedade, nessa ordem, dar condições adequadas de vida aos idosos. Quando a família não tem condições – ou falha –, seria a vez do Estado atuar. “Em teoria, a política brasileira para o idoso no Brasil é fantástica, o Estatuto do Idoso [um conjunto de leis que remonta a 1994] é fantástico. O problema é que não foi posta em prática”, afirma José Elias Pinheiro. Os centros-dia, por exemplo, planejados para
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serem lugares em que os idosos passariam o dia supervisionados por profissionais de saúde, para retornar para casa à noite, mantendo o convívio familiar, são ainda hoje uma quimera. Os poucos que existem são, via de regra, privados. Se já não é boa, a situação tende a piorar nos próximos anos, graças à explosiva combinação entre uma população que envelhece a cada ano, a crise econômica aguda em que o país está metido há algum tempo e o congelamento dos gastos públicos por 20 anos, determinado em 2016 por uma emenda constitucional proposta pelo governo Temer que ficou conhecida como PEC do Teto. “A rede de proteção que tínhamos vem sendo desmontada, estamos entrando num período de desproteção social. Além dos gastos que estão congelados, o contingenciamento [a retenção de dinheiro, pelo governo federal, previsto no orçamento] é bastante elevado nas áreas de políticas sociais. Então, há pouco dinheiro, e parte dele ou não sai ou sai muito tarde”, avaliou o economista Francisco Menezes. Pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Menezes foi co-autor de um estudo que vê grandes chances do Brasil voltar ao Mapa da Fome elaborado pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, a FAO. Elaborado desde 1990, o Mapa lista os países com mais de 5% da população em situação de insegurança alimentar. O Brasil deixou a lista dos países nessa situação em 2013, mas pode voltar. “Nossa constatação empírica é de que já voltamos”, disse Afonso, antes de explicar sua impressão. “Em 2014, segundo o IBGE, tínhamos 7 milhões de pessoas nessa situação, com um desemprego de 4% [da população economicamente ativa]. Hoje, ele está na casa dos 15%. Como acreditar que a situação não tenha piorado substancialmente desde então? Insegurança alimentar e pobreza absoluta são muito proximamente ligados”, alertou Afonso.
O TRABALHO AOS 100 ANOS Lynda Gratton - professora de Prática de Gestão na London Business School, onde ensina uma disciplina eletiva sobre o Futuro do Trabalho e dirige um programa executivo de Estratégia de Recursos Humanos. Lynda é Fellow do Fórum Econômico Mundial, função classificada como top 15 e foi nomeada melhor professora da London Business School em 2015. Seu livro mais recente, em co-autoria com Andrew Scott, é A vida de 100 Anos: Viver e trabalhar em uma era de Longevidade. Andrew Scott - professor de Economia na London Business School e Fellow no All Souls College, na Universidade de Oxford, e no Centro de Pesquisa de Política Econômica. Scott serviu como conselheiro de macroeconomia para uma série de governos e bancos centrais e foi Administrador Não Executivo na Autoridade de Serviços Financeiros do Reino Unido. É co-autor com Lynda Gratton do livro A vida de 100 Anos: Viver e trabalhar em uma era de Longevidade. Nos Estados Unidos há hoje 72 mil centenários. No mundo, há cerca de 450 mil. Se essa tendência continuar, em 2050, só nos Estados Unidos, a população centenária será de
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mais de um milhão. Segundo o demógrafo James Vaupel, e sua equipe de pesquisadores, 50% dos bebês nascidos em 2007 têm uma expectativa de vida de 104 anos ou mais. O mesmo ocorre em outros países, como Reino Unido, Alemanha, França, Itália e Canadá – enquanto no Japão, pessoas nascidas em 2007 podem esperar viver até os 107 anos. Certamente a situação traz preocupações relativas a finanças públicas associadas aos desafios interpostos à Saúde e à Previdência Social. São desafios reais, que a sociedade precisa enfrentar com urgência. Também é importante estar atento ao cenário produzido por uma grande quantidade de pessoas chegando aos 100 anos. Seria um erro associar a longevidade a questões apenas da velhice, por que vidas longevas geram implicações para todo o curso de vida e não somente para o fim de vida. Entendemos que se muitas pessoas estão vivendo mais tempo, com mais saúde, o fato resultará em inevitável redesenho do trabalho e da vida. Quando as pessoas vivem mais tempo, o gráfico de seu curso de vida muda, por que são também mais jovens por mais tempo. Parece verdadeiro o clichê que afirma que as pessoas de 70 anos, parecem 60 anos, e de 40 anos, parecem 30, e assim sucessivamente. Assim, se envelhecemos mais lentamente, por um período maior, então, de alguma forma, permanecemos jovens por mais tempo. Porém, as transformações vão mais além. Por exemplo, agora chega mais tarde a idade em que as pessoas assumem compromissos como comprar casa, casar-se, ter filhos ou começar uma carreira. Em 1962, os norte-americanos se casavam aos 21 anos. Em 2014, o marco mudou para 29 anos. Entre os muitos fatores ligados a essas mudanças, um deles é a consciência progressiva dos jovens de que vão viver mais tempo. As opções se tornam mais valiosas quando mais duradouras. Pois quanto mais tempo se vive, mais valor se encontra na duração e o compromisso precoce fica menos atrativo. Como resultado, os compromissos envolvidos como marcos da vida adulta estão sendo adiados, criando novos padrões de comportamento e uma etapa diferente para as pessoas de 20 anos. A longevidade adia a idade da aposentadoria A longevidade também adia a idade da aposentadoria, não apenas por razões financeiras. A menos que você tenha economizado para a aposentadoria, de acordo com nossos cálculos, se você tem em torno de 40 anos, irá trabalhar até os 70. Se você está no começo dos 20, há grande chance de que terá que trabalhar até o final dos 70 ou início dos 80 anos. Ainda que uma pessoa com estrutura econômica para se aposentar aos 65 anos, os 30 anos de potencial inatividade contribuirão para perdas cognitivas e emocionais características dessa etapa da vida. Muitas pessoas hão de preferir não fazer isso. Ao mesmo tempo, isso não significa que a extensão do tempo de trabalho seja atraente. Essa ampliação do trabalho em horário integral pode assegurar os recursos financeiros necessários para uma vida com duração de 100 anos, mas trabalhar longamente pode prejudicar recursos intangíveis como habilidades produtivas, vitalidade, felicidade e amizade. O mesmo vale para a educação. É impossível que um único período de educação, na
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infância e na adolescência, faça frente a uma carreira de 60 anos. Se você levar em consideração as taxas previstas para mudanças tecnológicas, suas habilidades podem se tornar redundantes ou sua indústria obsoleta. O que significa que todas as pessoas, em algum momento de sua vida, terão que reinvestir em suas habilidades. Assim, os tradicionais três estágios de vida se transformarão em múltiplas etapas de duas, três ou mais carreiras diferentes. Cada estágio pode ser potencialmente diferente. Em um deles, o foco poderia estar a construção de sucesso financeiro e realizações pessoais. Em outro, estaria a criação de um melhor equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. Outro residiria na exploração e compreensão de escolhas mais plenas ou em tornar-se um realizador independente ou um empreendedor social. Tais estágios atravessariam setores, levariam pessoas para outras cidades e proporcionariam fundamentos para a construção de grande variedade de habilidades. As transições entre estágios seriam marcadas por períodos sabáticos, em que as pessoas encontram tempo para descansar e recarregar sua saúde, reinvestir em relacionamentos ou fortalecer habilidades. Algumas vezes as pausas e as transições serão autodeterminadas e outras vezes serão forçadas por circunstâncias como a obsolescência de empresas ou indústrias. Uma vida e múltiplos estágios Uma vida de múltiplos estágios terá mudanças profundas não apenas na forma de gerenciar carreiras, mas também na abordagem da vida. Uma habilidade cada vez mais importante será a forma como se lida com mudanças e até como as recebe. Uma vida de três estágios tem poucas transições, enquanto a múltipla tem muitas. Por essa razão é preciso ser autoconsciente, investir no aumento das redes de amigos e estar aberto a novas ideias, de modo a ainda atrair habilidades mais cruciais. Essas vidas criarão uma grande variedade no decorrer de muitas gerações, simplesmente por que há inúmeras maneiras de organizar a sequencia de estágios. E mais estágios significam mais possibilidades de sequencias. Diante dessa variedade, a associação entre idade e estágio acabará. Em uma vida de três estágios, as pessoas deixam a universidade ao mesmo tempo e na mesma idade, começando carreiras e famílias simultaneamente, lidam com gestão em épocas próximas e se aposentam com poucos anos de diferença. Em uma vida de múltiplos estágios, você faz graduação aos 20, 40 ou 60 anos; ser um gerente aos 30, 50 ou 70 anos; se tornar um empreendedor independente em qualquer idade. Quando a idade não for mais um determinante do estágio, os gerentes e líderes de setores de recursos humanos vão mudar. Mais fundamentalmente, pessoas de gerações diferentes vão interagir entre elas. E conforme compartilharem atividades, vão se compreender melhor. Isso levanta a possibilidade de, entre muitas outras coisas, as pessoas idosas “envelhecerem jovens”, simplesmente devido à companhia de que desfrutam. As estruturas atuais da vida em sociedade, trajetórias de carreiras, escolhas educacionais e normas sociais não estão alinhadas à realidade emergente quanto à expectativa de
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vida. O triplo estágio de vida que começa com a educação, seguida de trabalho contínuo e se completa com a aposentadoria, pode ter servido para nossos pais e talvez para avós, mas não tem relevância nos dias de hoje. Acreditamos que ao manter o foco na longevidade como uma questão unicamente de envelhecimento, perdemos a amplitude de suas implicações. A longevidade não é apenas sobre envelhecer por mais tempo. É sobre viver mais tempo, sendo idoso por mais tempo e sendo jovem por mais tempo.
VISÃO DA VELHICE É VELHA Texto de David Cohen sobre o livro The Longevity Economy: Unlocking the World’s Fastest-Growing, Most Misunderstood Market, de Joseph Coughlin - professor de planejamento urbano do Massachusetts Institute of Technology (MIT). O envelhecimento da população pode ser visto como um problema. Mas é melhor enxergá-lo como oportunidade, diz um professor do MIT. O mínimo que se pode dizer sobre a nossa visão da velhice é que ela está… velha. E essa vista cansada não desemboca só em dificuldades para quem tem mais idade. Ela leva ao desperdício de uma das maiores oportunidades de negócios dos nossos tempos. O tamanho dessa oportunidade pode ser avaliado em números. O Brasil tem cerca de 30 milhões de pessoas com mais de 60 anos, 50% a mais do que há uma década, de acordo com as estimativas do IBGE. Em 2030, um quinto da população brasileira será idosa – se até lá ainda considerarmos idosas as pessoas com mais de 60 anos. O envelhecimento populacional é um fenômeno mundial: em 2015, 617 milhões de pessoas tinham mais de 65 anos. Três vezes a população do Brasil. No Japão, mais de uma em cada quatro pessoas está nesta faixa etária. Na Alemanha, Grécia, Itália, Portugal, Suécia, são mais de 20% dos cidadãos. É uma espécie de revolução, para a qual o mundo está despreparado, apesar de estar em andamento há décadas, graças à queda nos índices de natalidade e ao avanço nas condições de vida. O modo mais comum como se pensa neste envelhecimento é que ele irá aumentar os gastos em geral das nações (com os cuidados para idosos), e reduzir sua capacidade produtiva (pela suposta menor disposição para o trabalho). Por isso tantos se referem ao fenômeno como uma “bomba-relógio demográfica”. Mas estas não são necessariamente as consequências inevitáveis do envelhecimento, como demonstra Joseph Coughlin. Coughlin é fundador e diretor do AgeLab, no próprio MIT, uma organização de pesquisas devotada a estudar as interações entre idosos e o mundo dos negócios. Seu principal argumento é que a noção de velhice que temos – mesmo a velhice dourada, devotada ao lazer – rouba das pessoas a partir de certa idade uma parcela de seu propósito, de seu bem-estar emocional. E camufla a maior oportunidade de negócios que as empresas têm para explorar. Segundo a consultoria Boston Consulting Group, em 2030 as pessoas acima de 55 anos serão responsáveis por 50% do crescimento dos gastos de consumidores desde 2008 nos Estados Unidos. No Japão, serão 67%; na Alemanha, 86%.
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Apesar dos crescentes gastos dessa parcela da população, as empresas têm feito muito poucos esforços para atrair seu interesse. Nos Estados Unidos, menos de 15% das companhias tem qualquer estratégia específica para os mais velhos. E menos de 10% das verbas de marketing se destinam ao público acima de 50 anos. A construção da velhice Historicamente, diz Coughlin, em diversas culturas e épocas, o envelhecimento era uma experiência individual, não uma idade predeterminada e não com as mesmas regras para todos. Foi na segunda metade do século 19 que isso começou a mudar, com o surgimento dos planos de pensão, dos asilos e de outras instituições destinadas exclusivamente aos idosos. Não é que os velhos tivessem vida fácil. Em várias culturas, sim. Especialmente nas sociedades iletradas e tradicionais, pessoas idosas representavam a memória, o apego à própria identidade e aos costumes. Não à toa, o Senado era formado por anciões. Assim como os conselhos de tantas tribos ao longo da história humana. Nos tempos modernos, porém, a tradição perdeu terreno para o progresso. O novo passou a valer mais que o antigo. E o antigo podia ser consultado em livros. Os velhos perderam status. No século 19, considerava-se que uma pessoa se tornava velha quando sua “energia vital” começava a chegar ao fim. Acreditava-se, então, que os seres humanos vinham ao mundo com uma reserva de energia vital, mais ou menos como uma bateria. Sexo e diversões em geral ajudavam a gastar mais rapidamente essa reserva. O termo “geriatria” foi cunhado em 1909, e os primeiros livros sobre geriatria são de 1914. Em poucos anos, a velhice se tornou um problema a ser resolvido. Por essa época começaram a tomar forma os asilos para velhos. Nos séculos anteriores, os velhos ficavam com suas famílias. Quando isso não era possível, iam para asilos – onde ficavam ao lado de bêbados e criminosos. Também começava a se espalhar a ideia da aposentadoria. Originária da Alemanha, criação do homem-forte do país, Otto von Bismarck, em 1889, a aposentadoria originalmente começava aos 70 anos. Anos depois, estabeleceu-se em vários países a idade de 65 anos. Os planos de pensão de empresas nasceram um pouco antes. Em 1875, a American Express Company, então uma empresa de correios, estabeleceu um sistema de pensão privado. Em 1910, dezenas de empresas haviam aderido à prática. No início do século 20, a velhice havia se transformado, de uma questão individual a ser tratada pela família, em uma fase da vida, com data marcada para começar, e com instituições próprias para lidar com o assunto. Aposentadoria: prêmio e castigo Esse afastamento cada vez mais compulsório do mundo do trabalho se dava com a contrapartida de uma promessa de uma vida de lazer e contemplação. A tal da “melhor idade”. Para sustentar esse ócio contava-se com duas coisas: uma economia em expansão, que podia ser pródiga na distribuição de benesses, e uma expectativa de vida relativamente
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curta. Dava-se muito, mas por pouco tempo. Nenhuma dessas condições existe hoje, e o debate sobre previdências em geral, no mundo todo, é camuflado por ideologias e posições políticas, mas é antes de qualquer coisa uma questão aritmética. A não ser para alguns privilegiados e outros tantos previdentes, capazes de manter seu padrão de vida sem trabalho por muitos anos. Para estes, o sonho da aposentadoria se cumpriu. Não o ócio criativo. O ócio ocioso, mesmo. E este é um dos pontos mais interessantes que Coughlin não chega a elaborar, mas deixa claro: a aposentadoria é uma dessas armadilhas da vida, como a obesidade ou o vício em séries de TV: atingir nossos desejos nem sempre é o melhor para nós. No caso da aposentadoria, o trabalho é um fator de identidade, de auto-respeito, de propósito. Ainda mais hoje em dia, em que a vida comunitária foi esvaziada e a vida familiar se esvaiu (as grandes famílias viraram famílias nucleares). No paraíso da melhor idade, as pessoas são principalmente consumidoras. E quando Coughlin pergunta quais os avanços tecnológicos para essa faixa, diz ouvir sempre as mesmas respostas: remédios melhores, robôs para cuidar dos velhos. Não há dúvida de que são avanços importantes. Mas restringem a velhice a um problema a ser resolvido. E há vários estágios intermediários, entre o vigor da juventude e a completa dependência. É isso o que poucas empresas estão enxergando, diz ele. Estão perdendo não apenas a oportunidade de atender a um público crescente, mas ao público todo. Seu argumento é que produtos bons para os idosos são em geral bons para todos. Um exemplo é o microondas, criado a princípio para esse público, mas que conquistou a sociedade como um todo. Outro exemplo é o smartphone: a possibilidade de alterar o tamanho das letras e dar comandos por voz inclui os idosos sem ser condescendente. Se dar mais oportunidades de consumo seria um avanço, a verdadeira solução para a questão da idade seria… esquecê-la. Pelo menos no que diz respeito ao mercado de trabalho. Os velhos hoje têm demonstrado que querem trabalhar. Para começar, o mítico obstáculo da tecnologia tem sido transposto pela nova velha geração. Em 2000, só 14% dos americanos idosos usava a internet; esse número quadruplicou. Mas o preconceito impede maiores avanços. Em 2010, de 114 companhias que receberam investimentos em estágio inicial, metade foi para empreendedores de 35 a 44 anos. E os jovens com menos de 35 anos receberam duas vezes mais investimentos que os acima de 45. Considerando-se que metade das startups nos EUA é fundada por gente de mais de 45 anos, fica claro que a idade pesa na cabeça dos investidores. O nível de empreendedorismo entre os mais velhos quase dobrou desde meados da década de 1990, de acordo com a Fundação Ewing Marion Kauffman, de 14,8% para 25,8% em 2014. E os mais velhos têm a mais alta taxa de empreendedorismo por oportunidade (em oposição ao empreendedorismo por necessidade). Coughlin é um otimista. Ele acredita que, com a chegada à velhice da geração do baby boom americano, várias barreiras serão rompidas. Porque a geração mais transformadora da história vai “lutar por trabalho, buscar romance, ter ambição social, contribuir com a cultura”.
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A POPULAÇÃO IDOSA PODE SER UMA POTÊNCIA ECONÔMICA Ellie Anzillot - assistant editor for Fast Company’s Ideas section, covering sustainability, social good, and alternative economies By 2050, the number of people over 65 will more than double. Cities, communities, companies–and our entire culture–have some adjusting to do. If we can, the benefits will be enormous. Patrick O’Halloran is 82 years old, “but I’m still a work in progress,” he says. After a long career as a Jesuit priest and a clinical psychologist in San Francisco, O’Halloran retired to the northwest part of San Mateo, California, where he lives alone. He’s sprightly: His exercise routine includes circuit training, cardio, and boxing, and he volunteers at a nearby jail, teaching classes in mindfulness. O’Halloran’s doctor tells him he has maybe five to 10 years left living on his own, but he’s considering a move to a senior center sooner; he’s social, and he doesn’t like living without easy access to people to chat with. But there’s one sticking point. “I need to talk to young people–millennials,” he says. “At the senior center, I can sit down and schmooze, talk about jitterbugging,” he says. “But it’s all the same perspective.” THE IMPENDING GRAYING CRISIS Like many people heading into their later years, O’Halloran has found himself in a bind. He’s not ready to give up on the things that give him energy–communication, conversation, sharing different experiences and perspectives–for the homogeneity of a senior center. But as an older person in America, he finds himself in a world that’s not set up to receive what he can offer. “It’s the saddest thing we hear people say: Our world starts to die around us before we’re ready to,” says Vandana Pant, the senior director of strategic initiatives for Palo Alto Medical Foundation, which provides senior care services in San Mateo, where O’Halloran lives. Like climate change, says Paul Irving, the chair of the Center for the Future of Aging at the Milken Institute, the graying of the U.S. population–and that of the whole world–is a phenomenon that has been a long time coming, but that we remain largely unprepared to confront. The fact that science has basically doubled lifespans in the past century and a half, Irving says, “is maybe the most extraordinary accomplishment in the history of mankind.” But unless we shift our attitudes and responses to aging, it will go from being a miracle to a crisis. Underpinning both the infrastructural and economic shifts that must occur to accommodate the rapidly graying population is something more intangible: We need to adjust our overall attitude toward growing old. As a culture, we tend to treat aging as a separate phase, not an extension of the same life. “You see people in retirement communities and they’re infantilized, spoken to as if they were infants even though they’ve lived these rich lives and had remarkable experiences,” Irving says.
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Our cultural and structural disregard for older populations “is almost the last prejudice we’re allowed to have,” says Kathryn Lawler, the director of the Atlanta Regional Commission’s Area Agency on Aging. Which is deeply ironic: Not only is aging–if one is blessed with a long life and good health–one of the few truly universal experiences, it is something that is becoming more and more pervasive. By 2050, the global population of people aged 60 and older will rise to 2 billion, up from 900 million in 2015. Every day in the United States, 10,000 people turn 65. Between 1990 and 2013, global life expectancy rose by around six years, from 65.3 to 71.5 (removing accidental death from fatal crashes or overdoses raises these estimates by around a year). For people born today, the likelihood that they will live to triple digits is strong: A child born in 2011 has a one-in-three chance of living to her 100th birthday. These facts invite a range of concerns, from what aging people will do with a prospective extra three decades of leisure given that the retirement age is still typically 65, to how social security could and should change in response: When the retirement security was introduced in 1935, the average life expectancy was just around 62, lower than the retirement age, which, even then, was still 65. The proportion of adults collecting social security was significantly lower when the benefit was introduced, and they would live, on average, for fewer years after stopping work. Now, that’s not the case, and the safety net is stretched to snapping. Among the middle age and younger populations, anxiety about caregiving responsibilities is growing. In many ways, aging is a personal concern, but coping with this demographic shift will not come down to individual effort. Rather, it’s going to take a comprehensive approach–on the part of cities, communities, and companies–to make room for a population that has much to offer, and that we all, someday, will be a part of. RE-IMAGINING THE AGING CITY In 2006, the World Health Organization (WHO) convened a meeting with city leaders in Vancouver, Canada to discuss the parallel trends of global aging and urbanization: By 2030, around three out of every five people will live in cities, and many of those people will be elderly. Out of that conference, the WHO released a guide to “Global Age-Friendly Cities,” which outlines a comprehensive framework that cities can and should adopt in order to allow their older populations to remain in place–instead of being moved to senior centers or retirement communities in places like Florida–and contribute actively to their communities. The WHO’s Age Friendly Cities And Communities Program, which was designed to foster dialogue and information-sharing around how to meet the needs of older residents, has grown to over 1,000 community members in 20 nations; in the U.S., the affiliate program launched in 2012 and, run through the AARP (formerly the American Association of Retired People), contains 148 communities representing more than 61 million people. In 2010, Portland, Oregon applied to become to become a member of the WHO’s Global Network of Age-Friendly cities; it was among the original nine metro areas selected, and the first in the United States. The application required cities to perform a baseline age-friendliness assessment, and present a three-year plan to improve that metric. Portland’s plan, drafted in 2013 in conjunction with the City of Portland and the Portland State Uni-
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versity Institute on Aging, addresses the key areas for improvement outlined in the original WHO guidelines: housing, transportation, outdoor spaces and buildings, civic participation and volunteerism, employment and the economy, social participation, community and information, community services, and health services. The scope and detail of Portland’s plan, which is now in its third year of implementation, can serve as a baseline blueprint for other cities looking to follow suit, but they key, Irving says, will be for cities and communities to approach the productive integration of aging communities as something that benefits not just the elderly population, but people of all ages. The Center for the Future of Aging at the Milken Institute, which Irving took over two years ago, “wants to draw attention not just to the challenges, but to the opportunities that this massive growth in human capital represents,” Irving says. At the core of that shift will necessarily be a philosophy of breaking down generational boundaries, that older people and younger people can and should benefit from each other. INTEGRATING OUR SYSTEMS For truly productive intergenerational communication and collaboration to take place, though, our cities and communities will have to engage in some fairly comprehensive structural overhauls. When the WHO surveyed seniors across the globe, they heard a range of feedback: There aren’t enough benches in public spaces; sidewalks are cracked and narrow. One person from Halifax said, quite simply: “Cross lights are made for Olympic runners.” Irving says that “urban designers need to think more about creating communities that are walkable and accessible and safe, but also attractive to this changing demography.” While there’s room for improvement in every corner of infrastructure, Lawler names two places to start: transportation and housing. “At the heart of the issue is that communities have to have choice,” Lawler says. Structurally, communities tend to sequester aging populations into specific systems: senior centers and vans that transport elderly people from said centers to whatever activity is designated for them that day. By ensuring that communities are flexible and responsive to a variety of needs across ages, people can “age in place and not have to miss a beat,” Lawler says. WHO outlines a list of requirements for upgrading transit systems for aging populations, and includes the expected: Making timetables and arrival boards legible; adding adequate priority seating; ensuring the routes run to destinations like medical facilities and parks. “But the sharing economy also presents an opportunity,” Irving says. Companies like Lyft and, eventually, autonomous vehicles, will make it possible for older people who can’t drive to access their communities without sacrificing the ease of getting into a car. While 88% of adults continue to drive at age 65, that proportion drops to 69% by 75. In many areas, though–particularly where public transportation is not fully fleshed out–driving remains one of the only consistent options for transit. Only a quarter of people aged 65 and older have a smartphone (though that number will grow), but 82% who do say owning one is “freeing.” Forbesspoke to one Uber driver in Los Angeles who said 40% of her passengers were elderly; their grandchildren downloaded the app for them.
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And there are a handful of apps geared more specifically toward the aging demographic. Lift Hero, a ridesharing service for seniors, has already capitalized on this idea, connecting elderly people in need of rides with drivers–many of them training to become doctors–who will get them where they need to go, and recognize any additional needs. Another tool, called Circulation, launched last fall to provide non-emergency transport for patients in need of seeing the doctor. It’s integrated with Uber’s API and hospital’s electronic records. Though the tool initially launched in partnership with the Boston Children’s Hospital, co-founder and CEO Robin Heffernan told HealthEgy that the service is also essential for seniors. But transportation is only one side of the coin. It’s not enough to provide easy routes in between destinations if the destinations themselves are not places seniors really want to be. Dismantling the senior-center living model is at the heart of architect Matthias Hollwich’s book, New Aging: Live Smarter Now to Live Better Forever, which he released last year as a manifesto on how to age in place creatively and productively. In tandem with the book, Hollwich’s firm, Hollwich Kushner, released a prototype design for an intergenerational living building called Skyler, which would include services for all ages: a nursery for young kids where seniors can care for them, a spiritual center, and an open-plan design to foster connection. When looking into options for his next move, O’Halloran says that he was disappointed by the likelihood that he will end up in a senior home. He’d prefer an intergenerational model, like the combination nursing home-college dorms that have recently sprung up in the Netherlands, but even those facilities, to O’Halloran, are not perfect solutions. It’s not enough to put people of different ages into the same living space and hope they collaborate, O’Halloran says: living facilities also need to be integrated with systems that facilitate collaboration and meeting needs for all who live there. These types of developments, too, in conjunction with more comprehensive transportation options, will go a long way toward ensuring aging residents will be able to remain in their communities. In the Pat Crowley House, one of three multigenerational living facilities run by Housing Opportunities & Maintenance for the Elderly in Chicago, younger residents–often college students–help their older roommates with computer questions and cook dinner on the weekends; the organization plans activities for residents, like trips to Garfield Park Conservatory, but most of the bonding happens organically, over shared TV shows and stories. The Chicago Tribune reports that while the arrangement is uncommon, it’s a “welcome option as society prepares to deal with the needs and challenges of a dramatically growing community.” SEEING THE ECONOMIC BENEFIT In addition to improving lives for older Americans, there’s an economic benefit to communities and living arrangements that structure themselves in a way that allows older people to remain in place. The Atlanta Regional Commission (ARC), where Lawler works, performed an economic analysis of the impact of welcoming retirees in the 20-county area around the city. By adding an additional 1,000 new residents aged 65 or older, the ARC found that the region would see a $7.8 billion increase in its GDP. Keeping aging people in communities—and attracting new people of traditional retirement age and above–is an
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economic force on par with tourism, says Mike Alexander, research and analytics manager for the ARC. On a national scale, an Oxford Economics report found that the “longevity economy” is one of the most vital in the U.S., with 106 million people over the age of 50 collectively responsible for $7.6 trillion in annual economic activity, spending $4.6 trillion on consumer goods and services, and in particular, the health care industry. In the longevity economy, the Oxford Economics report adds, 90% of seniors say they want to be able to remain in their own home as they age; this will require more robust and adaptable transit options, as outlined above, as well as innovative supportive housing, like the Pat Crowley house, becoming more widespread. The report also adds that the longevity economy also presents a business opportunity for the development of “aging-in-place” technology like MedMinder–an automated system that reminds people to take their prescribed pills. Overhauling how homes and communities respond to the needs of aging people will help keep them in place and contributing to the local economy. Yet it’s not just spending power that should be a motive for keeping elderly people in communities and active in the economy. As part of Hollwich’s design for Skyler, he included an in-building business hub where seniors can pursue business ventures. The majority of entrepreneurs are actually middle-aged or approaching 65, and with more and more people hitting what was once considered “retirement age,” it’s impractical for cities and communities to count on young people alone to act as economic drivers. By 2022, it’s estimated that around 31.9% of people between the ages of 65 and 74 will remain in the workplace—as opposed to 20.4% in 2002. Despite the “lump-of-labor” fallacy, which arises from the faulty idea that the amount of labor available to all demographics is fixed (and previously invoked when women began to enter the workforce in large numbers), welcoming more older people into the workforce will not detract from the number of jobs available to younger workers. Rather, recent cross-national studies have show that higher rates of employed elderly people generally denote strong economic circumstances–which correspond with more jobs for younger workers. Diversity in the workplace is crucial: It creates a more inclusive environment for a wide variety of talent, and it has positive ramifications for businesses’ bottom line. But diversity in business is generally talked about in terms of race, gender, and sexuality. “We have to begin to talk about aging being a part of the diversity matrix,” Irving says. As a Boomer who works on a team with millennials, Irving has seen firsthand how people of different ages can collaborate to produce innovate business solutions. “If I were advising a tech entrepreneur today about how to compose her workforce, rather than telling her to go hire two twenty-something Stanford grads with engineering degrees or two 65-year-olds who used to work in the aerospace industry, I’d tell her to hire one of each—one will bring the creativity and risk-taking, and the other will bring the experience and ability to see across sectors.” Companies like BMW are already taking this approach: In 2007, the German manufacturer realized that over the next 10 years, the average age of its workforce would increase from 39 to 47. Instead of panicking, BMW decided to adjust and figure out how to best incorporate older workers into all aspects of production. The company chose one production line to model what they called the “2017 project”– a workforce that accurately reflected demographics for that year. Though younger workers on the line initially feared
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the influx of elderly workers would lower their productivity, the 70 management tweaks that BMW made–from introducing part-time work to providing workers with shoes designed to reduce the pains of standing–which amounted to a €20,000 investment, brought about a 7% increase in productivity. Contrary to the younger workers’ concerns, integrating an older workforce benefited all. However, it’s impossible to discuss the economics of welcoming older people into the workforce without also asking what happens when they leave it. Social security, as previously noted, was introduced at a time when average life expectancy was lower than the age of retirement; now, the boom in people availing of the benefit has set the program on a path toward a $32 trillion shortfall. However, Christine Herbes-Sommers, who produced the forthcoming documentary Coming of Age in An Aging America, says that over the course of her filming, she consistently heard one solution: Raising the maximum taxable income cap. Currently, people only pay taxes on social security on the first $118,000 they make; if you make more than that, it’s not taxed for social security at all. By raising that level to $215,000–a move that 88% of respondents to a Washington Postpoll support–could provide the benefit the staying power it needs to withstand changing demographics. “If you look at this issue first through a telescope, then through a microscope, you can actually see solutions,” Hebres-Sommers says. CHANGING THE CULTURAL TIDES Implementing the solutions that Hebres-Sommers alludes to will require action now, and on the part of a generation that still might view the aging process as a remote concern. But collapsing the barriers between old and young will be perhaps the most crucial step in fostering these wide-spread changes. That will start with communication: There’s much that younger generations stand to learn from older generations. Hollwich imagines younger folks reaching out to the older people in their communities for advice and knowledge of the world that they might not otherwise have access to. And older adults would be receptive: The Harvard Medical School professor George Vaillant conducted a study on seniors’ attitudes toward helping the younger generation, and found that those who acted as tutors or mentors were three times as likely as their peers to feel joy instead of despair as they hit 70. For aging people, the benefits of staying active and engaged with the whole spectrum of their communities are enormous. Social isolation has been called “a growing epidemic” by The New York Times, and it’s one that has an immediate effect on health: Adults who say they are lonely—a number which has doubled to 40% since the 1980s— have a 30% higher chance of dying in the next seven years than those who are surrounded by strong connections. The health risks of isolation are apparent: 43% of socially isolated seniors report receiving little or no help in managing their illnesses. The risk of diseases like Alzheimer’s is also exacerbated by isolation, but researchers have found that participating in “purposeful activity” in the aging process can slow cognitive decline by 30%. “Purposeful aging” can take on a variety of forms. Continuing education programs, like the University of Wisconsin-Madison’s, which allows seniors to take classes for free, are something that more educational institutions should consider offering as a way to integrate older populations into community cornerstones. And there’s also volunteerism: Nearly a
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quarter of people 55 and older in the U.S. volunteer, contributing more than 3.3 million hours of service at food banks and fundraising enterprise in 2015, and bringing about an economic benefit of $77 billion dollars. There’s a reason that Hebres-Sommers’s documentary, which will premiere in March at the American Society on Aging conference in Chicago, focuses as much on people in their 20s as it does people staring down their 80s: these shifts need to happen now, and they need to start with the generation coming of age now. “What we’ve focused on is the fact that this is a historic, transformative demographic shift,” Hebres-Sommers says. “And it’s not just the Boomers–it’s the future.” Patrick O’Halloran solved his version of these problems, oddly enough, through some mail he didn’t read. Every day, he would pick his mail up and drop it in a pile, where it would accumulate, untouched. “I know the school of thought that says you should open everything you receive right away and deal with it,” he says. But he couldn’t bring himself to subscribe to it. “Never have,” he says. “I’m not apologizing for it.” But he was missing payments, and thought it might help to have someone come by to help him out. O’Halloran had heard of a program called linkAges through a local retirement center where he sometimes goes and gives talks; the program, run through Sutter Health and Palo Alto Medical Foundation’s innovation center, acts as a platform where people of all ages can post requests for aid and offer assistance in return. It’s sort of like TaskRabbit, but reciprocal, and designed with intergenerational connectivity in mind. Since it launched in 2013, over 1,000 users have joined; around 420 are seniors. The first volunteer who came to help O’Halloran was a student at Santa Clara University. On one of her visits, she brought three friends and O’Halloran ordered pizza; they spent the day just hanging out and sharing stories. “It’s really fun, to be able to go back and forth like that,” O’Halloran says. “I have something to give and share, and I have something to gain.”
INOVAÇÃO E SERVIÇOS NO BRASIL Aumento da população acima dos 60 anos, que representa 20% do consumo do país, cria oportunidades de negócios em todas as áreas Investir em um e-commerce especializado em produtos para o público acima de 70 anos. Criar um aplicativo de transporte exclusivo para a terceira idade. Desenvolver uma plataforma online com ferramentas para cuidadores ou ainda para a recolocação de profissionais seniores no mercado de trabalho. Essas são possibilidades de negócios que convergem para a realidade brasileira: um país em processo acelerado de envelhecimento. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD - Contínua) do IBGE divulgada em abril deste ano, o Brasil ganhou 4,8 milhões de idosos desde 2012, o que retrata crescimento de 18% em cinco anos. Atualmente, a população acima de 60 anos representa mais de 30 milhões de pessoas. Os dados acima mostram que a longevidade representa um campo fértil para o em-
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preendedorismo. “Estamos falando de um mercado de aproximadamente R$ 1 trilhão de renda, responsável por 20% do consumo no País”, diz a fundadora da Hype60+, consultoria de marketing com foco no mercado sênior, Bete Marin. Muito além da área da saúde Para o professor do Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da FGV (FGVOCÊenn), Marcus Salusse, “esta é uma tendência sociodemográfica mundial. Por isso, conseguimos prever demanda.” Segundo ele, as áreas mais promissoras para novos negócios são saúde e bem-estar, gestão financeira e mobilidade e movimento. Com o objetivo de mapear os hábitos de consumo e entender quais são as principais necessidade dos maduros, a Hype60+ conduziu um estudo em parceria com a plataforma de pesquisa Mind Miners no início do ano. Dos 863 participantes, 57% acredita que faltam produtos e serviços voltados para a sua idade. Entre as principais demandas citadas estão segmentos de cursos em geral, vestuário, serviços voltados à mobilidade e ao turismo e a soluções para acessibilidade. “Hoje essa população é muito mais ativa e engajada. A barreira tecnológica não existe mais para a maioria. Era muito comum dizer que o idoso tinha tempo e dinheiro, mas não tinha saúde. Isso mudou. Há um potencial de compra e consumo enorme”, pontua Salusse. Tecnologia Formado em tecnologia da informação, Fabio Ota fundou em 2014 a escola de programação de jogos ISGame. Inicialmente voltada para crianças e adolescentes, Ota percebeu que o método criado poderia ser efetivo na prevenção do Alzheimer e outras doenças cognitivas. “Mas precisava ter respaldo técnico-científico. Então formei uma equipe de psicóloga, fisioterapeuta, profissionais de terapia ocupacional e neuropsicólogos para entender se funcionava na prática”, conta. A equipe o ajudou a formatar o piloto do curso de programação de games para adultos acima de 60 anos. Em 2016, após uma série de avaliações, a ISGame foi aprovada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) no programa de Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE). Segundo a instituição, houve “melhora acentuada de memória e qualidade de vida” dos participantes. Após aporte da Fapesp, passaram pela ISGame mais de 120 alunos. O curso tem duração de cinco meses, com uma hora e meia de aula semanal. Mobilidade A partir de uma necessidade familiar, os irmãos Victoria e Gabriel Barboza, residentes em São Carlos (SP), criaram o serviço de transporte particular Euvô. “Nossa mãe tem esclerose múltipla. Vimos que ajudá-la em tarefas simples, como acompanhá-la ao supermercado, já a ajudava muito. Percebemos que a falta de autonomia para sair de casa era um problema para muitas pessoas, inclusive idosos”, diz Victoria.
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Outro empurrão para o início do negócio ocorreu quando o tema da longevidade foi abordado em uma pós-graduação em administração de empresas cursada por Victoria. “Isso me ajudou a tirar definitivamente o negócio do papel”, lembra. “Falávamos em aula sobre como a população brasileira está envelhecendo e como é importante criar produtos e serviços para melhorar a qualidade de vida dessas pessoas. Então pensamos que resolver a falta de autonomia para sair de casa era uma oportunidade de negócio. Elaboramos um questionário e colocamos na internet para fazermos uma pesquisa de mercado. Da amostra que coletamos, 92% tinha a convivência com idosos e destes, 86% dependia de um familiar para realizar as atividades do dia a dia.” Assim surgiu em 2017 a Euvô, com três diferentes serviços: leva e traz simples, leva e traz com espera e a opção do serviço com acompanhante. “Nestes últimos, é acrescido um valor por hora, além da quilometragem rodada. Todos os serviços são de porta a porta”, diz. O modelo de negócio é similar ao Uber, com 75% do valor da corrida pago ao motorista e o restante destinado para a Euvô. Além de avaliar as condições do carro, Victoria conta que os motoristas passam por um treinamento antes de ir para a rua. “O motorista tem conversas com gerontólogas, psicólogas e também um treinamento sobre primeiros socorros. É obrigatório passar por todo esse processo para atuar conosco”, diz. A Euvô atende atualmente os clientes por meio de uma central de relacionamento. Para o próximo semestre, está previsto o lançamento do aplicativo, além da expansão para mais três cidades do interior paulista. “As pesquisas mostram que o idoso está incluído digitalmente, mas vamos permanecer com os chamados via telefone. No aplicativo também será possível agendar corridas, o que pode ajudar o idoso que tem uma rotina semanal, como fisioterapia”, aposta. O valor investido no aplicativo foi de R$ 100 mil. Plataforma cria ferramentas para cuidadores Plug and Care oferece conteúdo e e-commerce para pessoas que administram cuidados com idosos Com o foco na família do idoso e mais de 30 anos de experiência em estudos sobre envelhecimento, a PhD em ciências da reabilitação Monica Perracini e outros três sócios fundaram a Plug and Care, plataforma voltada para os cuidadores familiares de idosos, que são, geralmente, membros da família responsáveis por cuidar de uma pessoa acima dos 60 anos com algumas limitações de saúde. “Identificamos em uma pesquisa de mercado que essas pessoas tinham grande necessidade por informação. Isso porque, muitas vezes, a realidade de cuidar de um ente querido acontece de forma repentina. Então o membro da família se vê perdido nessa missão. Nem sempre o médico tem tempo para detalhar o que está acontecendo”, explica Monica. A Plug and Care oferece aos usuários conteúdos informativos sobre alimentação, mobilidade, saúde e finanças, entre outros. A plataforma também conta com um marketplace, principal receita do projeto, com produtos relacionados ao universo do envelhecimento,
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divididos em duas categorias de busca: direta pelo produto ou por alguma necessidade detectada. “Caso o cuidador perceba que o idoso está com dificuldades para andar, por exemplo, ele pode colocar isso na busca e aparecerá uma seleção de produtos relacionados ao tema, com descritivos informativos. Estamos diferenciando a forma de cuidar porque queremos que ele compre já sabendo como usar”, destaca. O cuidador também conta com uma área exclusiva no e-commerce, com produtos voltados especialmente para o bem-estar desse público. “Oferecemos pacotes de relaxamento e massagem, por exemplo. Pensamos nisso para fazer com que o cuidador também se sinta acolhido”, completa Monica. A Plug and Care se prepara para a segunda fase do projeto. O aplicativo contará com a função de criar uma rede própria e particular administrada pelo cuidador principal. Nela, será possível monitorar desde horários para medicações até medição da pressão arterial, com a possibilidade de compartilhar exames e informações com os outros membros participantes da rede. “O aplicativo emitirá alertas se o idoso tomou ou não a medicação, ou se a mesma está acabando, por exemplo. Assim, essa família estará mais conectada, somando esforços em vez de ficar sempre centralizando o cuidado em uma única pessoa, o que causa sobrecarga.”
TALENTOS GRISALHOS Dados fornecidos pela GPTW No guarda-chuva da diversidade, esse é um tema ignorado: greys, silvers, seniores, experientes, idosos ou talentos grisalhos. A Great Place to Work está presente em mais de 50 países no mundo e possui pesquisa que, anualmente, avalia mais de 14 milhões de funcionários e 4 mil empresas. No Brasil, avaliam anualmente 2 mil empresas e aproximadamente 2,5 milhões de funcionários. Destas análises, fazem o ranking das 150 melhores empresas para se trabalhar (do ponto de vista do funcionário). Sendo assim, dentre as 150 Melhores Empresas para Trabalhar no Brasil, há apenas 3% de pessoas acima de 55 anos. Na faixa de 45 a 54 anos, temos apenas 12%. Se os percentuais são baixos dentre as melhores empresas, os números gerais tendem a ser piores. De acordo com Daniela Diniz, da GPTW: “Ao criar políticas e práticas pautadas apenas nos mais jovens, estamos, de certa forma, jogando no lixo a experiência dos mais velhos. E não estou falando de elaborar programas de preparação para a aposentadoria. Pois não se trata mais de preparar o profissional que está para pendurar as chuteiras. Trata-se de preparar qualquer profissional para a vida, para uma longa vida. Trata-se de repensar o
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modelo mental para recriar as carreiras fechadas que foram desenhadas apenas para os mais jovens. Trata-se de colocar na agenda corporativa este tema, ainda que seja um primeiro pontapé, como os programas que visam contratar pessoas com mais de 55 anos. Enquanto não mudarmos esse pensamento e continuarmos a dividir a vida em fases (início, meio e fim de carreira), seguiremos a apresentar números que vão ficando cada vez mais descolados da nossa sociedade. Por tudo isso e para mudar tudo isso, precisamos falar sobre nós mesmos - os de hoje e os de amanhã” No Brasil, 35% dos participantes da 21st Global CEO Survey acreditam que as mudanças demográficas representam uma das principais ameaças ao crescimento de suas empresas. Atentos a essa questão, PwC Brasil (network de firmas presente em 158 territórios, voltado à consultoria tributária, societária, de negócios e transações), no último ano criou o Senior Citizens - programa para a contratação de profissionais acima dos 50 anos. Segundo Érika Braga, diretora de RH da PwC Brasil, estes talentos têm grandes vantagens: mais equilíbrio emocional, maior capacidade de solução de problemas e comprometimento, além de exercerem papel de liderança e mentoria nas equipes. Na perspectiva pessoal, o resultado também é positivo: “para os contratados, é possível observar o impacto direto no engajamento e autoestima, essenciais para o envelhecimento saudável e ativo de qualquer pessoa”, explica Érika. Na edição piloto do programa foram selecionados cinco profissionais para a área de consultoria tributária, dentre 40 inscritos por meio da plataforma Maturijobs, empresa especializada no recrutamento de talentos com idade acima de 50 anos que desejam se manter ativos no mercado. Outras duas empresas são: - Tokio Marine (seguradora japonesa, que opera em 38 países) - com o programa “Toque de Vivência”, traz oportunidade para profissionais com mais de 50 anos na área de atendimento. - GOL – com a iniciativa Experiência na Bagagem/GOL Para Todos, que surgiu após a empresa perceber que seus profissionais mais experientes, na casa dos 50, 60 e 70 anos, tinham comprometimento, dedicação e engajamento muito acima da média.
BARBARA BESKIND, A AVÓ DO VALE DO SILÍCIO Aos 90 anos conseguiu trabalho na empresa da qual saiu o primeiro ‘mouse’ da Apple Fonte: El Pais O sonho de Barbara Beskind sempre foi ser designer, mas a vida foi passando sem que ela pudesse exercer esse ofício. Há dois anos, viu na TV uma entrevista do fundador da
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Ideo, David Kelley, na qual falava da importância de contar com uma equipe diversificada de projetistas. Ficou tão fascinada que mandou uma carta se oferecendo. Depois de várias entrevistas, obteve o emprego após completar 90 anos. Uma conquista e tanto no Vale do Silício, onde fazer 30 anos significa chegar ao topo, onde se oculta a data de nascimento no currículo e onde apenas 1% dos pedidos de emprego são aceitos. Barbara é uma raridade, mas ali está, integrando a equipe de criadores dessa empresa em que não só desenha, como também dá sua opinião sobre os produtos para idosos. E não se trata de uma empresa qualquer. Da Ideo saiu, por exemplo, o primeiro mouse da Apple. Gretchen Addi, uma sócia do estúdio, foi encarregada de comprovar que a história de Barbara era certa, que a antiga enfermeira da II Guerra Mundial poderia agregar valor à equipe. “Quando fui visitá-la em casa, ela exibiu os protótipos em que trabalhava”, conta. Gretchen foi, em grande parte, a “culpada” pela contratação. “[Barbara] tem uma vida apaixonante”, diz. É verdade. Seu voluntariado durante a guerra e sua licenciatura em arte e design na Universidade de Siracusa a transformaram na candidata perfeita para se instalar em Baumholder (Alemanha) entre 1955 e 1957 com o objetivo de revisar o funcionamento de uma máquina que feria as mãos dos operários. Do fim dos anos sessenta até sua aposentadoria, trabalhou como professora para estudantes com dificuldades. No pedido de emprego em que falou de sua vida profissional, também explicou que, apesar de sua idade, era capaz de se mover de maneira autônoma – embora use dois bastões de esqui para caminhar – e tinha energia suficiente para se integrar à equipe. No Vale do Silício, onde todos pensam em fazer fortuna e se aposentar, onde um dos temas recorrentes é “morra jovem e deixe um bonito cadáver”, ou “empreenda e venda logo sua empresa”, Barbara Beskind só pede mais tempo para poder desfrutar do emprego de seus sonhos. Ela já confessou que um de seus segredos é que se considera muito superior a seus companheiros na hora de se concentrar. É capaz de pensar sobre um problema concreto durante mais de quatro horas sem interrupções. A chave? Seu celular só serve para fazer ligações de emergência – sua pequena capacidade visual mal lhe permite usá-lo. A abstração é sua melhor ferramenta.
‘O PRAZER MEU É DE MORRER TRABALHANDO’, DIZ AGRICULTOR DE 105 ANOS Por Beto Silva e Eloyna Alves, TV Paraíba e G1 PB, Sousa As mãos calejadas, a pele enrugada e o corpo encurvado são marcas de vários anos dedicados ao trabalho árduo com a enxada. Aos 105 anos, o agricultor Joaquim Aparecido, ainda lúcido, não abdicou do trabalho no campo e segue firme no ofício para o qual dedicou a maior parte da sua vida. Mesmo depois de se aposentar, ele não conseguiu largar de vez o trabalho na roça e esbanja felicidade ao ver que as chuvas registradas no Sertão da Paraíba. Ele, que é analfabeto, mora no distrito de São Gonçalo, município de Sousa, e conta que desde rapaz começou a se dedicar ao trabalho no campo, de onde adquiriu boa parte de sua sabedoria. Com o passar do tempo, Joaquim Aparecido conseguiu um trabalho
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como auxiliar de serviços gerais no Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (Dnocs), chegando, inclusive, a participar da construção de açudes da região. Mas sempre que tinha um tempo livre, era para o roçado que ele ia, afinal, plantar e colher sempre foi um dos maiores prazeres da vida dele. Apesar de ter se aposentado, seu Joaquim Aparecido continua com muita vitalidade e mantém o hábito de acordar cedinho para alimentar as galinhas e os cachorros que ele cria, diariamente. Quando sente vontade, ele vai para o roçado e de lá sai realizado. O agricultor conta que foi agraciado pelas chuvas, o que tem deixado-o cada vez mais animado com a plantação. Este ano, seu Joaquim plantou feijão e, realizado, já está colhendo o que plantou. O agricultor tem duas filhas, cinco netos e seis bisnetos. Atualmente, ele mora com uma das filhas, que cuida dele, um genro e um bisneto. Segundo os seus familiares, ele desfruta de uma boa saúde, o que tem de vez em quando é uma gripe ou alguma doença simples, que não tiram dele a vontade de viver. Nas rodas de conversa em família, ele é um dos mais conversadores e a roça é o assunto de sua preferência, já que alguns dos seus parentes são agricultores também. É o caso da filha que mora com ele, a agricultora Dalva da Silva, de 59 anos. Ela conta que, ao primeiro sinal de chuva, a alegria já tomou conta do semblante do pai dela. “Ele pegou a enxada, veio plantar e hoje está colhendo”, comentou. Seu Joaquim e Dalva, que é filha adotiva dele, dividem a rotina de cuidados com a plantação e também cuidam um do outro, renovados pela esperança trazida pela chuva caída no Sertão. A neta de seu Joaquim, a agricultora Suênia Martins, de 33 anos, que é filha de Dalva, conta que tem o avô como um exemplo de vida. “Foi ele que me criou e por um bom tempo a gente morou na mesma casa. Mas depois que eu saí da casa dele, continuo indo ver ele todos os dias. Sou eu que faço a barba dele, ajudo a minha mãe a cuidar dele e tenho uma admiração muito grande por tudo que ele é”, falou a neta. Diante de tanto cuidado e carinho, seu Joaquim se fortalece e ganha mais ânimo para continuar vivendo. Questionado sobre quando iria deixar a vida de agricultor para descansar mais, ele foi enfático na resposta. “O prazer meu é de morrer trabalhando”.
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REINVENÇÃO E RESSIGNIFICAÇÃO A velhice também pode ser um tempo para reinvenção e ressignificação. Poder encontrar, descobrir novos prazeres e novos talentos deve fazer parte de todos os momentos da vida. Talvez esse seja um dos segredos da longevidade. Chama atenção aqui o olhar de Jane Fonda sobre O Terceiro Ato da Vida: “Passei o último ano pesquisando e escrevendo sobre este assunto. E descobri que uma metáfora mais adequada para envelhecimento é uma escadaria - a ascensão para o topo do espírito humano, trazendo-nos para sabedoria, completude e autenticidade”. A espiritualidade tem destaque em dois artigos “Espiritualidade e Envelhecimento” e “Envelhecer à Maneira Taoista”, que mergulham nesse tema.
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Novos Rumos Vou imprimir novos rumos Ao barco agitado que foi minha vida Fiz minhas velas ao mar Disse adeus sem chorar E estou de partida Todos os anos vividos São portos perdidos que eu deixo pra trás Quero viver diferente Que a sorte da gente É a gente que faz Quando a vida nos cansa E se perde a esperança O melhor é partir Ir procurar outros mares Onde outros olhares nos façam sorrir Levo no meu coração Esta triste lição que contigo aprendi Tu me ensinaste em verdade Que a felicidade está longe de ti Paulinho da Viola
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TERCEIRO ATO DA VIDA, JANE FONDA (TRECHOS DO TEDxWOMEN) Houve muitas revoluções no último século, mas talvez, nenhuma tão significativa quanto a revolução da longevidade. Estamos vivendo em média, hoje, 34 anos a mais do que nossos bisavós. Pensem sobre isso. Isso é um completo segundo período de vida adulta que foi adicionado à nossa expectativa de vida. E ainda assim, para a maior parte, nossa cultura não se posicionou sobre o que isto significa. Ainda estamos vivendo com o velho paradigma da idade como um arco. Essa é a metáfora, a velha metáfora. Você nasce, atinge o auge na meia-idade e declina para a decrepitude. Idade como patologia. Mas muitas pessoas hoje - filósofos, artistas, médicos, cientistas - estão lançando um novo olhar para o que chamo de terceiro ato, as três últimas décadas da vida. Eles percebem que isso é, na verdade, um estágio de desenvolvimento da vida com sua própria significância - tão diferente da idade madura quanto a adolescência é da infância. E estão questionando - todos nós deveríamos estar questionando - como usamos esse tempo? Como vivê-lo com sucesso? Qual é a nova metáfora apropriada para envelhecimento? Passei o último ano pesquisando e escrevendo sobre este assunto. E descobri que uma metáfora mais adequada para envelhecimento é uma escadaria - a ascensão para o topo do espírito humano, trazendo-nos para sabedoria, completude e autenticidade. De forma que nenhuma idade é tida como patologia, e sim, como potencial. E adivinhem? Esse potencial não é para poucos felizardos. Acontece que a maioria das pessoas acima de 50 sente-se melhor, é menos estressada, é menos hostil, menos ansiosa. Tendemos a ver os itens comuns mais que as diferenças. Alguns dos estudos dizem até mesmo que somos mais felizes. Isso não é o que eu esperava. Venho de uma longa linhagem de depressivos. Quando me aproximava dos meus 40, assim que acordava de manhã, meus seis primeiros pensamentos eram todos negativos. E me assustei. Pensava, puxa vida, vou me tornar uma velhota mal-humorada. Mas, agora que estou, de fato, precisamente no meio de meu terceiro ato, percebo que nunca fui mais feliz. Tenho uma tremenda sensação de bem-estar. E descobri que quando você está dentro da velhice, em vez de olhar para ela do lado de fora, o medo se aquieta. Você nota, você ainda é você mesma - talvez até mais. Picasso disse uma vez: “Leva um longo tempo para se tornar jovem”. Não quero romantizar o envelhecimento. Obviamente, não há garantia de que ele seja um tempo de fruição e crescimento. Alguma coisa disso é uma questão de sorte. Alguma coisa disso é, obviamente, genético. Um terço disso, de fato, é genético. E não há muito que possamos fazer sobre isso. Mas isso significa que, para dois terços de quão bem desempenhamos no terceiro ato, podemos fazer algo. Vamos examinar o que podemos fazer para tornar esses anos adicionais realmente bem sucedidos e usá-los para fazer a diferença. Deixem-me dizer algo sobre a escadaria, que parece ser uma metáfora esquisita para idosos, considerando-se o fato de que muitos idosos são desafiados por escadas. Eu mesma estou incluída. Como sabem, o mundo inteiro opera com uma lei universal: entropia, a segunda lei da termodinâmica. Entropia significa que tudo no mundo, tudo está num estado de declínio e decadência, o arco. Há apenas uma exceção a essa lei universal e isso é o espí-
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rito humano, que pode continuar a evoluir em direção ao topo - a escadaria - trazendo-nos para completude, autenticidade e sabedoria. E aqui está um exemplo do que quero dizer. Essa ascensão rumo ao topo pode acontecer mesmo face a desafios físicos extremos. Cerca de três anos atrás, li um artigo no New York Times, era sobre um homem chamado Neil Selinger - 57 anos de idade, um advogado aposentado - que tinha se juntado ao grupo de escritores da Faculdade Sarah Lawrence, onde encontrou sua voz como escritor. Dois anos depois, ele foi diagnosticado com esclerose amiotrófica lateral, comumente conhecida como doença de Lou Gehrig. É uma doença terrível. É fatal. Ela devasta o corpo, mas a mente permanece intacta. Em seu artigo, o sr. Selinger escreveu o seguinte para descrever o que estava acontecendo a ele. E cito: “À medida que meus músculos enfraqueciam, minha escrita se tornava mais forte. À medida que lentamente perdia minha fala, ganhava minha voz. À medida que encolhia, eu crescia. No momento em que perdi tanto, finalmente comecei a encontrar a mim mesmo”. Neil Selinger, para mim, é a personificação da subida da escadaria em seu terceiro ato. Todos nascemos com espírito, todos nós, mas, às vezes, ele fica soterrado debaixo dos desafios da vida, violência, abuso, negligência. Talvez nossos pais sofressem de depressão. Talvez eles não fossem capazes de nos amar além daquilo que realizamos no mundo. Talvez ainda soframos com uma dor psíquica, uma ferida. Talvez experimentemos a sensação de que muitos de nossos relacionamentos não tiveram uma conclusão. E assim podemos nos sentir inacabados. Talvez a tarefa do terceiro ato seja terminar a tarefa de encerrar a nós mesmos. Para mim, ela começou quando me aproximava do meu terceiro ato, meu aniversário de 60 anos. Como era para eu viver? O que era para eu realizar nesse ato final? E percebi que, a fim de saber para onde estava indo, eu tinha que saber onde estivera. Então, voltei e estudei meus dois primeiros atos, tentando ver quem eu era na época, quem eu realmente era - não quem meus pais ou outras pessoas me disseram que eu era, ou me trataram como se eu fosse. Mas, quem era eu? Quem foram meus pais - não como pais, mas como pessoas? Quem foram meus avós? Como eles trataram meus pais? Esse tipo de coisas. Descobri alguns anos atrás que esse processo pelo qual passei é chamado pelos psicólogos “fazer uma análise da vida”. E dizem que ela pode dar nova significância, clareza e sentido à vida de uma pessoa. Você pode descobrir, como eu, que muitas coisas que você costumava pensar que eram falha sua, muitas coisas que costumava pensar sobre você mesma, na verdade, não tinham nada a ver com você. Não era falha sua; você estava bem. E você é capaz de voltar e perdoá-los, e perdoar a você mesma. Você é capaz de se libertar de seu passado. Você pode mudar sua relação com seu passado. Enquanto estava escrevendo sobre isso, encontrei um livro chamado “Em Busca de Sentido” de Viktor Frankl. Viktor Frankl foi um psiquiatra alemão que passou cinco anos em um campo de concentração nazista. E ele escreveu que, enquanto estava no campo de concentração, ele poderia dizer, se eles fossem libertados, quais pessoas estariam ok e quais não estariam. E ele escreveu isto: “Tudo que você tem na vida pode ser tirado de você exceto uma coisa, sua liberdade de escolher como você responderá à situação. Isso é o que determina a qualidade de vida que vivemos -- não se fomos ricos ou pobres, famosos ou anônimos, saudáveis ou sofredores. O que determina nossa qualidade de vida é como nos
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relacionamos a essas realidades, que tipo de significado atribuímos a elas, que tipo de atitude mantemos sobre elas, que estado mental permitimos que elas incitem.” Talvez o objetivo principal do terceiro ato seja voltar e tentar, se apropriado, mudar nossa relação com o passado. Acontece que estudos cognitivos demonstram que, quando somos capazes de proceder assim, isso se manifesta neurologicamente - caminhos neurais são criados no cérebro. Veja, se você, ao longo do tempo, reagiu negativamente a eventos passados e a pessoas, caminhos neurais são configurados por sinais químicos e elétricos que são enviados através do cérebro. E com o tempo, esses caminhos neurais se estabelecem, eles se transformam na norma - mesmo se são ruins para nós porque nos causam estresse e ansiedade. Contudo, se pudermos voltar e alterar nossa relação, reavaliar nosso relacionamento com pessoas e eventos do passado, os caminhos neurais podem mudar. E se pudermos manter sentimentos mais positivos sobre o passado, isso se torna o novo modelo. É como reajustar o termostato. Não é ter experiências que nos torna sábios, é refletir sobre as experiências que tivemos que nos faz sábios - e que nos ajuda a ser completos, traz sabedoria e autenticidade. Isto ajuda a nos tornar o que poderíamos ter sido. Mulheres começam completas, não começamos? Quero dizer, como meninas, começamos irritadiças -- “É, quem disse?” Temos atuação. Somos os sujeitos de nossas próprias vidas. Mas muito frequentemente, muitas, se não a maioria de nós, quando alcançamos a puberdade, começamos a nos preocupar com ajustar-nos e sermos populares. E nos tornamos os sujeitos e objetos da vida de outras pessoas. Agora, em nosso terceiro ato, talvez seja possível para nós percorrer de volta o círculo até onde começamos e conhecê-lo pela primeira vez. E se pudermos fazer isso, não será apenas para nós mesmas. Mulheres mais velhas são o maior contingente demográfico no mundo. Se pudermos voltar e redefinir a nós mesmas e nos tornar completas, isso criará uma mudança cultural no mundo, e dará um exemplo às gerações mais jovens para que elas possam repensar suas próprias expectativas de vida.
O TEMPO A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa. Quando se vê, já são seis horas! Quando se vê, já é sexta-feira! Quando se vê, já é natal... Quando se vê, já terminou o ano... Quando se vê perdemos o amor da nossa vida. Quando se vê passaram 50 anos! Agora é tarde demais para ser reprovado... Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio. Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas... Mario Quintana
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OS SEGREDOS DA LONGEVIDADE DE JEANNE LOUISE CALMENT QUE VIVEU 122 ANOS A admirável senhora centenária Jeanne Louise Calment, é considerada a pessoa que mais tempo viveu no mundo, com registros e comprobatórios válidos. Jeanne entrou para história ao atingir a marca de 122 anos e 164 dias de vida (Arles, 21 de fevereiro de 1875 — Arles, 4 de agosto de 1997). Ao que parece, o destino gostava de como a madame Calment vivia. Ela era francesa, nascida em Orly, região próxima a Paris. Quando estavam construindo a Torre Eiffel, tinha 14 anos e nessa época era namorada de Van Gogh. “Ele era sujo, andava sempre mal vestido e era sombrio”, disse a senhora sobre o pintor durante uma entrevista em 1988, quando celebrou seus 100 anos de vida. Aos 85 anos, praticava esgrima, e aos 100 ainda andava de bicicleta. Jeanne Louise apareceu num filme quando tinha 114 anos, aos 115 foi submetida a uma cirurgia no quadril e aos 117 parou de fumar. E não foi por se sentir mal pelo vício, mas sim porque, como estava quase cega, se incomodava em ter de pedir isqueiro aos outros. Quando tinha 90 anos Jeanne Louise, que já não tinha herdeiros, firmou com André-François Raffray (um advogado de 47 anos) um contrato estipulando que ele herdaria sua casa desde que lhe pagasse uma renda mensal de 2500 francos. O valor original da casa estava pago após 10 anos, mas o destino tinha outra carta dentro da manga: Raffray não apenas pagou a Madame Calment durante 30 anos, como também morreu antes dela, aos 77 anos, e sua viúva continuou pagando a ‘renda’ até a morte da proprietária. Até seus últimos dias, Madame Calment esteve lucida e teve sagacidade para pensar. Quando, em seu aniversário de número 120, perguntaram sua opinião sobre o futuro, ela deu uma resposta incrível: “Vai ser muito curto”. Frases e regras de vida da Madame Calment: “A juventude é um estado da alma, não do corpo; por isso eu continuo sendo uma garota”. “Nunca pareci tão bem como nos últimos 70 anos”. “Tenho uma única ruga, e estou sentada em cima dela”. “Deus se esqueceu de mim”. “Sorrir sempre. Creio que essa seja a causa da minha longevidade”. “Se não há nada que você possa fazer sobre algo, não se preocupe por isso”. “Tenho uma grande vontade de viver e um bom apetite, especialmente para as guloseimas”. Nunca uso rímel porque dou risada até chorar com muita frequência. Enxergo mal e escuto mal e me sinto mal, mas isso tudo é uma bobagem. Acho que vou morrer de tanto rir. Tenho pernas de ferro, mas, para ser sincera, elas começaram a enferrujar um pouco. Sempre aproveitei de quase toda situação. Respeitei os princípios morais e não tenho nada do que me arrepender. Sou sortuda. Em uma entrevista, um jornalista lhe disse: “Nos vemos! Quem sabe no ano que vem…”. E Madame Calment respondeu: “E por que não? Você não parece estar tão mal, apesar de tudo!”
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BLOGUEIRA SUECA FAZ SUCESSO AOS 103 ANOS E AVISA: ‘IDOSOS NÃO SÃO ESTÚPIDOS’ De Estocolmo para a BBC Brasil A sueca Dagny Carlsson nasceu em 1912. “No mesmo ano em que o Titanic afundou”, ela faz questão de lembrar. Achava que já tinha visto de quase tudo na vida, desde as duas guerras mundiais até à invenção das máquinas modernas. Mas quando fez 93 anos de idade, Dagny conheceu um computador de perto. E aos cem, resolveu que era hora de lançar o seu próprio blog. Agora, às vésperas de completar 104 anos, Dagny Carlsson ganhou status de celebridade: ela é provavelmente a blogueira mais velha do mundo, e seu blog já contabiliza mais de 1,4 milhão de visitantes. “Os idosos não são tão estúpidos como a sociedade pensa. É preciso mudar esse conceito. As pessoas mais velhas são tratadas, em geral, ou como se fossem crianças, ou como se fossem idiotas. Eu digo que os idosos merecem mais respeito”. Seu primeiro computador, usado, foi dado a ela pela irmã mais nova, que tinha na época 85 anos de idade. Ainda não havia cursos de computador para idosos, naqueles idos de 2005. “Mas assim que criaram um curso, me matriculei. A professora não conseguia acreditar nos próprios ouvidos, quando disse a ela que tinha 99 anos”, conta Dagny. De aluna, ela passou a ser instrutora do curso, durante um ano. E assim seu blog nasceu. “Bem-vindo ao meu blog: sou uma idosa determinada, que gosta de quase tudo. Pode ser uma ópera, mas também pode ser só um papo sobre coisas divertidas ou difíceis. Prefiro as coisas divertidas. As pessoas dizem que eu tenho humor, e que sou bastante franca”, diz “Bojan” na página de abertura do blog. Dagny também quer ser uma voz para os idosos. “Porque os idosos são muito calados em nossa sociedade, e porque quando falam, ninguém se importa com o que dizem. Só se importam com o que eu digo porque me tornei famosa”, ela diz, levantando-se para mostrar o prêmio de Idosa do Ano e um troféu recebido por um canal da TV sueca. “O maior desafio do ser humano é superar seu próprio medo”, acrescenta ela. Diz o trecho de um de seus posts: “Sou incrivelmente velha, mas não me sinto velha. Quero ser tratada como qualquer pessoa. Não como um fóssil. Com certeza, há muitas pessoas como eu. Deveríamos ir para as ruas e protestar alto, como fazem os jovens, e exigir que as pessoas nos ouçam. Desafio todos os idosos: sejam mais assertivos!” Estrela de um documentário recente da TV pública sueca sobre os desafios do envelhecimento, conta: “Uma empresa de alimentos quer que eu faça propaganda para eles, então eles têm me mandado refeições congeladas uns oito dias seguidos”. Mas Dagny diz que colocou tudo no congelador, e nunca usou. É a própria Dagny que cozinha, lava roupa, arruma a casa e faz as compras do supermercado, onde vai a pé em uma caminhada que dura 15 minutos. Uma vez por mês, uma diarista cuida da limpeza mais pesada. Talvez o segredo de tamanha vitalidade, ela pondera, esteja nos “bons genes”: “Mas acho que o principal é manter a curiosidade pela vida. As pessoas ficam velhas quando
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param de ter curiosidade sobre as coisas. Então, se depender de mim o blog não vai ser a última coisa nova que eu vou experimentar na vida. Por falar nisso, acabei de comprar um iPad”. Os 104 anos de idade, que ela completa em maio, vão ser comemorados com festa e champanhe: “É tão importante quanto comemorar 50 anos. A vantagem de ter 50 é que você provavelmente ainda tem muito tempo pela frente. Já eu não sei quantos anos de vida ainda vou ter”. Na morte, ela não pensa: “Não, não estou minimamente interessada na morte. Também não faz sentido nenhum ter medo da morte, já que ela é inevitável. Tenho medo é de guerra. Já vi duas guerras mundiais. E veja só o que está acontecendo na Síria.”
BLOGUEIRAS QUE DITAM A MODA NA TERCEIRA IDADE Nenhum desfile foi mais emocionante na Semana de Moda de Milão do que o da Bottega Veneta, em setembro de 2016. A marca, que comemorava 50 anos na ocasião, levou à passarela tops como Gigi Hadid ao lado de uma série de modelos idosos, encabeçada por Lauren Hutton, primeira da história a assinar um contrato milionário com uma empresa de cosméticos, a Revlon, em 1969. Hoje, aos 73 anos, Lauren foi ovacionada pelo público, que a aplaudiu de pé. O estilista francês Jean Paul Gaultier também foi longe. Na passarela de verão 2014, em Paris, apresentou um casting repleto de homens e mulheres grisalhos. Essa discussão teve início com um editorial de moda intitulado “Forever love”, publicado ainda em 2010. Nele, o cineasta e estilista americano Tom Ford, 55 anos, levou para as páginas de uma revista um casal que já tinha passado dos 70. Entre tórridas cenas de amor, a dupla exibia cabelos brancos e outras marcas da idade, normalmente apagadas pelo Photoshop. Na ocasião, Ford declarou que estava farto da ditadura da moda, em que “pessoas com mais de 29 anos não têm vez”. Calcada nesse discurso de inclusão, uma nova “classe” de influenciadoras ganhou destaque nas mídias sociais: a das blogueiras da terceira idade. Nomes como Sarah Jane Adams, Lyn Slater e Helen Winkle acumulam milhões de seguidores no Instagram e são fotografadas incansavelmente para sites de street style. Em tempos de discussões acirradas sobre preconceito – de gênero e de idade –, tornou-se politicamente correto, no universo da moda, trabalhar com as diferenças. Essa geração de mulheres, no entanto, faz mais do que “preencher cotas”. Experientes, bonitas e estilosas, elas trazem às marcas uma qualidade difícil de alcançar: credibilidade. “Na moda, o mais importante é ser confiante”, diz Tomas Maier, diretor criativo da Bottega Veneta. “O desfile com Lauren representa isso. Você não precisa ter 16 anos para vestir bem uma roupa. Também não precisa ter 50. Classificar por idade é uma grande bobagem”, disse Maier. A americana Iris Apfel, 94 anos, é uma espécie de “líder da classe”. Formada em
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história da arte nos anos 1940, foi editora do jornal Women’s Wear Daily quando já tinha um estilo irreverente e singular de se vestir. Mas foi como decoradora que acabou ficando famosa em Manhattan, onde mora. Detalhe: depois dos 80 anos de idade. Iris é muito mais do que um ícone fashion, é uma mulher de negócios. Já emprestou o nome para marcas internacionais como M.A.C, Swarovski e & Other Stories. Seus looks, repletos de acessórios statement, renderam exposições no Metropolitan Museum de Nova York e no Le Bon Marché parisiense. Sobre ter se tornado um símbolo fashion na terceira idade, sentencia: “Não consigo ver nada errado em ter rugas. Mas é preciso coragem para exibi-las”.
A precursora: Iris Apfel, que tem 488 mil seguidores na conta @Iris.Apfel
Sarah Jane Adams, inglesa, 62 anos
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Proprietária da loja de joias vintage Samarai, em Sydney, na Austrália, a inglesa Sarah tem um estilo bem street: adora jeans rasgados e mix de estampas. Os cabelos são grisalhos e vivem emaranhados no topo da cabeça, às vezes amarrados por faixas multicoloridas. Designer, ela vive com o marido e uma de suas filhas em Sydney, mas também passa boa parte do ano no eixo Londres-Mumbai, na Índia. Nessas cidades, busca ideias para desenhar as peças de sua marca e também itens de brechó para compor seu guarda-roupa. “Alguns rotulam meu estilo de exagerado, outros, hippie. Para mim, é só a maneira como me visto e com a qual descobri minha identidade.”
Melanie Kobayashi, canadense, 54 anos
Moradora de Vancouver, a blogger se define como “aventureira estilosa que busca transcender por meio do humor, da cor e dos óculos cor-de-rosa bifocais”. É com esse espírito que ela escreve sobre moda e autoconfiança no site Bag and Beret. “É muito fácil cair na invisibilidade ao envelhecer. Mas dá para sair desse roteiro investindo em estilo. Me empresto como uma ferramenta para isso e para inspirar”, diz. “Ao longo dos anos, aprendi a construir minhas próprias tendências, sem me importar com as passarelas.” Dona de cabelos prateados bem curtinhos, Melanie investe em peças statement: casacos oversized multicoloridos, calças sequinhas e sapatos que roubam o look, com plataformas e saltos altos. “Adoro tudo que é incomum.”
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Lyn Slater, americana, 63 anos
Autora do blog Accidental Icon, publica looks do dia e posts com dicas de design, arte e literatura. Mais do que falar de moda, quer associá-la a um lifestyle cool, em vez de apenas glamouroso. “Sou uma eterna rebelde e, na minha opinião, a única pessoa que pode ditar regras sobre o que você deve ou não vestir é você”, diz. Lyn orgulha-se em dizer que faz parte de uma geração que queimou sutiãs, pregou o amor livre e viveu Woodstock. É com esse discurso que conquistou uma audiência de garotas entre 25 e 35 anos. “O ícone de estilo de minha geração foi Twiggy. Ela encarava a moda com uma abordagem pessoal e criativa.”
Helen Winkle, americana, 89 anos
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Ela é um fenômeno do Instagram. A vida de blogueira começou em 2014, por incentivo da bisneta, Kennedy. Ao vê-la sair para uma sessão de bronzeamento artificial vestida com short, meia soquete e camiseta, a menina encorajou a bisa a divulgar suas produções. Fã de peças coloridas, é bem-humorada – adora usar tops cropped e camisetas com frases de efeito. “Acho que faço sucesso porque os jovens querem que eu seja avó deles”, diz. “Eles também querem ser como eu no futuro. Sou saudável, estou em boa forma e linda!”
A REINVENÇÃO DE GARCIA-ROZA Luiz Alfredo Garcia-Roza atualmente tem 82 anos. Foi professor emérito da UFRJ, com vários livros e artigos sobre psicanálise. Com 60 anos de idade, se reinventa e torna-se escritor de livros de ficção. Em um gênero muitas vezes polêmico que é a literatura policial. Seu primeiro livro ganha o prêmio Jabuti e muitos outros seguem de forma contínua e com sucesso. Seu personagem principal chama-se Espinosa, um delegado, sem dúvidas uma homenagem ao filósofo e as histórias acontecem no Rio de Janeiro, em Copacabana e no pequeno Bairro Peixoto. Em alguns de seus livros personagens idosos são importantes. Mas o que interessa aqui, prioritariamente, é que o próprio Garcia-Roza muda radicalmente a sua vida aos 60 anos, saindo de sua bem-sucedida carreira acadêmica em direção a um gênero ficcional muitas vezes considerado menor. Grande escritor, Garcia-Roza é exemplo claro e vivo das possibilidades múltiplas de se abandonar um lugar de conforto em nome de um desejo criativo e profissional.
MULHER SE FORMA EM NUTRIÇÃO AOS 87 ANOS EM JUNDIAÍ REDAÇÃO - O ESTADO DE S.PAULO Cabelos brancos, 87 anos e um diploma recém-conquistado nas mãos. Essa é Luísa Valencic Ficara, imigrante italiana que em 2017 se formou, oficialmente, em nutrição pelo Centro Universitário Padre Anchieta, em Jundiaí, interior de São Paulo. Segundo Luísa, resolveu se matricular no curso para “ocupar a cabeça” depois da morte do marido e da irmã. “Não adianta ficar em casa que começam as dores. Dores crônicas, dores de saudade. Ter a casa vazia traz tudo isso”, disse. De acordo com a universidade, a proposta do trabalho de conclusão de curso de Luísa era construir um memorial da vida dela. Porém, por motivos particulares, ela selecionou um livro sobre a história da cana-de-açúcar e não focou a pesquisa na própria vida. Ainda assim, o trabalho, que compilou as principais características da produção e
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consumo de açúcar, foi elaborado a partir de leituras e resenhas mescladas com relatos de histórias que ela viveu. A orientadora do projeto, Valéria Campos, disse que foi “inevitável” filtrar a parcialidade dos textos dela e transformá-lo em acadêmico e científico. “Os escritos de dona Luísa foram nos conquistando”, disse. Todo o trabalho foi escrito por Luísa à mão. Colegas de sala e funcionários da instituição ficaram responsáveis pela digitação, configuração e impressão.
ANALFABETO ATÉ OS 65 ANOS SE FORMA EM HISTÓRIA AOS 79 De família pobre e desde cedo trabalhando duro em várias funções para sobreviver (atuou em lapidação, em gráfica, foi motorista e carregador), Valdir de Lima não teve tempo de estudar. Por causa disso, manteve-se sem saber ler e escrever até os 65 anos de idade. Isso não impediu que se apaixonasse pela carreira de História. “Foram minha mulher e meus filhos que me ajudaram a ler. Comprava jornais, revistas e livros e ficava encantado com a história das pessoas, dos lugares”, conta ele. Aos poucos, foi aprendendo mais com as aulas do Telecurso 2000. “Sou autodidata”, orgulha-se. Resolveu ir mais longe. Fez o Ensino Médio e depois matriculou-se no curso de História da Universidade Estácio de Sá. Por 8 anos, dividiu o tempo entre a sala de aula da universidade e o quarto de hospital onde sua mulher estava internada. Ela teve que tirar um rim e acabou falecendo, depois de uma convivência de 56 anos. Mesmo sem sua maior incentivadora ao seu lado, Seu Valdir continuou os estudos. Como resultado, Seu Valdir se formou historiador no fim de março, aos 79 anos, sob aplausos dos colegas mais jovens. “Levantar aquele canudo foi libertador”, desabafou Valdir. O caso de Seu Valdir inspirou à diretoria da Estácio a criação de alfabetização e letramento de jovens, adultos e idosos de áreas carentes do Rio de Janeiro. O projeto piloto está sendo posto em prática em três unidades: São Gonçalo, em Irajá, e Queimados. As aulas terão duração de 4 meses, com três aulas semanais, cada uma com duração de duas horas. O planejamento feito pela Estácio prevê que os alunos discutam sobre temas do dia a dia deles. Além de ler e escrever, os alunos do projeto vão aprender matemática com os problemas que enfrentam diariamente.
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A METAMORFOSE DAS PLANTAS Johann Wolfgang de Goethe Obnubila-te, amada, a mistura de milhares de formas dessa multidão de flores sobre o jardim; Escuta muitos nomes, e sempre distingue no ouvido o tom rude de um e de outro. Todas as formas são semelhantes, e nenhuma iguala-se à outra; e, então, o coro sinaliza para uma lei secreta, para um sagrado mistério. Oh, pudesse eu, doce amiga, já desvendar-te feliz a palavra desligada! Observo-a nascente, pouco a pouco, tal como a planta se comporta, gradualmente, para formar flores e frutos. Da semente ela desenvolve-se, assim que a terra silenciosa fertiliza o fascinante broto liberando-o para a vida, E o estímulo da luz, do sagrado, eterno excitar, Como a construção do mais delicado germinar de folhas recomenda. Simplesmente adormeceu a força na semente, um modelo incipiente, Deitado, fechado em si mesmo, curvado sob a cobertura, Folha e raiz e embrião formado, apenas, pela metade, e incolor; seca, a semente mantém protegida a vida assim conquistada, flui com esforço para cima, umedece-se suave e confiante, e ergue-se tão logo da noite se acerca. Mas, permanece a forma simples da primeira aparição; E, assim, caracteriza-se também sob as plantas a criatura. Logo após, um rebento seguinte, erguendo-se, renova, Nós em nós empilhados, sempre a primeira estrutura. Nem sempre se dá o mesmo; pois gera-se o diverso Formada, tu vês, sempre a folha seguinte, Mais longa, mais esculpida, mais destacada no topo e nas partes, elas crescem juntas e suspensas sob o órgão. E, então, alcança antes a definitiva perfeição, que em muitos gêneros te deixa pasma. Muito enervada e dentada, cheia de gavinhas na superfície, a abundância de brotos parece livre e infinita. Porém aqui, a natureza mantém a formação, com mãos poderosas e a dirige suavemente mais perfeita. Então, mais moderada, ela conduz a seiva, estreita os vasos, e logo mostra a forma de delicados efeitos. Em silêncio estende o rebento suas pontas para trás, e os filamentos do talo completam seu desenvolvimento. Ainda sem folha e depressa sobe o delicado talo, e uma estrutura maravilhosa o reveste. Então, surge em torno dele, dentada e disforme, a pequena folha junto à semelhante. Pressionado sobre o eixo, surge o cálice e deste formam-se as mais coloridas formas de corolas. Assim, a natureza se manifesta plena de brilho, e ela mostra, arruma em série, ordena membro a membro.
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Sempre tu pasmas de surpresa, assim que a flor se move no talo sobre delgadas vigas de folhas variáveis. Mas a glória faz da nova criatura realidade; sim, a folha colorida sente a mão divina, e depressa move-se junto; as delicadas formas, aos pares, elas se esforçam para bem se unir antes. Íntimas, elas estão de pé agora, os pares adoráveis, juntas, numerosas, elas se organizam ao redor do altar consagrado. Hímen paira aqui, e odores esplêndidos, poderosos, fluem doces aromas, excitam tudo ao redor. Agora, incontáveis sementes isoladas e inchadas, graciosamente envoltas pelo colo materno de inchados frutos. E aqui, a natureza fecha o anel das forças eternas; Porém, um mais novo logo toca o anterior, a fim de que a cadeia a todo tempo se prolongue e todos se revigorem, tal como é o indivíduo. Mude agora, oh amada, o olhar para a multidão colorida, O desconcertante não se move mais diante do espírito. Cada planta lhe anuncia agora as leis eternas, Cada flor, ela fala de alto e bom som contigo. Mas, tu decifras aqui sagrados caráteres da deusa, por toda parte, então, tu vês, também, que eles modificam de curso: A lagarta rasteja vacilante, a borboleta alegre se alvoroça, maleável, o próprio ser humano altera a forma certa. Oh, então, lembra-te, também, como a semente do conhecimento pouco a pouco brotou em nós hábito adorável, Amizade com poder de nosso íntimo revelou, e como Amor finalmente floresce e frutos geraram. Pense como, variando logo esta e aquelas formas, desenvolvendo-as em silêncio, a natureza aos nossos sentimentos se presta! Alegra-te, também, por este dia! O amor sagrado eleva-se para os frutos mais altos com as mesmas atitudes fundamentais, a mesma noção da realidade, de forma que o casal se una e encontre a concepção harmônica do mundo.
ESPIRITUALIDADE E ENVELHECIMENTO “Nós não somos seres humanos tendo uma experiencia espiritual. Somos seres espirituais tendo uma experiência humana” Pierre Teilhard de Chardin Os últimos anos são, considerados por muitas culturas, um período de auto-reflexão e crescimento espiritual. Embora muitos jovens do mundo ocidental não atribuam grande valor a esses princípios esotéricos, estudos mostram que, à medida que envelhecemos, a espiritualidade pode, de fato, se tornar mais importante. Uma rápida olhada em torno de qualquer casa de adoração revelará que os adultos
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mais velhos geralmente compõem grande parte da congregação. Por que os idosos são mais propensos a se engajar em um caminho espiritual, e o que exatamente eles estão buscando através da oração, da leitura das escrituras e dos sermões? Poderia ser que a espiritualidade fornece algo sagrado para abraçar durante os últimos anos da vida? Um estudo conduzido por Lou Harris and Associates, entrevistou 3 mil idosos, e descobriu que 67% disse que ter uma vida espiritual profunda aumentou sua experiência de significado e propósito, e 73% colocou a religião de grande importância na vida. Uma das razões pelas quais os idosos pensam estar espiritualmente em contato pode ser o fato de que, à medida que envelhecemos, nos deparamos continuamente com a necessidade de superar o luto e a perda. À medida que envelhecemos, um por um, nossos entes queridos começam a morrer. Isso pode nos impulsionar a buscar significado e propósito e buscar o conforto que uma conexão espiritual pode proporcionar. Tornando-se mais em contato com o fato de que nossa existência terrena é transitória, naturalmente procuramos descobrir o que existe depois da morte. Um estudo de mulheres idosas, conduzido por Lydia K. Manning na Universidade de Duke, em Durham, Carolina do Norte, envolveu entrevistas 30 com mulheres 6, em seus 80s e 90s, sobre suas visões sobre espiritualidade. Quando perguntados sobre sua espiritualidade, as mulheres foram muito claras em explicar como a espiritualidade ajudou a superar a adversidade e as dificuldades da vida. As mulheres discutiram especificamente como sua conexão espiritual (com Deus) lhes dava as ferramentas para viver uma vida tão longa. O autor do estudo descobriu que “a espiritualidade aparentemente serviu como um fator de proteção para essas mulheres mais tarde na vida”. Para muitos idosos, a espiritualidade é considerada a chave para viver uma vida longa e dinâmica, com significado e propósito - apesar dos muitos desafios da vida. Os idosos muitas vezes se vêem colocando importância em diferentes áreas da vida do que quando eram mais jovens. Percepções e julgamentos de outros têm menos importância, e muitos idosos relatam valorizar mais os relacionamentos e a conexão com os outros à medida que envelhecem. Outros dizem que praticam a paciência e mantêm mais o foco do momento presente. Sendo assim, a partir desses dados, podemos dizer que, espiritualmente, um dos melhores aspectos da vida é ser 100.
ENVELHECER À MANEIRA TAOISTA José Bizerril - Graduado em História, mestre e doutor em Antropologia social pela Universidade de Brasília. Professor do curso de graduação em psicologia e do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia do Centro Universitário de Brasília. De acordo com o taoismo, a velhice não necessita ser vivenciada como um período de decrepitude e adoecimento, pois uma premissa básica dessa tradição é a possibilidade de reversão do movimento que conduz à morte. Tal preocupação tradicional com a longevi-
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dade e a saúde conecta essas práticas taoistas, “exóticas” e relativamente desconhecidas no Brasil, com a obsessão contemporânea pelo prolongamento da juventude e pela perfeição corporal nas sociedades globalizadas. Ao mesmo tempo, a ressignificação corporificada contemporânea do taoismo pode ser lida como um contraponto aos corpos dos consumidores, na contracorrente da aceleração vertiginosa do capitalismo tardio. No caso do taoismo, considero que seus modos característicos de cuidado com a saúde e a longevidade, centrados no conhecimento prático do próprio corpo e geridos pelo próprio praticante, oferecem um contraponto à submissão ao poder médico. Particularmente no caso da velhice, os cuidados de saúde convencionais da medicina ocidental caracterizam-se por uma intensa medicalização do corpo do idoso. Nesse sentido, penso que é possível compreender a adesão à tradição taoista como proporcionando um modo alternativo de subjetivação corporificada. A longevidade taoista aparece como um índice de realização, como resultado do treinamento diário, como um meio ou condição para se aprofundar por toda a vida num percurso de experiência espiritual, mas não como uma finalidade em si. A noção taoista de saúde é integração e equilíbrio entre yin e yang (expansão/recolhimento, ascensão/declínio, dia/noite, movimento/serenidade). Em um sentido mais preciso em conformidade com a medicina tradicional chinesa, idealmente a saúde é o equilíbrio entre as cinco energias (madeira, fogo, terra, metal e água), sem excesso nem deficiência. Saúde também é plenitude e circulação apropriada da força vital (qi). O fundamento da saúde e a origem da doença se encontram no plano invisível, na qualidade e quantidade da energia vital (qi). Diante disso, no que diz respeito à saúde, as práticas taoistas apresentam caráter fundamentalmente preventivo, cujo aprendizado empoderaria o praticante a conservar a própria saúde, ao invés de permanecer dependente e submisso ao poder médico. Por conseguinte, a ideia de doença no taoismo está associada à dissociação de yin e yang, ao esgotamento da força vital decorrente da idade e das agitações cotidianas, ao acúmulo de energias nocivas e ao consequente bloqueio da circulação da força vital no corpo e da conexão entre a pessoa e as energias do mundo natural. Corpo taoista, um contraponto aos corpos biomédicos contemporâneos Se descrevo o movimento da modernidade como uma trajetória linear em velocidade crescente, em busca do novo, acirrada a partir do advento da sociedade de consumo, o contraste com a circularidade taoista é evidente. A agitação incansável da modernidade líquida, para usar o termo de Bauman, seria percebida a partir de um posicionamento existencial taoista como fundamentalmente patogênica. Toda uma literatura tem sido produzida acerca do valor do corpo e fundamentalmente da boa aparência corporal como capital social nas sociedades globalizadas. Se uma das formas tendencialmente hegemônicas das corporeidades da sociedade de consumo é a representada pelo idioma do fitness, suplementada pelo uso cosmético de biotecnologias para ocultar as marcas do tempo e a pluralidade dos corpos vivos, a corporeidade taoista poderia ser pensada como um de seus contradiscursos possíveis.
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A despeito do discurso de valorização da saúde, o que o sistema de normatização dos corpos - formado pela articulação entre a disciplina do corpo maquínico das academias de ginásticas e a correção das formas e superfícies do corpo das clínicas de estética - opera é um trabalho sobre a aparência de juventude e de saúde. As dietas, os complementos alimentares, os esteroides e os procedimentos cirúrgicos estéticos podem oferecer uma série de riscos à saúde: o preço a pagar pela perfeição aparente almejada. Ainda que outras possibilidades de cuidado de si, como as práticas taoistas, tenham um ponto de contato com a preocupação globalizada contemporânea com a saúde e a longevidade, característica dos processos de exteriorização do sujeito, ao mesmo tempo, há contrastes marcantes. O embelezamento e a aparência de juventude, por exemplo, nunca são finalidades das práticas taoistas. Além disso, no mundo da vida taoista, a velhice segue sendo valorizada, com uma das linhas que formam a silhueta do sábio, ao contrário da desvalorização moderna da experiência dos mais velhos, tematizada desde os clássicos ensaios de Benjamin sobre a modernidade. O que se busca evadir no taoismo é o declínio e o adoecimento habitualmente associados à experiência de envelhecer.
“Não somos cronos somos kairós, isto é, nossa vida não se limita a datas, horários, eventos sociais, ao tempo do relógio que passa e não volta mais. Somos o tempo vivido, o tempo das experiências, das trocas, o tempo infinito, sem idade, que se renova, o tempo que se faz presente na totalidade de cronos e kairós” Joel Martins
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ESTUDO DE ARGUMENTO
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Diante do tema LONGEVIDADE, por se tratar de um projeto que pretende quebrar paradigmas, entendemos que não é possível afunilar em um recorte específico. Não há como falar de propósito de vida sem falar de trabalho, sem citar comunidades, redes afetivas e outras questões culturais. Sendo assim, a ideia de argumento a ser apresentada é uma proposta que pretende dar conta da complexidade que o assunto traz, mas de forma prazerosa, que não sobrecarregue o espectador. A ideia é termos os pontos norteadores - advindos da jam - se relacionando com estudos de casos, que serão embasados por conceitos e pensamentos – que, para trazer uma leveza, estarão na “boca” de grandes artistas brasileiros e internacionais velhos. Os estudos de caso são as comunidades em que vivem os idosos. Comunidades diversas, desde as Blue Zones, repúblicas até uma aldeia indígena, a intenção é complexificar o acolhimento do velho em grupo. Estes espaços serão os cenários que irão compor o filme. Além de trazer cenas com estéticas variadas, serão nestes lugares que encontraremos e documentaremos o idoso “comum”. Uma câmera não invasiva acompanha os personagens e seus afazeres diários. Vale dizer que os encontros com outros moradores serão bem vindos. Além do registro do dia a dia, os personagens eleitos nessas “pequenas sociedades” serão entrevistados. Entrelaçado a isso, temos uma geração de artistas envelhecendo que participou da revolução sexual, da contracultura, da luta contra a ditadura. Uma geração que mudou costumes e comportamentos. Essa geração também está reinventando o jeito de envelhecer, trazendo em si uma ressignificação do conceito de velho. Esses artistas convidados são ícones da cultura, que trazem em si muitos dos questionamentos do filme (reinvenção, trabalho, sexualidade, ageless etc.). Como exemplo:
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Caetano Veloso, Elza Soares, Fernanda Montenegro, Madonna, Mick Jagger, entre muitos outros. A ideia é que os artistas, além estarem presentes no filme como fios condutores para transmitir o conteúdo filosófico e artístico (muitas vezes através de suas próprias criações), também apresentem suas subjetividades, suas visões sobre a longevidade e o tempo. Nesse sentido, a arte será o caminho para levar fluidez e leveza ao tema. Além dos artistas, entendemos que não poderão estar de fora personagens que trazem um senso de vida comum, inclusive para identificação da maior parte do público. Um mosaico de retratos garantirá a diversidade do envelhecer, que é plural.
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REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
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Titulo: A Bela Velhice Autor: Mirian Goldenberg Sinopse: Neste curto ensaio, Mirian Goldenberg mostra que é possível experimentar o processo de envelhecimento com beleza, liberdade e felicidade. Mais de 25 anos de pesquisas sobre as mulheres e os homens brasileiros desafiaram a antropóloga a buscar os caminhos para inventar uma “bela velhice”. Com base em depoimentos e pesquisas aprofundadas, mas sem abrir mão de ser acessível para o público, leigo, cada capítulo do livro aborda as ideias mais importantes para a conquista de uma “bela velhice”, com dicas simples como aceitar a própria idade e dar muitas risadas. O Livro é dedicado a todos os interessados em construir um projeto de vida para uma “bela velhice”: os velhos de hoje e os velhos de amanhã. Título: A Benção aos mais Velhos Autor: Rodney William Eugênio Sinopse: O autor penetra nas teias das hierarquias dos terreiros de candomblé, verifica as relações de poder e a maneira como os “mais velhos” se integram nessas comunidades. Titulo: A Cerimônia do Adeus Autor: Simone Beauvoir Sinopse: Simone de Beauvoir faz o relato dos últimos anos da vida de Jean-Paul Sartre, centrado nas reflexões do filósofo acerca da velhice, da morte e de outros temas sensíveis na sua trajetória intelectual. A primeira parte do livro baseia-se no diário pessoal da autora e em vários testemunhos que recolheu. Na segunda parte, uma série de entrevistas com Sartre complementa e ao mesmo tempo amplia as reflexões precedentes. Titulo: A morte e os mortos na sociedade brasileira Autor: José de Sousa Martins Sinopse: Vivemos um mundo sem espaço para elaboração da morte. É uma sociedade que circula em torno da promoção do narcisismo, uma sociedade onde a violência atinge inclusive a possibilidade de enterrar os mortos. O tema da morte é um tema interditado, banido, nos centros urbanos e nas regiões ‘mais cultas’ e desenvolvidas da sociedade brasileira. Sobre a morte pesa o silêncio civilizado, a indiferença aparente, a atitude racional e prática que remove rapidamente da vida o peso dos mortos Título: A Mulher de Trinta Anos Autor: Honore de Balzac Nesta obra, Balzac penetra de maneira ampla e generosa a alma feminina. A mulher de trinta anos, foi um precursor do feminismo, ao mostrar Julie, a infeliz heroína, às voltas com problemas fundamentais da vida amorosa e sentimental das mulheres e com o fracasso do casamento. O termo Balzaquiano entrou para o dicionário português não só como “algo relativo à obra de Balzac”, mas também como um adjetivo para qualificar pessoas com mais de trinta anos, especialmente na forma feminina, uma balzaquiana. Isso se deve justamente a este romance, um dos mais populares do autor.
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Titulo: A República Autor: Platão Sinopse: Autor de vasta obra filosófica, Platão preocupou-se com o conhecimento das verdades essenciais que determinam a realidade e, a partir disso, estabeleceu os princípios éticos que devem nortear o mundo social. A República é uma das obras-primas de Platão. Nela o filósofo expõe suas idéias políticas, filosóficas, estéticas e jurídicas. Aqui se encontra a ‘Alegoria da Caverna’, uma das mais belas passagens de toda obra de Platão. O filósofo imaginou um estado ideal, sustentado no conceito de justiça. Leitura obrigatória. Titulo: A Velhice (1970) Autor: Simone Beauvoir Sinopse: Do tratamento que as sociedades primitivas davam aos idosos até conquistas e problemas existentes nas sociedades actuais, Beauvoir propõe uma mudança radical na sociedade, de forma a desmistificar as hipocrisias que cercam a velhice. Uma obra duramente criticada, mas que alcançou repercussão em todo o mundo, levantando questões e soluções para os idosos. Titulo: Assim Falou Zaratustra Autor: Friedrich Nietzsche Sinopse: Escrito e publicado progressivamente, entre 1883 e 1885, este veio a se tornar o mais famoso livro de Nietzsche. Nele se acha o relato das andanças, dos discursos e encontros inusitados do profeta Zaratustra, que deixa seu esconderijo nas montanhas para pregar aos homens um novo evangelho. Os títulos das obras de Nietzsche são peculiares em relação aos dos textos filosóficos em geral: na maioria deles não encontramos termos como “crítica”, “ensaio” ou “tratado”, mas expressões ou substantivos evocativos, por vezes de natureza poética. Mesmo entre esses títulos, “Assim falou Zaratustra” tem sua peculiaridade própria. Título: A Chave Autor: Junichiro Tanizaki Sinopse: Supostamente em segredo, um professor e sua mulher escrevem diários em que registram sua vida sexual. A certa altura, porém, já não sabemos se eles não estão inventando confissões justamente para que o outro leia. O erotismo de Tanizaki é ao mesmo tempo sério e escandaloso. Título: Caetano, uma biografia – A Vida de Caetano Veloso, o Mais Doce Bábaro dos Trópicos Autor: Carlos Eduardo Drummond e Marcio Nolasco Sinopse: Caetano Veloso dispensa apresentações, porém sua história e suas facetas ainda foram pouco exploradas. Por isso, torna-se necessário contar sua trajetória de vida de modo amplo e irrestrito, com o respeito e a isenção que o artista merece. Este livro é resultado de uma pesquisa de vinte anos dos autores, e conta a história completa do carismático músico brasileiro, passando por todas as suas fases com igual peso, permitindo ao grande público entender e conhecer um pouco mais sobre Caetano Veloso.
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Título - Como Envelhecer Autor - Anne Karpf Sinopse - Você mentiria a sua idade? A sociedade tem um enorme medo de envelhecer. A velhice passou a ser um problema biomédico, algo a ser evitado a todo custo. Anne Karpf nos encoraja a uma mudança de narrativa. Usando como fonte diversos estudos de caso, a autora tenta quebrar o paradigma negativo e sugere que o passar dos anos pode ser enriquecedor e trazer imenso crescimento. Se reconhecemos essa passagem como parte inevitável da condição humana, o grande desafio de envelhecer passa a ser simplesmente o desafio de viver. Titulo: Com A Maturidade Fica-se Mais Jovem Autor: Hermann Hesse Sinopse: Em um sensível e lúcido elogio à maturidade, Hermann Hesse, Nobel de Literatura, mostra que a velhice pode ser tão rica e exuberante quanto a juventude A influência de Nietzsche, o conhecimento da psicanálise, a austeridade religiosa e o ceticismo subsequente estão representados em impressões sobre a efemeridade e a transitoriedade do mundo. A índole acentuadamente romântica transparece nas breves histórias e em seus pensamentos. Há ainda recordações íntimas, pequenos poemas em prosa e em verso, aforismos e breves tratados filosóficos. A natureza variada dos textos escolhidos marca a pluralidade do autor e aborda a dicotomia entre corpo e mente, espiritualidade e materialismo, conflito que permeou toda a sua obra. Titulo: Coroas. Corpo, Envelhecimento, Casamento e Infidelidade Comum Autor: Mirian Goldenberg Sinopse: Este livro é o resultado do questionamento permanente do que é ser mulher na cultura brasileira. É também uma forma de resistência política, explica a antropóloga Mirian Goldenberg sobre Coroas: corpo, envelhecimento, casamento e infidelidade, uma análise fundamental sobre a relação da mulher com os efeitos do tempo. Mirian parte da realidade biológica, psicológica e social representada pelo corpo para, a partir daí, fazer uma notável análise da condição feminina em nosso país. Titulo: Corpo, Envelhecimento e Felicidade Autor: Mirian Goldenberg A reúne artigos de renomados especialistas nacionais e estrangeiros sobre o tema. Corpo, envelhecimento e felicidade aborda de forma crítica o assunto e revela as perdas e, principalmente, os ganhos com o avançar da idade entre homens e mulheres. As reflexões seguem a linha de pesquisa de Mirian, que investiga as mudanças em homens e mulheres entre os 50 e 90 anos pertencentes às camadas médias urbanas. As conclusões revelam pontos negativos, que passam pela insatisfação com o corpo, a solidão e o temor feminino de se tornar “invisível”, mas também mostram benefícios. Muitos acreditam que mais importante que as perdas são os ganhos, como a liberdade associada a mudanças positivas, a sabedoria, aceitação, entre outros. Os textos apresentados foram produzidos para o seminário internacional que levou o mesmo nome do livro e ocorreu na UFRJ, em 2010.
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Titulo: Corpo, erotismo e sexualidade em mulheres da terceira idade: O renascer da fênix - Capa Comum – 27 out 2016 Autor Mirela Berger Sinopse: O livro surgiu de uma pesquisa realizada com mulheres acima de 65 anos de várias classes sociais. O livro retrata a vida dessas mulheres em vários campos do cotidiano, seja na vida social, pessoal e principalmente sexual. É o primeiro livro da literatura brasileira que aborda esta temática abertamente com mulheres da terceira idade, desmistificando o tabu que existe sobre a sexualidade. A pesquisadora frequentou sex shops com as entrevistadas e descobriu que elas adoram próteses penianas e toys. Metade delas tem vida sexual ativa e o restante, mesmo sem vida sexual, vivenciam o erotismo até mesmo em situações cotidianas. Frequentam bailes da terceira idade em busca de possíveis parceiros sexuais. As mulheres estão vivendo a vida intensamente e fazendo revoluções cotidianas em vários planos, mas principalmente na sexualidade. Para muitas delas, a vida, antes de se apagar com a terceira idade, começa justamente com ela. Titulo: Da Tranqüilidade da alma Autor: Seneca Sinopse: Sêneca (4 a.C.?-65 d.C.), preocupado com as mudanças bruscas nos valores morais, nas crenças e na religião, refletiu sobre esses anseios em textos que se tornaram clássicos da filosofia. Três deles, conhecidos como tratados morais, estão compilados neste volume. “Da vida retirada”, “Da tranqüilidade da alma” e “Da felicidade”. Neles são apresentadas meditações sobre a busca da serenidade e a importância da reflexão interior. Para uma vida plena – recomenda o filósofo – é necessário o afastamento dos bens materiais e daquilo que traz infelicidade somente assim se iniciaria o processo de aprimoramento espiritual. Titulo: Da Velhice (2009) Autor: Cícero Sinopse: Segundo Montaigne, “Da Velhice” dá vontade de envelhecer. Trata-se de um tratado breve, cujo tema é enunciado, desde logo, por ambos os títulos por que vulgarmente é conhecida a obra – «alguma coisa acerca da velhice» (p.12). Uma Roma verdadeiramente republicana e proba, uma república esclarecida, uma que nunca houve. Titulo: Elogio da Velhice (2002) Autor: Hermann Hesse Sinopse: Surgem reunidos pela primeira vez neste volume os mais belos textos dos últimos anos de Herman Hesse. Cumprida boa parte da obra que o consagrou, Hesse dedica-se aqui ao último desafio da sua longa vida de escritor: aceitar graciosamente a velhice e a proximidade da morte. Titulo: Em Busca de Sentido Autor: Viktor Frankl Sinopse: O fundador da Logoterapia mostra aqui como foi a sua própria experiência em busca do sentido da vida num campo de concentração durante a Segunda Guerra Mundial.
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Apresenta também, numa segunda parte, os conceitos básicos da logoterapia. Titulo: Ensaios Sobre Amor e Solidão Autor: Flavio Gikovate Sinopse: Neste livro, o autor procura se aprofundar no tema do amor. Pretende mostrar suas diferentes roupagens - enamoramento, paixão, atração sexual - e como lidar com cada uma delas, e falar, também, sobre a possessividade. Busca propor uma nova forma de aliança íntima, inspirada na amizade profunda, com pessoas bem resolvidas em sua individualidade e, portanto, capazes de ‘mais do que amar’. Em outro capítulo procura abordar a solidão e mostrar que ela é desejável - seja a solidão temporária, para conhecer-se como ser inteiro, que não necessita do outro para existir, seja como escolha, como estilo de vida que pode ser muito bom quando voluntário e livre da vergonha de viver só. Titulo: Entre o Passado e o Futuro Autor: Hannah Arendt Sinopse: Arendt descreve as crises que a sociedade moderna enfrenta como resultado da perda de significado de palavras como justiça, razão, responsabilidade, virtude, glória. Depois mostra-nos como podemos voltar a pensar a essência vital destes conceitos tradicionais e como usá-los para avaliar a nossa situação presente, estabelecendo novos padrões de referência para o futuro. Titulo: Envelhecer em Tempos de Crise: Respostas Sociais Autor: Ricardo Pocinho; Eduardo Santos; Joaquim A. Ferreira; João Pedro Gaspar; Anabela Panão Ramalho; Dina Soeiro e Sofia Silva (Vários autores) Sinopse:Se existe drama com que a sociedade portuguesa dos nossos dias se deve preocupar, para além da subida da taxa de desemprego e da crise que, nesta altura, afecta o nosso País, é com a preocupante baixa de natalidade e o aumento da esperança média de vida. Portugal é um país envelhecido, com uma população idosa a aumentar e com respostas sociais cada vez menos humanizadas e apoios financeiros inexistentes. As várias abordagens que a discussão desta matéria permite deve obrigar Instituições, Autarquias, Governo e cidadãos a uma maior interação nas suas várias e diferentes esferas de intervenção, procurando formas de atenuar os danos provocados pela indiferença de uma sociedade cada vez mais egoísta e individualista, mas onde os idosos têm um lugar próprio, com um património cultural a formativo que o futuro não pode desperdiçar, antes deve valorizar e estimar. Título: Fantasma Sai de Cena Autor: Philip Roth Sinopse: Roth volta aos temas da velhice e da proximidade da morte, tratados em O Animal Agonizante e Homem Comum. Aqui, a ênfase recai no conflito entre a decadência física e mental causada pela idade e a intensidade do desejo, cuja força avassaladora e irracional permanece intacta; tal como - reforçando o paralelo entre criador e criatura - o vigor narrativo e a inteligência analítica de Roth, que continuam mais afiados do que nunc
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Titulo: Gerontologia e Transdisciplinaridade – Livro I (2017) Autor: Vitor Fragoso e Margarida Sotto Maior Sinopse: Neste livro procuramos descobrir as pontes e abrir sentidos. Uma ponte de saberes, uma ponte de diálogo em que a história é central. Seguimos o sentido do saber que no seu vai e vem se nos apresenta plural. Partimos para esta viagem tendo como estrada o envelhecimento e a velhice, e como veículo a Gerontologia. Titulo: Homem na Escuridão (2008) Autor: Paul Auster Sinopse: Nesta América, as Torres Gémeas não caíram e as eleições presidenciais de 2000 conduziram à secessão, com estado após estado a abandonar a união e uma sangrenta guerra civil a instalar-se. Este mundo paralelo é criado pela mente e coração perturbados de August Brill, 72 anos, um crítico literário vítima de insónias. Chocante e apaixonante, este é um livro que nos obriga a confrontar a escuridão da noite, celebrando a existência das pequenas alegrias do dia-a-dia num mundo capaz da mais grotesca violência. Titulo: Homem Comum Autor: Philip Roth Sinopse: Um romance breve e incisivo sobre o encontro inevitável do homem com a morte.Numa narrativa direta, íntima e ao mesmo tempo universal, Philip Roth explora o tema da perda, do arrependimento e do estoicismo. O autor de Complô contra a América, que relatava o encontro angustiante de uma família com a história, agora volta sua atenção para a luta de um homem contra a mortalidade, conflito que dura sua vida inteira. Acompanhamos o destino do homem comum de Roth a partir de seu primeiro confronto com a morte, nas praias idílicas dos verões da infância, passando pelos conflitos familiares e pelas realizações profissionais da idade adulta, até a velhice, quando ele fica dilacerado ao constatar a deterioração de seus contemporâneos e dele próprio, atormentado por uma série de males físicos. Artista comercial de sucesso, trabalhando numa agência publicitária em Nova York, ele tem dois filhos do primeiro casamento, que o desprezam, e uma filha do segundo casamento, que o adora. É amado pelo irmão, um homem bom cuja saúde perfeita termina por despertar sua inveja rancorosa, e é também o ex-marido solitário de três mulheres muito diferentes, tendo ele próprio destroçado os três casamentos. No final, é um homem que se transformou naquilo que não quer ser. Titulo: O Idoso Como Um Todo Autor: Zaida Azeredo Sinopse: A Autora começa por analisar a evolução demográfica quer a nível europeu quer em Portugal e respectivas perspectivas até 2060 tecendo algumas considerações socio-sanitárias, tendo em vista estratégias de intervenção. Numa segunda parte analisa as alterações normais que um idoso pode sofrer durante um processo de envelhecimento não patológico com implicações na sua alimentação, bem-estar e qualidade de vida, bem como numa intervenção terapêutica. Segue-se uma parte elaborada por colaboradores em que se tecem considerações sobre o cérebro e seu envelhecimento e se descrevem alguns aspectos psico-sociais do envelhecimento. Finalmente são descritas algumas estratégias para bem envelhecer.
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Título: Mais Velhos , Mais Sábios Autores: Zalman Schachter - Shalomi / Ronald S. Mil Síntese: O livro apresenta uma orientação espiritual e psicológica para ajudar as pessoas a fazerem das últimas décadas de suas vidas um período de crescimento interior.Os autores dão sugestões para se envelhecer com sabedoria, maturidade e compreensão. Através de exercícios, mostram como podemos transformar arrependimento, depressão e sensação de perda em uma vida de renovada energia, com muita paz interior. Livro: Maturidade E Velhice Vol.1 Autores: Deusivania V. Da Silva Falcão, Cristina Maria Brito Sinopse: Este livro traz os seguintes temas - Mulheres na Maturidade - O Binômio Saúde-doença; Envelhecimento Feminino - ‘Bicho de Sete Cabeças’; Saúde Mental de Mulheres no Climatério - Um Diálogo entre os Estudos Feministas e a Prática Psicológica; Velhice e Família; As Relações Familiares entre as Gerações - Possibilidades e Desafios; Atendimento Psicológico Grupal a Familiares de Idosos com Demência; Envelhecimento e Velhice Uma Ênfase nos Aspectos Psicossociais; Representações Sociais sobre Rejuvenescimento - Um Enfoque Psicossocial; Análise Psicossocial do Idoso em Instituições Gerontológicas; Os Grupos de Convivência na Terceira Idade - Suporte Social e Afetivo; Fatores Estressores na Velhice; Violência contra o Idoso; Velhice e Stress - Desafios Contemporâneos; Aids na Velhice - Os Grupos de Convivência de Idosos como Espaços de Possibilidades. Titulo: Meu Ultimo Suspiro Autor: Luis Buñuel Sinopse: Meu último suspiro (1982) narra as relações entre vida e obra do espanhol Luis Buñuel (1900-1983), diretor de obras-primas como Veridiana (1961, com o qual conquistou a Palma de Ouro em Cannes) e O discreto charme da burguesia (1972). Com a ajuda do roteirista Jean-Claude Carrière, que deu forma ao texto, Buñuel relembra muitas vezes com altas doses de humor detalhes de suas produções, a começar por Um cão andaluz (1928), primeiro filme surrealista, feito em parceria com Salvador Dalí, passando por Os esquecidos (1950) e Nazarin (1958), rodados no largo período em que viveu no México. Em outro capítulo, trata da guerra civil espanhola (1936-1939), no qual fala de sua simpatia pelas ideias comunistas. Dono de uma personalidade forte e complexa, boêmio e apaixonado por boxe e pelos prazeres da vida, Buñuel revela sem pudores passagens polêmicas, como o afastamento do amigo Garcia Lorca e as brigas incluindo um quase enforcamento com Gala, mulher de Dalí. A edição tem nova tradução, de André Telles, e, além da seleção de imagens feita pessoalmente por Buñuel durante as conversas com Carrière, traz também fotos de seu acervo pessoal, cedidas por seu filho Juan Luis. Titulo: Moral da Ambiguidade Autor: Simone de Beauvoir Sinopse: Esta edição reúne dois ensaios inéditos - Pirro e Cinésias e Por uma moral da ambigüidade - em ambos é possível detectar as raízes éticas da futura teoria feminista da autora. O primeiro sustenta que, na ausência de um deus que garanta a moralidade, cabe ao indivíduo criar laços com seus pares através de ações éticas - o que requer projetos que expressem e encorajam a liberdade. O segundo ensaio prossegue com temas inicialmente
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desenvolvidos em Pirro e Cinéias, sobretudo no que diz respeito à idéia de que a liberdade humana depende da liberdade de todos para ser efetiva. Titulo: MORTAIS Autor: Atul Gawande Sinopse: A medicina triunfou, transformou os perigos do parto, dos ferimentos e das doenças, antes atormentadores, em fatos controláveis. No entanto, no que diz respeito ao envelhecimento e à morte, o que ela faz muitas vezes se contrapõe ao que deveria fazer. Quando falam sobre a perspectiva da morte, médicos recorrem a falsas esperanças e a tratamentos que encurtam a vida em vez de trazer conforto. Por meio de uma pesquisa reveladora e de histórias comoventes, tanto de pacientes quanto da própria família, Gawande revela suas limitações. De maneira provocadora e honesta, Mortais reflete sobre o caminho que devemos percorrer para lidar sabiamente com nossa própria finitude. Titulo: New Aging: Live Smarter Now to Live Better Forever Autor: Matthias Hollwich, Sinopse: New Aging invites us to take everything we associate with aging—the loss of freedom and vitality, the cold and sterile nursing homes, the boredom—and throw it out the window. As an architect, Matthias Hollwich is devoted to finding ways in which we can shape our living spaces and communities to make aging a graceful and fulfilling aspect of our lives. Now he has distilled his research into a collection of simple, visionary principles—brought to life with bright, colorful illustrations—that will inspire you to think creatively about how you can change your habits and environments to suit your evolving needs as you age. With advice ranging from practical design tips for making your home safer and more comfortable to thought-provoking ideas on how we work, relax, and interact with our neighbors, and even how we eat, New Aging will inspire you and your loved ones to live smarter today so you can live better tomorrow. From the Trade Paperback edition. Titulo: A Nova Velhice Autor:Teresa Creusa de Goes Monteiro Negreiros Sinopse: Todos os animais nascem, crescem, procriam e depois morrem. O ser humano envelhece, e a velhice está se tornando cada vez mais longa. E por que envelhecemos? Uma das respostas é que o ser humano é um animal que aprende e, portanto, modifica o seu meio ambiente, a sua própria espécie e a função da velhice é cultural: ao transmitir a experiência passada, a velhice, como memória da humanidade é essencial para a construção do seu futuro. Titulo: Políticas Públicas para um País que Envelhece Organizadora: Marília Viana Berzins Sinopse: O livro reúne especialistas da Geriatria e Gerontologia nacionais e internacionais, com o intuito de provocar reflexões e discutir alternativas e caminhos para a consolidação de políticas públicas que possam prevenir e atender situações de risco, de vulnerabilidade, de fragilidade e exclusão social, visando qualificar a velhice e o processo de envelhecimento.
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Título: Política Nacional do Idoso - velhas e novas questões Organizadores: Alexandre de Oliveira Alcântara Ana Amélia Camarano Karla Cristina Giacomin Sinopse: Com esta publicação, o Ipea reafirma mais uma vez o seu compromisso com uma agenda focalizada na realidade e nas prioridades do país, abrindo novos caminhos para o conhecimento e o enfrentamento dos nossos desafios, neste caso em relação aos idosos. Titulo: Processos e estratégias de envelhecimento Autor: Cláudia Moura (Vários autores) Sinopse: É pretendido, com este livro, sensibilizar para a importância do envelhecimento ativo, com vista a criar melhores oportunidades aos mais velhos no combate à exclusão social fomentando a participação ativa na sociedade. Afinal, o envelhecimento ativo constitui igualmente um instrumento eficaz de luta contra a pobreza na velhice. Como consequência deste horizonte, torna-se urgente capacitar as pessoas mais velhas para a contribuição ativa no mercado de trabalho, e à comunidade permitir-lhe lidar com o novo desafio demográfico de forma sustentável. Afinal, para atingir a compreensão e atuação junto da população idosa, é decisivo compreender o idoso e estabelecer com ele, uma prática eficaz, garantido assim a construção de boas práticas de intervenção. Certos de que estamos perante um dos desafios mais relevantes do século XXI - o fenómeno social da velhice - importa conhecer a trajetória de vida destes atores sociais, que representam os idosos, bem como o seu impacto na sociedade. Esta é uma realidade que nos conduz à reflexão de questões de elevada importância. Diante do quadro representado, é de referir que este é um processo sério que mergulha profundamente na pessoa humana. Titulo: O Retrato De Dorian Gray Autor: Oscar Wilde Sinopse: Neste livro, o belo jovem Dorian Gray, o protagonista, torna-se modelo para uma pintura do artista Basil Hallward. O Pintor apresenta Dorian ao Lorde Henry Wotton, que o faz tomar consciência de sua beleza e do valor de sua juventude e o inicia num mundo de vícios e desregramento. APaixonado pela própria imagem e influenciado pelas palavras de Lorde Henry, Dorian deseja permanecer eternamente belo como no retrato. MIsteriosamente, seu desejo é atendido. Titulo: A Reinvenção da Velhice Autor: Guita Grin Debert Sinopse: Este livro vem suprir uma demanda e mostrar como a pesquisa universitária pode contribuir para a discussão de um tema cada vez mais relevante na discussão das políticas públicas do futuro. Os integrantes da chamada Terceira Idade crescem a cada ano e já são uma porção considerável na nossa população, o que coloca para as famílias, para as empresas e para o governo questões que não podem deixar de ser respondidas. O asilo seria uma solução? A aposentadoria precoce, estimulada em algumas empresas, é uma boa idéia? A gerontologia, ciência da velhice, já tem elementos para nos ajudar a responder essas perguntas? Todos esses temas, tratados com competência, comparecem neste livro que inaugura uma contribuição importante da antropologia ao debate acerca da velhice.
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Titulo: Sou 60: Diário de uma jornalista em busca de respostas sobre o envelhecimento e a vida Autor: Roberta Zampetti Sinopse: Prestes a chegar aos 60 anos, Roberta Zampetti se assustou. E o futuro? Em um mundo recheado de preconceitos, envelhecer seria um problema? Utilizando sua profissão, o jornalismo, como instrumento de autoconhecimento, ela estudou teorias, entrevistou especialistas, participou de eventos e conversou com dezenas de idosos, no Brasil e no exterior. São essas histórias e descobertas que ela compartilha conosco neste livro. Prepare-se para uma boa leitura, com direito a risos, emoções e reflexões. Um convite a enxergar a velhice da maneira como deve ser: positiva, como todas as fases da vida. Titulo: “Solidão – a natureza humana e a necessidade de vinculo social” Autores: William Patrick e John T. Cacioppo Sinopse: Os autores descrevem que, desde que nossa espécie começou a deixar traços de existência, as evidências sugerem que as experiências mais evocativas emocionalmente na vida tem sido casamentos, nascimentos e mortes – acontecimentos associados com os inícios e términos de laços sociais. Segundo eles, esses lanços são a força centrípeta que sustenta a vida. Apontam também que nos preocupamos profundamente com o que os outros pensam de nós e é por isso que, entre as dez fobias mais comuns, três delas tem relação com ansiedade social: medo de falar em público, medo de multidões e medo de conhecer pessoas novas. Titulo: O Tempo da Memória Autor: Norberto Bobbio Sinopse: Aos 87 anos, o filósofo e jurista Norberto Bobbio fala de si mesmo e de sua trajetória intelectual, em um ensaio que consiste em reflexões sobre o significado da vida e testemunhos autobiográficos. Representa um balanço definitivo de uma vida consagrada ao estudo dos grandes temas do direito e da política e constitui também um testemunho direto de mais de meio século de história da Itália e da Europa. A primeira parte é uma reflexão sobre o significado da velhice no mundo contemporâneo, de pessoas que estão, como Bobbio, com mais de 80 anos e se multiplicaram graças aos progressos da medicina e da saúde pública. A segunda parte é um conjunto de ensaios que representam um balanço e avaliação de sua vida, onde sua produção intelectual revela um intelectual inquieto, voltado para a análise e a reflexão, de enorme curiosidade e variados temas, que buscou com rigor conhecer e compreender o mundo através do diálogo com os conceitos e os homens. Titulo: Tao Te King - O Livro do Sentido e da Vida Autor: Lao Tse Sinopse: Em toda a história, encontram-se pessoas que intuíram realidades que solicitaram ao máximo sua imaginação, sua capacidade de adaptação e mesmo sua percepção, sensorial ou não. A maioria, na ânsia de transmitir algo um abismo além, passou por visionária, alucinada, causando no máximo sorrisos compadecidos aos bem-pensantes. Lao-tsé foi mais um elo na cadeia de transmissão e conservação de um ensinamento dessa natureza que, na falta de um termo apropriado, chamamos ‘espiritual’. Na China, sem termo apropriado, o objeto desse ensinamento foi chamado TAO. R. Willhelm propõe traduzir TE por ‘vida’,
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pois o ideograma chinês sugere aquilo que entretém a formação dos seres. O termo KING refere-se a livro, enquanto literatura erudita. Titulo: Testo Junkie Autor: Paul B. Preciado Sinopse: Este livro não é uma autobiografia, mas um protocolo de intoxicação voluntária à base de testosterona.A bomba atômica, a pílula anticoncepcional, o tráfico de drogas, a invenção da noção de gênero, a transformação do pornô na nova cultura de massas, o trabalho sexual como modelo de todo trabalho na sociedade pós-fordista, o consumo de testosterona... Neste livro, Preciado nos convida a percorrer várias trilhas do regime farmacopornográfico, indissociáveis do capitalismo turbinado, psicotrópico e punk. Ao descrever o “experimento político que durou 236 dias e noites”, o autor investiga os processos de construção e desconstrução da subjetividade. O resultado é este ensaio brilhante e provocativo sobre o lugar que ocupa o corpo, o sexo e a sexualidade na sociedade contemporânea. Testo Junkie é nada menos do que uma bomba conceitual. Titulo: Travessias do tempo: acompanhamento terapêutico e envelhecimento Autores: Miriam Chnaiderman; Natália Alves Barbieri; Patricia Ferreira Cabral; Rita Amaral; Rodrigo Blum e Ruth G. da C. Lopes e outros. Sinopse: A clínica do acompanhamento terapêutico avança novos territórios e tem sido cada vez mais requisitada no campo do envelhecimento por proporcionar um espaço privilegiado de escuta e de construção de projetos. Como os loucos, os velhos - diferentes, estranhos e excluídos - são empurrados a uma clandestinidade que os fazem invisíveis. Políticas foram escritas, direitos foram anunciados. Contudo, nas idas e vindas do desamparo que os assola, é possível pensar e realizar as travessias do tempo de forma acompanhada. Os casos clínicos e as reflexões teóricas apresentados neste livro refletem sobre a potência desse encontro nas diversas possibilidades de acompanhar as peculiaridades do processo de envelhecimento. Titulo: The 100-Year Life Autor: Lynda Gratton e Andrew Scott Sinopse: As estruturas atuais da vida em sociedade, trajetórias de carreiras, escolhas educacionais e normas sociais não estão alinhadas à realidade emergente quanto à expectativa de vida. O triplo estágio de vida que começa com a educação, seguida de trabalho contínuo e se completa com a aposentadoria, pode ter servido para nossos pais e talvez para avós, mas não tem relevância nos dias de hoje. Ao manter o foco na longevidade como uma questão unicamente de envelhecimento, perdemos a amplitude de suas implicações. A longevidade não é apenas sobre envelhecer por mais tempo. É sobre viver mais tempo, sendo idoso por mais tempo e sendo jovem por mais tempo. Titulo: The Blue Zones of Happiness: Lessons From the World’s Happiest People Autor:Dan Buettner Sinopse:In this inspiring guide, you’ll find game-changing tools drawn from global research and expert insights for achieving maximum fulfillment.
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Titulo: The Longevity Economy: Unlocking the World’s Fastest-Growing, Most Misunderstood Market Autor: Joseph F. Coughlin Sinopse: In the world of research publications, it’s a poorly kept secret that the names following that of the first author are often responsible for the bulk of the hard work. The same is very much true in the case of this book. The Longevity Economy, frankly put, could never have been written without the help of my collaborator and friend, the science writer Luke Yoquinto. There is scarcely a sentence between the covers of this book that has not benefited from his research and reportage, his storytelling skill and keen editorial eye. He conducted several of this book’s interviews and helped me over the course of many months turn my disorganized thoughts into a form that, I hope you will agree, is at least marginally coherent. Some sections ahead, meanwhile, evolved out of ideas Luke and I first put forward in such publications as The Washington Post and Slate. For his hard work and prodigious talent, not to mention his ability to keep me on task, I owe him my profound thanks. Titulo: Teoria e Prática da Gerontologia: Um Guia para Cuidadores de Idosos Autor: Fernando Pereira (Vários autores) Sinopse: A “Teoria e Prática da Gerontologia: Um Guia para Cuidadores de Idosos” é uma obra que pretende ocupar um lugar vago na literatura científica e técnica das questões do envelhecimento e dos cuidados ao idoso. Destina-se a académicos e técnicos que envolvidos nessa nobre e exigente tarefa de cuidar de pessoas idosos. Como está escrita numa linguagem acessível pode, e deve também, ser lida ou consultada por cuidadores informais de idosos e outros interessados neste tema tão atual das sociedades contemporâneas. A obra resulta de um conjunto vasto de reflexões do autor aos quais se juntaram os contributos de outros investigadores nacionais e estrangeiros, a maior parte destes são docentes e investigadores da Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Bragança e do Núcleo de Investigação e Intervenção do Idoso. A obra é composta por 22 capítulos abordando sucessivamente os temas de: condições da pós-modernidade; emergência da gerontologia e do gerontólogo; ética e humanitude do cuidado; estereótipos e sexualidade do idoso; sistemas de apoio formais e informais e respostas sociais aos idosos; institucionalização e família; autoeficácia dos cuidadores de idosos; envelhecimento ativo e vida ativa; recursos e saberes dos idosos; coaching, exercício físico, emoções. Merece destaque ao capítulo “O Olhar do Gerontólogo, uma reflexão pessoal de um gerontólogo sobre a sua experiência profissional, escrita na primeira pessoa, sem recurso a referências bibliográficas, a qual pensamos poderá ser da maior utilidade para os colegas mais novos que iniciam a sua atividade profissional. Titulo: Velhice - Uma Nova Paisagem Autor: Maria Celia de Abreu Sinopse: Munida de estudos e experiências de grupos, ela propõe uma nova reflexão, mais leve e menos carregada de visões e ideias preconcebidas. Fundamental para idosos, familiares, cuidadores, pesquisadores e todos que desejam envelhecer com saúde, autoconfiança e alegria. Depoimentos de várias personalidades sobre emoções que sentem ao encarar a ideia da velhice completam a obra.
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Titulo: Velho É Lindo! Autor: Mirian Goldenberg Sinopse: A autora traz um novo olhar sobre o que é envelhecer hoje nas grandes cidades. Mirian Goldenberg reúne em Velho é lindo! nove artigos sérios, de leitura agradável e leve, que propõem um novo olhar sobre o que é envelhecer hoje nas grandes cidades. A partir de entrevistas, observações e pesquisa bibliográfica, o livro identifica sofrimentos e preconceitos ligados ao envelhecimento – e, principalmente, apresenta alternativas individuais e sociais para a construção de uma bela velhice. Um livro para todos que sabem que a antiga e rígida associação de velhice com incapacidades, doenças e fragilidades já não corresponde à experiência de um número crescente de velhos lindos.
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REFERÊNCIAS AUDIOVISUAIS
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- A Balada de Narayama - Shohei Imamura - A Destruição de Bernardet – Claudia Priscilla e Pedro Marques - A Grande Beleza – Paolo Sorrentino - A Morte lhe Cai Bem - Robert Zemeckis - A Partida Final - Rob Epstein, Jeffrey Friedman - A Última Primavera - Richard Hobert - Aconteceu na Primavera - Paolo e Vittorio Taviani - Amor - Michael Haneke - Antes de Partir - Rob Reiner - Aquarius – Kleber Mendonça Filho - As Confissões de Schimidt - Alexander Payne - As Invasões Bárbaras – Denys Arcand - Bailão – Marcelo Caetano - Blobby – Laura Stewart - Chega de Saudade - Laís Bodanzky - Chuvas de Verão - Cacá Diegues - Cocoon - Ron Howard - Colcha de Retalhos - Jocelyn Moorhouse - Conduzindo Miss Daisy - Bruce Beresford - Copacabana - Carla Camuratti - Crepúsculo dos Deuses - Billy Wilder - Dólares de Areia - Israel Cárdenas e Laura Amelia Guzmán - E Se Vivêssemos Todos Juntos? - Stéphane Robelin - Ella e John - Paolo Virzì
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- Elsa e Fred - Marcos Carnevale - Em Três Atos - Lucia Murat - Enigma de uma Vida - Frank Perry e Sidney Pollack - Enigmas do Coração - Lee Grant - Ensina-me a Viver - Charles Matthau - Envelhescencia - Gabriel Martinez - Era Uma Vez Em Tóqui – Yasujiro Ozu - Estamos Todos Bem - Giuseppe Tornatore - Eu, Daniel Blake - Ken Loach - Extremis - Dan Krauss - Gerontophilia - Bruce Labruce - Gloria – Sebastián Lelio - Grace and Frankie - Marta Kauffman, Howard J. Morris - Gran Torino - Clint Eastwood - Guida - Rosana Urbes - Humano: uma viagem pela vida - Yann Arthus-Bertrand - Irina Palm - Sam Garbaski - Íris - Richard Eyre - Iris: uma vida de estilo - Albert Maysles - Janela da Alma – João Jardim e Walter Carvalho - Juventude – Paolo Sorrentino - Leni Riefenstahl: a Deusa Imperfeita - Ray Müller - Longe Dela – Sarah Polley - Lucky - John Carroll Lynch
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- Lugares Comuns – Adolfo Aristarain - Mary e Max – Adam Elliot - Meninas de um Outro Tempo - Maria Inês Villares - Monsieur e Madame Adelman – Nicolas Bedos - Morangos Silvestres - Ingmar Bergman - Nebraska – Alexader Payne - Nossas noites - Ritesh Batra - O Amor é Estranho - Ira Sachs - O Amor não Tem Fim – Julie Gavras - O exótico Hotel Marigold - John Madden - O Filho da Noiva - Juan Jose Campanella - O Fim e o Princípio - Eduardo Coutinho - O Outro Lado da Rua - Marcos Bernstein - O Segredo de Vera Drake – Mike Leigh - Os Belos Dias - Marion Vernoux - Os Invisíveis - Sébastien Lifshitz - Outros Tempos: Velhos - Eduardo Rajabally - Perfume de Mulher - Dino Risi - Philomena – Stephen Frears - Poesia - Lee Chang-Dong - Quanto Tempo o Tempo Tem - Adriana Dutra - Ram Dass: a Caminho de Casa - Derek Peck - RED: Aposentados e Perigosos - Robert Schwentke - Regresso para Bountiful - Peter Masterson
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- Saraband - Ingmar Bergman - Sempre Bela - Manoel de Oliveira - Tia Danielle - Étienne Chatiliez - Uma História Real - David Lynch - Uma Lição de Vida - Justin Chadwick - UP: Altas Aventuras - Pete Docter, Bob Peterson - Violência e Paixão - Luchino Visconti - Vou Para Casa - Manoel De Oliveira
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LINKS ADICIONAIS
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MUNDIAL - População por País - Mapa Comparativo entre Países (IndexMundi) https://www.indexmundi.com/map/?l=pt&v=30 - Pirâmides Populacionais do Mundo desde 1950 até 2100 (Population Pyramid) https://www.populationpyramid.net/pt/brasil/2017/
ONU - World Population Prospects – 2017 Revision: Global life expectancy (ONU) https://www.un.org/development/desa/publications/graphic/wpp2017-global-life-expectancy
BRASIL - Expectativa de vida por Unidade Federativa - 2014 (Infogram) https://infogram.com/expectativa_de_vida_por_unidade_federativa_2014
IBGE - Projeção da população do Brasil e das Unidades da Federação (IBGE) https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/
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