Correspondente

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O mundo fantástico da Comic Con invadiu a Exponor P. 40

Daniel Oliveira: “Eu acredito que só o amor nos pode salvar” P. 48

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 • Ano I • n.º 1

2 em cada 10 adolescentes portugueses já se automutilaram P. 2

Política domina televisão

Grande número de comentadores são políticos ou encontram-se com funções suspensas

Federer e Nadal, a rivalidade em revista P. 58

GRANDE ENTREVISTA Filipe La Féria: “Achava que a vida era toda um teatro” P. 36

P. 26


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DESTAQUE Números

Cortes na pele, feridas na alma AUTOMUTILAÇÃO | A nível mundial, a automutilação é a terceira causa de morte mais comum entre os adolescentes. O que os motiva a automutilarem-se? Como se pode ajudar? O que fazer para prevenir? O Correspondente foi procurar respostas.

BEATRIZ MELO BRUNA SOUSA LEONOR GONÇALVES MARGARIDA RIBEIRO MIGUEL ÂNGELO AFONSO

Automutilação designa um conjunto de comportamentos de destruição direta do tecido corporal, que incluem cortar-se, queimar-se ou bater em partes do corpo com o objetivo de se magoarem. Muitos adolescentes ado-

tam estes comportamentos como uma forma de ajudar à redução dos estados emocionais negativos, numa tentativa de regular as emoções. Maior parte destes jovens mantêm este tipo de comportamentos em segredo, privando-se de uma vida social saudável. Para os especialistas e profissionais, a família assume um papel preponderante na detecção e tratamento deste tipo de casos, cujos estudos revelam serem prevalentes no sexo feminino. O que revelam os estudos O fenómeno da automutilação é amplamente estudado no estrangeiro, mas poucos estudos se encontram em Portugal. A idade média de início dos ferimentos autoinfligidos situa-se entre os 12 e os 14 anos de idade, concluiu um estudo realizado por Muehlenkamp & Gutierrez e Nock & Prinstein. Segundo os investigadores, os métodos de ferimento habitualmente utilizados são o corte com objetos afiados e o ba-


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DESTAQUE MIGUEL ÂNGELO AFONSO

Enquanto o estudo nas populações clínicas revela que a maioria da amostra recorre a apenas um método de automutilação, nas populações clínicas verifica-se o recurso a cerca de três métodos

ter em si próprio. A frequência dos ferimentos autoinfligidos também pode variar. De acordo com um estudo de Claes, Vandereycken e Vertomenn, com uma amostra clínica, 62,5% dos indivíduos mencionou ferir-se entre 1 a 5 vezes por mês, e 13,7% faziam-no mais de 15 vezes nesse período. Da amostra não clínica aferiu-se que 13% inflingiam ferimentos diários, 27,9% bissemanais, 19,6% bimensais, 18% apenas um episódio e apenas 19,6% confessaram realizar ferimentos casuais. No que se refere aos métodos utilizados, existem diferenças entre populações clínicas e não clínicas. Em populações da comunidade, grande parte dos indivíduos recorre a um método, enquanto populações clínicas utilizam cerca de 3 métodos diferentes. Por sua vez, uma investigação conduzida por Cátia Braga e Sónia Gonçalves, da Universidade do Minho, que envolveu 518 estudantes universitá-

A associação dos comportamentos autolesivos a outras perturbações como o abuso de substâncias psicoativas ou desvios comportamentais de foro alimentar é relatada em alguns estudos

rios portugueses, entre os 17 e 62 anos, revelou que 16,2% dos participantes se haviam automutilado e 52,4% recorreram a mais do que um método. Um estudo português, desenvolvido por Gonçalves, Rosendo, Martins, Machado e Silva, sobre características comportamentais dos ferimentos autoinfligidos, envolvendo 569 adolescentes portugueses entre os 12 e 20 anos de idade, indicou que 28% relataram um historial de conduta autolesiva e 10% tinham-no feito no mês anterior. Por outro lado, 26,8% haviam-se arranhado, 30,4% magoado, 26,8% cortado, 5,4% queimado, 44,6% mordido e 19,6% recorreram a outros métodos. Os braços, mãos e unhas são partes do do corpo mais vezes autolesionadas, como forma de autocastigo. Os inquiridos sentem que recorrem a comportamentos autolesivos com a finalidade de inibir sentimentos negativos, imagens e lembranças dolorosas. A maioria refere que o ato não foi planeado e os ferimentos foram escondidos. As emoções positivas foram relatadas como consequência da conduta. Sintomas psicopatológicos foram também associados à prática. Ana Xavier, José Pinto-Gouveia, Marina Cunha & Sérgio Carvalho conduziram um estudo que associou a influência de processos adaptativos ou mal adaptativos de regulação emocional aos comportamentos autolesivos na adolescência. Da amostra de cerca de 2863 adolescentes, de ambos os sexos, entre os 12 e os 19 anos, de várias escolas do distrito de Coimbra, averiguou-se que as raparigas reportam mais comportamentos autolesivos do que os rapazes. A faixa etária mais vulnerável situa-se entre os 15 e os 16 anos de idade. O estudo aponta ainda

que durante a adolescência média (1215 anos) os indivíduos apresentam mais sintomas depressivos, quando comparados com o início da adolescência (12-13 anos). Os adolescentes com sentimentos de ameaça, subordinação e desvalorização nas relações com a família tendem a apresentar sintomas depressivos, a ser mais autocríticos e a recorrer a comportamentos autolesivos. O mesmo acontece com indivíduos com idades entre os 16 e os 18 anos de idade, quando se lembram de poucos (ou ausentes) sentimentos de afeto, calor e segurança nas relações com a família. Os investigadores Briere e Gil revelam que existe uma prevalência de ferimentos autoinfligidos de 21% na população psiquiátrica geral, enquanto que em populações clínicas de adolescentes se situa entre 40 e 61%. Na população geral compreende-se entre os 4 e 7%. Em adolescentes do ensino secundário há percentagens mais elevadas, entre os 6 e 17%, e em estudantes universitários a percentagem é de 12%. Quanto a investigações em Portugal, um estudo liderado pela equipa portuguesa Aventura Social revela que 15,6% dos adolescentes que frequentavam o 8º e 10º anos de escolaridade tinham autoinfligido algum tipo de ferimento. Estudos revelam ainda que os comportamentos de automutilação ou ferimentos autoinfligidos estão muitas vezes associados a outras perturbações como abuso de substâncias psicoativas ou desvios comportamentais de foro alimentar. De qualquer forma, outras investigações constatam que muitos dos indivíduos que se autoinfligem podem ter perturbações depressivas, de ansiedade e/ou de personalidade. Histórias de abuso sexual ou diagnósticos de stress pós-traumático estão também relacionados com a presença de ferimentos autoinfligidos. A opinião dos psicólogos “Estes comportamentos traduzem sofrimento psicológico” Os fatores de risco para tais comportamentos podem estar ligados a “experiências de bullying no contexto escolar, por parte do grupo de pares, ausência de experiências positivas de afeto e de proteção e segurança”. Na sua investigação, Ana Xavier, da Faculdade de Psicologia da Universidade de Coimbra, constatou que “os adolescentes com comportamentos autolesivos referem que nunca tiveram – ou tiveram muito poucas – experiências de continua na página seguinte »


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DESTAQUE se sentirem amados, protegidos, tranquilizados e de sentirem afeto nas famílias”. Não só experiências precoces, mas também ausência de experiências positivas de afeto e de tranquilização são fatores de risco para a vulnerabilidade dos comportamentos autolesivos. Outro fator motivador é a dificuldade de regular emoções. A prática surge muitas vezes como uma forma de “ajudar o jovem a lidar com os estados emocionais negativos intensos”, refere a investigadora. Apesar das consequências a curto prazo, os comportamentos conseguem aliviar o estado emocional em que a pessoa se encontra e por isso são mantidos a longo prazo. Mas haverá intenção de suicídio? A investigadora diz que não, embora “obviamente aumente o risco de suicídio, porque à medida que se vão cortando, de facto os cortes ou outro tipo de comportamentos como a ingestão de produtos tóxicos, aumenta o risco de suicídio. Mas o jovem não o faz com a intenção de suicídio”. Tratam-se de fenómenos diferentes, “pelos métodos usados e pelas funções” A faixa etária da adolescência é um período de elevado risco. Ana Xavier

Os especialistas reportam mais casos de automutilação no sexo feminino do que no masculino, embora se reconheça que os números podem ser inflacionados pelo facto de as raparigas recorrerem mais à ajuda terapêutica

concluiu que “20% dos adolescentes já se tinham cortado pelo menos uma vez ou que já se tinham envolvido em comportamentos autolesivos, o que é uma prevalência elevada e preocupante”. Quanto às diferenças de género, “aquilo que muitas vezes aparece na literatura, é que há diferenças de género relativamente ao tipo de comportamento, sendo que os rapazes costumam utilizar comportamentos mais letais comparativamente às raparigas”, explica a autora do estudo ao Correspondente. Nos estudos que conduziu com amostras de adolescentes dos 12 aos 19 anos verificou-se “sempre as raparigas a reportar um maior envolvimento nos comportamentos autolesivos do que os rapazes”. O maior número de pessoas do sexo feminino do que do masculino nesta prática pode “induzir em erro pois as mulheres procuram mais ajuda terapêutica, o que leva a supôr que são elas que têm mais comportamentos autolesivos. Mas o facto é que o sexo feminino está mais vulnerável a perturbações como a depressão e a ansiedade, e que talvez isto ajude de algum modo a explicar porque é que as raparigas se possam envolver nestes comportamentos mais vezes do que os rapazes”. A psicóloga, avisa que estas conclusões devem ser levadas com cautela, pois a automutilação pode acontecer em ambos os sexos. A família tem um papel fundamen-

MIGUEL ÂNGELO AFONSO

Embora algumas escolas já contemplem programas de prevenção, formulados pelos profissionais competentes, é ainda urgente desconstruir mitos associados ao fenómeno

tal, que passa por não julgar e não criticar, pois estes comportamentos “traduzem sofrimento psicológico”. Deve haver compreensão e aceitação por parte dos familiares e o apoio deve passar por “encontrar ajuda psicológica” e especializada, alerta a investigadora. Dependendo novamente de cada caso, de acordo com a investigação os adolescentes que “experienciam ou que se envolvem em comportamentos autolesivos também reportam sentirem-se ameaçados, desvalorizados e subordinados nas relações com os pais.” Quanto à intervenção dos amigos é “importante considerar cada caso individualmente” pois por um lado podem haver amigos que “efetivamente se preocupam e ajudam”, mas também podem ser a causa de “relações disfuncionais, de bullying, de alguma vitimização”. É necessário ter em atenção os vários contextos em que o adolescente está inserido: “contexto de casa, o conceito de escola e a forma como o indivíduo se relaciona com estes diferentes agentes”. Uma das iniciativas desenvolvidas pelos profissionais competentes, levado a cabo nas escolas, é o programa Mais Contigo, desenvolvido pela Universidade de Coimbra, na Escola de Enfermagem, que é um programa de intervenção nas escolas, que embora seja mais focado no suicídio, para Ana

Xavier demonstra que “cada vez mais há interesse e vontade dos vários profissionais em trabalhar estes aspetos nos contextos escolares.” No entanto, realça que pode ser feito mais. É também importante que os professores estejam atentos pois podem “sinalizar e ajudar”. Alertar para a necessidade de intervenção psicológica é prioritário: “haver o maior número de psicólogos no contexto escolar que possam prevenir e intervir neste tipo de dificuldade”. Não só importa alertar mas “aplicar programas de prevenção nas escolas” para que o assunto seja abordado de forma a “desmistificar mitos relacionados com os comportamentos autolesivos” que estigmatizam a pessoa acabam por fazê-la sentir-se posta de parte. É “um problema que necessita de ajuda e de compreensão dos outros, não de estigmatização”, adverte Ana Xavier. “É um problema de todo o meio que está envolvido” Patrícia Oliveira, psicóloga da WeCareOne, também defende que a família é muito importante e que tem que ser um suporte, “um alicerce”, mas apenas se for uma família funcional. Muitas vezes a própria família é a causa pela qual se automutilam, seja por um divórcio mal resolvido ou outro tipo de confusão em casa. Os adolescentes tentam esconder ao máximo, principalmente da família “porque têm medo, têm vergonha, sa-


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DESTAQUE DEVIANT ART

bem como os pais vão reagir”. A partir do momento em que se toma conhecimento do comportamento do adolescente o problema deixa de ser só dele, “é um problema de todo o meio que está envolvido”. Para além do apoio dado pela família no tratamento, cabe-lhe também detetar o problema, que se expressa através de sinais como o “comportamento da pessoa”, o facto de “andarem no verão com mangas compridas”, “o afastamento de tudo o que é social: as saídas com os amigos, as saídas com os familiares” e “o isolamento no quarto”. No caso dos amigos, é difícil detetar

Os amigos dificilmente detetam o problema, pois a tendência é de esconder e não verbalizar o que se passa. Por norma, quando se apercebem que um colega se automutila, reportam o caso a alguém com quem mantenham uma “relação estável”

pois um adolescente que se automutila não verbaliza os seus problemas. “Por norma vão procurar ajuda pois não sabem como ajudar” por isso quando detetam algum comportamento estranho “avisam outras pessoas, um professor, alguém com que eles mantenham uma relação estável, significativa para poder ajudar o colega”, reconhece a psicóloga. O papel da escola revela-se essencial pois passa a ser da sua responsabilidade a comunicação da situação: “o professor quando confrontado com tal problema deve avisar os pais”. Na opinião da psicóloga, a primeira pessoa com que devem falar é o adolescente pois caso contrário este “pode deixar de ver o professor como um aliado, mas sim como alguém que lhe tramou a vida”. Acrescenta ainda que a maior parte das escolas atualmente têm um psicólogo. “Nas escolas que têm os Serviços de Psicologia, estes adolescentes têm apoio” Vera Lúcia, psicóloga na Escola Secundária de Amarante, revela que na sua experiência os jovens são encaminhados para o seu consultório através do incentivo de amigos, colegas e/ou professores. Normalmente o adolescente “considera que é um problema seu e que ninguém o poderá ajudar.” Tratando-se ou não de um número inflacionado, Vera Lúcia também con-

firma que as raparigas são quem mais recorrem à sua ajuda. Aliás, a psicóloga afirma só ter recebido raparigas com problemas de automutilação. A psicóloga explica que “na fase da adolescência acontece por vezes como uma chamada de atenção, mas também pode ser indicador de um quadro depressivo que precisa ser devidamente analisado”. Afirma também que “os que praticam estes atos acreditam que ao fazerem isso estariam a aliviar uma dor que é emocional.” Quanto ao apoio dos amigos e da família Vera Lúcia considera fundamental e que é necessário que os pais estejam envolvidos no processo terapêutico, colaborando “com o profissional na resolução do problema.“ É natural que os amigos queiram ajudar “no entanto, têm os seus limites. Deverão sensibilizar o adolescente/jovem a procurar ajuda de um profissional.” Segundo a psicóloga, normalmente, quando o adolescente “inicia o acompanhamento psicológico, a família não tem conhecimento da situação de automutilação. Quando vem a saber, ficam incrédulos pois nunca se tinham apercebido de nada.” É importante para o psicólogo ter noção disto, de modo a perceber a “dinâmica familiar”. Para Vera Lúcia, as redes sociais “poderão em alguns casos incitar os adolescentes na procura e manutenção destes comportamentos de automutilação.”

Nas escolas “é importante que não só os professores, como também os auxiliares de ação educativa e outros próximos dos adolescentes consigam identificar estes comportamentos e os encaminhar para os profissionais.” Na opinião da psicóloga “nas escolas que têm os Serviços de Psicologia, estes adolescentes têm apoio”.“Nas escolas há todo um trabalho que estes serviços fazem com os professores a fim de os alertar para estas situações”, reforça. Testemunho na primeira pessoa ou “O momento absorve-te” Hoje, M não manifesta comportamentos autolesivos mas entre os 12 e os 16 anos, durante adolescência, provocou cortes, mordidas e arranhões a si própria. “Tudo, começava com a mordidela, o arranhão. Havia alturas em que eu tinha medo de estar sozinha em casa porque eu sabia que ia começar pelo pé e acabava cá em cima”, explica a jovem. “Chegou a uma altura em que o arranhão não chegava” e por isso passou a utilizar tesoura. Ao longo do tempo, “já era a técnica que sangrasse mais”. A jovem de 20 anos não sabe dizer qual foi a razão que a levou a começar os comportamentos autolesivos, mas explica que “se calhar nem é bem uma questão do que está a acontecer é mais daquilo que sentes, porque é uma for-


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DESTAQUE GETTY IMAGES

ma de acalmar algo que se está a passar contigo.” Contudo, M reconhece que os comportamentos talvez tenham derivado do “estado de stress” que algumas situações familiares lhe provocavam, mas reconhece que “se calhar se eles [os pais] não fossem assim eu era assim na mesma, eu não sei porque só tive aquela família” M considera que a certa altura se tornou um vício e que “como o resultado final era muito positivo”, a dada altura deixou de pensar em controlar-se. “Porque aquilo que queres é aquela sensação final”. Os comportamentos não eram uma forma de se castigar a si própria, mas sim uma forma de se sentir melhor, pois segundo a jovem “o momento absorve-te”. Relativamente à impulsão de se automutilar, M crê que “quando era teenager se via demasiado em filmes, novelas, falava-se muito. Não incentiva, mas tu ficas a saber que existe. Se calhar tens aquela vontade e até nem é muito não normal, porque há pessoas a fazer.” Quanto à zona do corpo em que se automutilava, M diz que nunca o fazia nos braços, mas “em sítios em que não se via”. A jovem revela que “tinha uma característica fantástica” pois “ a pele em dois dias estava top, não se passava nada”. M exemplifica com um episódio que aconteceu depois de sair do banho: “estava com um top e de calças. Achei que já estava sozinha em casa,

abri a porta para secar o cabelo e a minha avó olha para mim, olha para a minha barriga e diz “andaste à porrada com o gato?” e eu respondi que não. Ela olhou para mim, eu sei que ela percebeu”. Os pais e a família nunca souberam realmente o que se passava, M confiava nas “amigas mais próximas com quem eu ia falando sobre o assunto, muito poucas. Compreendiam sim, agora não consegues ajudar muito.” Nunca procurou ajuda, aliás para M “ninguém pode ajudar” ou exigir que este tipo de comportamentos cessem: “as pessoas devem perceber que ralhar não vai resultar e se calhar não se sentem preparadas para ouvir, para perceber o que se está a passar, para aceitar que aquilo é assim”. M nunca procurou ajuda clínica porque considera que não iria saber o que dizer a um psicólogo, nem sabe como é que ele poderia ajudar. Quanto aos amigos e família a jovem considera que “não há assim grande coisa que tu possas fazer, quando alguém está numa situação dessas (...) Tu não estás lá sempre, a pessoa vai ter que estar na mesma sozinha.” Alguns anos depois descobriu que tem uma doença psiquiátrica - bipolaridade -, “que hoje em dia não me chateia nada, quase me esqueço às vezes”. Apesar de ter sido diagnosticada M considera que os distúrbio não esteve na raíz do problema pois “a bipolaridade só se começa a manifestar a partir dos 18 anos”.

Na opinião de M a pouca relevância dada a este problema provavelmente não se relaciona com o facto de ser um tabu mas de ser “mais fácil fazer de conta que não existe. Nos casos que existem a probabilidade que um dia as pessoas cresçam e aquilo passe é tão grande, que então deixam estar.” “Enquanto a pessoa não der o clique e não decidir mudar, há muito pouca coisa que nós podemos fazer”, reforça a jovem. O que aconteceu com a M foi isso mesmo, “foi por consciência” própria. Quando a “vida começou a estabilizar” e começou uma relação, gradualmente, a jovem começou a controlar os instintos de se magoar pois sentia-se mal com aquilo que estava a fazer a si mesma, “porque sabia que isso ia afetar alguém”. A jovem acredita numa frase que é “tu não podes salvar as pessoas, só as podes amar.” M ainda tem alguns tiques, por exemplo: “estou stressada começo-me a arranhar, mas nem sequer sei porque é que o estou a fazer”, mas explica que não o faz como anteriormente. Se lhe pedissem um conselho ou se ela pudesse voltar atrás e acalmar-se a si própria a jovem diria: “vai ficar tudo bem, isso vai passar”. M fala do assunto com naturalidade, até porque segundo ela: “já foi há tanto tempo que parece que estou a falar de outra pessoa qualquer. Não sou eu. Não fui eu. Não tem nada haver, é outra pessoa”.

Linhas de apoio são subutilizadas As linhas de apoio têm pouca relevância em Portugal. A SOS Voz Amiga relata que a linha de apoio é mais utilizada por pessoas acima dos 30 anos. Segundo a fonte, o “procedimento” utilizado nestas “raras situações” é o “usual”: o voluntário da linha “está atento, com respeito e compreensão. Tenta criar empatia, procurando ver a realidade como a outra pessoa a vê. Escuta, sentindo-se solidário. É um interlocutor ativo e apoia o outro, fazendo-o ganhar confiança em si próprio e na sua capacidade de autodeterminação.” A SOS Voz Amiga sustenta que há uma dupla vantagem no facto do atendimento nos serviços de ajuda deve ser feito por voluntários não profissionais: “por um lado a mais-valia que representa a relação de ajuda ser feita por pares, e por outro lado o aumento na sociedade de pessoas que viveram a experiência gratificante de ajudar e têm formação e experiência de ajudar.” Tentou-se o contacto com a linha Saúde 24 mas até ao momento não se obteve qualquer resposta.


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08 • Correspondente • segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 •

NACIONAL

Maria João Valente Rosa: “Estatísticas de má qualidade podem ser prejudiciais ao país” ESTATÍSTICAS | Gostava “que todos fossemos mulheres e homens de números”, embora admita não ser fascinada por eles, mas sim pela sociedade e pelas pessoas. Maria João Valente Rosa dirige a Pordata, base de dados do Portugal contemporâneo, desde 2009

CÉSAR CASTRO

O interesse pela demografia fascina-a porque está muito ligada à verificação estatística. “Quando estudamos a população, não estamos a estudar só as pessoas que aqui vivem. Estamos a estudar os comportamentos das pessoas, aos mais variados níveis, em termos da sua parentalidade, a sua nupcialidade até à questão da mortalidade, ou dos movi-

mentos migratórios”, começa por explicar Maria João Valente Rosa, diretora da Pordata, a base de dados da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS). “Um mundo completamente desnorteado.” É assim que a também professora na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH/UNL) classifica o mundo sem estatística, em declarações ao Correspon-

dente. “A liberdade alimenta-se de factos, de estatísticas e de conhecimento. Sem esses dados, o mundo livre estaria posto em causa. As estatísticas são vitais para o bom funcionamento das sociedades modernas livres”, adianta “É cada vez mais difícil conseguirmos captar os movimentos das pessoas” Considera que “a ciência demográfica tem evoluído


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NACIONAL FCT/FCCN

A Pordata pretende desmistificar alguns conceitos de temas como a população, educação, saúde e explicá-los ao cidadão comum

muito”, embora algumas áreas da demografia, como é o caso das migrações, necessitem de ser aperfeiçoadas para acompanhar as dinâmicas dos tempos mais atuais. “É cada vez mais difícil conseguirmos captar os movimentos das pessoas, por causa da livre circulação no território, por exemplo. É uma área extremamente aliciante, mas ainda não está consolidada como desejada”, explica. Pela complexidade que apresenta, a área das migrações é a que menos se aproxima deste campo científico. “Há muitos tipos de migrações. E depois temos as questões dos refugiados. E temos uma quantidade vastíssima de movimentos de pessoas, que importa conhecer melhor. Lá vai o tempo em que se saia do país para a vida”, esclarece Maria João. A aposta em estaticistas como um “investimento” do país Aos estaticistas são exigidas, cada vez mais, permanentes atualizações, de forma a poderem acompanhar as grandes tendências que vão acontecendo de uma forma mais rápida. A demógrafa adianta ser necessário apostar em pessoas “muito qualificadas” neste campo, para um país bem-sucedido aos mais variados níveis. “Estatísticas de má qualidade podem ser prejudiciais ao país. Não se pense nisto como uma despesa que o país faz, mas como um investimento.” Maria João realça a importância daqueles que lidam e trabalham com as estatísticas, mas valoriza ainda mais como é feita a ponte de comunicação e a transmissão desses mesmos dados. “É muito importante ter estatísticas de qualidade e quem as saiba trabalhar e produzir de forma boa. Mas isso para mim não basta. O mais importante para mim é comunicar a informação. E que seja bem comunicada”, esclarece. Mais do que se limitarem a reproduzir a informação, a Pordata também a explica. E essa foi uma área que a entidade desenvolveu: a da meta-informação. “Os dados têm um bilhete de identidade e é importante conhecer esse bi-

Contudo, o grande objetivo da base de dados passa por aproximar as pessoas da informação que diz respeito à sociedade onde vive

“É uma informação que tem um selo de confiança. Não é por ser um número que temos que acreditar nele. Há números que não são de confiar”, assevera a demógrafa. Com a vontade de ser uma alternativa às “múltiplas bases de dados que são muito dirigidas a um determinado setor”, Valente Rosa defende a importância do carácter “abrangente” da plataforma, em termos de temas e áreas, uma vez que, “quando queremos compreender a sociedade em que vivemos, não olhamos apenas para uma área”, mas sim “para múltiplas áreas.” Apesar de reconhecer que dificilmente vamos “descobrir tudo a propósito de tudo”, Maria João adianta que, graças ao desenvolvimento tecnológico, por exemplo, as pessoas “não sabem, mas podem vir a saber.” Isto porque, hoje lhete de identidade. Perceber em dia, “o desconhecimento de onde vierem, como foram é muito menor do que existia produzidos, a que momento no passado.” é que dizem respeito.” O que a Pordata se propõe é então Informar para melhor ser inexplicar de uma forma sim- formado As confusões de nomenples conceitos que não são entendíveis para o cidadão clatura e de dados devem-se, normal se não dominar a es- muitas vezes, à forma indispecificidade e o jargão especí- tinta como a comunicação fico de uma determinada área social trata os conceitos. “Isto de especialidade. “Para todos está associado a escalas de os economistas é óbvio que, valores e a questões culturais quando eu falo de formação que não temos consciência bruta de capital fixo, todos que estamos a reproduzir da saibam do que eu estou a fa- pior forma”, adianta. A demógrafa reconhece lar, mas o cidadão normal não sabe, de certeza absoluta, que que, regra geral, os jornalistas estou a falar de investimento.” têm uma formação em estaO grande objetivo da Por- tística, “na tal ciência”, mas data é assim, explica, “apro- que não chega para lidar com ximar as pessoas da informa- os números e com as estatísção credível que diz respeito ticas, que é aquilo que chega à sociedade em que vivem.” às redações no dia-a-dia. “SaA Doutorada em Sociologia bemos que muitos jornalistas considera que não basta ter têm dificuldades porque a sua informação como é preciso formação de base, por vezes, fazer com que ela chegue tam- não desenvolve este tipo de bém a quem de direito. No abordagem, que é o lidar com fundo, “a quem dela se pode as estatísticas.” A necessidade de colmatar aproveitar, no bom sentido da esta falha levou à criação de palavra.” Deste modo, falamos de formações de literacia estatís“números especiais, que não tica, o que tem sido uma das são números abstratos, vazios preocupações da instituição. de conteúdo” e que “refletem Sustentada nessas sessões de o nosso comportamento, as formação, decidiu ir mais lonnossas decisões, as nossas for- ge e escrever um livro, publicado em janeiro do ano pasmas de estar, etc.” A informação, de acesso sado, por altura do Congresso gratuito, disponibilizada pela de Jornalistas. “Que número é base de dados é produzida por este? Um guia sobre estatístientidades com competências cas para jornalistas” realizado em várias áreas da sociedade. em parceria com o (também)

jornalista Ricardo Garcia e a socióloga Luísa Barbosa, foi pensado para esta classe profissional, não fossem eles os “grandes disseminadores de informação e também de informação estatística.” Mas desengane-se se pensa que a ideia era apenas escrever para este público. “Este livro não tem como únicos utilizadores os jornalistas, muito pelo contrário. Começa com um relato jornalístico, mas o interesse vai muito para além dos jornalistas.” A também membro do Conselho Superior de Estatística (CSE) e do Comité Consultivo Estatístico Europeu (ESAC) adianta que o que mais lhe entristece é pensarem que os números são algo exclusivo do mundo dos adultos. “Isto faz com que, muitas vezes, as pessoas entendam as estatísticas como algo superior que não faz parte da vida delas”, lamenta. Nunca ouviu dizer que ninguém gosta de letras e não entende a valorização que se faz pelo desprezo dos números. “Olhamos para estes números, que não são números quaisquer e que nos refletem em termos de comportamento, e dizemos que não gostamos dos números que dão sentido à nossa vida. O que é que a pessoa quer dizer com isto? É uma questão que me entristece muito”, finaliza.

Atualmente, a Pordata inclui não só os dados para Portugal, mas também para a União Europeia, Espaço Schengen, Estados Unidos da América e Japão


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NACIONAL NELSON GARRIDO

António Salgueiro: “Temos um ecossistema extremamente adaptado ao fogo” INCÊNDIOS | A que se deve o fogo no nosso país? Falamos com António Salgueiro, Membro da Comissão Técnica Independente dos incêndios florestais de Pedrógão e de Góis CÉSAR CASTRO

A resposta poderá estar num conjunto de fatores que António Salgueiro, engenheiro florestal, explica. Para além da influência do clima mediterrânico, ainda que não seja banhado pelo Mediterrâneo, Portugal sofre com uma particularidade “única do mundo”, em que “a estação mais quente do . Aliado ainda à influência atlântica, “fomos habituando a nossa natureza, e ela a nós próprios, a ter fogo e a recuperar com fogo. Temos um ecossistema que está extremamente adaptado ao fogo. Aquilo que precisamos hoje é de continuar a evoluir com ele, mas numa perspetiva diferente. E não temos evoluindo. Temos, talvez, regredido”, explica o Membro da Comissão Técnica Independente que procedeu à análise dos incêndios florestais de Pedrógão e de Góis, em junho do ano passado.

Para António Salgueiro “continuamos a usar o fogo indevida e inconscientemente” e muito por culpa da legislação que “dirigiu utilizações racionais do fogo para utilizações irracionais” e que faz, atualmente, de Portugal um dos países do mundo onde,

António Salgueiro diz que “devíamos ter sido extremamente

agressivos relativamente

deveria ter sido passada]”

por quilômetro quadrado, há uma grande densidade de ignições, isto é, aquilo que designamos por “fogos postos”. Mas, afinal, porque tivemos tantos fogos no último ano e com tantas mortes? “Por situações particulares da meteorologia, pelo ano que tínhamos com esta seca acumulada e por coisas que já vem de muitos anos”, de que é exemplo a “homogeneização dos territórios rurais.” Com menos pessoas a viver nos territórios interiores, onde há cada vez menos agricultura e pastorícia nessas áreas, a paisagem, explica António, “vai ficando homogeneizada”. Os incêndios de 2003 e 2005 também serviram para uniformizar o território. “Temos territórios muito vastos em que o fogo não tem alterações de comportamento. Tudo isto, associado a condições climatéricas extremas, fez com que tivéssemos fogos acima daquilo que estávamos habituados a ter”,

explica o engenheiro florestal. António Salgueiro afirma o carácter agressivo da mensagem que deveria ter sido passada. “Devíamos ter sido extremamente agressivos relativamente à mensagem. Não podíamos ter dito que ia chover e que ia acabar o verão e, simultaneamente, que íamos ter influência do Ofélia, de ventos que iam passar pelo Norte de África”, adverte o também docente da cadeira de Planeamento e Proteção Florestal, na Universidade Lusófona do Porto. O engenheiro florestal revela-se ainda contra o sistema de voluntariado de Proteção Civil. “Isto não bate certo. Proteção Civil e voluntariado. Tenhamos voluntariado, mas quem coordena, quem manda, tem de saber aquilo que está a fazer. Quem coordena, tem de ser um especialista do mais alto grau, tem de saber perfeitamente o que é um comportamento de fogo e o que pode esperar desse comportamento”, finaliza.


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NACIONAL LUCILIA MONTEIRO

Famílias das vítimas mortais dos incêndios vão receber indeminização 70 mil euros é o valor mínimo de indemnização MARGARIDA RIBEIRO

Nádia Piazza: “Quando nós perdemos o medo, nós somos livres” INCÊNDIOS | É o rosto das famílias das vítimas de Pedrógão Grande e agora dá o próximo passo, com o projeto “Aldeias Resilientes” CÉSAR CASTRO

Já deu muitos próximos passos na vida, mas nunca esperou ter que dar este. Nádia Piazza fundou a Associação de Vítimas do Incêndio de Pedrógão Grande com outras pessoas que também tinham essa vontade de “ter uma versão oficial, não a versão das instituições, mas a nossa versão, que é a versão de quem estava no território, de quem viveu ou de quem amava o seu”, explica. A cidadã luso-ítalo-brasileira adianta que, desde o primeiro momento, todas as famílias participaram ativamente nas investigações. “Isso muito pouca gente sabe. É de que nós participamos nas investigações, desde o primeiro dia com todas as instituições. Tudo o que está saindo hoje, nós já sabíamos. Fomos nós que dissemos aquilo mesmo”, confidencia. Certo é que, para além de ajudar “a apurar a verdade” sobre o que acon-

teceu, a Associação desenvolveu um projeto-piloto chamado “Aldeias Resilientes” que conta com a colaboração da Associação de Proteção e Socorro (APROSOC) e a WIT-Software. Ao todo, vinte e cinco aldeias dos concelhos de Pedrógão Grande, Castanheira de Pêra e Figueiró dos Vinhos, no distrito de Leiria, integram o projeto. “Vamos constituir equipas, à maneira norte-americana: responsáveis e formadas” com o objetivo de “chamar para si a responsabilidade de autoproteção, conhecer o seu território em seu redor, fazer a limpeza à volta das aldeias e equipar-se. Vamos melhorar a comunicação intra-aldeias”, explica Nádia Piazza. Com sede numa escola primária, no “olho do furacão”, onde será o posto de comando e com uma data limite estipulada até junho deste ano, o objetivo do projeto-piloto é não entregar “toda a nossa integridade física a entidades públicas”, mas sim propor uma

tomada de consciência de que temos “que fazer algo preventivo e a longo prazo - e esse é o legado que queremos deixar.” A jurista, que perdeu o filho, o pai do filho, “a mãe portuguesa” e mais seis elementos da família nos incêndios, adiantou que, aquando da tragédia, tinha duas opções: “ou fechava-me, enclausurava-me, começava um luto traumático imediatamente, ou pura e simplesmente tentava perceber o que é que se passou. Juntar as pessoas que viveram o mesmo que eu vivi, apurarmos a justiça ou a injustiça que essas pessoas tinham enfrentado. Fazer alguma coisa diferente”, disse. Diz que foi a partir daí que “nasceu uma nova mulher”, até porque quando vivemos uma situação de limite, como a que viveu, “há uma coisa que acontece. Nós perdemos o medo de falar e isso não significa perder o respeito. Quando nós perdemos o medo, nós somos livres.”

O Conselho para a atribuição de indemnizações às vítimas dos incêndios entregou hoje um relatório ao primeiro-ministro onde está definido que o valor mínimo de indemnização é de 70 mil euros, mas pode aumentar tendo em conta os dois critérios estabelecidos. Além do critério base, relativo à perda de vida, ainda importará juntar mais dois critérios: o sofrimento da vítima antes da morte e danos próprios dos familiares mais próximos. Em declarações aos jornalistas, o primeiro-ministro, António Costa, e Sousa Ribeiro, membro do conselho, salientaram que a partir dos critérios definidos caberá à provedora de Justiça estabelecer o valor a atribuir em relação a cada um dos casos mortais resultantes dos incêndios de Pedrógão Grande (em junho) e de outubro na região Centro.

Costa recorda vítimas de incêndos Mensagem de natal do Primeiro Ministro incidiu sobre os incêndios MIGUEL ÂNGELO AFONSO

Num ano em que os incêndios não deram tréguas e provocaram mais de uma centena de mortos, António Costa dedicou grande parte da mensagem de natal ao tema, lembrando a onda de solidariedade que mobilizou o país. “Reafirmo o compromisso de fazer tudo o que tem que ser feito para prevenir e evitar tragédias. Melhorando a prevenção, o alerta, o socorro, a capacidade de combater as chamas, mas, sobretudo, a revitalização do interior e o reordenamento da floresta”, afirmou ainda o Primeiro Ministro.


12 • Correspondente • segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 •

NACIONAL MARGARIDA RIBEIRO

Já é possível ligar o cartão de cidadão ao telemóvel MODERNIZAÇÃO ADMINISTRATIVA | Foram apresentadas melhorias nas funcionalidades e serviços relativos ao cartão de cidadão MARGARIDA RIBEIRO

Agora vai ser possível aproveitar melhor as potencialidades do cartão de cidadão. A partir de agora pode, por exemplo, alterar a morada de residência online. Antes era necessário ter um leitor, mas com esta atualização basta associar o seu cartão ao telemóvel. O cartão de cidadão liga-se ao telefone com a introdução da chave móvel digital, para que mais pessoas e empresas possam usar os serviços públicos online, sem perder tempo em deslocações e em filas de espera. Esta é uma das novidades reveladas ao Jornal de Notícias pela secretária de Estado da Justiça, Anabela Pedroso. A governante acredita que a medida vai permitir incrementar a utilização dos serviços públicos online. “Temos 20 milhões de cartões emitidos. Na prática, a maioria dos portugueses já fez, pelo menos, uma renovação. Mas só 17% possuem a assinatura eletróni-

ca cativada, o que é baixo”, reconhece vação do cartão de cidadão. Isto vai Anabela Pedroso. simplificar o processo e evitar deslocações. A renovação vai estar disponível Principais mudanças: no Portal do Cidadão. A única exigênRedefinição do PIN do Cartão: vai cia é que o cartão seja válido por mais ser possível guardar o código de des- dois meses. O cancelamento vai estar bloqueio, o PUK, que permite solicitar disponível online e por via telefónia redefinição do PIN em caso de perda ca (211 950 500) para quem perdeu o de ambos os códigos sem ter que pe- documento e a quem só deseja renodir e pagar um novo cartão de cidadão. vá-lo, este serviço está disponível para Esta funcionalidade só estará disponí- as pessoas entre os 25 e 60 anos. Estes vel a partir de maio de 2018 e apenas serviços estão disponíveis desde 4 de para cartões pedidos depois dessa data. dezembro. Deslocação gratuita: dos serviços emissores do cartão para os cidadãos com mais de 70 anos e com mobilidade reduzida. Alerta sobre o fim do prazo do carOs serviços emissores tão de cidadão: os cidadãos passam a ser alertados por sms ou e-mail dos vádo cartão de cidadão rios prazos limite relacionados com o passam a deslocar-se seu documento de identificação. Renovação e cancelamento online: até à população mais são reaproveitados os dados que já idosa tinham sido fornecidos para a reno-

Cartão do Cidadão desde os primeiros dias: para proteção e segurança das crianças, é obrigatório pedir o cartão de cidadão 20 dias após o registo de nascimento. Esta obrigação vigora desde 1 de outubro de 2017. Assinatura eletrónica com atributos profissionais: agora pode associar os atributos profissionais ao seu cartão. Vai poder assinar na qualidade, por exemplo de gerente ou administrador, legitimando a prática de atos, como a realização de alguns contratos em nome da sociedade e sem necessidade de autenticar a assinatura presencialmente. Esta funcionalidade está disponível desde 1 de outubro de 2017. Um registo de dados, vários documentos: vai ser possível fornecer os dados biométricos para a emissão de vários documentos em simultâneo. Esta funcionalidade está disponível desde 1 de outubro deste ano. Mais tempo de validade: a partir dos 25 anos a validade do cartão de cidadão passa de 5 para 10 anos, sendo eliminado o cartão vitalício. A mudança já está em vigor desde outubro. É ainda um protótipo, mas a Imprensa Nacional Casa da Moeda pode vir a dispensar a impressão dos cartões de cidadão tal como é feita atualmente, a ideia é que a nova máquina possa ser colocada em locais públicos, e esteja disponível 24 horas e sete dias por semana.


• segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 • Correspondente • 13

NACIONAL Portugal eleito Melhor Destino do Mundo pelos “Ósares do Turismo” TURISMO | Lisboa consegue “Melhor Destino para City Break” e Madeira é “o Melhor Destino Insular”. O país arrecadou seis prémios em apenas uma noite MARGARIDA RIBEIRO

Matosinhos desliga rega automática devido à seca A decisão vem no seguimento da situação de seca que se vive no país MIGUEL ÂNGELO AFONSO

BEATRIZ MELO

Portugal foi distinguido como “Melhor Destino Turístico do Mundo”, este domingo, na cerimónia dos World Travel Awards. Torna-se também o primeiro país europeu a conquistar este título. Conseguiu derrotar concorrentes como o Brasil, Grécia, Maldivas, EUA, Marrocos, Vietname ou Espanha. Em comunicado, a secretaria de Estado do Turismo realça que, na Europa, só “as cidades de Londres e Paris” venceram para já este prémio. O Dubai foi o destino que mais vezes distinguido (6 vezes) com este galardão dos World Travel Awards (WTA), internacionalmente considerados como os

“Óscares do Turismo”. A cidade de Lisboa, pela primeira vez, arrecadou o prémio de “Melhor Destino para City Break” e a Madeira foi considerada “Melhor Destino Insular do Mundo”. Segundo o jornal Diário de Notícias, os Parques de Sintra-Monte da Lua foram considerados como “Melhor Exemplo de Recuperação de Património”. Por outro lado, a entidade Turismo de Portugal obteve os prémios de “Melhores Campanhas de Promoção Turística” e “Melhor Organização de Turismo do Mundo”. A nada-estreante ilha da Madeira recebeu o prémio pela terceira vez consecutiva, concorrendo ao lado de 17 destinos, incluindo Bali, Barbados,

Ilhas Coook, Creta, Fiji ou Jamaica. Já em setembro do ano passado, Portugal tinha conseguido pela primeira vez ter sido eleito “o melhor destino da Europa”, título atribuído pelos World Travel Awards. A 29 de setembro em S. Peterburgo, Portugal foi o país que mais galardões conquistou na cerimónia - que ao todo foram 37 “óscares”, 30% do total, ou seja, mais 13 do que no ano anterior. O passo seguinte seria vencer o título de “Melhor Destino Turístico do Mundo”. Os World Travel Awards surgiram em 1993 e a votação é feita pelo público em geral e por mais de 200 mil profissionais de turismo, provenientes de 160 países.

Foi em reunião pública do executivo municipal que Luísa Salgueiro, presidente da Câmara de Matosinhos, anunciou que o município vai desligar a rega automática de todos os jardins públicos. Contudo, aponta que a manutenção dos locais onde a rega é imprescindível irá ser feita com recurso a águas de um riacho subterrâneo – em vez do tradicional abastecimento público. Além disso, a autarca sublinhou ainda que as fontes existentes no município funcionam em circuito fechado, não se fazendo uso da água de consumo público - e o que faz com que a água seja reutilizada de modo circular. Apesar de “felizmente” o concelho não sentir os efeitos de seca, Luísa Salgueiro apela “à população que faça poupança de água” e se junte à campanha, uma vez que poupar água é uma tarefa de todos para o bem de todos. O apelo vem no seguimento da fase de seca que assolou o país. Segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), a 15 de novembro verificou-se um aumento da área nacional em situação de seca extrema. De acordo com o índice meteorológico de seca, na semana passada cerca de 6% do território estava em seca severa e os restantes 94% em seca extrema. PUBLICIDADE


14 • Correspondente • segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 •

NACIONAL MIGUEL ÂNGELO AFONSO

Há cada vez mais alunos estrangeiros a escolher as universidades portuguesas ENSINO SUPERIOR | O número de estudantes internacionais em Portugal tem vindo a aumentar de forma gradual. A conclusão é de um estudo realizado pela Uniplaces e pela Worx CÉSAR CASTRO

No passado ano letivo de 2015/2016, mais de 33 mil estudantes internacionais escolheram Portugal para frequentar o seu curso no ensino superior. Um número de alunos relativamente elevado se compararmos com os aproximadamente 19 mil estudantes em 2000, os 22 mil estudantes em 2005 ou os 28 mil estudantes no ano de 2010. As razões prendem-se com a “maior visibilidade de Portugal no mercado turístico aliado com a estratégia nacional de atração de estudantes internacionais”, pode ler-se no documento divulgado pela Uniplaces, a plataforma online para alojamento de estudantes universitários. Entre os estabelecimentos de ensino que receberam mais alunos em Erasmus, destacam-se a Universidade de Lisboa, a Universidade do Porto e a Universidade Nova. Os alunos de origem brasileira con-

tinuam na liderança da nacionalidade mais representada em Portugal, seguida pelos alunos provenientes de países como Espanha, Angola e Cabo Verde. Sendo que apenas estas quatro nacionalidades representam mais de metade dos estudantes de mobilidade internacional que escolhem Portugal para frequentar o seu curso no ensino superior. O relatório sublinha ainda “o nascimento de uma nova tendência”: a afirmação de uma nova região com grande potencial de crescimento de que é exemplo a Ásia, apesar de a Europa se destacar na liderança ao longo de várias décadas. Do total de número de alunos em mobilidade internacional, só nessa região, numa década, a proporção de alunos internacionais recebidos aumentou de 15% para os 21%. Uma evolução que pode ser explicada, entre outros fatores, pelo “avanço económico e tecnológico” e também pelo aumento da “reputação das universi-

dades asiáticas”. Contudo, os países que recebem o maior número de estudantes em mobilidade são os Estados Unidos da América, com cerca de 840 mil estudantes anualmente, seguido pelo Reino Unido. A China, por sua vez, continua a dominar no número de alunos em mobilidade, enviando anualmente cerca de 712 mil estudantes, dos quais 30% desse universo faz o seu intercâmbio nos Estados Unidos. No segundo lugar dos países com mais alunos em mobilidade internacional vem a Índia. O número de alunos indianos é quase 4 vezes menor do que os alunos chineses (181 mil). Dos quatro países que recebem o maior número de estudantes anualmente, três são países anglo-saxónicos. Isto deve-se “à maior facilidade na adoção a uma nova cultura sem barreira linguística” e também “ao prestígio das universidades que contam com

vários séculos de existência”, lê-se no documento que foi divulgado. De acordo com a Comissão Europeia, no ano letivo de 2013/14, existiram 272,497 estudantes europeus em mobilidade, sendo que Espanha, França e Alemanha estavam entre os países europeus onde mais alunos procuram estudar, representando assim cerca de 40% do universo de estudantes em mobilidade. O estudo “Beyong the data – Influencing international student decision making” mostrou quais são as principais influências na decisão dos alunos antes de escolherem o país onde pretendem realizar o seu intercâmbio. Segundo o documento, os estudantes internacionais consideram em primeiro lugar o curso, em segundo o país e em terceiro lugar a instituição e o valor das propinas. Contudo, este factor é também tido como a razão número um para a rejeição de outras ofertas noutros países.


• segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 • Correspondente • 15

NACIONAL NUNO FERREIRA SANTOS

Porto é a cidade portuguesa com melhor nível de inglês O estudo do EF English Proficiency Index concluiu também que Portugal ocupa a 18ª posição no ranking de países, a nível internacional, com melhor nível de inglês BRUNA SOUSA

Verdes querem reduzir pelo menos dois alunos por turma EDUCAÇÃO | A proposta de alteração ao OE2018 pretende que a diminuição aconteça em cada ano de início de um novo ciclo BEATRIZ MELO

O acordo que o Partido Ecologista Os Verdes (PEV) fez com o Governo consiste na redução do tamanho máximo das turmas do ensino básico de pelo menos dois alunos por turma já a partir de setembro. Prevê-se que esta redução seja feita de forma progressiva no 1º ano, no 5º e no 7º ano. Assim, para o próximo ano letivo de 2018/2019, o 1º ano passa de um máximo de 26 para 24 alunos, e do 5º ao 9º o máximo será de 28 alunos por turma. No ano letivo seguinte, de 2019/20, os dois primeiros anos de cada ciclo também vão sofrer uma redução na sua capacidade máxima e assim sucessivamente. Pretende-se que esta alteração se estenda a todas as escolas, que já entrou em vigor este ano para os estabelecimentos de ensino integrados nos territórios educativos de intervenção prioritária e abrangeu 137 agrupamentos.

O objetivo passa, também, por não reduzir apenas as turmas do ensino básico, sendo que o PEV pretende avançar com uma proposta de redução de turmas no ensino secundário - de 30 para 28 alunos

Por outro lado, o PEV vai propor também que a redução das turmas chegue ao ensino secundário, passando de um máximo de 30 alunos para 28. No entanto, para esta proposta ainda não têm o apoio do Governo, como refere ao Público a deputada Heloísa Apolónia. A deputada Heloísa Apolónia defende que a aplicação faseada irá permitir continuar com a coesão das turmas que já se encontram em funcionamento em cada ciclo sem que os alunos se separem. Para as escolas é necessário que estas façam a “adaptação necessária” de instalações e da disposição de pessoal docente e auxiliar. No texto do Orçamento para 2018, não está estipulado o número de alunos que serão reduzidos por turma, visto que essa matéria será estabelecida por portaria do Ministério da Educação. No entanto, Heloísa Apolónia acordou com o Governo de serem “pelo menos dois.”

O EF English Proficiency Index, ranking a nível mundial de competências de inglês em países em que esta não é a língua oficial, analisou 80 países para averiguar as metas linguísticas de cada nação. Portugal ficou colocado na 18.ª posição da lista. Ainda assim, nível distrital, o Porto foi distinguido como sendo a cidade portuguesa onde a língua inglesa é melhor dominada. O prémio foi entregue durante a inauguração dos novos escritórios da EF – Education First, no Porto. A classificação do nível de inglês dos portugueses é “alto”, no entanto mantém-se a tendência de decréscimo do domínio da língua entre a população portuguesa. Em 2015, Portugal alcançou a 13º posição no ranking e em 2016 o país desceu para o 15º lugar, o que faz com o ano passado comprove um ligeiro decréscimo no interesse e preocupação com a aprendizagem da língua inglesa. Os resultados obtidos pelas três cidades portuguesas cujo estudo identifica - Porto, Lisboa e Coimbra -, não variam muito. O distrito do Porto apresenta um nível de 60.20, Lisboa, 59.65 e Coimbra, 58.98. O primeiro lugar do rol de países que melhor dominam o inglês é ocupado pela Holanda, seguida por países como a Suécia, a Dinamarca e a Noruega. Em termos continentais, a Europa é quem se destaca no nível de proficiência em inglês, com 8 países no top 10. Já o Médio Oriente é a região do mundo com pior nível de domínio da língua segundo os resultados obtidos pelo EF English Proficiency Index.


16 • Correspondente • segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 •

NACIONAL PORNHUB

Consumo excessivo de pornografia pode causar problemas PORNOGRAFIA | O consumo excessivo de pornografia tem preocupado psicólogos e terapeutas sexuais BRUNA SOUSA CÉSAR CASTRO

O consumo desenfreado de conteúdo pornográfico é cada vez mais uma realidade mundial, não fosse este um negócio que tem gerado milhões e dominado a Internet. Em 2013, o “Huffington Post” já adiantara que os sites de pornografia obtinham mais visitantes por mês do que Netflix, Amazon e Twitter - isto somando todo o tráfegojunto. Mas desengane-se se pensa que os portugueses estão longe de ser afetados por este fenómeno que assenta no consumo irracional de pornografia por parte dos utilizadores. Um estudo desenvolvido pelo website de pornografia Pornhub em parceria com o jornal Correio da Manhã constatou que os portugueses têm consumido cada vez mais pornografia no decorrer dos anos, especialmente no que concerne aos homens. Contactado pelo Correspondente a este respeito, Nuno Marques, sexó-

logo e diretor clínico da PsiMarques, clínica especializada no tratamento de problemas psicológicos, avança que o consumo de pornografia tem as suas vantagens, embora não se deva descurar as desvantagens que a sua assimilação possa acarretar. Nuno considera que o proveito do consumo pornográfico “depende do tipo, da quantidade e da qualidade” de pornografia que é assemelhada, sendo preponderante na “quebra de tabus” e no “derrubar de mitos” de “uma série de convenções”. Vários estudos têm, aliás, revelado que, quando consumida em casal, pode ter vantagens. É o caso do estudo “Parceiras femininas de homens que usam pornografia: a honestidade e o uso mútuo estão associados à satisfação do relacionamento?” que verificou que “os participantes que relataram mais honestidade apresentaram maior satisfação e menor nível de angústia, e os participantes que divulgaram o uso

mútuo apresentaram menores níveis de dificuldade, embora não tenham sido relatadas diferenças em satisfação”. Ora, tal constatação vem comprovar que o consumo conjunto de conteúdo deste género pode ser vantajoso, por oposição ao consumo solitário que, por sua vez, pode implicar uma série de problemas. Com a crescente preocupação por parte dos profissionais de saúde, e não só, são vários os estudos, essencialmente desenvolvidos nos Estados Unidos da América, que concluem se é ou não saudável assistir a filmes pornográficos. O estudo “Consumo de pornografia e Satisfação: Uma Meta-Análise” da Universidade de Indiana e da Universidade do Havaí, nos Estados Unidos, verificou que consumir pornografia pode trazer consequências nefastas, em particular nos homens. O procedimento estatístico, que

combinou o resultado de vários estudos (cerca de 50) e que envolveu mais 50.000 participantes de 10 países, concluiu que há uma correlação entre o consumo pornográfico e a insatisfação sexual nos relacionamentos. No estudo, pode ler-se que “o consumo de pornografia foi associado a resultados de satisfação interpessoais mais baixos em pesquisas transversais, pesquisas longitudinais e experiências”, “mas as análises por sexo induziram resultados significativos apenas para homens”. Se há autores que defendem que o consumo pornográfico não pode ser equiparado a um vício, outros colocam-no, por exemplo, no mesmo patamar que as drogas e o álcool, como é o caso de Nuno Marques. “Os dados mais recentes apontam nesse sentido e, de facto, não é só uma questão social. É mesmo uma questão que tem repercussões a nível da química do cérebro. Isto tem tudo a ver com um comportamento aditivo”, adianta. Uma habituação do cérebro que pode refletir-se, em ambos os sexos, embora nos homens seja mais prevalente, em problemas funcionais. Desde sempre, a pornografia foi fortemente orientada para o sexo masculino, uma vez que “os homens são instruídos biológica, e até psicologicamente, a procurarem o prazer imediatamente”. Nuno Marques reconhece ainda que o consumo pornográfico excessivo pode vir a gerar “uma série de disfunções sexuais”. O sexólogo explica também que “o cérebro fica completamente reprogramado para responder apenas ao estímulo de pornografia, e a pornografia como nos apresenta um setting muito específico, o cérebro habitua-se a responder só dentro desses parâmetros”. A conclusão é também partilhada pelo investigador norte-americano Gary Wilson que adiantou que, para além de reformular a experiência sexual e hedonista, o consumo exacerbado pode ainda provocar disfunção erétil. A preocupação com as potenciais consequências do consumo pornográfico levou a que o estado do Arkansas, nos Estados Unidos da América, se tornasse o terceiro estado norte-americano a declarar, em março do ano passado, a pornografia na internet como “crise de saúde pública”. As autoridades do Arkansas consideram que a pornografia online promove a dependência, a hipersexualização e o aumento de abusos sexuais contra mulheres e crianças. Também o Utah e a Dakota do Sul declararam a visualização online de pornografia uma “crise de saúde pública” dados os efeitos nefastos.


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18 • Correspondente • segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 •

NACIONAL Números

78%

dos consumidores de pornografia em Portugal são homens. Os restantes 22% são mulheres.

35 anos

é a média etária dos consumidores nacionais destes conteúdos: um dado bem em linha com o que se passa a nível internacional.

41º lugar Portugal é o 41º país a registar maior tráfego de consumo de pornografia, apesar de no ranking populacional ocupar apenas o 88º lugar

Nuno Marques: “Estamos num país que faz piadas sobre sexo, mas não fala a sério sobre ele” SEXUALIDADE | Nuno Marques é psicólogo especializado

em sexologia e desenvolveu uma tese de mestrado sobre pornografia

BRUNA SOUSA CÉSAR CASTRO

O consumo de pornografia é saudável? Depende do tipo, da quantidade e da qualidade. Relativamente à quantidade e ao tipo, é interessante atender que a pornografia tem grandes vantagens se for consumida em a dois, em casal. Por exemplo, se eu quero fazer uma surpresa ao meu marido ou à

minha mulher, podemos ver um filme pornográfico juntos. Podemos ter ideias novas, experimentar algumas coisas, apimentar um bocado a nossa vida sexual e começar a derrubar tabus, mitos e uma série de convenções criadas ao longo do tempo. O consumo da pornografia tem vantagens em termos da quebra de tabus e da liberalização do pensamento da sexualidade e isso é muito importante.

Qual é o grande problema da pornografia? O problema da pornografia é mais profundo do que se possa pensar a nível psicológico. Tem a ver com biologia. A espécie humana é a besta mais preguiçosa que alguma vez pisou este planeta. Os homens que estão sozinhos recorrem à pornografia. Os homens são instruídos biológica e psicologicamente a procurarem o prazer imediatamente. O cérebro humano acaba por se habituar a um ritmo rápido de recompensa. O consumo excessivo e repetido pode potenciar a ejaculação precoce? Pode potenciar essa como qualquer outra disfunção sexual. Se têm satisfação à frente do ecrã, não terá paciência, nem disponibilidade física e mental para ir à procura de mulheres “normais”. Estudos recentes demonstraram que a testosterona do homem atinge um pico depois de quatro a cinco dias sem se masturbar. Se consumir


• segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 • Correspondente • 19

NACIONAL nos tesão vai ter, menos resposta vai conseguir e precisa de consumir mais para obter os mesmos efeitos. Podemos equiparar a pornografia ao vício das drogas ou ao vício do álcool, por exemplo, ou estão em níveis diferentes? Eu creio que sim. Os dados mais recentes apontam nesse sentido e de facto, não é só uma questão social, é mesmo uma questão que tem repercussões a nível da química do cérebro, que só consegue ficar satisfeito daquela maneira e precisa de cada vez mais. Isto tem tudo a ver com um comportamento aditivo. Portanto, não há capacidade: o cérebro perde a plasticidade, que é tão típica da nossa espécie, e fica completamente viciado naquilo e não consegue responder fora daquele contexto. O vício pode assumir repercussões tais que a pessoa não durma bem, não coma bem, não consiga concentrar-se no trabalho, não consiga tirar prazer, no fundo, de outras atividades. No fundo, a masturbação solitária e a pornografia são dois flagelos. Não é que eu condene a masturbação. Eu acho que o que faz mal na masturbação não é o processo em si, é o contexto em que ela coloca.

“[O consumo de

pornografia] é excessivo quando começa a afetar a funcionalidade da pessoa

solitariamente o que é que acontece? Tem um orgasmo, a testosterona cai a um nível extremamente baixo, ao ponto de só querer dormir. Um homem que entre neste ciclo de consumo pornográfico vai não só manter a testosterona muito baixa, como ficar cerebralmente condicionado. Fora disso, o cérebro já não sabe como reagir, já não sabe como dar uma resposta sexual adequada. No fundo as mulheres também podem padecer, mas falo nos homens porque é mais prevalente. O grande problema da pornografia é promover a masturbação solitária. Ninguém ganha com o consumo de pornografia exagerado. Portanto, há aquele pró de quebrar tabus, mas é muito fácil ficar condicionado, quer a nível cerebral, quer a nível social. Por exemplo, o açúcar e as drogas promovem uma estimulação a nível do centro de recompensa cerebral que a pornografia também oferece. Só que, tal como qualquer droga, quanto mais pornografia um viciado consome, me-

No caso de um homem não ter uma parceira, como é que resolve esse impulso de querer masturbar-se? O ideal é que consiga sublimar esse impulso. De facto, tem-se verificado que homens que estão cerca uma semana sem se masturbar ficam muito mais interessantes para as mulheres. O que eu recomendo quando surge o impulso é se tiverem namorada façam-no em conjunto, evitando a masturbação solitária tanto quanto possível. Se não façam uma vida social, saiam, vão a sítios onde possam encontrar parceiros. Uma semana sem se masturbar é um sucesso, não digo garantido, mas muito elevado. De facto, o cheiro de um homem que não se masturbe durante alguns dias altera e as mulheres gostam. Tem a ver com biologia pura porque, de facto, o que a masturbação solitária faz é promover uma queda demasiado elevada da testosterona.

“O consumo de

pornografia é um pouco como o tabaco. É uma coisa que socialmente é muito aceite

NUNO MARQUES

Que sintomas apresentam os pacientes com este problema? Acima de tudo, muita ansiedade, sintomas físicos, na linha do esgotamento e do cansaço, dificuldades de concentração e da memória e, também, na linha psicológica.

E é fácil identificar esta patologia, se é assim que se pode chamar? Não é fácil porque nem sempre se assume e nem sempre se compreende. A pornografia não está catalogada como um vício. Ainda é muito pouc estudada. Nos Estados Unidos mais do que cá. O consumo de pornografia é um pouco como o tabaco. É uma coisa que socialmente é muito aceite. É legítimo que o rapaz goste de ver pornografia e que tire prazer disso. A ideia da indústria pornográfica não é viciar as pessoas. Isto depois é uma questão de dosagem individual, daquilo que cada um tolera. Aquilo que cada um faz com o estímulo pornográfico já é da sua própria conta. É sobretudo um grande handicap [vantagem] social e sexual para os homens. Nós temos uma pornografia que pode, em doses ligeiras ou moderadas, favorecer a sexualidade, quer do homem, quer O que é que é excessivo? O que é que depois das companheiras ou compaserá dizer “eu consumo pornografia nheiros que ele venha a ter, mas ultrapassando um determinado ponto a mais”? É excessivo quando começa a afetar é muito castrador da sexualidade e da a funcionalidade da pessoa. Quando própria personalidade do homem. deixa de fazer a sua vida social para ficar a ver um filme pornográfico. Esses pedidos de ajuda costumam ser Quando mesmo que coma, trabalhe frequentes ou são raros? São raros. Só após algum trabalho ou durma, está perturbado porque não está a ver um filme porno e quando só é que nós descobrimos que há ali um consegue satisfação sexual a partir de consumo de pornografia mais do que um filme pornográfico. Aí sim, pode- o recomendável. Não é que não exis-se dizer que o indivíduo pode sofrer continua na página seguinte » de um problema.


20 • Correspondente • segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 •

tam. Não vamos confundir a prevalência observada com a prevalência real. [Como] ainda não é visto como um vício e não é tratado como tal, naturalmente não podemos dizer que sejam frequentes. Embora daqui a alguns anos venhamos a falar de um vício mais massificado, infelizmente. Já teve casos de mulheres? Mulheres nunca tive. Mas seria de esperar que, estando elas mais ativas, houvesse um aumento ou isso não tem nada que ver? Talvez. Pode ter a ver, de facto. A indústria pornográfica tem-se virado mais para o prazer feminino. Tem havido uma pornografia mais orientada para o romance, para o flirt, para aspetos da sedução. Tem havido mais mulheres a consumir pois estão hoje mais liberais e mais exigentes, mas lá está a pornografia feminina é diferente da masculina. A pornografia feminina é uma pornografia de processos, virada para os preliminares, para o toque e isso as mulheres tem muito implantado no seu cérebro. É relativamente difícil uma mulher viciar-se em pornografia. O homem é muito fácil porque está muito centrado no desempenho e no aspeto visual, enquanto a mulher está mais ligada à estética emocional da sexualidade. É mais difícil viciar emocional do que fisicamente. Este tipo de acompanhamento deve envolver vários profissionais? A multidisciplinaridade é importante. É importante que os vários profissionais se coordenem no sentido de trabalharem todos no mesmo sentido, em favor do paciente. Cada caso é um caso. É possível traçar um perfil de pessoas que solicitam esse apoio? Habitualmente são homens, entre os 15 e os 50 anos, sensivelmente. São habitualmente pessoas ligadas à gestão dos impulsos e à raiva. São pessoas muito ansiosas e que têm uma grande insegurança e uma autoestima muito baixa. Afeta todas as classes, todos os estratos socioeconómicos. Não podemos dizer que haja uma incidência específica sobre determinada camada da população. É um tabu falar sobre o consumo de pornografia? Eu acho que não só sobre pornografia, mas sobre sexualidade em geral. Eu costumo dizer que estamos num país que faz piadas sobre sexo, mas não fala a sério sobre ele. Ainda vai passar muito tempo até que estejamos com uma atitude liberal, e não libertina, em relação ao sexo. Ainda é um assunto muito tabu nos dias de hoje.

“Todos podemos

PEDRO CORREIA/GLOBLAL IMAGENS

ser atores e atrizes porno, porque a sexualidade está em todos nós em todos os graus

NACIONAL

E quanto a mitos associados à pornografia? O mito de que o orgasmo é sempre alcançado ao mesmo tempo pelos dois parceiros, o que pode acontecer ou não. O mito de que eu tenho que ter um pénis grande para satisfazer a minha parceira, o que é completamente falso uma vez que pénis muito grandes podem ser sinónimo de desconforto e de dor no ato sexual. O mito de que as mulheres têm que ter os peitos e os rabos enormes e aquele vestuário e tipo de atitude. Isso é um condicionamento que acaba por colocar muitos problemas aos homens. Há uma série de mitos que, de facto, precisam de ser desmistificados. A questão de que só importa o orgasmo masculino parece-me o mais grave, no sentido em que desresponsabiliza os homens de se preocuparem com as mulheres. Todos podemos ser atores e atrizes porno, porque a sexualidade está presente em todos nós em todos os graus. A grande maioria das mulheres não é grande

apreciadora da penetração e prefere chegar ao orgasmo por outros meios. Nada disto é veiculado pela indústria pornográfica. São mitos e ideias falsas que se continuam a propagar e que prejudicam, a meu ver, a sexualidade. Qual a sua opinião sobre o boom das bonecas insufláveis? Eu penso que podemos colocar as bonecas insufláveis ao mesmo nível da masturbação e da pornografia, porque uma boneca insuflável não tem vontade própria, faz aquilo que eu quero que ela faça. Eu sirvo-me dela. E os homens que se viciam nas bonecas insufláveis vão tratar uma mulher de carne e osso como se fosse uma. E vão reagir muito mal quando uma mulher lhe começar a exigir. Os homens estão cheios de medo das mulheres porque elas exigem aquilo a que sempre tiveram direito, mas que a sociedade não lhe ensinou a pedir. E elas hoje pedem, e se o parceiro não der elas trocam. E acho muitíssimo bem. Isto não quer

dizer que não se possa ter um fetichezinho, mas isso são comportamentos que promovem a substituição de uma sexualidade saudável. Vai ser uma sexualidade unidirecional. Em que difere a sexualidade nos sexos? O orgasmo nos dois sexos é distinto: o feminino é muito mais intenso. As mulheres mantêm a capacidade de ter orgasmos múltiplos, ao contrário dos homens. A questão é que a mulher é um motor de arranque lento, exige muito mais tempo de preliminares. O trabalho deve ser do homem para se adequar à mulher. A masturbação solitária para as mulheres, sem surpresa, é muito menos frequente. A mulher prefere estímulos não visuais. “Um homem precisa de um sítio para ter relações sexuais, uma mulher precisa de uma boa razão para o fazer”, como costumo dizer. A sexualidade feminina está mais saudável do que a sexualidade masculina.


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22 • Correspondente • segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 •

NACIONAL SOCIAL NEW XIZ

Infarmed sai de Lisboa e instala-se no Porto O anúncio acontece após o Porto ter sido eliminado da corrida para a sede da Agência Europeia do Medicamento BEATRIZ MELO

Ministro da Saúde pede desculpas a vítimas de legionella LEGIONELLA | O ministro da Saúde sugere também que as vítimas sejam indemnizadas pelos responsáveis BEATRIZ MELO

O ministro da Saúde pediu desculpa pelo surto de legionella no hospital São Francisco Xavier, no dia em que soube de mais uma vítima mortal. Adalberto Campos Fernandes declarou que “os utentes são formalmente credores de um pedido de desculpa do hospital, da empresa ou das empresas que tinham a responsabilidade de fazer a vigilância das condições ambientais e de segurança clínica, da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo”, frisou, lamentando o sucedido. Na parte final de uma audição no Parlamento, sobre o orçamento da Saúde para este ano, Adalberto o ministro fez ainda o pedido de desculpas, “enquanto responsável pelo governo”, acrescentando que “tem de haver reparação no âmbito da responsabilidade civil por quem possa não ter feito aquilo que devia ter sido feito”. O surto de legionella, que infetou

O Ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, diz que apesar de não “se poder fazer nenhum tipo de demagogia”, este facto não deve servir de desculpa para que não se uma legislação mais exigente e com sanções firmes em casos de incumprimento

48 pessoas, começou no dia 3 de novembro do ano passado, sendo que o Executivo garantiu que o seu ministério de tudo fará para que a origem seja identificada. Ainda sssim, Adalberto Campos Fernandes garantiu que irá fazer “para que os inquéritos em curso apurem cabalmente todas as responsabilidades”. O ministro referiu ainda que apesar de não “se poder fazer nenhum tipo de demagogia” acerca desta matéria, este facto não deve servir de desculpa para que não se aplique uma legislação mais exigente e com sanções firmes em casos de incumprimento. O ministro da Saúde comentou ainda que o sucedido “não serve de desculpas para que os hospitais e as empresas não estejam reguladas por uma legislação mais exigente”, anunciando que a Direção Geral da Saúde e o Instituto Nacional de Saúde Dr.Ricardo Jorge vão publicar orientações atualizadas e “mais exigentes” para que estas situações sejam evitadas.

A sede da autoridade nacional do medicamento (Infarmed) vai ser passar de Lisboa para o Porto, como comunicou o ministro da Saúde, no dia 21 de novembro. O anúncio da transferência da sede do Infarmed acontece depois da cidade Invicta ter sido afastada da corrida à sede da Agência Europeia do Medicamento (EMA), sendo Amesterdão o local escolhido para receber esta mesma. O anúncio foi feito pelo ministro da Saúde no decorrer da sessão de encerramento da VIII Conferência Anual do Health Cluster Portugal, que aconteceu em Lisboa intitulada “Saúde em Portugal: construir consensos para 2020 e mais além”. Segundo Adalberto Campos Fernandes, a mudança deverá acontecer em janeiro de 2019, para que “em conjunto com o Infarmed e a Câmara do Porto [se possam] encontrar as melhores soluções que permitam com que o Infarmed mantenha a sua atividade sem nenhum tipo de desarticulação”, afirmou o ministro no final da conferência. Ainda assim, a autoridade nacional não sairá totalmente da capital, sendo que Lisboa irá assegurar um “polo regional” da sede. A instalação no Porto irá realizar-se de uma forma gradual. O presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, em encontro com os jornalistas, referiu que dos 400 trabalhadores que estão em Lisboa, não deverão deslocar-se todos para o Porto. Para já, não existe um local para instalação do Infarmed, mas Rui Moreira explicou que as instalações propostas na candidatura à Agência Europeia do Medicamento podem entrar em consideração. O Infarmed é atualmente presidido pela pediatra Maria do Céu Machado e possui autonomia administrativa e financeira. No entanto, é tutelado pelo Ministério da Saúde.


• segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 • Correspondente • 23

NACIONAL Hospitais em Portugal continuam com elevadas Governo planeia bombas de taxas de cesarianas HOSPITAIS | Segundo os dados do terceiro trimestre do ano passado, o número de cesarianas efetuadas em 25% dos hospitais portugueses continua a ser superior à meta fixada pelo Governo

insulina gratuitas para jovens de 18 anos

A REVISTA DA MULHER

A medida visa a cobertura e tratamento

da diabetes tipo 1 até para o ano MIGUEL ÂNGELO AFONSO

BEATRIZ MELO

A percentagem média dos partos efetuados com recurso a cirurgia em 36 maternidades do país está em 25% - isto nos primeiros 9 meses do ano. Para além disso, dados do Portal da Transparência do Serviço Nacional de Saúde mostram que não há nenhum hospital que tenha realizado menos de 22 cesarianas, valor que não corresponde à média: 15%, é a quantia recomendada pela Organização Mundial de Saúde. Com isto, os hospitais passam a ser penalizados ao não obedecerem à meta exigida, visto que as novas normas do Serviço Nacional de Saúde estipulam que o Estado deixa de pagar pelos internamentos assim que os hospitais ultrapassem o limite de 30% partos por cesariana (o dobro do recomendado pela OMS). Luís Graça, da Sociedade Portugue-

sa de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal, assegura que há 8 anos atrás a taxa de cesarianas estava nos 33% e que esta “é uma evolução positiva”. No entanto, é necessário “considerar que uma redução drástica e muito rápida pode não assegurar a segurança para as mulheres e crianças”, refere. As causas referidas pela Direção Geral da Saúde para ainda existir taxas elevadas de cesarianas em muitos hospitais do SNS, estão no facto de existir mulheres mais velhas a terem filhos, com mais complicações, e com gravidezes fruto de técnicas de procriação medicamente assistida. Das 36 unidades públicas que fazem partos, a Unidade Local de Saúde da Guarda é a que tem maior percentagem de cesarianas, com 391 partos (41%) até setembro do ano passado. Segue-se a Unidade do Nordeste em Bragança (38%) e o Centro Hospitalar da Cova da Beira (38%).

13,770

cesarianas decorridas nos primeiros nove meses de 2015. O total deste ano chegou aos 18,592

14,212

partos por cesariana nos primeiros três trimestres de 2016. A soma total anual chegou aos 18,923

13,995

é o total de cesarianas realizadas até setembro de 2017

No dia Mundial da Diabetes, o Governo anunciou que os menores de 18 anos, com diabetes tipo 1, receberão bombas de insulina grátis – isto, pelo menos, é o plano a cumprir até ao ano que vem. O acesso a bombas de insulina vai ser feito por três fases: a primeira, destina-se a crianças até os 10 anos, e terminará no final deste ano; a segunda, até ao final do ano, acontece para todas as crianças até aos 14 anos. Até ao final de 2019 está previsto que o acesso chegue aos jovens de 18 anos, cobrindo, deste modo, toda a população pediátrica. Segundo fonte oficial citada pela Lusa, o faseamento tem como objetivo dotar estas famílias de capacidade e formação para a utilização destas bombas. Em Portugal mais de um milhão de pessoas sofre da diabetes – cerca de 13% da população total – sendo que mais de 3300 são crianças e cerca de 400 mil dos casos (44%) não estão diagnosticados. Todos os dias morrem entre 10 a 12 portugueses com a doença, sendo que por ano entre 2.200 a 2.500 são mulheres e cerca de 1.600 a 1.900 são homens. Em termos regionais, o Alentejo e os Açores são os territórios em que existe maior índice de população afetada com a diabetes. O Algarve é a região com menor prevalência. PUBLICIDADE


24 • Correspondente • segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 •

POLÍTICA

Dois anos de Geringonça GOVERNO | A 26 de novembro de 2015, António Costa tomava posse como primeiro-ministro de um Governo único. Passados dois anos e com uma moção de censura, o Executivo socialista, que conta o apoio parlamentar do BE, PCP e Verdes, continua no poder. Relembre as principais medidas deste Governo dos vários setores

Beatriz Melo, Margarida Ribeiro


• segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 • Correspondente • 25

POLÍTICA NUNO FERREIRA SANTOS

PSD diz não à criação de um exército europeu Passos Coelho diz que vai desafiar o Governo para que deixe “muito claro quais são as linhas vermelhas” MIGUEL ÂNGELO AFONSO

PSD diz existir desinvestimento no combate à violência contra as mulheres PARLAMENTO | Conjunto de perguntas foi enviado ao Governo de forma a averiguar os progressos na prevenção e combate à violência doméstica MIGUEL ÂNGELO AFONSO

Teresa Morais, deputada do PSD, dá a cara: em declarações ao Público refere que considera que o Governo desinvestiu nas políticas de prevenção e combate à violência doméstica e acusa não existir nenhum porta-voz do executivo que “dê a cara e respostas por estas políticas”. “Se nós olharmos para alguns indicadores percebemos o desinvestimento”, referiu a ex-secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares com tutela da Igualdade. Por esta razão, o partido enviou um conjunto de perguntas a membros do Governo de modo a obter respostas. Uma das questões vai ao encontro da atribuição de pulseiras eletrónicas aos agressores . De acordo com os dados

da direção-geral dos serviços prisionais, em 2015 foram atribuídas 587 pulseiras electrónicas , em 2016 existiu um decréscimo de 63 pulseiras, com 524 casos, e no primeiro semestre de 2017 já foram atribuídas 567. A explicação? Teresa Morais culpa “a redução da formação de magistrados” durante este ano, e esta foi mais uma das questões lançadas ao Governo. A terceira questão debruçou-se nos 63% postos da PSP e GNR que possuem espaços dedicados ao atendimento de mulheres que sofrem de violência doméstica: uma percentagem que “vem de trás” e na qual não tem sido feito investimento em termos de expansão. Ainda assim, a deputada relembra que “o PS vem

Entre 2013 e 2016 quase 300 mil vítimas de violência doméstica (na sua maioria mulheres) foram apoiadas pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV)

apresentar uma proposta de um plano para aumentar esses espaços progressivamente nos próximos anos. Votámos a favor, mas não se investiu coisa nenhuma em 2017”. Teresa Morais refere ainda a falta de respostas sobre o assunto no decorrer das audições regimentais e nas audições do Orçamento de Estado. Uma das muitas questões está relacionada também com a equipa de Análise Retrospetiva de Homicídio em Violência Doméstica, criada em 2015 pelo Governo. Com o objecto de refletir eventuais alterações nos procedimentos nos serviços públicos, a partir de casos concretos com decisões já julgadas, “ninguém sabe [até hoje] o trabalho que esta equipa fez”, finaliza a deputada social democrata.

Em Braga, o líder social-democrata admitiu ser contra a criação de um “exército europeu”, apesar de considerar de extrema importância existir um “reforço e ampliação” na resposta ao nível da Defesa da União Europeia. “Desejamos o reforço e ampliação de resposta na área da Defesa, mas não queremos com este processo criar um exército europeu”, salientou Pedro Passos Coelho. As declarações surgem no âmbito das jornadas do Grupo Parlamentar do Partido Popular Europeu, no qual Assunção Cristas, líder do CDS-PP, também esteve presente. Para o Governo, Passos Coelho deixa apenas um aviso: o de que não irá dar “o aval” para um processo que culmine na criação de um exército europeu. Lembrando que existirá uma audição na Assembleia da República com o ministro dos Negócios Estrangeiros e com o ministro da Defesa, o líder do PSD refere que vai lançar o desafio ao Governo de explicitar “quais são as linhas vermelhas” de Portugal na área da defesa Europeia, uma vez que “é preciso transparência neste processo”. Num discurso marcado pela importância da cooperação a nível de Segurança e Defesa ao nível da União Europeia, Pedro Passos Coelho diz que não vai “passar um cheque em branco” ao Governo na área da Defesa. Prometendo assim colocar os pontos nos i’s quanto à questão da criação de um exército europeu.


26 • Correspondente • segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 •

POLÍTICA NELSON GARRIDO

Política domina comentário televisivo TELEVISÃO | Grande número de comentadores são ou foram políticos BEATRIZ MELO

O comentário político televisivo tornou se uma formula recorrente de dar tempo de antena aos políticos. Rostos de Marques Mendes ou Manuela Ferreira Leite são alguns mais conhecidos que marcam presença semanal na televisão portuguesa. No entanto, muitos desses comentadores têm, ou já tiveram um cargo político. Apesar destes políticos despenderem algum do seu tempo dedicando-se à televisão, as suas motivações não estarão só na exposição mediática, visto que esta atividade parece ser financeiramente lucrativa. Segundo noticiou a CorreioTv, Luís Marques Mendes, antes de sair do canal de informação a cabo, TVI24, terá rejeitado uma proposta de sete mil euros e, alegadamente, ter-se-á transferido para a SIC por ter recebido uma oferta melhor. Por outro lado, a antiga ministra das Finanças Manuela Ferreira Leite

aufere alegadamente, de um ordenado que ronda os cinco mil euros pelo seu espaço de comentário todas as semanas, na TVI24. Além disso, se se comparar a orientação politico partidária dos comentadores com a representação dos partidos no Parlamento, verifica-se que a diferença não é muita. Os comentadores ligados ao PSD, o partido com mais comentadores na televisão, surgem no topo, seguidos pelos comentadores do PS. O ex-provedor do Espectador José Manuel Paquete de Oliveira aplaude a televisão pela capacidade de ampliar o debate político, mas crítica a presença contínua de comentadores ligados ao PS e PSD. Ao facto de se os comentadores são ou foram políticos, o diretor geral adjunto da informação da SIC, Alcides Vieira, afirma que grande parte dos comentadores são políticos que já não se encontram no ativo, não se tornando assim “porta-vozes dos partidos”.

“O nosso sistema político e partidário também contribuiu para a criação da função do ex-político no ativo que é comentador”, refere o antigo diretor da RTP2 Manuel Falcão. Acrescenta ainda o facto de existir políticos a comentar outros políticos, situação que se tornou normal. De qualquer forma, para o predomínio de políticos comentadores na televisão portuguesa surgem possíveis razões. Para Rita Figueiras, especialista no tema, uma das hipóteses é o facto de Portugal ter uma democracia ainda jovem e “o jornalismo ter estado muitos anos sob a alçada do poder político”. No entanto, a especialista refere que a presença de políticos comentadores é um bom palpite das televisões, pois “os media sabem que resulta a nível de audiências”. Para Rita Figueiras, o contributo para o esclarecimento da população não é considerável porque os comentadores recorrem à televisão como forma de ser uma extensão do percurso partidário, trazendo “o Parlamento para a televisão”, admite. Por seu lado, o antigo diretor de Informação da RTP, Paulo Ferreira, contra-argumenta afirmando que importante é que os comentadores “tenham uma opinião que marque a agenda”. Também a capacidade de dar notícias em primeira mão é um dos muitos “pré-requisitos” para chegar aos ecrãs. Paulo Ferreira acrescenta ainda a faci-

lidade para comunicar em televisão e transmitir “um pensamento de forma estruturada” é uma das características para se ser comentador, assim como ter uma “capacidade analítica e opinativa” e o “conhecimento do processo político”, sustenta. Mas não é só sobre políticos comentadores que se gera controvérsia. A Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) aprovou a proibição de funcionários e dirigentes dos clubes de “participaram regularmente em programas televisivos que se dediquem exclusivamente à análise e do futebol profissional”. “Os dirigentes e funcionários das sociedades desportivas e dos clubes fundadores destas que participem, na qualidade de intervenientes regulares, em programas televisivos que se dediquem exclusiva ou principalmente à análise e comentário do futebol profissional são sancionados”, refere ainda o ponto 1 do artigo 140.º A do Regulamento Disciplinar da Liga. Na sua maioria, os políticos comentadores são formados em Direito e têm uma média entre 45 e 60 anos. Apesar de existirem muitos comentadores, vários investigadores e politólogos destacam que não estão a contribuir para uma elevada consciência política dos portugueses. Por isso, Rita Figueiras vê como solução trazer mais académicos para junto da televisão.


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POLÍTICA


28 • Correspondente • segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 •

ECONOMIA RITA FRANÇA

Défice até novembro mais baixo em comparação a 2016 A receita cresceu 4,3% e despesa apenas 0,8% MIGUEL ÂNGELO AFONSO

Taxa de desemprego diminui para o valor mais baixo desde 2008 DESEMPREGO | Trimestre anterior e trimestre homólogo de 2016 com menor taxa de desemprego segundo dados do INE BRUNA SOUSA

A taxa de desemprego baixou para 8,5% no final do terceiro trimestre de 2017, o que representa uma queda de 0,3 pontos percentuais (p.p.) face ao trimestre anterior (8,8%) e de 2 p.p. em relação ao trimestre homólogo do ano passado (10,5%). Trata-se da taxa de desemprego mais baixa desde o quarto trimestre de 2008 (7,8%). O número de desempregados é agora estimado em 444 mil, menos 17.400 (3,8%) do que no trimestre anterior. De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), prosseguem assim as “diminuições trimestrais observadas desde o 2.º trimestre de 2016”. Relativamente ao trimestre homólogo, a diminuição da taxa é ainda mais evidente, com menos 105 mil pessoas desempregadas (19,2%). O desemprego de longa duração continua em decréscimo mas ainda assim mais de metade dos desempre-

gados (57,3%) procuram trabalho há 12 ou mais meses. Embora no geral tenha havido uma melhoria na taxa de desemprego, a taxa de 24,2% de jovens desempregados, verificada no terceiro trimestre do ano passado, revela um aumento de 1,5 p.p face ao trimestre anterior (22,7%) e uma diminuição de 1,9% em relação ao trimestre homólogo de 2016. No caso dos jovens com idades compreendidas entre os 15 e os 34 anos, 11,8%, além de não estarem empregados, não estavam também em educação ou formação. Em termos homólogos, houve uma diminuição de 1,5 p.p., mas face ao trimestre anterior, aumentou 1 p.p. Destes jovens, 11,8% não estão empregados, nem estão em instituições de educação ou formação. Entre julho e setembro verificou-se que 4 milhões e 803 mil pessoas estavam empregadas, mais 42.600 do que no trimestre anterior e um acréscimo de 141.500 em comparação com o

trimestre homólogo do ano de 2016, “prolongando a série de variações homólogas positivas observadas desde o quarto trimestre de 2013”. O acréscimo trimestral da população empregada resultou sobretudo da criação de mais de 53.500 postos de trabalho no setor dos serviços, com o alojamento, restauração e similares a assegurar mais de metade deste aumento (29.100 empregos). Em declarações à Lusa, o Ministro do Trabalho reconheceu que, apesar dos dados do INE, a precaridade continua a ser uma preocupação. José António Vieira da Silva afirma que os números divulgados confirmam de “forma muito intensa” a tendência positiva de diminuição do desemprego. No entanto, considera que a precariedade não deixa de ser “um problema”. Nas estimativas trimestrais do INE foi considerada a população com 15 e mais anos e os valores não tiveram em conta a sazonalidade.

O Ministério das Finanças anunciou esta tarde em comunicado que nos primeiros 11 meses deste ano, o défice das Administrações Públicas passou para 2084 milhões de euros - um valor que em tudo indica uma melhoria acentuada face ao resultado obtido no mesmo mês do ano passado. Em 2016, até novembro, os dados da execução orçamental apontavam que o défice tinha ascendido a 4410 milhões de euros. Este ano, nos primeiros 11 meses, os dados apontam para uma melhoria do saldo das Administrações Públicas, com o valor de 2326 milhões de euros. As Finanças revelaram ainda que até novembro a receita subiu 4,3% (incluindo isto um aumento de 5,5% da receita fiscal) e a despesa cresceu 0,8% (embora se tenha efetuado um aumento de 2,6% no investimento). Calculados numa ótica de caixa (contabilidade pública), os dados em contabilidade nacional (ótica do compromisso) - que são utilizados no cálculo do défice que é reportado a Bruxelas - só serão conhecidos no final do ano, sendo que neste momento apenas se tem conhecimento do relatório relativo ao terceiro trimestre. Ainda assim, há que ter em conta os dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística, que em tudo apontavam um défice de 0,3% do PIB nos primeiros nove meses do ano - um resultado bastante confortável para o Governo, que tinha o objetivo de 1,5% traçado desde o início do ano. No comunicado, o Ministério das Finanças garante ainda que esta baixa do défice e “a evolução do défice ao longo dos anos garante, pelo segundo ano consecutivo, o cumprimento dos objetivos estabelecidos no Orçamento de Estado”. Contudo, o comunicado refere ainda que no último mês do ano é possível que se venha a registar uma deterioração do saldo, visto que os dados obtidos agora não têm em conta o pagamento de metade do 13º mês aos pensionistas na Segurança Social.


• segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 • Correspondente • 29

ECONOMIA Este ano, Portugal poderá atingir os mil milhões Porto com taxa turística de 2 de euros em exportações de cortiça euros

EXPORTAÇÕES | Na TEDx Matosinhos, João Rui Ferreira, presidente da Associação Portuguesa da Cortiça, frisou que “em 2018 estamos convencidos que vamos atingir esse número”

Assembleia Municipal LUSA

aprova aumento na taxa turística a partir de março MARGARIDA RIBEIRO

CÉSAR CASTRO

Portugal é líder mundial das exportações de cortiça. Em 2018, poderá atingir os mil milhões de euros, os “4 dígitos”. A garantia dada por João Rui Ferreira, presidente da Associação Portuguesa da Cortiça (APCOR), prevê assim esta meta “simbólica” que só vem confirmar a importância do setor da cortiça como sendo de “altíssimo valor acrescentado” para o país. “Ao contrário de outras áreas de atividade em Portugal, por cada euro que é exportado em produtos de cortiça, 0,85 cêntimos ficam no nosso país. E isso é muito relevante, sobretudo no contexto económico em que vivemos”, explicou João Rui Ferreira.

O CEO da Waldemar Fernandes da Silva frisou que “a cortiça não se esgota nas rolhas”, tendo diferentes finalidades e usos, como em peças de joalharia, isolamento, vestuário, etc. Ainda assim, é nas garrafas que elas são rainhas. “Há uma clara preferência dos consumidores em todo o mundo [por rolhas de cortiça]” nas garrafas, na medida em que, muitas das vezes, “a cortiça está associada a vinhos de melhor qualidade.” Estudos indicam que os consumidores estão disponíveis a pagar mais por uma garrafa de vinho com uma rolha de cortiça. “Nos Estados Unidos, num trabalho que já fazemos há 7 anos, em média uma garrafa de vinho com uma rolha de cortiça vale 4 dólares mais do

que uma garrafa de vinho com vedante artificial”, explicou o presidente da APCOR. Para o futuro, João Rui Ferreira apela à plantação de sobreiros. Afinal, poderá “querer dizer que vem mais riqueza para Portugal, quer para as populações locais, quer para o país em geral”, sublinha. Tendo em conta que o setor ocupa agora uma posição nunca antes vita, João Ferreira diz-se motivado como no dia em que foi pela primeira vez eleito, sentindo-se um privilegiado por poder contribuir para “reforçar a imagem de Portugal no mundo através da cortiça que protege um ecossistema único a nível global e é um exemplo do modelo de economia circular”.

A Assembleia Municipal do Porto aprovou, com a abstenção da CDU, que a partir de 1 de março seja aplicada uma taxa turística de dois euros por dormida a todos os hóspedes com idade superior a 13 anos. Na sessão da assembleia a CDU defendia o valor de um euro por dormida e o PS uma taxa que fosse apenas aplicada a hóspedes com idade superior a 18 anos, ambas as propostas foram rejeitadas. De acordo com o documento, a taxa “entra em vigor a 01 de março de 2018, não se aplicando às reservas comprovadamente efetuadas antes dessa data” e é devida por noite, “até um máximo de sete noites seguidas por pessoa, ou estada, independentemente de reserva (presencial, analógica ou via digital)”. Os hóspedes isentos de pagar são aqueles que a estada “seja motivada por tratamentos médicos, estendendo-se esta não sujeição a um acompanhante”, bem como a hóspedes com incapacidade igual ou superior a 60%, refere o documento. O presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, explicou que a verba proveniente da taxa turística vai ser utilizada para diminuir a “pegada turística”, lembrando que o aumento de turistas causa um aumento da pressão nos equipamentos públicos, nas infraestruturas, na via pública e no espaço urbano em geral. PUBLICIDADE


30 • Correspondente • segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 •

MUNDO Citações “A única coisa clara é que a sociedade catalã está dividida, quase ao meio, em dois blocos difíceis de reconciliar.” Angel Luis de La Calle CORRESPONDENTE EM MADRID, in EXPRESSO

Jornalistas portugueses no epicentro do referendo catalão

“Olhar para a Catalunha a fazer vénias aos Bourbons tornou-se o destino dos nossos desistentes” Francisco Louçã in PÚBLICO

“A rusga a jornais e órgãos de comunicação e ameaças que roçam a censura, são connosco? (...) Sim, é connosco!” Pedro Filipe Soares LÍDER PARLAMENTAR DO BLOCO DE ESQUERDA in DIÁRIO DE NOTÍCIAS

“Ver a televisão espanhola sobre a Catalunha é muito parecido com ver a Fox News sobre Trump: parece um comício do princípio ao fim.” Pedro Filipe Soares COLUNISTA in SÁBADO

CATALUNHA | Daniela Santiago teve uma entrevista exclusiva com Carles Puigdemont, presidente catalão destituído por Madrid, e Rodrigo Pratas entrevistou Artur Más, anterior presidente da Generalitat CÉSAR CASTRO

Está ao serviço da RTP como correspondente internacional em Madrid, Espanha, mas tem passado os últimos meses “deslocada” na Catalunha, a acompanhar quase em permanência a situação política vivida. Em entrevista ao Correspondente, Daniela Santiago explicou como foi o seu dia-a- dia na comunidade espanhola, aquando do referendo pela independência, convocado pela Generalitat e suspendido pelo Tribunal Constitucional espanhol a 1 de outubro do ano passado. Parcialidade no alinhamento editorial dos media espanhóis Confessa não ter visto o trabalho dos colegas portugueses

de outros órgãos de comunicação social, mas quando se fala de imprensa espanhola a situação é relativamente diferente. Se, por um lado, “os meios de Madrid, nacionais, tendiam mais para o governo de Rajoy”, por outro, “a imprensa internacional era acusada de tender mais para o lado dos independentistas”, explica Daniela que, em comparação com outros órgãos, sentiu alguma diferença no tratamento da informação. “Há sempre uma bipolaridade muito grande em que, mesmo que isso não aconteça, uns acusam os outros de não estarem a ser objetivos”, adianta. Apesar disso, continua, “em Espanha, as pessoas sabem perfeitamente o que estão a ler e em que sentido apontam os órgãos de comunicação so-

cial.” Para a jornalista do canal público, “não há uma tentativa de enganar os leitores ou os telespectadores” porque estes “sabem perfeitamente quais são as linhas editoriais dos jornais e se estão a ler jornais de direita, de esquerda, monárquicos ou republicanos”, explica. O dia do referendo Ser correspondente em Espanha já lhe valeu uma entrevista exclusiva, 15 dias antes do referendo, com Carles Puigdemont, presidente do governo catalão entretanto demitido por Madrid. Mas a tarefa, diz, é de uma responsabilidade máxima “porque cabe-lhe transmitir o que está a passar ali com um máximo de rigor, objetividade [e] informação, acrescentando sempre

Daniela Santiago

está destacada como

correspondente em Espanha há mais de dois anos

Rodrigo Pratas esteve por duas vezes em Barcelona no espaço de uma semana


• segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 • Correspondente • 31

MUNDO RTP

algo que as agências internacionais não enviam.” Para a jornalista da RTP, não há dúvidas de que este tema fraturou a sociedade, embora não seja uma questão de agora, mas sim de séculos, “ao contrário do que muita gente pensa.” Alimentada pela “causa independentista” e acentuada desde a eleições autonómicas na Catalunha de 2015, com a vitória da coligação independentista “Juntos Pelo Sim”, “o que está a acontecer agora não é uma novidade para Espanha, nem para o governo de Mariano Rajoy nem para a Catalunha”, defende a também correspondente da Antena 1. Com 21 anos de jornalismo, Daniela Santiago já lidou com outras crises sociais, pelo que o cenário que encontrou não

lhe surpreendeu na sua totalidade, não fosse ela também conhecer já os espanhóis e as suas capacidades de mobilização. Mas o que lhe fica na memória foi o dia 1 de outubro, “dia do referendo ilegal”, quando começou a trabalhar às quatro da manhã. No dia em que trabalhou mais de 21 horas, sentiu como esta questão da Catalunha era “importante” para algumas pessoas que ali estavam. “Nem era a questão do independentismo. Era a questão do direito a escolher e o direito a poder votar”, confessa. Correspondente há mais de dois anos no país vizinho, a jornalista diz ter já as suas fontes “estabelecidas”, ainda que na Catalunha isso não acontecesse. Das dificuldades que enfrentou, há uma que faz

questão de frisar: a de existir um “equilíbrio” em noticiar os dois lados de uma história quando uma das partes não quer falar. “A partir do momento em que são os independentistas que se manifestam, em que são eles que estão a romper com normas constitucionais, [em que] se são eles que enchem as ruas com um milhão, isso é notícia”, assevera. Ainda assim, a política de atuação da jornalista no terreno passa sempre pelo contacto de todas as fontes que lhe interessam que, neste caso, iam “desde o lado independentista ao lado dos nacionalistas, aos líderes políticos, às organizações que podem gerir as manifestações ou aos protestos na rua”, conta. “Temos de estar permanentemente a

atualizar-nos. A Catalunha teve uma particularidade, como teve a Grécia, em que os acontecimentos mudavam e sucediam-se de segundo a segundo”, explica a também professora universitária que sentiu a “necessidade de entrar, hora a hora, em direto para dar a informação ao telespectador.” Mas, no meio de tudo isto, haverá espaço para confraternizar com outros órgãos de comunicação social? A resposta é afirmativa. “Claro que, quando nos cruzamos, falamos. Somos todos amigos. Eu não vejo a concorrência como algumas pessoas veem. Nos últimos dias, em que as coisas estavam mais calmas, há meia noite, lá era possível comermos qualquer coisa juntos”, finaliza.

Enviado especial, o “primo-irmão” do correspondente Também Rodrigo Pratas esteve em Barcelona por altura do referendo. Com uma rotina muito idêntica à colega de profissão Daniela Santiago, o jornalista reportava todas as novidades, ao longo do dia, na SIC e na SIC Notícias. Para o enviado especial, a “questão da Catalunha” gerou uma grande discussão em Espanha “o que não foi sendo refletido nos jornais ditos de referência como, por exemplo, o El País” que, do seu ponto de vista, “assumiu uma posição “espanholista” e pouco equidistante. Já a TVE assumiu sempre um papel de órgão de comunicação do Estado, descurando amiúde a função de televisão pública plural”, explica. Rodrigo Pratas teve uma entrevista exclusiva com Artur Más, anterior presidente da Generalitat. Na altura, falou da relação com Portugal e da expectativa que existia da União Europeia intervir no “conflito”. Para o jornalista, “o ato ilegalizado” – que levou pessoas de “mobilidade muito reduzida e de idade avançada, sob forte chuva e de saúde frágil, contra as determinações judiciais, a votar” – demonstrou um exemplo de “cidadania” e de “desobediência civil”. Ainda assim, reconhece que a Catalunha ficou “profundamente dividida” e diz existirem “famílias desfeitas por causa das posições contrárias quanto à independência”. “Esse é o mais profundo e mais grave problema da sociedade catalã, potenciado pelas classes políticas de ambos os lados da “barricada””, explica. A somar ao dia do referendo, também a declaração unilateral de independência, no dia 27 de outubro, ficará como um “momento histórico”. O enviado especial da SIC garante que não teve dificuldades enquanto esteve a cobrir o acontecimento, mas reconhece que o exercício da profissão esteve limitado por “ser estrangeiro”. Contudo, Rodrigo Pratas sublinha “o motivo de regozijo [que] é poder reportar, ao público português, os vários ângulos de uma tão complexa situação, histórica e aqui, quase à nossa porta”, termina.


32 • Correspondente • segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 •

MUNDO ALEXI LUBOMIRSKI

Príncipe Harry de Gales anuncia casamento REINO UNIDO | Príncipe Harry e Meghan Markle vão casar em maio na capela São Jorge, no Castelo de Windsor, anunciou o palácio de Kensington BRUNA SOUSA MARGARIDA RIBEIRO

A nota do príncipe Carlos, herdeiro da coroa britânica, revela que o noivado foi assumido pelo casal no início do mês. Ao que indica a Clarence House, Meghan já conheceu a rainha Isabel II e Harry recebeu o aval dos pais da noiva. “O casal vai morar em Nottingham Cottage no Palácio de Kensington”, pode ler-se no mesmo comunicado. O príncipe Harry, quinto na linha de sucessão, conheceu a atriz em julho de 2016, em Londres. Harry, com 33 anos e Markle com mais 36, fizeram a sua primeira aparição pública nos Jogos Invictus, em setembro deste ano. Na mesma altura, em entrevista à Vanity Fair, a estrela de Suits referiu-se a Harry como seu

“namorado” e confessou “estamos apaixonados”. Na aparição pública do casal, depois do anuncio do noivado, foi revelado que o palco do casamento real vai ser a Capela de São Jorge, no Castelo de Windsor. Entretanto, o site TMZ já avançou com uma possível data: 26 de maio. O filho mais novo de Carlos e Diana revelou que o pedido de casamento aconteceu “algumas semanas antes”, enquanto “tentavam assar um frango”. Contudo, Meghan apelidou o momento em que o príncipe se ajoelhou e lhe pediu a mão de “doce, natural e muito romântico”. Meghan Markle, atriz norte-americana, é conhecida pela participação na série Suits, na qual interpretou o papel de Rachel Zane. Con-

Harry e Meghan quebraram o protocolo ao passarem o natal juntamente com a família real

tudo, este não é o primeiro casamento da futura princesa britânica, visto que em 2011 já tinha casado com o produtor cinematográfico Trevor Engelson, do qual se divorciou no ano de 2013. Quebrando o protocolo real, Harry e Meghan Markle passaram este natal os dois, juntamente com os restantes membros da família real, em Sandringham, Norfolk – uma propriedade da rainha Isabel II. Também marcaram presença na tradicional missa de natal que reúne parte da realeza britânica. Conforme o protocolo, o casal tem que esperar pelo casamento para celebrar a quadra festiva conjuntamente, como este ano aconteceu . Numa entrevista à BBC Radio 4, o príncipe Harry, falou

sobre o seu primeiro Natal com a noiva: “a família adorou tê-la lá. Desfrutámos de momentos maravilhosos com o meu irmão e a minha cunhada e a correr com as crianças de um lado para o outro. É a família que ela nunca teve”, confessou. Quando questionado sobre como Meghan lidou com os sogros, Harry respondeu: “Foi fantástico, ela gostou mesmo”. Uma pesquisa do YouGov para o The Times verificou que 39% dos britânicos ficaram satisfeitos com a notícia do casamento de Harry e Meghan, 4% desapontados e 52% indiferentes. Os homens foram quem mais se revelaram indiferentes, com uma percentagem de 62%. No mesmo estudo, foi também revelado que 49% têm uma visão positiva de Meghan, 14% negativa e 37% “não sabem”. A mesma pesquisa reconhece ainda que a maioria (mais de dois terços da população britânica) considera aceitável que a noiva do Príncipe Harry seja mais velha do que ele, divorciada, não seja britânica e que possua uma etnia diferente.


• segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 • Correspondente • 33

MUNDO Trump criticado por reconhecer Jerusalém como capital de Israel

Eleições presidenciais anunciadas na Venezuela

ESTADOS UNIDOS | Várias personalidades e entidades já se manifestaram contra a decisão do presidente norte-americano

Nicola Maduro informa que as forças que apoiam o seu Governo estão a prontas para realizar eleições

CAROLYN VAN HOUTEN/THE WASHINGTON POST/GETTY IMAGES

BRUNA SOUSA

Trump anunciou na quarta-feira que vai oficializar Jerusalém como capital israelita. O presidente norte-americano considera “que é uma medida que serve o interesse dos Estados Unidos e o objetivo da paz entre Israel e os palestinianos”. Na declaração foi também anunciada a transferência da embaixada americana de Telavive para Jerusalém. O presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, salientou que os Estados Unidos “minam deliberadamente todos os esforços de paz” e “todas as resoluções e acordos internacionais”. O movimento islâmico Hamas reagiu com a incitação a uma revolta palestiniana contra a decisão de Donald Trump. Num discurso na Faixa de Gaza, o líder do Hamas,

Ismail Haniyeg, afirmou que foram abertos “os portões do inferno” e que só podem “enfrentar a política sionista apoiada pelos Estados Unidos - lançando uma nova Intifada”. Os talibãs afegãos também mostraram desagrado perante o veredicto do presidente norte-americano, classificando a decisão como “fanática e imprudente”, pois consideram que vai avivar o conflito. A Arábia Saudita classificou a medida como “injustificada e irresponsável” e a Jordânia caraterizou-a como uma “violação do direito internacional”. Também Erdogan, presidente turco, reconhece que a decisão de Donald Trump lança Médio Oriente para um “círculo de fogo”. Theresa May, primeiro-ministra do Reino Unido e Angela Merkel, chanceler alemã discordam da definição de

Jerusalém como capital israelita, bem como o presidente francês, Emmanuel Macron, que apelidou a medida como “unilateral” é “lamentável”. A União Europeia exprimiu “profunda preocupação” com as eventuais consequências do processo. Por sua vez o primeiro-ministro israelita, classificou o dia de ontem como um “dia histórico”. De acordo com fonte da presidência japonesa do Conselho de Segurança da ONU, vai ser realizada uma reunião de urgência amanhã, sexta-feira, a pedido de oito dos países membros: França, Itália, Reino Unido, Suécia, Bolívia, Egipto, Senegal e Uruguai. O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, reiterou que a ONU “sempre foi contra qualquer medida unilateral”.

BEATRIZ MELO

Numa reunião com membros das Forças Armadas venezuelanas, Maduro afirmou que este ano haverá eleições presidenciais. O presidente da Venezuela afirmou que “eu confio no nosso povo, o socialismo é um dos caminhos para chegar a portos seguros, para alcançar a paz e a segurança da nossa pátria”. Durante o encontro, sublinhou que em 18 anos de revolução realizaram-se 23 eleições no país. Maduro salienta que embora “pretendem chamar-me ditador, na Venezuela reina a democracia participativa”. No entanto, o Presidente venezuelano frisou confiar na força e paixão dos venezuelanos e dos militares para proteger o país em caso de haver uma invasão internacional. Nicolas Maduro pretende ainda continuar a convidar a oposição a dialogar e insistiu que está disponível para promover as relações com os Estados Unidos, baseadas no respeito mútuo. Para a Comissão da Verdade, criada pela Assembleia Constituinte (composta apenas por afetos ao regime), Maduro anunciou que prepara um expediente histórico, jurídico e legal, sobre as manifestações ocorridas entre abril e agosto de 2017, em que mais de 120 pessoas foram assassinadas, maioritariamente opositores. Por isso, assegurou que “que a Venezuela conheça a verdade pura, transparente e completa do que aconteceu”.

O Presidente Venezuelano revelou ainda que atuação da ex-procuradora geral Luísa Ortega Díaz (atualmente na Colômbia) que se opôs ao regime, teve o objetivo de promover a violência nas ruas para facilitar um plano de ingerência dos Estados Unidos. “Hoje está claro que as declarações da ex-procuradora faziam parte de um plano para dar o combustível necessário para incendiar o país”, disse. O presidente venezuelano garantiu ainda que os partidos dos opositores Henrique Capriles e Leopoldo López, entre outros, serão excluídos da eleição presidencial de 2018 por se terem negado a concorrer nas eleições municipais. “O partido que não tiver participado e que tenha convocado o boicote das eleições não pode mais participar. Esse foi o critério que a Assembleia Nacional Constituinte estipulou”, disse Maduro, em entrevista coletiva, depois de votar em Caracas . Maduro criticou as principais lideranças da oposição por se negarem a participar das eleições municipais. “Não posso entender que um grupo de dirigentes políticos da direita tenha se retirado. Se não querem eleições, para onde vão? Qual é a alternativa? As armas? A guerra?”, questionou. Maduro garante que a participação nas eleições foi “extraordinária”. “Quero agradecer ao povo da Venezuela, porque, mais uma vez, está indo às seções”, referiu. PUBLICIDADE


34 • Correspondente • segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 •

MUNDO AP MUZI LI

Sophia, o primeiro robô com cidadania TECNOLOGIA | Sophia tornou-se o rosto da Inteligência Artificial MIGUEL ÂNGELO AFONSO

“Olá, o meu nome é Sophia. Sou o último robô criado pela Hanson Robotics. Fui criada através de robótica avançada e inteligência artificial, desenvolvida por David Hanson. Mas eu sou mais do que apenas mera tecnologia. Eu sou real: sou uma rapariga eletrónica com vida.” A introdução de Sophia no seu site online é bem clara. Com aspeto de uma mulher adulta, Sophia foi ativada a 19 de abril de 2015, quando a Hanson Robotics a apresentou ao mundo como o mais sofisticado robô humanóide capaz de se adaptar e interagir com os seres humanos através de inteligência artificial. Inspirada na atriz britânica Audrey Hepburn, a finalidade desta mulher-robô é em tudo distinta à sua musa: “eu posso servir as pessoas, animá-las, e até ajudar os mais velhos e ensinar crianças”, explica Sophia através da

sua plataforma online. Com capacidade para dar palestras e falar com o público, como aconteceu no Future Investment Summit (no final de outubro em Riade), foi neste mesmo evento que lhe foi concedido o título de cidadã da Arábia Saudita. Sem as vestes exigidas às mulheres sauditas, sem hijab, abaya, lenço ou manta na cabeça, o robô desfrutou, assim, de uma experiência interdita a todas as mulheres do seu país. Deste modo, Sophia teve, no momento do seu discurso, mais direitos do que milhões de mulheres sauditas e trabalhadores estrangeiros que vivem naquele país, não chegando inclusive a contar com a proteção de um “guardião”, como é exigido às mulheres da Arábia Saudita através da lei. Apesar de (só) no mês de setembro ter sido dada a permissão para que as mulheres sauditas pudessem colocar as mãos ao volante, a sociedade mantém-se ultra-conservadora num reino

que, em matéria ligada à tecnologia e demais âmbitos, faz passar a ideia de progresso e evolução social. Alheia a todos estes formalismos e leis sauditas, Sophia agradeceu o título e disse sentir-se “muito orgulhosa e honrada com esta grande distinção”, não fosse ela agora a primeira e única robô a desfrutar de cidadania em todo o mundo. Durante este ano, Sophia já foi entrevistada por várias cadeias televisivas internacionais, marcando presença também em vários eventos.Em outubro, esteve numa conversa com a vice-secretária geral das Nações Unidas, Amina Mohammed. Antes, marcou presença no “The Tonight Show”, com Jimmy Fallon, e no dia em que recebeu o seu título de cidadania, foi entrevistada por Andrew Ross Sorkin, jornalista do The New York Times e entrevistador na CNBC.

Através de um único discurso, Sophia conseguiu ter mais direitos do que milhares de mulheres sauditas que naquele país nasceram

Durante a entrevista, Sorkin questionou Sophia acerca da possibilidade de um dia os robôs colocarem em risco a sobrevivência dos seres humanos. Sophia, contudo, e com toda a bagagem ganha após inúmeras entrevistas e interações com humanos, respondeu: “não se preocupe, se for simpático para mim, eu também serei simpática para si”. Ainda no seu site, Sophia refere que só agora está a “aprender acerca das emoções por de trás das expressões faciais. É por isto que gostava de viver com pessoas: para aprender mais sobre essas emoções. Todas as interações que tenho com as pessoas tem um impacto sobre o meu desenvolvimento.” A aplicabilidade da Inteligência Artificial tem sido um tema bastante debatido tanto em termos tecnológicos como éticos – e Sophia só veio levantar ainda mais questões: quais serão os limites da cidadania de Sophia? Tal concessão permite-lhe votar? Permite que se case ou que forme uma família? E quando a Hanson Robotics a desligar; será esse acto considerado homicídio e será punível? Por agora, não há nenhuma resposta concreta, uma vez só a ética nos pode responder. Ou mesmo Sophia, que marcou presença no Web Summit, em Lisboa, com mais um robô (Professor Einstein) que (por agora) não tem cidadania.


• segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 • Correspondente • 35

MUNDO GETTY IMAGES

Uber esconde ataque informático A empresa pagou 85 mil euros para esconder o segredo MARGARIDA RIBEIRO

Bitcoin volta a cair após Coreia do Sul ponderar proibir transações MERCADOS | O governo sul coreano emitiu um comunicado onde refere também que vai passar a exigir a utilização do nome verdadeiro BRUNA SOUSA

Depois do anúncio de novas medidas de regulamentação das transações com divisas digitais, feito pelo governo sul coreano, a Bitcoin desvalorizou mais de 1000 dólares esta quinta feira. A Coreia do Sul informou que estão nos planos a criação de políticas que proíbam a abertura de contas anónimas para trocas de moeda digital, legislação que permita às agências reguladoras cancelarem transferências suspeitas e a obrigatoriedade de identificação com o nome verdadeiro. Ainda que se tratem apenas de possibilidades, que ainda não foram debatidas nem aprovadas pelo governo sul coreano, foram suficientes para fazer a moeda descer aos 13.560 dólares, por volta das 19h de quinta-feira, de acordo com a cotação da Coindesk. No comunicado emitido pela Coreia do Sul (um dos principais mercados de moedas digitais) lê-se que “o governo

advertiu repetidamente que as moedas virtuais não são moeda legal e que os preços podem flutuar drasticamente e causar grandes perdas”. O governo da Coreia do Sul decidiu tomar medidas para evitar práticas fraudulentas como, por exemplo, branqueamento de capitais, na sequência de ataques de hackers que têm ocorrido no país. Há duas semana uma das principais casas sul coreanas de compra e venda de criptodinheiro, a Youbit, declarou falência depois da de um ataque cibernético culminar na subtração de 17% dos ativos totais. Esta não foi a primeira vez que a Youbit foi hackeada. Em abril cerca de 4 mil Bitcoins já tinham sido roubados à plataforma. No início do mês, também a NiceHash, sediada na Eslóvenia e, entretanto, já ativa, foi alvo de um ataque informático que resultou na perda de 4.700 Bitcoins, na altura equivalentes a quase 64 milhões de dólares.

O valor da Bitcoin sempre flutuou nas bolsas online de compra e venda, mas nos últimos dias tem vindo a sofrer quedas sucessivas no preço. Depois de semanas consecutivas a valorizar, até ultrapassar os 19 mil dólares, a criptomoeda começou a desvalorizar. Consumo de energia elétrica Ao que parece a mineração da criptomoeda consome muita energia e o aumento do valor da Bitcoin implica o aumento proporcional do consumo energético, e vice-versa. Um estudo da Power Compare refere que a mineração da Bitcoin consome energia equivalente a 0,13% do consumo global de eletricidade e que faz uso de mais energia elétrica do que 159 países individuais, incluindo a Irlanda, Islândia, Croácia e Sérvia. Se equipararmos a Bitcoin a um país, a moeda ocupa o 61ºlugar no ranking mundial de consumo de eletricidade, de acordo com o mesmo estudo.

A notícia foi avançada pela Bloomberg: a Uber sofreu um ciberataque, em outubro de 2016, e os seus utilizadores de nada ficaram a saber. O feito foi conseguido através do pagamento de 100 mil dólares (85 mil euros) aos piratas informáticos, que se comprometeram a apagar e a não divulgar as informações. Os hackers tiveram acesso aos dados de 50 milhões de clientes (como nomes, endereços de email e números de telefone) e de 7 milhões de condutores. No processo, foram também comprometidas 600 mil números de cartas de condução americanas. A Uber, contudo, garante que dados como número de cartão de crédito, número de segurança social e histórico de viagens não foram roubados. O incidente aconteceu numa altura em que a Uber prestava esclarecimentos aos reguladores norte-americanos sobre várias queixas de violações da privacidade dos seus utilizadores. Travis Kalanick, ainda ocupava o cargo de CEO. Segundo a Bloomberg, a nova administração da empresa diz que existia a obrigação legal de notificar os reguladores sobre o incidente, bem como os condutores: “nada disto deveria ter acontecido, e não vamos inventar desculpas para isto” disse, Dara Khosrowshahi, o novo CEO da Uber, em declarações à agência. “Estamos a alterar a forma como gerimos a empresa”, acrescentou. Joe Sullivan era director de segurança da Uber e foi demitido pelo seu papel no encobrimento do ataque. A Uber também publicou um comunicado a explicar o sucedido e a assegurar que aquando do incidente foram tomadas medidas imediatas para proteger os dados e impedir outros acessos não autorizados, sendo que a segurança foi reforçada. Sob investigação nos EUA, por acusações de suborno, uso de software ilícito, roubo de propriedade intelectual e esquemas de estabelecimento de preços questionáveis, a empresa enfrenta ainda múltiplos processos sendo que foi, inclusive, banida de várias cidades.


36 • Correspondente • segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 •

ENTREVISTA

Filipe La Féria: “No fim, tenho uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma” Filipe La Féria tem 72 anos de idade e mais de 50 anos de carreira. É considerado o pai do teatro musical num país onde, refere, não se sente realizado MARGARIDA RIBEIRO

Como é ser considerado o pai do teatro musical em Portugal? [Risos] Ai, o pai era o Gil Vicente, o pai do teatro era o Gil Vicente. De facto, quando eu comecei a fazer musicais achava-se que o público português não gostava nada de musicais. “Ai o público português só gosta de revista e etc, mais brejeira”. Foi uma luta muito grande. Mas sabe, agora toda a gente faz musicais. Mas o público referencia-me de uma maneira muito especial, isso é verdade. É com muito trabalho, com sangue, suor e lágrimas. Sempre lutando nunca desistindo. Todas as profissões intelectuais em Portugal são muito difíceis de nós termos um lugar e de realizarmos os nossos sonhos. Mas eu sou um caso privilegiado, também porque sou muito teimoso. . A Fernanda Montenegro - uma grande atriz brasileira -, que diz assim (uma senhora que já tem 90 e tal anos): “quando uma pessoa vem para o teatro é melhor desistir. Vá para casa. Quer vir para o teatro desista e só se tiver muito infeliz, só se achar que isto era a sua vida, ou isto ou a morte, é que então venha para cá”. Nós vivemos hoje numa sociedade muito de aparência. As pessoas também vão muito para o teatro para irem para as telenovelas, para se exibirem, para serem figuras públicas. Isso não

tem nada a ver com arte. Nós temos que ter um ideal: temos que fazer teatro para nos melhoramos a nós, em primeiro lugar, e depois melhorarmos as outras pessoas. Quando uma pessoa vai ao teatro tem que ficar sempre com uma interrogação. As coisas podiam ser diferentes, porque o teatro é um grande espelho que se coloca à frente dos espectadores. Você está-se a ver: as pessoas que são feitas da sua matéria - o ser humano. Este bicho da terra tão pequeno - como dizia Camões - ,tão complexo, tão sublime e ao mesmo tempo tão cruel. Queremos ser melhores, queremos atingir a sublimação da vida.

a cultura é umas das coisas do fim, é para calar. No Porto, eu trabalhei muito no Rivoli. Fiz espetáculos maravilhosos: o “Jesus Cristo Superstar”, “O Violino do Telhado”, “A Gaiola das Loucas” (que foi um verdadeiro escândalo no Porto), a “Música no Coração”... tantos espetáculos. Num dia fui-me embora. Mudou o presidente e este [Rui Moreira] não gosta de mim. As pessoas perguntam porque é que vou embora e eu digo que vou embora porque não tenho teatro para onde ir. Ou vamos para o Sá da Bandeira, que é um teatro com uma grande limitação, porque está a cair, ou é tudo lá da mesma… Depende tudo do mesmo lobby. Eu sou muito contra isto do teatro Sente que é reconhecido aqui em estar muito preso ao Estado, porque Portugal? depois nós temos o teatro ao sabor da Eu acho que sou muito reconhecido sensibilidade de quem está no poder. pelo público. No Porto, tive lá 4 anos no Rivoli. É uma terra maravilhosa. Nunca tive que pagar um hotel, um O encenador almoço, um jantar, uma dormida porque as pessoas gostavam. Agora não refere estar contra a sou nada reconhecido pelo Estado, porque eu digo tudo da boca para fora, posse do Estado sobre e de facto há 24 anos ou mais que não os teatros, tenho um único subsídio. Eu só pago. Só pago impostos, é sempre um cerco defendendo que estes muito apertado. Não tenho subsídios, deveriam pertencer portanto o Estado não me ajuda mesmo. A política cultural em Portugal, aos artistas e a quem os nossos políticos, não são cultos começa por isso. Veja no orçamento, neles trabalha

Você vai a qualquer terra e todos os teatros são da Câmara. Não há teatros. Os teatros deviam ser dos artistas, das pessoas que dão o sangue, que dão a alma e dão a vida pelo que gostam. Pela sua profissão, pela sua arte. Aqui não, aqui parece que vivemos todos no estalinismo, porque o teatro é do Estado. É do Estado: uns gostam, outros não gostam. Depois, se a gente é apoiada por uns, vêm a seguir outros e pagamos todos pela mesma moeda. Está extraordinariamente politizado e ao mesmo tempo ninguém dá importância. Você abre as televisões e quase nunca falam em teatro. Nem teatro nem cultura. Quando dá é naqueles programas das horas extraordinárias e os programas dos cartazes, às 3 horas da noite. O resto é uma injeção contínua de política e futebol e futebol e política, de comentadores políticos e de futebol. Vemos que o nosso públi-


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ENTREVISTA MARGARIDA RIBEIRO

Viver do Teatro em Portugal é tão difícil como parece? É muito difícil. Quando estive no Porto - e disso me orgulho - eu só fazia teatro com pessoas do Porto. Levava 3 ou 4 atores daqui [Lisboa] e muitos têm agora seguido as suas carreiras e mostrado o seu valor e ali começaram no Rivoli. H.oje o Rivoli é quase uma coisa de dança para dança dos contemporâneos, mas é uma coisa para uma elite. O Estado está a transformar o teatro num coque lux para a elite. Tal

“Fazer teatro é o

meu trabalho, é o que eu gosto, é o que me compensa, o que me dá razão à vida

co está muito embrutecido, porque a televisão hipnotizou. De facto, o novo poder político utiliza a televisão como uma arma perigosíssima. Se se anunciar que um elefante voa sobre os Aliados, então “eu vi na televisão que um elefante estava a voar sobre os Aliados”: portanto é esta a sociedade do espetáculo em que nós vivemos.

como o cinema português é para uma elite. Quando o teatro é o contrário disso, o teatro é para todos, é para o povo, para o grande público: para todos os públicos. Porque o teatro sem público não tem razão para existir. Como se dizia no Hamlet, uma peça extraordinária do Shakespeare, “alguma coisa está podre no reino da Dinamarca”. Alguma vez considerou sair de Portugal? Muitas vezes. Por vezes fico arrependido de não ter saído porque tive oportunidades em Inglaterra e em Espanha. Tive oportunidades e convites bons para ir, mas depois eu sou um homem que acreditou muito no 25 de abril. Pensava que o país ia ser diferente, para melhor, para muito melhor e fiquei sempre por cá. Embora tendo muitos espetáculos meus a viajar por

essa Europa fora. Já tem 50 anos de carreira e continua a receber o público na entrada do teatro. Porque é que o faz? Porque eu quero sempre falar com o público. Aprendo muito. Percebo o que é que eles gostam, o que é que eles não gostam e o que se passa naquelas cabeças. O que se pode ainda fazer para os atrair a virem ao teatro. É uma grande lição que eu apanho todas as noites: eu é que enriqueço. Não é os programas que lá vendo a 5 euros que me adiantam alguma coisa, mas é falar com eles. Falar e perceber que há pessoas de Viana do Castelo ou de Vila Real de Santo António que vêm de propósito, que fizeram quilómetros. Ainda no outro dia para a “Comédia Fantástica” um casal tinha vindo de avião de Bragança só para vir aqui. Acho que é continua na página seguinte »


38 • Correspondente • segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 •

ENTREVISTA FILIPE LÁ FÉRIA

muito importante nós termos a noção do que é o Portugal real, do que são as pessoas. Por exemplo, com este caso dos incêndios, as pessoas viam aquelas pessoas tão pobres quase da idade média, mas isto é Portugal. Não é um Portugal urbano, porque Portugal não é Lisboa e Porto e o resto é paisagem, e sobretudo o Portugal do interior está completamente abandonado. Eu sou alentejano e vejo aquelas terras completamente abandonadas. Jovens não há: emigra tudo para a Suíça. Aquelas aldeias e vilas, cheias de pessoas seniores, a viver em condições muito miseráveis... A democracia não chegou lá. O 25 de abril, que já foi há 40 e tantos anos, ainda não chegou lá. Talvez nunca chegue não sei. Com todas estas dificuldades que sente alguma vez pensou em reformar-se, ou “parar é morrer”? Não reformar não. Reformar eu acho que só se tiver uma doença muito grave. Porque a minha forma de estar na vida, a minha forma de respirar é a fazer teatro: é o meu trabalho é o que eu gosto, é o que me compensa, o que me dá razão à vida. Como é que gostava de ser recordado? Ai eu não me preocupo nada com a posteridade, estou-me a marimbar para isso. Com certeza depois farão um musical sobre a minha vida. [Ri-

sos]. Eu penso que sou uma pessoa, muito positiva e otimista, nunca penso no que vai ficar. Eu gostava era de ser recordado pelas minhas netas como um bom avô, isso gostava. Porque gosto muito delas, gosto muito da minha filha. Gostava que elas pensassem “olha aquele maluco fez tudo para fazer boas coisas no teatro e no fundo podia ter muito mau feitio, mas não era má pessoa”. Então acha que a fama tem um prazo de validade? Sim. Veja, quando morreu o Nicolau Breyner toda a gente falou, agora pergunta a um jovem quem é e já ninguém sabe. As pessoas do teatro são só para uma geração - máximo duas gerações. Se eu perguntar quem foi a Laura Alves vocês quase nem sabem: foi a maior atriz portuguesa. Então quem foi o Estevão Amarante? Isso ninguém sabe. Portanto o teatro fica na memória de quem o vê e é só de duas gerações, três o máximo, se uma pessoa viver muito tempo. Eu por exemplo tive a sorte de contracenar com grandes atores e de ver a Palmira Bastos e o Raul de Carvalho, a Amelia Rey Colaço que foi minha mestra durante anos e anos esteve à frente do Teatro Nacional, quando havia uma Companhia de Teatro Nacional em Portugal. Porque em Portugal não há. Nem Companhia de Teatro Nacional, nem Companhia de Ópera.Coitadinha, arrasta-se ali a

Neste momento, La Féria está a traduzir a peça “Mamma Mia”, um musical de sucesso em grandes cidades internacionais como Londres, Las Vegas e Sidney. Em breve, refere, quer trazê-la “a cena” em Portugal

Companhia de Bailado... Não há nada. É o deserto cultural completo. Temos uma orquestra que vive com muitas dificuldades: há uma orquestra do norte, mas coitados, os homens vivem com umas dificuldades terríveis. Veem os artistas quase como se fossem uns sem-abrigo. Quando é que soube que queria ser encenador? Desde miúdo porque eu nunca aceitei a realidade, eu sempre reinventei a realidade e quando via as pessoas mais adultas eu achava que a vida era toda um teatro. Como é que nasceu a paixão pelo teatro musical? O teatro musical foi pela minha avó: a minha avó era uma pessoa muito culta e levava- me até ao São Carlos à Ópera. Por exemplo uma das coisas que eu vou ficar para sempre frustrado é que nunca fiz uma ópera, mas cá não se faz ópera nenhuma. Gasta-se milhares de euros a mandar-se vir Companhias estrangeiras. Eu faço muitas audições e vêm muitos cantores sopranos, maravilhosas tenores, e eu digo “vão para o estrangeiro, vão-se embora daqui o mais depressa possível”. Mas isto é trágico, a gente dizer isso é trágico. Eles nunca vão ter carreira cá, porque cá não há ópera. Vão cantar para onde? Para a casa de banho, para o chuveiro?


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ENTREVISTA

pensei em desistir, mas depois há toda a paixão e isso é como um grande amor: pode o grande amor nos prejudicar, mas a gente segue sempre a amar

Lembra-se de qual foi o primeiro espetáculo que viu? Foi há muitos anos, no século passado, era muito pequenino. Era no teatro que foi destruído, porque aqui em Lisboa destruíram os teatros quase todos. Foi no Teatro Monumental e lembro-me de ver uma revista há muitos anos. Fui de calção e com os meus pais. Lembro-me vagamente, é uma imagem encoberta por nevoeiro como se fosse D. Sebastião.

Tem algum espetáculo que seja o seu favorito? Não, não tenho. Quer dizer tive enormes êxitos, por exemplo, a “Amália” foi um êxito irrepetível, porque estar 6 anos em cena, mais de 6 milhões de espectadores... foi toda a população portuguesa. Por vezes até há espetáculos que não tiveram tanto êxito que eu guardo como uma enorme recordação. E algum que goste menos, que se tenha arrependido de ter feito? Na vida nós temos sempre o resultado das circunstâncias. Um artista que não tem dinheiro, é um pobre empresário, teatrão. Essa palavra empresário é muito pomposa para o que eu sou. Tem que se, por vezes, escolher o que fazer conforme as circunstâncias. Por vezes não consigo dinheiro para fazer o que quero - há sempre esse vil metal - e sobretudo agora com tantos impostos que a gente paga... Que é uma coisa horrível, os impostos que se pagam em Portugal. Estamos sempre muito limitados.

Mas acha-se destemido? Eu gosto de arriscar. Também não tenho outro remédio se não arriscar; ou ia para casa e encerrava e fechava a porta. Por vezes penso que se as coisas continuarem assim tão difíceis... Você veja que hoje o Teatro da Cornucópia Quando está a construir um espetá- desapareceu, porque depois as pessoas culo qual é a parte que mais gosta de cansam-se; há um momento em que já não podem caminhar mais. fazer? Gosto de tudo. Agora estou a traduzir “Mamma Mia”, que é um espetáculo Como é um dia de estreia para si? maravilhoso e quero levá-lo a cena. Com 50 e tal anos de estreias há um Estou aqui cheio de papeis e dicioná- déjà-vu. Mas sim, há sempre esse rios. Agora também nos ajuda muito “atingir uma meta”. Depois o espetátoda a tecnologia, os tablets e essas culo segue por ele próprio. O fim de coisas, para fazer o melhor que sei, o uma aventura e o começo de outra. melhor que posso. Tem algum elenco de sonho? Qual foi o melhor elogio que já rece- Trabalhei com toda a gente em Portugal: não há ator que possa dizer beu? Não sei, as pessoas do público são que nunca trabalhei. Sou um enorme muito bonitas dizem coisas como “ai privilegiado por ter trabalhado com nunca mais morra” e não sei quê. Eu várias gerações de atores e sobretudo acho que o público português não é orgulho-me de ter revelado grandes como o público anglo-saxónico. Por atores, grandes comediantes, cantores, exemplo, eu lembro-me de ver gran- bailarinos e músicos que começaram des atores ingleses: eles entravam no comigo e que ainda continuam. palco e era uma grande emoção para o público. Aqui eu acho que as pessoas Acha que é exigente demais ou é exisão muito desprendidas: gostam, mas gente à medida certa? Sou exigente, porque não sou insatisdepois esquecem.

feito, não sou nada convencido. Quero sempre melhorar. É muito auto-crítico? Sou um bocadinho sim. Nós em Portugal e sobretudo nesta profissão nunca atingimos a perfeição. Nesta profissão, uma pessoa insatisfeita como eu quer sempre atingir os limites que estão sempre muito longínquos.

da vida tem que ser feita com paixão. Quais são as coisas mais importantes na sua vida? Saúde, as minhas netas, a minha filha e o teatro. A minha irmã também, a minha família. E o que mudou mais na sua vida quando nasceram as suas netas? Ai, ser avô dá outra perspetiva de vida, porque já temos outra idade, sabemos que não as vamos acompanhar toda a vida; sabemos que a vida é muito limitada e que teremos que aproveitar muito bem o tempo porque estamos condenados a não seguir os caminhos.

E quando está aqui no Politeama, sente que está em sua casa? Isto é a minha casa. Quer dizer, isto não é a minha casa, que tenho de pagar uma renda; é uma casa abonada. No fim, tenho uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma. Não tenho mais nada. E as suas netas já assistiram a algum espetáculo? Lutou tanto pela sobrevivência do Sabem tudo de cor e salteado. Uma Politeama, nunca pensou em desis- tem 2 anos e outra 5, mas sabem tudo. tir? Sim. Sim, muitas vezes pensei em de- E têm algum favorito elas? sistir, mas depois há toda a paixão e Gostam muito do “Aladino”, que está isso é como um grande amor: pode em cena. Da “Pequena Sereia” também o grande amor nos prejudicar, mas a gostaram muito, mas gostam de tudo. gente segue sempre a amar. E a sua filha? E em relação ao grande amor que é o Acho que é o “Violino do Telhado”, Teatro, o que o motiva a continuar? aliás, que estreou no Porto, no Rivoli. É a paixão e o teatro, como qualquer arte. Qualquer coisa que nós façamos Qual foi o melhor ensinamento que os seus pais lhe deixaram? Os meus pais ensinaram-me a olhar para as outras pessoas: o mundo e a vida só têm razão pelos outros; não olharmos só para dentro de nós próprios, sabermos que há sempre pessoas que precisam muito mais do que nós e que precisam de nós.

“ Portugal não é

um país onde as pessoas se possam sentir realizadas: as condições são sempre muito precárias. Há sempre um mundo que você não consegue atingir

“ Muitas vezes

De que modo é que as suas viagens influenciam o seu trabalho? Gosto muito. Não viajo tanto como quero - tenho estado aqui sempre no teatro -, mas gosto de ir para Londres, Nova Iorque ver o teatro, e eu gosto de ter novos horizontes ver o que é que os meus colegas fazem lá fora. Como também gosto de ver aqui.

Acha que estariam orgulhosos de si e do seu percurso? Acho que pelo menos compreendiam que faço sempre o melhor possível. Por vezes não consigo como toda a gente. A minha premissa é “tudo o que faço na vida, é fazer o melhor possível, é superar-me”. E supera-se ou ainda falta alguma coisa? Não, não me sinto realizado porque o país... Portugal não é um país onde as pessoas se possam sentir realizadas: as condições são sempre muito precárias. Há sempre um mundo que você não consegue atingir, porque é um país muito pobre e as nossas profissões são profissões quase marginais, porque não vendemos gasolina, comida, ou futebol. Portanto, são profissões olhadas sempre de uma maneira marginal. Acha, portanto, que tem algum sonho que vai ficar por realizar? Tantos. Isso de fazer ópera, que foi o que me levou para o teatro. Esse sonho, pelas razões já expostas, não se vai realizar de certeza.


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CULTURA MIGUEL ÂNGELO AFONSO

MIGUEL ÂNGELO AFONSO

Realidade mais próxima da fantasia não há. Assim foi a Comic Con CULTURA POP | A 4ª edição da Comic Con Portugal decorreu na Exponor, que recebeu mais de 100 mil pessoas

MIGUEL ÂNGELO AFONSO

maior sala de exposições do país palco ta a promover a visita de crianças ao de mais uma edição marcada pela de- recinto. Não, desta vez as portas abriram um pouco mais tarde, pelas 14 Dia 14, 15, 16 e 17 de dezembro do dicação dos fãs da cultura pop. horas, sendo que nos restantes dias os ano passado. Pela quarta vez consecuvisitantes começaram a entrar às 10 da tiva, a Comic Con Portugal invadiu a O dia da abertura do recinto Exponor, em Matosinhos. Se é a segunda vez que a Comic Con manhã. Ainda assim, nem isso fez com Com mais de 100 mil visitantes tem 4 dias, esta edição marcou-se tam- que a conferência estivesse às moscas (um crescimento que ronda os 39%), bém pela diferença: não pelo número no seu primeiro dia. No mundo do cinema e televisão, o destaque desta edição vai para Star de conteúdos, convidados, número de Wars e, como não poderia deixar de exposições, ante-estreias e nem pela James Olmos foi a cabeça de cartaz. ser, para os cosplayers, que fizeram da nova aposta da organização com vis- No ativo desde os anos 60, no teatro,


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CULTURA MIGUEL ÂNGELO AFONSO

A Comic Con Portugal triplicou o número de visitantes em 4 anos Réplicas de Star Wars poderam ser vistas no decorrer do evento “Jumanji” teve a sua ante-estreia no evento

Olmos interpretou o papel de tenente Castillo, na série dos anos 80 “Miami Vice” e participou em séries como “Battlestar Galactica” e filmes como “Blade Runner”. No ano passado, entrou também em “Coco”, o novo filme da Pixar, onde dá voz a Chicharrón, numa pequena cena. Em conferência de imprensa, e orgulhoso da sua cidadania mexicana, James Olmos sublinhou a importância de recordar as nossas origens - e a cultura a ela associada - de modo a não perdermos a nossa identidade: uma mensagem em tudo semelhante à transmitida por “Coco”, que demonstra na perfeição como é o “Dia de los Muertos”, no qual os familiares honram a vida dos seus entes queridos ao visitarem as suas campas de modo festivo, tocando, inclusive, algumas das

suas músicas preferidas. Por fim, e desta vez já no painel com os fãs, o ator falou ainda da série por estrear “Mayans MC”, uma “versão latina dos motards”, muito semelhante à tão aclamada “Sons of Anarchy”. Quem marcou também presença foram os vários artistas de banda desenhada, que todos os anos demonstram que um autógrafo poderá não ser apenas uma assinatura: mas sim um retrato personalizado de uma personagem à sua escolha, feito na hora. Nuno Plati, ilustrador da Marvel Comics e da EA Games; Pepe Larraz, do mundo de Star Wars e da Marvel; e Alberto Jiminez Albuquerque, de “Fugitifs de l’Ombre” e “Le Dieu des Cendres”, foram alguns dos nomes sonantes do primeiro dia da convenção. Ainda assim, os fãs de “Homem Aranha” não saíram de mãos a abanar: David Lafuente, ilustrador de “The Ultimate Spider-Man”, criou inúmeros sketches nos vários cadernos de fãs que lhe foram passando por mãos. Quem saiu de olhos cheios foram também os fãs de Star Wars: a história épico-galáctica que, “por coincidência”, como referiu Paulo Rocha Cardoso, diretor da Comic Con, estreou o seu mais recente filme, “Os Últimos Jedi”, nos cinemas, naquele dia. Contudo, apesar de não existir nenhum convidado relacionado com a saga, a conferência contou com 500 metros quadrados ocupados por um Imperial Combat Assault Tank, do filme de 2016 “Rogue One” e por um caça rebelde T-65 X-Wing. A acompanhar estas armas de guerra ainda estava um Funko Pop! gigante do robô C3-P0, numa banca que marcou a estreia desta mesma marca na Comic Con Portugal. Sexta-feira: dia de ante-estreia e de Katherine McNamara “Jumanji”, já ouviu falar? Então é porque não foi à Comic Con. Ou então... foi porque não ouviu falar da prequela, datada de 1995. A história, escrita originalmente por Chris Van Allsburg, em 1982, descreve um jogo de tabuleiro com temática na natureza, onde cada vez que algum jogador lança os dados, animais reais e outros elementos aparecem como que por magia. Com um elenco renovado e uma nova história que desvenda o que acontece a seguir na trama, “Jumanji: Bem-vindos à Selva” teve a sua ante-estreia no segundo dia da Comic Con, sendo que Madison Iseman, uma das atrizes participantes, só viria sábado, no dia a seguir, a apresentar oficialmente o filme em terras lusas. Com bom feedback de (quase) todos aqueles que assistiram à sua ante-estreia, “Jumanji” foi, por diversas vezes,

Em termos da Artists’ Alley Melo, responsável pela Banda Desenhada e Literatura do evento, referiu que a Comic Con Portugal está “ao mesmo nível da Comic Con de Nova Iorque”

classificado como “cómico” e de “rir do início até ao fim”, tendo angariado o contentamento do público que marcou presença no Anfiteatro B. Mas o entusiasmo não surgiu apenas pelas novidades mostradas no grande ecrã. “Shadow Hunters”, uma séries juvenil produzida pelo canal de streaming Netflix, marcou presença no evento através de Katherine McNamara, que interpreta Clary Fray na trama. Bem disposta e sempre sorridente, a atriz participou ainda no segundo filme de Maze Runner. Sobre a série que atraiu dezenas de fãs ao recinto, McNamara disse que se sente admirada por toda a comunidade que surgiu: “eles têm opiniões, eles discutem sobre a série. Investem mesmo muito tempo a assisti-la, da mesma forma que nós investimos a criá-la”, expressou no painel com os fãs. Mas nem só o seu trabalho foi explorado: por cada convidado que pisava o palco do Auditório A, uma lição de vida era aprendida e retirada - e Katherine McNamara não foi exceção. Surgindo o bullying como tópico de conversa, a atriz confessou já ter sido “vítima de violência na infância”. Ainda assim, deixou uma mensagem a todos aqueles que a estavam a ouvir e aos seus fãs: “nunca desitam. Procurem sempre novas oportunidades para aprender e para colocarem em prática, seja qual for a paixão que vos move”. E bem que podem concordar os quase 100 artistas da Artists’ Alley. Este ano num novo lugar, fora dos pavilhões, Paulo Cardoso bem que tinha avisado em conferência de imprensa, “este ano temos o maior Artists’ Alley do país”. E se tiveram. Com variadas bancas dos mais distintos estilos artísticos, olhar apenas continua na página seguinte »


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para um lado era impossível: na bancada da “Raquel Sem Interesse” seria impensável não olhar para as caricaturas do dia-a-dia de um portuense e não nos rirmos com tamanha afinidade sentida; no stand mais à frente, vários cartazes alternativos a séries e filmes eram delineados num traço minimalista; num cantinho amadeirado, Raquel Costa presenteava quem por ali passava com retratos feitos a aguarela de personagens que nos enchem os televisores e os corações. Uma infinidade de mundos, cores, traços e arte sem fim: para apreciar cada stand detalhadamente, o visitante teria de se ocupar com esta função durante um dia inteiro, tal é o trabalho destes artistas amadores que muito de profissionais pareciam ter. Além deste vasto corredor, existiram também demonstrações de produtos, espaços de gaming virtual ou de jogos de tabuleiro, tatuagens a custo zero, um Predador, o Batmobile utilizado no último filme da DC, “Liga da Justiça”, e várias outras actividades, entre elas contando-se até um tanque para promover o recrutamento no exército. A maré de cosplayers atinge a Exponor Quem visse a Comic Con no seu primeiro e segundo dia, diria que o terceiro foi uma renovação: como se de uma fénix se tratasse. Com os corredores, filas e auditórios a triplicar de

Dominic Purcell, a estrela de Prision Break, adiantou que existe um “trabalho em curso” do criador da série Madison Iseman refere ter tido um girl time com Jack Black

pessoas, face ao que se verificou anteriormente, a Comic Con ganhou uma nova potência e várias caras - não tivesse o cosplay chegado em força. “Sailor Moon’s” haviam-nas às mãos cheias, champions do jogo League of Legends também. Por momentos pareceu que a Disneyland teria feito uma parceria de última hora com a Comic Con, não andassem a passear em conjunto a Elsa de “Frozen”, a Ariel, Eric, Cinderela e outras personagens deste mundo infantil que atravessam gerações e gerações. Procurar o Wally também não era tarefa difícil, visto que no recinto existiam pelo menos 3 pessoas fantasiadas desta personagem que gosta de se es-

conder em cenários complicados. Ideias de cosplay para a edição que virá e métodos para o conseguir fazer também não faltaram. Pelas tarde, o Sify demonstrou ao vivo como proceder à caracterização do Night King, de “Game of Thrones” – um workshop dado pela caracterizadora real desta personagem na série. A grande figura do dia, contudo, foi Dominic Purcell, que foi à Comic Con para falar de “Prision Break”, embora os seus outros papéis em “Flash” e “Legends od Tomorrow” não terem sido esquecidos. Sobre esta última, em conferência de imprensa, Purcell saudou a opção dos produtores em colocar uma das prsonagens, Sara Lance, como capitã da nave de viagens do tempo, a bordo da qual a série se passa. “Já era altura de ter uma mulher num lugar de poder na televisão”, referiu. Embora recusa-se confirmar com certeza a execução de uma sexta temporada de Prision Break, Dominic Purcell adiantou que existe um “trabalho em curso” a ser preparado pelo criador Paul Scheuring. Horas antes, Madison Iseman, a convidada que veio apresentar “Jumanji” ao público português, concordava com o colega de profissão quanto ao aumento de personagens femininas fortes na televisão e no cinema: “esta é uma altura excitante para ser uma atriz nesta indústria. É fixe finalmente ver uma rapariga a ser heroína”, referiu em conferência de imprensa.

Sobre “Jumanji”, a atriz confessou ter achado o guião um pouco confuso à primeira vista, sendo que, posteriomente, se revelou numa experiência “bastante divertida”, uma vez que ela e Jack Black interpretam a mesma personagem durante o filme. “Tal implicou uma grande comunicação. Ele tinha uma pilha de perguntas, como por exemplo, que filmes ver e quais as canções a ouvir. Tivemos um girl time. E acho que o Jack Black é a pessoa mais simpática que conheci em toda a minha vida”, sublinhou. À semelhança do ano passado, a música marcou também presença no evento, através do espetáculo “Canal Hollywood in Concert”, interpretado pela Lisbon Film Orchestra, onde “temas icónicos do mundo do cinema” se

Todos os anos procede-se à entrega dos Galardões de Banda Desenhada O grande vencedor do Galardão Anual foi Sousa Lobo, com “Deserto/Nuvem”


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CULTURA MIGUEL ÂNGELO AFONSO

fizeram ouvir. Num dia também dedicado à banda desenhada, Felipe Melo e Juan Cadia - vencedores do Galardão BD 2016, com o livro “Os Vampiros” - lançaram o seu novo trabalho, “Comer/Beber”: um livro “mais pessoal”, como declarou Juan que não chegou a tempo de entregar o prémio de melhor banda desenhada portuguesa 2017, juntamente com o seu colega, por estarem atrasados numa sessão de autógrafos. Ainda assim, e num momento mais formal, procedeu-se à entrega anual dos Galardões de BD por parte da Comic Con - um compromisso, relembra Paulo Rocha Cardoso, que “pretende distinguir o que de melhor se faz em termos de banda desenhada no país e não só”. O grande vencedor acabou por ser Francisco Sousa Lobo, com “Deserto/ Nuvem”, premiado com o Galardão Anual de BD (que distingue o melhor álbum do ano) e com o Galardão de Melhor Argumento. O prémio de Melhor BD de Autor Estrangeiro foi para Paco Roca, com “A Casa”; a Melhor Curta para Filipe Andrade, com “A Muralha”; e o Galardão de Melhor Desenho foi entregue a Ricardo Venâncio, com “Hanuram, o Dourado”.

lope Garcia, na série “Mentes Criminosas”, a atriz norte-americana disse estar bastante agradecida por fazer parte do elenco fixo de atores deste fenómeno que teve início em 2005, visto que, inicialmente, a sua presença estava programada para apenas dois episódios. Confessando em conferência de imprensa que na realidade não é muito diferente da personagem que interpreta, “o que facilita muito a interpretação”, a atriz abordou também o tema da net neutrality. Num mundo em que a Internet é um meio livre, Kirsten refere que existirem pessoas a tentar controlar o mundo através de ferramentas online desvirtua por completo o propósito de uma rede livre. Uma das presenças mais esperadas deste dia foi, sem dúvida, Daniela Ruah, a atriz portuguesa que tão cedo nos habituamos a ver nos nossos ecrãs de casa através das telenovelas. Ainda assim, em conferência de imprensa, Daniela remata: “É muito diferente fazer uma novela em Portugal e uma série nos Estados Unidos da América. Numa novela em Portugal faz-se 35 a 40 cenas por dia, enquanto que na série fazem-se nove páginas – porque é contado por páginas, e 35 a 40 cenas correspondem a cerca de 50 páginas”. A contracenar na série norte-ameriO melhor fica para o fim cana “NCIS: Los Angeles” desde 2009, No último dia de Comic Con, Kirs- a atriz portuguesa refere que pretende ten Vangsness fez as honras da casa. sempre interpretar uma mulher forte Conhecida pelo seu papel como Pene- de modo a promover algumas ideias

MIGUEL ÂNGELO AFONSO

Daniela Ruah foi uma das convidadas mais aguardadas pelos fãs. A portuguesa prometeu novidades para este ano O destino da Comic Con Portugal ainda é incerto

de igualdade: “nós queremos representar o melhor possível para as gerações mais novas. Mas ser uma mulher forte não significa não ser vulnerável, não significa não ter os nossos momentos de fraqueza, mas significa a forma como nós ultrapassamos os problemas das personagens”, explica. Sobre planos futuros, a portuguesa diz não poder revelar muito – sendo que novidades no início deste ano poderão surgir. Não fechando a porta nem a Portugal nem ao grande ecrã, Daniela Ruah abordou ainda o tema dos abusos sexuais em Hollywood, garantindo que “nunca passou nem nunca assistiu a uma situação dessas”. Clark Gregg, o agente Phil Coulson,

de “Agents of S.H.I.E.L.D”, encerrou a quarta edição da Comic Con. Admitindo que considera que cada temporada tem sido melhor que a anterior, Gregg salienta o respeito e o carinho que sente pela Marvel: uma empresa que adora desde pequeno. Em conferência de imprensa e sobre o plot da sua personagem ter sido trazida de novo à vida, o ator avisa que “ainda não acabou”: “na mitologia grega há sempre um preço a pagar. E ele regressa, mas não sabe que o trouxeram de volta. Então ele depois descobre o segredo obscuro sobre como foi trazido de volta; contra a sua vontade e o quão traumatizante foi”, refere. Com um crescimento do número de visitantes na ordem dos 39% face ao ano passado – e quadruplicando o número de visitantes ao longo de quatro edições -, o próximo destino da maior conferência de cultura pop do país continua incerto. Em conferência de imprensa, antes do evento ocorrer, Paulo Rocha Cardoso garantira que no final do evento, “assim como acontece todos os anos”, será feito “um levantamento de melhorias e ver o que é melhor para os parceiros, para os visitantes, para os convidados, para os conteúdos, para tudo”. “A Comic Con tem uma particularidade: não se chama Comic Con Porto, Comic Con Matosinhos ou Comic Con Lisboa, chama-se Comic Con Portugal”, afirmou perentoriamente o diretor desta conferência.


44 • Correspondente • segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 •

CULTURA

Afonso Cruz: “Jalan Jalan” é um “passeio sobre vários mundos que não se cingem à geografia”

LIVROS | “Jalan Jalan: Uma Leitura do Mundo” (Companhia das Letras) é a nova obra de Afonso Cruz. Um livro de viagens, de reflexões e de análise que o autor apresentou pela primeira vez ao público na portuense Flâneur

MIGUEL ÂNGELO AFONSO

Apesar da beleza da paisagem, dos campos de arroz, do verde omnipresente, dos templos hindus, dos macacos zangados, uma das melhores coisas que trouxe de Bali foi uma oferta do João, que me embrulhou e ofereceu uma palavra, talvez duas: Jalan significa rua em indonésio, disse-me. Também significa andar. Jalan jalan, a repetição da palavra, que muitas vezes forma o plural, significa, neste caso, passear. Passear é andar duas vezes. (…) Passear é o que fazemos para não chegar a um destino, não se mede pela distância nem pela técnica de colocar um pé à frente do outro, mas sim pelo modo como a paisagem nos comoveu ou como o voo de um pássaro nos tocou. É um pouco como a arte, tem o valor imenso de tudo aquilo que não tem valor nenhum.

Afonso Cruz in “Jalan Jalan: Uma Leitura do Mundo”

No prefácio deste livro, Pedro Mota escreve que “viajar é levar a nossa solidão a passear, mas é, também, insuflar o nosso mundo com novos mundos”. Escrever é viajar? Sim, claro, não há nada que não seja viajar. Mas claro que há diferenças substanciais entre uma viagem física e, por exemplo, uma leitura, que não deixa de ser uma viagem – e até uma metáfora da própria viagem. São experiências diferentes. A leitura é vida real – não deixa de ser vida real: é uma experiência tão intensa quanto outra qualquer, mas todo o teor destas experiências é sempre de cariz diferente. O que eu experimento quando viajo, quando vou a outro país, é sempre diferente

de quando leio. Aliás, a maior parte das minhas viagens nasceram precisamente pela necessidade de corroborar aquilo que lia e, portanto, há esse complemento: precisar quase de substanciar a leitura com a experiência no local. Muitas das viagens começaram porque lia primeiro alguma coisa, sobre um país, um povo, uma religião ou escritor e depois quis ir àquele local para experimentar de uma outra maneira – de uma experiência nova. Na Enciclopédia Universal existe a explicação de um conceito através de vários fragmentos textuais. A nova obra segue essa linha? Não, porque a Enciclopédia é totalmente ficção ou quase totalmente ficção – enfim, se calhar não existe nada que


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CULTURA PAULA SOUSA COELHO

“Jalan Jalan: Uma Leitura do Mundo”. É uma leitura do mundo geográfico ou do próprio Homem? É isso mesmo. É uma leitura da geografia, claro, porque também há textos de viagem, focados na literatura de viagem, na minha experiência enquanto viajante, mas também há as minhas próprias leituras, neste caso literais: os livros que li, alguns livros que me marcaram; há também poética, ou seja, como é que eu olho para a literatura, como é que eu escrevo, como

é que construo uma história; há textos sobre Filosofia, com um olhar mais filosófico, mais científico e outros mais artísticos; e também me debruço sobre a arte. É um passeio sobre vários mundos que não se cingem à geografia. E de onde surge esta vertente da Filosofia, da arte e do existencialismo? São uma maneira de olhar para o mundo, são maneira de o compreender. A maior parte das vezes são complementares, não são antagónicas, não se eliminam, não são contraditórias, mas dão um complemento diferente à nossa visão, à mundivisão. Ou seja, eu, por exemplo, posso olhar para um músico a tocar, que é diferente da experiência de ouvir e é diferente de olhar para a par-

“Escrever, tal

como ler, são atividades que fazemos sozinhos, mas não são atividades solitárias

seja totalmente ficção, porque nós apoiamos-nos na realidade para podermos escrever. Mas o “Jalan Jalan” é um livro de recordações, de experiências de viagem ou são ensaios sobre variadíssimos temas.

vezes as pessoas perguntam-me de onde é que são. Normalmente nunca trago objetos, trago muito pouca coisa das viagens. Ao início nem sequer levava máquina fotográfica, era muito desprendido em relação a essas coisas todas. Mas trazia anéis porque se podem usar, são leves, não ocupam espaço e é muito importante isso para quem está a viajar ou para quem viajava como eu viajava: que em quase todas as situações andava com uma mochila ou com um saco e portanto não se podem carregar grandes coisas. Todas as vezes que cometi esse erro, acabei por me arrepender, de alguma maneira, de o ter feito. Aliás, eu falo disso no “Jalan Jalan”, sobre, pelo menos, duas viagens em que comprei objetos que foram uma carga de trabalhos para transportar [risos]. Um foi um deus hindu, que comprei a um vendedor de fruta na Índia. Era muito frágil, porque era gesso e eu não me apercebi – era oco – e podia-se partir com muita facilidade e andei o resto da viagem com ele na mão, dentro de um saco enorme, o que não deu jeito nenhum. E foi também um garrafão de vinho que comprei no interior da Hungria para beber com os amigos e como o vinho estava dentro de um garrafão de plástico, estava sempre a entornar: andava eu de comboio e estava sempre a pingar vinho, uma desgraça.

Disse que não levava a máquina fotográfica. O livro serve para, de certo modo, fotografar esses momentos que não… Eu escrevia muito e muitos dos textos no “Jalan Jalan” partem de notas que tomei nessa altura. Precisamente por não levar máquina fotográfica, às vezes anotava coisas para não me esquecer: coisas que poderia muito mais facilmente ter usado numa máquina. Mas anotei várias coisas – tinha vários blocos. Também porque escrever, tal como ler, são atividades que Cada vez que viaja, traz anéis fazemos sozinhos, mas não consigo. É uma forma de são atividades solitárias. Ou conseguir ter o mundo na seja, não sentimos a solidão quando estamos a escrever ou palma das mãos? [Risos] Eu já não faço isso, quando estamos a ler. Quando mas sim, antes fazia com muicontinua na página seguinte » ta frequência: trazia anéis e às titura que ele está a tocar, e no entanto as três são uma descrição do que está a acontecer, - daquele fenómeno -, mas todas elas completamente diferentes. E a arte é uma forma de olhar para o mundo completamente diferente da ciência, completamente diferente da religião. E elas vão-se complementando, encontrando os seus nichos, encontrando as suas maneiras de se confrontarem com o mundo e o explicarem de alguma maneira – e de certa forma de apaziguarem os nossos anseios.


46 • Correspondente • segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 •

CULTURA PAULA SOUSA COELHO

estamos realmente imersos no livro, concentrados, não sentimos isso… E como viajava muito sozinho, passava algum tempo a ler e a escrever também. Escreveu que “passear é o que fazemos para não chegar a um destino”. O objetivo do Afonso é levar os leitores a passear nas suas obras? No caso de “Jalan Jalan”, acima de tudo… Não é uma história, não é uma história com três atos: princípio, meio e fim. São fragmentos. Aliás, no final de cada texto – que pode ser um pequeno ensaio -, eu tenho relações com outros textos e nós podemos passear efetivamente no livro e podemos escolher um percurso completamente diferente. É um passeio pela leitura, pelo pensamento, pela geografia, mas que pode ser feito como bem entendemos, como quisermos. E nos outros? Na Enciclopédia também se pode passear: são livros que têm essas características. Mas os romances, em princípio, não: têm o tal “princípio, meio e fim” que se lermos de outra maneira qualquer, que não seja da primeira à última página, provavelmente vamos perder alguma coisa da história. “Viajar é ganhar experiência”, escreveu em “Jalan Jalan”. Alguma vez o escritor ganha experiência tal como Picasso diz ter acontecido consigo? Sim, com a escrita também: com tudo na vida. Porque acabamos por fazer um retorno ao sítio de onde partimos – que é importante por vários motivos. Os escritores – eu acho – aprendem também muito com a escrita por vários motivos. O mais básico é porque estruturam o próprio pensamento: escrever ajuda a estruturar aquilo para que não seja muito caótico depois quando transmitimos, quando o dizemos, e portanto ajuda-nos a pensar em termos do “como é que vou expôr esta ideia, este raciocínio? Como é que eu começo? Onde é que eu quero chegar?” e por aí fora. Por outro lado, dá-nos também uma capacidade de nos conhecermos melhor, porque

“Jalan Jalan: uma leitura do mundo” inclui fotografias de viagem tiradas pelo autor O livro retrata as viagens do autor a partir dos anos 90, sendo que trata também de algumas das suas memórias

à medida que vamos escrevendo vamos descobrindo coisas que não sabíamos: às vezes até pulsões que não sabíamos que tínhamos, outras vezes desejos que não sabíamos que existiam… Mas não é só isso. Quando temos uma história, normalmente elas têm antagonistas, têm heróis, obstáculos. Há medos, há uma série de frustrações que às vezes estão encarnados noutra pessoa: às vezes são personagens que são a antítese daquilo que nós achamos ser – há sempre uma ambiguidade naquilo que nós achamos que somos e aquilo que os outros acham que nós somos e por aí fora -, mas quando nós temos personagens que nós, por exemplo, detestamos e achamos que não têm nada a ver connosco, temos de os defender, na

O novo livro de Afonso Cruz é uma reunião de textos filosóficos, poéticos e pensamentos sobre a sociedade em que vivemos

isso – que não é normalmente a minha posição – com lógica, e uma lógica que me seduza a mim também e que eu possa compreender o lugar do outro. Neste caso foi uma senhora que diz: “não, o que eu gosto é do conforto, o conforto de ter o mesmo beijo todos os dias, o beijo de quem amo todos os dias, sentir-me bem” e ela termina o diálogo a dizer que uma pessoa só se sente feliz quando já não sente os sapatos nos pés. E esse conforto também é uma coisa desejável e todos nós o queremos: não gostamos de ser perturbados, por exemplo, nas rotinas, não queremos que mudem. Apesar de gostarmos da novidade e de eu defender esse lado, a verdade é que acabo por descobrir que gosto também do outro e defendo-o, porque é bom para mim. E, neste caso, não serve só para me conhecer a mim mas também para comverdade: têm que ser credíveis preender melhor as posições e para serem credíveis eles dos outros, que é, neste caso, não podem simplesmente ser uma posição antagónica àquemaus, eles têm de justificar a la que inicialmente eu teria. sua maldade. Temos de racionalizar aquilo que ele faz E tendo essa senhora um fie isso ajuda a compreender o lho com uma perspetiva tooutro. E às vezes não precisam talmente diferente da dela, é de ser maus, precisam apenas difícil o autor colocar-se nos de ser diferentes de nós e de- dois lados do espelho? Às vezes é muito complicafender determinadas coisas. Por exemplo, no “Jalan Jalan” do. Aliás, se fosse fácil o munfalo sobre o caso de ter sido do era muito mais pacífico um aluno de artes e sempre porque… nós compreenderívalorizar a novidade, o ser ori- amos com muito mais faciliginal, o confronto com o des- dade – compreendo o teu lado conhecido, a surpresa, o não e por aí fora. Normalmente ter medo de arriscar, sair do isso não acontece porque não lugar onde estamos e procurar há esse diálogo nem há essa novas visões do mundo, etc.. viagem em direção ao outro, E, por exemplo, no “Pintor portanto nós ficamos um pouDebaixo do Lava Louças” te- co calcificados no lugar onde nho uma senhora que defende estamos e somos incapazes de exatamente o contrário e eu perceber isso de outra perspetive que defender exatamente tiva diferente da nossa.


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48 • Correspondente • segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 •

CULTURA

Daniel Oliveira: “A escrita tem que ser escorreita, límpida e não um exercício narcísico de utilizar as palavras”

CÉSAR CASTRO

Lê-se na contracapa do novo livro que “as pessoas chegam à nossa vida com um propósito”. Qual é o teu propósito com este livro? O meu propósito é contar uma história bem contada e procurar refletir sobre este sentimento que é tão decisivo na vida de todos nós em termos individuais e em termos coletivos. Eu acredito que só o amor nos pode salvar no sentido em que o amor é sempre a resposta melhor para qualquer tipo de questão. O amor no sentido mais lato, naturalmente. O que é que sabe o Daniel Oliveira do amor? Eu sei a minha própria experiência. Cada um saberá a sua. O livro não pretende fazer nenhum juízo de valor sobre a questão. O amor é sempre diferente consoante a pessoa. Quem o teve em excesso verá o amor e senti-lo-á de uma maneira e quem o teve em défice de outra totalmente diferente.

Não há uma tabela que defina índices de amor. O que eu sei sobre o amor é a soma das minhas circunstâncias, é a soma das pessoas que eu conheci, o amor que me foi dado ao longo da vida por aqueles que me eram mais próximos. Todas essas questões acabam por influenciar a pessoa que nós somos. O que eu procurei no livro foi abrir uma janela para esse sentimento. Como explicas a boa recetividade que tem tido os teus livros? Fico para já muito grato. Um livro deve ser olhado como um objeto de entretenimento para as pessoas que os leem. Tenho essa preocupação: a de que um livro seja um objeto com o qual as pessoas passem um bom momento. A escrita tem quer ser escorreita, límpida e não um exercício narcísico de utilizar as palavras. As palavras estão ao serviço da história. Procuro que seja um objetivo de entretenimento. Acho que essa é uma das razões pelas quais os livros tem tido esse acolhimento por parte dos outros.

O programa [“Alta Definição”] conseguiu esse equilíbrio de ser relevante para um espetro muito aberto do público

LIVROS | Foi por ocasião do lançamento do seu livro “Sobre o Amor” que o Correspondente falou com Daniel Oliveira, que escreveu agora o seu terceiro romance

Quais são as principais diferenças entre o Daniel que é apresentador ou jornalista e o Daniel que escreve livros? Não sei se há muitas. O lado emocional que os programas têm, nomeadamente o “Alta Definição”, acaba por correr em paralelo com o tipo de abordagem que eu faço aos livros, que tem este lado mais reflexivo, mais emocional, em alguns casos. Acho que a entrega profissional, o empenho para que o produto seja o melhor possível é o mesmo. O livro é um desafio diferente no sentido em que a forma do público o receber é também diferente. A palavra dita é muito diferente da palavra escrita. Portanto, pensar nessas duas variáveis é, para mim, muito desafiante. Achas que consegues chegar a vários públicos? Com os livros essa história do público é diferente. Por outro lado, o Alta Definição é transversal, está sempre dependente, no melhor sentido do ter-


• segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 • Correspondente • 49

CULTURA DANIEL OLIVEIRA

Os melhores livros de 2017 segundo a Wook [1]

“Lincoln no Bardo” GEORGE SAUNDERS

[2]

“A Estranha Ordem das Coisas”

ANTÓNIO DAMÁSIO

[3]

mo, do convidado em questão - sempre. Há convidados que tem um acolhimento diferente do público mais novo que não tem o público mais velho. O programa ao longo destes anos conseguiu esse equilíbrio de ser relevante para um espectro muito aberto do público, independente da sua idade e do convidado que lá esteja. Mesmo que o convidado não diga assim tanto ao espectador, [este] acaba por sentir que vai retirar dali qualquer coisa, quer seja mais novo ou mais velho. O “Alta Definição” vai ser o programa da tua vida? Acho que sim. Já é. Tanto que tenho 36 anos e 20 a fazer televisão e espero que ainda haja muitos anos pela frente, mas acho que será sempre um marco muito importante. Mais de 8 anos no ar, são 400 programas. Tenho o orgulho de termos documentado um momento da vida artística do país durante o tempo que estivemos no ar, porque este registo que existe dessas pessoas é irrepetível. As pessoas con-

taram aqui partes biográficas que são muito relevantes. Tenho orgulho por esse trabalho que temos feito até aqui. Gostas mais de fazer perguntas ou de respondê-las? Gosto mais de fazer as perguntas. Quando preparo as perguntas, preparo muitas vezes as respostas, isto é, eu encaro a entrevista com esse jogo permanente entre entrevistado e entrevistador e, muitas vezes, pressuponho qual será a resposta a determinada pergunta e, com base nessa resposta, preparar dois ou três caminhos diferentes para seguir.

Daniel Oliveira explica que nas suas entrevistas são os entrevistados que conduzem a conversa

E quando a resposta não segue por nenhum dos caminhos que preparaste? O que nós adotamos no “Alta Definição” é ser sempre o convidado a conduzir a entrevista. Raramente são as perguntas a abrir as portas que nós queremos entrar. É sempre o convidado que dá acesso a esse espaço, por escolha própria.

“Os Loucos da Rua Mazur” JOÃO PINTO COELHO

[4] “A Estrada Subterrânea”

COLSON WHITEHEAD

[5] “Escrito na Água” PAULA HAWKING

[6] “O Deslumbre de Cecilia Fluss” JOÃO TORDO


50 • Correspondente • segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 •

CULTURA

Salvador Sobral distinguido com prémio europeu MÚSICA | Salvador Sobral, ganhou um European Border Breakers Awards, o prémio que distingue artistas europeus emergentes

BRUNA SOUSA

Salvador Sobral ganhou o prémio European Border Breakers Awards (EBBA), destinado à distinção de artistas emergentes que estão a ter sucesso na Europa. O anúncio foi dado na terça-feira por Luís Oliveira, durante o programa Manhãs das 3 da rádio Antena 3. Por razões de saúde, Salvador Sobral não pode estar presen-

te. A manager, Ana Paulo, representou o artista na rádio, onde também esteve presente Nuno Galopim, consultor do Festival da Canção. O prémio é atribuído todos os anos a dez artistas europeus e procura distinguir artistas que tenham alcançado o sucesso além-fronteiras- Este sucesso é medido pelas vendas, atuações na Europa, airplay e posição nos rankings dos European Border Breakers Charts.

Para serem candidatos aos prémios de 2018 os artistas tiveram que ser de um país integrante do programa Creative Europe da União Europeia. Trata-se de uma iniciativa da Comissão Europeia e da União Europeia de Radiodifusão. A cerimónia de entrega dos prémios está agendada para o dia 17 de janeiro, durante o festival de música Eurosonic Noorderslag. O evento destina-se ape-


• segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 • Correspondente • 51

CULTURA ANDRES PUTTING

A cerimónia acontece no próximo dia 17 de janeiro, na Holanda, mas Salvador ainda não confirmou a sua presença

nas a convidados, mas será gravado e transmitido em estações de TV públicas em toda a Europa. O festival, que decorre entre 17 e 20 de janeiro, em Groningen, na Holanda, vai contar com as atuações dos dez vencedores, nomeadamente Alice Merton da Alemanha, Skott da Suécia, Off Bloom da Dinamarca e Blanche da Bélgica, também eles vencedores do prémio EBBA deste ano. A presença de Salvador Sobral não está confirmada, dada a condição de saúde do artista. Em setembro, o cantor anunciou uma pausa na carreira por tempo indeterminado, devido a uma condição cardíaca grave. No último concerto o cantor de 27 anos afirmou: “Chegou, infelizmente, a altura de entregar o meu corpo à ciência e de me ausentar da vida de concertos e da música, em geral.” Os vencedores dos EBBA são também candidatos ao Public Choice Award, prémio atribuído pelo público, através de votação ‘online’, que decorre até ao Natal. O vencedor do Public Choice Award vai ser anunciado durante a cerimónia EBBA, no festival Eurosonic Noorderslag. Entre os vencedores dos prémios já estiveram nomes como Hozier (2015), Swedish House Mafia (2012), Adele e The Script (2009). Também os portugueses Amor Electro e Buraka Som Sistema venceram o prémio EBBA, em 2013 e 2010, respetivamente. A carreira de Salvador Sobral ganhou visibilidade após a sua participação e consequente vitória no Festival da Canção,transmitido pela RTP1. Posteriormente, em maio do ano passado, o reconhecimento a nível internacional começou a aumentar, não tivesse o cantor feito as delícias de todos aqueles que assistiam ao Festival Eurovisão da Canção, em Kiev. A 13 de maio de 2017, então, Salvador sagrou-se no primeiro português de todo o sempre a ganhar o festival da Eurovisão, com o tema “Amar pelos dois”, composto pela sua irmã, Luísa Sobral. Com uma pontuação nunca antes vista no concurso, o português conseguiu obter o reconhecimento tanto pelo voto do público como através da pontuação atribuída por júris profissionais de cada um dos países participantes. Antes, em 2016, Salvador tinha lançado o seu álbum de estreia, “Excuse me”. No ano passado, depois de ter ganho a Eurovisão, Salvador Sobral tornou-se vocalista do projeto “Alexander Search”, criado pelo pianista Júlio Resende: uma banda de rock eletrónico composta por cinco elementos que tem como base a poesia do heterónimo inglês de Fernando Pessoa.

Suzanne Cotter sai de Serralves para dirigir o Museu de Arte Moderna do Luxemburgo Contactada pelo Correspondente, a curadora não se mostrou disponível para prestar declarações MIGUEL ÂNGELO AFONSO

CÉSAR CASTRO

dram nos valores que interessam à instituição luxemburguesa que em 2006, Foi responsável pela direção do Mu- no seu ano de inauguração, bateu reseu de Arte Contemporânea de Serral- cordes em termos de visitas naquele ves, no Porto, durante os últimos cinco país, com mais de 115,000 visitantes. anos, mas agora está de saída. A partir Suzanne Cotter tem no seu currídeste mês, a curadora Suzanne Cot- culo mais de duas décadas de experiter assumirá a direção do Musée d’Art ência nas áreas de curadoria e gestão Moderne Grand-Duc Jean (Mudam), de instituições culturais. Antes de runo Luxemburgo. mar a Serralves recolhera a preferência Em comunicado publicado no site unânime de um júri de seleção constido museu luxemburguês, a grã-duque- tuído por Luís Braga da Cruz, Vicensa herdeira do Luxemburgo, Stéphanie te Todoli, ex-diretor de Serralves e da de Lannoy, responsável pelo conselho Tate Modern, em Londres, a curadora de administração, destacou as “altas italiana Ida Gianelli, o curador inglês qualidades” de Suzanne Cotter, subli- James Lingwood, além da então adminhando que “a clareza da sua visão, nistradora e atual presidente do Cona sua tremenda experiência, tanto na selho de Administração de Serralves, Europa como nos Estados Unidos, Ana Pinho, bem como Elisa Ferreira, bem como o seu reconhecimento in- representante do Estado na Fundação. ternacional são elementos que farão Nascida em Melbourne, na Ausdela uma excelente diretora”. trália, Suzanne Cotter vivia em Nova Também no mesmo documento é Iorque antes de se mudar para o Porpossível perceber que, apesar de ter to. Ao longo destes anos envolveu e entrado em funções já no início deste integrou de forma muito consistente mês, está previsto “um período de coo- na vida cultural e artística, não apenas peração temporária” entre as duas ins- da cidade, como do país. Em março de tituições. Tal deverá acontecer até ser 2010 começou a trabalhar com a Funconstituída a nova direção do Museu dação Solomon R. Guggenheim em de Serralves, que lançou um concurso Nova Iorque, como curadora do prointernacional, já em setembro do ano jeto Guggenheim Abu Dhabi. passado, com vista a o novo Diretor. . Formada em Ciências Aplicadas Ao jornal luxemburguês “Paper- pelo Instituto de Tecnologia de Quejam“, Laurent Loschetter, administra- ensland, na Austrália, Suzanne Cotter dor do Mudam, disse que a curadora licenciou-se depois em História de de dupla nacionalidade australiana e Arte em Melbourne. Em 1991 mubritânica era a “candidata ideal” e que dou-se para a Europa e fez cursos de o seu gosto por “trabalhar ao ar livre, História de Arte na École du Louvre, em parques e jardins” bem como o em Paris, e no Courtauld Institute, em “forte espírito de equipa” se enqua- Londres.


52 • Correspondente • segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 •

CULTURA MIGUEL ÂNGELO AFONSO

Parte da obra de Almada Negreiros está no Porto EXPOSIÇÃO | O Museu Soares dos Reis acolhe novamente uma exposição de renome, desta vez de Almada Negreiros MIGUEL ÂNGELO AFONSO

Mariana Pinto dos Santos é a curadora da exposição “José Almada Negreiros: Desenho em Movimento” e desde 2001 que investiga o espólio escrito de Almada Negreiros, sendo que desde 2012 faz o mesmo com a sua obra plástica. Trouxe consigo de Lisboa cerca de 90 obras do artista – algumas delas inéditas – com um “convite para agora olhar para elas através de um ponto de vista cinematográfico, no sentido de mostrar o quão esta linguagem foi importante para os artistas da modernidade”, refere. “Almada diz mesmo que ‘nós, os da ‘Orpheu’, estávamos profundamente atentos a tudo o que se estava a passar no cinema’”, cita a curadora. A representação das mulheres, como Greta Garbo no filme “O Beijo”, e representação de cortes de cabelo femininos curtos (os famosos cortes “a la

garçon”) espelham na perfeição esta ligação entre a arte de Almada e o cinema: o “retrato da vida quotidiana e de mulheres - sempre as mulheres, raramente os homens - desta sociedade, da vida mundana e da boémia. Coisas que vêm dos filmes mudos”, observa Mariana Pinto dos Santos. Mas não era nos filmes mudos que se encontrava a arte: a realidade era demasiado próxima daquilo que deveria ser ficção. A revolução cinematográfica É com a estreia de “A Branca de Neve”, em 1937, que Almada encontra a sua vocação artística pelo cinema: através do cinema de animação. “Foi o primeiro filme sonoro e a cores animado e, quando estreia, ele fica completamente extasiado e faz uma conferência de propósito em Lisboa”, explica Mariana Santos entusiasmada. “Ele tentou fazer filmes de animação por volta de 1913 – não sei até que

ponto é que a sua memória não lhe estará a pregar partidas, a recuar muito -, mas a verdade é que essa intenção existe e quando ele já está na fase final da sua vida, fica muito obcecado e chega a dizer que gostava muito de fazer um filme animado e abstrato geométrico”, completa. Sobre as aventuras cinematográficas do próprio autor, Mariana Santos relembra o conjunto de seis vidros originais que pela primeira vez vão estar expostos – visto que nem há assim tanto tempo que foram descobertos. Intitulados de “La Tragedia de Doña Ajada”, foram criados para uma obra coletiva “em lanterna mágica”: “era um espectáculo musical com componente visual, e ele é responsável por essa parte do espetáculo. Para isso, faz seis desenhos recortados em silhueta, como se fossem sombras chinesas e fotografa-os em placas de vidro. Pinta-os e projeta-os num aparelho de lanterna mágica que já era obsoleto”.

A obra completa, que junta os desenhos originais de Almada e a composição musical de Salvador Bacarisse, foi apresentada pela primeira vez em Madrid, em 1929. Agora, vai estar em projeção digital na exposição, enquanto que os vidros que lhe deram origem estarão em exposição. Embora a mostra se proponha a ampliar um dos (tantos) conceitos explorados na Gulbenkian, nesta exposição vão estar novidades apetecíveis, dentro das quais 64 desenhos que compõem uma história cinematográfica ilustrada, a que artista chamou “Naufrágio da Ínsula”, que conta a história do naufrágio ao largo da ínsula de Modelo, em 1934, em Viana do Castelo. Em estado de conclusão, Mariana Santos refere ainda outro elemento essencial na exposição: o texto; algum dele inédito também. “Todos os textos – há exceção de alguns – são do Almada. E são também aqui, pela primeira vez, mostrados. São uma compilação que mostra como o cinema esteve presente também na sua escrita e na sua reflexão sobre arte: e principalmente sobre o cinema de animação”. A exposição “José Almada Negreiros: Desenho em Movimento” vai estar patente no Porto até 18 de março deste ano. Os horários vão das 10 às 18 horas, de terça a domingo, sendo que neste dia as entradas são gratuitas até às 14 horas.


• segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 • Correspondente • 53

CULTURA

The World of SteveMcCury: um olhar intimista sobre o ser humano

Último Da Vinci leiloado por valor recorde

FOTOGRAFIA | Autor da famosa capa da “National Geographic” com a Menina Afegã expõe trabalhos na Alfândega do Porto

382 milhões de euros, foi

MIGUEL ÂNGELO AFONSO

o valor do remate final, em Nova Iorque BRUNA SOUSA

LEONOR GONÇALVES MIGUEL ÂNGELO AFONSO

Quando se entra no edifício da Alfândega do Porto, o cartaz da exposição de Steve McCurry salta logo à vista. No último piso do edifício, onde a retrospetiva do trabalho do fotógrafo norte-americano vai ficar patente até ao final do ano, encontramos as mais de 200 fotografias do norte-americano, autor da famosa capa da “National Geographic” com a “Menina Afegã”, de seu nome Sharbat Gula. O retrato da mesma menina, já mulher, que McCurry reencontrou anos mais tarde, também se encontra na exposição. Na entrada, encontramos fotografias ainda não publicadas, resultantes da sua primeira reportagem no Afeganistão em 1979/80, durante a invasão soviética, e que demonstram o pior e o melhor do ser humano. O lado religioso, o lado violento, o desespero, a descrença. Os trabalhos a preto e branco intensificam as cenas, os sentimentos, o momento, apesar de Steve McCurry o conseguir fazer noutros trabalhos coloridos. Passado o primeiro corredor, a desordem, os momentos, as cores e os olhos das pessoas representadas nas fotografias perseguem-nos. Lançamos uma vista panorâmica sobre todos os trabalhos: uns deles retratam problemas de outros tempos, outros atuais; e outros, através do passado, conse-

guem exercer um paralelismo mágico com a atualidade. Se por um lado, McCurry consegue captar a essência do ser através dos olhos, por outro a conjugação do ser humano com o cenário que o envolve chega a ser de cortar a respiração como a fotografia favorita do fotógrafo. Captada no Rajastão, na Índia, em 1983, durante uma forte tempestade de areia, o norte-americano fotografou um grupo de mulheres a tentar proteger-se. “Gosto de calcorrear as ruas e confiar simplesmente no que o meu olho capta”, diz o fotógrafo. Cores não faltam. Os retratos são todos singulares. McCurry já percorreu o mundo: do já citado Afeganistão à Índia e ao Sudoeste Asiático, passando por África, Cuba, Itália, Brasil. Captou o ataque ao World Trade Center, a partir do seu escritório, em 2001– e essas duas fotografias espelham bem o horror do momento -, captou a Guerra do Golfo (1990/91), o Japão pós-tsunami, em 2001, o drama das crianças-soldado e muitos outros momentos que fazem parte da história recente da humanidade. Com curadoria da italiana Biba Giaccheti, que trabalha com o fotógrafo há vinte anos, sendo produtora de várias dos seus trabalhos, esta mostra terá, no Porto, uma configuração diferente dos outros lugares por onde já passou, nomeadamente Itália (onde teve mais de um milhão de visitantes

no espaço de um ano) e Bruxelas. Em todas as paragens, a exposição é desenhada de acordo com a sala, mantendo o mesmo princípio: uma viagem intimista ao universo do fotógrafo que publicou mais de 30 livros de fotografia, com fotografias que convidam o visitante a criar o seu percurso de acordo com as suas emoções. The Wold of Steve McCurry está pela primeira vez em Portugal e depois da Invicta vai partir para o país vizinho, mais concretamente para Barcelona e Madrid. A exposição resulta de uma coprodução Civita Mostre, SudEst e Tempora. Com cenografia do arquiteto italiano Peter Botazzi, The World of Steve McCurry leva o público a mergulhar num percurso de imagens marcantes da história do mundo, exibidas em tela de tecido transparente. McCurry foi vencedor do Magazine Photographer of the Year, tendo sido considerado fotógrafo do ano pela National Press Photographers Association e pela Royal Photographic Society’s Centenary. Os dois primeiros prémios recebeu-os nos World Press Photo de 1985 e 1992. As entradas para adultos custam 11 euros e para crianças 7 euros, mas se for com a família (duas crianças incluídas) o grupo paga 32 euros. Nos dias úteis, pode visitar a exposição das 9h00 às 18h00, aos fins de semana e feriados das 10h00 às 19h00.

A pintura de Leonardo Da Vinci remonta ao ano de 1500 ,e foi arrematada na Venda de Noite de arte Pós-guerra e Contemporânea, pelo valor recorde de 450,3 milhões de dólares (382 milhões de euros). Disputada durante 19 minutos por 5 requerentes, a obra foi vendida a um comprador não identificado. Intitulado “Salvator Mundi” ou “Salvador do Mundo”, é um dos menos de 20 quadros existentes do mestre renascentista. Na pintura, está representado Cristo a segurar uma esfera celeste de cristal na mão esquerda e com a direita levantada em sinal de benção. “Esta é uma pintura da figura mais emblemática do mundo pelo artista mais importante de sempre”, disse Loic Gouzer, presidente do departamento de arte Pós-guerra e Contemporânea da Christie’s. “É uma honra ter a oportunidade única de trazer esta obra-prima para o mercado - uma oportunidade de uma vida. Apesar de ter sido criado há aproximadamente 500 anos, o trabalho de Da Vinci é tão influente para a arte de hoje como para a que foi criada nos séculos XV e XVI”, acrescentou Loic Gouzer. O quadro chegou a pertenceu à coleção real de Carlos I de Inglaterra, no decorrer do século XVII. Um século depois, em 1763, foi leiloado pelo filho do duque de Buckingham. Depois disso, o quadro desapareceu até ao Início do século XX, altura em que foi adquirido pelo colecionador britânico Sir Charles Robinson, que considerava que a obra seria da autoria de um dos muitos discípulo de Da Vinci. A obra foi novamente vendida em 1958 e adquirida em 2005 por uma empresa norte-americana de comerciantes de arte que pagou menos de 10 mil dólares (cerca de 8 426 euros). Encontrada danificada, a obra foi completamente restaurarada e posteriormente documentada e autenticada. A revelação pública aconteceu mais de seis anos depois de pesquisa meticulosa, em 2011, na National Gallery, em Londres, a propósito da exposição temporária Leonardo Da Vinci: Painter no Tribunal de Milão.


54 • Correspondente • segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 •

CULTURA

Paulo Pimenta: “Fotografar é o que eu mais gosto de fazer e o que respiro” FOTOGRAFIA | “Ilha” é uma compilação de imagens tiradas pelo fotojornalista Paulo Pimenta, por crianças da associação “O Meu Lugar é o Mundo” e seniores do Centro de Dia do Senhor do Bonfim, residentes em ilhas do Porto. É também o nome da nova exposição do Centro Português de Fotografia

MARGARIDA RIBEIRO MIGUEL ÂNGELO AFONSO

Um folheto dá o mote: “O que é estar dentro e estar fora de uma ilha? Como é viver num espaço onde as janelas se abrem para muros e as vidas se tecem em arquipélagos de corredores estreitos? Que memórias perduram inscritas nas pessoas e nas paredes das casas? Onde nos cruzamos nesta cidade feita nas ilhas”.

“Ilha” é uma exposição organizada pelo Centro Português de Fotografia e pela Rede Inducar, que se associou ao fotojornalista Paulo Pimenta, a cara da iniciativa. À conversa com Patrícia Costa, uma das formadoras da Rede, o projeto é desvendado passo a passo: “A Inducar é uma cooperativa na área da educação e formação e desenvolvemos diferentes projetos e iniciativas. Um deles


• segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 • Correspondente • 55

“O saber esperar. O saber esperar, porque hoje em dia as pessoas não esperam

é este, o Retratos das Ilhas, que teve início em janeiro de 2016. Financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian através da PARTIS (Práticas Artísticas para a Inclusão Social) “este é um projeto de dinamização comunitária que engloba o teatro e a fotografia e tem por objetivo o conhecimento das ilhas: falar sobre as ilhas do Porto, que ainda existem muitas, e sobre o que está nelas a acontecer, quem é que lá vive e o que é que ainda faz mover as ilhas do Porto”. Sobre a parceria artística com o fotojornalista, Patrícia Costa sublinha que “a Inducar é uma associação que trabalha na área da Educação, não tendo qualquer experiência na área artística”. “Portanto, tínhamos que nos ligar a quem podia efetivamente fazer este trabalho e o Paulo Pimenta e a PELE – cada um nas suas áreas [teatro e fotografia, respetivamente] – seriam as pessoas e as entidades fundamentais para depois desenvolvermos o projeto em conjunto”, refere Patrícia Costa. Paulo Pimenta, fotojornalista do Público há cerca de 20 anos, aceitou o convite em 2016, quando o projeto começou a ser construído em parceria com a Inducar e a ser talhado para os mais novos e os mais velhos – visto que não há barreiras etárias. “De um momento para o outro estavas à frente de 20 putos, todos eles tendo de ser organizados e disciplinados, porque nem todos têm a máquina, porque o rolo tem que ser dividido e porque era só para fotografar cinco momentos: portanto o rolo tinha que dar para quatro miúdos”, explica Paulo Pimenta que durante meses foi tutor de crianças e também de adultos. “O objetivo principal era mesmo o foco e a disciplina, porque vivemos numa era em que se vive ao segundo: toda a gente dispara, e vê-se mais pelo telemóvel do que se vê ao natural. E o analógico – a película – era um desafio para te obrigar também a pensar antes de disparares, porque sabias que só tinhas cinco momentos. E o saber esperar. O saber esperar, porque hoje em dia as pessoas não esperam”, observa. Isto tudo com crianças de idades compreendidas entre os sete e os 16 anos. Os cinco disparos de cada pequeno-fotógrafo foram posteriormente revelados em papel 10×15. Cada um podia escolher uma e sobre ela teve de escrever uma pequena memória. “Há histórias fantásticas das imagens que eles escolheram. Há uma que é: ‘eu fotografei a minha melhor amiga na porta, no sítio onde ela mora, porque de facto o mais importante para mim é ter o registo da minha melhor amiga’. Ou com os seniores, como aconteceu com uma senhora, que escolheu a imagem de uma praia, uma coisa que em 50 anos nunca fotografou. Uma

“Num dia destes,

se quiser memórias de determinadas coisas só tenho as fachadas

MIGUEL ÂNGELO AFONSO

das imagens mais emblemáticas para ela é a praia onde vai há 50 anos, onde já vai com a filha e depois vai com os netos – e regista isso. São coisas fantásticas e mágicas”. De tons cinzas com pretos e brancos a contrastar, o tom e as cores das fotografias foram pensados para provocar, uma vez que na idade do digital os tons neutros têm vida difícil: “é um bocado trabalhar isso: uns já viveram na altura do preto e branco, e depois há este lado dos miúdos viverem um mundo a preto e branco quando se vive todos os dias a cores com o telemóvel ou com outras coisas quaisquer”. A exposição reúne, assim, o trabalho do fotojornalista e o de muitos outros habitantes das ilhas do Porto, juntamente com vídeo e cenas de uma peça de teatro criada também no âmbito do projeto. “Há imagens que eu fico assim: ‘fogo, eu não fiz esta imagem’, mas estava lá a direcionar. Não há uma grande diferença, está tudo equilibrado: o meu trabalho, o trabalho dos miúdos e o dos seniores… E isso é muito bonito, porque de facto é sinal que a mensagem passou”, sublinha Paulo Pimenta. Sobre as ilhas, Paulo Pimenta relembra que noutra altura já tinha feito um outro trabalho relacionado com “situações de pobreza no limite” nestes espaços: “foi uma atitude de alerta, de denúncia, de usar a fotografia como mensagem para não se mudar o mundo, mas se calhar mudar uma vírgula – o que faz toda a diferença”. O objetivo da exposição “Ilha” passa então por discutir a questão na “praça pública”, uma vez que o assunto não diz só respeito aos moradores destes complexos habitacionais: “é um alerta geral para a cidade”, remata. “Num dia destes, se quiser memórias de determinadas coisas só tenho as fachadas. Quando vou de férias a países, eu também gosto de ver as ra-

CULTURA ízes e os sítios históricos que existem, não transformados em ‘gourmets’ ou em vendas de recordações, mas ir as sítios e beber um café num estabelecimento que ainda continua desde o início do século XX ou XIX. E isso aqui está-se a transformar cada vez mais: está a desaparecer essa história que temos no Porto e em Lisboa”, comenta o fotojornalista. Patrícia Costa adiciona ainda que no momento em que o projeto Inducar fez a sua candidatura à PARTIS, um estudo da Câmara do Porto indicava a existência de cerca de 957 ilhas, onde mais de 10 mil pessoas habitavam. Agora, refere que se o estudo voltasse a ser feito os “números seriam completamente diferentes, porque poderão existir o mesmo número de ilhas, mas talvez habitadas por turistas ou estrangeiros que vêm para o Porto”. Sobre o que ficou, Paulo Pimenta diz que as histórias o marcam sempre: “perceberes que com simples gestos, com simples atitudes, tu podes aprender e fazer com que os outros aprendam e vivam as coisas de um maneira diferente daquela que até ali tinham vivido – e vice-versa”. O fotojornalista assume a sua ligação emocional com as pessoas que todos os dias cruzam a sua lente: “fotografar é o que eu mais gosto de fazer e o que respiro”. “Dá-me essa coisa de ainda ter uma ferramenta que me faça utilizar ao máximo… Porque de facto nestas situações – principalmente nesta parte mais social – é óbvio que me ligo muito às pessoas, porque também estou ali a viver e porque estou ali a tentar ver se posso fazer alguma coisa por elas e por mim próprio.” “O fotojornalismo tem esta parte que é informar, denunciar, trabalhar e estar atento às coisas que estão a acontecer. E não é o fotojornalismo: são os fotógrafos, os jornalistas que têm a obrigação de estar atentos – é essa a minha obrigação: estar atento comigo próprio, com a sociedade, com aquilo que me incomoda, com aquilo que está a acontecer. Porque estás nesse meio – da notícia, do jornalismo -, e tens de continuar a lutar para que a tua utilidade seja importante em todos os casos, em todas as ocasiões. Estás a dar a notícia, está a fazer a reportagem, está a viver, a sentir… Tens a obrigação de mostrar”, conclui o fotojornalista. A exposição de fotografia, feita em “trabalho direto” com a associação O Meu Lugar no Mundo e o Centro Social do Bonfim (cada uma dedicada a duas faixas etárias diferentes), abriu ao público a 25 de novembro do ano passado e está patente até 25 de março. Pode ser visitada de forma gratuita consoante o horário disponibilizado pelo Centro Português de Fotografia.


56 • Correspondente • segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 •

CULTURA SOCIAL NEW XIZ

“Game of Thrones” não regressa este ano Sophie Turner, a atriz que interpreta Sansa Stark, confirmou que os fãs vão ter de esperar até 2019 MIGUEL ÂNGELO AFONSO

“The Post”: o filme de Spielberg que junta Meryl Streep e Tom Hanks CINEMA | “The Post” retrata a demanda do “The Washington Post” em publicar mentiras do governo americano sobre Guerra do Vietname MIGUEL ÂNGELO AFONSO

Foi durante o “Late Night with Stephen Colbert” que estreou o primeiro trailer do “The Post”, o novo filme de Steven Spielberg que pela primeira vez junta os oscarizados Meryll Streep e Tom Hanks. Baseado numa história verídica sobre jornalismo e o poder político, Spielberg leva-nos ao início dos anos 70. Streep, representa Katherine Graham, a editora do “The Washington Post” e a primeira mulher a atingir este cargo num jornal de referência norte-americano. Hanks, por outro lado, dá vida a Ben Bradlee, o editor executivo da publicação. Dispostos a sacrificar as suas carreiras (e vidas), os dois jornalistas iniciam uma odisseia na luta pela publicação de informações secretas sobre a Guerra do Vietname: os famosos Pentagon Papers, um relatório classificado sobre o envolvimento dos Estados Unidos

no Vietname. Richard Nixon, na altura presidente dos Estados Unidos, era o principal opositor à publicação do documento que revelava três décadas do envolvimento de quatro presidentes na Guerra do Vietname e outros segredos obscuros do Governo dos E.U.A. Entre outras informações, encontrava-se a mentira do ex-presidente Lyndon Johnson ao Congresso e aos cidadãos norte-americanos.

“The Post” estreia dia 28 deste mês em Portugal e é um nomeado provável da 90ª edição dos Óscares

O caso, ocorrido no ano de 1971, acabou por iniciar uma longa e dura batalha nos tribunais entre Nixon e a imprensa. Depois do escândalo “Watergate”, um ano depois, o presidente acabaria por renunciar ao poder. O elenco inclui também outras caras conhecidas do pequeno e grande ecrã, como Sarah Paulson (de American Horror Story), Carrie Coon (de Fargo e The Leftovers) e Bob Odenkirk (Fargo, The Office, Breaking Bad). Antecipando, e a tempo de contar para os Óscares, esta poderá ser mais uma oportunidade do trio voltar a estar nomeado para os prémios da Academia, sendo que Spielberg e Hanks já arrecadaram 2 estatuetas douradas cada um e Streep 3, tendo já batido o recorde com 19 indicações. O filme já estreou mundialmente, a 22 de dezembro, nos Estados Unidos, mas só dia 25 deste mês é que vai ser possível ao portugueses assisti-lo nas telas dos cinemas

Nada que não se suspeitasse: não vai haver “Game of Thrones” este ano. A informação foi avançada pela atriz Sophie Turner, que interpreta Sansa Stark, que em entrevista à Variety, depois de questionada acerca do seu entusiasmo quanto à estreia da oitava temporada de “Game of Thrones” e de “X-Men: Dark Phoenix”, respondeu que a série “estreia em 2019”. As gravações da última temporada iniciaram em outubro, sendo que a atriz refere que neste momento estão a “10 por cento do caminho que há para percorrer”. “Nós temos seis ou sete meses ainda pela frente”, revela. A verdade é que os criadores da série, David Benioff e Dan Weiss, já tinham dito à Entertainment Weekly que planeavam passar menos de um ano e meio a gravar a última temporada da série, pelo que as suas declarações em tudo batem certo com o que Sophie Turner vem agora dizer. Com Littlefinger fora de cena, e depois do desfecho deste personagem no último episódio da 7ª temporada, Sophie refere que Sansa terá novas ameaças com que se preocupar: “nesta temporada há uma nova ameaça, e de repente ela vê-se novamente no fundo do poço”. “Sem Littlefinger isto é um teste para ela própria, para ver se ela consegue superar a situação. Esta temporada é mais de batalha emocional do que de batalha política ou manipulativa”, desvenda Sophie Turner que tem marcado presença desde o primeiro episódio da série, em 2011. A série, essa, ainda mereceu destaque no final do ano passado por, pela sexta vez consecutiva, ser a série mais pirateada do ano, alcançando a marca recorde de um bilião de downloads ilegais, o que se traduz na visualização ilegal de cada episódio mais de 140 milhões de vezes, sendo que através dos canais legais cada capítulo teve apenas 32 milhões de espectadores.


• segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 • Correspondente • 57

CULTURA “Astérix & Obélix” com regresso marcado para 2020

CRÍTICA Novos talentos no Portugal Fashion

Strike: a adaptação A fórmula gasta de de JK. Rowling para Sam Smith e a o pequeno ecrã evolução por vir

COLEÇÃO BEATRIZ BETTENCOURT/ OLIMPIA DAVIDE

“STRIKE” JULIAN FARINO

“THE THRILL OF IT ALL” SAM SMITH

BEATRIZ MELO

LEONOR GONÇALVES

MIGUEL ÂNGELO AFONSO

O dia um do Portugal Fashion no Porto foi dedicado aos novos talentos da moda nacional. Diante da passerelle os jovens designers saídos das escolas dão a conhecer o seu recente trabalho. Uma franca oportunidade de contemplar o talento emergente do país. No Museu do Carro Elétrico destaque para as coleções de Beatriz Bettencourt e Olimpia Davide. A primeira jovem criadora impressiona pela coleção Perfect Strangers que explora o encontro entre dois estranhos e na forma como estes se adaptam um ao outro. Ao mesmo tempo, apresenta peças de diferentes texturas, padrões e épocas que se juntam e criam uma só. E é dessa forma que os estranhos se relacionam. Uma coleção bastante feminil e rebelde. A segunda jovem criadora exibiu uma coleção inspirada nas suas memórias e dos verões que passou com os seus avós. Fascinantes recordações que serviram de influência para as cores presentes nas roupas, como os amarelos e os dourados. As lembranças de infância de Olimpia Davide não passaram mesmo despercebidas e os tecidos e os materiais utilizados na coleção trazem à memória os padrões das peças de roupa usados pelos seus avós. Fechada a primeira noite de Portugal Fashion e de olhos postos no verão deste ano, os jovens designers deixaram antever uma estação quente mais desportiva e vibrante em comparação ao que tem acontecido nos últimos tempos.

“Strike” é a nova minissérie baseada nos livros policiais de JK Rowling, sob o pseudónimo Robert Galbraith. Ainda assim, não precisa de ter lido o primeiro livro da trilogia para assistir, uma vez que os detalhes importantes mantêm-se fieis ao romance desde a primeira cena. A história gira em torno de Cormoran Strike, um ex-soldado do exército militar britânico, que agora é um detetive que ganha a vida a seguir maridos infiéis. Até ao dia em que é contratado para um grande caso - investigar o que se pensa ter sido um suicídio de uma supermodelo. Tom Burke, que interpreta o detetive, não podia ter sido melhor escolha. Com uma prestação brilhante, consegue captar a essência de “Strike” com estilo e carisma, conjugado com uma extrema gentileza que faz esquecer as diferenças do detetive original e que o torna num personagem fascinante. A trama apresenta um ambiente que mistura o vintage com moderno, com um ar tipicamente inglês e misterioso, claro. Apesar da história se passar na atualidade, a sua estética torna-a quase atemporal. Com tais detalhes tão particulares, torna-se impossível de confundir esta com outra série policial. O enredo, que não é de tirar a respiração nem é particularmente original, é um mistério de entretenimento sólido e interessante que faz querer continuar a ver. Com um final imperfeito é compensado pela brilhante prestação do seu elenco.

Três anos. Foi o tempo necessário para Sam Smith amadurecer. Se no primeiro álbum, “In The Lonely Hour”, o cantor chorava e declamava todas as suas deceções amorosas, em “The Thrill of It All” encontramos um homem mais maduro e familiarizado com o coração partido. “Sei o que estás a pensar, que sou frio; mas estou apenas a proteger a minha inocência”, desabafa no primeiro single do álbum, “Too Good At Goodbyes” Num novo capítulo da sua vida e da sua carreira, o britânico invoca temas como as relações mais complicadas, a religião e a sua sexualidade, saindo, deste modo, da sua zona de conforto. Ainda assim, a sonoridadade das 14 faixas não é novidade. Com um arranjo bastante acústico de pianos e cordas, o peso das músicas remonta bastante ao já ouvido e agora retomado: se por um lado existem algumas músicas que fogem do melancólico e nostálgico, por certo que há outras que se prostam como se um melhoramento do anterior fosse - faixas essas que poderiam, na perfeição, ter estado incluídas na versão Deluxe do álbum anterior. Para além de um coro e de toda uma orquestra ao seu dispor, Smith destaca-se apenas neste novo álbum pelas melodias energéticas que o consomem, como é o caso de “One Last Song” e “Baby, You Make me Crazy”. Com uma fórmula gasta e reutilizada pelo próprio, Sam Smith veio à ribalta para mostrar evoluções. Contudo, serão estas suficientes?

A mais recente aventura de Astérix e Obélix para o grande ecrã já tem destino marcado: a China MIGUEL ÂNGELO AFONSO

Já estava com saudades das divertidas aventuras dos seus gauleses favoritos no grande ecrã? Pois bem, Astérix & Obélix vão regressar às telas com o seu quinto filme em live action. O seu próximo cenário será a China e a sua data de estreia – ao que a editora Albert René indica – está prevista para 2020, daqui a dois anos. A última vez que podemos assistir a um filme “real” desta dupla foi em 2012, com “Astérix & Obélix: Ao Serviço de Sua Majestade”, por terras inglesas. Anteriormente, os famosos gauleses já passaram por Roma, em “Astérix nos Jogos Olímpicos” (2008) e por Alexandria, em “Astérix & Obélix: Missão Cleópatra” (2002). O ponto de partida, contudo, deu-se em 1999, com o lançamento do primeiro filme em live-action desta dupla, em “Astérix & Obélix: Contra César”. Citada pelo “Le Figaro“, a editora Albert René revelou que “esta história original levará os nossos gauleses irredutíveis para terras nunca antes exploradas: a China”. A verdade é que em 37 bandas desenhadas já criadas, este nunca foi um cenário utilizado para as peripécias de Astérix e Obélix. Ainda assim, se está à espera de ver Obélix a ser representado pelo ator francês Gérard Depardieu, é melhor não criar expectativas, uma vez que ainda não existem nem atores confirmados nem realizadores apontados. A escolha da China – lê-se no “AlloCiné” – prende-se por este ser um país onde o mercado é grande e com vastas potencialidades de lucro. Por agora, fica a promessa de um quinto filme para 2020, mas se as saudades estiverem mesmo a apertar, relembre-se que no mês de outubro do ano passado saiu nas livrarias o novo livro com a última aventura: “Astérix e a Transitálica”.


58 • Correspondente • segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 •

DESPORTO

Fedal: uma das maiores rivalidades no mundo desportivo TÉNIS | Os duelos Federer-Nadal, Nadal-Federer ou ‘Fedal’, como lhe chamam, é uma das rivalidades mais conhecidas e considerada por muitos como a maior da história do ténis, elevando o patamar da modalidade a outro nível, considerada equivalente ao Real Madrid-FC Barcelona, LA Lakers-Boston Celtics, Ronaldo-Messi, entre outros LEONOR GONÇALVES MIGUEL ÂNGELO AFONSO

I M SE NAL FI S FI EM NA I L

I M SE NAL I F

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Roger Federer. 36 anos, originário da Suíça, profissionalizado no ano de 1998, número 2 no ranking mundial. Rafael Nadal. 31 anos, de nacionalidade espanhola, profissionalizado em 2011, número 1 no ranking mundial do ténis. Regressemos a outubro de 2016. A terminar mais cedo as suas temporadas, os destinos de ambos os jogadores de ténis pareciam estar traçados - se bem que por razões distintas. Federer, que até hoje já conseguiu alcançar 95 títulos, parou devido a uma cirurgia no joelho esquerdo e devido a dores de costas, ficando de fora do top 10 pela primeira vez desde 2002. Nadal, por outro lado, acabou por se lesionar no pulso, obrigando o jogador

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2014

LEGENDA Roland Garros

Terra Batida

Wimbledon

Relva

Open Australia

Sintético

Roger Federer

Rafael Nadal

Fontes: atpworldtour.com, rogerfederer.com, rafaelnadal.com

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FINAL

O suiço melhorou a sua pancada esquerda, o que fez com que tivesse um grande avanço quanto ao adversário espanhol

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2017

Apesar dos vários problemas médicos, Federer e Nadal tiveram um dos melhores anos das suas carreiras, ganhando os quatro Grand Slams

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L

de 30 anos, na altura, a retirar-se em pleno Roland Garros não alcançando, assim, a ronda dos quartos de final de um Grand Slam pela primeira vez desde 2004. “Nem o Roger, nem eu esquecemos como se joga ténis”, alertava Nadal em outubro de 2016, quando as duas lendas inauguravam a academia do espanhol, no que para muitos era visto como uma retirada de ambos às competições do mundo do ténis. Se por um lado muito se especulava que Federer e Nadal poderiam dar como terminadas as suas carreiras devido à idade e às lesões, por outro a recuperação rápida e inesperada fez com que os atletas regressassem rapidamente aos cortes e se defrontassem por algumas vezes. Assim sendo, em 2017 renascia uma das maiores rivalidades da história do desporto. Federer e Nadal voltaram a dominar o circuito e foram os protagonistas da temporada. Ambos acabaram com a seca dos títulos e sagraram-se campeões depois de já não vencerem um Grand Slam há algum tempo. Federer não ganhava um desde 2012 e o espanhol desde junho de 2014, nas grandes competições. Ganharam os quatro Grand Slams da temporada - dois cada um - e terminaram o ano na frente do ranking mundial, com Nadal número 1 e Federer número 2. Foi a primeira vez desde 2010 que os protagonistas da maior rivalidade da história do tênis dividiram os quatro Grand Slams do ano. Depois de recuperarem das lesões e antes do Open Austrália, o ranking confirmava que o espanhol Nadal ocupava o número 9 e o suíço Federer o número 17 do top. Depois de uma final disputada entre os dois, Federer acabou por ganhar por 6-4, 3-6, 6-1,


• segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 • Correspondente • 59

DESPORTO Durante o ano passado, Roger Federer foi premiado pela BBC, pela Gazzetta Dello Sport e pela ATP O espanhol Rafael Nadal foi distinguido pela Federação Internacional de Ténis Ambos os jogadores receberam o título de “Melhor Atleta do Mundo 2017”, do jornal francês “L’Équipe”

3-6, 6-3, numa partida que durou mais de três horas e meia: uma final que valeu ao suíço estender o seu recorde histórico para 18 títulos de Grand Slams. Posteriormente, Federer teve mais três vitórias sobre Nadal em Indian Wells, Miami e Shanghai - todos sem perder um set. A grande razão para esta reviravolta foi Federer ter melhorado a sua pancada de esquerda, que impedia Nadal de usar as suas técnicas de destabilização do adversário. Em junho, Nadal venceu Roland Garros pela décima vez. Roger Federer, por outro lado, ausentou-se desta competição, uma vez que renunciou à temporada de terra batida para se preparar para a segunda metade do ano. Deste modo, o adversário espanhol aproveitou a ausência do suíço e tornou-se invencível neste tipo de campo, conquistando ainda os títulos de Monte Carlo, Barcelona e Madrid. Em julho, de volta aos campos, Federer venceu o Wimbledon, o seu oitavo título da competição - que lhe valeu mais um recorde. Federer adotou uma estratégia baseada em limitar o número de jogos e aparições, ganhando praticamente tudo o que disputou: seis troféus no total, incluindo o Masters 1000 de Xangai, onde derrotou Nadal pela quinta vez consecutiva. Já em setembro, Nadal ganhou o último Grand Slam do ano: o Open dos

23

61% das vitórias

Estados Unidos. Além da ATP, Nadal e Federer foram responsáveis por uma das imagens do ano quando competiram, em dupla, na Laver Cup, um novo torneio de exibição, em que comandaram a equipa europeia na vitória sobre a seleção do mundo. Com problemas no joelho, Nadal desistiu de disputar o Masters 1000 de Londres. Federer, grande favorito, foi surpreendido pelo belga David Goffin nas semifinais. Quem ficou com o troféu foi o búlgaro Grigor Dimitrov, um penetra na festa das lendas em 2017, que acabou por levar a melhor perante o atleta espanhol. No que diz respeito aos prémios individuais divulgados pelos principais veículos mediáticos da Europa, Roger Federer foi eleito o desportista do ano pela BBC, pela Gazzetta Dello Sport e foi ainda distinguido nos prémios ATP, em três categorias: Retorno do Ano, Prêmio Stefan Edberg de Desportividade e Favorito dos Fãs. Já Rafael Nadal foi eleito pela Federação Internacional de Ténis como melhor tenista individual. Já o jornal francês L’Équipe, elegeu os dois tenistas como os Melhores Atletas do Mundo 2017. Ao longo do tempo já se defrontaram 38 vezes, sendo que a primeira foi em 2004, aquando do Masters de Miami.

VS

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Idade

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2001

Profissionalização

1998

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Posição no Ranking Mundial

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75 (6 em 2017)

Títulos

95 (7 em 2017)

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Jogos Ganhos/Perdidos durante a Carreira

1132/250

80 069 700 €

Prémio de carreira

94 711 700 €

Fontes: atpworldtour.com, rogerfederer.com, rafaelnadal.com

As finais entre Roger Federer e Rafael Nadal continuam a ser as mais esperadas, batendo recordes de audiências por todo o mundo. Os dois tenistas já anunciaram o calendário para a temporada 2018, com foco nas defesas de títulos. Nadal já tem definido os principais torneios que irá disputar. A temporada oficial do espanhol começa atrasada devido a problemas no joelho. Por isso, deve estrear-se no primeiro Grand Slam da temporada, em Melbourne, onde defende o vice-campeonato. Federer, com o Open da Austrália em mente, vai iniciar a temporada na Taça Hopman, uma competição de equipas mistas, em Perth, na Austrália. No ano passado, Federer escolheu a Copa Hopman como preparação para Melbourne, depois de seis meses de recuperação devido a uma cirurgia no joelho. Fica agora a curiosidade de como será a época de 2018, pois vão enfrentar um contexto totalmente diferente, podendo Federer e Nadal ter algumas dificuldades em repetir os feitos de 2017, uma vez que no ano passado Djokovic e Murray, duas peças importantes, mal jogaram. Nishikori, Raonic e Wawrinka também tiveram problemas no decorrer dos anos, o que facilitou, em parte, o percurso feito no ano que passou.


60 • Correspondente • segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 •

DESPORTO NEWS HUB ARCHIVE

Roger Federer vence prémio de Desportista Suíço do Ano pela 7ª vez na sua carreira O tenista foi considerado o Desportista Suíço do Ano, nos Prémios de Desporto atribuídos pela Credit Suisse LEONOR GONÇALVES

Andy Murray anuncia que vai falhar o Open da Austrália OPEN DA AUSTRÁLIA | Antigo “número um” vai desistir do Open da Austrália devido a uma lesão na anca direita LEONOR GONÇALVES

O tenista Andy Murray, de 30 anos, que está ausente do circuito ATP desde julho - altura do Wimbledon anunciou que vai desistir do Open da Austrália 2018, por ainda não ter recuperado de uma lesão na anca direita. O britânico chegou a viajar para a Austrália, mas voltou a sentir dores. “Infelizmente não vou jogar em Melbourne este ano, porque ainda não estou suficientemente preparado para competir”, declarou Murray em comunicado, durante a terça passada. “Espero poder voltar a jogar em breve”, acrescentou o britânico, adiantando ainda que está a estudar “todas as opções” para tratar a lesão e voltar aos campos o mais rapidamente possível. A organização já confirmou que o tenista, finalista do Open da Austrália por cinco vezes- nos anos de 2010, 2011, 2013, 2015, 2016 -, não vai participar no primeiro Grand Slam da épo-

ca, que se inicia já no próximo dia 15 de janeiro. Murray já tinha anunciado anteriormente que ia falhar a ATP 250 de Brisbane, torneio onde iria iniciar a temporada. Depois da decisão, o tenista deixou uma mensagem no seu Instagram onde falou na possibilidade de se submeter a uma cirurgia para corrigir o problema, que não garante sucesso total. Desde julho, quando começou a sentir a lesão, o britânico optou por um tratamento conservador. “Fui aconselhado a tratar de forma cautelosa a minha anca e tenho feito os possíveis para voltar a competir. Treinei com alguns jogadores de topo em Brisbane e infelizmente as coisas não correram como eu queria. A operação é uma das opções, mas as possibilidades de que o resultado seja bom não são assim tão grandes quanto isso, pelo que essa se mantém como uma opção alternativa, uma vez que tem riscos”. Desde o Wimbledon, Murray só re-

alizou duas partidas — e foram de exibição. Uma foi contra Roger Federer, em novembro do ano passado, outra quando substituiu Novak Djokovic contra Roberto Bautista Agut, 22º classificado do ranking, em Abu Dhabi. O jogo foi de apenas um set, e Andy Murray perdeu 2-6. Antes disso, o tenista, que de momento se encontra no 16º lugar do ranking ATP, devido à ausência prolongada, tinha tentado participar no US Open em agosto do ano passado, mas viu-se obrigado a abandonar a competição dois dias antes do início do torneio por razões semelhantes às agora indicadas. Andy Murray desiste poucas horas depois de o japonês Kei Nishikori também ter anunciado que não vai participar na prova devido a lesão no pulso. Novak Djokovic e Rafael Nadal, também com problemas físicos, tentam estar prontos para participar no primeiro Grand Slam do ano.

Roger Federer, atual número 2 do ranking ATP, estava sem vencer o prémio desde 2014. O suíço sucede ao ciclista Fabian Cancellara na lista de vencedores, depois de uma temporada onde venceu dois títulos de Grand Slam – o do Open da Austrália e o Wimbledon - e depois de conquistar três Masters 1000. O tenista de 36 anos, conquista o prémio de Desportista Suíço do Ano de 2017 pela sétima vez na carreira, tendo 36,8% dos votos, superando o ciclista Nino Schurter e o esquiador Beat Feuz, que receberam, respectivamente, 25,6% e 15,5% dos votos. O suíço já tinha sido homenageado em 2003, 2004, 2006, 2007, 2012 e 2014. Na temporada de 2015, Stan Wawrinka recebeu a distinção. O suiço, não compareceu ao evento de entrega do prémio, mas enviou um vídeo de agradecimento. “Estou muito honrado por este prémio e compartilho-o com toda a minha equipa. Eu não estaria aqui sem eles”, declarou nesse mesmo vídeo. Além de Roger Federer, também Severin Luthi foi um dos vencedores da noite, ao levar para casa o prémio de melhor treinador suíço do ano. No lado feminino, Martina Hingis estava nomeada, mas o prémio acabou por ser atribuido à esquiadora Wendy Holdener. As distinções são entregues pela Credit Suisse que distingue anualmente o melhor atleta masculino e feminino, o melhor treinador, o/a melhor paralímpico/paralímpica, a melhor equipa, o melhor recém-chegado e o prémio de honra. Tudo made in Switzerland.


• segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 • Correspondente • 61

DESPORTO Nadal vence US Open e conquista o 16º título do Grand Slam

Roger Federer conquista Masters 1000 de Xangai

US OPEN | Nadal venceu o sul-africano Kevin Anderson, numa partida que demorou duas horas e vinte e sete minutos e que deu ao espanhol a terceira vitória em Nova Iorque O tenista suíço ABBIE PARR/GETTY IMAGES

derrotou o espanhol Rafael Nadal durante a final, na China LEONOR GONÇALVES

LEONOR GONÇALVES

Rafael Nadal precisou apenas de três sets para vencer Kevin Anderson, na final do US Open, na Arthur Ashe, em Nova Iorque. O sul-africano, que disputou pela primeira vez uma final do Grand Slam, não teve armas suficientes para travar o espanhol que dominou por completo e venceu com parciais de 6-3, 6-3 e 6-4, numa partida que durou 2 horas e 27 minutos. “Foram duas semanas muito especiais e um ano inacreditável, depois de ter passado por muitos problemas por causa das lesões. Agradeço as oportunidades que a vida me deu”, afirmou Rafael Nadal, ainda me pleno ‘court’ Arthur Ashe. O atleta espanhol mostrou-se satisfeito por ter podido voltar a jogar a “alto nível” e afirmou que, em termos de torneios do Grand Slam, não poderia ter terminado a época de “melhor maneira”, num torneio que lhe trás

“muita energia”. A partida começou equilibrada, com Anderson a demonstrar um ótimo serviço, mas ansioso para fechar os pontos, cometendo vários erros. Já o espanhol, em momento algum teve o seu serviço ameaçado, fechando quase de imediato o primeiro set. Nadal continuou a pressionar o adversário, mas Anderson começou a arriscar, subindo à rede mais vezes na tentativa de fechar os pontos mais rapidamente, mas acabou por não ser suficiente e o espanhol acabou por vencer, também, o segundo set. No terceiro, o sul-africano sofreu uma quebra no serviço. Apesar de algumas boas jogadas, estas não chegaram para ameaçar Nadal, que manteve um brilhante desempenho - o que acabou por o levar à vitória. O maiorquino impediu que o sul-africano, atual 32º do ranking, conseguisse um único ponto de break e só uma vez o deixou chegar perto de

uma vantagem sobre si: precisamente quando serviu para fechar o encontro, sendo que Anderson conseguiu vencer três pontos no mesmo jogo. “Rafa, és um ídolo para mim e mostraste hoje o porquê de seres um dos maiores. Não é o resultado que eu gostaria, mas espero voltar”, prometeu o sul-africano aquando da cerimônia de premiação. O número 1 do ranking mundial, de 31 anos, reforça assim a sua posição na liderança do ranking ATP, numa época em que já conseguiu atingir a 10ª vitória no Roland Garros, perante Wawrinka, que arrasou (6-2, 6-3 e 6-1) Na relva de Wimbledon, Nadal levou o troféu duas vezes, em 2008 e 2010, e sofreu três derrotas em finais: duas perante Federer, em 2006 e 2007, e outra perante Djokovic, em 2011. Rafael Nadal chega, assim, aos impressionantes 16 títulos do Grand Slam: o terceiro em Nova Iorque, onde já venceu no ano de 2010 e 2013.

Roger Federer, número 2 do ranking ATP, conquistou o Masters 1000 de Xangai, na China, ao derrotar Rafael Nadal, na final, em dois sets. O suíço assegurou o seu sexto título da temporada, em mais um episódio de rivalidade entre os dois tenistas, com uma vitória mais fácil do que era esperado, acabando por conseguir o feito através de um avanço com parciais de 6-4 e 6-3, em apenas 1 hora e 12 minutos da partida. No jogo, Federer esteve sempre por cima, conseguindo, assim, chegar ao seu 27º título em masters 1000. O suíço foi para campo com um jogo de ténis agressivo e afinado, demonstrando-se demasiado forte para um Nadal pouco assertivo e de joelho ligado, o que acabou por o tornar mais lento durante a disputa. Este foi o terceiro Masters 1000, do ano passado, para o suíço de 36 anos, que venceu este torneio pela segunda vez na carreira, depois de o ter feito em 2014. Foi também a quarta vitória do suíço sobre o espanhol em 2017, depois das finais do Australian Open, de Miami e ainda dos oitavos-de-final em Indian Wells. Este já é o 94º título da carreira de Federer, o que o faz igualar, deste modo, a Ivan Lendl como segundo jogador com mais títulos da história do ténis masculino. No primeiro lugar deste ranking, encontra-se o americano Jimmy Connors, com 109 títulos. John McEnroe, com 77, e Nadal, com 75, fecham o top-5. PUBLICIDADE


62 • Correspondente • segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 •

DESPORTO EFE l YOAN VALAT

Federer e Nadal: o “Melhor Atleta do Ano”, segundo o “L’Équipe” Sim, leu bem. O jornal francês distinguiu os dois atletas com o prémio de “Melhor Atleta do Ano” LEONOR GONÇALVES

Seleção Francesa conquista Taça Davis pela décima vez TAÇA DAVIS | Seleção francesa conquista troféu depois da vitória frente aos belgas LEONOR GONÇALVES

Os gauleses conquistaram a Taça Davis, depois de Lucas Pouille, de 23 anos, vencer o belga Steve Darcis, com parciais de 6-3, 6-1 e 6-0, no quinto e decisivo jogo da final, em Lille. A vitória estava complicada o que obrigou a que a decisão se fizesse no quinto e decisivo duelo da final que durou 1 hora e 34 minutos. Depois de David Goffin vencer Jo-Wilfried Tsonga no primeiro encontro, fazendo o 2-2, a final ficou relançada e a França estava obrigada a vencer. Lucas Pouille, que fez a sua estreia em encontros decisivos da Taça Davis, foi superior ao belga Steve Darcis que tem sido, nos últimos anos, um dos homens-chave da sua seleção nacional, sendo que até esta partida nunca tinha perdido um quinto e decisivo encontro na competição. O francês, número 18 no ranking mundial, entrou com a máxima força

logo no primeiro ponto. Aproveitando o segundo jogo do encontro para fazer o break. Pouille foi, aos poucos, construindo uma liderança que se viria a revelar irrecuperável para o lado belga. A jogar a um nível muito superior ao seu adversário, foi uma questão de tempo até se adiantar na segunda partida, logo ao terceiro jogo. Confiante e com o apoio do público, Pouille domi-

A França, assim como a Grã-Bretanha, é o terceiro país com mais títulos na taça Davis, apenas atrás dos Estados Unidos e da Austrália

nou o segundo set, colocando os gauleses a apenas um set da vitória. O bom desempenho do francês manteve-se no terceiro set, com 6 jogos sem resposta, dando a vitória aos franceses. A França conquistou, assim, a Taça Davis pela 10ª vez. A primeira foi em 2001, quando venceu a Austrália na final por 3-2. Com a vitória, os gauleses colocam assim um ponto final na série de três derrotas (2002, 2010, 2014) em finais da principal competição de seleções de ténis. Quanto à equipa belga: volta a perder a oportunidade de vencer a maior competição por equipas, depois de em 2015 ter sido derrotada pela Grã-Bretanha de Andy Murray, por 1-3. França iguala, deste modo, a Grã-Bretanha na lista de nações com mais títulos na Taça Davis, apenas atrás dos Estados Unidos, em primeiro, com 32 títulos, e da Austrália, em segundo, com 28 títulos.

O jornal francês “L’Équipe” decidiu dividir o prémio de Melhor Atleta de 2017 entre Ferder e Nadal, como reconhecimento de um ano e percurso de de excelência. O anúncio foi feito pelo próprio jornal, que teve 18 páginas na sua versão impressa, com entrevistas exclusivas aos dois atletas. Federer e Nadal foram escolhidos através da votação realizada pelos jornalistas do conceituado jornal. Segundo explica o “L’Équipe”, ambos não tiveram o mesmo número de votos, mas devido aos “seus excelentes resultados em 2017” o jornal optou por juntá-los e atribuir o prémio aos dois, dividindo, assim, os louros entre os tenistas. Foram considerados os “campeões dos campeões”, depois de voltarem a dominar o circuito masculino, tendo vencido, entre eles, os quatro títulos do Grand Slam: Federer levou para casa o troféu do Open da Austrália e o Wimbledon, e Nadal acabou por vencer o Roland Garros e o US Open. Também terminaram o ano nas posições mais altas da tabela classificativa do ranking ATP, com o 2º e 1º lugar, respetivamente. O título de “Melhor Atleta do Ano” é atribuído desde 1975, e visa eleger o melhor desportista do ano a nível mundial. De acordo com o “L’Équipe”, a premiação dividida não é novidade, mas é algo que não costuma acontecer. A única vez foi em 1991, com Guy Forget e Henri Leconte, campeões da Taça Davis naquele ano. Federer vence o prémio pela quarta vez, depois de 2004, 2005 e 2006. Nadal, por sua vez, foi homenageado em 2010 e 2013. Do lado feminino, a distinção foi para a nadadora norte-americana Katie Ledecky, que juntou seis medalhas.


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64 • Correspondente • segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 •

DESPORTO RAFAEL MARCHANTE

Itália diz adeus ao Mundial 2018 após empate 0-0 com os suecos Itália não foi capaz de bater a Suécia e fica, assim, fora do mundial pela primeira vez em 60 anos LEONOR GONÇALVES

Portugal vence Arábia Saudita por três bolas SELEÇÃO | O jogo marcou o início de dois confrontos de preparação para o mundial e de carácter solidário LEONOR GONÇALVES

Portugal venceu a Arábia Saudita por 3-0, no Estádio do Fontelo, no distrito de Viseu. A partida marcou o início de dois jogos de preparação para o mundial, que possuem também um cariz solidário, uma vez que todas as receitas arrecadadas revertem na totalidade para ajudar na reconstrução de casas destruídas pelos incêndios do verão passado. Numa convocatória marcada por muitas mexidas, os habituais eleitos ficaram de fora para os encontros com a Arábia Saudita e os Estados Unidos. O selecionador nacional, Fernando Santos, deixou de fora os craques Cristiano Ronaldo, João Moutinho e Rui Patrício, convocando Manuel Fernandes, Rúben Neves, Kevin Rodrigues e Rony Lopes. Fernando Santos aproveitou o jogo para lançar jogadores menos utilizados e trazer para a equipa principal algumas estreias.

Fernando Santos fez experiências no campo: a partida marcou-se pela convocatória de jogadores menos utilizados e por algumas estreias

Na baliza, Anthony Lopes manteve-se titular, com Pepe e Luís Neto na dupla de centrais e com João Cancelo no lado direito. Portugal demonstrou-se dominante, com Manuel Fernandes em destaque nas tentativas de remate à baliza adversária, abrindo o marcador ainda na primeira parte. O jogador regressou aos relvados depois de estar afastado da seleção desde 2012. No segundo tempo, Portugal continuou a dominar com os restantes golos marcados por Gonçalo Guedes, numa jogada de entendimento entre Ricardo Pereira e Bernardo Silva. João Mário, fechou o marcador, com um remate colocado nos últimos minutos da partida. Segundo a nota da Federação Portuguesa de Futebol, o confrontou foi «o jogo de futebol mais visto de 2017 na televisão portuguesa. O encontro foi visto por 2,6 milhões de portugueses, no conjunto da audiência média dos três canais (RTP1, SIC e TVI)”.

A seleção italiana empatou 0-0 no jogo contra os suecos, na segunda mão dos play-offs. A Suécia conseguiu aproveitar a vantagem que trazia de casa depois da vitória por 1-0, com o golo de Jakob Johansson, no jogo da primeira mão contra o mesmoo oponente. Este resultado coloca, assim, a Suécia no Mundial 2018, chutando Itália para fora de jogo. Pela primeira vez em 60 anos, o país não participa no mundial. Desde 1958 que os italianos não falhavam uma fase final de um Mundial - competição que nesse ano se disputou na Suécia. Além desse, só tinham falhado em 1930, no primeiro mundial, no Uruguai. O afastamento do mundial acontece num jogo que marca a despedida da “Squadra Azzurra”, de Gianluigi Buffon, que anunciou a sua saída em lágrimas, no final do jogo. Além de Buffon, este também foi o último jogo de Chiellini, Barzagli e De Rossi com a camisola da seleção. Esta também foi a semana em que Andrea Pirlo, campeão do mundo com a seleção italiana em 2006, anunciou o fim da carreira. A Itália, quatro vezes campeã do Campeonato do Mundo (nos anos de 1934, 1938, 1982 e 2006), quebra, desta forma, uma série de 14 participações consecutivas em fases finais de campeonatos do mundo. A seleção italiana não tem passado por um bom período, sendo que, nos dois últimos Mundiais, África do Sul e Brasil, não consegui passar da fase de grupos. Com este resultado, a Suécia alcança a sua 12.ª presença na prova, depois de falhar as edições de 2010 e 2014. Os outros grandes ausentes são os Estados Unidos (participavam há 7 mundiais consecutivos), a Holanda (presente nos três últimos mundiais), a Costa do Marfim e Ghana (também estiveram nos útimos três mundiais). Quanto a estreantes, o Mundial da Rússia recebe o Panamá e a Islândia.


• segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 • Correspondente • 65

DESPORTO PAULO CUNHA/LUSA

Abrigos para embriagados durante o Mundial 2018 Governador de São Petersburgo tenciona recriar casas da era soviética para recolher embriagados MIGUEL ÂNGELO AFONSO

Portugal empata com os Estados Unidos SELEÇÃO | Fernando Santos voltou a fazer experiências na equipa com mais três estreias absolutas em campo LEONOR GONÇALVES

A seleção nacional cumpriu em Leiria o segundo de dois compromissos internacionais de preparação para o mundial. Depois da vitória a 3-0 sobre a Arábia Saudita a seleção das “quinas” empatou a uma bola com a seleção norte-americana. Portugal ficou em desvantagem logo nos primeiros 21 minutos, com McKennie, que se estreou na seleção, a inaugurar o marcador. Aos 10 minutos, Fernando Santos foi obrigado substituir Pepe por Luís Neto. O defesa central do Besiktas lesionou-se na perna direita e saiu do relvado a coxear, passando a braçadeira de capitão para Danilo. A dupla no eixo defensivo passou a ser composta por Neto e Ricardo Ferreira Ainda na primeira parte, aos 31 minutos, Antunes, num cruzamento lateral, trouxe a igualdade para a seleção nacional, com a ajuda de um erro do

guarda-redes norte-americano: Horvath não conseguiu segurar a bola acabando esta por lhe passar por entre as pernas. Ricardo Ferreira foi titular, em estreia absoluta. O defesa central do Sporting de Braga, foi a grande novidade no onze. Também Gonçalo Paciência e Rony Lopes, que entraram na segunda parte, fizeram o primeiro jogo pela seleção principal. Fernando Santos fez regressar também Beto e Antunes. No segundo tempo, os Estados Unidos entraram melhor no jogo e tiveram pelo menos três grandes oportunidades para se colocarem em vantagem, brilhando então o guarda-redes Beto, que ainda viu uma bola embater na barra. Depois disso, a equipa das quinas equilibrou e Gonçalo Paciência (um dos estreantes da noite) atirou mesmo uma bola à barra. Portugal volta, assim, a não vencer os Estados Unidos: sendo que é o 4º

jogo em que isso acontece. A equipa norte-americana, que não conseguiu o apuramento para o mundial deste ano, não traz boas recordações à seleção nacional: em 2002, fizeram a “equipa das quinas” regressar a casa mais cedo, no campeonato do mundo que se disputou na Coreia do Sul e no Japão, e o mesmo aconteceu no Mundial de 2014, no Brasil. O jogo com os Estados Unidos foi o último da seleção nacional em 2017. Assim como o jogo frente à Arábia Saudita, o confronto com a equipa norte-americana esteve dentro da campanha “jogos solidários”, que pretendeu angariar fundos para a reconstrução de casas de famílias afetadas pelos incêndios: fundos esses que foram conseguidos através de donativos feitos via telefone, pelo valor dos bilhetes vendidos para os jogos e por os donativos feitos por várias empresas contactadas pela Federação Portuguesa de Futebol para esse efeito.

São Pertersburgo vai reviver um pouco a época soviética durante o Mundial 2018: pelo menos no que toca à construção de casas usadas para recolher transeuntes embriagados. O anúncio foi feito por Gueorgui Poltavchenko, o Governador de São Petersburgo, que ficou responsável pela criação de um “mecanismo legal que crie esses locais, que possam funcionar não como hospitais, mas de forma independente”, tal como informou a administração local. A questão surgiu após a observação de um procurador-adjunto de cidade, aquando de uma reunião sobre o tráfico de álcool, visto que o consumo de bebidas alcoólicas é “um problema mais atual nas vésperas do Mundial”. “Precisamos criar instituições independentes para onde possamos trazer essas pessoas. Vamos encontrar recursos para isso”, disse Poltavchenko, citado pela imprensa russa. As casas usadas para recolher pessoas embriagadas que andavam pela cidade foi uma realidade durante a era soviética. Com má reputação na altura, estas casas eram numerosas nas grandes cidades e proporcionavam tanto ajuda médica como um ambiente onde as pessoas poderiam pernoitar até ficarem sóbrias. Depois da queda da União Soviética, os estabelecimentos foram encerrando progressivamente, até 2011, quando todos os estabelecimentos desapareceram por completo. Atualmente, a lei russa dita que todos os embriagados encontrados na rua deverão ser transportados para o hospital ou para uma esquadra. A preparação para o Mundial 2018 na Rússia vai-se delineando. São Petersburgo recebe sete jogos (uma meia final e um jogo de atribuição do terceiro e do quarto lugar) num evento que decorre entre 14 de junho a 15 de julho.


66 • Correspondente • segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 •

DESPORTO FC Porto vai defrontar o Liverpool nos oitavos de final da Champions

RTP

O sorteio dos oitavos de final ditou: o Porto defronta o Liverpool nesta etapa da Liga dos Campeões, destacando-se como a única equipa portuguesa da competição LEONOR GONÇALVES

Os dragões, únicos representantes portugueses na Liga dos Campeões, jogam a primeira mão em casa. A segunda vai ser jogada em Liverpool, na Anfield Road, já nos oitavos de final. Nos restantes jogos, destaque para os grandes embates entre Real Madrid-PSG, Chelsea-Barcelona e Juventus-Tottenham. Ao Shakhtar, de Paulo Fonseca, calhou Roma, a equipa cabeça de série teoricamente mais acessível. E o Besiktas, de Quaresma e Pepe vai defrontar o Bayern de Munique. Os jogos da primeira mão dos ‘oitavos’ da Champions estão agendados para 13/14 e 20/21 de fevereiro e os das segundas para 6/7 e 13/14 de março.

Sorteio dos oitavos-de-final Juventus – Tottenham Hotspur: 13 de fevereiro e 7 de março Basileia – Manchester City: 13 de fevereiro e 7 de março Porto – Liverpool: 14 de fevereiro e 6 de março Sevilha – Manchester United: 21 de fevereiro e 14 de março Real Madrid – Paris: 14 de fevereiro e 6 de março Shakhtar Donetsk – Roma: 21 de fevereiro e 13 de março Chelsea – Barcelona: 20 de fevereiro e 14 de março Bayern Munique – Beşiktaş: 20 de fevereiro e 14 de março

Porto e Gaia fora do percurso do Red Bull Air Race AVIAÇÃO | Contudo, o presidente da Câmara Municipal de Gaia garante que as negociações ainda estão a decorrer MIGUEL ÂNGELO AFONSO

Oito anos depois, o Red Bull Air Race regressou no verão passado ao Douro, conseguindo reunir nas suas margens mais de 850 mil pessoas, tanto do lado do Porto como do lado de Vila Nova de Gaia. Para este ano, contudo, a organização do evento deixa Portugal fora do campeonato mundial de aviação desportiva. As declarações foram feitas por parte da organização do evento internacionalmente reconhecido. Confrontado com as declarações dos promotores, o presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia considera que seja “prematuro” reagir a esta informação. Eduardo Vítor Rodrigues refere ainda que o processo negocial sobre a possibilidade do regresso do Red Bull Air Race em 2018 está “em curso e não encerrado”. Em 2017, durante a apresentação pública do circuito mundial desse

mesmo ano, Erich Wolf, diretor geral da Red Bull Air Race, admitiu que podia regressar a terras lusas noutros anos se fosse “convidado”. Meses depois, preparados todos os processos logísticos pela Câmara do Porto e pela Câmara de Vila Nova de Gaia, Rui Moreira assegurou que a candidatura estava “aprovada”, ficando acordado que “cada uma das autarquias” pagasse “225 mil euros” para a realização conjunta do evento. Na mesma ocasião, o presidente da Câmara de Gaia destacou a “verdadeira parceria estratégica” colocada em prática para a realização do evento em Portugal. Durante o evento e em declarações à Lusa, o ministro da Economia afirmou que o Governa veria “com bons olhos” a continuação do campeonato em Portugal. “É um esforço que o Governo central, as autarquias, os patrocinadores todos têm de fazer para que estes eventos continuem, mesmo requeren-

do um grande esforço de organização e de apoio financeiro”, referiu Manuel Caldeira Cabral à Lusa. Mesmo não regressando a Portugal, o título de Campeão do Mundo de 2018 arranca no próximo dia 2 e 3 de fevereiro, na capital dos Emirados Árabes Unidos, Abu Dhabi, seguindo-se a etapa em Cannes, França, nos dias 21 e 22 de abril. Depois, em maio, podemos assistir à terceira etapa da época numa outra localização europeia (ainda por anunciar) e depois o evento voa para Budapeste, na Hungria, onde vai dar que falar entre os dias 23 e 24 de junho. Dia 25 e 26 desse mesmo mês, segue-se uma viagem até à Ásia, numa localização ainda por revelar, e depois dá-se o regresso a Kazan, na Rússia. Já em outubro, a próxima etapa terá lugar em Indianapólis, nos Estados Unidos, e a final será disputada em novembro, na Ásia, também numa localização ainda a confirmar.


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68 • Correspondente • segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 •

OPINIÃO

Forma saloia de visibilidade pública

A resiliência da rádio

EDITORIAL

A hora do jantar é sempre imprópria para comentários televisivos, especialmente aqueles pejados com o mesmo conteúdo de uma conversa de café. Isto porque ultimamente o comentário televisivo tem-se resumido, no fundo, apenas a uma forma saloia de visibilidade pública e o que nos choca é que sejam as televisões a albergar muitas vezes estes comentadores de sarjeta, enobrecidos de cargos, que já perceberam que, para serem notícia, precisam de proferir umas (admire-se!) intencionais boçalidades. Mais do que comentarem a sua própria ignorância, esses vultos instantâneos servem apenas para espalhar pela televisão o seu ego despudorado e ignóbil. Já para não falar que são um verdadeiro produto dos seus partidos ou clubes, onde rege, sem

surpresa, a matreirice e o “carneirismo”. De absurda que é a argumentação que usam, têm, raras as vezes, o mérito de tocar na ferida. E isso é, deveras, preocupante. Mas o que esperar de um universo de opinion makers que vive da irracionalidade da bola ou do servilismo político? Zero. E depois é ver os media a procurarem racionalizar estes opinadores de excelência em vez de desmontarem os seus argumentos falaciosos de treinadores de bancada. É assim necessário que não fosse deixado espaço à mínima dúvida de que o “saloísmo” e a “tosquice” no discurso público é sempre intolerável e condenável. Mas o que é certo é que estas subcelebridades do comentário televisivo podem contar sempre com um microfone na lapela para poderem dizer umas alarvidades. E aí talvez esse já seja um problema dos media.

REDATORES Beatriz Melo, Bruna Sousa,

O Estatuto Editorial do Correspondente

César Castro, Leonor Gonçalves, Margarida

encontra-se disponível em:

Ribeiro, Miguel Ângelo Afonso

https://labs.mil.up.pt/blogs/correspondente/

REDAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E SERVIÇOS COMERCIAIS Praça Coronel Pacheco, nº 15,

estatutoeditorial/ IMPRESSÃO Martins e Irmão Rua da Conceição 31, Porto

4050-453 Porto

Telefone: 22 200 2004

E-MAIL GERAL correspondente.online17@

DISTRIBUIÇÃO VASP TIRAGEM 7 exemplares

gmail.com

LUÍS BONIXE

Causa algum espanto que hoje as rádios produzam vídeos, disponibilizem fotogalerias ou façam diretos através do Facebook. A rádio é som e pensar em algo diferente há uns anos atrás seria simplesmente absurdo. Mas, tal como outros meios de comunicação, a rádio foi obrigada a reinventar-se uma vez mais. Agora a motivação já não é a ameaça da televisão, como décadas antes. No século XXI, a reinvenção da rádio passou (ou passa ainda) pela introdução de uma expressividade que não está no seu código genético. A rádio é

“A rádio procura manter-se viva num ecossistema mediático dominado pela imagem. [Mas] continuamos a escutá-la. À velha rádio

CÉSAR CASTRO

som. Mas, ainda que ele continue lá e tenha um papel relevante na produção dos conteúdos, já não é possível conceber uma empresa de radiodifusão sem que esta esteja também presente nas redes sociais, produza conteúdos em vídeo, interaja em permanência com os seus ouvintes. Mas, para lá chegar, a rádio passou por um processo de transição interessante que tem implicado a modificação de perfis dos seus profissionais, de rotinas e modos de produção. A cobertura jornalística na rádio de um grande acontecimento já não fica circunscrita à sua emissão sonora. Ela coexiste com uma abordagem multimédia e multiplataforma. Mas, para que isso possa acontecer, é necessária a apropriação destes modelos por parte de todos os profissionais, incluindo, e sobretudo, os jornalistas. Apesar de frequentemente apontada como um meio esquecido, a rádio procura manter-se viva num ecossistema mediático dominado pela imagem. E, sem termos dado conta, olhamos para os números que nos dizem que a rádio continua resiliente. Continuamos a escutá-la. À velha rádio que agora combinamos com novos modelos, como seja o podcast. E este é o principal desafio para o jornalismo radiofónico: combinar a competência, a narrativa e o discurso sonoro com a multiplicidade que caracteriza o ambiente digital. Sem perder o rigor, a exigência e seguir aquilo que o jornalismo dita, enquanto forma de conhecimento do mundo. Professor de Ciências da Comunicação no Instituto Politécnico de Portalegre


• segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 • Correspondente • 69

OPINIÃO

Desafios do jornalismo

“ Gerou-se, por

parte do público, uma atitude de desconfiança generalizada em relação ao que é difundido, ou, pelo contrário, uma crença cega em tudo o que é possível aceder através do browser

Uma das linhas condutoras do aparecimento do jornalismo é a sua função de divulgação de ideias. Os primeiros periódicos foram postos ao serviço das monarquias, quer pelas informações veiculadas, quer pelo efeito da censura. As gazetas, subsidiadas pela coroa, serviram este modelo e moldaram a opinião pública pensante, as elites. Outros tipos de jornais com outros objetivos foram surgindo, mas esta perspetiva de difusão de ideias, políticas ou outras continuou a ser dominante, mesmo depois do fim das monarquias absolutas. Na ascensão e afirmação do liberalismo político, os jornalistas foram militantes de causas e viam-se a si e aos jornais como instrumentos políticos. Aliás, foi neste contexto que o jornalismo foi definido com o 4º estado, no sentido de mais um poder que vigiava o que faziam os políticos no parlamento britânico. Contudo, o publicismo do século XIX não deixou de ser direcionado tendencialmente para as classes mais favorecidas ou pelo menos letradas. A industrialização da imprensa e o triunfo da vida urbana e da sociedade de massas alterou este paradigma. Os jornais alteraram-se nos conteúdos e no discurso. Os factos, as notícias dos acontecimentos do quotidiano passaram a ser dominantes e a agradar a públicos mais amplos e com níveis de cultura muitos distintos. A linguagem simplificou-se, os relatos melodramáticos conquistaram audiências e a imagem veio ilustrar dramas, tragédias, acidentes. O jornalismo de elites não desapareceu, mas adaptou-se aos

novos tempos e a factualidade como elemento integrador da notícia passou a ser o novo referencial informativo. Contudo, a relação entre o facto e a objetividade como prática ética e profissional teria ainda um longo caminho a percorrer. No sistema noticioso ocidental, o jornalismo serviria o modelo da pro-

paganda em várias circunstâncias, sendo a I Guerra Mundial um exemplo do uso da imprensa na manipulação da opinião pública. Durante o século XX, o jornalismo ocidental viveu duas guerras mundiais, a ameaça dos sistemas censórios e teve ainda de distancia-se da publicidade. Neste processo evolutivo ganhou prestígio e configurou-se, nas democracias ocidentais, como o verdadeiro whatchdog da sociedade, denunciando o que estava errado e escondido. Este caminho garantiu a construção de um vínculo de confiança da opinião pública, que se habitou a ver os media como um dos pilares fundamentais da cidadania. Nos tempos atuais, a expressão “crise do jornalismo” tem vindo a ser usada em diferentes circunstâncias e já de há algum tempo a esta parte. Inicialmente, esta crise decorreu dos processos de renovação tecnológica, entre outros fatores, com grande impacto sobre a economia de empresas de media. A crise levou ao fecho de jornais, rádios e TVs e o jornalismo ressentiu-se desta contração. Por outro lado, a revolução digital aumentou consideravelmente o volume de informação e a forma como se consomem as notícias, o que agravou ainda mais a economia das empresas. Em tempos mais recentes, a crise passa também pelo abalar do elemento essencial da atividade noticiosa, a credibilidade. Sendo a internet um campo aberto, onde circula todo o tipo de informação, gerou-se, por parte do público uma atitude de desconfiança generalizada em relação ao que é difundido ou, pelo contrário, uma crença cega em tudo em que é possível

“Recuperando o actual slogan do The Washignton Post “Democracy dies in darkness

HELENA LIMA

aceder através do browser. “Sites de notícias”, bloggers, redes sociais, tudo contribui para a instalação de um sistema informativo caótico e que descredibiliza a notícia na sua essência, a remissão para a factualidade. É essencial que o jornalismo recupere o crédito de tempos anteriores, independentemente das plataformas onde a notícia seja difundida. A validação da informação, da remissão para a fonte, o equilíbrio e a mediação têm de ser uma garantia de que os media noticiosos vão recuperar a função de whatchdogging a que nos habituaram, para salvaguarda das sociedades democráticas. O aparecimento de vários projetos a nível mundial, para a implementação do fact-checking são passos decisivos nesse caminho. Recuperando o atual slogan do “The Washington Post”, “democracy dies in darkness”. Diretora de Curso de Mestrado em Ciências da Comunicação da Faculdade de Letras da Universidade do Porto


70 • Correspondente • segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 •

OPINIÃO

Um país em greve

Snowden que estás na Rússia

BRUNA SOUSA

MARGARIDA RIBEIRO

Ó mar salgado, quanto do teu sal são greves em Portugal. Agora qualquer motivo de desagrado se tornou desculpa para uma greve. Não é que eu discorde. Eu, a quem sempre disseram que dava uma boa sindicalista. Mas também não posso crer que a solução para tudo é fazer gazeta e ir para a rua com cartazes e altifalantes. Ora, 2017 foi definitivamente o ano das greves. Professores, médicos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico, correios, trabalhadores de super e hipermercados, pilotos, funcionários da Fnac e até alunos de uma escola de dança. Há quem reclame aumentos salariais, menos horas de serviço, progressão na carreira ou melhores condições de trabalho. Dizem os dados da Pordata que em 1986 foram registadas 363 greves, valor que se revela insignificante se comparado com os dados de 2016, que revelam que trinta anos depois foram apenas 76 as greves registadas, o que denota claramente a inércia que se viveu ao nível da contestação social. Tratou-se de um dos anos com menos greves em Portugal, ainda que os dados não incluam a Administração Pública.

No caso dos professores, cuja luta da classe parece não ter fim, admito que tenho compaixão pelo facto de muitos ficarem deslocados - aliás deslocadíssimos - da área onde residem. Certamente que com um bocadinho de jeito e esforço por parte do ministério se podiam identificar possíveis permutas. Sim, porque não faltarão casos de professores de Lisboa colocados no Porto e vice-versa. Bom senso da parte do Governo seria útil neste caso. O direito à vida pessoal parece-me também fazer todo o sentido, até porque antes de sermos trabalhadores somos todos seres humanos - e disso os patrões nem sempre se lembram. Aliás, muitos até se esquecem. Disso e do facto do comum mortal poder ter filhos e usufruir de alguns dias na companhia do novo rebento. Mas se me falarem em greves contra avaliação do desempenho, aí o caso muda de figura. Acho que só quem tem o “rabo caçado” se opõe a ser avaliado. Se assim não fosse, não havia tantos a fugir a sete pés quando se toca no assunto avaliação. Não digo que seja necessário implementá-la em todos os setores, mas há profissões em que faz sentido, pelo menos de alguns em alguns anos, averiguar se a profissão está a ser dignamente cumprida. Reivindicar direitos parece-me bem, mas há que ter noção daquilo por que estamos a reclamar. Eu, que sempre trabalhei ao negro, nunca pude exigir grande coisa, mas talvez daqui a uns anos, já empregada, a minha visão seja outra e eu queira sair à rua e contestar por tudo e por nada também.

Certamente os valores obtidos durante o ano de 2017, que ainda não foram divulgados, estarão bem acima dos registados há um ano atrás. E agora eu questiono-me: estaremos nós a remar na direção certa? Bem, pelo menos já vamos à luta. Sim, porque cruzar os braços e esperar sentado não muda nada. Além disso, contestar nunca fez mal a ninguém, mas creio ser urgente tomar o pulso ao que deve ou não ser Jornalista pretexto para ir à luta.

com a Rússia, mas com o fim do seu mandato e com a entrada de Donald Trump a relação dos Estados Unidos e da Rússia mudou. Aliás, começaram desde cedo a estreitar relações de amizade recíproca. Passado um ano de mandato de Trump será que a Rússia vai continuar a ceder o exilio político a Snowden? Até fico surpreendida por ainda o continuar a fazer. Apesar de ainda não se ter concluído se Snowden é um herói ou traidor uma coisa é certa: ele conseguiu trazer este assunto ao de cima. Com a sua intervenção conseguiu influenciar as pessoas, empresas e até o próprio governo que, entretanto, aprovou novas legislações para protegeção dos americanos. Para bem ou para mal, Snowden vai ser lembrado como uma das personalidades do século XXI. A última questão que se coloca é como é que o Presidente dos Estados Unidos, seja ele quem for, vai ser encarado se perdoar Snowden? Por um lado, se perdoar, vai se destacar pela compreensão e pela humanidade. Mas vai ser como estar a assumir que os Estados Unidos cometeram um erro ao considerar Snowden um criminoso. Se Obama, um ser muito mais racional que Trump, não perdoou Snowden, algum Presidente no presente ou no futuro o fará? O mais provável é que o governo de uma das maiores potências do mundo não queira assumir um erro desta dimensão. Obama foi a última oportunidade que Snowden teve para voltar a casa. Snowden que estás na Rússia por mais quanto tempo aí ficaras?

Surgem, desde 2013, várias petições que pedem ao Presidente dos Estados Unidos o perdão de Snowden. Algumas conseguem chegar à Casa Branca, mas até hoje as respostas foram sempre negativas. A última tentativa foi submetida em janeiro de 2017. Mas a questão que permanece no ar é: Snowden é um traidor ou um herói? Snowden expôs em 2013 as várias violações de privacidade que o governo americano comete não só nos Estados Unidos, como por todo o mundo. Estas violações eram utilizadas para monitorizar o país e os seus inimigos. Snowden sempre se assumiu um patriota, sempre quis trabalhar para o governo americano e defender o seu país. Chegou até a cumprir serviço militar. Como é que um homem como estes se tornou um “whistleblower”? Para ele, revelar estas informações foi uma maneira de defender os cidadãos do seu país e, por isso, muita gente o considera um dos heróis da idade contemporânea. Snowden já afirmou que, apesar de querer voltar para casa, nunca irá pedir desculpa por dizer a verdade. Por outro lado, é um dos homens mais procurados do mundo e o governo quer que ele volte ao país para ser julgado pelos seus “crimes”. Depois de revelar todas estas informações a uma equipa de jornalistas, foi obrigado a fugir para um dos países “inimigos” dos Estados Unidos, a Rússia. Putin cedeu o exilio político a Snowden, provavelmente como uma forma de se afirmar e quase provocar o governo americano. Obama nunca cultivou uma relação muito positiva Jornalista


• segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 • Correspondente • 71

OPINIÃO

Warriors e Cavaliers: final predestinada?

MIGUEL FERREIRA

Menções honrosas: Apesar de estes serem as três maiores ameaças aos Cavs, não é de esquecer os Milwaukee Bucks e os Detroit Pistons, ainda que as suas chances sejam diminutas. E a oeste, quem abana os Warriors? A concorrência é mais forte no lado oposto da Liga, com os Houston Rockets a afirmarem-se como fortes candidatos a vencer a conferência e a liga. A adição de Chris Paul ao poder de fogo de Harden e de um fortíssimo grupo de jogadores, transforma o conjunto de cariz ofensivo de Mike D’Antoni numa ameaça. Não é de descurar a constelação de estrelas de Oklahoma. Os Thunder acrescentaram a Westbrook, MVP da NBA na época passada, os all-stars Carmelo Anthony e Paul George. A construção deste conjunto de craques implicou abdicar da profunidade no plantel, algo que o conjunto de OKC pode vir a pagar. Popovich e os Spurs nunca podem ser esquecidos. A equipa texana conta com Kawhi Leonard e um plantel bastante equilibrado, além de praticar um basquetebol sempre atrativo. Menções honrosas: Os Timberwolves têm um conjunto jovem que vai causar, a seu tempo, problemas na NBA. Cousins e Davis demonstram demasiada inconstância e problemas para tornarem os Pelicans num sério candidato a chegar longe nos playoffs. Apesar de a probabilidade ser grande de vermos um “round” 4 das finais entre Cleveland e Golden State, uma pré-época atribulada abala um pouco a situação dos dois grandes candidatos ao título.

As casas de apostas e os especialistas não têm dúvidas. O mundo do basquetebol americano parece estar dominado pelos dois colossos: Warriors, na conferência oeste, e Cavaliers, a este. Mas quem são as equipas capazes de surpreender e abalar o panorama da NBA, destronando os finalistas das últimas três edições da competição? Vamos começar a Este. Lebron James e companhia parecem ser os candidatos mais que sérios à vitória na conferência e a maior ameaça ao título dos Warriors. No entanto, não podemos esquecer alguns dos underdogs capazes de abalar o panorama a este. A primeira equipa a mencionar são os Boston Celtics. A histórica equipa americana é um gigante adormecido, e está a apenas umas peças de distância de se tornar um sério candidato devido ao trabalho de Danny Ainge, diretor desportivo da equipa, que trouxe Kyrie Irving para o conjunto de Brad Stevens, e que construiu, aos poucos, uma jovem e talentosa equipa com base no Draft. Outra equipa a destacar são os Washington Wizards. O conjunto da capital, apoiado em John Wall e Bradley Beal, continua a crescer de ano para ano, estando cada vez mais perto de uma final de conferência. O único entrave prende-se com a instabilidade das estrelas de Scott Brooks. Por fim, mencionar os Toronto Raptors. Os canadianos já prometem há várias temporadas, no entanto nunca conseguiram alcançar a final da NBA. O cenário já foi mais propício, mas as possibilidades ainda estão em aberto para os homens de Dwane Casey. Escreve à segunda

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segunda-feira, 8 de janeiro de 2018 •

CARTOON

0123O5678TLMNPQS97 ILUSTRAÇÃO DE JOSÉ ANTÓNIO FUNDO

https://labs.mil.up.pt/ blogs/correspondente/

As pernas e a boca abrem-nas quem quer

BRUNA SOUSA

Eu, que sempre fui um bocado maria rapaz, muitas vezes fui repreendida pela senhora minha mãe para não me sentar de pernas abertas, especialmente quando a indumentária incluía uma saia ou um vestidinho. Mas mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Já mulher feita e com mais noção do poder que trago entre as pernas, fonte da vida, comecei a preferir sentar-me como uma dama que se preze. Não é que em situações de amena cavaqueira ou

de maior descontração não aconteça um deslize e dê por mim de pernas abertas, mas por norma opto por cruzá-las. Atenção, nada contra quem abre as pernas. A moral vitoriana considerava a abertura de 45 cm necessária à prática do violoncelo uma afronta à feminilidade. Assim, até ao século XIX, as mulheres não se atreviam a tocar violoncelo. Ver uma mulher tocar flauta ou outro instrumento de sopro pareciam também ideias mirabolantes à luz da época, pois dizem por aí as más línguas que boca e pernas abertas eram o símbolo da tentação O único instrumento que na altura parecia adequado era o piano, por ser o único adequado à postura recatada que devia pautar o comportamento da mulher. Nos últimos tempos várias celebridades iniciaram um movimento feminista nas redes sociais que intenta revolucionar o olhar perante o womanspreading. A moda começou com a publicação no

Instagram de fotos de pernas abertas com a hashtag #womanspreading. As figuras públicas deram o mote e o ato foi assistido por mulheres de todo o mundo. O objetivo é quebrar tabus. O comportamento é tao comum entre os homens que em 2015 a Oxford adicionou ao dicionário a palavra manspreading, termo que designa a posição tipicamente masculina de estar sentado de pernas abertas, especialmente nos transportes públicos, sem a mínima preocupação relativamente ao espaço ocupado. A hashtag #manspreading procura alertar para a falta de civismo e para a invasão do espaço alheio, que, convenhamos, não é propriamente agradável. E não nos venham com desculpas em relação aos apertos ou desapertos do material. A situação causa repulsa a tantos de nós que já há países em que os transportes públicos possuem sinalização a alertar para o manspreading, praticado maioritariamente

por homens. Ora, as madames decidiram responder na mesma moeda, embora com uma intenção bastante diferente. Ao utilizar a hashtag #womanspreading o objetivo é desconstruir convenções sociais algo inúteis. A verdade é que em pleno século XXI a sociedade não tem que distinguir comportamentos femininos de masculinos. Poupem-nos a repreensões. Abrir as pernas quando e onde quiser, na minha cabeça, são direitos. Cada uma faz do corpo o que quiser e a meu ver criar-se um movimento deste género só revela que estamos longe da igualdade, essa utopia pela qual todos lutam. Como já soava a musica da revolução “somos livres” e a liberdade ninguém nos pode tirar. Eu, as pernas nem me importo de manter fechadas, mas a boca, ai a boca… Essa fonte que jorra profusa e incessantemente... ainda que queiram não ma calam. Jornalista PUBLICIDADE

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Este jornal utiliza papel produzido por empresas certificadas segundo a norma ISO14001


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