COMO FAZER UMA ANÁLISE NARRATIVA E PRAGMÁTICA DE Lc. 4,16-30 Teologia e Literatura
Sumário APRESENTAÇÃO ............................................................................................ 06 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 08 CAPÍTULO I: Análise Narrativa ........................................................................ 10 1. Introdução ................................................................................................... 10 2. A aplicação da análise narrativa a Lc 4,16-30 ............................................ 12 2.1 A preparação do ministério de Jesus ................................................... 12 2.2 Jesus, em dia de sábado, em Nazaré .................................................. 13 2.3 Jesus ensina na sinagoga .................................................................... 17 2.4 O primeiro ensinamento de Jesus ........................................................ 20 2.5 Jesus é o cumprimento da Escritura .................................................... 25 2.6 A primeira reação dos que estavam na sinagoga ................................ 27 2.7 O segundo ensinamento de Jesus ....................................................... 30 2.8 A segunda reação dos que estavam na sinagoga ............................... 33 2.9 A pessoa de Jesus ............................................................................... 35 2.9.1 O modo como Jesus é caracterizado na narrativa ..................... 39 2.9.2 A caracterização e seus aspectos .............................................. 42 CAPÍTULO II: Análise Pragmática .................................................................... 48 1. Introdução .................................................................................................... 48 2. Lc 4,16-30 e o seu sentido pragmático ....................................................... 51 2.1 O primeiro ensinamento de Jesus e a reação do povo ........................ 53 2.2 O segundo ensinamento de Jesus e a reação das pessoas que estavam na sinagoga ...................................................... 63 2.3 O efeito do texto no leitor ..................................................................... 68 CONCLUSÃO ................................................................................................... 70 ABREVIATURAS .............................................................................................. 74 BIBLIOGRAFIA ................................................................................................. 76
ANÁLISE NARRATIVA E PRAGMÁTICA
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APRESENTAÇÃO A maioria das passagens bíblicas é de caráter narrativo, e isso nos possibilita fazer uma análise narrativa e pragmática dessas passagens. Tal tarefa será dividida em dois capítulos: No primeiro, mostraremos a metodologia necessária para fazer uma análise narrativa de qualquer passagem bíblica, de caráter narrativo. Já no segundo, apresentaremos a metodologia para fazer o mesmo em relação à análise pragmática. A análise narrativa tem como tarefa mostrar como o autor/narrador comunicou seu texto aos leitores/ouvintes. Uma narrativa apresenta cenas, como acontece em uma novela, onde vários personagens são constatados. Dentre eles, existem o personagem principal e outros personagens secundários. O que acontece de tal modo que eles são caracterizados dentro do texto pelo autor. Nossa tarefa consiste, então, em verificar como tal caracterização é feita pelo narrador. Para tanto, optamos por uma passagem bíblica (Lc 4,16-30). A análise narrativa desta não será feita por acaso. Nossa busca consiste em confirmar o seu caráter programático para o Evangelho de Lucas, até o anúncio aos pagãos nos Atos dos Apóstolos. O que significa que dentro da referida passagem são constatáveis os principais temas e motivos que serão encontrados também ao longo do referido Evangelho. Deste modo, ela foi colocada por Lucas logo antes do início do ministério público de Jesus, para antecipar o que acontecerá ao longo do seu Evangelho até o anúncio aos pagãos nos Atos. O mesmo acontece com um trailer de um filme que antecipa para os expectadores o que acontecerá ao longo da história.
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Uma vez que o autor comunicou o seu texto aos leitores/ouvintes por meio da narrativa, estes também ocupam um papel importante em tal comunicação. Portanto, no segundo capítulo, faremos uma análise pragmática de Lc 4,16-30, que consiste em verificar a função e o efeito da referida perícope no leitor/ouvinte. Análise pragmática que também é conhecida como sendo a resposta do leitor diante de um texto. Todo leitor reage diante de um texto. Assim, no segundo capítulo de nosso livro, procuraremos demonstrar como essa reação acontece. A metodologia poderá ser aplicada a qualquer outra passagem bíblica de caráter narrativo.
APRESENTAÇÃO
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INTRODUÇÃO O livro que ora se apresenta busca mostrar como fazer uma análise narrativa e pragmática de passagens bíblicas de caráter narrativo. Para tanto, optamos por uma passagem específica, a saber, Lucas 4,16-30. Em seguida, dividimos a presente obra em dois capítulos. O primeiro capítulo apresenta uma análise narrativa da passagem em questão. Já o segundo mostra como analisála de maneira pragmática. Durante o primeiro capítulo, notaremos que o autor/narrador comunicou sua mensagem a seus leitores/ouvintes. Deste modo, procuraremos verificar como isso ocorreu. As personagens são caracterizadas dentro da trama narrativa. Também aproveitaremos a oportunidade para verificar como isso é feito pelo narrador. Não faremos a análise narrativa de Lc 4,16-30 apenas para apresentar o modo como se deve fazê-la. Como resultado da presente análise, esperamos mostrar também que nosso texto é programático para o Evangelho de Lucas. O que quer dizer que dentro dele encontramos os temas principais que se repetirão ao longo do referido Evangelho. Assim como, no trailler de um filme, encontramos uma antecipação do que acontecerá ao longo da história, da mesma forma constataremos que Lc. 4,16-30 antecipa o que acontecerá ao longo do Evangelho de Lucas até o anúncio entre os pagãos nos Atos dos Apóstolos. Depois de verificar o papel do autor/narrador no exercício de comunicar o texto ao leitor e refletir sobre ele em relação ao autor, no segundo capítulo faremos uma análise pragmática dele. Análise que procura constatar a função e efeito de Lc 4,16-30 no leitor/ouvinte. A análise pragmática é conhecida também como a resposta do leitor diante de um texto.
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Nossa análise será direcionada à identidade de Jesus no texto. Com isso, passamos a verificar o que o narrador, as pessoas, a trama ou o leitor dizem a respeito dEle. Quais seriam os títulos mais apropriados para Jesus: Messias, Filho de Deus, filho de José, profeta etc. O leitor, por meio da antecipação e retrospecção, descobre que a relação de Jesus com Deus, revelada principalmente durante o Batismo (3,21-22), indica que Ele, mais do que qualquer outro, é autorizado pelo poder divino para realizar sua missão, que tem como vértice dar ao povo o perdão dos pecados. O leitor não apenas lê um determinado texto passivamente, mas desempenha um papel decisivo na sua interpretação. O texto dorme e, por isso, compete ao leitor despertá-lo. É interessante notar que o texto apresenta várias interrogações, que o narrador deixa em aberto propositalmente, ou mesmo porque não pode responder a todas as perguntas do leitor enquanto escreve. Deste modo, cabe ao leitor a tarefa de encontrar as possíveis respostas, sempre entendendo que não poderá responder a todas as questões, justamente porque o texto é como um tesouro, a partir do qual pode-se tirar sempre algo de novo. Assim sendo, na reflexão que estamos iniciando, nós procuraremos verificar como isso ocorre em nossa perícope.
INTRODUÇÃO
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CAPÍTULO 01
Análise Narrativa
1. Introdução
Inicialmente, devemos questionar sobre o que vem a ser a análise narrativa. Ela consiste em um texto centrado, que busca investigar a característica formal da narrativa1. Uma narrativa pode ser considerada sob dois aspectos: o primeiro é aquele histórico; o segundo é caracterizado como sendo discursivo. O primeiro aspecto, ou seja, o histórico, diz respeito ao conteúdo da narrativa, tendo também o Sitz im Leben2 como parte integrante. Já o segundo diz respeito ao «porque» e ao «como» da narração3. Também fazem parte do aspecto discursivo a trama, o narrador, os pontos de vista, o estilo e a concepção retórica. Contudo, se de uma parte «o “porque” e o “como”, história e discurso, conteúdo e forma, são obviamente inseparáveis na narrativa, de outra, para que esta possa causar algum impacto, sua inter-relação é integral»4. 1 Segundo M.H. ABRAMS, The Mirror and the Lamp, 26-29 tal definição pode ser considerada como um «objective criticism», ou seja uma «crítica objetiva». Esta não é outra coisa senão a análise de um texto-centrado, considerando o trabalho literário de maneira isolada. A tarefa da crítica objetiva também assegura-se em analisar o texto como uma identidade suficiente em si mesma, sendo constituída por meio de suas partes em sua relação interna. Por fim, a referida crítica propõe-se a considerar tal relação interna por meio de critérios intrínsecos pelo seu próprio modo de ser. D. RHOADS, «Narrative Cristicism», 411-412 diz que a característica formal da narrativa «inclui aspectos do mundo-histórico da narrativa e a técnica retórica empregada para relatar a história» (a tradução é minha). 2 Trata-se de um termo originário da língua alemã que quer dizer «contexto vital». 3 O aspecto discursivo também refere-se ao modo como a história é contada. Cf. S. CHATMAN, Story and Discouse, 9, 15-42; R.M. FOWLER, Let the Reader Understand, 16, 23. 4 D. RHOADS, «Narrative Criticism», 414 (a tradução é minha).
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Deste modo, podemos constatar uma estrutura comunicativa dentro de uma análise narrativa. Ela pode ser assim caracterizada: a) remetente, ou seja, aquele que envia a mensagem; b) objeto, isto é, a mensagem por ela mesma; c) destinatário, ou seja, o recebedor da mensagem enviada. Também podemos encontrar um ajudante que tem a missão de colaborar com o destinatário no envio da mensagem. Ajudante que torna-se o sujeito do relato, devendo realizar o programa narrativo. Programa que pode ser alterado ao longo do percurso, o que proporciona uma modificação na ordem dos acontecimentos e uma introdução de novos elementos5. Além do ajudante, também podemos encontrar os opositores à mensagem e, por conseqüência, ao destinador e seu ajudante. A oposição pode ser feita por um só personagem, ou mesmo por diversos personagens. Estes podem cumprir uma ou diversas funções dentro da narrativa. Se a ação do ajudante é bloqueada por estes, então podemos verificar um andamento inesperado na narrativa. Por fim, dentro do programa narrativo, pode estar presente um servente que consiste em um personagem subalterno, o qual exerce uma função secundária, sem muita dinamicidade. A estrutura da narração pode ser ampliada. Assim sendo, podemos encontrar alguns elementos que fazem parte dela. O primeiro desses elementos é o autor real da narrativa, ou seja, do antigo escritor do texto. Podemos também encontrar o autor implícito, que é o autor percebido no texto, por meio de suas preocupações, escolhas, opções existenciais, etc. A narrativa ainda pressupõe um leitor implícito, que é o destinatário ideal do relato. Trata-se do «leitor virtual» ou potencial, que é capaz de decifrar e compreender a mensagem do autor implícito. O leitor implícito é convocado a dar seu parecer durante o processo de leitura. Já o leitor real é aquele que lê o texto no momento6. Por fim, os personaCf. J.L. SKA, «L’analisi narrativa», 157. Fundamentalmente, o «leitor implícito» deve distinguir-se do «leitor real». Distinção que se faz necessária, porque dificilmente um relato é dirigido diretamente ao leitor real. Cf. J.L. SKA, «L’analisi narrativa», 162. De agora em diante, quando mencionamos «leitor», estaremos nos referindo sempre ao «leitor implícito». Se por acaso nos referirmos ao leitor que lê o texto no momento, então usaremos a terminologia «leitor real». 5 6
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