Pe. Jerônimo Gasques
Dízimo A espiritualidade do A experiência de deus na vida pastoral
2009
Pe. Jerônimo Gasques
Índice Meditação
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Introdução
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1. O que é o dízimo A- O dízimo no Antigo Testamento B- Uma surpreendente atitude: ser dizimista C- Os dez mandamentos do dízimo
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2. O que são as coletas?
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3. O que são as ofertas?
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4. Por onde passa a espiritualidade do dízimo?
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5. Alguns princípios da espiritualidade decimal
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6. O dizimista e a prática da meditação
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7. A escolha da alegria Adoração não é apenas uma canção A necessidade da liberdade 8. Educar o coração para a doação A- diferentes tipos de coração B- o nosso coração deve estar sossegado C- como deve estar o nosso coração D- Deus e o nosso coração E- aprender a sossegar o nosso coração
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9. O conflito como espiritualidade do dízimo
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10. O amor que perdeu a graça
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Conclusão
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Pe. Jerônimo Gasques
Meditação Em gratidão ao bimilenário do nascimento do apostolo Paulo de Tarso. Filipenses 4, 10 Foi grande a minha alegria no Senhor, porque finalmente vi florescer de novo o interesse de vocês por mim. Na verdade, vocês já tinham esse interesse antes, mas faltava oportunidade para demonstrá-lo. 11 Não digo isso por estar passando necessidade, pois aprendi a arranjar-me em qualquer situação. 12 Aprendi a viver na necessidade e aprendi a viver na abundância; estou acostumado a toda e qualquer situação: viver saciado e passar fome, ter abundância e passar necessidade. 13 Tudo posso naquele que me fortalece. 14 Entretanto, vocês fizeram bem, tomando parte na minha aflição. 15 Vocês mesmos sabem, filipenses, que no início da pregação do Evangelho, quando parti da Macedônia, nenhuma outra Igreja, fora vocês, teve contato comigo em questão de dar e receber. 16 Já em Tessalônica, vocês me enviaram ajuda por mais de uma vez, para aliviar as minhas necessidades. 17 Não que eu esteja querendo presentes. Pelo contrário, quero ver mais lucro na conta de vocês.
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18 No momento, tenho tudo em abundância; tenho até de sobra, especialmente agora que Epafrodito me trouxe aquilo que vocês mandaram. É como um perfume de suave odor, sacrifício agradável que Deus aceita. 19 O meu Deus, por sua vez, atenderá com grandeza a todas as necessidades de vocês, conforme a riqueza dele em Jesus Cristo. 20 Ao nosso Deus e Pai seja dada a glória para sempre. Amém.
(“Paulo agradece o auxílio que os filipenses lhe enviaram mediante Epafrodito. Ele se alegra, não tanto pelo auxílio material recebido, mas pelo afeto e crescimento espiritual que a comunidade demonstra mediante a oferta”). A alegria de receber donativos. – Paulo relembra com gratidão as inúmeras vezes que os irmãos de Filipos o tinham ajudado financeiramente. Tantas vezes nas suas viagens missionárias ele recebia auxílio dos irmãos amados, e agora, estando preso, mandam-lhe um mensageiro, Epafrodito, para servir a Paulo na prisão, mas não o mandam de mãos vazias! Ele leva consigo uma oferta, donativo de amor da parte dos irmãos filipenses. Paulo tem esta oferta “como cheiro suave, como sacrifício agradável e aprazível a Deus” (v. 18). Notemos de passagem que os dízimos, as ofertas, as coletas especiais – tudo isso na igreja local, não é transação comercial, muito menos um imposto, mas faz parte do ministério sacerdotal de todo crente: é sacrifício aceitável que se oferece a Deus, é oferta da sementeira, é o aroma suave que agrada a Deus. E traz tanta alegria a tanta gente, como foi no caso de Paulo. Eu lhe pergunto: sua igreja local tem plano missionário, projetos de igrejas irmãs; tem trabalho social, investimento para suprir as necessidades dos missionários que atuam em frentes de missão, daqueles que levam “a preciosa semente, andando e chorando...”, os quais voltarão “com cânticos de alegria, trazendo consigo os seus molhos”? (Sl 126, 6). Quantos benefícios espirituais recebem aqueles que ofertam com alegria na obra missionária! Muitos são ofertantes anônimos, mas que ofertam fielmente sabendo de antemão, que, “no Senhor, o vosso trabalho não é vão” (I Cor 15, 58). Muito obrigado, de coração, a todas aquelas pessoas que de coração generoso se dispõe a fazer do dízimo uma grande experiência de Deus em sua vida e compartilham comigo dessa reflexão. Esse livro é dedicado a todos aqueles que fazem da experiência do dízimo um hino de culto ao Deus da vida.
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Introdução Agradeço a Deus a oportunidade de estar mais uma vez em contato com vocês para escrever sobre um tema que me é bastante costu-meiro, apreciado e de agradável surpresa pela oportunidade em nos comunicar. Falar do dízimo refaz minhas energias e me dá uma sensação de gratidão pelo dom divino a mim concedido e por tudo que com ele aprendi. O dízimo carrega em si uma surpreendente alegria no contribuinte. Aqueles que se devotam a esta causa se sentem mais animados, confortados e motivados para viver a comunhão. O dízimo, certa-mente, não é uma questão de dinheiro contrariando o que muitos podem pensar. Ele só tem sentido quando nasce de um convite e de uma proposta para se fazer a experiência de Deus na vida cristã. Somos chamados e convocados a este desafio: degustar do poder de sua Palavra e verificar, na experiência, o que ela pode fazer. Em caso contrário, ele se torna frio e distante; por vezes indiferente. A espiritualidade re-equilibra os desafios que o dízimo carrega em si. “Honra o Senhor com tua riqueza. Com as primícias de teus rendi-mentos. Os teus celeiros se encherão de trigo. Teus lagares trans-bordarão de vinho” (Pr 3,9-10); “Cada palavra de Deus é com-
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pro-vada, e ele é um escudo para quem nele se abriga. Não acrescente nada às palavras dele, porque ele o questionaria, e a sua fraude seria descoberta. Eu te peço duas coisas, ó Deus. Não me negues isto antes de eu morrer: Afasta de mim a falsidade e a mentira. Não me dês riqueza, nem pobreza. Concede-me apenas o meu pedaço de pão, para que, saciado, eu não te renegue, dizendo: «Quem é Javé?» Ou então, reduzido à miséria, chegue a roubar e profanar o nome do meu Deus” (Pr 30, 5-9). Contribuir quando se tem de sobra, de certa forma, não é muito custoso e difícil. Intricado é fazer a experiência do dízimo em meio às tantas dificuldades. Participar da comunhão alinha o desafio do dízimo cristão. Acelera a confiança em sua Palavra e enobrece o espírito de comunhão. Neste livro não vamos tratar objetivamente do dizimo em si. Se desejar ler, aceno: Gn 28, 20-22; Lv 27, 30-32; Nm 18, 25-26 e Ml 3, 6-10 e outros detalhes que aparecerão no transcurso de nossa reflexão1. Teceremos, apenas, alguns acenos para iniciarmos a reflexão. Iremos refletir sobre a espiritualidade do dízimo na vida cristã. Com efeito, a todos aqueles que fazem dele uma opção. Existem muitas formas de espiritualidade no seio da Igreja, mas esta deve ser/ter um diferencial. Até porque não existem muitos segredos a ser trabalhado, apenas, encontrar os meandros, os caminhos. Seguramente, esse é o grande desafio para a pastoral do dízimo na comunidade e para aqueles que desejam fazer a experiência do dízimo em sua vida. Por vezes, tenho resistido escrever sobre esse tema. Parece-me bastante ousado refletir algo que me é tão intimo, mas, distante ao mesmo tempo. Falar do dízimo, pastoralmente, é muito mais cômodo. A espiritualidade do dízimo mexe com alguns elementos escondidos de nossa espiritualidade, por vezes, desfoca-da 1
De minha autoria poderão ler: As sete chaves do dízimo e Um pouco de farinha e azeite, Paulus Editora; Manual do agente do dízimo, Edições Loyola; Dizimo: a experiência que faltava em sua vida, Paulus Editora; O dízimo em cada dia e Como organizar o dízimo, Editora Vozes; O dízimo de A a Z e O dízimo não acontece por acaso, da Editora O Recado. A Bíblia, certamente, é o livro mais completo.
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para a sua pratica diária. A espiritualidade do dízimo assemelha-se ao grande manto guardado por séculos e que, agora, deve ser desdobrado para o uso. A opção pelo dízimo carrega, em si, a experiência do divino. É um verdadeiro mover do Espírito em nós. Assim vamos fazendo, de forma imperceptível, a experiência do dízimo na vida cristã. Nesse sentido podemos falar de comunhão, de participação, de solidariedade. Vamos tratar de menos de uma dezena de temas que nos colocam em direção à espiritualidade do dízimo. Aqui, tranqüilamente, nascerá uma tentativa operosa de se refletir esse assunto. Muitos me têm pedido para que escrevesse sobre o tema que, de certa forma, me desafia também. Mas vamos ao desafio. Inicialmente iremos – como idéia principal - refletir os fundamentos de nossa espiritualidade decimal. Por primeiro trataremos do dizimo em si; o que é ser dizimista e a sua importância espiritual e pastoral; os dez mandamentos do dizimo como uma espécie de caminho para se acertar os ponteiros que, por vezes, estão desacertados. Nesse ínterim vamos meditar sobre a providência divina que nunca falta ao dizimista fiel. Essa será a primeira parte. Na segunda parte reflito sobre a idéia que temos sobre ofertas, co-letas e a necessidade de sabermos diferenciá-las na opção de espiri-tualidade comprometida com a comunidade. Quando as pessoas não sabem diferenciar oferta de coleta, elas as confundem com o dizimo e acabam não fazendo bem nem uma coisa e nem a outra. De certa forma as pessoas optam pelas ofertas e coleta por uma razão simplesmente prática: dá-se o que quer. Aqui entraria a ne-cessidade da conscientização pastoral. Indo mais para o meio do livro, vamos procurando fundamentar a espiritualidade do dizimo na vida cristã. Buscaremos alguns “mo-delos” pedagógicos que interferem na reflexão, aos quais chamo de princípios de espiritualidade decimal. Formando como um laço, reflito a necessidade da meditação, da alegria, da adoração e da educação do coração. O tema sobre a liberdade não devia ficar a-lheio à reflexão sobre o dizimo. De certa forma ela se torna quase que a mais importante dos temas. A liberdade do contribuinte é uma qua-
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se proposta irrecusável. “Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta que não há ninguém que explique e nin-guém que não entenda”. (Cecília Meireles, em Romanceira da In-confidência). Termino essa temática meditando sobre o conflito à opção pelo dízimo, no qual estamos mergulhados nesses últimos tempos. Uma sociedade que não tem a fraternidade, a solidariedade e seus derivados, como opção política, com certeza interfere nessa dinâmica decimal. Daí, certamente, o sub-titulo do livro: desafio às comunidades do século XXI. O conflito social desafia todo dizimista. Vejo que essas instâncias são indispensáveis para um dizimista. São caminhos alternativos que não podem faltar para aque les que optam pelo dizimo comunitário. Alternativo, não no sentido que esteja sobrando, que não tenhamos outra opção, mas que exige que o percorramos. “Certamente fomos feitos para abrir caminhos, romper barreiras, ultrapassar limites e vencer (Lincoln Ferreira). Contribuir com o dízimo, de certa forma, não é muito difícil. Basta termos condições para tal. Mas fazer do dízimo uma oferta de ex-periência de Deus exige uma tomada de decisão que ultrapassa a mera necessidade de se contribuir. Assim podemos dizer de uma espiritualidade do dízimo. Isso faz a diferença de um dízimo levado ao altar. Apresentar o dízimo diante do altar requer, mais que a necessidade ou a compreensão, uma atitude de oferta de co-munhão. Isso se chama adoração. As Escrituras estão repletas dessas expressões. A espiritualidade do dízimo guarda um profundo silêncio diante do mistério de Deus. Ricardo de São Vitor fala de um terceiro olhar: o “olho da fé” (oculus fidei). Somente pela fé podemos – talvez – entender o mistério do dízimo na vida cristã2. É uma realidade que transcende os limites da compreensão humana. Fico passado diante da pessoa que faz essa experiência. Só em Deus podemos medir essa decisão! “O silêncio é a encruzilhada entre o tempo e a eterni-dade e o silêncio é a matriz de toda palavra autentica” (Raimon Panikkar). 2
Gasques, J. Os dois Olhares, Paulus Editora. Nesse livro contemplo os vários olhares perdidos por esse vasto mundo de tantas experiências de Deus. Vale a pena percorrer os tantos olhares, por vezes, indefinidos e sedentos de atenção.
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Acredito que o mais amplo caminho da espiritualidade do dízimo passe pelo silêncio. Somente ele pode recriar um dízimo autêntico e eficaz. Sabemos, todavia, como é difícil silenciar nosso coração, nossos sentidos e nossa alma diante de tantas provações, tentações e indecisões. Devotados ao muito falar, o dízimo nos propõe calar. É certo, entretanto, que esse silêncio é operoso e carrega uma infi-nita necessidade de adoração. São dois gestos ou atitudes que de-vem ser aprendidas. A atitude de dizimar nos remete à fonte: Deus. Sem ele o nosso dízimo se torna pueril e estéril. Para dominar essas misérias recor-remos a uma multidão de coisas que nos ‘adoçam’, que nos enri-queçam, que nos deem sentido; uma relevância, uma dignidade. Esquecemo-nos de que dão maior glória a Deus a flor, o lírio, o passarinho (Mt 6, 26-28) que todas as nossas preocupações, pressas e correrias. O dízimo guarda singularmente a simplicidade. O dízimo é a única pastoral que tem a primeira pessoa da Santíssi-ma Trindade – Deus - como centro de sua espiritualidade. Talvez, por isso, ele se torne tão arredio e difícil de deslanchar na comuni-dade. Por detrás da opção pelo dízimo está a nossa dificuldade em compreender Deus e de mergulhar em seu mistério. A experiência do dízimo foi a experiência dos pais da fé: Abrão, Jacó e outros que fizeram do dízimo uma atitude de comunhão com o divino Deus. “Javé gostou de Abel e de sua oferta” (Gn 4,4b). “Bendito seja o Deus altíssimo” (Gn 14, 20) – disse Abrão. Antes mesmo de chegarmos aos finalmente vamos nos acertar, mais uma vez, sobre a necessidade de se entender o dízimo que, por sinal, nunca é suficiente. Apenas alguns indicativos. A nossa centralidade será sobre a sua espiritualidade. Mas, devemos passar por esse caminho. Vamos então!
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O que é dízimo? Vamos menear apenas alguns elementos para se ter a ideia e, depois, aplicá-lo à espiritualidade. Apenas situando a reflexão (talvez o indicativo sirva para aqueles que não tiveram a oportunidade de lerem outros títulos sobre o dízimo). Em hebraico, no Antigo Testamento, a palavra usada para indicar dízimo é ma‘aser, que significa ‘décima parte’. O grego usa a palavra dekate, que tem o mesmo significado. Normalmente se usa o verbo apodekato, ou seja ‘dar a décima parte’. A palavra “dízimo” tem sua origem no latim e deriva na palavra decimus que quer dizer: a décima parte. Alguns textos importantes, no Novo Testamento, são: Mateus 23, 23 Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas! Vocês pagam o dízimo da hortelã, da erva-doce e do cominho, e deixam de lado os ensinamentos mais importantes da Lei, como a justiça, a misericórdia e a fidelidade. Vocês deveriam praticar isso, sem deixar aquilo. Lucas 11, 42 Mas, ai de vocês, fariseus, porque vocês pagam o dízimo da hortelã, da arruda e de todas as outras ervas, mas deixam de lado a justiça e
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