Os Sete Sacramentos e a Vida Sacramental

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Padre Joaquim Cavalcante

Os Sete Sacramentos e a Vida Sacramental

O MINISTÉRIO CRISTÃO E SUA CELEBRAÇÃO ECLESIAL Trindade, Igreja e Liturgia no Catecismo da Igreja Católica e nos Documentos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Excerpta ex Dissertatione ad Doctoratum in Facultate Theologiae apud Pontificiam Universitatiem Gregorianam

Editora A Partilha 2011


Homenagem Especial e dedicação Dedico este livro aos paroquianos da Paróquia São Pedro e São Paulo, onde presido a celebração dos santos mistérios há onze anos, como Pároco. Dedico-o igualmente às comunidades paroquiais de Bom Jesus e Cromínia, onde trabalhei e vivi as primícias do meu ministério pastoral. Dedico este trabalho, também, a todos aqueles e aquelas que eu tive como alunos e alunas no Instituto de Teologia de Juiz de Fora, no Seminário de Caratinga, no Instituto de Filosofia e Teologia de Goiás (IFTEG) e no Instituto Santa Cruz da Arquidiocese de Goiânia.


Índice

Agradecimentos 7 Os sete sacramentos e a vida sacramental Parte I: A vida sacramental

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Introdução 11 A Trindade e a celebração do mistério cristão e dos sacramentos

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O mistério pascal de Cristo, núcleo fundante da celebração sacramental da Igreja

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A celebração como lugar da revelação do mistério de Deus

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Os sacramentos como comunicação da economia salvífica

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Os sacramentos fazem participar dos mistérios do Verbo encarnado

41

Pelos sacramentos constitui-se a comunidade dos fiéis 45 Os sacramentos como mistério revelado em Cristo

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Conclusão 57 Notas de Rodapé

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Parte II: Os sete sacramentos da Igreja como expressão da economia salvífica

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Introdução 97 O sacramento do Batismo

99

O sacramento da Confirmação

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O sacramento da Eucaristia

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O sacramento da Reconciliação dos Penitentes

127

O sacramento da Unção dos Enfermos

133

O sacramento da Ordem

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O sacramento do Matrimônio

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Conclusão 145 Notas de Rodapé

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Agradecimentos

Ao Deus Uno e Trino, Pai, Filho e Espírito Santo, toda honra, glória e louvor.

À

Igreja, que pela fé proclamo e professo como “Una, Santa, Católica e Apostólica”, minha mãe, de cujo útero eu nasci pela graça do santo Batismo, comunidade dos fiéis por quem sou alimentado há mais de 50 anos, com a Palavra e com os sacramentos, minha eterna gratidão. Gratidão por me ter escolhido para ser um dos seus ministros sem mérito algum da minha parte. A esta Igreja do Senhor, mãe e mestra, a quem sirvo há 25 anos como presbítero, meu desejo revigorado de recomeçar tudo o que foi útil ao longo deste percurso. Ao Eminentíssimo senhor Cardeal Furno, de cuja imposição das mãos eu recebi o Sacramento da Ordem, meu afeto filial, reverência e terno reconhecimento. Ao Padre Rubem Cordeiro, meu colega de presbité7


rio e irmão no ministério sacerdotal, pelo quadro pintado exclusivamente para a capa deste livro. Sua arte, como os sacramentos, nos convida a contemplar a inefabilidade do mistério que se revela sempre maior do que as imagens que vemos. A arte é o transcendente no transitório apontando para o eterno, é a presença do Invisível. A arte é a beleza em múltiplas formas, é o rosto do amor e torna-se belo todo àquele que se deixa seduzir pela beleza do Mistério. São muitos os que tarde amam a beleza, por isso são poucos os que a conhecem. Este quadro inspira o observador a rezar com Santa Elizabete da Trindade: “Ó meu Deus, Trindade que adoro, ajudai-me a esquecer-me inteiramente para firmar-me em vós... que cada minuto me leve mais longe na profundidade do vosso mistério! ... Fazei da minha alma vosso céu, vossa morada e em vós eu esteja toda vigilante na minha fé, toda adorante” (CIC 260). A capa expressa o mistério pascal de Cristo perpetuado na Igreja, sacramento de comunhão em meio às adversidades do mundo. A harmonia e o esplendor das cores simbolizam o dinamismo da graça sacramental, que na ação do Espírito vai impelindo a vida do ser humano e todo o cosmo para o coração do Mistério. A pureza dos traços e cores em movimento cíclico evocam o mistério do Ano Litúrgico e a economia da salvação que Deus oferece ao mundo, ininterruptamente, por Cristo, no Espírito, mediante a celebração dos sacramentos, sinais visíveis da graça invisível.

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Os sete sacramentos e a vida sacramental

“Os sete sacramentos atingem todas as etapas e todos os momentos importantes da vida do cristão” (CIC, 1210).

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om estas palavras do Catecismo da Igreja Católica, tenho a alegria de apresentar esta obra do nosso sacerdote, Pe. Joaquim Cavalcante, sobre os sacramentos e a vida sacramental. Pe. Joaquim de Jesus Rocha Cavalcante é presbítero desta Diocese de Itumbiara e celebra vigésimo quinto aniversário de ordenação presbiteral. No contexto do seu ano jubilar, ele publica mais uma parte da sua tese de doutorado em teologia, defendida na Pontifícia Universidade Gregoriana. A celebração, a teologia da ritualidade e a vivência dos sacramentos constituem o conteúdo desta obra. Vale desta9


car a importante fundamentação no ensinamento dos Santos Padres e o resgate da mistagogia litúrgico-sacramental que emana do Catecismo da Igreja Católica e de alguns Documentos da nossa Conferência Episcopal. Esta obra aponta para a ação conjunta da Santíssima Trindade e da Igreja, atualizando a obra da salvação na celebração sacramental. Na liturgia sacramental, a comunidade eclesial expressa e celebra o mistério da salvação. Faço votos que esta obra contribua com a reflexão teológica nos centros acadêmicos e sirva de estímulo à Pastoral Litúrgica e Sacramental. Que Deus abençoe o Pe. Joaquim Cavalcante e torne sempre fecundo seu ministério. Itumbiara, 19 de junho, Domingo da Santíssima Trindade, 2011. +Antônio Lino Silva Dinis, Bispo Diocesano.

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Parte I,

a vida sacramental

Introdução

A teologia ocidental tende a enfatizar a linguagem humana como o instrumento mais apropriado para a elaboração do discurso sobre o Mistério de Deus, professado já no rito da celebração batismal1. Dentre as diferentes expressões desta linguagem é mister acenar a importância da expressão litúrgica como expressão máxima do discurso do homem sobre o Mistério. Nela, o elemento doxológico é a tomada de consciência da necessidade de superar os limites da verbalização, constituindo-se a última palavra da teologia apofática como profissão doxológica da transcendência do divino. Assim, a doxologia é a forma de realizar, agora e sempre, o inacessível, vinculada à linguagem do Novo Testamento2 e da economia litúrgica sacramental. É, portanto, a expressão última do discurso do homem dirigido a Deus3. O último grito verbal sobre Deus é a glorificação4, como proclamação doxológica e adorante da sua transcendência. Este capítulo entende refletir sobre a incidência dos sacramentos na vida cristã. A vida da Igreja, a teologia e a 11


Parte 1 | A Vida Sacramental liturgia, o comportamento individual do cristão, giram em torno dos sacramentos5. Estes, por sua vez, emanam da economia da vida trinitária. Por isso, a Trindade, como mistério celebrado, é o fio condutor do argumento que será aqui desenvolvido. As ações litúrgico-sacramentais da Igreja, na história, são ações da Trindade que se prolongam até a eternidade6. Na economia sacramental vem comunicada a economia do Mistério de Deus em si mesmo7. Na celebração da economia sacramental celebra-se o mistério da economia trinitária, que é o Mistério Cristão. Por isso a liturgia aparece como evento revelador do ser e da atividade escatológica da Trindade. O Mistério trinitário que se celebra e se experimenta na liturgia, ilumina a identidade dos cristãos, enquanto estes reconhecem sua participação na vida do Pai, pelo Filho, no Espírito8. Cada uma das Pessoas afirma a unidade de Deus operando na liturgia. O Pai aparece sempre como a origem e o fim da salvação definitiva, celebrada e atualizada no rito; o Filho, plenitude da revelação do Pai e sua realização histórica; o Espírito, sua dinâmica extensão universal9. A ação das Três Pessoas é ação da indivisível Trindade.

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A Trindade e a celebração do mistério cristão e dos sacramentos

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a celebração, Deus Uno e Trino é reconhecido e adorado como fonte e fim da salvação. Na pessoa do Verbo encarnado, morto e ressuscitado, cumula suas bênçãos sobre a Igreja e derrama sobre ela o Espírito Santo, que é Deus e contém todos os dons10. Na celebração do Mistério Cristão há uma ininterrupta e interpelante ação do Espírito, o qual atua por meio do silêncio, palavras, gestos e elementos simbólicos11 tornando a ação celebrativa tão sacramental quanto frutuosa para a vida dos fiéis. Neles o Espírito manifesta as mesmas maravilhas de Deus que foram realizadas em Cristo e na Igreja12. O gesto e o silêncio são a palavra do Pai visibilizada e vivificada na força do Espírito, enquanto protagonista da celebração e artífice dos sacramentos como alimento para a comunhão13. Sem a ação e a presença do Espírito as celebrações não passariam de ritos e os sacramentos seriam magia14. Na e pela força do Espírito, os sacramentos são força para a fé, dão sentido à esperança 13


Parte 1 | A Vida Sacramental e impulsionam à prática da caridade como supremo valor evangélico15. O estilo de vida dos cristãos deve emergir da celebração litúrgica-sacramental. Assim, pode-se dizer que os sacramentos participam, de modo autêntico, do ser e da missão do Deus Uno e Trino16. Há um nexo entre o rito sacramental e a conduta moral dos cristãos. Atribui-se a todos os sacramentos o que foi dito sobre o Batismo: Quem mergulha com fé nesse banho de regeneração renuncia ao mal e dedica-se a Cristo, rejeita a mentira do inimigo e confessa a divindade do Filho, tira as vestes da escravidão e se reveste da adoção filial, sai do Batismo esplendoroso como o sol, emitindo raios de justiça e, realmente maravilhoso, torna-se filho de Deus e co herdeiro de Cristo.17

A obra da redenção é obra da Santíssima e indivisa Trindade, a qual, agindo com a Igreja, atualiza no tempo e no espaço a salvação. A Igreja canta esta certeza na noite de Quinta-feira santa na missa in Coena Domini, dizendo: «concedei-nos, ó Deus, a graça de participar dignamente da Eucaristia, pois todas as vezes que celebramos este sacrifício em memória do vosso Filho, torna-se presente a nossa redenção»18. Isto que a Igreja afirma aqui para o sacramento da Eucaristia, vale para toda sua celebração litúrgica, onde a «opus nostrae redemptionis»19 operada pelo Pai em Cristo na ação do Espírito, em favor da humanidade, é presentificada. Assim, a Igreja mais uma vez reza: «concedei-nos, ó Deus, a graça de participar constantemente da Eucaristia, pois todas as vezes que celebramos este sacrifício torna-se presente a nossa redenção»20 . É mediante a ação do Pai no Espírito Santo que a obra da redenção divina atua na Igreja. A presença e ação do Espírito na liturgia leva a Igreja à contemplação do mistério de Cristo que ele atualiza. O Catecis-

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Pe. Joaquim Cavalcante mo diz que «o Espírito e a Igreja cooperam para manifestar o Cristo e a sua obra de salvação na liturgia»21. O Espírito Santo atualiza a presença de Cristo glorificado na liturgia e faz da liturgia o fulcro conspícuo da auto-comunicação do Espírito. Através das palavras e símbolos22, toda a Trindade opera na liturgia sacramental, pois que a ação litúrgica é Opus Trinitatis, é ação do Pai que age pelo Filho, no Espírito. A existencialidade da liturgia é marcada por duas dimensões: ascendente e descendente. Na sua dimensão descendente a liturgia é evento impregnado do Espírito e, ao mesmo tempo, comunicação do Espírito Santo que realiza a presença de Cristo glorificado23. É Cristo ressuscitado que confere o Espírito Santo aos seus irmãos. «Soprou sobre eles e lhes disse: recebei o Espírito Santo» (Jo 20, 22). Por outro lado, na sua dimensão ascendente, a liturgia é voz do Espírito Santo ressoando em Cristo-igreja, na perene glorificação de Deus Pai24. A celebração litúrgica-sacramental cristã é a ação teofânica da atuação do mistério de Deus, realizado em Cristo-igreja, na força do Paráclito. Com efeito, a verdadeira essência da ação litúrgica consiste em ser epifania da Trindade e não só do Espírito25. A liturgia é uma ação intrínsecamente viva porque é ação do Espírito vivificante, ou seja, que dá vida a todas as coisas, conforme a Igreja professa no terceiro artigo da fé do símbolo Niceno-constantinopolitano: «creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida»26. É no Espírito vivificante como dom do Pai e do Filho que está a verdadeira essência da vida e da ação litúrgica da Igreja. Ele age dando a vida trinitária, a qual fecunda e dinamiza todas as realidades. Pela ação do divino Paráclito, a vida é dada aos elementos, gestos, palavras e ritos. Ele os transubstancializa e/ou os transforma em sacramento. O Espírito Santo faz da celebração, na sua múltipla variedade de elementos

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Parte 1 | A Vida Sacramental simbólicos, um harmonioso ícone do mistério de Deus Uno e Trino que é, ao mesmo tempo, mistério-ação-salvante pela ininterrupta ação de Cristo no hoje da Igreja. O Espírito Santo é, por excelência, o divino iconógrafo da ação trinitária. Pois que o Espírito, por meio da Escritura, foi iconógrafo, uma vez que ele operou no hagiógrafo a revelação do ícone do Pai, que é Jesus Cristo (2Cor 4,4; Cl 1,15). Também em Maria, ele agiu como iconoplasta, porque operou como plasmador do ícone do Verbo. Na ação litúrgica, ele é simultaneamente iconógrafo, iconoplasta e iconóforo, porque portador do ícone do Pai presencializado e vivificado no rito do evento celebrativo27. Como em Pentecostes, em cada liturgia da Igreja acontece o dilúvio do Espírito, pelo qual se dá a páscoa de Cristo. Esta, diz o Catecismo «se realiza na efusão do Espírito Santo, que é manifestado, dado e comunicado como Pessoa divina: da sua plenitude, o Cristo, Senhor (At 2, 36), derrama em profusão o Espírito»28. Se por um lado em Pentecostes se revelou a plenitude da Santíssima Trindade29, na liturgia, a Trindade age em sua plenitude, permitindo aos fiéis a participarem, pela fé, da comunhão trinitária. Esta é a missão do Espírito na liturgia: inserir a assembleia no mistério divino, inspirar a adoração e fortalecer a vida dos fiéis para a unidade e a comunhão: testemunho sacramental do Deus-Amor (1Jo 4,8.16)30 e do mistério de Deus em si mesmo. Com razão canta a liturgia bizantina depois da comunhão eucarística: «vimos a verdadeira luz, recebemos o Espírito celeste, encontramos a verdadeira fé: adoramos a Trindade indivisível pois foi ela quem nos salvou»31. Estas palavras ressoam como uma experiência existencial inebriada da antecipação escatológica do mistério conhecido e incompreensível. Quem participa da liturgia é chamado a se

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Pe. Joaquim Cavalcante tornar o que nela recebeu, viu, comeu e celebrou. Como diz Santo Agostinho: «Tornamo-nos aquilo que recebemos»32. Na celebração do mistério, todo fiel que participa da assembleia se torna (ou é levado a se tornar) o que recebe. Ele é inserido na divina comunhão da realidade celebrada e ao mesmo tempo, torna-se habitação do mistério anunciado; o mysterium, proclamado e professado (exomología) na e para a vida do cristão (eulogía). Este mistério se transforma em ação de graças, perene (eucharistía)33. Assim a liturgia se reveste do seu real sentido: algo para além da ação celebrativa. Ela é vida do fiel e da Igreja e a vida abrange o antes e o depois da celebração. Portanto, ela não se esgota no ato celebrativo. Pelo contrário, o que precede (o “antes” celebrativo) converge e culmina na ação celebrativa, e o que segue (o “depois” celebrativo) provém da ação celebrada34. Esta é a característica do culto cristão, porque celebrado em Espírito e verdade (Jo 4,24), precede a celebração e continua depois dela, no santuário da existência e da vida do fiel. A vida é o lugar onde se dá a verdadeira adoração e o autêntico louvor do Pai, por Jesus Cristo, na unidade do Espírito Santo35. Por Cristo, no Espírito, a celebração do Mistério Cristão é um perene sacrifício agradável a Deus e, ao mesmo tempo, é reafirmação da aliança de cada fiel na Igreja, com o seu Senhor e de Deus com a humanidade. A índole da celebração cristã é essencialmente pneumatológica. Nela, o Espírito é doado, é derramado sobre a assembleia e no coração de cada fiel (Gl 4,6). A natureza do culto cristão é trinitária, embora tem-se acentuado sobramaneira a dimensão cristo-pneumático-eclesiológica. Na verdade, Cristo-igreja se dirige ao Pai e age na força do Espírito36. «Não pode haver oração cristã sem ação do Espírito Santo, o qual unifica a Igreja toda, levando-a pelo Filho ao Pai»37. A liturgia como

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Parte 1 | A Vida Sacramental obra do Pai no Espírito Santo é o encontro nupcial do Senhor com a Igreja, à qual comunica sua vida e sua graça por meio dos seus mistérios. A celebração revela maximamente a natureza da Igreja, enquanto esta é uma realidade gerada na totalidade do mistério de Cristo38. É na força do Espírito que a Igreja canta e se dirige a Deus Pai, expressando seu amor ordenado para com seu Senhor e esposo Jesus Cristo. «A voz do meu amado! Vejam: vem correndo pelos montes saltitando nas colinas!» (Ct 2, 8)39. Assim a Igreja pode cantar: «Eu sou do meu amado, e meu amado é meu, o pastor das açucenas» (Ct 6, 3). Este deve ser, por excelência, o canto da Igreja. Ela canta para o seu Senhor porque o ama. «Quem ama canta»40. É na força do santo pneuma que a Igreja, acariciada pelos primeiros raios da aurora que desponta, suplica ao seu Senhor para abrir os seus lábios e a sua boca o aclame em uníssona e mística voz anunciando as maravilhas que ele realizou em seu favor41. O canto da Igreja é a eterna sinfonia do Espírito ressoando sobre o palco do mundo onde quer que tenha um cristão orando «em espírito e verdade». Pode-se dizer que a oração da Igreja é o grande solfejo do Espírito, sob a regência do Senhor. O canto espiritual é a sinfonia da voz de Cristo Esposo e da esposa sua Igreja. Mas a ação litúrgica não é só uma ação de Cristo e da Igreja, ela é uma linguagem fundamentalmente eclesio-trinitária: o Pai oferece à Igreja o Espírito, por isso ela pode agir por Cristo, com Cristo e em Cristo na suprema ação doxológica. O conjunto das palavras na harmonia dos textos eucológicos, gestos, expressões corporais e verbais leva a compreender a realidade litúrgica como ação da Trindade na qual evidencia-se a missão de Cristo e do Espírito Santo, que realiza-se na Igreja e é visualizado o dom do Pai na liturgia, antes de tudo porque a Igreja é corpo de Cristo e

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Pe. Joaquim Cavalcante Templo do Espírito Santo, é na Igreja que dá-se a comunhão profunda dos fiéis de Cristo com o Pai no Espírito42. A missão da Igreja é continuação, por isso sacramento, da missão de Cristo e do Espírito. A missão primordial da Igreja é celebrar a glória de Deus, «edificar e difundir o mistério da comunhão da Santíssima Trindade»43. Sábias são as palavras de Cirilo Alexandrino ao destacar a ação do Espírito, como dom do Pai e do Filho, na vida dos fiéis. Assim diz o grande Patriarca de Alexandria: nós todos que recebemos o único espírito, a saber, o Espírito Santo, fundimo-nos entre nós e com Deus. Pois embora sejamos numerosos separadamente, e o Espírito faz com que o Espírito do Pai e o dele habite em cada um de nós, este Espírito único e indivisível reconduz por si mesmo à unidade os que são distintos entre si... e faz com que todos apareçam como uma só coisa nele mesmo. E da mesma forma que o poder da santa humanidade de Cristo faz com que todos aqueles em quem ela se encontra forme um só corpo, penso que da mesma maneira o Espírito de Deus que habita em todos, único e indivisível, os reconduz todos à unidade espiritual.44

O pensamento do Patriarca alexandrino ilumina toda dimensão pneumatológica da linguagem litúrgica, porque enquanto na celebração a Igreja, no Espírito, pede ao seu Senhor o dom do Paráclito, este é doado e dá o caráter de santidade à celebração; é a ação do santo Paráclito que torna pneumática a ação da santa Igreja. A celebração é o locus por excelência onde o Espírito Santo é doado e derramado sobre a Igreja45 . Todas as tradições litúrgicas são marcadas pela presença de gestos pneumatológicos, não só aqueles epicléticos onde as mãos são estendidas46 sobre certa realidade, como o sopro ou insuflatio (Jo 20,21), sobre pessoas e coisas. Igual sentido tem a prostração no rito das ordena-

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Parte 1 | A Vida Sacramental ções, na consagração das virgens, a genuflexão, colocar-se de pé com os braços abertos, erguer as mãos, inclinar a cabeça, todos esses gestos têm um profundo significado bíblico-pneumatológico. Isto porque o paradigma da linguagem litúrgica não pode ser isolado do paradigma bíblico47 . Há outros elementos de ordem material que expressam a missão e simbolizam a presença do Espírito na liturgia: o óleo, com seu odor balsâmico, simbolizando sempre aquilo que todo cristão deve ser depois de ungido pelo santo Paráclito. Isto é, deve transmitir o bom odor de Cristo (2Cor 2,15); o anel para os casais e para o Bispo; a água quente que os bizantinos derramam dentro do cálice com o vinho transubstanciado simbolizando o calor da fé dos fiéis, cheia do Espírito Santo. Certamente os símbolos e sinais litúrgicos constituem, para o homem moderno, uma chave de leitura das realidades existenciais. Compete à pastoral litúrgica resgatar estes símbolos tão antigos quanto «apropriados para indicar a presença-ação do sagrado Pneuma»48. Um outro elemento importante que indica a presença e a ação do Espírito na liturgia é o silêncio. Ele não é um vazio de nada, é presença da plenitude do Espírito e, porque é presença plena do santo pneuma na liturgia, ele coloca a assembleia no coração do mistério santo da comunhão trinitária. O silêncio é o verbo do Espírito Santo. A liturgia é ação pneumática, onde o Espírito faz tudo como se fosse uma presença escondida. A ação do Espírito Santo na liturgia é discreta e silenciosa. É mais escondida, mais misteriosa, e por esta razão menos conhecida e menos frequentemente objeto de reflexão teológica49. A liturgia não é feita de silêncio, mas o silêncio é parte integrante da liturgia. Ele é a voz operante do santo Pneuma. É na ausência de rumores que se pode perceber o sopro do Espírito, o qual suscita in-

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Pe. Joaquim Cavalcante tuições que satisfazem os anseios existenciais de cada fiel. O silêncio é a linguagem do mistério. Sabe-se que onde o mistério é mais profundo, mais elevado é o silêncio e o desejo de contemplá-lo e mais intensamente age o Espírito Santo50. A verdadeira espiritualidade cristã nasce da verdadeira escuta do Espírito. Esta escuta cresce na experiência litúrgico-sacramental. O elemento pneumatológico na liturgia é o constitutivo fundante, cuja operacionalidade na vida dos fiéis inspira e solidifica o modo de viver segundo o Espírito. Isto é, a presença do Espírito leva ao desejo da comunhão plena com Deus e a unidade com os irmãos como cumprimento do testamento de Jesus: «que todos sejam um» (Jo 17,21). Assim, a ação do Espírito Santo na liturgia nos reconfigura a Cristo e à Igreja e por meio das ações litúrgico-sacramentais especialmente a Eucaristia, a Igreja se torna mais corpo de Cristo e mais templo do Espírito. Na Regula Fidei o artigo de fé sobre o Espírito Santo «creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida e procede do Pai»51 precede o artigo de fé sobre a Igreja «creio na Igreja una, santa, católica e apostólica»52. Este artigo, diz o Catecismo, «depende intimamente do artigo sobre o Espírito que o precede»53. Assim, a liturgia, como confissão orante da fé, proclama que o Pai, pelo Espírito, dotou a Igreja de explendor e santidade54. A liturgia e o Espírito Santo é um binômio inseparável, o qual envolve toda a vida do fiel e constitui a base da espiritualidade litúrgica e, em torno a este binômio se movimenta a pastoral sacramental55. Na verdade, poder-se-ia dizer que se trata de um trinômio: Trindade, Igreja e liturgia, pois que não há liturgia sem o Espírito, também não há liturgia sem a Igreja. A liturgia é ação da Trindade e da Igreja. A liturgia procura, por meio da assembleia, ser expressão sacramental da ação escatológica de Deus na história (Ex 35, 1; Js 9, 15;

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Parte 1 | A Vida Sacramental At 7, 38). A assembleia litúrgica reporta à reunião do povo santo no deserto. «Reuni-me o meu povo, para que eu o faça ouvir minhas palavras e aprendam a temer-me por todo o tempo em que viverem sobre a terra, e as ensinem aos seus filhos». (Dt 4, 10). A reunião dos cristãos configura a santa convocação do povo bíblico. «No primeiro dia tereis uma santa assembleia e, no sétimo dia, uma santa assembleia; nenhuma obra se fará neles, e vós preparareis somente o que cada um deve comer (Ex 12,16). O povo reunido vindo de diversas partes é manifestação, é sinal da ação do Espírito que congrega a Igreja e, ao mesmo tempo, é sinal da resposta da Igreja à divina convocação de Deus, em Cristo, no Espírito56. Com efeito, a koinonia, como obra da Trindade, faz com que a assembleia se torne um sinal antagônico das forças dispensadoras do exílio, da indiferença, da opressão, da solidão, do isolamento, para o relacionamento de vida e de comunidade57. É na ação litúrgica que a Igreja, congregada pelo Senhor, na força do seu Espírito, proclama e celebra os feitos de Deus e suplica ao Pai que cada fiel seja renovado e cresça na configuração a Cristo, na oblação e no serviço do Reino. Nesse sentido a liturgia é essencialmente ação da Santíssima Trindade. Para o Catecismo «o desejo e a obra do Espírito no coração da Igreja é que vivamos a obra de Cristo ressuscitado. Quando encontra em nós a resposta de fé que ele mesmo suscitou, realiza uma verdadeira cooperação. Através dele a liturgia se torna a obra comum do Espírito e da Igreja»58. O dinamismo do Paráclito na celebração litúrgica faz compreender e viver o mistério de Cristo atualizado na economia sacramental e na liturgia. Daqui nasce a verdadeira mística da espiritualidade litúrgica59. O santo Pneuma plasma no fiel um estilo de vida identificado com Cristo,

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Pe. Joaquim Cavalcante porque o insere no mistério de Cristo, mediante a ação litúrgica. Verdadeiramente a ação celebrativa não é ação isolada do Espírito, mas do protagonismo de toda a Trindade. No evento litúrgico, enquanto realidade constituída pelo trinômio mistério, ação e vida, o Espírito opera e vivifica tal ação, de modo que a liturgia celebrada na terra é Opus Trinitatis e já pertença à ordem das realidades celestes60. O Catecismo atribui ao Espírito toda a ação anamnética na liturgia. «O Espírito Santo recorda primeiro à assembleia litúrgica o sentido do evento da salvação, dando vida à Palavra de Deus, que é anunciada para ser recebida e vivida»61. A capacidade de ouvir e entender as leituras, de provocar e inspirar respostas de fé, é ação exclusiva do Santo Pneuma62. É neste prisma que a liturgia torna-se ação conjunta do povo do Espírito e os sacramentos são ações invocatórias, as quais constituem a unidade entre os cristãos e a comunhão com Deus e comunicam a graça santificante63. A oração do fiel, sua palavra sobrepujada pela ação do Espírito, torna-se oração e palavra de Jesus, o orante e liturgo por excelência. O Santo Paráclito forja nas pessoas a capacidade de reconhecer Cristo, de servi-Lo e de viver configuradas a Ele. Assim, ele atualiza no fiel a obra de Cristo. Por isso, a celebração do Mistério Cristão e os frutos que emanam dela constituem a obra prima do Espírito que é atualizar a obra de Cristo no grande louvor da Igreja ao Pai: a liturgia.

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