O MINISTÉRIO de JESUS no EVANGELHO de LUCAS
Como fazer um estudo teológico-bíblico a partir de Lc 4,16-30
Sumário APRESENTAÇÃO ............................................................................................ 07 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 09 CAPÍTULO I: As ações de Jesus ..................................................................... 12 1. O ensinamento de Jesus ............................................................................ 13 1.1 O ensinamento ao povo por meio de declarações sumarizadas ................................................................... 15 1.1.1 Lc 4,14-15 .................................................................................. 16 1.1.2 Lc 4,16 ....................................................................................... 17 1.1.3 Lc 4,31-32 .................................................................................. 18 1.1.4 Lc 5,17 ....................................................................................... 19 1.1.5 Lc 6,6-7 ...................................................................................... 20 1.1.6 Lc 9,10-11 .................................................................................. 21 1.1.7 Lc 13,10 ..................................................................................... 23 1.1.8 Lc 13,22 ..................................................................................... 24 1.2 O ensinamento de Jesus à multidão por meio de parábolas .......... 26 1.2.1 A parábola do semeador (Lc 8,4-8) .......................................... 27 1.2.2 A parábola do grão de mostarda (Lc 13,18-19) ....................... 29 1.3 O ensinamento de Jesus ao povo no Templo (sumários) ............... 32 1.3.1 Lc 19,47-48 ................................................................................. 32 1.3.2 Lc 20,1 ........................................................................................ 36 1.3.3 Lc 21,37-38 ................................................................................. 37 CAPÍTULO II: A missão de Jesus .................................................................. 42 1. O modo como Jesus coloca em prática suas atividades ....................... 42 1.1 Libertando os oprimidos .................................................................... 43 1.1.1 Por meio de uma declaração sumarizada (Lc 4,40-41) ............ 43 1.2 Perdoando pecados (5,20) .................................................................. 46 1.3 Libertando um endemoninhado geraseno (8,32) .............................. 47 1.4 Llibertando um epilético endemoninhado (9,42) .............................. 49 1.5 Libertando os cativos de suas enfermidades (13,13) ........................... 51 1.6 Restituindo a vista aos cegos (18,42) ................................................ 52 CONCLUSÃO .................................................................................................. 56 ABREVIATURAS ............................................................................................. 60 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................... 62
SUMÁRIO
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APRESENTAÇÃO A obra que ora se apresenta busca mostrar como o Ministério de Jesus é exercido, ao longo do Evangelho de Lucas. Para tanto, tomamos como base a passagem que narra a respeito da visita do Messias à sua cidade natal, Nazaré (4,16-30). Dentro dessa mesma passagem, descobrimos dois temas fundamentais, que dizem respeito ao seu ministério. O primeiro deles é o do ensinamento. Já o segundo refere-se à sua missão. Jesus, em Nazaré, ensina ao povo que o Espírito Santo está sobre Ele, pois O ungiu (4,18). Sua unção se deu no Batismo (cf. 3,21-22). E se, quando foi batizado, não foram reveladas quais as tarefas que Ele veio a desempenhar na sinagoga de sua cidade natal, o próprio Jesus ensina quais são essas tarefas. Um ensinamento que é colocado em prática ao longo de seu ministério público. Assim, procuramos verificar como os temas do ensinamento e missão de Jesus se repetem, ao longo do Evangelho de Lucas. Num primeiro momento, Ele ensina ao povo por meio de declarações resumidas. Jesus ensina também por meio de parábolas e no templo de Jerusalém. Constatamos também qual é a reação do povo e dos adversários de Jesus, diante da sua atividade de ensinar. Num segundo momento, verificamos como Jesus colocou em prática seu ensinamento, por meio de uma missão. Ele age libertando os endemoninhados e oprimidos por enfermidades. Ele também coloca em prática seu ensinamento na sinagoga de Nazaré, perdoando os pecados de um paralítico; perdão que revela que o cerne de seu ensinamento e missão consiste em demonstrar que Deus agora está disposto a perdoar os pecados do seu povo, para que todos voltem a fazer parte da mesma família. O presente livro mostra a metodologia que pode ser aplicada para fazer um estudo teológico de qualquer outra passagem bíblica, de caráter narrativo.
APRESENTAÇÃO
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INTRODUÇÃO Estamos iniciando nossa abordagem sobre o Ministério de Jesus no Evangelho de Lucas. O início deste se dá com a ida de Jesus à Nazaré, sua cidade natal. Ele não vai ao encontro dos seus concidadãos apenas para visitálos. Sua visita indica que Deus agora está disposto a dar ao povo de Israel os benefícios messiânicos, cujo vértice é o perdão dos pecados (cf. Lc 4,18-19). É o que Jesus ensina, uma vez entrando na sinagoga de sua cidade natal, em um dia de sábado. Ele revela-Se como o Messias ungido por Deus (v. 18). Unção esta que acontece durante o seu Batismo, onde uma voz do céu O reconhece como sendo o amado Filho de Deus (cf. Lc 4,21-22). Uma vez que, no Batismo, o conteúdo de seu ministério público não foi revelado, agora Ele mesmo esclarece qual é o esse conteúdo (cf. Lc 4,18-19). Assim sendo, as atividades principais realizadas por Jesus são: ensinamento e missão. Com efeito, o ensinamento é uma das principais atividades de Jesus no Evangelho de Lucas. Tanto é, que a referência a tal ensinamento ocorre ao longo de sua vida pública e conclui-se com a narrativa de seu processo diante do Sinédrio, onde Ele é acusado pelos adversários de sublevar o povo, ensinando por toda a Judéia, desde a Galiléia, onde começou, até Jerusalém. (Lc 23,5; cf. At 4,1-2.18; 5,25; 21,28). Assim sendo, a atividade de ensinar, exercida por Jesus ao longo do Evangelho de Lucas, pode ser vista como uma estrutura geral; atividade que é realizada com autoridade messiânica e divina, ao longo de sua vida pública e que se torna um dos motivos de sua condenação à morte (23,5). Fica claro também que, durante o ensinamento, Jesus convoca os seus a uma fé autêntica, para que possam receber os benefícios messiânicos que Ele veio trazer (cf. Lc 4,25-27; At 5,31).
INTRODUÇÃO
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Contudo, é diante da indisposição dos seus diante desse chamado, que o atentado contra a vida dEle faz surgir novamente uma outra atividade fundamental no Evangelho de Lucas: a missão. Nos Atos dos Apóstolos, depois de ouvir o discurso de Estevão (At 7,1-54), os seus adversários também se revoltam contra ele, o expulsam da cidade e o matam (At 7,7-60; cf. Lc 4,28-29). Tal morte provocou uma perseguição à Igreja de Jerusalém (At 8,1-3), sendo que, muitos dos que foram dispersos, começam a anunciar nas cidades de Samaria (8,5), Fenícia, Chipre e Antioquia (11,19), que Deus agora está disposto a dar o perdão dos pecados a todos. Veremos que, no Evangelho de Lucas, a missão de Jesus é revelada a partir da sua ida a Nazaré (4,16), do seu envio (vv.18-19) e da sua ação de passar em meio aos fiéis e seguir o caminho, como sinal de que, não encontrando a disposição em se converter por parte deles, a mensagem iria à outra parte (v.30). Paulo e Barnabé, nos Atos, diante do ciúme dos judeus por causa da multidão de gentios que se reunia para ouvir A Palavra de Deus, (At 13,44-45), ensina que era preciso que, aos judeus, primeiro, fosse dirigida A Palavra de Deus; uma vez, porém, que rejeitaram-na e julgaram-se indignos da vida eterna, eles voltaramse para os gentios (13,46). Deste modo, nossa meta no presente livro consiste em demonstrar como os temas do ensinamento e missão de Jesus, já constatados como sendo os principais na perícope em questão (4,16-30), são também dominantes durante as atividades no exercício de seu inteiro Ministério público. O que constitui o motivo principal da condenação de Jesus Cristo à morte e caracteriza a referida perícope como programática para o Evangelho de Lucas. Esta tarefa ajudará os interessados a aplicar a mesma metodologia para fazer um estudo teológico de outras passagens bíblicas, de caráter narrativo.
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CAPÍTULO 01
As ações de Jesus
Jesus vai à Nazaré no início do seu ministério público, entra na sinagoga de sua cidade natal e ensina que é o Messias, ungido por Deus no Batismo, para dar aos seus os benefícios messiânicos; cujo vértice é o perdão dos pecados (cf. Lc 4,16-30)1. O que revela que as atividades principais realizadas por Ele são: ensinamento e missão2. Temas que são freqüentes ao longo do Evangelho de Lucas (Lc 23,5; cf. At 4,1-2.18; 5,25; 21,28). Contudo, os concidadãos de Jesus não se dispõem a aceitar seu convite para uma mudança de vida, o que faz surgir, novamente, o tema da missão3. Com efeito, Ele vai a Nazaré (v. 4,16), informa quais são as suas atividades como Messias (v.18-19) e, não sendo aceito, anda por entre os fiéis e segue seu caminho, indicando que a mensagem irá à outra parte (v.30)4. Deste modo, passaremos a demonstrar que os temas do ensinamento e missão de Jesus, constatados ao longo da passagem em questão (4,16-30), ocorrem também durante o Ministério Público de Jesus, o que caracteriza a referida perícope como programática para o Evangelho de Lucas5. Assim, «os temas Cf. R. O’TOOLE, «Does Luke Also Protray», 511-512. Cf. G. GHIBERTI, «La buona novella», 105-106; R.C. TANNEHILL, «The Mission», 64. Depois de ouvir o discurso de Estevão (At 7,1-54), os seus adversários também se revoltam contra ele, o expulsam da cidade e o matam (vv.57-60; cf. 4,28-29). Tal morte provocou uma perseguição à Igreja de Jerusalém (At 8,1-3), sendo que, muitos dos que foram dispersos, começaram a anunciar nas cidades de Samaria (8,5), Fenícia, Chipre e Antioquia (11,19), que Deus agora está disposto a dar o perdão dos pecados a todos. 4 Paulo e Barnabé, diante do ciúme dos judeus por causa da multidão de gentios que se reunia para ouvir a palavra de Deus (At 13,44-45), ensina que era preciso que a palavra de Deus primeiro fosse dirigida aos judeus, uma vez, porém, que rejeitam-na e julgam-se indignos da vida eterna, eles se voltam para os gentios (13,46). 5 Segundo E.D. VAZ, A visita de Jesus à Nazaré, 06 a passagem que trata sobre a visita de Jesus a Nazaré é programática para o Evangelho de Lucas, até o anúncio aos pagãos nos Atos dos Apóstolos. De acordo com A. del AGUA PÉREZ, «El cumplimiento», 285 o que fez com que os adversários de Jesus conduzissem-no à morte foi a indisposição em abrir-se à sua missão. O que se tornou presente diante de sua ação de ensinar e agir. 1 2 3
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presentes em Lucas 4,16-30 tornam-se claros mais tarde, quando somos capazes de traçar alguns desses temas ao longo do Evangelho como um todo»6.
1. O Ensinamento de Jesus
O vocabulário do ensinamento não está presente explicitamente, na passagem em questão (Lc 4,16-30). Contudo, as palavras e ações de Jesus revelam que Ele está ensinando7. Neste sentido, se por um lado, não existe uma concentração de vocabulário que se refira ao ensinamento propriamente dito (didáskein), além das ações revelarem que Jesus está instruindo, o conteúdo de tal ensinamento também é dado8. Com efeito, não é necessária a presença de tal vocabulário, para constatar a atividade dEle de ensinar. Isto porque, anteriormente, Lucas já revelara que Jesus, voltando para a Galiléia, impulsionado pelo Espírito Santo, era reconhecido por toda a região circunvizinha e «transmitia conhecimentos» (edídaskein) nas sinagogas, sendo louvado por todos (4,14-15)9. Além disso, em nossa perícope (4,16-30), que relata a primeira aparição de Jesus em público, Lucas descreve termos didáticos que tornam presente a ação de Jesus de ensinar na sinagoga de Nazaré e revelam, principalmente, o conteúdo de tal ensinamento. O ensinamento de Jesus também é um tema que persiste, ao longo de seu ministério, por meio de termos como: mestre, ensino, ensinar e outros. E a temática do ensinamento culmina em ser uma das acusações principais, por parte de representantes do Sinédrio, diante de Pilatos, durante o seu processo (23,5); acusação esta que O conduz à morte. Entretanto, Lucas usa outros termos relacionados ao ensinamento, que estão presentes em nossa perícope e ocorrem ao longo do Evangelho. Alguns desses termos, que descrevem a atividade de ensinar de Jesus, são: levantar, sentar, ouvido, palavra, boca, olhos, escritura, parábola, dizer e ouvir10. Lucas R.C. TANNEHILL, The Narrative Unity, 62 (a tradução é minha). Segundo R.C. TANNEHILL, The Narrative Unity, 61 «o ensinamento de Jesus continua a refletir o anúncio feito em Nazaré conforme indicado em 4,43-44» (a tradução é minha). 8 Cf. G. GHIBERTI, «La buona novella», 105. 9 Cf. R.C. TANNEHILL, The Narrative Unity, 61. 10 Se, de uma parte, o verbo «ouvir» é usado por Lucas para indicar a atividade de ensinar de Jesus (cf. 5,1.15; 7,3; 18,26; 20,16 etc), de outra, tal verbo indica, também, um outro tipo de ouvir, a partir do qual ele chama diretamente a atenção do seu auditório para o que tem a dizer (cf. 8,8; 14,35; 18,6 etc). 6 7
As Ações de Jesus
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ainda usa a expressão e começou a dizer para indicar o ensinamento de Jesus na perícope em questão e também ao longo do Evangelho. Podemos nos referir também a alguns conceitos e comportamentos: o sábado, o hábito de Jesus de entrar na sinagoga, a atenção das pessoas em relação a Ele. Por assim ser, podemos constatar que o narrador inicia a narrativa sobre o Ministério Público de Jesus com a temática do ensinamento. Temática que ocorre em nossa perícope e que continua ao longo do Evangelho. A conclusão desta se dá com as últimas instruções que Ele dá aos apóstolos (24,44-49), antes de sua ascensão aos céus (24,50-53). Tudo isso mostra a ênfase que Lucas dá à atividade de ensinar de Jesus, ao longo da narrativa evangélica. Em um primeiro momento, Jesus exerce a atividade de ensinar em sinagogas, casas, ao ar livre, em lugares desertos e em outros lugares da Galiléia e região circunvizinha, bem como em territórios pagãos. Já num segundo momento, tal atividade é exercida a caminho, subindo em direção à cidade de Jerusalém. Neste contexto, Jesus ensina principalmente na cidade, no templo e diante do palácio do imperador (cf. At 5,21). Por fim, Ele ensina após a sua ressurreição, a caminho para Emaús e de novo em Jerusalém, onde dá suas últimas instruções aos apóstolos. Sendo que estes devem continuar a missão de educar, convocando todas as nações à conversão para a remissão dos pecados, começando por Jerusalém (24,47; cf. 4,18-19)11. No fundo, este é o conteúdo fundamental do ensinamento de Jesus, seja na perícope em questão (4,16-30; esp. 18-19), seja ao longo do Evangelho. E os seus seguidores e enviados continuam a proclamar o mesmo conteúdo durante os Atos dos Apóstolos. Deste modo, a ação de ensinar, realizada por Ele, consiste em uma atividade constatada ao longo do Evangelho de Lucas. A impressão que se tem é de que o ensinamento de Jesus, em Lucas, consiste em uma de suas atividades Cf. R. MEYNET, Il Vangelo di Luca, 681; A. SISTI, «Il tema del giubileo», 19. As primeiras conversões se fazem presentes nos Atos (2,37-41), sendo que aqueles que acolheram a palavra de Pedro fazem-se batizar e acrescentam-se a eles cerca de três mil pessoas (v.41). A partir disso, o crescimento numérico da Igreja é assinalado (cf. 2,47; 4,4; 5,14; 6,1.7; 9,31; 11,21.24; 16,5; 12,24; 13,48-49; 19,20).
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