Palhaçaria Feminina Nº 4

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PALHAรงaria a n i n i m e F Revista Palhaรงaria Feminina

2018 โ ข Nยบ 4

Revista Palhaรงaria Feminina

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EDITORIaL

2012

2014

Com muita alegria e luta, chegamos a 4ª Edição da Revista Palhaçaria Feminina. Contemplados no Edital para Fomento e Circulação das Linguagens Artísticas do município de Chapecó/SC, vimos a oportunidade de dar continuidade a esse projeto de registro tão significativo para a palhaçaria feminina no Brasil e no mundo. Antes de escrever essa apresentação, reli as três apresentações das revistas anteriores, e é visível o crescimento e amadurecimento pelo qual esse projeto vem passando, graças as trocas, as partilhas, as ideias que se cruzam e dialogam entre palhaças em encontros, festivais, mostras, espetáculos e oficinas Brasil a fora. Todos esses momentos em que nos encontramos são possibilidades de nos empoderarmos umas às outras. Nas páginas que seguem encontraremos artigos, relatos, especiais, extras e entrevista, todos escritos por mulheres palhaças que estão cada vez mais mobilizadas para ocuparem os espaços que desejam e que merecem na arte, na palhaçaria e na vida. Lindas e sensíveis descobertas são reveladas e compartilhadas com o leitor, e nós esperamos que todo esse material precioso que aqui se apresenta, sirva de inspiração para quem está começando e para quem está na “luta diária” para ser artista e palhaça (o) nesse nosso país diverso, riquíssimo e tão conturbado atualmente. Que a palhaçaria nos permita rir e refletir diante de tanta ignorância, violência, descaso e uma quase desesperança. Que a palhaçaria acenda a chama da alegria, limpe a poeira que cobre todos os espelhos onde tentamos nos ver refletidos, e que a nossa capacidade de amar seja motor potente para resgatar a esperança, a força e a fé na humanidade. Michelle Silveira da Silva - Editora

2015 Revista Palhaçaria Feminina - 4a Edição - Ano 2018 Publicação independente - Chapecó - SC ISSN XXXX 1. Artes 2. Periódicos 3. Circo 4. Palhaçaria

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Revista Palhaçaria Feminina

Michelle Silveira da Silva Editora

Wendy Sampaio Tradutora

Miguel Vassali Designer Gráfico

Revista Palhaçaria Feminina

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Encontros

E S P E C I A L

A importância dos festivais de comicidade feminina a cerca de “Esse Monte de Mulher Palhaça”

R E L AT O S Uma carta para minha avó Mariana Gabriel

Parto de Mim Karla Concá

Palhaços sem Fronteiras

Dani Majzoub

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Palhaçaria a herança a alegria Cia Traço

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Drica Santos

Meu primeiro encontro: Sobre o Encontro Internacional de Palhaças de São Paulo

08

Aline Moreno

Negra palhaça: representatividade e descolonização

Andrea Macera

06

14

Palhaças do mundo: Encontro de palhaças de Brasília Ester Monteiro

MINAS Sobre Mulheres Inusitadas de Narizes Encontro de Mulheres Palhaças de Uberlândia

Palhaça - Nara Oliveira

Giovanna Parra

Mostra tua graça palhaça

A R T I G O S Palhaçarias Femininas: Autopoéticas e Errâncias Manuela Castelo Branco

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Reflexões sobre Barrica poráguaabaixo espetáculo de Michelle Silveira Jennifer J. de Jesus

Da vida real à ficção: referências fílmicas biográficas para mulheres palhaças Michelle Cabral

Striptease ao contrário Ana Fuchs

22

O Riso que Habita o Ventre da Terra

Felícia de Castro

Enne Marx e Nara Menezes

42

Rede Catarina de Palhaças

Andrea Macera Sarah Monteath dos Santos

44 46

Festival Palhaça na praça Da arte de encontrar: Encontro de Palhaç@s de Joinville Bia Alvarez

48

26

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Festival Palhaça na praça Laís e Thaís Oliveira

Mais encontros por favor...

Mulheres Palhaças: Percursos históricos da palhaçaria feminina no Brasil Sarah Monteat dos Santos

PALHAÇARIA Festival Internacional de Palhaças do Recife

Laís e Thaís Oliveira Bia Alvarez

Palhaçaria pessoal numa perspectiva feminina, feminista, ritualística, política e selvagem

Lia Motta

E X T R A S

Eva Ribeiro e Catarina Mota

ENTREVISTA

SER PALHAÇA MEXICANA Um especial com palhaças do México

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Darina Robles e a Rede de Palhaças Mexicanas 4

Revista Palhaçaria Feminina

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54

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Robson Rodrigues do Nascimento

56

Circo

E S P E C I A L

57 58

Mulheres palhaças sob as lonas circenses Ermínia Silva

59

Matusquella e a Circa Brasilina Manuela Castelo Branco

60

Palhaça Ferrugem e o Circo Grock

Um especial sobre as Palhaças Portuguesas

E N T R E V I S TA

com Julie Goel

52

Gena Leão

66

Palhaça Pipoca e a cia teatral Turma do Biribinha Seliana Silva

Palhaça Barrica e o Teatro Biriba

70

Michelle Silveira da Silva

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Revista Palhaçaria Feminina

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pai João Alves, meu bisavô, que rodava de trem pelo lindo país da gente na época áurea do circo no Brasil. Idos do comeco do século passado. Já fizemos um público de mais de 4500 pessoas. Acredita? Nem a gente! Exibimos o filme em festivais de circo, de teatro, em centros culturais, nos SESCs, fizemos sessões em cinemas históricos, em praças públicas, em escolas para crianças, universidades, centros de convivência aos idosos, até maternidade… Vó, ocupamos uma parede de igreja! Aliás, a senhora não vai acreditar!

Uma carta para minha avó Ay, ay, ay, ay Canta y no llores Porque cantando se alegran Cielito lindo, los corazones

Palhaça Birota

Mariana Gabriel Fo t o s

Esau EzGz

Eram esses os versos que a gente cantava, não é, minha vó? Eu no piano e a senhora na cantoria! E a cada ay, ay estridente seu, eu caía na risada! E eu esperava ansiosamente pelos seus ay, ay, ays… Que saudade, vó Eliza! Saudade que aperta o peito!

Mariana Gabriel é cineasta, jornalista e palhaça. Diretora do curta-metragem Iara do Paraitinga, dos documentários Circo Paraki, Mar Português (gravado em Lisboa, exibido na ESPN Brasil) e Minha avó era palhaço, contemplado no Prêmio Funarte Carequinha de 2014. Trabalhou como jornalista e produtora de 2007 a 2015, na ESPN Brasil e no programa Manos e Minas da TV Cultura. Hoje retoma a história de sua família materna, que é tradicional de circo, família Alves, do Grande Circo Guarany. mari.li.gabi@gmail.com 6

Revista Palhaçaria Feminina

A senhora foi palhaço, palhaço homem, o Xamego! Até o momento, que se sabe, a primeira mulher palhaça do Brasil. A senhora sabia disso? Me refiro aqui ao palhaço do circo moderno, o excêntrico, que era a grande atração dos circos no final do século XX. Pois sim! Pelo que se sabe, a senhora foi uma pioneira! Sabe? Foi no começo do ano de 2014, mergulhamos numa pesquisa grande sobre sua vida depois de contemplados num Prêmio Funarte Caixa Carequinha de fomento ao Circo - edital que infelizmente não existe mais e que proporcionava importantes projetos sobre a memória cultural do nosso país. Digo mergulhamos, porque ao meu lado estavam meus pais e grandes profissionais do cinema que se tornaram amigos e família.

Sim, sua filha, Daisinha, está começando a gostar do Xamego! Tem tentado até imitar a sua voz, relembrar dos seus números! E meu pai comilão, continua com saudade da sua carne assada e da feijoada… e também daqueles sambinhas nossos que faziam a alegria da vida da gente! Falta a senhora nessa roda, vó! O tio Aristeu, grande guitarrista, está mais quietinho do que antes. Acho que é saudade da senhora, do filho Alexandre… Todos nós temos saudade né? A verdade é que descobri histórias e passagens da sua trajetória que nem imaginava. E a cada novidade, mais orgulho eu sentia e sinto da senhora, minha avó! Desse projeto de pesquisa nasceu o blog do palhaço Xamego e o documentário “Minha avó era palhaço”. Um filme que tem percorrido o Brasil. Até agora, foram 77 exibições em 8 estados brasileiros e o distrito federal, Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Goiás, Brasília, Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais…E temos convites até outubro de 2018! Parece magia, encanto… nem sei! Nossa “caravana” – sim, porque vamos sempre em família e depois das sessões do filme, tem bate-papo com o público - parece até o Circo Guarany, do seu

Sim! Foi na igreja que a senhora frequentava, Igreja Nossa Sra do Rosário da Penha. A Igreja dos Pretos. Lembramos tanto da senhora. Das velinhas que acendíamos juntas! Minha mãe, eu e a senhora! Rezamos muito pela senhora essa dia! Era nosso lugar sagrado, não era? São passagens memoráveis, impensáveis! Como a sessão em Belo Horizonte, no “Festival de Teatro Negro Benjamim de Oliveira”... Em homenagem ao Tio Benjamim, como a senhora se referia a ele, conhecido como o primeiro palhaço negro do Brasil… O pessoal abriu o evento dizendo “Salve, Maria Eliza Alves dos Reis”! A senhora acredita, minha avó querida! Ser homenageada num evento onde o patrono é o Tio Benjamim, que a senhora tanto admirava! Chorei muito aquele dia!... Sempre me emociono muito! Em Ouro Preto, tem crianças do Circo da Gente, um projeto social, exibindo um espetáculo com as Xameguinhas, em sua homenagem. Aqui em São Paulo, tem um grupo incrível querendo montar uma exposição sobre a senhora, querem reconstituir seu figurino de Xamego! Ai, tanta coisa! Muitos desdobramentos, vó! Isso sem falar dos bate-papos, que são uma revolução! Estamos vivendo momentos difíceis, mas de muita luta também no país e no mundo. Pra quem viveu 98 anos e enfrentou duas guerras, imagino que a senhora saiba bem como são essas fases… Os debates da gente vão desde a

questão da memória do circo brasileiro, do protagonismo negro nas artes, das questões da mulher, à questão da palhaçaria e comicidade femininas, ou discussões de gênero... Pra senhora ter ideia, tivemos uma conversa impressionante com alunos das Fábricas de Cultura de São Paulo na Vila Nova Cachoeirinha, zona norte, crianças de 10 a 13 anos. Relembramos Nelson Mandela, conversamos sobre preconceito racial... Uma vitória, vó! O preconceito ainda existe, mas estamos começando a falar sobre ele mais abertamente. E o filme e a sua história tem contribuído e proporcionado momentos de reflexão sobre esses temas tão caros. E preciso te dizer! Sabe que na última terça-feira, vivi mais um momento mágico… Participei do III Encontro Internacional de Mulheres Palhaças! Sim, vó! Tem muitas mulheres palhaças agora! E as mulheres palhaças estão à frente de um movimento bonito… Estamos construindo nossa dramaturgia, mergulhando nos nossos universos, pensando a graça feminina… Um processo coletivo, uma rede nacional e internacional também… Tem mulheres do México, da Colômbia… Digo estamos, vó, porque também sou palhaça! É mesmo! E com muito orgulho! E com a senhora como referência! E na última terça-feira. Revivi o nosso momento mágico! Cantei com a senhora e com o Xamego – juntos numa só figura – o nosso Cielito Lindo! Com direito a um monte de ay, ay, ay!!!kkkkk Vou tentar parar de chorar quando assistir ao filme. Vou lembrar do tanto que a gente ria e se divertia juntas! Vou guardar esse recado da nossa cantoria: Canta y no llores! Acho que a senhora sabe de tudo isso e está comigo o tempo todo, não é não? Tenho certeza! Viva a senhora, minha avó! Viva o Xamego! Viva a palhaçaria feminina! E manda beijo pra Tita, pro vô, pro Bisô, pro Tio Toninho e pra Bisa Brígida! Revista Palhaçaria Feminina

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Parto de Mim

Palhaça Indiana da Silva

Karla Conca Fo t o s

Bruna Leal e Claudia Bernett

Sou Karla Concá, palhaça, atriz, diretora e criadora do projeto Síndrome de Clown, professora de palhaçaria, fundadora e integrante do grupo As Marias da Graça desde 1991. O grupo é composto por Geni Viegas, Samantha Anciães e Vera Ribeiro. Atualmente faço parte de um coletivo “Profanas Palhaças de Cabaré!”. Criado em 2017, no Rio de Janeiro por várias palhaças com a intenção de nos unirmos, trocarmos e nos acolhermos em nossas diretrizes. concakarla@gmail.com 8

Revista Palhaçaria Feminina

Ao se falar em palhaçaria, palhaçada ou qualquer outro termo ligado a essa técnica, para algumas pessoas ainda vem somente a figura do gênero masculino, o palhaço. Dos anos 90 pra cá muito recente, e falando de Brasil aonde eu pretendo me situar, esse cenário do homem como figura central da palhaçaria começa a se modificar e as palhaças emergem por todos os lados: No teatro, na TV, em festivais, em cabarés, na rua, nos hospitais... Uma ocupação do gênero feminino no lugar fálico rígido do universo masculino, surge. E como qualquer mudança de sistema acostumado a ser o mesmo há muitos anos, é natural que cause dúvidas, estranhamentos, equívocos e incômodos. Toda mudança é expansiva. Acontece do micro para o macro. Chegamos então na inclusão do gênero além da aparência física, mergulhamos na escrita, na dramaturgia. E nesse quesito temos escolhas, não só uma tradição... Ponto pra gente! Esse é o lado positivo de não se ter uma tradição inteira nas costas nos exigindo um padrão. Podemos recorrer tanto a dramaturgia prontas, já pré-existentes no mercado circense, como criarmos a nossa própria dramaturgia. E esse tem sido o caminho escolhido por um grande percentual de mulheres palhaças, o que não deixa de ser uma forte característica feminina...a resignificação!

Trabalhar a partir de um novo conceito, o da criação própria. Uma forma autêntica de existir em um meio tradicional dramatúrgico já pré existente, nos leva a processos pessoais de criação onde o núcleo do que queremos dizer não necessariamente corresponde a um início, meio e fim identificáveis em uma lógica, mas podendo transitar durante todo o espetáculo. O que seria mais próximo da forma de pensar no conceito de “Rizoma” dentro da “teoria do conhecimento”, no pensamento de Gilles Deleuze e Félix Guattari do que no pensamento do conceito dramatúrgico de Aristóteles, sobre o “Herói e sua trajetória”. E nesse lugar esbarramos com vários tipos de representação feminina: • clássicas, arrumadas • convencionais, tradicionais • inusitadas • bagunçadas, revolucionárias • exaltadas e livres... O que realmente importa nesse caso,é a presença da palhaça em seu estado de força e representação. O que ela vem dizer, é de escolha pessoal, dentro da perspectiva de vida dela ou não do momento. Na sua maioria as palhaças falam de questões pertinentes ao mundo feminino, o que vem gerando alguns incômodos principalmente por parte dos homens. Faço uso da palavra “principalmente”, porque as vezes, encontramos mulheres que se incomodam também, e é natural dentro de um sistema fortíssimo

patriarcal. Há muita coisa a ser acordada. A bela adormecida ainda ronda entre nós! Não dá para escrever um texto sobre dramaturgia feminina na revista mais importante de Palhaçaria Feminina, que eu conheço, sem deixar registrado aqui algumas frases as quais nós mulheres ainda ouvimos dos palhaços homens, em pleno 2018, sobre a nossa forma de atuação. Seguem algumas: “Se continuarem a falar assim só de vocês, vão acabar esgotando o repertório de vocês.” Comentário de Karla: Como se repertório de mulher se esgotasse. “Vocês são muito agressivas!” Comentário de Karla: Geralmente essa fala vem quando a cena da palhaça vem falando de algum tipo de violência que a mulher sofre, seja ela física, verbal ou só patriarcal. “Vocês só sabem falar de vocês?” Comentário de Karla: Sim a questão é que nós sabemos falar da gente e não temos problema nenhum em falar de nós mesmas. “O número de palhaças está aumentando muito e as mulheres estão sendo muito ferinas nos seus números e se perde a sutileza do humor.” Comentário de Karla: Bom, convido a quem estiver lendo esse artigo agora, a puxar pela memória e lembrar das gags, reprises, efeitos cômicos ou números de tradição da palhaçaria onde os homens atuam. Vamos relembrar? Como são tratadas as mulheres nesses contextos? Beijos roubados, bundas sendo chamadas de inspiração, colocando a mulher sempre em planos inferiores, seja de comparação ou no lugar de estupidez e sendo invasivo sobre nosso corpo. As crianças não, essas sempre preservadas,porque palhaço nessa hora das crianças tem que ter a “sutileza no humor”. O ferino nesse caso está em quem? Na dramaturgia das mulheres falando delas mesmas, em suas várias situações dentro de um sistema patriarcal ou em uma tradição dramatúrgica circense na qual a mulher é inserida como consumidora de um riso contra ela mesma? E a última frase, dessa vez vindo de uma mulher palhaça para outra: “Você é muito gorda e desarrumada pra ser Palhaça!” Comentário de Karla: Por essa fala

equivocada é que precisamos ter uma dramaturgia própria, porque ainda passamos por esse tipo estético de aceitamento pela sociedade, e passamos também por muitas outras violências, que nos fazem querer falar delas em cena. Já que não somos uma personagem, somos nós mesmas em suspensão, em núcleo preservado então falaremos de nós e de nossos contextos. Não? Acredito que homens também tenham seus contextos a serem ditos mas preferem não tocar neles. Ok! Está tudo bem. Mulheres e Homens são diferentes: humores, conceitos, escolhas, focos... O que é risível para um é diferente do que é risível para outro. Como professora, diretora, dramaturga, palestrante desse assunto, tenho sempre em meu pensamento o público. Acho fundamental e catártico que o público feminino vá assistir a um espetáculo e se identifique com propriedade do que esteja vendo, sem ser apenas uma consumidora de um riso que a leve para um lugar de vulnerabilidade emocional. Uma das belezas da dramaturgia feminina para mim, consiste em libertar a “mulher público” de seu dogma enquadrado e de seu cotidiano restrito e levá-la a novas possibilidades, de escolhas e pensamentos, tendo a oportunidade de repensar a sua vida. Nos meus espetáculos como diretora e coautora, intensifico a personalidade da palhaça que eu estou dirigindo, para que o que saia dela como texto ou ação seja aproveitado por qualquer público que vá assisti-la, seja homem ou mulher. Mas o fato de ser um texto falado e escrito por uma mulher, a identificação pelo público feminino é direta, fazendo com que o riso seja imediato. O que não necessariamente vai acontecer com o riso do público masculino, o imediatismo dá espaço para uns 5 a 10 minutos depois. Dirijo gordas, idosas, negras, brancas, jovens... e sempre temos algo a dizer. Tudo o que vem na nossa cabeça deve ser respeitado1.

1 Convido a lerem o artigo: “Palhaçaria Feminina: Trajetória de investigação e construção dramatúrgica de espetáculos dirigidos por Karla Concá.” Esse artigo foi escrito por Ana Borges e eu e fala sobre o processo de dramaturgia feminina a partir de 4 espetáculos dirigidos por mim. Foi publicado no Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X).

Revista Palhaçaria Feminina

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Palhaços sem fronteira Palhaça Donatella

Aline Moreno Fo t o s

Ricardo Avellar

Aline Moreno, atriz, palhaça e fundadora dos Palhaços Sem Fronteiras Brasil. Formada pelas escolas Célia Helena (São Paulo), Escuela Internacional de Teatro Berty Tovías (Espanha) e ESLIPA (Escola Livre de Palhaços-RJ). Trabalha na Cia. Le Plat du Jour, na Cia. Cromossomos e é uma das articuladoras da Rede de Palhaças. li_teatro@yahoo.com.br 10

Revista Palhaçaria Feminina

Com os Palhaços Sem Fronteiras Brasil, coordena e atua em projetos humanitários em áreas instáveis em todo o mundo. “Palhaçaria na área de conflito?” “Riso na guerra?” “Depois de um furacão?” Essas são perguntas que escuto de forma recorrente. Em geral, as pessoas pensam que todos necessitam somente de comida, água e casa, o que, até certo ponto, é verdade. Porém, todos nós precisamos de afeto, ainda mais em um mundo pautado pelo material, no qual nos esquecemos do imaterial, daquilo que alimenta nossa alma. E a arte é um desses alimentos. Quando alguém passa por um trauma, seja ele de guerra ou catástrofe, se despedaça. E a palhaçaria e o circo são um potente regenerador emocional. Foi por isso que me enamorei do ofício realizado pelo Palhaços Sem Fronteiras. Para que vocês viajem comigo nessa história, vou contar como tudo começou: No Natal de 1992, Tortell Poltrona recebeu uma ligação de um grupo de crianças de uma escola de Barcelona. A proposta era que ele apresentasse espetáculos nos acampamentos de refugiados da antiga Iugoslávia, que naquele momento se encontrava em guerra. No dia 23 de fevereiro,

partiram para a jornada iniciática do que, no futuro, seria o Palhaços Sem Fronteiras, e ali ficou evidente que o circo e a palhaçaria poderiam ser uma ferramenta importante no apoio às populações afetadas por traumas de guerra. Em 2018, celebraremos 25 anos de existência. Atualmente, a organização tem uma sede internacional na Espanha, o Clowns Without Borders International, e está presente em 15 países. O Palhaços Sem Fronteiras Brasil é o primeiro membro da América Latina. E eu sou Aline Moreno, fundadora, presidenta e palhaça da organização no país. Sim, vai ter mulher palhaça na área de conflito. Em nosso primeiro ano no Brasil, compartilhamos o riso por meio de sete projetos, em quatro países e territórios da América Latina: Riso Doce, Ocupa Riso, Refugiados, Quilombos do Vale do Ribeira, Jornada em El Salvador, Projeto São Martinho e Projeto Colômbia, em áreas de exclusão, de alta desigualdade social, afetadas por catástrofes ambientais ou em guerra civil. Todos projetos realizados com muita coragem – que, literalmente, significa “agir com o coração”. Nosso trabalho está comprometido com os Direitos Humanos, num

mundo onde se instiga a construção de muros. E o nosso grande desejo é construir pontes. Pontes de comunicação, para que a gente se contemple com os olhos da empatia. Pessoalmente, sinto que desenvolver esse projeto me expande como ser humano. Depois das experiências que vivi e que tenho vivido em campo, pude constatar que nada está separado, o Saara Ocidental, o Rio Doce, a Nicarágua, e que tudo faz parte de um todo, do mesmo planeta. E me sinto responsável por ele, seja na Síria, seja na rua da minha casa. Conviver com seres humanos em situações extremas me fez ver como é ridículo tudo isso que se passa no mundo, a exclusão, as diferenças sociais, a guerra, e toda forma de negligência e dano, todos atos irresponsáveis. Tudo isso me parece uma grande piada. E é justamente a resistência do riso o que me ampara neste mundo bárbaro. Com relação a ser mulher e palhaça, as histórias são muitas. Quantas vezes escutei que não podia ser palhaça, ou que o fronte não é lugar para mulher? Pois vou dizer uma coisa. Quando nós, palhaças, acrobatas, malabaristas, trapezistas, paradistas, ocupamos a cena, em lugares onde muitas vezes mulheres e meninas não podem nem pensar em outras possibilidades de vida, nós abrimos caminhos. Quando essas mulheres nos veem ali, elas vislumbram outros caminhos. É isso o que nos move. Diariamente, enfrentamos diversas situações de machismo, e por isso um dos nossos valores, no Palhaços Sem Fronteiras, é a equidade de gênero. Enquanto essa não for uma regra dentro

do sistema, criaremos essa regra, até que um dia ela seja realidade em todos os lugares. Para terminar, gostaria de contar uma história de como podemos contribuir para a questão feminina, sendo palhaças. Quando chegamos à Nicarágua, em 2016, um dos pedidos da organização local foi falar sobre o machismo. A América Latina como um todo tem um índice de feminicídio altíssimo. Então nós, da organização, explicamos que nossos espetáculos não eram pedagógicos, mas que poderíamos de alguma forma abordar o assunto através da linguagem do circo e da palhaçaria. O resultado foi uma cena simples no meio do espetáculo. Um palhaço que jogava malabares era interrompido por uma palhaça, que pedia para jogar malabares. O palhaço respondia que mulheres não podiam jogar malabares. Nesse momento, surgem duas palhaças e dizem: “Sí, se puede”. E todas as crianças diziam que não. A palhaça, num truque, rouba os malabares do palhaço, e nesse momento todas as crianças dizem: “Sí, se puede”. Ela joga feliz, olha para o palhaço e diz: “Vamos jogar juntos?” E, assim, termina a cena. Sim, nós podemos. Queremos isso, construir uma história de jogar juntos: mulheres, homens, adultos, crianças, mulçumanos, católicos, brancos, negros, índios, orientais, ocidentais, todos. Queremos uma história sem fronteiras. Revista Palhaçaria Feminina

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Palhaçaria a herança da alegria Cia Traço Fo t o s

Diogo G. Andrade e Chris Mayer Débora de Matos (Esmeralda) e Greice Miotello (Gretta Panschetta) trabalham como palhaças desde 2003. Ao lado de Egon Seidler (Jubi) coordenam as Traço Cia. de Teatro. Possuem formação com Iván Prado, Sue Morison, Ângela de Castro, Chacovachi, Ricardo Puccetti, Pepe Nuñez, Esio Magalhães, Marianne Consentino, Adelvane Néia, Patrícia Santos... Com a Traço, investigam a expansão de territórios artísticos por meio da palhaçaria e do teatro de rua. Coordenam e integram o Projeto (A) Gentes do Riso e a Mostra Traço de Bolso – o riso corre solto... E são parceiras da Associação Cultural e de Cooperação Internacional Pallasos en Rebeldía. tracociadeteatro@yahoo.com.br 12

Revista Palhaçaria Feminina

Dizem por aí que quando duas pessoas riem juntas, as almas delas se abraçam. Mas, quando muitas pessoas riem juntas, as almas delas celebram. E, foi para celebrar a vida, que a palhaçaria (em suas múltiplas facetas) sempre existiu. Sua arte incandesce o brilho que há em cada pessoa, entoando um riso transgressor. O riso liberta mundos. O riso derruba muros. O riso alarga fronteiras, aproximando diferentes povos e culturas. O riso encoraja os sonhos. O riso iguala-nos diante da vida. Somos Traço de vida e Pallasas en Rebeldía. Dançamos ao lado de diferentes povos em diferentes processos de lutas e resistência – uma dança em riso, um rezo em alegria. Muitos povos. Muitos povos que esperam. Muitos povos massacrados. Muitos povos acolhedores. Muitos povos cansados de esperar. Muitos povos fortes e sábios. Muitos povos para os quais lutar, mesmo que encarando a morte, é a única esperança de continuar a existir. Muitos povos que lutam por seus territórios, terras sagradas onde o tempo pára, eternizado. O mesmo tempo que, nas terras de cá, faz a gente rapidamente esquecer. Terra meu corpo /Água meu sangue /Ar pensamento / Fogo meu espírito1. Desde 2014, nós da Traço junto com

a família Pallasos en Rebeldía, levamos a palhaçaria para áreas de retomadas indígenas em AL, SC e MS. Dormimos em áreas de retomada de terra. Áreas amedrontadas pela vigília de pistoleiros. Áreas de escassez de comida e água. Áreas onde carne bovina vale mais do que a vida humana. Vimos áreas intituladas “reservas indígenas” que nos lembraram dos campos de refugiados palestinos2. O contato com essa realidade brasileira foi o suficiente para encher os olhos e apertar o coração. Em muitos desses territórios mulheres lideram seu povo. São guerreiras. Empoderadas. Lideranças em resistência. Prontas para lutar por si, por sua ancestralidade, por suas terras, por suas crianças, pela perpetuação de sua etnia. Em 2017, num retorno a Dourados (MS) e a Casa dos Ventos, pedimos a Fabi (ativista e gestora cultural) que mediasse uma visita nossa em uma área de retomada de terra indígena para realizarmos uma ação Pallasos en Rebeldía, levando o riso em forma de luta e esperança. Os ventos sopraram, promovendo um ajuntamento inesperado. Quando vimos estávamos nós, Débora, Egon, Greice, Isis e Dodô, ao lado da Fabi e da Dani, uma liderança kaiowá e filha da principal liderança da retomada Guyra

Kanby’i. Dani estava de passagem na Casa dos Ventos. Na manhã seguinte, ao lado de Dani, Fabi e outros ativistas da região, seguimos em direção à retomada. Passamos o dia, conhecendo um pouco de suas histórias. Foi na casa de reza que a liderança pediu que fizéssemos nosso trabalho e assim foi. Uma alegria compartilhada! Ao final, cada pessoa naquela casa de reza fez uma fala de gratidão e despedida. Um menino indígena, como num depoimento, falou que se viu pensando em quanto tempo não ria desse modo e por muito tempo também não riam assim todos juntos. Cada fala chegava como um abraço, uma brisa que eternizava aquele encontro. Já era hora de partir e sentimos certa tensão no ar, em função dos confetes que coloriam o chão de terra vermelha. Algumas pessoas já haviam nos dito que não poderíamos deixar os confetes no chão da casa de reza. Então sabíamos, esse era o momento de recolher o rastro de nossa passagem. Quando começamos a juntar aqueles confetes, a liderança da retomada (pai da Dani) no mesmo instante pediu que os deixássemos ali como uma “herança” da alegria. Nos últimos anos, visitamos 14 aldeias e retomadas indígenas. Por onde passamos, deixamos o riso e a alegria como forma de apoio aos processos de luta e resistência. Na mala, trouxemos memórias eternizadas: jantares à luz de velas em barracos de lona; noites de histórias, danças e cantorias; refeições em travessas compartilhadas; medicinas que

ainda trabalham em nossos sonhos. Vivemos muitos anos a cada dia. Danças sagradas. Rezo Guarani. Rezo Kaiowá. Águas Terena. Toré KaririXocó. Matas sagradas. Cheiro de urucum. Traços de Jenipapo. Colares. Maracas. Cocares. Pawi. Fogo. E depois de tudo, como voltar para casa? Como seguir com processos de criação? Como lidar com a sensação de “insignificância” diante da vida e do fazer artístico? Como não permitir que a vida ordinária do dia a dia nos deixe esquecer os diferentes “mundos” que atravessamos e nos atravessam? Como não lutar? Como ser mulher? Como ser mãe? Como ser palhaça? Como ser uma guerrilheira da arte e do amor? Já não somos as mesmas e nem mesmo queremos ser. Então, foi necessário muito trabalho - cenas, intervenções, encontros e a criação de um novo espetáculo - para que a Traço continuasse a respirar. “Provisoriamente não cantaremos o amor”. Um canto de amor que nasce do ajuntamento de todas as terras que trouxemos nos pés, nos figurinos, nas malas. Brota de uma raiz como um grito, liberto por muitas vozes3. Cresce num tronco que rasga o céu, como um espaço para não esquecer. Para transbordar. Para compartilhar. Para nos regar como Cia. e florir em arte. E assim, com nossos narizes vermelhos seguimos... pintando o rosto para celebrar a vida e para lutar por um mundo que não pare de girar.

Canção que aprendemos junto ao Povo Kariri-Xocó/AL. Diferentes povos em um pequeno território, sitiado e aglomerado, ignorando diversidades históricas, políticas e culturais. 3 Uma criação coletiva: Débora de Matos, Egon Seidler, Greice Miotell no arranjo amoroso de Iván Prado, com a assistência de Gabriela Leite, a modelagem de Ana Pi e Zilá Muniz, o brilho de Dodô Giovanetti, a imagem de Diogo G. Andrade, o movimento de Duran Sodré e o abraço da família Sabuká Kariri-Xocó. 1 2

Revista Palhaçaria Feminina

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Negra palhaça:

representatividade e descolonização

Palhaça Curalina

Drica Santos1 Fo t o s

Chris Mayer

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Desde a faculdade tinha o interesse sobre a linguagem de palhaçaria. Mais tarde tive oportunidade de trabalhar iniciação a palhaçaria com a Cia. Traço2 de Florianópolis. Um contato mais aprofundado surgiu em julho de 2012 na oficina Bota a palhaça pra fora ministrada por Karla Concá e Vera Ribeiro do grupo As Maria da Graça3 no encontro de teatro feito por mulheres Vértice Brasil 2012 - T(i) erra Firme. Naquela época a Contação de histórias já influenciava meu trabalho como atriz. Vislumbrava na linguagem do clown a possibilidade de aprofundar meu jogo com o público; exercitar a capacidade de buscar no ato cênico a resposta rápida a imprevisibilidade. Após esse contato com o trabalho d’ As Marias da Graça, como um grupo de mulheres palhaças, estas se tornaram referência significativa em meu caminho como atriz em busca de minha palhaça. Assim escrevi o projeto Bota a palhaça pra fora de vez que foi contemplado pelo Edital Bolsa Interações Estéticas – Residências artísticas em pontos de cultura 2012 da FUNARTE. O projeto propunha a criação de um espetáculo de contação de histórias na linguagem do clown através de intercâmbio na Associação de Mulheres Palhaças As Marias

da Graça. A proposta foi pesquisar procedimentos cênicos de palhaçaria que, aliados a minha experiência como atriz/contadora de histórias, pudessem alavancar minha inserção nas práticas de palhaçaria feminina, além de criar um espetáculo de contação de histórias cujos recursos fossem mínimos, do ponto de vista material, e que se apoiassem na figura da atriz e seu jogo cênico, ou seja, a partir da descoberta e encontro com minha palhaça. Quando comecei o processo de pesquisa para o “nascimento” da palhaça percebia que da prática emergia de modo intenso, uma ligação com minha ancestralidade, meus afetos e sensações mais profundas. Na época eu estava em fase de transição do cabelo (libertação da parte alisada e assumia meu cabelo afro). E como é muito dito no mundo da palhaçaria: a menor máscara do mundo não me escondia, mas sim me revelava. E assim minhas próprias gags foram surgindo e uma relação forte com o cabelo se apresentava. A presença de minhas tias avós, minha avó e minha mãe eram visíveis nas minhas soluções e improvisações em cena. O que surgia de modo objetivo na palhaça era operacionalizado pela subjetividade de meu negro corpo. Depois de ter

criado que percebia o que me ocorria. O próprio nome: Curalina surgiu de um sonho que tive durante o processo criativo. Sonhei com minha tia-avó Durvalina (irmã da minha avó) que faleceu em 2004, eu tinha uma ligação forte com ela desde criança e senti que o nome da palhaça devia ser este ou senão deveria relacionarse com este. Quando voltei à sala de ensaio, pediram para que compartilhasse um fato cômico de infância; e assim surgiu uma relação com um apelido familiar de infância relacionado a esse fato cômico de minha vida. Foi então que ao retornar ao ensaio me aproximei de minha mestra e diretora Karla Concá e anunciei com empolgação meu nome: Curalina. Houve um reconhecimento da diretora e todas as presentes que realmente era esse meu nome de palhaça; foi unânime a sensação de justeza, pois já havia tentado outros nomes que pareciam não encaixar. A escolha de minhas vestes também carregava um atributo ancestral; tinham a ver com os vestidos de minhas tias avós, como também o interesse por “coisas e pessoas antiguinhas” (era como a palhaça costumava dizer), inclusive o modo de falar e as palavras que eu acionava durante as improvisações, eram palavras que elas costumavam dizer. E a relação com o pente foi outro forte atributo da figura cômica que emergia. Minha avó e suas irmãs costumavam andar com pentes na cabeça, ou com o chamado ferro-quente e vaselina, muito usado para alisar o cabelo antigamente; era uma memória significativa que atravessou meu processo criativo. Os pentes passaram a ser um

material imprescindível que a palhaça carregava. Toda a ação do espetáculo foi girando em torno da relação com os pentes e meu cabelo. E a questão que me acompanhava era como eu transpunha aquilo a me dar força na cena, como eu reconfigurava o que era opressor (pente de ferro quente, ou “o pente que me penteia”) para uma potencialização de minha figura cômica. Penso que a Curalina é a “sombra” que me acompanha; sinto o quanto ela potencializa minha voz, no sentido mais amplo da palavra; a voz de uma atriz que acredita no teatro e no que ele pode fazer por nós, a voz da Drica mulher que se permite revisitar seu corpo, a voz da Drica negra que rediscute o termo “afro” inscrito no que ela é; enfim a gama de vozes que nos constituem como “ser vivente”. Como eu havia dito, no universo da palhaçaria houve-se muito que trabalhar os procedimentos de Clown é desnudar-se, que o nariz é uma máscara que revela e não esconde. E de fato, trabalhar a palhaça pra mim foi e é isso. A Curalina é esse ser nu de mim mesmo. Há uma questão que surgiu em novembro de 2016 com relação à questão do ridículo e as gags do meu cabelo, numa mesa intitulada Debates sobre estéticas afro-brasileiras: experiências sobre a criação de narrativas na cena teatral brasileira, um evento de iniciativa da professora Julianna4 Rosa de Souza do Departamento de

1 Drica Santos - Palhaça, Atriz, Pesquisadora e Professora. Doutora e Mestre em Teatro pelo PPGT/UDESC. Graduada pelo Curso de Licenciatura em Educação Artística (Hab. Artes Cênicas) da UDESC. http://lattes.cnpq.br/3579310772715634. Em seu trabalho como atriz há referências como: Toni Edson, Guillermo Cacacce, Fátima Lima, Matteo Bonfitto, Tiche Vianna, Julia Varley, André Carreira, Eugenio Barba, Serge Ouaknine, Renato Ferracini, Norberto Presta, Grupo Piolin, Cia. Traço, Ivan Prado, Chaco Vacchi, Miguel Rubio Zapata, Jean Jacques Lemetre, Karla Concá [As Marias da Graça], Andrea Macera, Clara Lee, Nola Rae dentre outros (as). Além de gerir seu trabalho como palhaça e trabalhar como atriz de produção independente, atualmente, colabora com a (Em) Companhia de Mulheres - Coletivo de Pesquisa Teatral Feminista. Suas pesquisas poéticas possuem os seguintes eixos: negritudes e poéticas políticas, fronteiras de atuação na Contação de histórias e recentemente alia a linguagem da palhaça à pesquisa de contação de histórias. adripsantos10@gmail.com 2 A Traço Cia. de Teatro foi fundada no ano de 2001, na cidade de Florianópolis/SC. Em sua trajetória artística, a técnica do palhaço configura-se como principal recurso pedagógico de formação, treinamento e criação. Junto a esta técnica, investigações sobre o teatro de rua e o teatro cômico popular colaboram à pesquisa cênica da companhia. 3 Com 26 anos de trabalho, e com sede no Rio de Janeiro, a Associação de Mulheres Palhaças As Marias da Graça se configura num ponto de cultura de forte referência no contexto cultural e teatral do país. São mulheres que trabalham o riso e escolheram a arte da palhaça para expressar o cotidiano feminino. Interferem assim, na visão tradicional deste universo artístico. 4 Professora Substituta no Departamento de Artes Cênicas da Universidade do Estado de Santa Catarina. É Mestre em Teatro, com dissertação defendida sobre a Dramaturgia da Dança dos Orixás - prática artística de Augusto Omolú. E Doutoranda em Teatro pelo Programa de Pós-Graduação em Teatro PPGT-UDESC. Suas pesquisas concentram-se na área de: Teorias e Práticas do Teatro, atuando nos seguintes temas: dramaturgia, teatro negro, identidade e diáspora africana. http:// lattes.cnpq.br/4004929606438427.

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Artes Cênicas da UDESC, Fpolis/SC junto ao Coletivo Nega5. Tratou-se de uma mesa de reflexão sobre teatro, negritude e resistência. A pergunta foi de que se essa minha relação com o cabelo não poderia favorecer a ridicularização do cabelo afro, obtendo o sentido inverso de identificação, superação de estereótipos e valorização da estética negra. De modo geral, na época em que foi concebida a palhaça e o espetáculo eu questionava sobre como seria minha relação com o cabelo em diversos contextos; ficava apreensiva, mas ao mesmo tempo aquilo era/é parte de mim, a perspectiva de trabalho com a palhaçaria é de que é impossível enganar-se; pois é preciso descer fundo no seu próprio ridículo para que a beleza da(o) palhaça(o) se faça. E assim fui reconhecendo cada vez mais minha triste relação de ódio com o cabelo. As movimentações que surgiam nos ensaios com o pente muitas vezes foram de pentear com raiva e a memória da dor por pentear o cabelo. Mais tarde, com as apresentações via que eu tinha que trabalhar isso comigo mesma. Compreender e transformar a relação de ódio e de onde vinha (das relações estruturadas pelo racismo). Sabia que tinha a ver com a aceitação de meu próprio cabelo e isso era muito forte para o trabalho com a palhaça, pois essa “não aceitação” vêm das lógicas racistas coloniais que me atravessam; ou seja, era preciso realmente libertar-se dos grilhões dos valores que ditam que meu cabelo é “cabelo ruim”. Neste sentido percebo a força que os “acordos” sociais realizam em nossas subjetividades e que há um trabalho árduo de reconhecer-se e reconstruir-se em meio ao projeto mímico colonial que estamos imersos

e assim emancipar-se de fato, no cotidiano do teatro e da vida; vejo que a palhaçaria vem sendo minha forte aliada nessa busca. Atualmente vejo que o que estabeleço com o cabelo está qualitativamente diferente. Antes eu começava o espetáculo como se o cabelo me atrapalhasse para contar a história porque caia na frente do olho e também porque era duro para pentear e hoje a gag de início é de que meu Black Power me dá força de concentração para contar a história e os pentes são meus aliados e meus presentes das ancestrais (da minha avó, da minha tia, etc). É claro que isso faz parte de uma onda de luta pela estética do cabelo afro que vem sendo cunhada ultimamente. Muitos debatem isso com receio de que seja mera moda. De qualquer forma considero muito pertinente essa valorização da estética negra a partir do cabelo como forte elemento de fortalecimento de nossas subjetividades enquanto negras/os e de reconstrução identitária. Sigo tentando refletir sobre em que medida a figura da Curalina reforça ou valoriza estereótipos? Qual a diferença entre o ridículo e a ridicularização no universo cômico e de palhaçaria? Percebo que desta minha experiência com a contação de histórias a concepção de minha palhaça vislumbro um rico caminho de autolibertação dos danos que as lógicas racistas, que me habitavam e que ainda me habitam, fazem com minhas negras identidades. A relação da palhaça Curalina e seu cabelo se tornaram símbolo desta emancipação, fazendo parte de um dos caminhos de luta que vem sendo cunhados ultimamente por estudiosos (as) como a Profa. Nilma Lino Gomes (2008)6 onde o cabelo é visto não apenas como fazendo parte do corpo

individual e biológico, mas, sobretudo, como corpo social e linguagem; como veículo de expressão e símbolo de resistência cultural. Nilma Lino Gomes (2008) afirma isso com base em seu estudo no qual analisou a ação e as atividades desenvolvidas nos salões étnicos de Belo Horizonte a partir da manipulação do cabelo crespo, baseando-se nos penteados de origem étnica africana, recriados e reinterpretados, como formas de expressão estética e identitária negra. A autora (Gomes, 2008) afirma que a conscientização sobre as possibilidades positivas do seu cabelo oferece uma notável contribuição no processo de reabilitação do corpo negro e na reversão das representações negativas presentes no imaginário herdado de uma cultura racista. Neste sentido que, o trabalho com a Curalina veio e vêm desenvolvendo um caminho poético que marca a passagem do sentido negativo de ridicularização ao sentido positivo do ridículo, ou seja, do cabelo afro visto como “ruim” e de modo pejorativo onde a visão do belo é o padrão de beleza branco, para uma visão do fora do padrão como a verdadeira beleza de si, onde as estruturas sociais são questionadas, ou seja, onde uma práxis revolucionária de negritudes pode se concretizar poeticamente. E assim venho galgando um espaço de construção de minha autonomia enquanto negratriz7; e atualmente venho fortalecendo esse espaço de reflexão dentro no universo da palhaçaria feminina. Buscando descolonizar pensamentos e atitudes em corpos e contextos, e trazendo a importância da representatividade negra, também, na palhaçaria.

O Coletivo NEGA (Negras Experimentações Grupo de Artes) o único grupo de Teatro Negro de Santa Catarina. Sua existência e ações extrapolam, porém, o âmbito teatral e ampliam-se na construção cultural da arte negra catarinense. Para realizar esta construção, atores e atrizes (hoje composto apenas por jovens mulheres negras, o Coletivo já integrou artistas homens ao longo de seus sete anos de existência) do Coletivo se formam para desenvolver um diálogo íntimo com a sociedade catarinense acerca de temas de interesse da população negra do Estado. O Coletivo NEGA nasceu há 7 anos de um projeto de extensão Criado pela Profª. Dra. Fátima Costa de Lima na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), buscando suprir a falta de representatividade para a população negra no campo do teatro. Influenciado pelo TEN (Teatro Experimental do Negro) fundado por Abdias Nascimento há 68 anos, no Rio de Janeiro. Hoje, com apoio do projeto de extensão, mas independe de professores, o grupo trabalha com administração e criação coletiva com Rita R.I, Fernanda Rachel, Thuanny Paes, Michele Mafra, Franco e Sarah Motta e tem como objetivo valorizar as produções teatrais de artistas negros, com destaque para as mulheres negras. Fonte: https://www.facebook.com/pg/coletivonega. 6 GOMES, Nilma L. Sem perder a raiz - Corpo e cabelo como símbolos da identidade negra. Minas Gerais: Autêntica, 2008. 7 O neologismo criado aqui é cunhado como metáfora para expressar a minha inevitavelmente especificidade enquanto atriz negra que reflete sobre seu próprio trabalho no teatro e na palhaçaria. Mais informações ver: SANTOS, Adriana Patricia. Dos guetos que habito: negritudes em procedimentos poéticos cênicos. Tese (doutorado) PPGT-UDESC, Florianópolis, 2017. 5

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ARTIGO Este artigo traz reflexões sobre nomadismo, tradição, itinerância e errância, para falar dos desafios e provocações em se assumir com uma mulher palhaça no contexto brasileiro, que é um contexto historicamente protagonizado por homens, mas que está passando por sensíveis mudanças. Ermínia Silva, uma das mais importantes e respeitadas memorialistas do circo brasileiro, junto com Luis Carlos de Abreu, em muitos de seus livros, tratam de tentar recuperar um pouco dessas muitas histórias dos circos e famílias circenses no Brasil, refletindo também sobre o circo enquanto espetáculo, tradição e renovação, bem como investigando como esses conhecimentos foram, eram, são, passados de pais para filhos, ou filhas. Ou não. Em 2010, Ermínia veio ao festival2 que organizo em Brasília, para lançar Respeitável Público... O Circo em Cena (2009). Nesse livro, segundo os autores: Para uma parte de pesquisadores e memorialistas circenses, o inglês Philip Astley, suboficial reformado da cavalaria, que desde 1768 apresentava-se com sua companhia em provas equestres, foi o responsável pela “criação” de uma pista circular e criador de um novo espetáculo. A composição do espaço físico e arquitetônico, onde ocorriam as apresentações, era em torno de uma pista de terra cercada por proteção em madeira, na qual se elevavam, em um ponto, pequenas tribunas sobrepostas, semelhantes a camarotes, cobertas de madeira, como a maior parte das barracas de feira daquele período, acopladas a pequenos barracões. O resto do cercado era formado por arquibancadas ou galerias, bem próximas à pista. (...) De início, fazia apenas apresentações equestres, alteradas posteriormente com a introdução de números de artistas – genericamente denominados de saltimbancos por se apresentarem nas ruas, praças e teatros de feiras, mas também havia artistas dos teatros fechados italianos, elisabetanos, arenas, hipódromos, ciganos, prestidigitadores, bonequeiros, dançarinos, cantores, músicos, artistas herdeiros da commedia dell’arte, acrobatas (solo e aéreo), cômicos em geral – que se apresentaram em seus entreatos, com o objetivo de imprimir ritmo às apresentações e dar um entretenimento diferente ao público. Atuavam também em pantomimas, em cenas cômicas equestres. Posteriormente, estas pantomimas serão apresentadas nos circos, sendo denominadas de pantomimas circenses. Esta redefinição da apresentação desses artistas ambulantes é considerada a base do circo moderno. Em 1779, Astley começou a construir um local permanente, de madeira e coberto, o Real Anfiteatro Astley de Artes, inaugurado em 1782. Nesse mesmo ano, um ex-artista de Astley, Charles Hughes, montou uma outra companhia, instalada a pouca distância do anfiteatro de Astley. Pela primeira vez apareceu o nome de “circo” no mundo moderno, o Royal Circus (SILVA& ABREU, 2009, p. 46-47).

Manuela é palhaça e pesquisadora em palhaçaria desde 1998. Atua desde 2008 como professora da Escola de Música de Brasília, atuando na disciplina Opera Studio, onde dirige espetáculos de ópera. É a criadora da CiRcA Brasilina , primeiro picadeiro feminino do Brasil. 1

Diversas, mas não dispersas

Palhaçarias Femininas: Autopoéticas e Errâncias Manuela Castelo Branco de Oliveira Cardoso1 circabrasilina@gmail.com Fo t o s

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2 Ermínia foi nossa convidada especial para o programa Palhaças Em Tese, que é uma das atividade que integra o festival que organizo em Brasília desde 2008, chamado Encontro de Palhaças de Brasília, e que a partir de 2016 passou a se chamar Festival Palhaças do Mundo. 3 Ermínia é filha de “Seu Barry”, artista e empresário circense, Barry Charles Silva (1931 – 2012), 3ª geração de duas importantes famílias circenses no Brasil: Wassilnovich (atual Silva) e Riego. 4 ‘Circo-família’ binômio utilizado para designar o circo tradicional brasileiro, uma vez que o mesmo era composto eminentemente por famílias estrangeiras em terras tupiniquins.

E continua: Assim, o modelo de espetáculo “recriado” por Astley uniu os opostos básicos da teatralidade, o cômico e o dramático; associou a representação teatral, dança, música, bonecos, magia, a pantomima e o palhaço com as acrobacias de solo e aéreo com ou sem aparelhos, o equilíbrio, as provas equestres e o adestramento de animais em um mesmo espaço. Essa é a base do circo que migrou para diversos países, organizando diferentes circos, marcando relações singulares estabelecidas com as realidades culturais e sociais específicas de cada região ou país. A transmissão oral do saber e a união de pontos básicos de teatralidade e destreza corporal também fazem parte da história da formação do que se chama de “dinastias circenses” (SILVA& ABREU, 2009, p. 47).

Ermínia Silva é herdeira de uma dessas dinastias3, é herdeira dessa tradição circense, ainda que não se apresente no picadeiro. Da mesma forma, nós, palhaças, somos também herdeiras desse contexto, e dessa tradição, e estamos vivendo um momento especialmente complexo e sensível em relação a divisão sexual e social do trabalho, a opressão social e simbólica do patriarcado. Então quero crer que os pesquisadores nos trechos acima apresentados apenas não se aprofundaram nessas questões sexuais porque estavam sendo universalistas ao tratar do sexos dos artistas que compunham essas companhias de saltimbancos. De onde me permito imaginar que haviam mulheres nesse contexto. Mas em que papéis, e executando quais habilidades? Imagino ciganas, prestidigitadoras, bonequeiras, dançarinas, cantoras, musicistas, artistas herdeiras da commedia dell’arte, acrobatas e cômicas em geral. Para os pesquisadores o circo tradicional brasileiro, ou o ‘circo-família’4, soube incorporar muito bem a noção de ‘tradição familiar’ no processo de socialização, formação e aprendizagem dos saberes e fazeres circenses frente aos saberes e fazeres ‘de fora’ da lona. (SILVA& ABREU, 2009). Nesse sentido, as mulheres circenses tinham uma vida bastante diferente das mulheres ‘de fora’ da lona. Eram mulheres de vida nômade e espetacular. E ainda que se fale muito Revista Palhaçaria Feminina

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em uma tradição oral, ou melhor, num processo de dinamização de saberes e fazeres pela oralidade, isso não implicava que os circenses fossem analfabetos ou incultos. Em sua imensa maioria e por um longo período o ensino das letras era feito internamente no próprio circo, inclusive e sobretudo, em função do nomadismo que os distinguia de outras profissões, e de outras formas de organização social e familiar. Foi apenas em meados de 1948 que se institui a matrícula nas escolas primárias para filhos de circenses em escolas públicas ou particulares no Brasil (SILVA&ABREU, 2009). Dentro desse particular, na vida circense a questão do nomadismo e da espetacularidade surgem como dois importantes princípios de toda a vida familiar e profissional desses grupos. O nomadismo no circo trouxe uma série de pequenas revoluções em seu modo de fazer e viver a arte que produziam. E que constantemente foi, e é atualizada justamente também pelo caráter nômade, mutável, que assumiram desde antes de Astley ou Hughes. Vejo nesse nomadismo, enquanto prática da itinerância, a característica essencial da porosidade que fez com que o circo se atualizasse sempre. Uma permeabilidade que se deu em diversas direções, mas que, em termos de gênero, teve suas delicadezas em relação à palhaçaria. Da mesma forma a espetacularidade certamente trouxe para a mulheres circenses ‘exceções comportamentais e simbólicas’ em relação as regras sociais normalmente dirigidas à mulheres de ‘fora’ da lona. A espetacularidade, entendendo-a como uma necessidade básica da vida profissional dessas mulheres garantiu também sua permanência no picadeiro. Mas qual ou quais partes do espetáculo elas vão protagonizar? E no que essa mesma espetacularidade, ou o entendimento do que seja espetacular numa mulher, contribuiu para a continuidade da tradição circense, que de certa forma, regulou atividades para mulheres promovendo uma clara divisão sexual do trabalho? Não se trata de chegar aqui e querer julgar o passado. Não se pode julgar o tempo. Mas foi nesse contraponto entre o sólido (tradição) e o líquido (experimentação, adaptabilidade, mutabilidade) que palhaças ‘explodiram’. Nem exatamente sólidas, nem exatamente líquidas. Num primeiro momento essencialmente errantes. Gasosas. Mulheres palhaças escaparam da solidez circense e embarcaram na fluidez do teatro contemporâneo, do circo contemporâneo, para por fim, explodiram. Trazendo para a discussão as ideias de filósofos como Zygmunt Bauman (2001)5, e Marshall Berman (1992)6, que ao se debruçarem sobre a modernidade se depararam com um espírito de desmanche, de ruptura, de velocidade e liquidez, trazemos para a discussão José Sterza Justo, pesquisador contemporâneo que apoiado nestes dois autores, olha para os andarilhos, os errantes, os caminheiros de estradas, e da rua, há mais de 20 anos, e para quem:

de nossa vida. São o abatimento dessa ação que define o homem entre todas as outras: edificar. Edificar, fazendo história. Isto é, uma dupla edificação: arquitetônica e histórica. A arquitetura e a história são solidárias e no fundo nasceram do mesmo ímpeto e de idêntica necessidade (ZAMBRANO, 2010, p. 03).

E segue: E ao edificar, tenta realizar seus sonhos. E sob os sonhos, alenta sempre a esperança. A esperança motora da história. E assim, nas ruínas, o que vemos e sentimos é uma esperança aprisionada, que quando esteve intacto o que agora vemos desfeito quiçá não era tão presente: não havia alcançado com sua presença o que consegue com sua ausência. E isto, que a ausência sobrepassa em intensidade e em força a presença, é o signo inequívoco de que algo tenha alcançado a categoria de “ruína” (ZAMBRANO, 2010, p.03).

A palhaçaria feminina tem dialogado diretamente, e historicamente, com essa ‘ausência presentificada’ que sobrepassa o tempo e a presença de palhaços, clowns, bufões, histriões, prestidigitadores e bobos da corte. Numa ruína sabemos que alguém esteve lá. Não sabemos exatamente quem, não sabemos exatamente quando. Mas sabemos que alguém esteve lá antes de nós. E despertamos, eventualmente, para a esperança de um reencontro. Daí me vem uma abafada sensação de que as precursoras de nossa palhaçaria estão escondidas, soterradas, invisibilizadas pelo tempo e pelo sistema patriarcal da história ocidental, que nos manteve dispersas, errantes, silenciadas ou subterrâneas. Por isso, talvez, tantas vezes, sentimos que a palhaçaria feminina ainda parece ser um fenômeno autoral, autopoético, feito por mulheres que vagam, e também vagueiam, entre as ruínas da palhaçaria tradicional. Não que a palhaçaria tradicional esteja em ruínas, ou seja em si uma ruína, mas para palhaças como eu, que transitam buscando referências femininas, a sensação de ruína é frequente. Eventualmente, enxergamos a ruína, percebemos a ruína. Um olhar mais crítico-feminista para essa palhaçaria mais sólida, histórica, tradicional nos faz perceber a comicidade feminina como um ente um tanto espectral. E para além da sensação de ruína, há dimensão da vaguidão, que nos faz estar na jornada um pouco perdidas, em dúvida se devemos seguir, ou não, a trajetória feita por palhaços, a comicidade feita por palhaços, a dramaturgia feita por palhaços, a técnica desenvolvida por palhaços, as máscaras ou tipos desenvolvidos por palhaços. Enfim... No mais, nesses últimos anos, e acredito que muito em função do movimento de aglutinação que os festivais de palhaçaria feminina tem provocado, e que ainda pipocam por toda parte no Brasil , vislumbro que agora finalmente começamos a correr líquidas, e não mais eminentemente erráticas. Como numa condensação, onde o gasoso vai se tornando líquido. Entretanto, a errância existe, persiste, foi, e é necessária. Diversas, mas não dispersas . Em condensação e em comunicação íntima. Essa será a diferença. Nos colocamos em movimento... E agora num movimento coletivo, que começo a poder chamar de ‘rolê’, o ‘rolê das palhaças’. Na base dessa re-aglutinação liquefeita, para mim, está o fortalecimento do feminismo no mundo. No meu ponto de vista, não haverá saída sem as análises, as lições, as ideias, e até mesmo a lógica de enfrentamento feminista, que é o artivismo, para a palhaçaria feminina. Começamos a enxergar a nós mesmas e a ‘nós mesmas’ enquanto grupo. Nos reconhecer enquanto indivíduos, e, quero acreditar, nos reconhecermos enquanto coletivo. Vem para o rolê?

A metáfora do ar ou do estado gasoso talvez seja mais apropriada para caracterizar a volatilidade do mundo atual, a abolição do tempo e do espaço. Apesar da maleabilidade maior do líquido em relação ao sólido, o estado gasoso é muito mais que nômade, é errático. O líquido ainda permanece de qualquer maneira submetido à gravidade, a um assentamento com um rio aprisionado ao seu leito ou os mares contidos entre os continentes. O estado gasoso dilui o próprio líquido, evapora a água, retirando a gravitação que a prende a terra, a um território. É verdade que os líquidos, como os gasosos, podem ser retidos no subsolo, mas a propriedade de expansão dos gases é incomparavelmente maior, até porque eles, sim, conseguem preencher qualquer espaço, inclusive, o da atmosfera. ( JUSTO, 2011, p.32)

De forma que toda vez que penso nessa ‘explosão’ das palhaças nos vejo num sentido errático, errante e luminoso. Mas sem muita continuidade. Vem e explode. E fico refletindo se a comicidade feminina - para além das palhaças, também se apresenta recorrentemente de forma historicamente errática... Subterrânea, e explosiva como alguns gases. Assim, nos ver, me ver, na eminência do desmanche, da ruína novamente, da invisibilização pela dispersão luminosa, me causa profundo incômodo. E recorrendo a ideia de ruína, quero relacioná-la definitivamente e poeticamente, alinhando-a ao pensamento de Maria Zamprano, pensadora, ensaísta e filósofa espanhola, que diz: O que são as ruínas? Algo deteriorado, sem dúvida, algo desabado. Mas nem todo desabamento é uma ruína. Na percepção das ruínas sentimos algo que não está, um hóspede que se foi: alguém acaba de ir embora quando entramos, algo flutua ainda no ar e algo permaneceu também. Não nos atreveríamos a permanecermos sozinhos entre ruínas, pois tudo povoar-se-ia, iria povoando-se não mais de sombras, mas de algo mais indefinível. Por quê? As ruínas são uma categoria da história e fazem alusão a algo muito íntimo 20

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BIBLIOGRAFIA JUSTO, José Sterza. Andarilhos e Trecheiros: errância e nomadismo na contemporaneidade. Maringá, EDUEM, 2011 BAUMANN, Zygmunt .Modernidade Líquida. Rio de Janeiro, Ed. Zahar, 2001. Ver mais em : Modernidade Líquida. Baumann, Zygmunt .Ed. Zahar, 2001 5

Ver mais em : Tudo que é Sólido se Desmancha no Ar. Bernan, Marshall. Companhia das Letras, 1992. 6

BERNAN, Marshall. Tudo que é Sólido se Desmancha no Ar. São Paulo, Companhia das Letras, 1992. SILVA, Ermínia& ABREU, Luís Alberto de. Respeitável Público... O Circo em Cena. Rio de Janeiro: FUNARTE, 2009. ZAMBRANO, María. Uma metáfora da esperança: as ruínas. Desterro: Sopro, n. 37, Cultura e Barbárie, out./2010. Disponível em <http://www.culturaebarbarie.org/sopro/ arquivo/zambrano.html>.

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ARTIGO

Reflexões sobre

Barrica poráguaabaixo espetáculo de Michelle Silveira

Jennifer Jacomini de Jesus jennifer.jacomini@gmail.com F ot os

Fotos Palhaça Barrica: Renato Teixeira, Piti Tomé e arquivo pessoal Foto Jennifer: Drica Santos

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Jennifer Jacomini é arteeducadora, atriz, palhaça e pesquisadora. Técnica (2008), Bacharel (2010) e Licenciada (2012) em Teatro pela UFMG, Mestra (2016) e Doutoranda em Teatro pela UDESC com pesquisa sobre a ONG Palhaços Sem Fronteiras. Formou-se em 2015 pela Escola de Palhaços do Circo da Dona Bilica, em Florianópolis/SC. Estudou palhaçaria com Ramon Merlo, Caroline Dream, Nola Rae, Ju Balsa, Márcio Douglas, Elena Donzel, Neto Donegá, Silvia Leblon, Adriana Morales, Cláudia Sachs, Naomi Silman, Michelle Silveira, Rodrigo Robleño, Gardi Hutter, Pepe Nuñez, Fernando Cavarozzi, Esio Magalhães, Ricardo Puccetti, João Carlos Artigos, Richard Riguetti, Teófanes Silveira, Iván Prado, Lila Monti, Amir Haddad, Fernando Escrich, Alice Viveiros de Castro, Cristiano Pena e Evandro Heringer.

Ressaltando a relevância desta revista para o estabelecimento de discussões, reflexões e troca de experiências sobre o ofício de mulheres palhaças e reconhecendo-a como importante espaço de registro, formação e divulgação, compartilho o trecho de uma pesquisa acadêmica realizada por mim entre 2014 e 2015 que teve por objeto de investigação o espetáculo Barrica poráguaabaixo, da organizadora desta publicação, Michelle Silveira da Silva, a palhaça Barrica. Espero com isso poder aproximar as práticas das mulheres palhaças, fomentar redes de comunicação e assim contribuir para a ampliação e fortalecimento dos referenciais sobre comicidade feminina. Nascida em São Sepé, cidade do interior do estado do Rio Grande do Sul, Michelle é atriz, diretora e professora, bacharel em Interpretação (2003) e Direção Teatral (2004) pela Universidade Federal de Santa Maria. Atualmente atua no projeto de palhaçaria hospitalar Doutores Risonhos, leciona teatro e palhaçaria na Fundação Cultural de Chapecó, em Santa Catarina, e edita um blog homônimo à revista Palhaçaria Feminina. Provocar a reflexão a partir do riso é certamente um dos desafios à palhaçaria. Como artista que revela o avesso das coisas, o ridículo da existência humana e o absurdo das situações, é essencial que a palhaça possa se posicionar diante das realidades sociais, o que implica em determinadas escolhas criativas. Esses são alguns pontos a respeito dos quais pretendo refletir a partir do espetáculo de Michelle. Talvez a principal dificuldade vivenciada pelas palhaças seja descobrir os aspectos risíveis do universo feminino, o que de certo modo contribui para reforçar a falsa impressão de que este seja um ofício exclusivamente masculino. Acerca desse aspecto, Michelle argumenta que a inserção da mulher na palhaçaria é um fenômeno recente, e que, portanto, essas artistas ainda carecem de referências, qualificação, preparo e treinamento. Ela pondera que “às vezes, alguns homens acham que as mulheres não são capazes” (SILVA, 2014) e argumenta que a superação desse preconceito demanda tempo e prática, uma vez que a palhaçaria é uma profissão de constante aprendizado. A italiana Franca Rame, atriz, dramaturga e ativista feminista, que credita à comédia e ao riso uma função social, ao defender uma criação cômica autenticamente feminina, comenta que o processo de iniciação das mulheres na palhaçaria geralmente castra a feminilidade, por meio de construções que se valem de referenciais masculinos para construção do vestuário, da voz e da corporeidade (RAME, 2004). Michelle conta que também passou pela experiência da criação de um arquétipo masculinizado, no início de sua carreira na palhaçaria. Essa influência surgiu a partir da caracterização de seu personagem, com utilização de um paletó e uma peruca. Segundo ela “era uma figura meio andrógina. (...) chamava Messiê Barrica, era meio homem, meio mulher, não tinha muito essa diferenciação”. A atriz identifica que foi a partir da mudança no figurino, com a vestimenta de um maiô, que ela começou a explorar aspectos mais femininos da sua palhaça. Embora identifique algumas diferenças de temáticas na criação em palhaçaria realizada por homens e por mulheres, a atriz percebe semelhanças na linguagem. De acordo com ela: “o que é principal e que liga os dois é que eles são um reflexo da humanidade, são o espelho da humanidade. E isso cabe tanto ao homem quanto à mulher, já que ambos são seres humanos.” (SILVA, 2014). Apesar de os princípios que fundamentam as práticas tanto de palhaços como de palhaças serem os mesmos, ressalto a importância do espaço Revista Palhaçaria Feminina

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político que as diferenças proporcionam e reafirmo a impossibilidade de alienarse dessas questões. Não trazer à cena essa discussão é igualmente contribuir para manutenção da invisibilidade de grupos historicamente desfavorecidos. Contudo, é preciso ter cautela com definições que impossibilitam o fluxo, a permeabilidade entre os campos e as intersecções políticas e culturais. Vale lembrar que a busca por igualdade pressupõe necessidade de visibilidade e garantia de espaços de poder que não se circunscreve apenas ao artístico, também está presente nas reconfigurações dos núcleos familiares, na inserção profissional, na concepção de casal, na ressignificação dos papéis sociais, enfim, em todos os campos em que há presença - ou busca pela presença - da mulher. No caso de Michelle, ela encontrou, por meio da palhaçaria, liberdade para expressar-se, como a própria atriz reconhece: “A palhaça Barrica é minha caricatura: física, de pensamento e de sentimento. Tudo em mim levado ao extremo. A Barrica é a boba da corte, a louca, e muitas vezes fala pela Michelle aquilo que o sistema não permite a ela que fale, ou a reprime. Mas como Barrica é boba, pode falar tudo e as pessoas ainda acham graça” (SILVA apud ZANOTELLI, 2009). Foi por meio desse consentimento que, desde um viés crítico, a atriz transformou em materialidade criativa para a palhaça sua própria situação de exclusão, questionando os padrões de beleza idealizados impostos à mulher na sociedade. Sobre essa questão ela comenta: “Eu aceito aquilo que eu sou e eu exponho aquilo que eu sou. Isso é um ato político, porque muitas pessoas não se aceitam como são e sofrem com isso. (SILVA, 2014).” A peça Barrica poráguaabaixo estreou em 2009 e foi construída a partir de uma cena curta, com base nas próprias características pessoais físicas, psicológicas e comportamentais da atriz, na interação com a plateia e no jogo com os objetos cênicos. No espetáculo, Michelle utiliza estratégias e recursos que descontroem estereótipos do feminino e demonstra que as mulheres, assim como os homens, também podem jogar com temáticas sexuais, grotescas e escatológicas e suscitar riso a partir disso, explorando clichês da feminilidade, rompendo paradigmas e revelando defeitos. Cito como exemplo uma cena do espetáculo em que ela surge com um tecido esvoaçante, improvisa uma coreografia de dança do ventre e então, quando o público espera a exibição de uma exímia dançarina, Barrica confessa ter participado apenas de uma primeira aula. Em outro momento, ela aparece com um buquê de flores com os quais espana as axilas e o sexo, dando a entender que está excessivamente fedorenta e conduz a atuação para o grotesco a partir do exagero, provocando uma ênfase cômica. Há outros momentos em que a escatologia é abordada, como quando a palhaça vai calçar seus sapatos e reclama do odor exalado pelo calçado: “ele não toma banho!”, ou quando confere o próprio hálito, antes de cumprimentar um participante da plateia. Michelle explica que seu aspecto físico foi, durante algum tempo, motivo de sofrimento e que interferiu diretamente na construção de sua palhaça: “Meu clown nasceu chorando. Nosso nascimento se dava dentro de um processo de iniciação bem delicado. Iríamos usar a máscara, o nariz, e para usar a máscara é preciso um ritual de iniciação a ela, e pra mim foi dolorido. Eu não sabia lidar com o meu ridículo, isso me doía e quando tive que colocar uma roupa que evidenciava minha grande barriga gorda, comecei a chorar” (SILVA apud ZANOTELLI, 2009). A atitude de Michelle de utilizar sua corpulência como ferramenta criativa, no contexto de uma sociedade preconceituosa, foi uma escolha que, como ela relata, teve origem a partir da percepção da dimensão ativista que este ato poderia representar: “Eu fui fazer um evento e teve um momento em que eu fui desfilar e eu tirei o meu casaco e fiquei com a barriga de fora. E a mulherada ficou louca: “Êêêê!!!”, gritava e aplaudia. E, naquele momento, eu percebi que 24

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expor a minha condição física, de ser gorda, era uma coisa política, entende? No sentido de que existem muitas gordas e que elas não se aceitam e que sofrem, porque existe muito preconceito, existem dificuldades, existe um padrão que nos aprisiona. Aquilo que se projeta, o que a propaganda projeta, o que a mulher tem que ser. Se ela não for, ela não é uma mulher ideal. E toda mulher quer ser uma mulher ideal. Toda pessoa quer ser a pessoa ideal, né?” (SILVA, 2014). Michelle atribui um caráter político ao ofício da palhaçaria no sentido da possibilidade de explorar os próprios limites, a partir da auto aceitação e da exposição das próprias vulnerabilidades. Segundo ela: “você assumir a sua humanidade, a sua ignorância, a sua fragilidade. Você não querer esconder algo. Poder mostrar, expor e aceitar. Isso pra mim já tem uma conotação muito importante, enquanto a gente vive em uma sociedade que tenta esconder, mascarar, em que você tem que ser o melhor, em que você tem que ter êxito.” (SILVA, 2014). Em seu espetáculo, a artista aborda, satiricamente, o comportamento social da dificuldade de aceitação da obesidade, que gera hostilidade e preconceito em relação aos indivíduos gordos. A palhaça faz isso de maneira irreverente, divertida e sarcástica, maximizando situações vivenciadas pela Michelle em razão de sua forma rechonchuda a um grau tão elevado que as torna absurdas e cômicas. Por meio do exagero de acontecimentos comumente vivenciados por pessoas gordas, constrói uma série de cenas engraçadas, tais como: a dificuldade em levantar-se do chão devido ao próprio peso, ficar entalada em uma boia ou presa em uma vestimenta, tentativas frustradas de emagrecimento, taquicardia devido à prática de exercícios físicos, derrubada da água de uma piscina plástica ao banhar-se nela. A partir dessas pequenas ocorrências, a artista explora o risível, tirando proveito de cada situação e evidenciando o ridículo delas. ¬A apropriação de Michelle sobre seu próprio corpo faz com que sua feminilidade não seja entregue à objetificação, ao contrário, torna-se uma forma de resistência a ela, e lhe serve como ferramenta de crítica. A atriz transforma a erotização e a idealização excessivas do corpo da mulher em motivo de riso, e assim critica e desconstrói padrões, desvelando a incoerência destes. Ao enfocar a obesidade, ao rir e zombar de sua própria inadequação aos padrões estéticos socialmente valorizados, Michelle está justamente realçando uma inquietação e criticando a intolerância, a falta de aceitação e rejeição em relação às pessoas gordas. Ela encontra uma alternativa eficaz de trazer à tona uma questão social que precisa ser pensada e discutida. Reconheço, portanto, em sua ação criativa uma colaboração no fomento ao debate e estímulo de mudanças de atitude em relação ao reconhecimento e valorização da mulher no acolhimento às diferenças, por meio da empatia e do divertimento. BIBLIOGRAFIA RAME, Franca. A mulher-palhaço, a bufa, a jogralesa. In: FO, Dario. Manual mínimo do ator. Tradução: Lucas Baldovino e Carlos David Szlak. 3ª edição São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004, p. 341-361. SILVA, Michelle Silveira da. Entrevista concedida a Jennifer Jacomini. Florianópolis, 14 de setembro de 2014. Arquivo .mp3 (77 min.). ZANOTELLI, Juliano. Um amor de clown. Chapecó: 19 de outubro de 2009. Disponível em: <http://julianozanotelli.blogspot.com.br/2009/10/um-amor-declown.html>. Acesso: 29 de dezembro de 2015.

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ARTIGO

O Riso que Habita o Ventre da Terra Palhaçaria pessoal numa perspectiva

feminina, feminista, ritualística, política e selvagem Felícia de Castro

palhacasbemvindassoisvos@gmail.com F otos

Dayse Cardoso e Nti Uirá

Recebi recentemente uma carta de uma participante da Vivência Palhaças, Bem-Vindas Sois Vós, uma roda de mulheres girada desde 2009:

Felícia de Castro, atua desde 1998 como atriz, palhaça e pesquisadora das potencialidades pessoais e dramaturgia do performer, ancorada no contato com as linhas de pesquisa em voz, criação e palhaço, transmitidas pelo Lume Teatro, em vivências com manifestações culturais brasileiras, e no encontro com a dança Butoh através do mestre japonês Tadashi Endo. Paralela a estas funções, tem atuado como diretora artística, produtora, professora, curadora e apresentadora. Há dezessete anos é a amada palhaça Bafuda Florência. É Graduada em Artes Cênicas na Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Mestra pelo Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas da UFBA, onde desenvolveu pesquisa acerca do processo criativo de seu espetáculo solo Rosário. 1 O grupo Palhaços para Sempre foi criado em 2000 por mim, Demian Reis, Flavia Marco Antonio, João Lima e João Porto Dias, para pesquisar a arte do palhaço e a arte do ator. 2 As palavras em itálico são termos utilizados ou criados na Vivência Palhaças, Bem Vindas Sois Vós.

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“[...]Quando lhe ouvi/ouço falar da sua trajetória, sinto que entro na época da colheita de um plantar que foi cuidado com muito zelo e inteireza e o fruto revela isso. A colheita, nos tempos dos meus avós, era também um repartir. Você, nas oficinas, reparte frutos e semeia. Saí do trabalho cheia de sementinhas. Sementinhas na alma, no coração, nos olhos, na pele, nos pés, na respiração, na lida com o tempo, com as tarefas e com a alegria. Talvez você tenha a dimensão disso. Talvez, muito provavelmente, não tenha...[...]”. Não, realmente não tenho dimensão. São muitos os depoimentos e tantos os retornos das reverberações na vida após a Vivência que é imensurável a dimensão das experiências. Reflito que a palhaçaria é algo grandioso e na minha própria vida foi um divisor de águas. Então é com muito respeito às mulheres e às dimensões que nos guiam e fazem o trabalho acontecer que vou tentar partilhar um pouco do que tem acontecido. A partir de minha busca pessoal como mulher, artista autônoma e criadora, e de meu desenvolvimento há dezoito anos como palhaça, vivenciando experiências muito diversas, artísticas, culturais, terapêuticas e espirituais, comecei a reunir rodas de mulheres. Inicialmente apenas palhaças atuantes, mas logo o trabalho se mostrou mais abrangente e necessário e fomos expandindo a roda a todas as mulheres. Esta Vivência foi se tecendo como um compartilhamento do que venho caminhando, buscando, me apaixonando. O lastro deste trabalho vem do que desenvolvi em treinamento sozinha e no grupo Palhaços Para Sempre1, a partir da minha iniciação de palhaça no VIII Retiro de Iniciação ao Palhaço e ao Sentido Cômico do Corpo, em 1999, com Ricardo Puccetti e Carlos Simioni, a partir dos cursos que fiz com o Lume Teatro em seguida ao Retiro, e do que foi acrescido das vivências e imaginários pessoais. Honro profundamente essa fonte com respeito e (I)rreverência, sempre buscando e tentando inspirar autonomia de pesquisa e criação, como nos ensinaram e como ensina a palhaçaria. Cada uma é criadora de sua vida e de sua arte, e ainda, é sua própria curadora. Fruto desta trajetória, uma dinâmica central que venho pesquisando há anos e sigo compartilhando, são as Caretas2, uma experiência que nasceu no meu corpo tocado pelo Butoh, pela palhaçaria e pela convivência com os “Mateus”, palhaços do Reisado de Congo do cariri cearense. Este exercício abre portas e janelas no corpo, tem a importância vital de revirar a nossa visceralidade, e me leva a adentrar o aspecto tragicômico de todas as coisas e a linha tênue entre essas duas dimensões. Tenho amado essa pesquisa. E o que fazemos é procurar tudo isso no corpo que nos revela tantas profundezas. Junto a estas práticas, as danças brasileiras nos conduzem, inspiram, abrem... E encontramos estranhezas, seres, corpos, danças, vozes, choros, cantos, figuras. Caminho potente de criação para as mulheres palhaças. Cada encontro com mulheres é uma revelação de mundos incríveis que estavam soterrados. Todas nós, infelizmente e inevitavelmente, trazemos as feridas e as marcas da violência, da opressão e domesticação sexual. Nosso corpo foi o primeiro território a ser colonizado. Trazemos também, umas mais, outras menos, cicatrizes doloridas do massacre contra a infância. A culpa, a vergonha e a falta de percepção do que de fato nos prejudica leva a Revista Palhaçaria Feminina

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uma autodestruição psíquica. Nosso ato político é a coragem de encarar nossas profundezas, descolonizar este corpo e ser quem somos em sua máxima potência. Subvertendo a ordem. Assim eu encaro a palhaçaria feminina e me volto para refletir qual o papel de nossos corpos e de nós como mulheres em nossas práticas políticas, artísticas e espirituais. Um dos exercícios do Retiro que ressalto e que também é chave para mim até hoje, é a Dança das Emoções, que é perceber as sensações/emoções no corpo e “ser dançada”3 por elas, num reconhecimento de que nossa musculatura é movida pelas sensações/emoções. Este “ser movida” pelos fluxos das emoções no corpo gera ações pessoais e um contato muito profundo conosco. As emoções acessadas na musculatura são portais de muitas memórias, informações e novas sensações e é um desafio para os corpos oprimidos. Respirar e entrar em contato com as próprias emoções é revolucionário, cura e liberta. E a palhaçaria é em essência respiração e dança de emoções. Então é isto o que acontece na Vivência Palhaças, Bem-Vindas Sois Vós. Porque qual o nosso papel como palhaças? Fazer com que estes mundos internos femininos venham à tona. Esta roda de palhaçaria feminina desafia, com uma grande gargalhada que vem de nossa vulva, este sistema patriarcal, machista, capitalista, desumano e racista. E dessa maneira, a criação, tão transbordante, quanto fêmea, se afirma, e nesta afirmação afiamos nossa arte e caminhamos em direção a algumas curas. Ressurgimos Deusas do Riso, ressurgimos do subterrâneo selvagem de nossas naturezas, de debaixo da terra, Somos as deusas sujas4. Esta é a palhaça sagrada que tenho procurado em mim. Um dos grandes achados criados neste percurso foi a dinâmica desenvolvida com o barro promovendo um contato profundo com nossa mãe. É ser abençoada pela terra num rito que nos conecta com nossa matriz e parir nossas palhaças-deusas sujas com uma “maquiagem’’ de lama, liberando a mulher oprimida e padronizada. O contato com este elemento tem uma grande reverberação em nós. Seguindo o caminho de encontrar em nós mesmas expressões dos tipos clássicos da palhaçaria ocidental, o Bufão, o Augusto e o Branco, nesta Jornada, cavamos nas entranhas do corpo, o nosso grotesco, até tocar nossa profunda pureza e poderosa vulnerabilidade. Nos encontramos com a mulher cômica ancestral que nos habita e ela nos leva ao contato com nossa criança mágica. Nos cursos mais longos trabalhamos o acesso à Branca partindo do arquétipo da mulher guerreira. E tudo isto acontece a partir do humor que parte do corpo e do estímulo de fortes estados sensoriais. O contato com a natureza é primordial na Vivência e potencializa enormemente estes estados. O acesso a outros estados de consciência traz muita lucidez sobre nossos processos e poderosa criatividade. O espiritual aqui está presente de forma material e concreta: movemos energias, movemos corpos, criamos e damos sentido presente aos nossos ritos. O eixo-ritual da oficina é a Baubo, antiga deusa do ventre, e o conceito de “obsceno sagrado”, refletidos pela Clarissa Pinkola Estés, no já clássico livro Mulheres que Correm com os Lobos. Longe do sentido pejorativo atual, ela remonta a obscenidade como um aspecto da sexualidade sagrada e uma sabedoria sexual bem-humorada. Havia deusas da obscenidade nas antigas culturas matriarcais e os cultos dedicados a elas eram voltados para uma sexualidade feminina irreverente. Longe de serem depreciativos, eles se dedicavam a ilustrar partes do inconsciente que ainda hoje são misteriosas e desconhecidas. A própria palavra em inglês obscene vem do hebraico antigo ob significando feiticeira. A Baubo é uma dessas deusas cuja história foi soterrada e encontramos apenas alguns fragmentos. Não era apenas uma deusa da fertilidade, como enquadrou a versão masculina dos fatos. Há um resquício selvático de Baubo na mitologia grega, na história de Deméter, a mãe-terra, que havia entrado numa profunda depressão por ter perdido sua 28

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filha. Perséfone havia sido raptada pelo Deus Hades. A tristeza da Mãe da terra por não conseguir encontrar sua filha em lugar nenhum fez tudo que ela havia criado, murchar, secar, morrer. E quem fez Deméter rir, gargalhar e a ajudou a encontrar sua filha de volta, foi Baubo, a pequena deusa do ventre, que apareceu dançando de maneira muito engraçada e obscena. Uma fêmea mágica, que não tinha cabeça, seus mamilos eram seus olhos, e sua vulva era sua boca. Essa boca contando piadas picantes arrebatou Deméter de sua tristeza e o mundo voltou a vicejar. Quem tiver imaginações do que esta boquinha de Baubo falou para Deméter, me conte, pois esta história inspirou profundamente meu corpo e está agora virando meu primeiro espetáculo solo como palhaça, “Tudo o Que Você Precisa é Amor”. Nas oficinas, articulando riso, sexualidade, respiração e prazer, que é a própria expressão de vida nas mulheres, e acredito, um segredo oculto da palhaçaria, fui intuitivamente sendo inspirada pela Baubo e estimulando através das dinâmicas desenvolvidas neste trabalho, o contato com a ancestralidade cômica que habita cada uma de nós. Através de muita dança, do mergulho psíquico e físico na dimensão do grotesco (que sugere uma proximidade com a terra), e de ritualidades do feminino, tocamos a nossa palhaça. Assim se faz a Jornada, na qual adentramos a Gruta do Riso, com os olhos físicos inicialmente fechados, mas com os olhos do útero e ovários abertos e em total estado de percepção, como diziam as antigas feiticeiras sobre o grande poder percebedor destes órgãos, para além da reprodução. Somos oráculos, mulheres! Unir mulher e palhaçaria é de uma potência avassaladora porque ambas precisam de um corpo livre para acontecer e inevitavelmente caminham para isso. Porque ambas querem acontecer, explodir, transcender. Porque ambas tem o prazer (o espontâneo, não o que nos foi ensinado5), como guia e fonte de conhecimento. Quando juntas, mulher e palhaçaria, uma alimenta e incendeia a outra, como acontece nos círculos de mulheres que se juntam para se cuidar e se empoderam. É dessa forma que ficamos mais fortes e voltamos a confiar em nossas próprias percepções. Seguimos na irmandade e imunidade do riso e da irreverência que nos protege, desafia a ordem, e todas as formas de opressão. Bem-vindas sois vós. Vivas nos queremos.

BIBLIOGRAFIA CIBELE. Oficinas de Ginecologia Política e Autônoma. Salvador Bahia, 2017/2018. ESTÉS, C. P. Mulheres que Correm com os Lobos: mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1996. LORDE, Audre. Usos do Erótico: O Erótico como Poder. New York: The Crossing Press Feminist Series, 1984.

3 Absorvi o termo “Ser dançada’’ em curso com o mestre de Butoh, Tadashi Endo, no Rio de Janeiro, em 2006. 4 Termo trazido por Clarissa Pinkola Estés no livro Mulheres que Correm com os Lobos, no qual chama à atenção para a compreensão da palavra em inglês ‘’Dirt” como o significado de solo, poeira, terra, e não apenas o sentido vulgar de sujeira que conhecemos.

Esta questão do prazer vital como fonte de libertação e conhecimento é trazida por Audre Lorde, uma escritora caribenha-estadunidense, poeta e ativista. Descrevia a si mesma como Negra, Lésbica, Feminista, também “Guerreira” e “Mãe”. Escreveu diversos ensaios em questões como racismo, feminismo, sexualidade 5

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ARTIGO

Mulheres PalhaçaS Percursos históricos da palhaçaria feminina no Brasil

Sarah Monteat dos Santos Fo t o s

Alícia Peres

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Sarah Monteath dos Santos - Formada em Filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco, em 2009, Mestrado em Estética e Poéticas Cênicas pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” em 2014, com a dissertação “Mulheres Palhaças: Percurso Histórico da Palhaçaria Feminina no Brasil”, sob orientação da Profª. Drª. Erminia Silva. Atua, junto ao Teatro da Mafalda na organização do Encontro Internacional de Mulheres Palhaças de São Paulo. sarah.monteath@gmail.com

Ao longo do curso de Filosofia na UFPE percebi a importância do riso em inúmeras reflexões no decorrer da história, das artes plásticas, do teatro e das ciências humanas. Entretanto, apesar de sua grande presença em diversos campos como a mitologia, a filosofia, o teatro, a literatura, as artes plásticas ou ainda a psicologia, percebi que o riso vinha sendo apresentado sempre a partir da ótica e do protagonismo masculino. Adentrando nos textos da filosofia que abarcasse o riso, entre Bergson e Hegel, comecei a observar e desenvolver interesse pela figura do palhaço e comecei a aprofundar as leituras na história do teatro e do circo. Em 2011, decidi continuar a busca pelos risos e palhaços na àrea das artes cênicas. Onde comecei a me deparar com poucos registros da presença feminina nesta arte, sobretudo no ambiente circense e decidi focar as leituras neste tema. Durante a pesquisa, iniciada em 2012 na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” e orientada pela profa. Dra. Erminia Silva descobri que, apesar das mulheres exercerem as funções cômicas como caipiras, caricatas e clownesses (Silva, 2009), no espetáculo circenses, no que se refere ao palhaço, era necessário que estas se apresentassem sob as roupas masculinas do personagem, mantendo o segredo da cidade. Para nossa surpresa esta situação não estava restrita ao contexto brasileiro, como também apontou o pesquisador francês Tristan Rémy, ao citar alguns poucos nomes femininos nesta arte (1945). Nas leituras do contexto brasileiro, Alice Viveiros de Castro cita como exemplo a atuação de Elisa Alves, filha de João Alves, dono do Circo Guarani (2005) que atuou por muito tempo como o palhaço Xamego. Artista caricata, Elisa Alves precisou substituir seu irmão, que era o palhaço do circo, contanto que mantivesse segredo sobre o seu gênero. Apesar desta atuação, a grande maioria da presença feminina encontrada no cotidiano circense eram denominadas escadas ou clownettes, consideradas por alguns circenses, historiadores e pesquisadores, um papel “nada cômico” (CASTRO, 2005, p.221); ( JUNQUEIRA, 2012, p.48), cuja função seria a de “preparar a cena para o palhaço que, no final, era o engraçado”, como afirma o circense Hudi Rocha (SANTOS, 2014, p.49). Assim, ao percebermos que a participação e a construção das mulheres nesta arte começou a se modificar a partir do surgimento das escolas de circo na década de 80, fizemos o recorte para a cidade de São Paulo, a partir das escolas de circo surgidas no período. Em seguida, realizamos um levantamento das palhaças, palhaços, artistas e formadores que iniciaram nesta arte a partir destas instituições. Como a temática tornava-se cada vez mais abrangente, delimitamos o número de entrevistas a serem realizadas e, com um roteiro de questionário para guiar as entrevistas e cerca de 15 nomes (entre mulheres e homens, porque nos interessava ambos os lados da história), começamos o trabalho de campo para realizar as entrevistas. A cada pessoa entrevistada novas descobertas nos encantavam cada vez mais, surgindo a difícil tarefa de limitar o tempo e a conversa acolhedora, buscando retornar, a cada vez mais o foco no roteiro pré-estabelecido. Assim, entre artistas e pesquisadores, chegamos à informação de que o movimento das escolas de circo no Brasil surgiu a partir da década de 1980, e tinha como principal objetivo, formar uma nova geração de artistas, uma vez que os filhos dos circenses começaram a ser enviados Revista Palhaçaria Feminina

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para o ensino dito “formal”, em busca de outros caminhos profissionais, permitindo que muitos circenses passassem a transmitir seus saberes e conhecimentos para artistas de fora da lona. Como exemplo destas iniciativas destaca-se, na década de 1980, em São Paulo, a Academia Piolin de Artes Circenses e o Circo Escola Picadeiro. Destacamos que, se por um lado alguns circenses ditos tradicionais não viram com bons olhos a presença destas instituições, por outro, alguns artistas, mesmo sofrendo retaliações de seus familiares e amigos, assumiram a transmissão de saberes nesses espaços, sobretudo no que se refere ao ensino da arte do palhaço (ROGER AVANZI, apud. La Mínima, 2012, p.17); ( JOSÉ WILSON, 2012, p.15). Como resultado destas iniciativas, as mulheres passaram a ter acesso ao ensino desta arte, contribuindo para o surgimento de novos tipos e construções de palhaços, que são permeados por diversas reflexões sobretudo as questões de gênero surgidas a partir das diversas conquistas femininas, como afirma a artista Juliana Gontijo. (SANTOS, 2014, p.28). Desta forma, consideramos que, com a abertura de alguns circenses para esta nova forma de transmissão de saberes e o crescente acesso das mulheres à formação de palhaço, vislumbrou-se o surgimento de diversas questões que refletem, atualmente, na busca pela difusão e a consolidação da palhaçaria feminina no Brasil que agora, passa a abraçar um novo espaço que engloba gêneros, transgêneros e não-gêneros, permitindo que as mulheres que se aventuram nesta atuação, não estejam limitadas à reprodução masculina da personagem ou ao universo dito “ feminino” . A liberdade das mulheres no aprendizado e na transmissão desta arte permitiu-lhes, ainda, a vivência de novas temáticas e a possibilidade de se apresentarem, e de serem reconhecidas como mulheres, artistas e sobretudo como palhaças nessa arte.

Especial

BIBLIOGRAFIA AVANZI, Roger. La Mínima. In. La Mínima em cena: Registro de Repertório de 1997 a 2012. São Paulo: SESI-SP editora, 2012. Pgs. 17-19. CASTRO, Alice Viveiros de. O Elogio da Bobagem: Palhaços no Brasil e no mundo. Rio de Janeiro: Família Bastos, 2005. JUNQUEIRA, Mariana Rabelo. Da Graça ao Riso: contribuições de uma palhaça sobre a palhaçaria feminina. Dissertação (Mestrado). Defendida no departamento de Artes cênicas, UNIRIO, Rio de Janeiro. Orientador: Paulo Merísio, em 2012. LEITE, José Wilson. “La Mínima”. In. La Minima em cena: Registro de Repertório de 1997 a 2012. São Paulo: SESI-SP editora, 2012. RÉMY, Tristan. Les femmes-clowns et les femmes-augustes. In: Les Clowns. França: Editíons Grasset & Fasquelle. 1945. SANTOS, Sarah Monteath. Mulheres Palhaças: Percursos históricos da palhaçaria feminina no Brasil. Dissertação (mestrado). Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”- Instituto de Artes. São Paulo: 2014. Orientadora: Profª.Drª.Erminia Silva. SILVA, Erminia. Respeitável Público... O Circo em cena. Rio de Janeiro: FUNARTE, 2009. SILVA, Guy. Le Cirque dans tous ses éclats. Paris: Le Castor Astral, 2000.

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MULHERES PALHAÇAS SOB AS LONAS CIRCENSES Ermínia Silva

Dra. Erminia Silva, quarta geração de circense no Brasil. Mestrado em História junto à UNICAMP. Livros publicados: Circo-Teatro: Benjamim de Oliveira e a teatralidade circense no Brasil; on line : https://goo.gl/ x23WrM, 2010. Respeitável público... O circo em cena, com Luís Alberto de Abreu, on line: https://goo.gl/ eZ5WrB 2010. E-BOOK (com Celso Amâncio de Melo Filho) - Palhaços excêntricos musicais. Disponível on line: http://goo.gl/2l8A05. E-BOOK – junto com Daniel de Carvalho Lopes – Circos e Palhaços no Rio de Janeiro: Império; on line https:// goo.gl/ECbZeY. Co-organizadora do site www.circonteudo.com.br, com Daniel Lopes. Co-lider do Grupo de Pesquisa CIRCUS - Grupo de Estudo e Pesquisa das Atividades Circenses (com Marco Antonio Coelho Bortoleto), Faculdade de Educação Física (FEF) – Unicamp. Vencedora do Prêmio Governador do Estado para a Cultura – Governo do Estado de São Paulo e Secretaria da Cultura, 2017.

Fui convidada a escrever sobre as vivências de quatro artistas mulheres palhaças. A ideia era que narrassem suas experiências/formação/ aprendizagens sob a lona, em circos itinerantes - também chamados de “tradicionais”. Fiquei instigada por saber das narrativas de artistas nesse campo e de seus processos de formação nas artes circenses, em particular das palhaças. Por que o tema me agenciou? Até o final da década de 1970 e início da seguinte, raramente eram encontradas mulheres reconhecidas como artistas que representavam o personagem palhaço. Ou seja, não havia o feminino de palhaço sob a lona. A partir do início da década de 1980, mas principalmente durante a década seguinte, com a diversidade de modos de formações/aprendizagens fora dos grupos familiares circenses - como escolas, circo social, oficinas, auto-didatas, etc. -, deu-se início ao processo de constituição/formação das mulheres artistas, que construíram seus personagens palhaças - agora no feminino. Uma multidão de corpos femininos desbravou essas terras, e foi se consolidando o processo de constituição do feminino palhaça. Mas, é importante aqui que a maioria dxs artistas que se formaram nas

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escolas de circo e/ou outros espaços de formação não frequentou, trabalhou ou se propôs estabelecer relações de aprendizagem ou de trabalho com os chamados circos itinerantes de lona. Por isso, falar das narrativas destas quatro palhaças e seus processos de formação/aprendizagem torna-se algo relevante. Não trato homens e mulheres como gêneros definidos conceitualmente sob a perspectiva heteronormativa, isso a meu ver gera preconceito, homofobia e racismo. Para mim, cada corpo é: uma multidão de devires, marcas, remarcas.… As nossas multidões corpos femininos passaram/passam por muitas submissões, mas em cada período histórico, em suas singularidades, sempre foram guerreiras e disputaram, cada qual a seu jeito, os seus modos de se produzirem. Isso também aconteceu em todo o processo histórico circense. As multidões corpos femininos, até a década de 1980 sob a lona, desempenhavam papéis cômicos, como as caricatas caipiras (a título de exemplo), mas não eram reconhecidas e nem denominadas de palhaças. Quando encontramos mulheres desempenhando esse papel, como regra vestidas de palhaço masculino.

A maioria dos circenses itinerantes de lona - homens e mulheres - não admitiam (e vários ainda não admitem) que este personagem tivesse sua versão feminina.

permanentemente transformados, mestiçados e miscigenados de uma multiplicidade de outros saberes, dialogando com cada período, sociedade, cultura, cidade, praça, rua...

Por isso me mobilizei diante dessas quatro multidões corpos femininos, travestidos e guerreiros. Guerreiras, não porque também os homens não passaram por processos semelhantes, mas guerreiras sim, pois sabemos o quanto é difícil ainda, para nós mulheres, vencermos certas barreiras e termos coragem de enfrentá-las. As quatro palhaças abaixo, em suas narrativas, não só desafiaram a produção feminina da palhaça, mas foram para dentro do espaço onde “palhaço era coisa de homem”. Gena Leão, Manuela Castelo Branco e Michelle Silveira da Silva, foram para dentro dos circos itinerantes. Os proprietários dos circos que se abriram para recebê-las como palhaças e ampliarem seus processos de formação, merecem todo o nosso respeito e admiração. Manuela e Gena não só constituíram suas personagens, como também se tornaram proprietárias circenses de espetáculos e atuaram como escola, o que é mais desafiador ainda. Seliana Silva se aproxima de um circense que nasceu na lona, dizia-se representante dos tradicionais, mas no momento em que se conheceram ele não está sob a lona, pois tinha reinventado o modo de ser artista.

Os mestres que as receberam e elas mesmas são fabricantes de histórias das artes do circo, depois ampliandose com as várias experiências relatadas, são novos em seus modos e métodos de formação enquanto artistas, que diferem daqueles circenses que se produziam para dentro do modo de organização do trabalho do circofamília. Mas, em todos os períodos históricos são, como eram os “da lona”, fazedores dessa arte e, portanto, possuidores de características análogas, ao mesmo tempo em que se diferenciavam; são portadores de um fazer transversal, que não é privilégio de nenhuma arte, porém, no caso das artes do circo, a transversalidade se constituiu como o principal modo de viver e de se produzir. Mesmo os itinerantes de lona, de famílias de circo – identificados por muitos como tradicionais – também são, hoje, novos sujeitos históricos produtores de linguagens circenses, pois, como estão em sintonia com seu tempo, passaram/ passam por modificações significativas.

Não disse nenhum nome dos donos de circo, para que vocês tenham curiosidade de conhecerem as quatro e seus mestres, mas, principalmente entender como somos efetivamente multidões em si, sob o exercício de qualquer gênero. A produção artística (de muitxs e muitxs outrxs) das quatro é o resultado de constantes diálogos, contágios, debates, antropofagias. Isto tudo faz referência a um tempo de longa duração, característica importante em todo processo histórico de formação circense de séculos atrás, até hoje. Alguns chamam de dialogar com a tradição, mas entendo esse conceito como saberes e práticas

Gena, Manuela, Michelle e Seliana entenderam a importância de experenciarem, vivenciarem e se afetarem como aprendizes da lona, produzindo depois diversidades de formas de se produzirem artistas e palhaças. Somente quando nos abrimos nas vivências/experiências dos encontros, nos afetamos. E assim se produziram artistas, e assim se produziram palhaças, que em nenhum momento pode ser pensado como só um eu, mas um eu-nós, singular, sempre se constituindo como plural, como coletivo, não um sobre, mas um com. O bom é que experienciar e se afetar é para o resto da vida. As suas vivências sob a lona, não foram as únicas afecções, mas com certeza produziram marcas em seus corpos multidões para outros encontros de educações permanentes nos seus fazer-se. Revista Palhaçaria Feminina

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situações de montagem da lona, sobretudo a menor e durante o período de circulação onde era montada exclusivamente por mulheres, recebíamos muitos olhares e comentários de admiração e ‘incompreensão’ a esse respeito. A montagem da lona era um espetáculo à parte. Lembro-me com ternura desses momentos.

MATUSQUELLA E A CiRcA BRASILINA Manuela Castelo Branco circabrasilina@gmail.com Fotos Thiago Sabino

Em 2011 fundei a CiRcA Brasilina, uma lona multicultural, orientada para o protagonismo feminino na arte. A CiRcA executa, produz, propõe, fortalece projetos culturais, de diferentes linguagens artísticas, onde a mulher é o eixo principal. A CiRcA nasceu também da necessidade em se oportunizar um espaço de picadeiro para que palhaças pudessem atuar. Do ponto de vista pessoal, como palhaça, senti a necessidade de vivenciar alguns dos desafios, do cotidiano, das questões empresariais, da dinâmica de se morar numa lona circense. Morei num trailer por um ano. Constitui e administrei um considerável patrimônio, e uma agenda de apresentações semanais, circenses, musicais, lançamento de livros e festas de aniversários. Foi um período bem agitado (2012-2013). 36

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Depois fizemos uma curta circulação no Distrito Federal em 2013 com o projeto Circulando com a CiRcA Brasilina, onde compramos uma segunda lona, menor e mais nômade, e que era montada exclusivamente por mulheres, parceiras de aventura. Na sequência a lona maior só foi montada para atividades da CiRcA como o Festival Palhaças do Mundo – Encontro de Palhaças de Brasília, a CiRcA Acústica e o Pipocando Poesia. Outras atividades são montagens como circo-aluguel e afins. Em 2014 a CiRcA foi instalada na Unipaz, a lona maior, numa perspectiva de ocupação fixa, com uso frequente e em parceria com projetos sociais e culturais da instituição. E está lá até agora. A lona menor segue disponível para montagens e desmontagens. De todo modo, em qualquer uma das

Antes, porém, tive duas experiências mais significativas, onde me apresentei em dois circos e pude ver ‘de dentro’ o que antes só assistia ‘de fora’. Sim, estamos falando de pertencimento. A primeira experiência que tive num picadeiro foi com o Circo Estoril em 2009, quando ele estava montado em Sobradinho\ DF, e onde tinha um palhaço anão, o Chuvisquinho. Outra experiência foi em 2011, no Circo Grock (RN). Tendo como amigos a família dona do circo, Gena Leão e Nill Moura, eles me convidaram para ficar um mês inteiro com eles. Me apresentando, aprendendo números, trocando experiências e conhecimentos. Aprendi a andar na corda bamba, algumas mágicas, e vivi um cotidiano puxado de apresentações dentro e fora da lona. A gente ensaiou e apresentou algumas entradas clássicas de palhaço: entrada do Caveirão, equilíbrio de pratos, número da jaula final. No mais, fiz entradas com mágicas e músicas, que Gena e Nill, comentavam depois para que eu aprimorasse. Foi Gena quem batizou a minha lona de CiRcA Brasilina. Gena foi a provocação necessária para que eu me aventurasse com a CiRcA e entendesse a necessidade de sua existência. Posso dizer, sem sombra de dúvida, que muito do que aprendi sobre o cotidiano de um circo familiar, aprendi no

Grock. A organização dos números, entradas, o troca-troca de funções, a praça de alimentação, a velocidade das ações e do jogo no picadeiro e um cotidiano de cuidado com a lona, verificando a tensão das cordas que dão sustentação, a firmeza dos nós, e o cuidado com os materiais de cena. Outro picadeiro onde tive a oportunidade de me apresentar foi no Circo Laheto\ GO, onde me apresentei com entradas de mágicas e música. Mas no Circo Laheto, o foco é outro, não exatamente artístico, no sentido da palhaçaria, mas, sobretudo social. Laheto é um circo-social. Minha ligação com ele se aprofundou a partir de 2014, quando estive em Goiânia durante um mês inteiro para participar da oficina de Sue Morrison dentro do festival Na Ponta do Nariz. Em troca da hospedagem, compus com algumas entradas os espetáculos do circo do Laheto. Particularmente em relação às experiências que tive com homens palhaços, teve de tudo. E é sensível o quanto eles também vêm mudando desde nossa radicalidade, em nos posicionarmos com mais veemência, enquanto mulheres palhaças. Mas sim, já fui ‘expulsa’ de praças, em atividades de rua, como me senti super acolhida por meus monsiers Carlos Simioni e Ricardo Pucetti, e por Nil Moura - aos quais não sei como agradecer tamanho carinho. Também não posso esquecer as conversas e debates especiais que travei com Caco Mattos e Ésio Magalhães. E tem a admiração pelo trabalho de Luis Carlos Vasconcelos, o Xuxu, que me encanta com o rizoma popular e lírico, e com o qual tantas vezes me sinto pertencer. Vi muitos ‘palhaços machistas’ se perceberem como tais e procurarem ‘melhorar’, mudar. Sim, o avivamento da palhaçaria feminina nos coloca a todos em situação de trânsito, de mudança e de muitos aprendizados Revista Palhaçaria Feminina

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PALHAÇA FERRUGEM E O CIRCO GROCK

PALHAÇA PIPOCA E A CIA TEATRAL TURMA DO BIRIBINHA

Gena Leão

Seliana Silva

genaleao@hotmail.com

euseliane@hotmail.com

Fotos de arquivo pessoal

Minha primeira experiência foi no Gran Circo Popular do Brasil, no ano de 1997, fazendo o Warm Up antes do show começar. Viajei com o circo de Natal até Salvador, passando por João Pessoa e Pernambuco. Junto com o palhaço Chupetin, Oscar Spinola, e o palhaço Espaguete, Nil Moura, fizemos o projeto Circo Escola, onde levávamos os espetáculos circenses para as escolas. No ano de 2003 participei do espetáculo especial para abertura da temporada do novo espetáculo no Circo Knie, Suiça, junto a outros artistas convidados. Voltando a Natal, trabalhei no Circo Trampolim e logo em seguida, montamos o Circo Teatro Cara Melada, em parceria com a UFRN, um projeto de extensão do Museu Câmara Cascudo. Retornei à Europa onde trabalhei durante 3 anos no Europa Park, o maior complexo de arte e entretenimento da Europa, situado na cidade de Rust, Alemanha. Apresentava no Circo Revue, localizado dentro desse complexo. Voltando dessa temporada na Alemanha, retornei ao Brasil e criei a primeira escola de circo do Rio Grande do Norte, a EPAC (Escola Potiguar das Artes do Circo) e o Circo Grock, onde trabalho até hoje com espetáculos diários e itinerantes por todo o Brasil, além do trabalho tradicional de circo fazemos um espetáculo motivacional voltado para empresas, escolas e universidades, com 38

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Fotos de arquivo pessoal

Nil Moura (Esposo) e Lion Nathan (Filho).

Gostaria de compartilhar algumas experiências que vivi e que além de me marcar muito, me ajudaram muito como palhaça.

iria trabalhar em um lugar sozinha e o meu parceiro em outro. Isso deu um empoderamento para a minha palhaça, fomos contratados como dupla, e no segundo ano, já estava trabalhando sozinha. Isso foi bem marcante! Outra experiência foi quando fomos chamados para fazer um teste para participar do filme nacional O Homem que desafiou o Diabo, não tínhamos tempo para participar, nossa agenda estava cheia, porque foi logo quando voltamos da Alemanha e fizemos o Circo Grock e a escola de circo. Então o diretor fez testes com vários palhaços e depois de dois meses a produção do filme, voltou a nos ligar, porque ele queria conhecer o nosso trabalho, e depois que nos viu, se encantou. Então foi uma experiência muito boa para firmar o meu trabalho, aprender um pouco outra linguagem de fazer rir nas telas do cinema. Outro momento marcante pra mim foi quando tivemos um programa de TV, “Pintando o 7” com o Espaguete, onde Ferrugem tinha que improvisar ao vivo, isso foi uma escola, bem no comecinho da palhaça, ainda como palhaço.

Algo desafiador pra mim foi trabalhar falando em outra língua. Trabalhei em um espetáculo alemão, fazendo dupla com meu esposo, e fui chamada pelo diretor que me disse que ia nos separar porque ele percebeu que cada um tinha uma forma diferente de trabalhar, eu

Mas a minha grande escola, foi muita animação de festas, eventos, projeto circo escola...e a vida!! Em busca da sobrevivência só com a minha palhaça, o tempo todo!! Amo ser três: Luzia Efigênia, Gena Leão e a palhaça Ferrugem.

Na época da minha iniciação, senti dificuldades em trabalhar com palhaços, pois a mulher não era bem aceita nos picadeiros, como palhaça. Durante cinco anos, para não perder mais contratos, precisei me vestir de palhaço (masculino), pois a mulher ainda não tinha espaço, como profissional. Muitos pensavam que era um homem que fazia o palhaço Ferrugem, e eu deixava que pensassem para poder ter mais trabalhos. Hoje, vemos muitas palhaças de rua, de teatro, mas palhaças em circo são poucas, isso é devido nesse meio os homens terem, talvez, como uma tradição ou costume, de interpretar papel masculino e feminino, nas comicidades de palhaço. Depois de trabalhar no Brasil e no exterior, em circos, me sinto reconhecida e respeitada no mundo circense.

Passei minha infância e adolescência acreditando que seria médica. Nunca tive inclinação para a arte, ou pelo menos nunca percebi isso em mim, mas quando iniciei num curso de teatro na escola, eu sabia que era isso que eu queria, desde então enfrentei muitas dificuldades e descrença da parte de algumas pessoas, mas pensei comigo: - Há coisas que só você pode fazer para ser você! Por isso decidi ser EU, Seliana: Mãe, Esposa, Dona de casa, Produtora, Atriz e PALHAÇA! Iniciei minha carreira como palhaça através do mestre Biribinha- Teófanes Silveira. Como no circo tradicional familiar, iniciei como assistente observando as técnicas, o tempo de humor e as “manhas” do palhaço de circo tradicional. Porém, quando fui convidada a trabalhar com a Cia. Turma do Biribinha, a lona não era mais utilizada pela companhia para apresentações ou mesmo circulação. Em 2017 a companhia resolveu reerguer a lona, o formato dos espetáculos era outro, o forte agora era o teatro de rua combinado com as entradas de palhaço e os números excêntrico musicais (esses também me foram repassados por Hiran Silveira, irmão do Biribinha). Em 2017, depois de 30 anos, a companhia resolveu reerguer a lona trazendo o formato de Circo de Teatro, apresentando comédias e dramas nas quais trabalho como atriz na maioria. Para mim, como artista, essa está sendo a experiência mais intensa e enriquecedora da minha vida. Antes disso, precisávamos de um novo

toque, uma confirmação de que essa linha de circo ainda teria bons resultados, foi quanto tomamos a decisão de sair de casa e ir morar com a Companhia de Circo de Teatro Tubinho. Mudança total em nossa vida, eu com uma bebê de 3 meses, um filho de oito anos e um marido cheio de entusiasmo e alegria por estar “voltando” a sua origem, mesmo que só por seis meses. O repertório de Tubinho é tão grande quanto a sua generosidade. No sentimos muito acolhidos e a vontade no convívio com a comunidade. Apesar de não ter atuado no palco, essa foi uma grande experiência artística para mim. Quanto ao meu aprendizado com Biribinha, somos parceiros em tudo. Ele é aberto ás minhas opiniões e eu ás dele, acho que por isso o repasse fica mais fluído. Ele é meu grande incentivador, mesmo que ás vezes eu não acredite em mim, ele está ali colocando a maior fé, assim conseguimos nos equilibrar em todos os sentidos. Confesso que sou uma aprendiz bem teimosa, ás vezes, mas ele é um mestre paciente. No princípio foi difícil, uma vez que trazer a palhaça à tona não é tão simples quando se está contracenando com um mestre de quase 60 anos de carreira, como é o caso do palhaço Biribinha. Mas aos poucos fui me encontrando na arte da palhaçaria e também encontrando o meu espaço trabalhando em linhas diferentes da Comicidade. Tenho experimentado ser Branco, Augusto, Megera, Ingênua e contraponto cômico. Nos espetáculos de repertório da

companhia, Pipoca, minha palhaça, vive situações e emoções bem diferenciadas as quais busco equilibrá-las com a personalidade da palhaça, penso que Pipoca está interpretando. Em “O reencontro de palhaços” Pipoca é parceira de tramas do palhaço Biribinha, a única figura feminina entre três palhaços. Em “PALHASSADAMUZIKADA”, Pipoca assume a figura do ‘Branco’, o opressor que contracena com o palhaço Augusto, Biribinha, sendo dessa vez o opressor, mas meu maior desafio como artista está em “Eu Sem Você Não Sou Ninguém”, quando preciso ocultar minha palhaça para assumir a figura do palhaço BIRIBINHA, que está em cena em forma de boneco Marote. Um trabalho muito delicado com laboratório de praticamente 14 anos de sintonia e aprendizado e há 11 anos unimos nossos ideais e nossas vidas se tornaram uma, trilhando uma jornada cheia de amor e resistência. Atualmente atuo no Circo Teatro Biribinha, assim como Companhia Teatral, mas em 2016 além do presente de ser mãe pela segunda vez, também tive o grande prazer de vivenciar por 6 meses a experiência de assistir a todos os espetáculos da Companhia de Circo de Teatro do Tubinho em 3 cidades do interior de São Paulo, Rio Claro, Brotas e Jaú como residente do circo. Minha Palhaça fez me encontrar e saber quão longe consigo ir. Espero poder contribuir sempre e de alguma forma somar para o objetivo Maior - A Graça. Vida Longa à Palhaçaria! Revista Palhaçaria Feminina

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PALHAÇA BARRICA E O TEATRO BIRIBA Michelle Silveira da Silva mulherespalhacas@gmail.com Fotos de arquivo pessoal

No ano de 2009 após assistir a praticamente todos os espetáculos do Circo Teatro do Biriba, na temporada que fez na cidade de Chapecó/SC, entrei em contato com o dono do circo, Geraldo Passos, e coloquei meu trabalho à disposição da Companhia. Para minha surpresa, fui aceita no elenco e com eles viajei durante 7 meses pelo estado de Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul. Eu já vinha construindo minha trajetória como palhaça, desde 2001, quando realizei minha primeira oficina de palhaço, em Santa Maria/RS. Minha experiência estava inicialmente ligada a academia, depois comecei a realizar apresentações teatrais, intervenções na rua e espaços alternativos e também a trabalhar com formação. O circo foi uma experiência nova, curiosa e enriquecedora para mim. Durante o período em que fiz parte da companhia do Teatro Biriba, atuei de diferentes formas, auxiliando 40

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na dinâmica familiar e coletiva do circo, me apresentei em espetáculos como atriz cômica, montagem de cenário, camarim, divulgação, bilheteria, palhaça, entre tantos afazeres que a estrutura do circo requer. Foram 7 meses intensos e de grande aprendizado sobre o circo teatro, a vida mambembe, os desafios circenses, a história da companhia, a forma de trabalho, o repertório, a atuação e a convivência. A relação com as pessoas que já integravam a companhia foi mais desafiadora do que propriamente a relação com os homens dela. O fato de ser uma novata naquele universo e por não ser de tradição circense, gerava alguns conflitos e desconfiança entre os colegas, o que não ocorreu em nenhum momento com o dono do circo e sua família, que me receberam de uma forma muito amorosa. No caso do Teatro Biriba, assim como nos demais circo

teatro que atuam no mesmo formato, a figura central das encenações é o palhaço. Os demais personagens são coadjuvantes e escadas para o “cômico de cara pintada”, conforme Geraldo costumava se referir a seu palhaço. Essa é a figura que conduz o espetáculo, é para ver o palhaço que as pessoas vão até o circo, os demais entendem essa posição e são fundamentais na estrutura dramatúrgica do espetáculo. Eu, como palhaça, sempre fui recebida com muito carinho e admiração pelo Palhaço Biriba, que fez sempre questão de elogiar, valorizar e incentivar meu trabalho. Tanta era essa admiração, que Geraldo me deu um espaço para apresentar um número cômico da Barrica aos sábados no intervalo do espetáculo. Essa atitude me deixava muito feliz e me permitia continuar minha criação solo e de palhaça durante minha estadia no circo. Mas é claro, que no Circo do Biriba, o palhaço sempre será o Biriba. E eu sempre soube disso. Quando eu vislumbrei a possibilidade de seguir minha carreira sozinha, levando na mala toda aquela experiência única que tive, resolvi me despedir. Essa decisão nada fácil, foi recebida com tristeza por Geraldo e sua família, mas numa das viagens esse diálogo aconteceu e eu jamais me esquecerei: Ele: - Qual é o teu sonho? Eu: - Não sei!

Ele: - Tu não tens mais idade pra não saber qual é o teu sonho! Eu: (Levantei da mesa, fui até o buffet de sobremesas pegar um pedaço de pudim, pensando no meu sonho.) Ele: - Eu sei qual é o teu sonho. Que a Barrica seja conhecida internacionalmente. Eu também sonho isso pra você e só por isso eu deixo você ir! Eu: (Suspirei emocionada e afirmei meu sonho). Deixar ir, não significava que eu estava presa ao circo, mas significava que eu tinha a benção daquele que por tantas vezes chamei de mestre. Ter vivido essa experiência foi um divisor de águas no meu trabalho como palhaça e como artista. Além do conhecimento que adquiri referente a tradição circense e do circo teatro, as técnicas aplicadas, a dramaturgia circense, a convivência em coletivo, das montagens e desmontagens de lona e mudanças de praça, da relação com o público e com as localidades onde nos instalamos, aprendi muito de ser humano, de ser artista em tempos difíceis, de não deixar de sonhar, de reconhecer a nossa realidade e transformá-la, de força e fé no futuro, dos desafios encontrados nas relações de grupo e da alegria e companheirismo que encontramos junto aos que tem um coração generoso, como não poderia ser diferente numa família de palhaços. Revista Palhaçaria Feminina

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Da vida real à ficção: referências fílmicas biográficas para mulheres palhaças Michelle Cabral Fotos de arquivo pessoal

Michelle Cabral é natural de São Luís, atua no cenário artístico maranhense desde a década de 1990. Palhaça, atriz e diretora teatral é artista docente do curso de Licenciatura em Teatro do Departamento de Artes Cênicas da Universidade Federal do Maranhão - UFMA. Iniciou suas atividades circenses em 1996, quando conheceu o artista de circo Irê amaro, que deixando o circo de lona, fixou residência em São Luís. Com Irê Amaro aprendeu a técnica de perna-de- pau, acrobacia e a arte da palhaçaria tradicional. Este aprendizado resultou na criação, há 22 anos, da palhaça Palita Presepada. O jogo de sua palhaça agrega esquetes tradicionais de circo, a acrobacia, e as técnicas de teatro de rua aliadas às técnicas corporais da composição do cômico e o estudo da comicidade feminina. É fundadora da Cia. MiraMundo Produções Culturais onde atualmente integra o elenco de três espetáculos circenses, todos em repertório. C O N TAT O

michellencabral@hotmail.com 42

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No processo criativo da palhaça muitos materiais podem servir de referência ou ponto de partida para a criação poética. Uma música pode acessar nossa memória emotiva e sensações internas, como também, servir para a composição sonora de um espetáculo ou número, assim como, a fotografia, objetos, entrevistas ou livros, para citar alguns exemplos de matérias que dispomos para pesquisa. O cinema é também um destes materiais que pode ser um importante suporte para estudo, devido a linguagem do cinema trazer uma potência inspiradora servindo de referência para a criação artística. Neste sentido, trazemos neste ensaio a sugestão de dois filmes cujos roteiros baseados em casos reais, nos fazem rir e chorar, mostrando que a vida, por vezes pode ser espetacular. Os filmes aqui mencionados, trazem casos reais de mulheres que fizeram história e que podem ser inspiradoras para pensar a política por trás do ser palhaça. Nossa primeira indicação é o filme norte-americano “Joy: o nome do sucesso” de 2006. Dirigido

por David O. Russel, o filme de caráter biográfico retrata a história da empresária e inventora norteamericana Joy Mangano, que na ficção é interpretada pela atriz Jennifer Lawrence. O roteiro escrito por David O. Russel e Anne Munolo apresenta esta mulher cuja criatividade inventiva vai transformala em uma grande empresária. Joy é uma jovem brilhante, que leva uma vida pessoal bastante conturbada. Ela é divorciada e tem dois filhos. O ex-marido mora no porão de sua casa, enquanto sua mãe vive no andar de cima da casa e passa o dia todo assistindo novelas. Seu pai, divorciado de sua mãe há 17 anos, também vive na mesma casa. Criativa desde a infância, Joy inventa um esfregão de limpeza milagroso que se transforma em fenômeno de vendas e faz dela uma das empresárias mais bem sucedidas dos Estados Unidos. Este é um daqueles filmes que nos fazem revisitar aqueles antigos sonhos engavetados, esquecidos nas dificuldades da vida e nas mentiras que contamos a nós mesmas para desistir deles. A história da luta

cotidiana de uma mulher real com um contexto muito próximo da vida de tantas outras, pode ser um estímulo para pensar a cena e o jogo da palhaça num contexto de empoderamento enfrentando as próprias limitações. Nossa segunda indicação de filme é uma produção bem recente “Mulheres Divinas” de 2017. Longa-metragem da diretora e roteirista Petra Volpe que retrata a história do sufrágio feminino na Suíça, ocorrido em 1971. O roteiro baseado em fatos reais oscila entre drama, comédia, ficção e realidade. As personagens que conduzem a narrativa são mulheres de diferentes gerações que nos encantam com sua força e artimanhas para romper com o preconceito e o machismo e conquistar o direito ao voto para todas as mulheres do pais. No filme, a vida da campesina Nora (interpretada por Marie Leuenberger) não era afetada pela onda das revoluções sociais desencadeadas na Europa em fins da década de 1960. No interior da Suíça, ela vive com tranquilidade e submissa

ao marido cuida dos filhos. Mas tudo começa a mudar pela recusa do marido em deixar que ela volte ao trabalho, ela então, passa a lutar não apenas pelos direitos individuais, mas também pelos direitos de todas as mulheres. O mais interessante é que, no filme, a grande rival na luta pelo direito ao voto feminino não é uma voz masculina, mas é uma mulher que defende a manutenção dos costumes e das tradições discriminatórias, o que provoca uma reflexão sobre sororidade e luta de classes, já que a reprodução da opressão de gênero pode vir também da própria mulher, já tão alijada de seus direitos. O filme nos encanta não apenas pela história e protagonismo feminino, como também pela estética da década de 1970 com suas cores e estilo. A caracterização das personagens fiel ao período dos acontecimentos, também serve de inspiração pois traz figurinos e adereços primorosamente arranjados em diferentes perfis de mulheres. Espero que estas dicas possam trazer ideias, reflexões e inspiração para pensar uma comicidade feminina e uma cena circense que retrate nossa diversidade de ser e fazer rir. Revista Palhaçaria Feminina

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striptease AO CONTRÁRIO Ana Fuchs Fotos de Gerônimo Bergmann e Guto Muniz

Ana Fuchs - Doutoranda pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na qual desenvolve estudos sobre a palhaçaria feminina. Formada em Artes Cênicas e Mestre em Educação pela mesma instituição. Trabalha com a linguagem da palhaçaria desde 2000 quando se formou num curso específico de clown desenvolvido pela atriz e pesquisadora paulista Ana Elvira Wuo. Durante os anos seguintes continuou sua formação através de cursos com outros profissionais da área, como os Parlapatões (SP), Alex Casalli (BA), Ricardo Puccetti (SP), Pepe Nunes (Espanha), Avner Eisenberg (EUA), Leris Colombaione (Itália), Ivan Prado (Espanha), Lily Curcio (Argentina), Andréa Macera (SP) e Raquel Socolovski (ARG). Participou de atividades de pesquisa com grupos de clowns em Porto Alegre. Montou e atuou no espetáculo de clown Sedushow que se apresentou em diversos locais da cidade. Em 2010 passou a desenvolver o espetáculo solo AMOSTRA GRÁTIS. O trabalho já participou de diversos festivais dentre eles 11º SESC FESTCLOWN Festival Internacional de Palhaços (Brasília 2013), 3º Na Ponta do Nariz (Goiânia 2013), 4º PALHAÇADA (Goiânia 2012), 12º Festival Cenas Curtas Cine-Horto e o 4º Breves Cenas de Manaus. Criadora e integrante do grupo AS GRACIOSAS CIA DE PALHAÇAS, que tem em seu repertório além dos solos das atrizes o trabalho de dupla 1, 2, 3 ECHÁ*, dirigido por Lily Curcio. Professora de teatro do Colégio de Aplicação da UFRGS onde desenvolve a pesquisa “O palhaço no contexto escolar”. anacarolinafuchs@gmail.com 44

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Ser palhaça é desnudar-se diante de si e do outro. É colocar a mostra todas as facetas que somos capazes de reconhecer em nós mesmas – do melhor ao pior! É escancarar nossa fragilidade, nosso orgulho, nosso fracasso e nosso ridículo. É também, revelar nossa capacidade de graça diante das mazelas que carregamos, é criar poesia com o próprio corpo, é provocar e se provocar num movimento de ver e dar-se a ver. Essa é a estrutura que move os processos criativos de constituição da palhaça, que tem em seu cerne a busca de um significado pessoal e artístico. É sob esse olhar que gostaria de pensar sobre o figurino. O figurino é num primeiro momento, como nos colocamos a mostra para o outro. A partir dele podemos revelar o engraçado, o ridículo, o estranho de nosso corpo. Da mesma forma ele pode ser uma extensão de nossas ações e potencializar os significados que elas carregam. O figurino nos revela, nos desnuda diante do outro, como um striptease ao contrário! Vestir como forma de se despir, como forma de apresentar os discursos que atravessam nossos corpos. O figurino também pode se constituir numa forma de acessar a nós mesmas. De nos olhar e reconhecer o que nos habita para que, então, esses elementos sejam colocados

a favor da máscara e da construção das nossas figuras. Quando nasci, sob os cuidados de Ana Elwira Wuo, usava um vestido xadrez que revelava claramente o primeiro registro físico, energético e emocional que fui capaz de acessar e reconhecer para a composição da minha palhaça. Era algo que transitava entre o ingênuo, o infantil, com um ar de peraltice. Conforme, o trabalho foi se desenvolvendo e a composição do meu solo se constituindo, senti a necessidade de investir em algo mais elaborado para a cena. Desenhei meu figurino e encaminhei à costureira. Acho que o desenho não ajudou muito, porque o produto final se distanciou um tanto do projeto inicial! Na minha mente era um vestido com saia tulipa. Acabei num micro vestido de saia balonê, quase uma lamparina chinesa. E não é que ficou interessante!!!! Acentuava minhas fofurices, colocava a mostra minhas coxas grossas e salientava a figura meiga que se vislumbrava nos primeiros registros da minha máscara. No cabelo queria um chapéu, mas sob o olhar atento de uma figurinista (obrigada Cris Lissot) optamos pela pomba branca! Mais fofa impossível!!! Eis que veio o trabalho com a Lily Curcio que me colocou diante de um registro emocional e físico muito

forte. Descobri ou assumi toda minha capacidade de fúria e maldade. Se por um lado foi constrangedor, por outro foi libertador. Eu estava diante de um estado energético potente, que me foi negado (e que eu neguei) numa educação com marcadores muito fortes de comportamento feminino. Em contato com este estado energético a primeira imagem que me veio à mente foi de mim fardada como um soldado de guerra. Essa imagem foi norteadora da composição do figurino e da figura do espetáculo que faço em dupla com a Odelta Simonette e que deu origem a nosso grupo AS GRACIOSAS Cia de palhaças. Troquei a pomba branca do cabelo por um capacete na cabeça e um corvo no ombro. A pergunta que imediatamente se colocou diante de mim foi: mas é a mesma palhaça? As pessoas me indagavam, eu me indagava. E agora o que eu sou? Sou branca? Sou augusta? Sou meiga e espivitada ou sou furiosa e agressiva? Ser ou não ser, eis a questão? Carregando essa dúvida e com um desejo louco de me reinventar, resolvi partir do figurino para uma nova busca pessoal. Alguma coisa que transitasse entre os dois registros que eu já havia experimentado e reconhecido (porque devem ter muitos outros de que não sou capaz de ver neste momento). Resolvi fazer um tailleur, porque afinal, ouvi toda minha vida que uma mulher de classe usa tailleur. Completei com um desejo, peruca Chanel lisa, linda e

ridícula. Encontrei com o ridículo do belo. Estava ali montada e me sentia muita a vontade com o novo figurino. Descobri muitas possibilidades de ações principalmente com o cabelo, mas não tinha claro ainda qual era o estado que sustentava minha figura. Lá fui eu atrás de alguém que pudesse me dar à mão ou me lançar ao mar. Durante a II Mostra tua Graça Palhaça, produzido pela querida amiga e irmã Lia Motta conheci Andréa Macera que me conduziu nessa jornada. Fizemos alguns encontros e outro registro começou a se esboçar (provavelmente já era presente, mas eu não tinha consciência). Alguma coisa descompensada e nonsense surgiu no meu horizonte de ações e que transita entre os outros registros já conhecidos. Continuo sem saber se sou augusta ou branca. Sou Generosa, Inha para os íntimos, sou essa gama de registros que fui capaz de acessar, reconhecer, acolher e levar para o plano da máscara. A construção da figura da palhaça, ao mesmo tempo que, é um processo terapêutico, no sentido de voltar o olhar para nós mesmas para encontrar as possibilidades do cômico é um trabalho artístico que requer a elaboração destas descobertas pessoais no plano da máscara, é através da máscara que nos colocamos diante do outro, nesse processo o figurino se torna nossa segunda pele! Não para cobrir ou encobrir, mas para nos despir nos revelando. Revista Palhaçaria Feminina

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Rede

Catarina de Palhaças Bia Alvarez • Joinville/SC Fotos de Chris Mayer

A partir do 2º Encontro de Palhaç@s de Joinville/SC, que aconteceu durante o mês de dezembro de 2017, surgiu o desejo de maior aproximação e articulação das Mulheres Palhaças que moram no estado de Santa Catarina. Rafaela Catarina Kinas, Palhaça, moradora da cidade de Canelinha/ SC, que esteve participando dos dois Encontros de Palhaç@s realizados em Joinville, foi quem deu voz a este desejo ao criar um grupo de watssapp, inserindo todas as palhaças que, assim como ela, estiveram neste segundo encontro e compartilhar o desejo que sentiu de si e de outras com as quais conversou, fazendo, a partir desta sua fala inicial, e criação do grupo, um convite para que todas nós, Mulheres Palhaças moradoras do estado de Santa Catarina, criássemos um espaço de proximidade onde pudéssemos 46

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falar de nossos anseios, necessidades, onde estivéssemos nos auxiliando em nosso oficio, debatendo o trabalho e encontrando caminhos juntas. Prontamente aceito por todas daqueles grupos, muitas sugestões surgiram e como primeira ação escolhemos juntas fazermos um encontro de dois dias e elegemos a cidade de Florianópolis/SC como ponto de encontro para este primeiro momento presencial. Neste primeiro encontro de dois dias nos reunimos na sede da A Morada Cênica, espaço colaborativo que tem como uma das organizadoras Caline Detoni, também Palhaça. Reuniramse Palhaças de várias cidades de nosso estado e foram momentos muito ricos de encontro, convívio, conhecer-se e reconhecer-se. Nestes dias primamos pelos espaços de convívio, sem esquecer

também dos espaços para buscar algumas diretrizes que vem servindo de norte para nosso coletivo e ouvir de Michelle Silveira, Palhaça Barrica de Chapecó/SC e Drica Santos, Palhaça Curalina de Florianópolis/SC sobre a Rede Brasileiras de Palhaças, das quais ambas fazem parte. Ficou claro que o desejo e a urgência inicial é estarmos juntas e nos empoderando de alguma forma e para tanto definimos que faríamos pelo menos dois encontros anuais em locais diversos do estado de Santa Catarina, neste formato, onde o convívio e o alcance do maior número de Mulheres Palhaças posso ir sedimentando-se como pratica. Entendemos também que qualquer Mulher Palhaça que more no estado de Santa Catarina faz parte deste coletivo que passamos chamar, a partir de então, de Rede Catarina de Palhaças. Além disto tiramos neste primeiro encontro algumas diretrizes de ação que pouco a pouco estamos realizando dentro do tempo e possibilidade de todas as mulheres inseridas, procurando exercitar uma forma não centralizada de gestão, onde cada uma contribui da forma que pode e deseja para que a rede siga fortalecendo-se e se construindo com a fluidez necessária. O Grupo do watssapp continua sendo nossa principal ferramenta

de comunicação, toda e qualquer Mulher Palhaça de Santa Catarina é muito bem-vinda, assim como toda e qualquer Palhaça que está naquele grupo tem a liberdade de inserir outras que vá conhecendo em sua caminhada. Após o primeiro encontro de dois dias a Rede realizou uma roda de conversa na Convenção de Malabarismo e Circo de Florianópolis, evento organizado por Cris Villar, Palhaça de Florianópolis/SC, deste ano e um encontro na Sede da Cia Traço de Teatro de Florianópolis/ SC para uma roda de conversa com a presença de Karla Concá do Grupo As Marias da Graça do Rio de Janeiro, o primeiro grupo de mulheres palhaças do Brasil e integrante da Rede Brasileira de Palhaças. Criamos e mantemos uma fanpage para facilitar o contato e a difusão de ações e amplitude dos desdobramentos. Estamos em construção coletiva, sem hierarquia, ou papéis instituídos a Rede Catarina de Palhaças vem sendo constituída como um espaço aberto para fortalecimento para toda e qualquer Mulher Palhaça moradora do estado de Santa Catarina. É Mulher? É Palhaça? Conheça a Rede Catarina de Palhaças e venha construir conosco este espaço! Facebook @redecatarinadepalhacas Revista Palhaçaria Feminina

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Mais Encontros por favor... no universo da palhaçaria feminina em outros lugares também, fomos revelando a passagem da coadjuvante ‘sempre bela’ para as protagonistas do riso.

Andrea Macera Sarah Monteath dos Santos Fotos de arquivo pessoal

Andrea Macera Atriz desde 1986, palhaça desde 1997 e diretora desde 1999. Funda, em 2005 o Teatro da Mafalda que, no final de 2013 realiza e produz o “PRÉ ENCONTRO NACIONAL DE MULHERES PALHAÇAS –SP”. Em 2014, lança a primeira edição do Encontro Internacional de Mulheres Palhaças de São Paulo, que tem sua II Edição em 2016. Em 2017, produz a III Edição do Encontro e a criação da Escola de Palhaças. Sarah Monteath dos Santos Formada em Filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco, em 2009, Mestrado em Estética e Poéticas Cênicas pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” em 2014, com a dissertação “Mulheres Palhaças: Percurso Histórico da Palhaçaria Feminina no Brasil”, sob orientação da Profª.Drª. Erminia Silva. Atua, na organização do Encontro Internacional de Mulheres Palhaças de São Paulo e na Escola de Palhaças.

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Após a minha passagem pelo Encontro “Esse Monte de Mulher Palhaça” (RJ) com o meu solo “Sobre Tomates Tamancos e Tesoura” em 2009 é que comecei a perceber a necessidade de se refletir sobre a crescente atuação de mulheres palhaças, seus temas, suas criações e tudo o que circunda esta bela história, tão curta e, ao mesmo tempo, tão urgente, tão ávida de um lugar digno na história da comicidade. Unia-se a tudo isso a falta de espaço para as mulheres palhaças nos diversos eventos, oficinas, festivais e encontros da àrea, em detrimento da atuação e da presença masculina na mesma arte. Esta situação ampliou em mim o desejo de provocar uma reflexão acerca do papel da mulher palhaça, suas histórias, suas referências, sua formação, seu mercado de trabalho e, principalmente, pensar o Encontro de nossas mestras do riso com suas sucessoras. Outro ponto importante foi perceber a ausência de Encontros voltados exclusivamente para a Comicidade Feminina em São Paulo. Como consequência, iniciei a produção do Encontro de Mulheres Palhaças na cidade, que teve como ponto inicial, o Pré-encontro Nacional de Mulheres Palhaças, em dezembro de 2013 e contou com mesas, exibição de filmes,

oficinas, cortejos, espetáculos e o curso Escola de Palhaças, que se tornou um projeto maior, lançado em 2017, como a primeira Escola de Palhaças do Brasil. O Encontro foi ampliado para o nível internacional e sua I Edição em 2014, trouxe uma intensa programação, retomando a ideia de uma Rede de palhaças. Iniciada em 2010, a Rede tem o intuito de discutir, reunir e ampliar a troca de experiências entre artistas e produtoras de Encontros e Festivais de mulheres palhaças no Brasil. Assim, na primeira Edição do Encontro buscamos dar à Rede uma importância maior, buscando reunir e ampliar as discussões sobre o entendimento do protagonismo feminino nesta arte, além de fomentar a criação de encontros sobre a temática no Brasil. Para mim, a Rede apareceu, ainda, como uma política cultural necessária no atual contexto em que nos encontramos acerca das situações femininas. A troca de experiências conseguida através do Encontro permitiu, além da difusão e da troca de saberes, o contato com várias referências femininas nesta arte que, por tanto tempo, legou às mulheres um local de -sempre belascoadjuvantes. Descobrimos, a cada contato com nossas mestras, a potência da presença da mulher no picadeiro e

Importante ressaltar que a reflexão parte do local da igualdade entre homens e mulheres, assim, percebendo que os números femininos estavam em segundo plano nos Encontros de palhaços ditos mistos pelo Brasil, surgem diversas iniciativas que buscaram estabelecer uma conexão com esta troca de saberes, divulgando e redefinindo a presença feminina neste campo. Importante ressaltar que o Encontro conta, em sua programação, com o Cabaretrans, uma iniciativa inédita no Brasil que busca valorizar e dar espaço para a presença de homens, desde que estes brinquem com o universo feminino, assim como de mulheres que possuam uma figura, ou número que trabalhe a comicidade masculina. Em 2015 demos um salto, não conseguimos realizar a II Edição por dificuldades financeiras. E acabamos retomando a produção e a realização do II Encontro. Ainda de forma independente, mas muito rico e muito grande também, quase fora dos nossos braços esse filho vai se afirmando na cidade, sendo indicado ao Prêmio Governador do Estado em 2017, o que nos prova que estamos no caminho certo não só na afirmação de sua importância como também na construção de um Encontro que preza as relações, o empoderamento das Revista Palhaçaria Feminina

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mulheres e o desenvolvimento da sua humanidade. Desta forma, ao idealizar o Encontro Internacional de Mulheres Palhaças de São Paulo, busquei, além de consolidar a atuação feminina na área, difundir este ideal de (re)conhecimento das mulheres e a partilha de saberes. Assim gostaria de finalizar citando outras iniciativas pelo Brasil que são fonte de inspiração para nós: Esse Monte de Mulher Palhaça (RJ), Encontro de Palhaças de Brasília (BSB), Palhaça na Praça (BH), Mostra Tua Graça Palhaça (RS), PalhaçAriaEncontro Internacional de Mulheres Palhaças (Recife-PE), Encontro Circo do Asfalto (SP). Enfim, o espaço feminino nesta arte foi conquistado, mas ainda há muito chão para muitos outros que virão e tomarão espaço nesta Rede. A Escola é um capitulo á parte neste processo de analise do Encontro no que tange a formação das mulheres na arte da Palhaçaria, percebendo que poderia ir além nesta arte transformei um curso só para mulheres em uma Escola com diversas mestras da comicidade e da linguagem da máscara, em 2017 fizemos o primeiro módulo de forma intensiva, com quase 56 horas de aula e sete professoras. Foi uma experiência incrível com a formação de uma pedagogia única que se deu no desenvolvimento do módulo, neste ano de 2018 faremos o primeiro e segundo módulo. A escola está projetada com 3 módulos, acontecendo 2 módulos a cada ano. 50

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Especial

ENCONTROS

Conheça alguns dos Encontros e Festivais de palhaçaria e comicidade feminina que acontecem no Brasil, pelo olhar das artistas/palhaças que organizam ou que participam do evento. Esses encontros são fontes inesgotáveis de potência e são responsáveis pelo grande movimento que as mulheres palhaças tem feito no Brasil e para além das fronteiras desse país. Mesmo com todas as dificuldades decorrentes das precárias políticas culturais no nosso país que se apresentam no processo de produção e realização desses eventos, a força e a determinação de cada uma dessas mulheres organizadoras e participantes é louvável.

Cada encontro é realizado com muita luta, e é visto que mesmo perante essas dificuldades, as artistas se mobilizam para que esses momentos tão ricos de aprendizado, troca e empoderamento feminino continuem acontecendo. Continuamos lutando para que a arte seja mais valorizada no nosso país, que hajam cada vez mais políticas culturais de acordo com as necessidades dos artistas e da comunidade, mais investimento de todos os setores da sociedade e mais respeito pelo nosso ofício. Michelle Silveira da Silva Revista Palhaçaria Feminina

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A IMPORTÂNCIA DOS FESTIVAIS DE COMICIDADE FEMININA a cerca de “Esse Monte de Mulher Palhaça”

MEU PRIMEIRO ENCONTRO

Sobre o Encontro Internacional de Palhaças de São Paulo

Ana Piu • Campinas, São Paulo piunina@gmail.com Fotos de Mariana Rocha

Dar um primeiro passo para abrir caminho merece admiração, respeito, reverenciar. O que é admirável nessa equipe de mulheres palhaças cariocas: Geni Viegas, Karla Concá, Samantha Anciães e Vera Ribeiro é que a relação é de horizontalidade entre si e com a comunidade feminina ‘palhaçistica’. Acompanhar e participar de um Festival Internacional de Comicidade Feminina como “Esse Monte de Mulher Palhaça” é reconfortar o nosso íntimo de que a escolha que fizemos em fazer da nossa arte uma escolha de vida e de sustento não é inteiramente descabida. Em suma, todo e qualquer festival do qual participo vem sempre confirmar que existem umas malucas e uns malucos que levam a vida com a seriedade de seguir os seus sonhos, as suas missões. A particularidade de um Encontro ou Festival de Comicidade Feminina é que temos a oportunidade de afirmar e firmar o nosso feminino dum jeito que é o nosso. Bendita arte da palhaçaria que nos permite ser tudo e não ser ninguém em especial! Sermos paspalhas, piegas, neuróticas, amorosas, sombrias, sensuais e bonitas 52

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dum jeito desastrado e gracioso. Desconstruindo velhos padrões e dinâmicas fruto duma mentalidade e prática patriarcal. Estar em Estado de graça é estarmos plenas. A nossa menina interior está radiante de jogar-se e jogar com as suas emoções, fragilidades, desejos reprimidos e permitidos. A Comicidade Feminina com foco na arte da palhaçaria é uma oportunidade de podermos renascer juntas, cada uma com a sua particularidade, sabermos que não somos as únicas a trilhar esse instigante caminho artístico e humanista. Termos a oportunidade de nos libertarmos juntas fazendo um “xôôôôô” para a competição e comparações que podam e sufocam. Em 2016 participei do Festival ministrando uma oficina de “ Dramaturgia e Comicidade” com o propósito de pensar no fazer artístico: O que queremos trazer para a cena, dentro do arquétipo da palhaçaria? Como pretendemos ressignificar e escrever as nossas histórias através da comicidade? Nesse Encontro reencontrei algumas palhaças queridas, como por exemplo a Lia Mota que organiza em Porto Alegre a “ Mostra a Tua Graça Palhaça”. Outras conheci naquele momento: Matusquella

que organiza Palhaças do Mundo em Brasília, a Nara Menezes com o Festival PalhaçAria do Recife, Bia Alvarez do Encontro de Palhaços de Joinville, a Michelle Silveira de Chapecó e impulsionadora desta revista, a Thaís e a Laís Oliveira de Belo Horizonte, entre outras. Nesse mesmo ano nos reencontramos em São Paulo no Encontro Internacional de Mulheres Palhaças organizado por Andrea Macera. Resumindo e concluindo: o movimento está aí em curso com estas e mais mulheres que tocam para a frente e se emancipam através da sua expressão artística e profissional. É uma honra poder fazer parte desse movimento. Desses encontros nasceu o projeto “ AR DULCE AR” com a palhaça Maffalda dos Reis (Geni Viegas) e a Bell Trana d’Tall (Ana Piu) com a direção de Leonardo Magno Tonon e assessoria artística de Adelvane Neia, tendo como temática a violência contra a mulher. Obrigada Brasil com suas diversidades, que nos permite assim encontrar a nossa família. O caminho está aberto. Agora é trilha-lo com sororidade vinda do coração. “Arigatô danka you verys mercis plenos de gratidones haux haux! ”

Dani Majzoub • São José dos Campos muzeganty.d@gmail.com Fotos de arquivo pessoal.

Manhã de 06 maio de 2014. Saí de minha terra natal, São José dos Campos em direção a São Paulo. Não fui selecionada para o curso “Escola de Mulheres Palhaças’’, promovido pelas Oficinas Culturais do Estado de São Paulo e ministrado por Andrea Macera, mas mesmo assim resolvi ir na primeira aula na esperança que alguém desistisse. Quando cheguei na sede da oficina cultural Amácio Mazzaropi, percebi que algumas pessoas não foram ao primeiro dia e logo me percebi em sala, me aquecendo para o início do curso. Andrea começa sua aula e eu toda perdida, não entendia como era um curso para palhaças. Aos poucos fui percebendo a importância de se conhecer as particularidades da comicidade da mulher na palhaçaria. Foi um divisor de águas para mim. Andrea nos informou sobre o encontro de palhaças que estava produzindo em São Paulo, o primeiro, e nos convidou para participar da programação. Meu coração pulsou forte. Sabia que estava entrando em outra fase, que, como palhaça, ainda

não tinha vivenciado. No hostel, onde estava hospedada, me deparei com palhaças de todo o Brasil e de outros países. Me senti tímida, pois é um pouco difícil para uma palhaça iniciante sair do interior e ter um primeiro contato com nomes que até então só ouvia falar. Mestras. Andrea me recebe sem distinção, somos todas iguais, temos o mesmo objetivo. Isto me confortou. Conheci palhaças incríveis durante a estada, me emocionei assistindo o trabalho e a resistência da mulher nesta arte até então marcada por homens como referência. Foi importante saber que palhaças estão se unindo pelo mundo a fora com o objetivo de proporcionar reflexão e mudança sobre a palhaçaria, no que diz respeito à comicidade feminina. Na apresentação do meu número, dia 12 daquele outubro, no Cabaré das Neófitas, dirigido por Adelvane Néia, reconhecida palhaça brasileira, as “palhaças primatas” (as mais experientes) estavam lá, na mesma sintonia que nós, para nos assistir e nos apoiar como novas palhaças.

“Olivia” minha palhaça me coloca em situação de improviso e jogo total com a plateia generosa. Mistura de sentimentos, desespero e alegria! No final deu certo! Não existe errado. E a sensação de todas juntas, mulheres de luta e resistência, foi o grande sentindo do encontro para mim. Agradeço a Andrea Macera que me mostrou um outro mundo. Com base e inspirada no I Encontro Internacional de Palhaças de São Paulo, em março de 2018 realizei o 1º Encontro de Palhaças e Circenses do Vale do Paraíba. Durante a semana do encontro tivemos mais de 40 mulheres artistas do Brasil todo, realizamos cabarés, oficinas, mesas de bate papo sobre a importância da mulher na arte e um cortejo pelo centro da cidade de São José dos Campos, momento histórico no Vale, pois nada parecido apenas com mulheres tinha acontecido por aqui. Pude sentir e vivenciar a força da mulher como artista, palhaça e circense, todas juntas. Viva a rede de palhaçaria feminina. Viva o Vale do Paraíba, aqui também tem palhaça! Revista Palhaçaria Feminina

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PALHAÇAS DO MUNDO

Encontro

MINAS

de palhaças de Brasília Ester Monteiro • Taquaruçu/TO tapiocatrupeacu@gmail.com Fotos de Thiago Sabino

Boroca é uma forma de chamarmos a nossa mala onde guardamos tudo o que mais gostamos na vida, no meu caso é meu arsenal de palhaça 1

2 Nome de minha palhaça.

Política uterina é uma expressão que aprendi com a atriz/diretora/ palhaça Karla Concá, é como ela se refere a forma que nós nos comunicamos umas com as outras, dizendo que a nossa política não é interina mas sim uterina, de dentro para fora. 3

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É, saí do Tocantins e rumei minha ‘boroca’1 nela coloquei tudo o que poderia ser usado neste encontro, perna de pau, malabares, figurinos, minha mãe, minha vó e uma vontade enorme de compartilhar com estas palhaças que tanto admiro. Participei em 2016 e 2017 do Encontro Palhaças do Mundo/ DF, e foi muito transformador, pois realmente sabemos que estes encontros existem para que possamos nos fortalecer e aprender com mulheres tão importantes na comicidade feminina, e sei também da dificuldade que é realizar estes encontros e festivais de palhaças, então foi uma vivência que vi que seria necessário para construção da Tapioca2. Chegando no encontro fui acolhida com carinho pelas palhaças que lá estavam e pelo festival. Fui convidada pela Michele Silveira (Barrica) para participar do cabaré e isso para mim foi incrível pois estava pronta para qualquer convite que ali poderia surgir, foi sensacional a paciência e o carinho que ali existia. Manuela Castelo Branco, palhaça Matusquella, idealizadora do Encontro Palhaças do Mundo teve uma ideia genial de trazer brincadeiras populares e cortejos diferenciados

nas edições do encontro, tais como: a queimada de sutiã, onde palhaças jogavam queimada, com sutiãs a mostra e fazendo alusão e um trocadilho com o acontecimento simbólico na história da libertação feminina, ‘bicicletalhaça’, onde as palhaças fizeram um cortejo andando de bicicletas, criando um espaço onde pedaladas eram permitidas, fazendo uma sutil alusão a situação política do país, entre outros. Estas brincadeiras vem sempre com alguma mensagem que traz o respeito e o empoderamento feminino e formas de alcançar este estado de PALHAÇA, e assim ficamos lá, brincando e praticando a ‘política uterina3’, que para mim é uma das coisas que mais gosto destes encontros é a troca tão direta que temos com estas mestras, e aprender como usar nossas ferramentas enquanto palhaças do mundo. E também teve o encontro da rede de palhaças, onde podemos falar melhor do trabalho que desenvolvemos em nossas regiões. A importância de estarmos nestes encontros por mais que não sejamos selecionadas é estar nos fortalecendo e nos atualizando, entendendo mais como funciona a palhaçaria feminina e esta comicidade que é tão avassaladora e libertária.

Sobre Mulheres Inusitadas de Narizes Encontro de Mulheres Palhaças de Uberlândia Giovanna Parra • Uberlândia/MG giovannaparra22@gmail.com Fotos de arquivo pessoal

O MINAS – Mulheres Inusitadas de Narizes Encontro de Mulheres Palhaças de Uberlândia teve sua primeira edição no fim de agosto de 2017, graças ao apoio da Universidade Federal de Uberlândia, que através de sua Diretoria de Cultura apoiou esse encontro. Durante todo o evento tivemos muitas ações como espetáculos, roda de conversa, duas oficinas (uma em Patos de Minas/MG e outra em Uberlândia/MG) exibição de entrevista com grandes palhaças, dessa forma conseguindo abranger um público de artistas e comunidade em geral. Contamos com a presença das convidadas Karla Concá, membro fundadora do grupo As Marias da Graça; Ana Euvira Wuo, professora do curso de teatro da UFU e pesquisadora de palhaçaria; Vilma Campos Leite, também professora da UFU e pesquisadora de máscara

e Amanda Aloysa, membro fundadora da Trupe de Truões e pesquisadora de palhaçaria. O evento teve como objetivo o intercâmbio entre palhaças da cidade e região, divulgação da comicidade feminina e espaço para palhaças mostrarem seu trabalho. Mesmo muitas alunas e alunos do curso de teatro da UFU pesquisando palhaçaria, o foco da Mulher como palhaça nunca havia sido discutido, com isso muitas estudantes não sabiam como continuar desenvolvendo seus trabalhos, mesmo tento referência de Palhaças na própria graduação. Foi refletindo sobre isso que surgiu a ideia de fazer esse evento totalmente gratuito para ajudar a formação e o desenvolvimento da pesquisa de muitas mulheres. Nesse ano de 2018 o evento está se encaminhando para sua segunda edição que acontecerá no segundo semestre. Revista Palhaçaria Feminina

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PALHAÇARIA

MOSTRA TUA GRAÇA PALHAÇA

Festival Internacional de Palhaças do Recife Enne Marx e Nara Menezes • Recife/PE ennemarx@hotmail.com e naramenezes@hotmail.com

Lia Motta • Porto Alegre/R palhacassemlona@gmail.com

Fotos de Lana Pinho

Fotos de arquivo pessoal

Para que servem os palhaços? Ou mais precisamente as palhaças? Para que servem os festivais de palhaçaria? O que fazer com esse trabalho para além da cena? Essas são apenas algumas das milhares de perguntas que me rondam a cada novo projeto, oficina, espetáculo, parceria e por aí vai. E assim é com a Mostra Tua Graça Palhaça. Por que realizar uma mostra apenas de mulheres palhaças entre tantos outros eventos com essa temática que já acontecem no Brasil? A Mostra Tua Graça Palhaça, teve duas edições sendo a primeira em março de 2016 e a segunda em março de 2017, ambas realizadas sem patrocínio. Na primeira edição era apenas um encontro de quatro palhaças a fim de realizar uma ação coletiva em homenagem ao dia internacional da mulher, e era também uma forma de dar maior visibilidade ao trabalho de quatro palhaças que trabalham sozinhas em cena, cada uma fazendo a sua temporada em um canto qualquer da cidade não despertava o mesmo interesse no público e na mídia, do 56

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que quatro reunidas realizando uma mostra de palhaças. Na segunda edição, entretanto a mostra reuniu 34 palhaças de diversas partes do Brasil e uma palhaça do México. A troca, a formação e o debate sobre o ofício foram desde sempre a chave para a realização destes encontros, mas uma questão foi o norte para a segunda edição da Mostra: “Qual a função social das palhaças e palhaços? Servimos a quem e com que objetivos?” Na segunda edição da Mostra, tentando responder a estas questões nos espalhamos por diversos espaços dentro e fora do teatro tentando estar com mais pessoas, buscando compreender a dimensão desse nosso ofício que quase não cabe nesse sistema econômico onde o humano serve apenas à geração de lucro e não a sua finalidade primordial de ser humano. Então fomos ao presídio feminino, fomos aos hospitais, à rua, fomos ao teatro para ouvir e falar de representatividade negra, fomos ao encontro de menores infratoras, nos sentamos em roda e falamos de nosso trabalho e dos caminhos que ainda temos a trilhar,

enquanto as crianças corriam ao nosso redor ou eram amamentadas por suas mães palhaças. A Mostra Tua Graça de 2017 foi dançada e muito respirada, foi cenário de riso e cura, de riso e cumplicidade, de riso e fortalecimento das mulheres, das palhaças, das excluídas. Durante sete dias intensos, nós trabalhamos, exercemos nosso ofício de palhaças, mas também nosso oficio de cuidadoras. Cuidamos umas das outras, nos escutamos, nos abraçamos, nos olhamos com força e amorosidade, nos acolhemos e rimos muito, e fizemos rir o público, e choramos muito, pois nos emocionamos a cada olhar vasto de vida e desejo que cruzava o nosso. As perguntas ainda me seguem, e espero que sigam sempre, mas algumas respostas também passaram a me acompanhar: Nós palhaças existimos para que o mundo seja mais cheio de graça e menos duro, nosso oficio transborda a palhaçaria, nossa existência é revolucionária, e nossa revolução é graciosa, amorosa, potente, generosa e acolhedora como é próprio da natureza que somos.

O Festival PalhaçAria, realizado e idealizado pela Cia Animée (Recife/ PE), está em sua quarta edição e foi criado a partir da inquietação das atrizes palhaças Enne Marx e Nara Menezes (Banda de palhaças As Levianas/Cia Animée), em haver na cidade do Recife, um Festival dedicado à clowneria feminina, realçando o humor das mulheres e suas nuances, atualizando a pesquisa de linguagem e apoiando a cultura do riso com base na profissionalização das palhaças. O evento reúne uma mostra de trabalhos solo e em grupo à convite da curadoria e promove a formação através de Oficinas, Fórum de discussão de temas relevantes para o universo da palhaçaria e Intercâmbio. Importante espaço de discussão nacional e internacional através do encontro de palhaças de várias cidades e países que ficam na cidade durante todo o evento, o Festival PalhaçAria trata do assunto em grande estilo e provoca o espaço feminino na arte - para fazer rir e pensar. A palhaçaria feminina vem se destacando em todo o mundo e hoje torna-se uma expressão independente e consolidada. Com formação de plateia e a cada ano ganhando mais espaço nas artes, esse movimento vem se expandindo

e se tornando cada vez mais expressivo, leia-se pelo número de festivais de referência dedicados ao gênero. Tais festivais fazem parte de uma Rede de intercâmbio artístico e criam um circuito internacional de espetáculos, trazendo para os palcos e rua, uma linguagem que privilegia “todos os públicos”. O Brasil, é o país que hoje, reúne a maior quantidade de festivais de palhaças. Com a pesquisa continuada na linguagem do palhaço, consideramos que a palhaçaria feminina faz parte do contexto contemporâneo das artes cênicas e dinamiza a cena cultural com grande ênfase dramatúrgica, colocando em xeque a realidade feminina da vida, questionando o próprio fato do ser mulher, rindo dos problemas cotidianos e tirando proveito de temas que são peculiares do seu universo. O Festival PalhaçAria procura colocar a mulher palhaça na rota internacional dos festivais e eventos que reúnem artistas em torno da linguagem, provocando também a colaboração entre as participantes, gerando relações potentes no campo criativo. Em todas as edições, o Festival cria dois espetáculos inéditos unindo vários números curtos na realização dos Cabarés de variedades. Aqui,

palhaças e público vivenciam uma experiência que pertence somente a eles, naquela uma hora e meia de apresentações e experimentações, permitindo o espaço para o erro, campo minado de explosões frutíferas que faz crescer qualquer artista. Os Cabarés abrem espaço também para uma rica troca entre profissionais de excelência e palhaças iniciantes, resultando em deliciosas noites de gargalhadas. A cada edição, o Festival procura inovar em propostas e cativa a comunidade recifense com a implementação de outras ações para além das esperadas, como Cortejo na rua e criação de espaço de convivência (com comidinhas e bebidinhas) e loja com diversos produtos para os artistas e público em geral. O Festival procura também agregar as universidades com participação de estudantes de Artes Cênicas em algumas ações. Com o incentivo do Funcultura/Governo do Estado de Pernambuco e as importantes parcerias da Secretaria de Cultura/Prefeitura da Cidade do Recife, Centro de Formação e Pesquisa das Artes Cênicas Apolo/ Hermilo e Sesc Pernambuco, o Festival PalhaçAria é hoje um importante evento aglutinador das artes, que sedimenta a cidade do Recife como um polo cultural também da palhaçaria mundial. Revista Palhaçaria Feminina

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FESTIVAL PALHAÇA NA PRAÇA

DA ARTE DE ENCONTRAR

Encontro de Palhaç@s de Joinville

Laís e Thaís Oliveira • Cia Gêmea • Belo Horizonte/MG ciagemea@gmail.com

Bia Alvarez • Joinville/S biaalvarez.producoes@gmail.com

Fotos de Ronaldo Ribeiro

Foto de Ale Mello

O festival “Palhaça na Praça” foi criado com intenção de estimular que mais palhaças fossem apresentar no espaço público e criar esse momento trocas e intercâmbio entre as palhaças compartilhando com o público a trajetória, pesquisa e repertório artístico da mulher palhaça. Já realizamos 3 edições, 2015, 2016 e 2017 na cidade de Belo Horizonte/MG e realizado de forma independente, o festival reuniu por onde passou cerca de 6 mil pessoas, incluindo artistas, produtores culturais, voluntários e público. Inclusive, por acreditarmos na rua como um espaço democrático carente de arte e presença feminina, temos cada vez mais convicção que esse festival é para mulheres de coragem que topam o desafio de ir ao encontro do mais variado público e mostrar toda sua potência como Palhaça na Praça. Além disso, o festival foi importante ferramenta para criar pontes entre palhaças de várias regiões do Brasil. Estimular o estudo e a prática da palhaçaria feita pelas mulheres de Belo Horizonte e região. 58

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Com o crescimento que teve na última edição resolvemos adiar a quarta edição para 2019 e conseguir a atender toda demanda de produção para que o Festival alcance mais público e garanta a qualidade para receber as palhaças da programação. O festival é realizado pela Cia Gêmea, uma companhia de circoteatro que nasceu na cidade de Confins, em Minas Gerais. A companhia atua há três anos na cidade de Confins, em Belo Horizonte e outras cidades de Minas, com projetos que estimulam a ocupação dos espaços públicos, a formação de público, a capacitação de interessados nas artes do circo por meio de oficinas. A companhia foi criada em 2012, mas anteriormente à sua criação, os integrantes já participaram de projetos culturais que visavam o acesso da população aos bens culturais. Para integrar a grade de programação do Festival, selecionamos as artistas de acordo com quem se interessa, e se dispõe a vir, se você que está lendo é uma pessoa interessada mande seu material pelo e-mail ciagemea@ gmail.com .

O Encontro de Palhaç@s de Joinville nasceu em 2016 de forma muito espontânea, partindo essencialmente da necessidade humana de encontrarse. Num encontro pós apresentação, na cidade de Florianópolis/SC, saí com vários Palhaços e Palhaças daquela cidade e durante a conversa apresentouse o desejo de estarmos juntos, assistindo nossos trabalhos, exercitando este lugar do encontro. Como sou Produtora Cultural em Joinville/SC, cidade onde moro, propus que fizéssemos um final de semana com quatro espetáculos, dividindo todas as atribuições de produção de forma igualitária e coloqueime a disposição para cuidar da produção local. Naquele momento éramos quatro Palhaças e Palhaços cocriando o que se tornaria o 1º Encontro de Palhaç@s de Joinville. Rhaisa Muniz, Drica Santos e Marcio Momesso de Florianópolis/ SC e eu de Joinville/SC. Definimos uma data e começamos a produção desse “encontro”, e o que acontece a partir de então é algo que está além do universo explicável com a lógica comum. A notícia desse encontro começa a se espalhar e para minha surpresa, espanto e alegria, comecei a receber contatos de outros iguais de todos os cantos do país, que também queriam estar aqui compartilhando estes momentos e meu maior susto era a manutenção do desejo de todos em vir mesmo sabendo que não tínhamos qualquer verba ou suporte mais elaborado de produção.

Pensando no que nos moveu desde o início, decidimos realizar o evento de forma inteiramente colaborativa. Assim aconteceu de 21 a 24 de abril/2016 o 1º Encontro de Palhaç@s de Joinville, com 15 espetáculos de 4 estados diferentes: SC, RS, PR e RJ. Contamos com o apoio local dos grupos Essaé Cia e Circo Lúdico, com o apoio da AJOTE – Associação Joinvilense de Teatro e da AMORABI – Associação de Moradores e Amigos do Bairro Itinga. Os artistas de fora foram recebidos em sistema de alojamento solidário, e após pagar as despesas fixas de produção, dividimos de maneira igualitária todas as entradas das bilheterias e chapéu, únicos recursos financeiros que levantamos naquele ano. Todos os artistas envolvidos trabalharam de alguma forma na dinâmica de construção deste movimento de encontrar. Abrimos espaços para debates sobre palhaçaria feminina e sobre arte na rua, que nos colocaram num lugar de escuta e troca muito rica entra Palhaças e Palhaços, entre artistas que estão levando seu ofício a rua e ao teatro. Ao fim deste 1º Encontro fiquei com a sensação de que havíamos habitado e construído um ambiente muito especial, para além da realização e um evento fizemos um encontro partindo dos desejos coletivos de encontrar. Movida por esta mesma energia passei a movimentar a realização do 2º Encontro de Palhaç@s de Joinville. Para esta segunda edição o protagonismo feminino ficou muito em Revista Palhaçaria Feminina

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Uma série especial de ilustrações sobre signos e palhaças, por Driely Alves.

Foto: Susane Sabino

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evidência, num encontro de Palhaç@s misto, mas inteiramente pensado em equidade de gênero, garantindo assim que o processo das mulheres palhaças tenha seu espaço garantido de fala, de apropriação do espaço seu também por direito. A troca, foi extremamente rica, uma oportunidade de homens Palhaços estarem dialogando diretamente com este universo que é o mesmo e muitas vezes parece tão diverso, a humana verdade da Palhaça e do Palhaço. O lugar do encontro se fez, desta vez com um claro recorte de gênero, oportunizando um dia todo específico com de exibição do filme “Achei o meu nariz” com direção de Barbara Amádio, Diana Magalhães e Jacqueline Durans/ RJ sobre Palhaçaria feminina, e da série “Palhaças do Mundo”, com a presença da Manuela Castelo Branco/DF , diretora da série, condução de debate sobre a série e falas das realizadoras de alguns dos mais importantes festivais de comicidade feminina do País, como As Marias da Graça/RJ, realizadoras do Festival Esse Monte de Mulher Palhaça e Manuela Castelo Branco/ DF realizadora do Festival palhaças do Mundo de Brasília onde, com a presença de muitos Palhaços homens na plateia, tivemos um momento para refletir, juntos, sobre a presença da mulher no meio da palhaçaria, da, ainda, importância da realização dos festivais exclusivamente femininos, entre outras questões neste sentido. Sinto que pensar estes Encontro como um encontro e não como um festival tem um caráter muito simbólico, que dialoga com a origem de onde ele nasceu em 2016 e com minha percepção e mundo, que acredita nos encontros, nas relações verdadeiras e diretas como forma de um movimento

de evolução humanitária. Desta forma, percebo que a característica mais marcante do Encontro de Palhaç@s de Joinville, e que pretendo manter enquanto for responsável por sua organização, é o estabelecimento de um ambiente onde sejam possíveis o diálogo aberto e franco, do feminino e do masculino, abrindo um espaço de escuta que os festivais exclusivamente de mulheres vem construindo tão bem até então. Por ser mulher e Palhaça, entendo que é importante a manutenção deste espaço, que chegamos num momento possível e felizmente venho vivendo isto com a experiência destes dois encontros de palhaç@s. O 2º Encontro de Palhaç@s de Joinville foi realizado de 2 a 10 de dezembro/2018, tendo em sua programação 17 espetáculos, 3 intervenções, um cabaré cômico, cortejo, exibição de filmes e mesas de debate. Foram nove dias de intensa programação, de convívio, de encontro, com importantes apoios como SESC e Plataforma Eu Faço Cultura, entre outros que garantiram a possibilidade de um maior suporte de produção. A realização deste Segundo Encontro de Palhaç@s me nutriu ainda mais no sentido de que a arte da palhaçaria é, em essência, a arte da relação e que a principal função deste Encontro é abrir espaço para estas dinâmicas e relação, com o público também, mas, essencialmente, com os artistas e suas formas de atuação no mundo, mulheres, homens, transgeneros e tantos mais, desejando e semeando este espaço de escuta para que em algum momento tenhamos somente a Palhaçaria como a arte essencial de atravessar pelo riso e pela relação amorosa. Revista Palhaçaria Feminina

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Julie Goell Julie Goell nasceu no Brooklyn em 19 de abril de 1951, foi comediante, musicista, marionetista, mímica e palhaça de longa data no cenário internacional. Trabalhou com música, cinema, televisão, teatro, foi excelente professora e uma apaixonada pela Commedia Dell´Arte. Partiu no dia 12 de dezembro de 2016 em Peaks Island, por decorrência de uma doença neuro – degenerativa que foi aos poucos lhe roubando a capacidade de correr, caminhar, falar, mas segundo relatos, não foi capaz de lhe roubar o bom humor e a capacidade de se reinventar.

O humor é intrínseco a minha sobrevivência. 62

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No ano de 2009, eu tive o grande prazer de conhecer Julie Goell. Na ocasião estávamos participando do Festival Anjos do Picadeiro que acontecia na cidade de Florianópolis/SC. Julie era de uma delicadeza e gentileza impressionantes. Tive a oportunidade de assistir seu espetáculo e pude acompanhá-la em caminhadas, compras de picolés, conversas, corredores e passeios de barco para conhecermos melhor a ilha. Admirei muito seu espetáculo, fiquei encantada como animava tantos objetos em cena como uma criança brincando de dar vida as coisas. Passou-se muito tempo e então soube que Julie enfrentava problemas de saúde, não tinha ideia da gravidade de seu estado e então entrei em contato com ele e seu esposo Avner e perguntei se ela gostaria de nos dar uma entrevista. Fiquei muito feliz com a resposta, pois Avner disse: “Julie adoraria ser entrevistada.” Encaminhei as perguntas e logo recebi as respostas, “curtas e doces” conforme ela mesma disse. Depois de um tempo fiquei sabendo que Julie realmente estava muito debilitada pela doença e certamente respondeu a tantas perguntas com grande dificuldade, mas com a generosidade e doçura tão peculiares dela e de sua palhaça. Julie partiu em dezembro de 2016, mas deixou sua contribuição para a nossa revista! Fica aqui um registro de carinho e reconhecimento a essa grande artista que foi e sempre será JULIE GOEL.

Fotos

Steve DiBartolomeo

1 Sugiro que você leia os seguintes artigos para conhecer melhor a história, as dificuldades e as conquistas de Julie Goell. https://www.pressherald.com/2013/05/12/tears-of-a-clown_2013-05-12/ e https://www.pressherald.com/2016/12/12/julie-goell-clown-puppeteer-beloved-peaks-islandcommunity-member-dies-at-65/

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Michelle - Gostaria de saber como e quando você iniciou o seu trabalho com a linguagem do palhaço?

grande movimento de palhaças mulheres pelo mundo? Julie - À medida que nos entendemos melhor, nós conseguimos entender quem nós somos enquanto palhaças. E haverá mais de nós, escreva o que digo.

Julie - Aos 25 anos eu fazia mímica nas ruas de Roma, Itália. A mímica sendo silenciosa não era o suficiente para mim. Eu coloquei o nariz vermelho e nunca mais olhei para trás.

Michelle - Julie, no Brasil usamos o termo “Palhaça” para chamar uma mulher que trabalha com palhaçaria. Gostaríamos de saber como você chama seu trabalho: mulher palhaço, palhaça, mulher palhaça ou qualquer outro termo? E também, gostaríamos de saber como você sente esse movimento e como isso aparece em seu trabalho como palhaça mulher?

Michelle - Quais foram as suas influências na elaboração do seu trabalho de palhaça? Julie - Minhas influências foram difíceis de encontrar. Naquela época havia Lucille Ball e Carol Burnette e algumas outras personalidade da TV. Nós não tínhamos a menor ideia de como uma palhaça or mímica deveria ser, e tivemos que extrapolar um olhar para nós mesmas.

Julie - Eu chamo minha palhaça de Julie. Eu não diferencio palhaços de palhaças. Certamente, eu tive vários problemas durante minha trajetória na palhaçaria. Ela tem sido definida como uma forma de arte masculina. Cabe a nós mudar essa percepção.

Michelle - Li que você tem experiência com teatro, commedia dell’arte, comédia física, fantoches, música, entre outras linguagens artísticas. Gostaria de saber como estas linguagens se cruzam no seu trabalho como palhaça? Como interferem no seu ofício?

Michelle - Você enfrentou alguma dificuldade em sua trajetória como mulher palhaça, que queira compartilhar conosco, ou sempre teve boa receptividade?

Julie- Eu usava corda de baixo no Carmen the Mopera e sempre incluí pequenos amigos fantoches de um tipo ou de outro, poise les criam relações convenientes quando necessário. Quanto a comédia, eu baseei Escamillo em Capitanoi.

Julie - Minha única dificuldade foi superar a hipótese de que eu poderia possivelmente não ser engraçada. Michelle - Para finalizar, querida Julie, gostaria que você deixasse uma mensagem para as palhaças iniciantes, incentivando, alertando sobre esse nobre ofício de ser palhaça.

Michelle - Li, em um artigo escrito por Ana Carolina Sauwen para a Revista Palhaçaria Feminina 03, sobre a experiência que ela teve trabalhando com Avner, ao desenvolverem um trabalho denominado Eccentric Performing, técnica desenvolvida juntamente com você. Poderia falar sobre isso?

Julie - Para as mulheres que estão iniciando suas carreiras, eu gostaria de dizer: apenas seja você mesma.

Julie - Você pode ler tudo sobre “Eccentric Performing” em meu novo livro, Life in a Clown House, disponível no site <avnertheeccentric.com> ou na <amazon.com>. Michelle - Assisti seu espetáculo “Carmem: A Mopera” em 2009 e percebi que assim como muitos outros palhaços americanos, você não utiliza o nariz vermelho como signo. Gostaria de saber o que define o palhaço para você, para além de um signo, como um nariz ou roupas exageradas? Julie - Para mim a palhaça é definida pela sua relação com o mundo, como ela define. Michelle - Depois de conhecer o seu trabalho como atriz, cômica e palhaça, gostaria de saber como você vislumbra o ofício da mulher palhaça no decorrer da história e hoje? Como você vê este desabrochar, esse 64

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e, “Dear Michell magazine. r u o y h it w k Best luc as I am t e e w s d n Short a can’t write much. very ill and Best wishes, Julie”

helle, “Querida Mic sua revista. m o c e t r o s a Desejo muit estou muito u e o m o c – e c Foi curto e do consigo escrever muito. doente e não felicidades, Desejo muitas Julie”

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Um especial sobre as Palhaças Portuguesas Organizado por Eva Ribeiro1 e Catarina Mota2 Fotos de arquivo pessoal

Com um explosivo despertar da arte da palhaçaria, as últimas duas décadas levaram também, a que muitas mulheres palhaças afirmassem a natureza única da sua arte em Portugal. Unidas pelo gênero e pela força da linguagem transformadora que utilizam, as palhaças portuguesas são em regra geral mulheres pesquisadoras e extremamente criativas que em paralelo ao seu trabalho como palhaças são também encenadoras, contadoras de histórias, professoras, atrizes, músicas, cineastas, biólogas, agricultoras, … Em Portugal a arte da palhaça como ferramenta para o trabalho social é também bastante notável e já bastante enraizada. Destes projetos sociais podemos destacar o papel fundamental das mulheres palhaças. Vejamos o exemplo da Operação Nariz Vermelho a maior organização deste gênero em Portugal e que foi fundada por uma palhaça Beatriz Quintella, que “emprestada” do Brasil aqui decidiu se instalar e lançar esta incrível Operação. Esta instituição ao longo dos anos acolheu na sua equipe muitas palhaças e hoje em dia conta

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com um total de 28 palhaços sendo que do grupo 8 são mulheres. Na Visita , também fundada pela palhaça emprestada, desta vez da Espanha, Eva Sarmiento, uma família de palhaç@s visita centros de dia e lares em Lisboa e Porto. O projeto conta com uma equipe de 11 elementos, 4 Palhaços e 7 Palhaças. Igualmente os Remédios do riso, as Rugas de Riso e os palhaços d´Opital têm equipes mistas sempre com uma forte presença feminina. Os espaços de apresentação artística para os seus trabalhos difundem-se um pouco por todo o país e nesta questão, a arte da palhaçaria, tem vindo a alcançar um lugar de importância junto do grande público. Projetadas, agora, por eventos como festivais de circo, de teatro de rua e, notoriamente, pelo surgimento de encontros e mostras dedicados exclusivamente a esta linguagem. São, no entanto, ainda poucos os financiamentos e estruturas culturais a apostarem nas obras de palhaças nacionais. A especificidade da linguagem e a jovialidade do movimento causa ainda estranheza a programadores não sabendo ainda muito bem onde “engavetar” as suas criações loucas e sensíveis. A rua mostra-se

Apaixonada pelo nariz vermelho desde 2006, tem vindo aprendendo a renascer na palhaça, a rir de si mesma e do mundo. Agradece a maestria de figuras nacionais como Pedro Correia, Jorge Paxeco e Pedro Fabião e internacionais como Jesus Jara, Virigina Imaz, Celia Ruiz, Alex Navarro e Caroline Dream, Jeff Johnson, Johny Melville, Tom Roos, Silvia Leblon, Adelvane Néia, John Beale, Eric Davis (Red Bastard) e palhaço Tomate. Estuda teatro físico na Escola Jacques Lecoq em Paris. Orienta cursos onde partilha a sua profunda crença na arte transformadora da palhaçaria e adora visitar pessoas onde o isolamento se sente através do projeto A Visita. Organiza com a Cia. Madame Nez Rouge as Noites Clown em Lisboa e Porto e uma série de Mostras dedicadas à palhaçaria feminina e comicidade nacional. 1

Trabalho como atriz, marionetista e palhaça. Formei-me no Curso Profissional de Cenografia, Figurinos e Adereços da Escola profissional de artes. De 2011 até 2015 integrei, em conjunto com a atriz e palhaça Eva Ribeiro, a companhia de palhaçaria feminina Madame Nez Rouge, com a qual criei e apresentei diversos espetáculos de clown em Portugal, França e Argentina. Trabalho como atriz e manipuladora de marionetes e objetos em colaboração com a companhia Alma d´arame desde 2012. Ao longo do meu percurso trabalhei com companhias como Echo Echo dance theater Company, Lua Cheia Teatro para Todos, PIA (projetos de intervenção artística), Companhia Caótica, Associação Fosso de Orquestra, Teatro do Elefante, entre outros. Tive formação com companhias e artistas como, Pepe Nunez, José Carlos Barros, João Calixto, Amândio Anastácio, Miguel Moreira, Karim Dakroub, Cia. Philippe Genty, Agnés Limbos, Ana Piu, José Carlos Garcia, Nuno Nunes, Catarina Câmara, Tom Roos, Rob Marchand, Nuno Pino Custódio, Teatro o bando, entre tantos outros. Em 2015 estreei o meu solo de clown “Chou! ”, que apresentei em Portugal, Uruguai e Brasil, estreando também o meu projeto Seja Dono do Seu Nariz. Desde 2016 que integro o projeto artístico de solidariedade social “A Visita”. 2

ainda como território desconhecido para a maioria das palhaças portuguesas. Grande parte prefere os palcos para encontrar o público. Fugindo a esta regra encontramos palhaças a pedi-lo em casamento (Marta Costa em “Aceitas? ”) Ou a criar momentos de êxtase de pura improvisação absurda como Safaneta, em espetáculos fortemente marcados pela interação e pelo jogo com o público. Caracterizando-se como uma arte que por natureza se distingue pela partilha e através do encontro, em Portugal palhaços e palhaças cultivam o conceito de uma grande família. Eventos como o Encontro de Palhaços de Vila do Conde, a Semana dos Palhaços, PalhaçARTE e Gargalhadas na Lua visam não só oferecer a arte da palhaçaria às suas comunidades, mas igualmente, reunir profissionais para o fomento dessa rede de difusão nacional e internacional. No meio destes Encontros, “parido” por Maria Simões e as Descalças Cooperativa Cultural, surge o ímpar Bolina – festival Internacional de palhaças que na sua primeira edição deu à costa em 2015 na Ilha da Terceira nos Açores, reunindo mais de 40 palhaças de diversos países. Bianual, o festival teve a sua segunda edição em 2017 em Castelo de Vide em Portugal continental. Trocou o mar pelos passeios de burra e desafiou novamente palhaças nacionais e internacionais a encontrarem-se com e para a comunidade para mostrar a singularidade do nariz vermelho nas suas vertentes artísticas, comunitárias e pedagógicas. Destes Encontros fomentou-se igualmente o apoio e a solidariedade entre as palhaças numa tentativa de fortalecimento destas mulheres e dos seus projetos. Para este efeito foi criada a Rede Internacional de Palhaças, onde palhaças de várias nacionalidades passaram agora a estar conectadas e em interação constante e direta. Pioneira na arte da palhaça, figura de inspiração, não só para mulheres, mas também para centenas de jovens que todos os anos abraçam a arte do circo na Escola Profissional Chapitô, destaca-se Teresa Ricou, mais conhecida como palhaça Tété. É ela também que em 2008 lança o Ciclo de Mulheres Palhaço, mostra de espetáculos, entre outras atividades, inteiramente destinadas a dar a conhecer o trabalho de palhaças internacionais. Pelo palco da tenda passaram já artistas como Pepa Plana, Laura Herts, Marta Carbayo, Gardi Hutter, Charlotte Saliou, entre outras. Em 2014 o Ciclo foi dedicado às palhaças portuguesas, numa homenagem à sua precursora Tété. Inspiradas e nutridas pelo detalhe na exploração do seu universo pessoal, as palhaças portuguesas surpreendem quando falamos da dramaturgia dos seus espetáculos. A maioria das palhaças investe profundamente num olhar poético e íntimo, abordando temas como a solidão, o sonho, o envelhecimento, a comunicação, … onde através das histórias que lhes sucedem conseguimos perceber as mensagens de utopia e de transformação do ser humano. Abordando o ridículo de forma sensível estes espetáculos são poéticos e corajosos visto que são fruto de uma bagagem cultural que só somos capazes de entender olhando a realidade da mulher portuguesa e a sua história das últimas décadas. Quando já na América ou mesmo no Brasil as mulheres davam Revista Palhaçaria Feminina

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o grito do “ipiranga”, aqui neste pequeno país banhado de atlântico, ainda se vivia na realidade do Estado Novo e do fascismo que duraram até 1974. Foram décadas de vincada repressão e censura numa sociedade submetida ao pensamento colonialista, em que as principais preocupações não incluíam o livre pensamento Feminino. Neste contexto em que o humor em Portugal estava reduzido à comédia de costumes, soma-se a moralidade cristã que sempre obrigou a mulher portuguesa ao pudor. A mulher portuguesa podia ser uma dona de casa na cidade ou uma parideira camponesa, não obstante era sempre a encarregada da casa e da educação dos filhos, longe da esfera pública e das decisões sociais. É desnecessário dizer que não havia espaço para o riso ou um humor que colocasse a mulher como protagonista dos seus próprios temas. Desta bagagem, surge a nossa identidade cultural que dá asas ao imaginário desta nova geração de palhaças. Desde o suicídio de uma mulher que procura o amor e a notoriedade (Madame Kill – Eva Ribeiro) ou de uma mulher à espera de um homem que teima em não chegar ( Com amor, papel manteiga e marcador -Susana Cecílio) ou mesmo a visão de uma mulher que se debruça sobre os meandros do poder a que diariamente somos silenciosamente confrontadas (A Cadeira - Anabela Mira). Nas roupas e cenários quase sempre percebemos que estas mulheres falam de um universo muito português, preenchido pela solidão, em espaços privados, marcados pela ideia do trabalho árduo ou por uma certa melancolia tão caracteristicamente nossa. Falam da procura de casamento ou da solidão... de uma casa vazia, dos afazeres domésticos ou apenas da galinha da vizinha ( que é sempre melhor que a minha) (Graça Ochoa -A galinha da minha vizinha). São mulheres que curam e se curam, que se transformam e transformam ao seu redor, elas dão vida e renascem numa poesia transgressora que traz consigo gargalhadas de liberdade para a mulher portuguesa. Elas são Mulheres, Artistas, Portuguesas, Palhaças... elas são o que sonharem ser.

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MARIA SIMÕES • Castelo de Vide mariadescalca@gmail.com “Ser palhaça é um difícil e responsável exercício de liberdade extrema. É viver numa constante corda bamba de emoções, sempre alerta, sempre disponível para jogar com tudo, com toda a gente e comigo própria. Ser palhaça é, ainda, uma bela razão para viver muito a vida e durante muito tempo. E é agradecer todos os dias os maravilhosos sorrisos que me dão as pessoas com quem me cruzo. O maior desafio como palhaça é subitamente, tocar corações. E manter essa música sempre viva, enquanto vou envelhecendo! Três objetos indispensáveis à minha palhaça...um nariz de palhaça artesanal (na cara ou escondido no bolso), uma mala de viagem, algo na cabeça (desde um gancho de cabelo, até ao chapéu) para me proteger. A minha palhaça sonha em...utopias reais, um mundo feito de paz, franca alegria, igualdade entre todas as pessoas, vidas felizes, muitos sorrisos, belos silêncios. ” EVA SARMIENTO • Madrid evasarmiento@msn.com “ Ser palhaça é a maior liberdade do mundo! É se divertir a divertir, é o lugar onde melhor me encontro comigo própria. O maior desafio como palhaça é mostrar e saber jogar a verdade sempre. Três objetos indispensáveis à minha palhaça, um chapéu, um batom e um discreto e pequeno frasco de bolas de sabão. A minha palhaça sonha em ser uma maravilhosa palhaça. ” ANABELA MIRA • Peniche anabelamira68@gmail.com “Ser palhaça é o tudo que é nada. O maior desafio como palhaça é ter todas as técnicas e na hora estar “apenas” a viver. Três objetos indispensáveis à minha palhaça: um nariz que assente bem, uns sapatos com carácter e muita vontade de estar com o público. A minha palhaça sonha com o que lhe vier no momento. ” MARTA COSTA • Porto sitaza@msn.com “Ser palhaça é ser capaz de rir de mim própria, gostar de errar e ter prazer em cair, para fazer rir os outros. O maior desafio como palhaça é fazer alguém chorar a rir, e assim contribuir para a tonificação dos seus abdominais e músculos faciais! Três objetos indispensáveis à minha palhaça, uma vassoura, um “naperon” (paninho de crochê) e dois balões. A minha palhaça sonha em conseguir acender a luz de um quarto escuro, com duas palmas. ” SUSANA CECÍLIO • Lisboa susanacecilio@gmail.com “Ser palhaça é aceitar: a mim, ao outro, aos objetos, aceitar: o ridículo e a imperfeição. O maior desafio como palhaça é estar no aqui e agora a dizer sim! Três objetos indispensáveis à minha palhaça, papel e marcador. A minha palhaça sonha em viagens, ter muitos amigos e comer laranjas. ”

TERESA RICOU • Lisboa teresa.ricou@chapito.org “Ser palhaça é uma coisa muito séria! O maior desafio que encontro como palhaça é manter a chama acesa! Três objetos indispensáveis à minha palhaça, mala, galinha e os sapatos. A minha palhaça sonha em voltar à pista! ” GRAÇA OCHOA • Setúbal gracita2001@yahoo.com “Ser palhaça é pôr o mundo de pernas para o ar. O maior desafio é fazer os outros, o público, sonhar, poetar... ver o mundo de pernas para o ar. Três objetos indispensáveis a minha palhaça pois, talvez o chapéu, mas na verdade não tenho, vão variando, já foram uma vassoura, um pão, uma couve, um saco de plástico com os seus pertences... A minha palhaça sonha com a utopia. ” TANIA SAFANETA • Sintra clown@safaneta.pt “Ser palhaça é o meu propósito de vida e um “estado”, uma energia magnífica de simplesmente Ser e Estar. Brincar era o meu sonho que se tornou realidade, é o que amo fazer. O maior desafio como palhaça é sempre que entro para um momento, é um desafio. Agora o maior, maior, hum... O TIC TAC não tem a noção do tempo. Quase sempre! Três objetos indispensáveis à minha palhaça, ela anda com muitos objetos, mas são todos dispensáveis. A minha palhaça sonha em não perder a capacidade de sonhar e de continuar a proporcionar aos SERES HUMANOS e criaturas assim, momentos mais absurdos que a vida, mas com um bom analgésico. ” EVA RIBEIRO • Porto evanaquela@gmail.com “Ser palhaça é celebrar a vida entre seres humanos pela fragilidade e pela imperfeição, ser a liberdade e desejar o impossível. O maior desafio como palhaça é denunciar a bestialidade do ser humano e relembrar o amor. Ser capaz de tornar o riso numa poderosa arma de transformação. Três objetos indispensáveis à minha palhaça, um instrumento musical; os meus sapatos; o meu espanador. A minha palhaça sonha em ser eterna. ” CATARINA MOTA • Setúbal atumcomcebola@gmail.com “Ser palhaça é olhar o mundo com compaixão e humanidade, apresentar em qualquer lugar para qualquer público e aprender muito e sempre. O maior desafio como palhaça é pôr os egos de parte e deixar que o essencial e simples seja o ponto focal do meu mundo. Três objetos indispensáveis à minha palhaça ultimamente nariz, vassoura e um palco vazio. A minha palhaça sonha em ser amada por todos. ”

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SER PALHAÇA MEXICANA Um especial com palhaças do México Por Darina Robles1 e a Rede de Palhaças Mexicanas

“Às vezes a vida não é fácil”, é uma das frases recorrentes da minha palhaça, Atanasia. Eu sei, como Atanasia, que a vida às vezes não é fácil, mas é maravilhosa. Atanasia e eu sabemos que ser palhaça às vezes não é fácil, mas é maravilhoso. Comecei a querer ser palhaça no ano de 1999 graças a um livro que encontrei em uma biblioteca francesa: Clowns et Farceurs. Quando li o livro, meu coração batia forte, percebi e perguntei rindo: Você quer ser palhaça? Meu coração bateu mais forte que nunca e, com total assombro, prometi-lhe seriamente: seremos palhaças. Voltando à minha terra natal, Cidade do México, não sabia por onde começar. Eu me senti como uma palhaça aprendiz lançada num voo espacial. Eu encontraria minha palhaça no espaço sideral? No México eu não conhecia nenhum palhaço, só tinha o cartão de apresentação do palhaço de festa infantil Mágico Margarito que ao ouvir: - Margarito quero ser palhaça! Me contatou com o movimento palhaços de festas infantis. Ao mesmo tempo, encontrei oficinas de palhaços em festivais e outras oficinas que complementariam minha formação como palhaça. Eu conduzi uma investigação em comunidades indígenas do meu país, sobre sua arte cênica e personagens humorísticos. Pouco a pouco eu iria conhecer as poucas pessoas que estavam como eu no México na busca de ser um palhaço. Comecei a participar do movimento nascente de palhaços de hospital. Na jornada de encontrar minha palhaça, eu ficaria feliz em sobreviver aos desafios de navegar em uma profissão em construção. Eu ignorei quando me disseram que as mulheres não podem fazer as pessoas rirem; não fiquei desanimada quando me disseram que eu deveria ter estudado Licenciatura em circo ou teatro, em vez de história da arte, para ser palhaça; eu resisti quando meu pai se negava a aceitar que eu era um clown e me apresentava a seus amigos como clon. Em 2004, consegui levar a cabo a minha intuição de que apesar de tudo, eu poderia ser uma palhaça profissional. Eu comecei um treinamento na École Philippe Gaulier. Com meu mestre Philippe, encontrei minha palhaça Atanasia. Ela não estava no espaço sideral, mas no meu coração, no meu prazer e na minha 70

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Palhaça teatral e palhaça social com licenciatura em História da Arte. Fundadora e palhaça da Compañía Atanasia, Llaven nü Festival nômade de palhaço intercultural e centro de Risiología. É membro da empresa franco-mexicana Trasatlancirque (2011). Fundadora da Rede Mexicana de Palhaças. Formação na École Philippe Gaulier, França (2004-2005). Realizou oficinas de palhaçaria com: Avner Eisenberg, Cal McCrystal, Daniele Finzi Pasca, Gardi Hutter, Jennifer Miller, Leo Bassi, Ricardo Pucceti, entre outros. Apresentou-se no México, Brasil, Colômbia, Escócia, França, Los Angeles, Peru, Suécia, Tóquio, Uruguai, Zimababue. Desde 2010, ministra o Workshop Onde está o meu palhaço? no México e em outros países. clowndarina@ gmail.com 1

bela e vulnerável humanidade. No último dia de aula, pedi um conselho ao meu guru Philippe para Atanasia, ele me disse: Você está no caminho certo, agora que a cumplicidade com o público ajude Atanasia a continuar o encontro com seu humor e linguagem. Então comecei com a criação de números e depois um espetáculo. Escrevi para Atanasia, dirigi e nos apresentamos em todos os espaços que nos convidaram: cadeias, asilos, hospitais, hospitais psiquiátricos, comunidades zapatistas, crianças em situação de rua, pequenos fóruns teatrais independentes, etc. Eu também comecei a compartilhar minhas aprendizagens através da minha oficina Onde está meu clown? E assim os maravilhosos anos passaram. Em 2016 tive a imensa alegria de participar do II Encontro Internacional de Mulheres Palhaças de São Paulo/Brasil com o meu espetáculo A criação do mundo e minha oficina Onde está meu clown? Eu conheci, minhas agora irmãs palhaças, companheiras do meu coração de palhaça. Retornando à Cidade do México, em 2017, convoquei, a pedido de Andrea Macera, as palhaças mexicanas para formarmos a Rede de Palhaças Mexicanas. Minha linguagem como palhaça foi inspirada pelas minhas raízes indígenas. Aprendendo sobre o humor e cosmovisão das comunidades indígenas do México, aprendi sobre sua organização comunitária e tequio. O tequio é um trabalho, um conhecimento, um acompanhamento que você dá à sua comunidade por fazer parte dela, mesmo que você seja um migrante. Para mim, chamar a criação da Rede de Palhaças Mexicanas e cultivá-la, é dar o meu tequio à minha comunidade, à minha comunidade da rede de palhaças mexicanas. Somos uma comunidade muito pequena, mas muito apaixonada pelo nosso trabalho. O início da rede foi nos localizar, nos conhecermos, fizemos Varietés (Cabarés), uma visita a um hospital e depois um piquenique. Nós nos encontramos e conversamos sobre o que nossa palhaça mais precisa e no que a rede pode ajudar a canalizá-lo. Assim, a partir da primeira reunião Paola Avilés nos convidou para que o seu espaço cultural chamado Laboratorio Cracovia 32 (http://www. cracovia32.com/) seja nossa casa, um ninho para a Rede. Nossas próximas ações serão destinadas a nos apoiar em nossos processos de criação. Assim teremos uma Varieté fixa bimensal com um laboratório de criação; com o qual, em cada Varieté da Rede de Palhaças Mexicanas, apresentaremos números trabalhados em conjunto em nosso laboratório. Da mesma forma, queremos ter oficinas e convidados internacionais para nos ajudar a cultivar nossas linguagens e palhaças. “A Rede de Palhaças Mexicanas é muito importante para mim. Foi uma ideia muito boa de reunir palhaças de diferentes trajetórias e disciplinas: festas infantis, hospitalares, cênicas, circo. É uma excelente oportunidade para divulgar o trabalho de todas, conhecerem-se e tornarem-se conhecidas; apoiar o que cada uma de nós faz e continuar a explorar com nossas palhaças. O mundo é o nosso cenário. ” Chispola Penso que ouvir é uma das melhores virtudes como palhaça. Ouvindo meu coração de palhaça, concluí que para as palhaças, para a arte de fazer as pessoas rirem e se movimentarem, para cuidar de nós mesmas e do mundo e sermos felizes em viver nele, é indispensável em todas as sociedades que haja palhaças e que a melhor maneira é se unir e apoiar local e mundialmente a profissionalização do nosso trabalho artístico, com acompanhamento amoroso e materno. Antes de tudo, mil agradecimentos à Palhaçaria Feminina, Michelle Silveira e as palhaças do Brasil. Para fazer essa colaboração, pedi as palhaças da Rede Mexicana de Palhaças para compartilharem algumas palavras sobre ser uma palhaça. Aqui se encerra minha história e continua com minhas colegas palhaças, relatos da palhaçaria feminina no México, que desejo continuar realizando em outras edições da Revista Palhaçaria Feminina. Revista Palhaçaria Feminina

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MARÍA ELENA ROMERO HERNÁNDEZ Palhaça Chispola cyberchispola@yahoo.com.mx “Minha palhaça sou eu mesma. Eu aprendi a aceitar que sou uma pessoa muito ridícula e esse aprendizado está comigo em todos os momentos, isso me deu como palhaça: aceitação e amorpróprio. Quando mais tratava de não ser ridícula, mais ridícula era e acabei entendendo que essa sou eu. Eu não luto mais contra isso e agora eu disfruto disso, apesar de ter me custado muito trabalho.” NOHEMÍ ESPINOSA LUNA Palhaça Nohemí Espinosa nohemies@gmail.com “Como mulher palhaça, Josephine Backer foi uma grande inspiração. Quando a vi, disse a mim mesma: essa loucura quero ter, esse atrevimento quero ter. A loucura estrondosa daquela mulher no palco me apaixonou, e penso nisso quando faço um número, quero que o público veja a loucura que está dentro de mim. ” DANIELA SÁNCHEZ REZA Palhaça Lolita Bolita lolitabolitaclown@gmail.com “O que eu mais amo em ser palhaça é ser capaz de cometer um erro tranquilamente e rir de mim mesma, de estar e compartilhar um momento juntos, compartilhando o desejo de viver e perseguir nossos sonhos, de ser o mais feliz possível! Novas culturas, amigos e artistas incríveis (e bons chapéus nas minhas performances de rua). ” IRAZEMA HERNÁNDEZ Palhaça Ira iranhermar@gmail.com “Encontrar-me com o clown, foi a conexão que eu precisava para interagir com o mundo. Permitiu que eu me reconhecesse e encontrasse o prazer do humor, do riso, do assombro, da curiosidade, do erro, do fracasso e da falta de jeito, da minha falta de jeito. Permitiu-me criar espaços de confiança e brincadeira para que, por um momento, as pessoas possam desfrutar, rir, se expressar e se surpreender. ”

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SABINA GUZMÁN PIAZZA Palhaça Pachouli sabinandarina@gmail.com “Uma vez minha mãe me perguntou: O que você quer ser quando crescer, Sabi? Ao que eu respondi: Asteca. Eu me lembro da primeira vez que vi os dançarinos mexicanos, eu era uma garotinha e a imagem da dança ficou gravada na minha cabecinha. Então, na pergunta da minha mãe, foi fácil para eu responder. Eu estava esperando para tirar esses sonhos da minha boca. Dessa memória nasceu minha personagem. Eu sou alguém que não existe mais. Isso é muito tragicômico. No entanto, é uma maneira de ver a vida, pode-se recriar as coisas do imaginário ou do passado. Os deuses astecas ganham vida. ” FABIOLA VARGAS • Palhaça Lola mafa1309@gmail.com “Lola me ensinou muito: a ver com o coração, a continuar me surpreendendo com as pequenas coisas, um sorriso, a alegria de uma criança quando ela vê como se brinca com bolhas, um abraço, que fazer loucuras que alegram as pessoas é o que melhor que podemos fazer, que todos temos um dom, algo especial que podemos compartilhar e que, se todos dermos isso, por menor que pensamos ser, será transformado em algo imenso e maravilhoso: Uma revolução de amor.” GLORIA D. NUÑEZ VAZQUEZ Palhaça Esferita esferita1948@gmail.com “Eu amo ver o ser humano rir. Disfrutar e compartilhar as pequenas coisas com as quais rimos e somos felizes.” SOPA DE CLOWN Nubia Alfonso e Anamaría Moctezuma Nubi e Tita sopadeclown@gmail.com “Se eu pudesse explicar em palavras por que sou clown, então não seria.” Alfonso “Muitos anos atrás eu participei de um curso de palhaços e me disseram para usar um nariz vermelho. Eu fui ao centro da cidade sem saber exatamente onde comprá-lo, quando eu estava andando na rua, um homem de repente passou por mim e me disse: Você não compra narizes de palhaço? Eu comprei apenas um, que é o que eu uso até agora, eu tentei outros narizes, mas não gostei de nenhum.” Anamaría Moctez

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PAOLA AVILES • La pao yasa ve uste lapaowow@gmail.com “Para mim, ser palhaça significa andar no caminho do meu ser autêntico. Eu não acho que ser palhaça é mais ou menos do que qualquer outra profissão. Quem dera que todo trabalho tivesse um pequeno palhaço que anime a qualquer momento. Eu gosto muito de minhas ocorrências cômicas. Muitas faço, muitas apenas rio de como é absurdo pensar uma coisa dessas. Ser palhaça me apresentou a melhor companheira de viagem da minha vida. ” LAS GRAMELOTS Vanessa Nieto Terrazas, Karen Tlahuizo, Claudia Velez Palhaças Bracho, Son, Maravilla gramelots@gmail.com “A coisa mais importante para nós, produtores e executores, é poder contatar as pessoas desde a vulnerabilidade e disponibilidade que o treinamento de palhaço nos dá, nós amamos que as pessoas encontrem um espaço de riso e reflexão ao mesmo tempo e também, por que não, de um pouco de pranto e um coração aberto. ” PERLA DELGADO • Cascabel perla_sdv@hotmail.com “Ser palhaço, além de uma definição acadêmica ou teatral, é encontrar a beleza do mundo e do ser humano e compartilhá-lo com amor e alegria. É fazer-se amigo do medo e do fracasso. Ter o poder de parar o tempo e apenas importar este momento e as pessoas com quem você está. É a liberdade, é celebrar a vida, amar, compartilhar e sorrir.” ADRIANA MEDINA • Adri a.medina.ramirez@gmail.com “O Palhaço é para mim um espaço profundo para olhar para mim mesmo e compartilhar com o outro. Abraçando a vulnerabilidade da qual a força mais poderosa surge, eu construo meus personagens e brinco com o meu Clown. Eu permito que surja a alegria de existir! Eu encontro a mim mesma através de um abraço incondicional, onde posso compartilhar com o outro e brincar nos espelhos de nos olharmos e nos comover juntos e brincando!” PATTY VÁZQUEZ • Doctora Simplycita patty.clownching@gmail.com “É a magia de Ser ... é a magia de sonhar ... é a magia da cura. Para mim a palhaçaria chegou tarde (embora eu sempre tenha sido palhaça, eu não exercia de maneira profissional) e ela veio para dar a uma terapeuta 50tona uma virada para as possibilidades de ser um instrumento para a cura de corações confusos .... Ser palhaça foi a melhor escolha da minha vida. ” VAINILLA NAVARRO vaymaga@hotmail.com “Para mim, o palhaço (do verbo palhacear, do substantivo palhaçx) é um espaço de conexões de amor, de gratidão à vida, de compartilhar da simples certeza de estar vivo com os outrx. Um espaço de jogo infinito. ” 74

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“Ave palhaça cheia de graça, o senhor ri convosco, bendita sois vós entre os humanos e bendito é o fruto do teu riso, nossa luz. Santa palhaça mãe da emoção, roga por nós os que perderam a graça de rir, agora e em toda hora. Assim seja”. Um presente de Robson Siqueira para Felícia de Castro Revista Palhaçaria Feminina

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Realização

Patrocínio

Apoio

Esse Projeto foi contemplado no EDITAL DE CONCURSO 032/2017 para FOMENTO E CIRCULAÇÃO DAS LINGUAGENS ARTÍSTICAS DO MUNICÍPIO DE CHAPECÓ 76

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