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LeBron James, um rei que nasceu plebeu
Ser o melhor marcador da história da NBA é o último feito impressionante de alguém que superou uma infância terrível antes de colocar em causa o estatuto intocável de Michael Jordan como melhor basquetebolista de sempre.
Primeira escolha no “draft” e a sombra de Jordan
Quase
quatro décadas depois, a NBA tem um novo recordista de pontos anotados. E quase ninguém se espanta que tenha sido LeBron James a superar a marca de Kareem Abdul-Jabaar, estabelecida num longínquo 4 de abril de 1984. Nessa altura, Akron ainda se preparava para receber e acolher aquele que se tornaria a figura mais importante desta cidade relativamente pequena e modesta do estado do Ohio, mas também um dos maiores e mais ricos desportistas de sempre, uma das pessoas mais influentes do mundo e um basquetebolista único, agora também o que tem mais pontos somados na NBA (38 390) - 7 mil 352 pelos LA Lakers, 7 919 nos Miami Heat e 23 119 nos Cleveland Cavaliers. Se é o melhor ou “apenas” um dos melhores, é pouco relevante.
LeBron Raymone James nasceu oito meses depois de Ferdinand Lewis Alcindoro nome de nascimento do futuro Kareem Abdul-Jabaar, assim convertido por influência do Islão - se sentar num pedestal que parecia inalcançável e, mais tarde, daria mais a Akron do que recebeu. Muito mais, aliás. Primeiro, teve que lidar com a pobreza, o racismo, o bullying, a incerteza, a desconfiança, a violência e a falta de amigos. Também não teve pai, já que o homem que engravidou a mãe, tinha esta 16 anos, dono de um registo criminal considerável, nunca quis saber do filho, abandonando a família e entregando-a a uma existência sofredora, angustiada e muitas vezes miserável.
Ainda adolescente e com um filho nos braços, Gloria James agarrou-se a tudo e mais alguma coisa para, pelo menos, pagar um teto e pôr comida na mesa. Muitas vezes, não conseguiu e durante um período andou com LeBron de casa em casa, de bairro em bairro. No entanto, conseguiu preservá-lo às drogas e a criminalidade tão presentes em Akron, principalmente nas zonas mais pobres. E isso não era coisa pouca. Também lhe deu uma bola e esse presente mudaria para sempre o filho, o basquetebol e o resto da vida da família.
LeBron James não gostava de estudar, mas adorava desporto. Também podia ter sido um jogador do futebol americano e isso não esteve assim tão longe de acontecer, mas foi a bola redonda e alaranjada que o convenceu. Tímido e envergonhado, transformava-se nos campos com dois cestos nas extremidades. Foi Frank Walker, um professor e, curiosamente, treinador de futebol americano, a indicar-lhe a direção certa, a que o levaria ao estrelato, ao Olimpo.
Foi na St. Vincent - St. Mary High School, em Akron, que James despontou, tornando-se logo aí uma celebridade e uma potencial estrela da NBA. Bateu recordes, foi alvo de reportagens e até capa da mítica “Sports Illustrated”. Com 18 anos, e sem ter passado por qualquer universidade, quis entrar no “draft” da NBA, mas foi só no ano seguinte, em 2003, que isso aconteceu. Foi um dos mais jovens de sempre a ser escolhido como primeira escolha e assinou pelos Cleveland Cavaliers, permanecendo em Ohio e ao lado de Akron. Nesta altura, já tinha assinado um contrato milionário com a Nike, no valor de 90 milhões de dólares, e já era definido como “King (Rei) James”, provavelmente uma das alcunhas mais felizes e mais premonitórias de sempre.
Logo na época de estreia na liga de basquetebol mais difícil e mais espetacular do mundo, destaca-se. É eleito o “rookie (melhor jovem)” da temporada. A primeira passagem pelos Cavaliers termina em 2010: era tempo de LeBron ir atrás dos anéis. Através de um programa televisivo criado exclusivamente para o efeito - “The Decision” - e transmitido em direto para todo o mundo, anuncia que vai para os Miami Heat. Junta-se às estrelas Chris Bosh e Dwayne Wade e faz parte de uma equipa de sonho, quase invencível, que conquista dois títulos em quatro anos. Em 2014, decide voltar a Cleveland, levado pelo desejo irreprimível de ganhar em casa, ao lado dos seus, com os seus e pelos seus. Consegue-o e em 2016 os Cavaliers são campeões pela primeira e única vez até agora. O quarto anel, esse, estava reservado para 2020, quando carrega os LA Lakers até ao título.
Com o tempo, foi ganhando força a ideia de LeBron James ser o “GOAT” (Greatest Of All Time - Melhor de sempre), ainda que tal significasse relegar para segundo plano um tal de Michael Jordan, que, contudo, se mantém intocável para muitos. Um e outro têm argumentos de peso a favor, sendo que o mais velho foi campeão mais vezes (6), eleito mais vezes o MVP da final (6 contra 4) e mais vezes considerado o jogador mais valioso da temporada (5 contra 4). Por outro lado, LeBron tem mais jogos, mais pontos, mais assistências, mais ressaltos e foi campeão por três equipas diferentes, enquanto Jordan conquistou todos os anéis ao serviço dos Chicago Bulls.
Filantropo, empreendedor, ator, ativista e bilionário
O basquetebol deu-lhe tudo, a fama e o proveito, mas também foi o veículo que lhe permitiu explorar outras facetas, muitas delas aproveitadas para projetos solidários e de auxílios a crianças e famílias desfavorecidas, nomeadamente na zona onde nasceu e cresceu.
Através da LeBron James Family Foundation, criada em 2004, surgiu o projeto mais relevante e diferenciador de todos, o “I Promise”, pensado e desenvolvido para providenciar escolas, apoio financeiro e emocional, habitação e espaços públicos seguros a quem mais precisa. Através de parcerias com universidades, paga os estudos a alunos que de outra forma não podiam suportá-los; também criou uma escola primária e construiu casas que são colocadas à disposição de pessoas sem-abrigo e com outros problemas, como a violência doméstica.
Para além disso, LeBron James está por trás e investe em empresas das mais diversas áreas, como restauração e imobiliário, sendo ainda investidor nos clubes de futebol AC Milan e Liverpool ou em equipas de beisebol. O mediatismo também lhe valeu o papel de protagonista no mais recente filme Space Jam, seguindo, também aqui, as pisadas de Michael Jordan, o outro basquetebolista que participou neste filme de animação da Disney. Levantar a voz pelo movimento “Black Lives Matters” e contra as atitudes, os comportamentos e os ideais do ex-Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, foram algumas das causas a que se associou como ativista pelos direitos humanos.
Ao longo de 20 anos, entre o basquetebol, o empreendedorismo e contratos de publicidade, LeBron James acumulou uma fortuna que, em junho do ano passado, chegou aos mil milhões de euros, tornando-se num dos estimados 700 bilionários americanos e concretizando um desejo verbalizado em 2014 numa entrevista à revista “GQ”: “Seria o meu maior feito”, disse.
Parece que está tudo, mas ainda há algo que “King James” espera realizar: jogar ao lado do filho Bronny James seria cereja no topo de um bolo incomparável.