Editorial O ano de 2010 começa sob os auspícios da repercussão da nomeação do monsenhor Waldemar Passini Dalbello como bispo auxiliar de Goiânia, em 30 de dezembro de 2009. Reitor do Seminário Interdiocesano São João Maria Vianney e do Seminário Santa Cruz, ele foi consagrado bispo no dia 19 de março, em cerimônia no Santuário Basílica do Divino Pai Eterno, em Trindade. Nesta Revista, além da cobertura da ordenação episcopal de Dom Waldemar, há também uma entrevista com o novo bispo, em que ele contou um pouco de sua história e de seu amor pela Igreja e se defi niu como “um homem simples, conquistado por Cristo e que aceita os desafi os da vida”. No âmbito da Arquidiocese, destaca-se também o centenário de nascimento de Dom Fernando Gomes dos Santos, em 4 de abril. Para reverenciar sua memória, a Reunião Mensal de Pastoral teve uma mesa-redonda com o reitor da PUC Goiás, Wolmir Amado, e o vigário-
geral da Arquidiocese, monsenhor João Daiber. A Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2010, com o tema Fraternidade e Economia e o lema “Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro (Mt 6,24)”, ganhou uma mensagem encorajadora do papa Bento XVI. As celebrações conclusivas do Ano Sacerdotal, proclamado por Bento XVI nos 150 anos de São João Maria Vianney movimentaram a Igreja de Goiânia: Dom Washington Cruz liderou um grupo de 39 sacerdotes, que se juntaram a outros 15 mil em Roma para o evento. A lembrança pelos 25 anos de morte de Dom Fernando Gomes dos Santos também foi destaque no âmbito arquidiocesano. Nesta Revista, além de um pequeno texto de resumo da trajetória do primeiro arcebispo de Goiânia, há um artigo-homenagem, sobre sua chegada à capital goiana, redigido pelo monsenhor Nelson Rafael Fleury. Um assunto importante no segundo quadrimestre foram as
eleições de outubro. Dom Washington Cruz convidou pré-candidatos para reunião na Cúria, em que ele expôs o ponto de vista da Arquidiocese sobre o modo em que as campanhas deveriam ocorrer nas paróquias e comunidades. No presente volume, há ainda um artigo em que ele reforça “o compromisso dos cristãos na política”. Duas notas importantes da CNBB nacional estão republicadas nesta edição: a primeira, na qual os bispos discutem o momento político nacional, a preocupação com a desigualdade social e a importância do projeto Ficha Limpa; outra nota diz respeito à enchente que desabrigou milhares em Pernambuco e Alagoas. Em 2010 a Arquidiocese lançou um manual sobre obras de Igrejas, com orientações, de acordo com as normas litúrgicas da Igreja, segundo a inspiração do Concílio Vaticano II.
Este instrumento de trabalho foi apresentado na Reunião Mensal de Pastoral do mês de setembro. Em outubro, na missa pelos 49 anos de ordenação episcopal de Dom Antonio Ribeiro, foi aberto o Ano Vocacional, por ocasião dos 150 anos da fundação do Seminário Arquidiocesano Santa Cruz. Este evento é o grande marco do ano e contempla a capa da Revista Arquidiocesana. Em dezembro, a 7ª Feira da Solidariedade ofereceu diversos serviços gratuitos à população goiana, como cursos, ofi cinas, consultorias e serviços de ouvidoria, emissão de documentos, corte de cabelo, massagem terapêutica, aferição de pressão, entre outros. Está aí a Revista da Arquidiocese, o documento da Igreja de Goiânia sobre o que de mais importante ocorreu na Igreja em 2010. Boa leitura!
Revista 1/2010
Sumário I – Santa Sé Discursos 1. Assembleia da Pontifícia Academia para a vida................................................... 7 2. Encontro com a juventude ..................................................................................... 11 3. Via-Sacra no Coliseu................................................................................................ 17 Mensagens 4. Celebração do Dia Mundial da Paz....................................................................... 19 5. Dia Mundial do Migrante e do Refugiado........................................................... 31 6. Campanha da Fraternidade 2010........................................................................... 35 7. Quaresma.................................................................................................................. 37 8. 19º Dia Mundial do Doente.................................................................................... 41 Homilias 9. Solenidade de Maria Santíssima, Mãe de Deus................................................... 47 10. Solenidade da Epifania do Senhor ..................................................................... 53 11. Festa do Batismo do Senhor................................................................................. 57 12. Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos.................................................. 63 13. 14º Dia Mundial da Vida Consagrada................................................................ 67 14. Estação e Procissão Penitencial............................................................................ 73 15. Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor....................................................... 77 16. Cinco anos sem João Paulo II............................................................................... 85 17. Vigília Pascal na Noite Santa................................................................................ 91 II – CNBB Artigos 1. Dia Mundial da Paz................................................................................................. 97 2. Servir a Deus ou ao dinheiro?.............................................................................. 101 Notas 3. Nota da CNBB pela morte da Drª Zilda Arns . ................................................. 105 4. Nota da CNBB em solidariedade ao povo do Haiti......................................... 107 Notícias 5. Apoio aos movimentos sociais............................................................................. 109 III – Arquidiocese Homilias 1. Consagração de Dom Waldemar Passini............................................................ 111 Eventos 2. Nova Catedral Metropolitana Nossa Senhora Auxiliadora............................. 117 3. Economia a favor da vida..................................................................................... 119 4. Treinamento para Semana Santa......................................................................... 123 5. Dom Antonio e o sacerdócio................................................................................ 127 6. Católicos mais cidadão . ....................................................................................... 129
Artigos 7. A solidariedade para com a Criação.................................................................... 131 8. Criação, dádiva de Deus....................................................................................... 135 9. Inocência violentada.............................................................................................. 139 10. Semana de Deus e Semana do Homem............................................................ 141 Entrevista 11. “Quero ser um bom pastor”............................................................................... 143 Reuniões mensais 12. Fevereiro: Economia e Vida é discutida em Reunião..................................... 147 13. Março: Uma vida dedicada a Deus e ao povo................................................. 151
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Assembleia da Pontifícia Academia para a vida Sábado, 13 de fevereiro de 2010
Queridos irmãos no Episcopado e no Sacerdócio Ilustres Membros da Pontifícia Academia pro Vita Gentis Senhoras e Senhores!
que se apresentam cada vez mais relevantes no atual contexto devido aos constantes progressos neste âmbito científi co. Dirij o uma particular saudação a Dom Rino Fisichella, Presidente desta Academia, agraSinto-me feliz por vos receber e decendo-lhe as gentis palavras que saudar cordialmente por ocasião da amavelmente me dirigiu em nome Assembleia geral da Pontifícia Aca- dos presentes. De igual modo desejo demia para a Vida, chamada a re- fazer chegar o meu agradecimento fl etir sobre temas relativos à relação pessoal a cada um de vós pelo preentre bioética e lei moral natural, cioso e insubstituível empenho que Revista da Arquidiocese
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desempenhais em favor da vida, nos vários contextos de proveniência. As problemáticas que estão relacionadas com o tema da bioética permitem verificar quanto as questões que com ela estão implicadas ponham em primeiro plano a questão antropológica. Como afirmo na minha última Carta encíclica Caritas in veritate: “um campo primário e crucial da luta cultural entre o absolutismo da técnica e a responsabilidade moral do homem é o da bioética, onde se joga radicalmente a própria possibilidade de um desenvolvimento humano integral. Trata-se de um âmbito delicadíssimo e decisivo, onde irrompe, com dramática intensidade, a questão fundamental de saber se o homem se produziu por si mesmo ou depende de Deus. As descobertas científicas neste campo e as possibilidades de intervenção técnica parecem tão avançadas que impõem a escolha entre estas duas concepções: a da razão aberta à transcendência ou a da razão fechada na imanência” (n. 74). Diante de semelhantes questões, que concernem de modo tão decisivo à vida humana na sua perene tensão entre imanência e transcendência, e que têm grande relevância para a Revista da Arquidiocese
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cultura das futuras gerações, é necessário elaborar um projeto pedagógico integral, que permita enfrentar tais temáticas numa visão positiva, equilibrada e construtiva, sobretudo na relação entre a fé e a razão. As questões de bioética realçam com frequência a dignidade da pessoa, um princípio fundamental que a fé em Jesus Cristo Crucificado e Ressuscitado sempre defendeu, sobretudo quando não é respeitado em relação aos sujeitos mais simples e indefesos: Deus ama cada ser humano de maneira única e profunda. Também a bioética, como qualquer disciplina, precisa de uma chamada capaz de garantir uma leitura coerente das questões éticas que, inevitavelmente, emergem diante de possíveis conflitos interpretativos. Neste espaço abrese a chamada normativa à lei moral natural. De fato, o reconhecimento da dignidade humana como direito inalienável encontra o seu fundamento primário naquela lei não escrita pela mão do homem, mas inscrita por Deus Criador no coração do homem, que qualquer ordenamento jurídico está chamado a reconhecer como inviolável e cada pessoa tem o dever de respeitar
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(cf. Catecismo da Igreja Católica, nn. 1954-1960). Sem o princípio fundador da dignidade humana seria difícil encontrar uma fonte para os direitos da pessoa e impossível chegar a um juízo ético em relação às conquistas da ciência que intervêm diretamente na vida humana. É necessário, por conseguinte, repetir com firmeza que não existe uma compreensão da dignidade humana ligada apenas a elementos externos como o progresso da ciência, a gradualidade na formação da vida humana ou o fácil pietismo face a situações-limite. Quando se invoca o respeito pela dignidade da pessoa é fundamental que ele seja pleno, total e sem vínculos, exceto o de reconhecer que nos encontramos sempre perante uma vida humana. Sem dúvida, a vida humana conhece um próprio desenvolvimento e o horizonte de investigação da ciência e da bioética é aberto, mas é necessário reafirmar que quando se trata de âmbitos relativos ao ser humano, os cientistas nunca podem pensar que têm nas mãos só a matéria inanimada e manipulável. De fato, desde o primeiro instante, a vida do homem é caracterizada pelo ser vida humana e por isto sempre portadora, em toda a parte
e apesar de tudo, de dignidade própria (cf. Congregação para a Doutrina da Fé, Instrução Dignitas personae sobre algumas questões de bioética, n. 5). Contrariamente, estaríamos sempre na presença do perigo de um uso instrumental da ciência, com a inevitável consequência de cair facilmente no arbítrio, na discriminação e no interesse econômico do mais forte. Conjugar bioética e lei moral natural permite verificar do melhor modo a chamada necessária e inalienável à dignidade que a vida humana possui intrinsecamente desde o seu primeiro instante até ao seu fim natural. Ao contrário, no contexto atual, mesmo emergindo com insistência cada vez maior a justa referência aos direitos que garantem a dignidade da pessoa, observa-se que nem sempre estes direitos são reconhecidos à vida humana no seu natural desenvolvimento e nos estágios de maior debilidade. Uma contradição semelhante torna evidente o compromisso que deve ser assumido nos diversos âmbitos da sociedade e da cultura para que a vida humana seja reconhecida sempre como sujeito inalienável de direito e nunca objeto submetido ao arbítrio do mais forte. A história demonstrou Revista da Arquidiocese
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quanto possa ser perigoso e deletério um Estado que proceda a legislar sobre questões que dizem respeito à pessoa e à sociedade, pretendendo ser ele mesmo fonte e princípio da ética. Sem princípios universais que consintam verifi car um denominador comum para a humanidade inteira, o risco de uma deriva relativista em nível legislativo não deve ser minimamente subestimado (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1959). A lei moral natural, fortalecida pelo seu caráter universal, permite esconjurar este perigo e, sobretudo, oferece ao legislador a garantia para um autêntico respeito quer da pessoa, quer de toda a ordem criatural. Ele coloca-se como fonte catalisadora de consenso entre pessoas de culturas e religiões diversas e permite superar as diferenças, porque afi rma a existência de uma ordem impressa na natureza do Criador e reconhecida como instância de verdadeiro juízo ético racional para perseguir o bem e evitar o mal. A lei moral
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natural “pertence ao grande patrimônio da sabedoria humana, que a Revelação, com a sua luz, contribuiu para purifi car e desenvolver ulteriormente” (cf. João Paulo II, Discurso à Plenária da Congregação para a Doutrina da Fé, 6 de fevereiro de 2004). Ilustres membros da Pontifícia Academia para a Vida, no atual contexto o vosso compromisso revela-se cada vez mais delicado e difícil, mas a crescente sensibilidade em relação à vida humana encoraja a prosseguir com impulso e coragem sempre maiores este importante serviço à vida e à educação para os valores evangélicos das futuras gerações. Desejo que todos vós prossigais o estudo e a pesquisa, para que a obra de promoção e de defesa da vida seja cada vez mais efi caz e fecunda. Acompanho-vos com a Bênção Apostólica, que de bom grado faço extensiva a quantos partilham convosco este compromisso quotidiano.
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Encontro com a juventude DIÁLOGO DO PAPA BENTO XVI COM OS JOVENS DE ROMA E DO LÁCIO EM PREPARAÇÃO À JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE Quinta-feira, 25 de março de 2010 Santo Padre, o jovem do Evangelho perguntou a Jesus: bom mestre, que hei de fazer para alcançar a vida eterna? Eu não sei nem sequer o que é a vida eterna. Não consigo imaginála, mas sei uma coisa: não quero desperdiçar a minha vida, desejo vivê-la profundamente e não sozinha. Receio que isto não aconteça, tenho medo de pensar só em mim mesma, de errar tudo e de me encontrar sem uma meta para alcançar, vivendo o dia a dia.
É possível fazer da minha vida algo de belo e grandioso? Queridos jovens! Antes de responder à pergunta gostaria de expressar o meu sentido agradecimento por toda a vossa presença, por este maravilhoso testemunho da fé, do querer viver em comunhão com Jesus, pelo vosso entusiasmo em seguir Jesus e viver bem. Obrigado! Revista da Arquidiocese
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E agora a pergunta. A senhora disse que não sabe o que é a vida eterna e nem a imagina. Nenhum de nós é capaz de imaginar a vida eterna, porque está fora da nossa experiência. Contudo, podemos começar a compreender o que é a vida eterna, e penso que, com a sua pergunta, nos tenha dado uma descrição do essencial da vida eterna, isto é, da verdadeira vida: não desperdiçar a vida, vivê-la em profundidade, não viver para si mesmos, não viver o dia a dia, mas viver realmente a vida na sua riqueza e na sua totalidade. E como fazer? Esta é a grande questão, que também o rico do Evangelho apresentou ao Senhor (cf. Mc 10,17). À primeira vista, a resposta do Senhor parece muito seca. Afinal diz: guarda os mandamentos (cf. Mc 10,19). Mas por detrás, se refletirmos bem, se ouvirmos bem o Senhor na totalidade do Evangelho, encontraremos a grande sabedoria da Palavra de Deus, de Jesus. Os mandamentos, segundo a outra Palavra de Jesus, são resumidos neste único: amar a Deus com todo o coração, com toda a razão, com toda a existência e amar o próximo como a si mesmo. Amar a Deus supõe conhecer Deus, reconhecer Deus. É este o primeiro Revista da Arquidiocese
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passo que devemos dar: procurar conhecer Deus. E assim sabemos que a nossa vida não existe por acaso, não é ocasional. A minha vida é querida por Deus desde a eternidade. Eu sou amado, sou necessário. Deus tem um projeto comigo na totalidade da história; tem um projeto precisamente para mim. A minha vida é importante e também necessária. O amor eterno criou-me em profundidade e espera por mim. Por conseguinte, este é o primeiro ponto: conhecer, procurar conhecer Deus e assim compreender que a vida é um dom, que é bom viver. Depois o essencial é o amor. Amar este Deus que me criou, que criou este mundo, que governa entre todas as dificuldades do homem e da história, e que me acompanha. E amar o próximo. Os dez mandamentos que Jesus menciona na sua resposta são apenas uma explicitação do mandamento do amor. São, por assim dizer, regras de amor, indicam o caminho do amor com estes pontos essenciais: a família, como fundamento da sociedade; a vida, que se deve respeitar como dom de Deus; a ordem da sexualidade, da relação entre homem e mulher; a ordem social e, finalmente, a verdade.
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Estes elementos essenciais explicam o caminho do amor, explicitam como amar realmente e como encontrar o caminho reto. Por conseguinte, há uma vontade fundamental de Deus para todos nós, que é idêntica para todos nós. Mas a sua aplicação é diferente em cada vida, porque Deus tem um projeto claro para cada homem. São Francisco de Sales certa vez disse: a perfeição, isto é, ser bom, viver a fé e o amor, é substancialmente uma, mas em formas muito diversas. Muito diversa é a santidade de um beneditino e de um homem político, de um cientista e de um camponês, e assim por diante. E assim para cada homem Deus tem o seu projeto e eu devo encontrar, nas minhas circunstâncias, o meu modo de viver esta única e comum vontade de Deus cujas grandes regras são indicadas nestas explicações do amor. Portanto, procurar também realizar aquilo que é a essência do amor, isto é, não ter a vida para mim, mas dar a vida; não “ter” a vida, mas fazer da vida um dom, não procurar a mim mesmo, mas dar aos outros. É isto o essencial, e implica renúncias, ou seja, sair de mim mesmo e não procurar a mim mesmo. E precisamente não procurando a mim mesmo,
mas doando-me pelas coisas grandes e verdadeiras, encontro a vida. Assim cada um encontrará, na sua vida, as diversas possibilidades: comprometer-se no voluntariado, numa comunidade de oração, num movimento, na ação da sua paróquia, na própria profissão. Encontrar a minha vocação e vivê-la em cada lugar é importante e fundamental, quer eu seja um grande cientista ou um camponês. Tudo é importante aos olhos de Deus: é belo se é vivido profundamente com aquele amor que redime realmente o mundo. Para terminar, gostaria de contar uma pequena história de Santa Josepina Bakhita, esta pequena santa africana que na Itália encontrou Deus e Cristo, e que me dá sempre uma grande emoção. Era religiosa num convento; um dia, o Bispo do lugar visitou aquele mosteiro, viu esta pequena religiosa negra, da qual parecia que nada sabia e disse: “Irmã, o que faz aqui?”. E Bakhita respondeu: "A mesma coisa que o senhor faz, excelência". O bispo visivelmente irritado responde: “Como, irmã, faz o mesmo que eu?”, “Sim – responde a religiosa – ambos queremos fazer a vontade de Deus, não é verdade?”. Por fim, Revista da Arquidiocese
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este é o ponto essencial: conhecer, com a ajuda da Igreja, da Palavra de Deus e dos amigos, a vontade de Deus, quer nas suas grandes linhas, comuns para todos, quer na concretude da minha vida pessoal. Assim a vida torna-se talvez não demasiado fácil, mas bela e feliz. Peçamos ao Senhor para que nos ajude sempre a encontrar a sua vontade e a segui-la com alegria. O Evangelho disse-nos que Jesus fixou aquele jovem e o amou. Santo Padre, o que significa ser fixados com amor por Jesus; como podemos fazer também nós hoje esta experiência? Mas é deveras possível viver esta experiência também nesta vida de hoje? Naturalmente diria que sim, porque o Senhor está sempre presente e olha para cada um de nós com amor. Mas nós devemos procurar este olhar e encontrar-nos com ele. Como fazer? Diria que o primeiro ponto para nos encontrarmos com Jesus, para fazer a experiência do seu amor, é conhecê-lo. Conhecer Jesus implica diversos caminhos. A primeira condição é conhecer a figura de Jesus como nos é mostrada nos Evangelhos, que nos dão um retrato muito rico da figura de Jesus;
nas grandes parábolas, pensemos no filho pródigo, no samaritano, em Lázaro etc. Em todas as parábolas, em todas as suas palavras, no sermão da montanha, encontramos realmente o rosto de Jesus, o rosto de Deus até à cruz onde, por amor a nós, se entrega totalmente até à morte e pode, no final, dizer “Nas tuas mãos, ó Pai, entrego a Minha vida, a Minha alma” (cf. Lc 23,46). Portanto: conhecer, meditar Jesus juntamente com os amigos, com a Igreja e conhecer Jesus não só de modo acadêmico, teórico, mas com o coração, ou seja, falar com Jesus na oração. Não se pode conhecer uma pessoa do mesmo modo como posso estudar a matemática. Para a matemática é necessário e suficiente a razão, mas para conhecer uma pessoa, antes de tudo, a grande pessoa de Jesus, Deus e homem, é necessária a razão, mas, ao mesmo tempo, também o coração. Só com a abertura do coração a ele, só com o conhecimento do conjunto de quanto disse e de quanto fez, com o nosso amor, com o nosso ir em sua direção, podemos a pouco e pouco conhecê-lo cada vez mais e assim fazer também a experiência de ser amados. Então: ouvir a Palavra de Jesus, ouvi-la na
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comunhão da Igreja, na sua grande experiência e responder com a nossa oração, com o nosso diálogo pessoal com Jesus, com o qual lhe dizemos o que não podemos compreender, as nossas necessidades e as nossas perguntas. Num diálogo verdadeiro, podemos encontrar cada vez mais este caminho do conhecimento, que se torna amor. Naturalmente não só pensar, não só rezar, mas também fazer é uma parte do caminho rumo a Jesus: fazer coisas boas, empenhar-se pelo próximo. Há diversos caminhos; cada um conhece as próprias possibilidades, na paróquia e nas comunidades em que vive, para se empenhar também com Cristo e pelo próximo, pela vitalidade da Igreja, para que a fé seja verdadeiramente força formativa do nosso ambiente, e, deste modo, do nosso tempo. Por conseguinte, diria estes elementos: ouvir, responder, entrar na comunidade crente, comunhão com Cristo nos sacramentos, onde se doa a nós, quer na Eucaristia, quer na Confissão etc. e, finalmente, fazer, realizar as palavras da fé de modo que se tornem a força da minha vida e assim aparece também a mim o olhar de Jesus, e o seu amor ajuda-me, transforma-me.
Jesus convidou o jovem rico a deixar tudo e a segui-lo, mas ele foi-se embora entristecido. Também eu como ele, tenho dificuldade em segui-lo, porque tenho medo de deixar as minhas coisas e por vezes a Igreja pede-me renúncias difíceis. Santo Padre, como posso encontrar a força para fazer escolhas corajosas, e quem me pode ajudar? Então, comecemos com esta palavra que para nós é severa: renúncias. As renúncias são possíveis e, no fim, tornam-se também belas se têm um porquê e se este porquê justifica também a dificuldade da renúncia. São Paulo usou, neste contexto, a imagem das olimpíadas e dos atletas que nelas participavam (cf. 1Cor 9,24-25). Diz: Eles, para conquistar finalmente a medalha – naquele tempo a coroa – devem viver uma disciplina muito dura, devem renunciar a muitas coisas, devem exercitar-se no desporto que praticam e fazem grandes sacrifícios e renúncias porque têm uma motivação, vale a pena. No final, talvez, não são vencedores, mas é bom terse disciplinado a si mesmo e ter sido capaz de fazer estas coisas com uma certa perfeição. A mesma coisa que é válida, com esta imagem de São Paulo, para as olimpíadas, para todo Revista da Arquidiocese
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o desporto, é válida também para todas as outras coisas da vida. Uma vida profi ssional boa não pode ser alcançada sem renúncias, sem uma preparação adequada, que exige sempre uma disciplina, exige que se renuncie a algo, e assim por diante, também na arte e em todos os elementos da vida. Todos nós compreendemos que para alcançar uma fi nalidade, que ela seja profi ssional, desportiva, artística ou cultural, devemos renunciar, aprender para ir em frente. Precisamente também a arte de viver, de ser nós mesmos, a arte de ser um homem exige renúncias, e as renúncias verdadeiras, que nos ajudam a encontrar o caminho da vida, a arte da vida, sãonos indicadas na Palavra de Deus e ajudam-nos a não cair – digamos – no abismo da droga, do álcool, da escravidão da sexualidade, da escravidão do dinheiro, da preguiça. Todas estas coisas, num primeiro momento, parecem ações de liberdade. Na realidade, não são ações de liberdade, mas início de uma escravidão que se torna cada vez mais insuperável. Conseguir renunciar à
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tentação do momento, caminhar rumo ao bem cria a verdadeira liberdade e torna a vida preciosa. Neste sentido, parece-me, devemos ver que sem um “não” a certas coisas não cresce o grande “sim” à vida verdadeira, como a vemos nas fi guras dos santos. Pensemos em São Francisco, nos santos do nosso tempo, Madre Teresa, Pe. Gnocchi e muitos outros, que renunciaram e que venceram e se tornaram não só livres eles mesmos, mas também uma riqueza para o mundo e mostram-nos como se pode viver. Assim à pergunta “quem me ajuda”, diria que nos ajudam as grandes fi guras da história da Igreja, nos ajuda a Palavra de Deus, nos ajuda a comunidade paroquial, o movimento, o voluntariado etc. E ajudam-nos as amizades de homens que “vão em frente”, que já fi zeram progressos no caminho da vida e que podem convencer-me de que caminhar assim é o modo justo. Peçamos ao Senhor para que nos dê sempre amigos, comunidades que nos ajudem a ver o caminho do bem e a encontrar deste modo a vida bela e jubilosa.
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Via-Sacra no Coliseu PALAVRAS DO PAPA BENTO XVI Monte Palatino, sexta-feira Santa, 2 de abril de 2010 Amados irmãos e irmãs Em oração, com o ânimo recolhido e comovido, percorremos nesta noite o caminho da Cruz. Subimos com Jesus ao Calvário e meditamos o seu sofrimento, tornando a descobrir como é profundo o amor que Ele teve e tem por nós. Mas, neste momento, não queremos limitar-nos a uma compaixão simplesmente ditada pelo nosso sentimento frágil; queremos antes de tudo sentir-nos participantes do sofrimento de Jesus, queremos acompanhar o nosso mestre compartilhando a sua Paixão na nossa vida, na vida da Igreja, pela vida do mundo; porque sabemos que é justamente na Cruz do Senhor, no amor sem limites que doa totalmente a si mesmo, que está a fonte da graça, da libertação, da paz, da salvação. Os textos, as meditações e as ora-
ções da Via-Sacra nos ajudaram a contemplar este mistério da Paixão a fi m de aprender a imensa lição de amor que Deus nos deu na Cruz, para que nasça em nós um renovado desejo de converter o nosso coração, vivendo a cada dia no amor, a única força capaz de mudar o mundo. Nesta noite, contemplamos Jesus com seu rosto cheio de dor, escarnecido, ultrajado, desfi gurado pelo pecado do homem; amanhã de noite, o contemplaremos com sua face cheia de alegria, radiante e luminosa. Desde que Jesus desceu ao sepulcro, a tumba e a morte não são mais lugares sem esperança, onde a história se fecha no fracasso mais absoluto, onde o homem toca o limite extremo da sua impotência. A Sexta-feira Santa é o dia da esperança que é maior; aquela que amadureceu na Cruz enquanRevista da Arquidiocese
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to Jesus exalava o último suspiro, gritando com grande voz: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46). Entregando a sua existência “doada” nas mãos do Pai, Ele sabe que a sua morte torna-se fonte de vida, como a semente na terra que deve romper-se para que a planta possa nascer: “Se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo; mas, se morre, então produz muito fruto” (Jo 12,24). Jesus é o grão de trigo que cai na terra, despedaçase, rompe-se, morre e por isso pode produzir fruto. Desde o dia em que Cristo foi alçado, a Cruz, que se apresenta como o sinal do abandono, da solidão, do fracasso, tornouse um novo começo: da profundidade da morte, eleva-se a promessa da vida eterna. Na Cruz, já brilha o esplendor vitorioso da alvorada do
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dia de Páscoa. No silêncio desta noite, no silêncio que envolve o Sábado Santo, tocados pelo amor de Deus sem limites, vivemos à espera da alvorada do terceiro dia, a alvorada da vitória do Amor de Deus, da alvorada da luz que permite aos olhos do coração ver de um modo novo a vida, as difi culdades, o sofrimento. Os nossos fracassos, as nossas desilusões, as nossas amarguras, que pareciam indicar a ruína de tudo, são iluminados pela esperança. O ato de amor da Cruz é confi rmado pelo Pai e a luz fulgente da Ressurreição tudo envolve e transforma: da traição pode nascer a amizade; da negação, o perdão; do ódio, o amor. Concedei-nos, Senhor, carregar com amor a nossa cruz, as nossas cruzes diárias, na certeza de que estas são iluminadas do fulgor da vossa Páscoa. Amém.
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Celebração do Dia Mundial da Paz SE QUISERES CULTIVAR A PAZ, PRESERVA A CRIAÇÃO 1º de janeiro de 2010
1. Por ocasião do início do Ano Novo, desejo expressar os mais ardentes votos de paz a todas as comunidades cristãs, aos responsáveis das nações, aos homens e mulheres de boa vontade do mundo inteiro. Para este XLIII Dia Mundial da Paz, escolhi o tema: Se quiseres cultivar a paz, preserva a criação. O respeito pela criação reveste-se de grande importância, designadamente porque “a criação é o princípio e o fundamento de todas as obras de Deus”[1] e a sua salvaguarda tornase hoje essencial para a convivência pacífi ca da humanidade. Com efeito, se são numerosos os perigos que ameaçam a paz e o autêntico desenvolvimento humano integral, devido à desumanidade do homem para com o seu semelhante – guerras, confl itos internacionais e regionais,
atos terroristas e violações dos direitos humanos –, não são menos preocupantes os perigos que derivam do desleixo, se não mesmo do abuso, em relação à terra e aos bens naturais que Deus nos concedeu. Por isso, é indispensável que a humanidade renove e reforce “aquela aliança entre ser humano e ambiente que deve ser espelho do amor criador de Deus, de Quem provimos e para Quem estamos a caminho”.[2] 2. Na encíclica Caritas in veritate, pus em realce que o desenvolvimento humano integral está intimamente ligado com os deveres que nascem da relação do homem com o ambiente natural, considerado como uma dádiva de Deus para todos, cuja utilização comporta uma responsabilidade comum para com a humanidade inteira, especialmente os pobres e as Revista da Arquidiocese
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gerações futuras. Assinalei também que corre o risco de atenuar-se, nas consciências, a noção da responsabilidade, quando a natureza e, sobretudo, o ser humano são considerados simplesmente como fruto do acaso ou do determinismo evolutivo.[3] Pelo contrário, conceber a criação como dádiva de Deus à humanidade ajuda-nos a compreender a vocação e o valor do homem; na realidade, cheios de admiração, podemos proclamar com o salmista: “Quando contemplo os céus, obra das vossas mãos, a lua e as estrelas que lá colocastes, que é o homem para que Vos lembreis dele, o filho do homem para dele Vos ocupardes?” (Sl 8,4-5). Contemplar a beleza da criação é um estímulo para reconhecer o amor do Criador; aquele Amor que “move o sol e as outras estrelas”.[4] 3. Há vinte anos, ao dedicar a Mensagem do Dia Mundial da Paz ao tema Paz com Deus criador, paz com toda a criação, o Papa João Paulo II chamava a atenção para a relação que nós, enquanto criaturas de Deus, temos com o universo que nos circunda. “Observa-se nos nossos dias – escrevia ele – uma consciência crescente de que a paz mundial está ameaçada (…) também pela falta do respeito devido à natureza”. E acresRevista da Arquidiocese
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centava que esta consciência ecológica “não deve ser reprimida, mas antes favorecida, de maneira que se desenvolva e vá amadurecendo até encontrar expressão adequada em programas e iniciativas concretas”. [5] Já outros meus predecessores se referiram à relação existente entre o homem e o ambiente; por exemplo, em 1971, por ocasião do octogésimo aniversário da encíclica Rerum novarum de Leão XIII, Paulo VI houve por bem sublinhar que, “por motivo de uma exploração inconsiderada da natureza, [o homem] começa a correr o risco de a destruir e de vir a ser, também ele, vítima dessa degradação”. E acrescentou que, deste modo, “não só o ambiente material se torna uma ameaça permanente – poluições e lixo, novas doenças, poder destruidor absoluto – mas é o próprio contexto humano que o homem não consegue dominar, criando assim para o dia de amanhã um ambiente global que se lhe poderá tornar insuportável. Problema social de grande envergadura este, que diz respeito à inteira família humana”.[6] 4. Embora evitando intervir sobre soluções técnicas específicas, a Igreja, “perita em humanidade”, tem a peito chamar vigorosamente a atenção para a relação entre o
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Criador, o ser humano e a criação. Em 1990, João Paulo II falava de “crise ecológica” e, realçando o caráter prevalecentemente ético de que a mesma se revestia, indicava “a urgente necessidade moral de uma nova solidariedade”.[7] Hoje, com o proliferar de manifestações duma crise que seria irresponsável não tomar em séria consideração, tal apelo aparece ainda mais premente. Pode-se porventura ficar indiferente perante as problemáticas que derivam de fenômenos como as alterações climáticas, a desertificação, o deterioramento e a perda de produtividade de vastas áreas agrícolas, a poluição dos rios e dos lençóis de água, a perda da biodiversidade, o aumento de calamidades naturais, o desflorestamento das áreas equatoriais e tropicais? Como descurar o fenômeno crescente dos chamados “prófugos ambientais”, ou seja, pessoas que, por causa da degradação do ambiente onde vivem, se veem obrigadas a abandoná-lo – deixando lá muitas vezes também os seus bens – tendo de enfrentar os perigos e as incógnitas de uma deslocação forçada? Com não reagir perante os conflitos, já em ato ou potenciais, relacionados com o acesso aos recursos naturais? Trata-se de um conjun-
to de questões que têm um impacto profundo no exercício dos direitos humanos, como, por exemplo, o direito à vida, à alimentação, à saúde, ao desenvolvimento. 5. Entretanto tenha-se na devida conta que não se pode avaliar a crise ecológica prescindindo das questões relacionadas com ela, nomeadamente o próprio conceito de desenvolvimento e a visão do homem e das suas relações com os seus semelhantes e com a criação. Por isso, é decisão sensata realizar uma revisão profunda e clarividente do modelo de desenvolvimento e também refletir sobre o sentido da economia e dos seus objetivos, para corrigir as suas disfunções e deturpações. Exige-o o estado de saúde ecológica da terra; reclama-o também, e sobretudo, a crise cultural e moral do homem, cujos sintomas há muito tempo que se manifestam por toda a parte.[8] A humanidade tem necessidade de uma profunda renovação cultural; precisa de redescobrir aqueles valores que constituem o alicerce firme sobre o qual se pode construir um futuro melhor para todos. As situações de crise que está atravessando, de caráter econômico, alimentar, ambiental ou social, no fundo são também crises morais e Revista da Arquidiocese
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estão todas interligadas. Elas obrigam a projetar de novo a estrada comum dos homens. Impõem, de maneira particular, um modo de viver marcado pela sobriedade e solidariedade, com novas regras e formas de compromisso, apostando com confiança e coragem nas experiências positivas realizadas e rejeitando decididamente as negativas. É o único modo de fazer com que a crise atual se torne uma ocasião para discernimento e nova projetação. 6. Porventura não é verdade que, na origem daquela que em sentido cósmico chamamos “natureza”, há “um desígnio de amor e de verdade”? O mundo “não é fruto duma qualquer necessidade, dum destino cego ou do acaso, (…) procede da vontade livre de Deus, que quis fazer as criaturas participantes do seu Ser, da sua sabedoria e da sua bondade”.[9] Nas suas páginas iniciais, o livro do Gênesis introduz-nos no projeto sapiente do cosmos, fruto do pensamento de Deus, que, no vértice, colocou o homem e a mulher, criados à imagem e semelhança do Criador, para “encher e dominar a terra” como “administradores” em nome do próprio Deus (cf. Gn 1,28). A harmonia descrita na Sagrada Escritura entre o Criador, a humanidaRevista da Arquidiocese
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de e a criação foi quebrada pelo pecado de Adão e Eva, do homem e da mulher, que pretenderam ocupar o lugar de Deus, recusando reconhecerem-se como suas criaturas. Em consequência, ficou deturpada também a tarefa de “dominar” a terra, de a “cultivar e guardar” e gerou-se um conflito entre eles e o resto da criação (cf. Gn 3,17-19). O ser humano deixou-se dominar pelo egoísmo, perdendo o sentido do mandato de Deus, e, no relacionamento com a criação, comportou-se como explorador pretendendo exercer um domínio absoluto sobre ela. Mas o verdadeiro significado do mandamento primordial de Deus, bem evidenciado no livro do Gênesis, não consistia numa simples concessão de autoridade, mas antes num apelo à responsabilidade. Aliás, a sabedoria dos antigos reconhecia que a natureza está à nossa disposição, mas não como “um monte de lixo espalhado ao acaso”,[10] enquanto a Revelação bíblica nos fez compreender que a natureza é dom do Criador, o Qual lhe traçou os ordenamentos intrínsecos a fim de que o homem pudesse deduzir deles as devidas orientações para a “cultivar e guardar” (cf. Gn 2,15).[11] Tudo o que existe pertence a Deus, que o
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confiou aos homens, mas não à sua arbitrária disposição. E quando o homem, em vez de desempenhar a sua função de colaborador de Deus, se coloca no lugar de Deus, acaba por provocar a rebelião da natureza, “mais tiranizada que governada por ele”.[12] O homem tem, portanto, o dever de exercer um governo responsável da criação, preservando-a e cultivando-a.[13] 7. Infelizmente temos de constatar que um grande número de pessoas, em vários países e regiões da terra, experimenta dificuldades cada vez maiores, porque muitos se descuidam ou se recusam a exercer sobre o ambiente um governo responsável. O Concílio Ecumênico Vaticano II lembrou que “Deus destinou a terra com tudo o que ela contém para uso de todos os homens e povos”.[14] Por isso, a herança da criação pertence à humanidade inteira. Entretanto o ritmo atual de exploração põe seriamente em perigo a disponibilidade de alguns recursos naturais não só para a geração atual, mas, sobretudo, para as gerações futuras.[15] Ora não é difícil constatar como a degradação ambiental é muitas vezes o resultado da falta de projetos políticos clarividentes ou da persecução de míopes
interesses econômicos, que se transformam, infelizmente, numa séria ameaça para a criação. Para contrastar tal fenômeno, na certeza de que “cada decisão econômica tem consequências de caráter moral”,[16] é necessário também que a atividade econômica seja mais respeitadora do ambiente. Quando se lança mão dos recursos naturais, é preciso preocupar-se com a sua preservação prevendo também os seus custos em termos ambientais e sociais, que se devem contabilizar como uma parcela essencial da atividade econômica. Compete à comunidade internacional e aos governos nacionais dar os justos sinais para contrastar de modo eficaz, no uso do ambiente, as modalidades que resultem danosas para o mesmo. Para proteger o ambiente e tutelar os recursos e o clima é preciso, por um lado, agir no respeito de normas bem definidas mesmo do ponto de vista jurídico e econômico e, por outro, ter em conta a solidariedade devida a quantos habitam nas regiões mais pobres da terra e às gerações futuras. 8. Na realidade, é urgente a obtenção de uma leal solidariedade entre as gerações. Os custos resultantes do uso dos recursos ambientais comuns não podem ficar a cargo Revista da Arquidiocese
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das gerações futuras. “Herdeiros das gerações passadas e beneficiários do trabalho dos nossos contemporâneos, temos obrigações para com todos, e não podemos desinteressar-nos dos que virão depois de nós aumentar o círculo da família humana. A solidariedade universal é para nós não só um fato e um benefício, mas também um dever. Trata-se de uma responsabilidade que as gerações presentes têm em relação às futuras, uma responsabilidade que pertence também a cada um dos Estados e à comunidade internacional”.[17] O uso dos recursos naturais deverá verificar-se em condições tais que as vantagens imediatas não comportem consequências negativas para os seres vivos, humanos e não humanos, presentes e vindouros; que a tutela da propriedade privada não dificulte o destino universal dos bens; [18] que a intervenção do homem não comprometa a fecundidade da terra para benefício do dia de hoje e do amanhã. Para além de uma leal solidariedade entre as gerações, há que reafirmar a urgente necessidade moral de uma renovada solidariedade entre os indivíduos da mesma geração, especialmente nas relações entre os países em vias de desenvolvimento e os países altamente industrializados: Revista da Arquidiocese
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“A comunidade internacional tem o imperioso dever de encontrar as vias institucionais para regular a exploração dos recursos não renováveis, com a participação também dos países pobres, de modo a planificar em conjunto o futuro”.[19] A crise ecológica manifesta a urgência de uma solidariedade que se projete no espaço e no tempo. Com efeito, é importante reconhecer, entre as causas da crise ecológica atual, a responsabilidade histórica dos países industrializados. Contudo, os países menos desenvolvidos e, de modo particular, os países emergentes não estão exonerados da sua própria responsabilidade para com a criação, porque o dever de adotar gradualmente medidas e políticas ambientais eficazes pertence a todos. Isto poderia ser realizado mais facilmente se houvesse cálculos menos interesseiros na assistência, na transferência dos conhecimentos e tecnologias menos poluidoras. 9. Um dos nós principais a enfrentar pela comunidade internacional é, sem dúvida, o dos recursos energéticos, delineando estratégias compartilhadas e sustentáveis para satisfazer as necessidades de energia da geração atual e das gerações futuras. Para isso, é preciso que as sociedades tecnologicamente avançadas estejam dispostas
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a favorecer comportamentos caracterizados pela sobriedade, diminuindo as próprias necessidades de energia e melhorando as condições da sua utilização. Ao mesmo tempo é preciso promover a pesquisa e a aplicação de energias de menor impacto ambiental e a “redistribuição mundial dos recursos energéticos, de modo que os próprios países desprovidos possam ter acesso aos mesmos”.[20] Deste modo, a crise ecológica oferece uma oportunidade histórica para elaborar uma resposta coletiva tendente a converter o modelo de desenvolvimento global segundo uma direção mais respeitadora da criação e de um desenvolvimento humano integral, inspirado nos valores próprios da caridade na verdade. Faço votos, portanto, de que se adote um modelo de desenvolvimento fundado na centralidade do ser humano, na promoção e partilha do bem comum, na responsabilidade, na consciência da necessidade de mudar os estilos de vida e na prudência, virtude que indica as ações que se devem realizar hoje na previsão do que poderá suceder amanhã.[21] 10. A fim de guiar a humanidade para uma gestão globalmente sustentável do ambiente e dos recursos da terra, o homem é chamado a concentrar a sua inteligência no campo da pesquisa
científica e tecnológica e na aplicação das descobertas que daí derivam. A “nova solidariedade”, que João Paulo II propôs na Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1990,[22] e a “solidariedade global”, a que eu mesmo fiz apelo na Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2009,[23] apresentam-se como atitudes essenciais para orientar o compromisso de tutela da criação através de um sistema de gestão dos recursos da terra melhor coordenado em nível internacional, sobretudo no momento em que se vê aparecer, de forma cada vez mais evidente, a forte relação que existe entre a luta contra a degradação ambiental e a promoção do desenvolvimento humano integral. Trata-se de uma dinâmica imprescindível, já que “o desenvolvimento integral do homem não pode realizar-se sem o desenvolvimento solidário da humanidade”.[24] Muitas são hoje as oportunidades científicas e os potenciais percursos inovadores, mediante os quais é possível fornecer soluções satisfatórias e respeitadoras da relação entre o homem e o ambiente. Por exemplo, é preciso encorajar as pesquisas que visam identificar as modalidades mais eficazes para explorar a grande potencialidade da energia solar. A mesma atenção se deve prestar à questão, hoje mundial, Revista da Arquidiocese
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da água e ao sistema hidrogeológico global, cujo ciclo se reveste de primária importância para a vida na terra, mas está fortemente ameaçado na sua estabilidade pelas alterações climáticas. De igual modo deve-se procurar apropriadas estratégias de desenvolvimento rural centradas nos pequenos cultivadores e nas suas famílias, sendo necessário também elaborar políticas idôneas para a gestão das florestas, o tratamento do lixo, a valorização das sinergias existentes no contraste às alterações climáticas e na luta contra a pobreza. São precisas políticas nacionais ambiciosas, completadas pelo necessário empenho internacional que há de trazer importantes benefícios, sobretudo a médio e a longo prazo. Enfim, é necessário sair da lógica de mero consumo para promover formas de produção agrícola e industrial que respeitem a ordem da criação e satisfaçam as necessidades primárias de todos. A questão ecológica não deve ser enfrentada apenas por causa das pavorosas perspectivas que a degradação ambiental esboça no horizonte; o motivo principal há de ser a busca duma autêntica solidariedade de dimensão mundial, inspirada pelos valores da caridade, da justiça e do bem comum. Por outro lado, como já tive ocasião de recordar, a técnica “nunca é Revista da Arquidiocese
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simplesmente técnica; mas manifesta o homem e as suas aspirações ao desenvolvimento, exprime a tensão do ânimo humano para uma gradual superação de certos condicionamentos materiais. Assim, a técnica insere-se no mandato de ‘cultivar e guardar a terra’ (cf. Gn 2,15) que Deus confiou ao homem, e há de ser orientada para reforçar aquela aliança entre ser humano e ambiente em que se deve refletir o amor criador de Deus”.[25] 11. É cada vez mais claro que o tema da degradação ambiental põe em questão os comportamentos de cada um de nós, os estilos de vida e os modelos de consumo e de produção hoje dominantes, muitas vezes insustentáveis do ponto de vista social, ambiental e até econômico. Torna-se indispensável uma real mudança de mentalidade que induza a todos a adotarem novos estilos de vida, “nos quais a busca do verdadeiro, do belo e do bom e a comunhão com os outros homens, em ordem ao crescimento comum, sejam os elementos que determinam as opções do consumo, da poupança e do investimento”.[26] Deve-se educar cada vez mais para se construir a paz a partir de opções clarividentes a nível pessoal, familiar, comunitário e político. Todos somos responsáveis pela proteção e cuidado
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da criação. Tal responsabilidade não conhece fronteiras. Segundo o princípio de subsidiariedade, é importante que cada um, no nível que lhe corresponde, se comprometa a trabalhar para que deixem de prevalecer os interesses particulares. Um papel de sensibilização e formação compete de modo particular aos vários sujeitos da sociedade civil e às organizações não-governamentais, empenhados com determinação e generosidade na difusão de uma responsabilidade ecológica, que deveria aparecer cada vez mais ancorada ao respeito pela “ecologia humana”. Além disso, é preciso lembrar a responsabilidade dos meios de comunicação social neste âmbito, propondo modelos positivos que sirvam de inspiração. É que ocupar-se do ambiente requer uma visão larga e global do mundo; um esforço comum e responsável a fim de passar de uma lógica centrada sobre o interesse egoísta da nação para uma visão que sempre abrace as necessidades de todos os povos. Não podemos permanecer indiferentes àquilo que sucede ao nosso redor, porque a deterioração de uma parte qualquer do mundo recairia sobre todos. As relações entre pessoas, grupos sociais e Estados, bem como as relações entre homem e ambiente
são chamadas a assumir o estilo do respeito e da “caridade na verdade”. Neste contexto alargado, é altamente desejável que encontrem eficaz correspondência os esforços da comunidade internacional que visam obter um progressivo desarmamento e um mundo sem armas nucleares, cuja mera presença ameaça a vida da terra e o processo de desenvolvimento integral da humanidade atual e futura. 12. A Igreja tem a sua parte de responsabilidade pela criação e sente que a deve exercer também em âmbito público, para defender a terra, a água e o ar, dádivas feitas por Deus Criador a todos, e antes de tudo para proteger o homem contra o perigo da destruição de si mesmo. Com efeito, a degradação da natureza está intimamente ligada à cultura que molda a convivência humana, pelo que, “quando a ‘ecologia humana’ é respeitada dentro da sociedade, beneficia também a ecologia ambiental”.[27] Não se pode pedir aos jovens que respeitem o ambiente, se não são ajudados, em família e na sociedade, a respeitar-se a si mesmos: o livro da natureza é único, tanto sobre a vertente do ambiente como sobre a da ética pessoal, familiar e social.[28] Os deveres para com o ambiente derivam dos deveres para com a pessoa considerada em si Revista da Arquidiocese
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mesma e no seu relacionamento com os outros. Por isso, de bom grado encorajo a educação para uma responsabilidade ecológica, que, como indiquei na encíclica Caritas in veritate, salvaguarde uma autêntica “ecologia humana” e consequentemente afirme, com renovada convicção, a inviolabilidade da vida humana em todas as suas fases e condições, a dignidade da pessoa e a missão insubstituível da família, onde se educa para o amor ao próximo e o respeito à natureza.[29] É preciso preservar o patrimônio humano da sociedade. Este patrimônio de valores tem a sua origem e está inscrito na lei moral natural, que é fundamento do respeito da pessoa humana e da criação. 13. Por fim não se deve esquecer o fato, altamente significativo, de que muitos encontram tranquilidade e paz, sentem-se renovados e revigorados quando entram em contacto direto com a beleza e a harmonia da natureza. Existe aqui uma espécie de reciprocidade: quando cuidamos da criação, constatamos que Deus, através da criação, cuida de nós. Por outro lado, uma visão correta da relação do homem com o ambiente impede de absolutizar a natureza ou de considerá-la mais importante do que a pessoa. Se o magistério da Igreja Revista da Arquidiocese
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exprime perplexidades acerca de uma concepção do ambiente inspirada no ecocentrismo e no biocentrismo, fá-lo porque tal concepção elimina a diferença ontológica e axiológica entre a pessoa humana e os outros seres vivos. Deste modo, chega-se realmente a eliminar a identidade e a função superior do homem, favorecendo uma visão igualitarista da “dignidade” de todos os seres vivos. Assim se dá entrada a um novo panteísmo com acentos neopagãos que fazem derivar apenas da natureza, entendida em sentido puramente naturalista, a salvação para o homem. Ao contrário, a Igreja convida a colocar a questão de modo equilibrado, no respeito da “gramática” que o Criador inscreveu na sua obra, confiando ao homem o papel de guardião e administrador responsável da criação, papel de que certamente não deve abusar, mas também não pode abdicar. Com efeito, a posição contrária, que considera a técnica e o poder humano como absolutos, acaba por ser um grave atentado não só à natureza, mas também à própria dignidade humana.[30] 14. Se quiseres cultivar a paz, preserva a criação. A busca da paz por parte de todos os homens de boa vontade será, sem dúvida alguma, fa-
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cilitada pelo reconhecimento comum da relação indivisível que existe entre Deus, os seres humanos e a criação inteira. Os cristãos, iluminados pela Revelação divina e seguindo a Tradição da Igreja, prestam a sua própria contribuição. Consideram o cosmos e as suas maravilhas à luz da obra criadora do Pai e redentora de Cristo, que, pela sua morte e ressurreição, reconciliou com Deus “todas as criaturas, na terra e nos céus” (Cl 1, 20). Cristo crucificado e ressuscitado concedeu à humanidade o dom do seu Espírito santificador, que guia o caminho da história à espera daquele dia em que, com o regresso glorioso do Senhor, serão inaugurados “novos céus e uma nova terra” (2Pd 3, 13), onde habitarão a justiça e a paz para sempre. Assim, proteger o ambiente natural para construir um mundo de paz é dever de toda a
pessoa. Trata-se de um desafio urgente que se há de enfrentar com renovado e concorde empenho; é uma oportunidade providencial para entregar às novas gerações a perspectiva de um futuro melhor para todos. Disto mesmo estejam cientes os responsáveis das nações e quantos, nos diversos níveis, têm a peito a sorte da humanidade: a salvaguarda da criação e a realização da paz são realidades intimamente ligadas entre si. Por isso, convido todos os crentes a elevarem a Deus, Criador onipotente e Pai misericordioso, a sua oração fervorosa, para que no coração de cada homem e de cada mulher ressoe, seja acolhido e vivido o premente apelo: Se quiseres cultivar a paz, preserva a criação. Vaticano, 8 de dezembro de 2009. Benedictus PP. XVI
[1] Catecismo da Igreja Católica, 198. [2] Bento XVI, Mensagem para o Dia Mundial da Paz (1º de janeiro de 2008), 7. [3] Cf. n. 48. [4] Dante Alighieri, Divina Comédia: O Paraíso, XXXIII, 145. [5] Mensagem para o Dia Mundial da Paz (1º de janeiro de 1990), 1. [6] Carta ap. Octogesima adveniens, 21. [7] Mensagem para o Dia Mundial da Paz (1 de Janeiro de 1990), 10. [8] Cf. Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate, 32. [9] Catecismo da Igreja Católica, 295. Revista da Arquidiocese
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[10] Heráclito de Éfeso(± 535-475 a.C.), Fragmento 22B124, in H. Diels-W. Kranz, Die Fragmente der Vorsokratiker (Weidmann, Berlim 19526). [11] Cf. Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate, 48. [12] João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus, 37. [13] Cf. Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate, 50. [14] Const. past. Gaudium et spes, 69. [15] Cf. João Paulo II, Carta enc.Sollicitudo rei socialis, 34. [16] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate, 37. [17] Pont. Conselho “Justiça e Paz”, Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 467;cf. Paulo VI, Carta enc. Populorum progressio, 17. [18] Cf. João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus, 30-31.43. [19] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate, 49. [20] Ibid., 49. [21] Cf. São Tomás de Aquino, Summa theologiae, II-II, q. 49, 5. [22] Cf. n. 9. [23] Cf. n. 8. [24] Paulo VI, Carta enc. Populorum progressio, 43. [25] Carta enc. Caritas in veritate, 69. [26] João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus, 36. [27] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate, 51. [28] Cf. ibid., 15.51. [29] Cf. ibid., 28.51.61; João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus, 38.39. [30] Cf. Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate, 70.
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Dia Mundial do Migrante e do Refugiado PALAVRAS DE BENTO XVI POR OCASIÃO DO 96º DIA MUNDIAL DO MIGRANTE E DO REFUGIADO
Queridos irmãos e irmãs
os refugiados menores”, refere-se a um aspecto que os cristãos avaliam A celebração do Dia Mundial do com grande atenção, recordandoMigrante e do Refugiado oferece- se da admoestação de Cristo, que me novamente a ocasião de ma- no juízo fi nal considerará referido a nifestar a solicitude constante que Ele mesmo tudo o que é feito ou nea Igreja alimenta por aqueles que gado “a um só destes pequeninos” vivem, de vários modos, a expe- (cf. Mt 25, 40.45). E como não conriência da emigração. Trata-se de siderar entre os “pequeninos” tamum fenômeno que, como escrevi bém os migrantes e refugiados mena Encíclica Caritas in veritate, im- nores? O próprio Jesus, quando pressiona pelo número de pessoas era criança, viveu a experiência envolvidas, pelas problemáticas so- do migrante porque, como narra o ciais, econômicas, políticas, cultu- Evangelho, para fugir às ameaças rais e religiosas que levanta, pelos de Herodes, teve que se refugiar no desafi os dramáticos que apresenta Egito juntamente com José e Maria às comunidades nacionais e inter- (cf. Mt 2,14). nacional. O migrante é uma pessoa Embora a Convenção dos Direihumana com direitos fundamentais tos da Criança afi rme com clareza inalienáveis que devem ser respei- que deve ser sempre salvaguardado tados sempre e por todos (cf. n. 62). o interesse do menor (cf. art. 3), ao O tema deste ano, “Os migrantes e qual se devem reconhecer os direitos Revista da Arquidiocese
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fundamentais da pessoa ao mesmo nível do adulto, infelizmente na realidade isto não acontece. Com efeito, enquanto aumenta na opinião pública a consciência da necessidade de uma ação pontual e incisiva em proteção dos menores, de fato muitos são abandonados e, de vários modos, encontram-se em perigo de exploração. Da condição dramática em que eles vivem fez-se intérprete o meu venerado Predecessor, João Paulo II, na mensagem enviada a 22 de setembro de 1990 ao Secretário-Geral das Nações Unidas, por ocasião do Encontro Mundial para as Crianças. “Sou testemunha – ele escreveu – da condição lancinante de milhões de crianças de todos os continentes. Elas são mais vulneráveis, porque menos capazes de fazer ouvir a sua voz” (Insegnamenti XIII, 2, 1990, pág. 672). Formulo votos de coração para que se reserve a justa atenção aos migrantes menores, necessitados de um ambiente social que permita e favoreça o seu desenvolvimento físico, cultural, espiritual e moral. Viver num país estrangeiro sem pontos de referência efetivos cria-lhes, especialmente àqueles que estão desprovidos do apoio da família, inúmeros e por vezes graves incômodos e dificuldades. Revista da Arquidiocese
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Um aspecto típico da migração de menores é constituído pela situação dos jovens nascidos nos países receptores, ou então por aquela dos filhos que não vivem com os pais emigrados depois do seu nascimento, mas que se reúnem a eles sucessivamente. Estes adolescentes fazem parte de duas culturas, com as vantagens e as problemáticas ligadas à sua dúplice pertença, condição esta que todavia pode oferecer a oportunidade de experimentar a riqueza do encontro entre diferentes tradições culturais. É importante que lhes seja oferecida a possibilidade da frequência escolar e da sucessiva inserção no mundo do trabalho, e que seja facilitada a integração social graças a oportunas estruturas formativas e sociais. Nunca se esqueça que a adolescência representa uma etapa fundamental para a formação do ser humano. Uma categoria particular de menores é a dos refugiados que pedem asilo, fugindo por vários motivos do próprio país, onde não recebem uma proteção adequada. As estatísticas revelam que o seu número está a aumentar. Por conseguinte, trata-se de um fenômeno que deve ser avaliado com atenção e enfrentado com ações coordenadas, com oportunas medi-
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das de prevenção, de salvaguarda e de acolhimento, segundo quanto prevê também a própria Convenção dos Direitos da Criança (cf. art. 22). Dirij o-me agora particularmente às paróquias e às muitas associações católicas que, animadas por um espírito de fé e de caridade, envidam grandes esforços para ir ao encontro das necessidades destes nossos irmãos e irmãs. Enquanto exprimo gratidão por quanto se está a realizar com grande generosidade, gostaria de convidar todos os cristãos a tomar consciência do desafi o social e pastoral que apresenta a condição dos menores migrantes e refugiados. Ressoam no nosso coração as palavras de Jesus: “Era peregrino e recolhestes-me” (Mt 25,35), assim como o mandamento central que Ele nos deixou: amar a Deus com todo o coração, com toda a alma e com toda a mente, mas unido ao amor ao próximo (cf. Mt 22,37-39). Isto leva-nos a
considerar que cada uma das nossas intervenções concretas deve nutrir-se antes de tudo de fé na ação da graça e da Providência divina. De tal modo, também o acolhimento e a solidariedade para com o estrangeiro, especialmente se se trata de crianças, tornam-se anúncio do Evangelho da solidariedade. A Igreja proclama-o, quando abre os seus braços e trabalha para que sejam respeitados os direitos dos migrantes e dos refugiados, estimulando os responsáveis das Nações, dos Organismos e das Instituições internacionais, a fi m de que promovam iniciativas oportunas em seu benefício. Vele materna sobre todos a Bem-Aventurada Virgem Maria, e ajude-nos a compreender as difi culdades daqueles que estão distantes da própria pátria. A quantos estão empenhados no vasto mundo dos migrantes e refugiados, asseguro a minha oração e concedo de coração a Bênção Apostólica.
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Campanha da Fraternidade 2010 Vaticano, 8 de fevereiro de 2010
Ao Venerável Irmão D. Geraldo Lyrio Rocha Presidente da CNBB Arcebispo de Mariana (MG) Com a Quarta-feira de Cinzas, volta aquele tempo favorável de salvação, que é a Quaresma, com seu apelo insistente: “Reconciliai-vos com Deus” (2Cor 6,2); brado este, que deve ressoar nos lábios daqueles que anunciam a Palavra de Deus:
“Encarregarei os meus ministros de anunciar aos pecadores que estou sempre pronto a recebê-los, que a minha misericórdia é infi nita” (Carta para a Proclamação de um Ano Sacerdotal, 16 de junho de 2009). Estes sentimentos divinos foram confi ados ao Santo Cura d’Ars, que, no seu tempo, soube transformar o coração e a vida de muitas pessoas, porque conseguiu fazer-lhes sentir o amor misericordioso do Senhor. Revista da Arquidiocese
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Eu desejo o mesmo sucesso às Igrejas e Comunidades eclesiais no Brasil que, neste ano, decidiram unir seus esforços para reconciliar as pessoas com Deus, ajudandolhes a libertar-se da escravidão do dinheiro. É que, como lembra a Campanha da Fraternidade Ecumênica 2010 – citando palavras de Jesus –, “vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro”. Alegrandome com tal propósito de conversão, recordo que a escravidão ao dinheiro e a injustiça “tem origem no coração do homem, onde se encontram os germes de uma misteriosa convivência com o mal” (Mensagem para a Quaresma 2010, 30 de outubro de 2009). Por isso, encorajo-vos a perseverar no testemunho do amor de Deus, do Filho de Deus que se fez homem, do homem agraciado com a vida de Deus, do único Bem que pode saciar o coração da gente, pois, “mais do que de pão, [o homem] de fato precisa de Deus” (Ibid.). Consegui-
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reis assim, fazer frente ao “deserto interior” de que falei ao início do meu ministério petrino, convidando a Igreja, no seu conjunto, a “pôr-se a caminho, para conduzir as pessoas fora do deserto, para lugares da vida, da amizade com o Filho de Deus, para Aquele que dá a vida, a vida em plenitude. (…) Nós existimos para mostrar Deus aos homens. E só onde se vê Deus, começa verdadeiramente a vida” (Homilia, 24 de abril de 2005). Se “a boca fala daquilo que o coração está cheio” (Mt 12,4), podeis conhecer vosso coração a partir das vossas palavras. “Reconciliai-vos com Deus”, de modo que as vossas palavras sirvam, sobretudo, para falar de Deus e a Deus. Implorando as maiores bênçãos de Deus sobre a Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2010, aproveito a ocasião para enviar a meus irmãos e amigos do Brasil cordiais saudações com votos de todo bem em Jesus Cristo, único Salvador de todos!
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Quaresma A JUSTIÇA DE DEUS ESTÁ MANIFESTADA MEDIANTE A FÉ EM JESUS CRISTO (CF. RM 3,21–22 )
Queridos irmãos e irmãs, Todos os anos, por ocasião da Quaresma, a Igreja convida-nos a uma revisão sincera da nossa vida á luz dos ensinamentos evangélicos . Este ano desejaria propor-vos algumas refl exões sobre o tema vasto da justiça, partindo da afi rmação Paulina: A justiça de Deus está manifestada mediante a fé em Jesus Cristo (cf. Rm 3,21-22 ). Justiça: “dare cuique suum” Detenho-me em primeiro lugar sobre o signifi cado da palavra “justiça” que na linguagem comum implica “dar a cada um o que é seu – dare cuique suum”, segundo a conhecida expressão de Ulpiano, jurista romana do século III. Porém, na realidade, tal defi nição clássica não precisa em que é que consiste aquele
“suo” que se deve assegurar a cada um. Aquilo de que o homem mais precisa não lhe pode ser garantido por lei. Para gozar de uma existência em plenitude, precisa de algo mais íntimo que lhe pode ser concedido somente gratuitamente: poderíamos dizer que o homem vive daquele amor que só Deus lhe pode comunicar, tendo-o criado à sua imagem e semelhança. São certamente úteis e necessários os bens materiais – no fi m de contas o próprio Jesus se preocupou com a cura dos doentes, em matar a fome das multidões que o seguiam e certamente condena a indiferença que também hoje condena centenas de milhões de seres humanos à morte por falta de alimentos, de água e de medicamentos – , mas a justiça distributiva não restitui ao ser humano todo o “suo” que lhe é Revista da Arquidiocese
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devido. Como e mais do que o pão ele de fato precisa de Deus. Santo Agostinho observa a este propósito: se “a justiça é a virtude que distribui a cada um o que é seu…não é justiça do homem aquela que subtrai o homem ao verdadeiro Deus” (De civitate Dei, XIX, 21). De onde vem a injustiça? O evangelista Marcos refere as seguintes palavras de Jesus, que se inserem no debate de então acerca do que é puro e impuro: “Nada há fora do homem que, entrando nele, o possa tornar impuro. Mas o que sai do homem, isso é que o torna impuro. Porque é do interior do coração dos homens, que saem os maus pensamentos” (Mc 7,14-15.2021). Para além da questão imediata relativo ao alimento, podemos entrever nas reações dos fariseus uma tentação permanente do homem: individuar a origem do mal numa causa exterior. Muitas das ideologias modernas, a bem ver, têm este pressuposto: visto que a injustiça vem “de fora”, para que reine a justiça é suficiente remover as causas externas que impedem a sua atuação: Esta maneira de pensar – admoesta Jesus – é ingênua e míope. A injustiça, fruto do mal, não tem Revista da Arquidiocese
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raízes exclusivamente externas; tem origem no coração do homem, onde se encontram os germes de uma misteriosa conivência com o mal. Reconhece-o com amargura o Salmista: “Eis que eu nasci na culpa, e a minha mãe concebeu-se no pecado” (Sl 51,7). Sim, o homem torna-se frágil por um impulso profundo, que o mortifica na capacidade de entrar em comunhão com o outro. Aberto por natureza ao fluxo livre da partilha, adverte dentro de si uma força de gravidade estranha que o leva a dobrar-se sobre si mesmo, a afirmar-se acima e contra os outros: é o egoísmo, consequência do pecado original. Adão e Eva, seduzidos pela mentira de Satanás, pegando no fruto misterioso contra a vontade divina, substituíram á lógica de confiar no Amor aquela da suspeita e da competição ; à lógica do receber, da espera confiante do outro, aquela ansiosa do agarrar, do fazer sozinho (cf. Gn 3,1-6) experimentando como resultado uma sensação de inquietação e de incerteza. Como pode o homem libertar-se desse impulso egoísta e abrir-se ao amor? Justiça e Sedaqah No coração da sabedoria de Israel encontramos um laço profundo
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entre fé em Deus que “levanta do pó o indigente (Sl 113,7) e justiça em relação ao próximo. A própria palavra com a qual em hebraico se indica a virtude da justiça, sedaqah, exprime-o bem. De fato, sedaqah significa, dum lado, a aceitação plena da vontade do Deus de Israel; do outro, equidade em relação ao próximo (cf. Ex 29,12-17), de maneira especial ao pobre, ao estrangeiro, ao órfão e à viúva (cf. Dt 10,18-19). Mas os dois significados estão ligados, porque o dar ao pobre, para o israelita nada mais é senão a retribuição que se deve a Deus, que teve piedade da miséria do seu povo. Não é por acaso que o dom das tábuas da Lei a Moisés, no monte Sinai, se verifica depois da passagem do Mar Vermelho. Isto é, a escuta da Lei, pressupõe a fé no Deus que foi o primeiro a ouvir o lamento do seu povo e desceu para o libertar do poder do Egito (cf. Ex s,8). Deus está atento ao grito do pobre e em resposta pede para ser ouvido: pede justiça para o pobre (cf. Ecl 4,4-5.8-9), o estrangeiro (cf. Ex 22,20), o escravo (cf. Dt 15,12-18). Para entrar na justiça é portanto necessário sair daquela ilusão de autossuficiência, daquele estado profundo de fecho, que é a própria origem da injustiça. Por
outras palavras, é necessário um “êxodo” mais profundo do que aquele que Deus efetuou com Moisés, uma libertação do coração, que a palavra da Lei, sozinha, é impotente para realizar. Existe portanto para o homem esperança de justiça? Cristo, justiça de Deus O anúncio cristão responde positivamente à sede de justiça do homem, como afirma o apóstolo Paulo na Carta aos Romanos: “Mas agora, é sem a lei que está manifestada a justiça de Deus… mediante a fé em Jesus Cristo, para todos os crentes. De fato, não há distinção, porque todos pecaram e estão privados da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente pela sua graça, por meio da redenção que se realiza em Jesus Cristo, que Deus apresentou como vítima de propiciação pelo seu próprio sangue, mediante a fé” (3,21-25). Qual é, portanto, a justiça de Cristo? É antes de mais a justiça que vem da graça, onde não é o homem que repara, que cura a si mesmo e os outros. O fato de que a “expiação” se verifique no “sangue” de Jesus significa que não são os sacrifícios do homem a libertálo do peso das suas culpas, mas o Revista da Arquidiocese
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gesto do amor de Deus que se abre até ao extremo, até fazer passar em si “a maldição” que toca o homem, para lhe transmitir em troca a “bênção” que toca a Deus (cf. Gl 3,13-14). Mas isto levanta imediatamente uma objeção: que justiça existe lá onde o justo morre pelo culpado e o culpado recebe em troca a bênção que toca o justo? Desta maneira cada um não recebe o contrário do que é “seu”? Na realidade, aqui se manifesta a justiça divina, profundamente diferente da justiça humana. Deus pagou por nós no seu Filho o preço do resgate, um preço verdadeiramente exorbitante. Perante a justiça da Cruz o homem pode revoltar-se, porque ele põe em evidência que o homem não é um ser autárquico, mas precisa de um outro para ser plenamente si mesmo. Converter-se a Cristo, acreditar no Evangelho, no fundo signifi ca precisamente isto: sair da ilusão da autossufi ciência para descobrir e aceitar a própria indigência – indigência dos outros e de Deus, exigência do seu perdão e da sua amizade. Compreende-se então como a fé não é um fato natural, cômodo,
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óbvio: é necessário humildade para aceitar que se precisa que um outro me liberte do “meu”, para me dar gratuitamente o “seu”. Isto acontece particularmente nos sacramentos da Penitência e da Eucaristia. Graças à ação de Cristo, nós podemos entrar na justiça “maior”, que é aquela do amor (cf. Rm 13,8-10), a justiça de quem se sente em todo o caso sempre mais devedor do que credor, porque recebeu mais do que aquilo que poderia esperar. Precisamente fortalecido por esta experiência, o cristão é levado a contribuir para a formação de sociedades justas, onde todos recebem o necessário para viver segundo a própria dignidade de homem e onde a justiça é vivifi cada pelo amor. Queridos irmãos e irmãs, a Quaresma culmina no Tríduo Pascal, no qual também este ano celebraremos a justiça divina, que é plenitude de caridade, de dom, de salvação. Que este tempo penitencial seja para cada cristão tempo de autêntica conversão e de conhecimento intenso do mistério de Cristo, que veio para realizar a justiça. Com estes sentimentos, a todos concedo de coração, a Bênção Apostólica.
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19º Dia Mundial do Doente “PELAS SUAS CHAGAS FOSTES CURADOS” (1PD 2, 24). BENTO XIV
Queridos Irmãos e Irmãs!
tanto para o indivíduo como para a sociedade. Uma sociedade que não Todos os anos, na memória da consegue aceitar os que sofrem e Bem-Aventurada Virgem de Lour- não é capaz de contribuir, mediante des, que se celebra a 11 de fevereiro, a a com-paixão, para fazer com que o Igreja propõe o Dia Mundial do Do- sofrimento seja compartilhado e asente. Esta circunstância, como quis sumido mesmo interiormente é uma o venerável João Paulo II, torna-se sociedade cruel e desumana” (Carta ocasião propícia para refl etir sobre o enc. Spe salvi, 38). As iniciativas que mistério do sofrimento e, sobretudo, serão promovidas nas diversas Diopara tornar as nossas comunidades ceses, por ocasião deste dia, sirvam e a sociedade civil mais sensíveis de estímulo para tornar cada vez aos irmãos e irmãs doentes. Se todos mais efi caz o cuidado para com os os homens são nossos irmãos, aque- sofredores, também na perspectiva le que é débil, sofredor ou necessi- da celebração de modo solene, que tado de cuidado deve estar mais no terá lugar em 2013, no Santuário centro da nossa atenção, para que mariano de Altött ing, na Alemanha. nenhum deles se sinta esquecido ou 1. Tenho ainda no coração o marginalizado; com efeito, “a gran- momento em que, durante a visita deza da humanidade determina-se pastoral a Turim, pude deter-me essencialmente na relação com o so- em refl exão e oração diante do Sanfrimento e com quem sofre. Isto vale to Sudário, diante daquele rosto Revista da Arquidiocese
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sofredor, que nos convida a meditar sobre Aquele que carregou sobre si a paixão do homem de todos os tempos e lugares, inclusive os nossos sofrimentos, as nossas dificuldades e os nossos pecados. Quantos fiéis, no curso da história, passaram diante daquele tecido sepulcral, que envolveu o corpo de um homem crucificado, que corresponde em tudo ao que os Evangelhos nos transmitem sobre a paixão e a morte de Jesus! Contemplá-lo é um convite a refletir sobre quanto escreve São Pedro: “Pelas suas chagas fostes curados” (1Pd 2,24). O Filho de Deus sofreu, morreu, mas ressuscitou, e exatamente por isso aquelas chagas tornam-se o sinal da nossa redenção, do perdão e da reconciliação com o Pai; tornamse, contudo, também um banco de prova para a fé dos discípulos e para a nossa fé: todas as vezes que o Senhor fala da sua paixão e morte, eles não compreendem, rejeitam, opõem-se. Para eles, como para nós, o sofrimento permanece sempre carregado de mistério, difícil de aceitar e suportar. Os dois discípulos de Emaús caminham tristes, devido aos acontecimentos daqueles dias em Jerusalém, e só quando o Ressuscitado percorre a Revista da Arquidiocese
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estrada com eles, se abrem a uma visão nova (cf. Lc 24,13-31). Também o apóstolo Tomé mostra a dificuldade em crer na via da paixão redentora: “Se eu não vir o sinal dos cravos nas suas mãos, se não meter o dedo no lugar dos cravos e a mão no seu lado, não acreditarei” (Jo 20, 25). Mas diante de Cristo que mostra as suas chagas, a sua resposta transforma-se numa comovedora profissão de fé: “Meu Senhor e meu Deus” (Jo 20,28). O que antes era um obstáculo intransponível, porque sinal da aparente falência de Jesus, torna-se, no encontro com o Ressuscitado, a prova de um amor vitorioso: “Somente um Deus que nos ama a ponto de carregar sobre si as nossas feridas e a nossa dor, sobretudo a dor inocente, é digno de fé” (Mensagem Urbi et Orbi, Páscoa de 2007). 2. Queridos doentes e sofredores, é justamente através das chagas de Cristo que podemos ver, com olhos de esperança, todos os males que afligem a humanidade. Ressuscitando, o Senhor não tirou o sofrimento e o mal do mundo, mas extirpouos pela raiz. À prepotência do Mal opôs a onipotência do seu Amor. Indicou-nos então, que o caminho da paz e da alegria é o Amor: “Como
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Eu vos amei, vós também vos deveis amar uns aos outros” (Jo 13,34). Cristo, vencedor da morte, está vivo no meio de nós E enquanto com São Tomé dizemos também: “Meu Senhor e meu Deus”, seguimos o nosso Mestre na disponibilidade a prodigalizar a vida pelos nossos irmãos (cf. 1 Jo 3, 16), tornando-nos mensageiros de uma alegria que não teme a dor, a alegria da Ressurreição. São Bernardo afirma: “Deus não pode padecer, mas pode compadecer”. Deus, a Verdade e o Amor em pessoa, quis sofrer por nós e conosco; fez-se homem para poder compadecer com o homem, de modo real, em carne e sangue. Em cada sofrimento humano, portanto, entrou Aquele que partilha o sofrimento e a suportação; em cada sofrimento difunde-se a con-solatio, a consolação do amor partícipe de Deus para fazer surgir a estrela da esperança (cf. Carta enc. Spe salvi, 39). A vós, queridos irmãos e irmãs, repito esta mensagem, para que sejais suas testemunhas através do vosso sofrimento, da vossa vida e da vossa fé. 3. Considerando o encontro de Madrid, no mês de agosto de 2011, para a Jornada Mundial da Juventude, gostaria de dirigir também
um pensamento especial aos jovens, especialmente aos que vivem a experiência da doença. Com frequência a Paixão e a Cruz de Jesus causam medo, porque parecem ser a negação da vida. Na realidade, é exatamente o contrário! A Cruz é o “sim” de Deus ao homem, a expressão mais elevada e intensa do seu amor e a fonte da qual brota a vida eterna. Do Coração trespassado de Jesus brotou esta vida divina. Só Ele é capaz de libertar o mundo do mal e de fazer crescer o seu Reino de justiça, de paz e de amor ao qual todos aspiramos (cf. Mensagem para a Jornada Mundial da Juventude de 2011, 3). Queridos jovens, aprendei a “ver” e a “encontrar” Jesus na Eucaristia, onde Ele está presente de modo real para nós, até se fazer alimento para o caminho, mas sabei reconhecê-lo e servi-lo também nos pobres, nos doentes, nos irmãos sofredores e em dificuldade, que precisam da vossa ajuda (cf. ibid., 4). A todos vós jovens, doentes e sadios, repito o convite a criar pontes de amor e solidariedade, para que ninguém se sinta sozinho, mas próximo de Deus e parte da grande família dos seus filhos (cf. Audiência geral, 15 de novembro de 2006). 4. Ao contemplar as chagas de Revista da Arquidiocese
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Jesus, o nosso olhar dirige-se ao seu Sacratíssimo Coração, no qual se manifesta em sumo grau o amor de Deus. O Sagrado Coração é Cristo crucificado, com o lado aberto pela lança, do qual brotam sangue e água (cf. Jo 19,34), “símbolo dos sacramentos da Igreja, para que todos os homens, atraídos pelo Coração do Salvador, bebam com alegria na fonte perene da salvação” (Missal Romano, Prefácio da Solenidade do Sacratíssimo Coração de Jesus). Especialmente vós, queridos doentes, sentis a proximidade deste Coração cheio de amor e bebeis com fé e alegria de tal fonte, rezando: “Água do lado de Cristo, lava-me. Paixão de Cristo, fortalece-me. Oh!, bom Jesus, ouve-me. Nas tuas chagas, esconde-me” (Oração de Santo Inácio de Loyola). 5. Na conclusão desta minha Mensagem para o próximo Dia Mundial do Doente, desejo exprimir o meu afeto a todos e a cada um, sentindo-me partícipe dos sofrimentos e das esperanças que viveis quotidianamente em união com Cristo crucificado e ressuscitado, para que vos conceda a paz e a cura do coração. Juntamente com Ele ao vosso lado vigie a Virgem Revista da Arquidiocese
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Maria, que invocamos com confiança como Saúde dos enfermos e Consoladora dos sofredores. Aos pés da Cruz realiza-se para Ela a profecia de Simeão: o seu Coração de Mãe é trespassado (cf. Lc 2,35). Do abismo da sua dor, participação no sofrimento do Filho, Maria tornouse capaz de assumir a nova missão: tornar-se a Mãe de Cristo nos seus membros. Na hora da Cruz, Jesus apresenta-lhe cada um dos seus discípulos, dizendo-lhe: “Eis o teu filho” (cf. Jo 19,26-27). A compaixão materna para com o Filho torna-se compaixão materna para cada um de nós nos nossos sofrimentos quotidianos (cf. Homilia em Lourdes, 15 de setembro de 2008). Queridos irmãos e irmãs, neste Dia Mundial do Doente, exorto também as Autoridades a fim de que invistam cada vez mais energias em estruturas médicas que sirvam de ajuda e apoio aos sofredores, sobretudo aos mais pobres e necessitados e, dirigindo o meu pensamento a todas as Dioceses, transmito uma saudação afetuosa aos Bispos, aos sacerdotes, às pessoas consagradas, aos seminaristas, aos agentes no campo da saúde, aos voluntários e a todos os que se dedicam com amor a cuidar e aliviar as chagas de cada
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irmão e irmã doente, nos hospitais ou casas de cura, nas famílias: nos rostos dos doentes sabei ver sempre o Rosto dos rostos: o de Cristo. A todos garanto a minha recor-
dação na oração, enquanto concedo a cada um a especial Bênção Apostólica. Benedictus PP. XVI
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Solenidade de Maria Santíssima, Mãe de Deus 43º DIA MUNDIAL DA PAZ
Basílica Vaticana, sexta-feira, 1° de janeiro de 2010
Venerados Irmãos Ilustres Senhores e Senhoras Queridos irmãos e irmãs! No primeiro dia do ano novo, temos a alegria e a graça de celebrar a Santíssima Mãe de Deus e, ao mesmo tempo, o Dia Mundial da Paz. Em ambas as comemorações celebramos Cristo, Filho de Deus que nasceu de Maria, Virgem e nossa verdadeira paz! A todos vós, que estais aqui congregados, Representantes dos povos do mundo, da Igreja romana e universal, sacerdotes e fi éis; e a quantos estão unidos através da rádio e da televisão, repito as palavras da antiga bênção: o Senhor dirij a o seu rosto para vós e vos conceda a paz (cf. Nm 6,26). É precisamente o tema do Rosto e dos rostos que gostaria de desenvolver hoje,
à luz da Palavra de Deus – Rosto de Deus e rostos dos homens – um tema que nos oferece também uma chave de leitura do problema da paz no mundo. Ouvimos, quer na primeira leitura – tirada do Livro dos Números – quer no Salmo responsorial, algumas expressões que contêm a metáfora do rosto referida a Deus: “O Senhor faça resplandecer a sua face sobre ti / e te seja benevolente” (Nm 6,25); “Deus tenha piedade de nós e nos abençoe / e faça resplandecer sobre nós a luz da sua face / para que se conheçam na terra os vossos caminhos / e entre as nações a vossa obra salvadora” (Sl 67 [66], 2-3). O rosto é a expressão por excelência da pessoa, que a torna reconhecível e do qual transparecem sentimentos, pensamentos e intenções Revista da Arquidiocese
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do coração. Por sua natureza Deus é invisível, mas a Bíblia aplica esta imagem também a Ele. Mostrar o rosto é expressão da sua benevolência, enquanto escondê-lo indica a sua ira e a sua indignação. O Livro do Êxodo afirma que “o Senhor falava com Moisés, frente a frente, como um homem fala com o seu amigo” (Êx 33,11), e ainda a Moisés o Senhor promete a sua proximidade com uma fórmula muito singular: “A minha face irá diante de ti, e dar-te-ei descanso” (Êx 33,14). Os Salmos mostram-nos os fiéis como aqueles que se põem em busca do rosto de Deus (cf. Sl 27 [26], 8; 105 [104], 4), que no culto aspiram a vêlo (cf. Sl 42,3), e dizem-nos que “os homens retos” hão de “contemplálo” (Sl 11 [10],7). Toda a narração bíblica pode ser lida como uma progressiva revelação do rosto de Deus, até chegar à sua plena manifestação em Jesus Cristo. “Quando chegou a plenitude dos tempos – recordou-nos também hoje o Apóstolo Paulo – Deus enviou o seu Filho” (Gl 4, 4), acrescentando imediatamente: “nascido de mulher, nascido sujeito à lei”. O rosto de Deus adquiriu um aspecto humano, deixando-se ver e reconhecer no filho da Virgem Maria, Revista da Arquidiocese
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que por isso veneramos com o título elevadíssimo de “Mãe de Deus”. Ela, que conservou no seu coração o segredo da maternidade divina, foi a primeira a ver o rosto de Deus que se fez homem no pequeno fruto do seu seio. A mãe tem uma relação totalmente especial, única e de certa forma exclusiva com o filho recémnascido. O primeiro rosto que a criança vê é o da mãe, e este olhar é decisivo para o seu relacionamento com a vida, consigo mesma, com os outros e com Deus; é determinante também para que ela se possa tornar um “filho da paz” (Lc 10, 6). Entre as numerosas tipologias de ícones da Virgem Maria na tradição bizantina, existe uma chamada "da ternura", que representa o Menino Jesus com o rosto apoiado – face a face – ao da Mãe. O Menino olha para a Mãe e Ela olha para nós, quase como refletindo, para quem observa e reza, a ternura de Deus, descida do Céu sobre Ela e encarnada naquele Filho de homem que Ela tem ao colo. Neste ícone mariano podemos contemplar algo do próprio Deus: um sinal do amor inefável que o impeliu a “oferecer o seu único Filho” (Jo 3, 16). No entanto, aquele mesmo ícone mostra-nos também, em Maria, o rosto da Igreja, que reflete a luz de Cristo
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sobre nós e sobre o mundo inteiro, a Igreja mediante a qual a boa notícia chega a todo o homem: “Já não és servo, mas filho” (Gl 4,7), como lemos novamente em São Paulo. Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio, Senhores Embaixadores e prezados amigos! Meditar sobre o mistério do rosto de Deus e do homem é uma vereda privilegiada que leva à paz. Com efeito, ela começa a partir de um olhar respeitador, que reconhece no rosto do outro uma pessoa, independentemente da cor da sua pele, da sua nacionalidade, da sua língua e da sua religião. Mas quem, senão Deus, pode garantir, por assim dizer, a “profundidade” do rosto do homem? Na realidade, só se tivermos Deus no coração, somos capazes de ver no rosto do outro um irmão em humanidade, não um meio mas um fim, não um rival nem um inimigo, mas outro eu, uma multiplicação do mistério infinito do ser humano. A nossa percepção do mundo e, em particular, dos nossos semelhantes, depende essencialmente da presença em nós do Espírito de Deus. É uma espécie de “ressonância”: quem tem o coração vazio, vê unicamente imagens banais, desprovidas de relevo. Por outro lado, quanto mais somos
habitados por Deus, tanto mais sensíveis nos tornamos à sua presença naquilo que nos circunda: em todas as criaturas e especialmente nos outros homens, embora às vezes precisamente o rosto humano, marcado pela dureza da vida e do mal, possa ser difícil de apreciar e de aceitar como epifania de Deus. Com maior razão, portanto, para nos reconhecermos e respeitarmos como realmente somos, ou seja, como irmãos, temos necessidade de nos referirmos ao rosto de um Pai comum, que nos ama a todos, apesar dos nossos limites e dos nossos erros. Desde criança, é importante ser educado no respeito pelo próximo, mesmo quando é diferente de nós. Hoje é cada vez mais comum a experiência de classes escolares compostas por crianças de várias nacionalidades, mas também quando isto não se verifica, os seus rostos constituem uma profecia da humanidade que somos chamados a formar: uma família de famílias e de povos. Quanto menores são estas crianças, tanto mais suscitam em nós a ternura e a alegria por uma inocência e uma fraternidade que nos parecem evidentes: apesar das suas diferenças, elas choram e riem do mesmo modo, têm as mesmas necessidades, Revista da Arquidiocese
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comunicam espontaneamente, brincam juntas... Os rostos das crianças são como um reflexo da visão de Deus sobre o mundo. Então, por que apagar os seus sorrisos? Por que envenenar os seus corações? Infelizmente, o ícone da Mãe de Deus da ternura encontra o seu trágico oposto nas imagens dolorosas de numerosas crianças e das suas mães à mercê de guerras e violências: prófugos, refugiados e migrantes forçados. Rostos marcados pela fome e pelas enfermidades, rostos desfigurados pelo sofrimento e pelo desespero. Os rostos dos pequenos inocentes constituem um apelo silencioso à nossa responsabilidade: diante da sua condição inerme, esvaecem todas as falsas justificações da guerra e da violência. Devemos simplesmente converter-nos a projetos de paz, abandonar as armas de todos os tipos e comprometer-nos todos juntos na construção de um mundo mais digno do homem. A minha Mensagem para este 43º Dia Mundial da Paz: “Se quiseres cultivar a paz, preserva a criação”, insere-se no interior da perspectiva do rosto de Deus e dos rostos humanos. Com efeito, podemos afirmar que o homem é capaz de respeitar as criaturas, na medida em que tiver Revista da Arquidiocese
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no seu espírito um sentido pleno da vida; caso contrário, será levado a desprezar-se a si mesmo e àquilo que o circunda, a não ter respeito pelo ambiente em que vive, pela criação. Quem sabe reconhecer no cosmos os reflexos do rosto invisível do Criador, é levado a ter maior amor pelas criaturas, maior sensibilidade pelo seu valor simbólico. Especialmente o Livro dos Salmos é rico de testemunhos deste modo propriamente humano de se relacionar com a natureza: com o céu, o mar, os montes, as colinas, os rios, os animais... “Senhor, quão numerosas são as vossas obras –exclama o Salmista – / todas elas são fruto da vossa sabedoria! / A terra está cheia das vossas criaturas” (Sl 104 [103], 24). De modo particular, a perspectiva do “rosto” convida a refletir sobre aquela à qual, também nesta Mensagem, chamei “ecologia humana”. Com efeito, existe um nexo profundamente estreito entre o respeito pelo homem e a salvaguarda da criação. “Os deveres em relação ao meio ambiente derivam dos deveres para com a pessoa considerada em si mesma e em relação aos outros” (ibid., n. 12). Se o homem se desvirtua, degrada-se o ambiente no qual vive; se a cultura tender
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para um niilismo, se não teórico, prático, a natureza não deixará de pagar as suas consequências. Efetivamente, pode-se constatar uma infl uência recíproca entre o rosto do homem e o “rosto” do meio ambiente: “Quando a ecologia humana é respeitada no seio da sociedade, também a ecologia ambiental recebe benefícios” (ibidem; cf. Encíclica Caritas in veritate, 51). Portanto, renovo o meu apelo a investir na educação, propondo-se como fi nalidade, para além da transmissão necessária de noções técnico-científi cas, uma “responsabilidade ecológica” mais ampla e aprofundada, alicerçada no respeito pelo homem e pelos seus direitos e deveres fundamentais. Só assim o compromisso a favor do meio ambiente pode tornar-se verdadeiramente educação para a paz e construção da paz. Estimados irmãos e irmãs, no Tempo de Natal recita-se um Salmo que, de resto, contém inclusive um exemplo maravilhoso do modo como a vinda de Deus transfi gura a criação e provoca uma espécie
de festa cósmica. Este hino começa com um convite universal ao louvor: “Cantai ao Senhor um cântico novo / cantai ao Senhor terra inteira! / Cantai ao Senhor, bendizei o seu nome” (Sl 96 [95], 1-2). Todavia, numa certa altura este apelo à exultação estende-se a toda a criação: “Alegrem-se os céus, exulte a terra! / Ressoem o mar e quanto nele existe! / Sorriam os campos e todos os seus frutos / exultem também todas as árvores dos bosques” (vv. 11-12). A festa da fé torna-se uma festa do homem e da criação: aquela festa que no Natal se exprime também mediante as decorações postas nas árvores, ao longo das ruas e nas casas. Tudo volta a fl orescer, porque Deus se manifestou no meio de nós. A Virgem Mãe mostra o Menino Jesus aos pastores de Belém, que rejubilam e louvam o Senhor (cf. Lc 2,20); a Igreja renova o mistério para os homens de todas as gerações, mostrando-lhes o rosto de Deus a fi m de que, com a sua bênção, eles possam percorrer o caminho da paz.
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Solenidade da Epifania do Senhor SANTA MISSA Basílica Vaticana, terça-feira, 6 de janeiro 2010
Caros irmãos e irmãs Hoje, Solenidade da Epifania, a grande luz que irradia da Gruta de Belém, através dos Magos provenientes do Oriente, inunda a humanidade inteira. A primeira leitura, tirada do Livro do profeta Isaías, e o trecho do Evangelho de Mateus, que acabamos de ouvir, colocam um ao lado do outro a promessa e o seu cumprimento, naquela particular tensão que se encontra quando se leem em sequência trechos do Antigo e do Novo Testamento. Eis que aparece diante de nós a maravilhosa visão do profeta Isaías que, depois das humilhações padecidas pelo povo de Israel por parte das potências deste mundo, vê o momento em que a grande luz de Deus, aparentemente sem poder e incapaz de
proteger o seu povo, surgirá sobre toda a terra, de maneira que os reis das nações se inclinarão diante dele, virão de todos os confi ns da terra e depositarão aos seus pés os seus tesouros mais preciosos. Então, o coração do povo trepidará de alegria. Em comparação com esta visão, aquela que nos apresenta o evangelista Mateus parece pobre e modesta: parece-nos impossível reconhecer nela o cumprimento das palavras do profeta Isaías. Com efeito, a Belém não chegam os poderosos nem os reis da terra, mas alguns Magos, personagens desconhecidas, talvez vistas com suspeita, de qualquer maneira não dignos de atenção particular. Os habitantes de Jerusalém estão informados sobre aquilo que aconteceu, mas não consideram necessário preocupar-se, nem sequer Revista da Arquidiocese
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parece haver em Belém alguém que se interesse pelo nascimento deste Menino, chamado pelos Magos Rei dos Judeus, ou por estes homens vindos do Oriente que O vão visitar. Com efeito, pouco depois, quando o rei Herodes faz compreender quem é que efetivamente detém o poder, obrigando a Sagrada Família a fugir para o Egito e oferecendo uma prova da sua crueldade com o massacre dos inocentes (cf. Mt 2,13-18), o episódio dos Magos parece ser eliminado e esquecido. Portanto, é compreensível que o coração e a alma dos crentes de todos os séculos se sintam mais atraídos pela visão do profeta do que pela sóbria narração do evangelista, como testemunham também as representações desta visita aos nossos presépios, onde aparecem os camelos, os dromedários e os reis poderosos deste mundo que se ajoelham diante do Menino e depositam aos seus pés os seus dons em caixas preciosas. Todavia, é necessário prestar maior atenção àquilo que os dois textos nos comunicam. Na realidade, que viu Isaías com o seu olhar profético? Num só momento, ele vislumbra uma realidade destinada a marcar toda a história. Mas também o acontecimento que Revista da Arquidiocese
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Mateus nos narra não é um breve episódio insignificante, que se conclui com o regresso apressado dos Magos às suas terras. Ao contrário, é um início. Aquelas personagens provenientes do Oriente não são as últimas, mas as primeiras da grande procissão daqueles que, através de todas as épocas da história, sabem reconhecer a mensagem da estrela, sabem caminhar pelas veredas indicadas pela Sagrada Escritura e, assim, sabem encontrar Aquele que é aparentemente fraco e frágil, mas que, ao contrário, tem o poder de conferir a maior e mais profunda alegria ao coração do homem. Com efeito, nele manifesta-se a realidade maravilhosa que Deus nos conhece e está próximo de nós, que a sua grandeza e poder não se manifestam na lógica do mundo, mas na lógica de um Menino inerme, cuja força é unicamente a do amor que se confia a nós. No caminho da história, há sempre pessoas que são iluminadas pela luz da estrela, que encontram o caminho e chegam até Ele. Todas vivem, cada uma à sua maneira, a mesma experiência dos Magos. Eles levaram ouro, incenso e mirra. Sem dúvida, não são dons que correspondem às necessidades primárias ou quotidianas. Naquele
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momento, a Sagrada Família certamente teria tido mais necessidade de algo diferente do incenso e da mirra, e nem sequer o ouro podia ser-lhe imediatamente útil. Mas estes dons têm um profundo significado: são um ato de justiça. Com efeito, segundo a mentalidade em vigor nessa época no Oriente, representam o reconhecimento de uma pessoa como Deus e Rei: ou seja, são um ato de submissão. Querem dizer que a partir daquele momento os doadores pertencem ao soberano e reconhecem a sua autoridade. A consequência a que isto dá origem é imediata. Os Magos já não podem continuar pelo seu caminho, já não podem regressar para junto de Herodes, já não podem ser aliados com aquele soberano poderoso e cruel. Foram conduzidos para sempre pela senda do Menino, aquela que lhes fará ignorar os grandes e os poderosos deste mundo e que os conduzirá para Aquele que nos espera no meio dos pobres, o único caminho do amor que pode transformar o mundo. Portanto, os Magos não só se puseram a caminho, mas a partir daquele seu gesto teve início algo de novo, foi traçado um novo caminho, desceu sobre o mundo uma nova
luz que não se apagou. Realiza-se a visão do profeta: aquela luz não pode mais ser ignorada no mundo: os homens caminharão rumo àquele Menino e serão iluminados pela alegria que só Ele sabe doar. A luz de Belém continua a resplandecer no mundo inteiro. A quantos a acolheram, Santo Agostinho recorda: “Também nós, reconhecendo Cristo, nosso rei e sacerdote morto por nós, O honramos como se tivéssemos oferecido ouro, incenso e mirra; só nos falta dar testemunho dele, percorrendo um caminho diferente daquele pelo qual viemos” (Sermo 202. In Epiphania Domini, 3, 4). Por conseguinte, se lemos juntos a promessa do profeta Isaías e o seu cumprimento no Evangelho de Mateus, no grande contexto de toda a história, parece evidente que o que nos é dito e que no presépio procuramos reproduzir, não é um sonho, nem sequer um inútil jogo de sensações e de emoções, desprovidas de vigor e de realidade, mas é a Verdade que se irradia no mundo, mesmo que Herodes pareça ser sempre mais forte e aquele Menino pareça poder ser incluído entre aqueles que não têm importância, ou até espezinhado. Mas somente naquele Menino se manifesta a força de Deus, que reúne Revista da Arquidiocese
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os homens de todos os séculos, para que sob o seu senhorio percorram o caminho do amor, que transfi gura o mundo. Todavia, embora os poucos de Belém se tenham tornado muitos, os crentes em Jesus Cristo parecem ser sempre poucos. Muitos viram a estrela, mas só poucos compreenderam a sua mensagem. Os estudiosos da Escritura do tempo de Jesus conheciam perfeitamente a palavra de Deus. Eram capazes de dizer sem qualquer difi culdade o que se podia encontrar nela a respeito do lugar onde o Messias teria nascido, mas, como Santo Agostinho diz: “Aconteceu com eles como com as pedras miliárias (que indicam o caminho): enquanto davam indicações aos romeiros a caminho, eles permaneciam inertes e imóveis” (Sermo 199. In Epiphania Domini, 1, 2). Então, podemos perguntar-nos: qual é a razão pela qual alguns veem e encontram, e outros não? O que abre os olhos e o coração? O que falta àqueles que permanecem indiferentes, aos que indicam o caminho, mas não se movem? Podemos responder: a demasiada segurança em si mesmos, a pretensão de conhecer perfeitamente a realidade, a presunção de já ter formulado um juízo defi nitivo sobre as Revista da Arquidiocese
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coisas tornam os seus corações fechados e insensíveis à novidade de Deus. Sentem-se seguros da ideia do mundo que formularam para si mesmos e não se deixam abalar no seu íntimo pela aventura de um Deus que deseja encontrá-los. Depositam a sua confi ança mais em si próprios do que nele e não julgam possível que Deus seja tão grande a ponto de se poder tornar pequeno, de se poder aproximar verdadeiramente de nós. No fi nal, o que falta é a humildade autêntica, que sabe submeter-se ao que é maior, mas também a coragem genuína, que leva a crer naquilo que é verdadeiramente grande, mesmo que se manifeste num Menino inerme. Falta a capacidade evangélica de ser criança no coração, de se admirar e de sair de si mesmo para seguir o caminho indicado pela estrela, o caminho de Deus. Porém, o Senhor tem o poder de nos tornar capazes de ver e de nos salvarmos. Então, queremos pedir-lhe que nos dê um coração sábio e inocente, que nos permita ver a estrela da sua misericórdia e seguir o seu caminho, para O encontrar e ser inundados pela grande luz e pela verdadeira alegria que Ele trouxe a este mundo. Amém!
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Festa do Batismo do Senhor SANTA MISSA COM BATISMO DE 14 CRIANÇAS Capela Sistina, domingo, 10 de janeiro de 2010
Queridos irmãos e irmãs!
sépio, e que teve uma etapa importante na Epifania, quando o Messias, Na festa do Batismo do Senhor, através dos Magos, se manifestou a também este ano tenho a alegria de todas as nações. Hoje Jesus revela-se, administrar o sacramento do Batis- nas margens do Jordão, a João e ao mo a alguns recém-nascidos, que os povo de Israel. É a primeira ocasião pais apresentam à Igreja. Sede bem- em que ele, como homem maduro, vindos, queridos pais e mães destes entra no cenário público, depois de pequeninos, e vós padrinhos e ma- ter deixado Nazaré. Encontramo-lo drinhas, amigos e parentes, que os junto do Batista, que é procurado circundais. Demos graças a Deus, por um grande número de pessoque hoje chama estas sete meninas e as, num cenário insólito. No trecho estes sete meninos a tornarem-se seus evangélico, há pouco proclamado, fi lhos e acolhemo-los com alegria na São Lucas observa antes de tudo que Comunidade cristã, que a partir de o povo “esperava” (3,15). Assim, ele hoje se torna também a sua família. ressalta a expectativa de Israel, capta, Com a festa do Batismo de Jesus naquelas pessoas que tinham deixacontinua o ciclo das manifestações do do as suas casas e os compromissos Senhor, que começou no Natal com o habituais, o desejo profundo de um nascimento do Verbo encarnado em mundo diverso e de palavras novas, Belém, contemplado por Maria, José que parecem encontrar uma resposta e os pastores na humildade do pre- precisamente nas palavras severas, Revista da Arquidiocese
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empenhativas, mas cheias de esperança do Precursor. O seu é um batismo de penitência, um sinal que convida à conversão, a mudar de vida, porque aproxima Aquele que “batizará no Espírito Santo e no fogo” (3,16). De fato, não se pode aspirar por um mundo novo permanecendo imersos no egoísmo e nos costumes ligados ao pecado. Também Jesus abandona a casa e as ocupações habituais para alcançar o Jordão. Chega ao meio da multidão que está a ouvir o Batista e põe-se na fila como todos, à espera de ser batizado. João, logo que o vê aproximar-se, intui que naquele Homem há algo único, que é o misterioso Outro que esperava e para o qual estava orientada toda a sua vida. Compreende que se encontra diante de Alguém maior que ele e que não é digno nem sequer de lhe desatar a correia das sandálias. Junto do Jordão, Jesus manifesta-se com uma extraordinária humildade, que recorda a pobreza e a simplicidade do Menino colocado na manjedoura, e antecipa os sentimentos com os quais, no final dos seus dias terrenos, chegará a lavar os pés dos discípulos e sofrerá a humilhação terrível da cruz. O Filho de Deus, Aquele que é sem pecado, coloca-se entre os pecadores, mostra Revista da Arquidiocese
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a proximidade de Deus ao caminho de conversão do homem. Jesus carrega sobre os seus ombros o peso da culpa da humanidade inteira, inicia a sua missão pondo-se no nosso lugar, no lugar dos pecadores, na perspectiva da cruz. Recolhido em oração, depois do batismo, enquanto sai da água, abrem-se os céus. É o momento esperado por multidões de profetas. “Se rasgásseis os céus e descêsseis!”, tinha invocado Isaías (64,1). Neste momento, parecia sugerir São Lucas, este pedido é satisfeito. De fato, “o céu abriu-se e o Espírito Santo desceu” (3,21-22); ouviram-se palavras nunca antes pronunciadas: “Tu és o Meu Filho muito amado; em Ti pus todo o Meu enlevo” (v. 22). Jesus, saindo das águas, como afirma São Gregório de Nazianzo, “vê o céu abrir-se e separar-se, aquele céu que Adão tinha fechado para si e para toda a sua descendência” (Discurso 39 para o Batismo do Senhor, p. 36). O Pai, o Filho e o Espírito Santo descem entre os homens e revelam-nos o seu amor que salva. Se são os anjos que levam aos pastores o anúncio do nascimento do Salvador, e as estrelas aos Magos vindos do Oriente, agora é a própria voz do Pai que indica aos homens a presença no
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mundo do seu Filho e que convida a olhar para a ressurreição, para a vitória de Cristo sobre o pecado e sobre a morte. O feliz anúncio do Evangelho é o eco desta voz que desce do alto. Por isso, justamente Paulo, como ouvimos na segunda leitura, escreve a Tito: “Porque a graça de Deus, fonte de salvação, manifestou-se a todos os homens” (2, 11). De fato, o Evangelho é para nós graça que dá alegria e sentido à vida. Ela, prossegue o Apóstolo, “ensina-nos a renunciar à impiedade e aos desejos mundanos, a fim de que vivamos no século presente com toda a sobriedade, justiça e piedade” (v. 12); isto é, conduz-nos para uma vida mais feliz, mais bela, mais solidária, para uma vida segundo Deus. Podemos dizer que também para estas crianças hoje se abrem os céus. Elas receberão o dom da graça do Batismo e o Espírito Santo habitará neles num templo, transformando em profundidade o seu coração. A partir deste momento, a voz do Pai chamará também a eles para serem seus filhos em Cristo e, na sua família que é a Igreja, concederá a cada um o dom sublime da fé. Este dom, agora que não têm a possibilidade de compreender plenamente, será colocado no seu
coração como uma semente cheia de vida, que espera desenvolver-se e dar fruto. Hoje são batizados na fé da Igreja, professada pelos pais, pelos padrinhos e pelas madrinhas e pelos cristãos presentes, que depois os conduzirão pela mão no seguimento de Cristo. O rito do Batismo traz à memória com insistência o tema da fé já no início, quando o Celebrante recorda aos pais que pedindo o batismo para os próprios filhos, assumem o compromisso de os “educar na fé”. Esta tarefa é recordada de modo ainda mais forte aos pais e padrinhos na terceira parte da celebração, que começa com as palavras que lhe são dirigidas: “Compete a vós educá-los na fé para que a vida divina que recebem em dom seja preservada do pecado e cresça dia após dia. Portanto, se em virtude da vossa fé, estais prontos a assumir este compromisso... fazei a vossa profissão em Cristo Jesus. É na fé da Igreja que os vossos filhos são batizados”. Estas palavras do rito sugerem que, de qualquer forma, a profissão de fé e a renúncia ao pecado por parte dos pais, dos padrinhos e madrinhas representam a premissa necessária para que a Igreja confira o Batismo aos seus filhos. Imediatamente antes da infusão Revista da Arquidiocese
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da água sobre a cabeça do recémnascido há depois mais uma chamada à fé. O celebrante faz uma última pergunta: “Quereis que vosso filho receba o Batismo na fé da Igreja, que todos juntos professamos?”. E só após a sua resposta afirmativa é administrado o Sacramento. Também nos ritos explicativos – unção com o crisma, entrega da veste branca e do círio aceso, gesto do “effeta” – a fé representa o tema central. “Preocupai-vos – diz a fórmula que acompanha a entrega do círio – por que os vossos filhos... vivam sempre como filhos da luz; e perseverando na fé, vão ao encontro do Senhor que vem”; “O Senhor Jesus – afirma ainda o Celebrante no rito do ‘effeta’ – te conceda ouvir depressa a sua palavra, e professar a tua fé, para louvor e glória de Deus Pai”. Depois, tudo é coroado pela bênção final que recorda ainda aos pais o seu compromisso de serem para os filhos “as primeiras testemunhas da fé”. Queridos amigos, hoje para estas crianças é um dia grandioso. Com o Batismo, elas, tendo-se tornado partícipes da morte e ressurreição de Cristo, iniciam com ele a aventura jubilosa e exaltante do discípulo. A liturgia apresenta-a como uma Revista da Arquidiocese
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experiência de luz. De fato, entregando a cada um a vela acesa no círio pascal, a Igreja afirma: “Recebei a luz de Cristo!”. É o Batismo que ilumina com a luz de Cristo, que abre os olhos ao seu esplendor e introduz no mistério de Deus através da luz divina da fé. Sob esta luz deverão caminhar por toda a vida as crianças que estão para serem batizadas, ajudadas pelas palavras e pelo exemplo dos pais, dos padrinhos e das madrinhas. Eles deverão comprometer-se a alimentar com as palavras e com o testemunho da sua vida as chamas da fé das crianças, para que possa resplandecer neste mundo, que com frequência anda errante nas trevas da dúvida, e levar a luz do Evangelho que é vida e esperança. Só assim, quando forem adultos, poderão pronunciar com plena consciência a fórmula colocada no final da profissão de fé. Esta é a fé da Igreja. E nós alegramo-nos por professá-la em nosso Senhor Jesus Cristo. Também nos nossos dias a fé é um dom que se deve redescobrir, cultivar e testemunhar. Com esta celebração do Batismo, o Senhor conceda a cada um de nós viver a beleza e a alegria de sermos cristãos, para que possamos introduzir
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as crianças batizadas na plenitude da adesão a Cristo. Confi emos estas crianças à intercessão materna da Virgem Maria. Peçamos-lhe que, revestidos com a veste bran-
ca, sinal da sua nova dignidade de fi lhos de Deus, durante toda a sua vida sejam discípulos fi éis de Cristo e testemunhas corajosas do Evangelho. Amém.
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Semana de Oração pela Unidade dos Cristão CELEBRAÇÃO DAS VÉSPERAS NA FESTA DA CONVERSÃO DE SÃO PAULO APÓSTOLO Basílica de São Paulo Fora dos Muros, 25 de janeiro de 2010 Queridos irmãos e irmãs!
desde quando se concluiu o Ano dedicado a São Paulo, que nos ofeReunidos em fraterna assem- receu a possibilidade de aprofunbleia litúrgica, na festa da conver- dar a sua extraordinária obra de são do apóstolo Paulo, concluímos pregador do Evangelho e, como hoje a anual Semana de Oração nos recordou o tema da Semana pela Unidade dos Cristãos. Gosta- de oração pela unidade dos crisria de saudar todos vós com afeto tãos – “Disto vós sois testemunhas” e, em particular, o Cardeal Walter (Lc 24,48) – a nossa chamada a ser Kasper, Presidente do Pontifício missionários do Evangelho. Paulo, Conselho para a Promoção da Uni- mesmo guardando uma memória dade dos Cristãos, e o Arcipreste viva e intensa do próprio passado desta Basílica, D. Francesco Monte- de perseguidor dos cristãos, não risi, com o Abade e com a Comuni- hesita em chamar-se Apóstolo. O dade dos monges, que nos hospe- fundamento deste título é, para dam. Dirij o de igual modo o meu ele, o encontro com o Ressuscitacordial pensamento aos Senhores do no caminho de Damasco, que Cardeais presentes, aos Bispos e a se torna também o início de uma todos os representantes das Igrejas incansável atividade missionária, e das Comunidades eclesiais da Ci- na qual empregara toda a sua enerdade, aqui reunidos. gia para anunciar a todas as nações Não passaram muitos meses aquele Cristo que tinha encontrado Revista da Arquidiocese
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pessoalmente. Assim Paulo, de perseguidor da Igreja, tornar-se-á ele mesmo vítima de perseguição por causa do Evangelho do qual dava testemunho: “Cinco vezes recebi dos judeus os quarenta açoites menos um; três vezes fui açoitado com varas, uma vez apedrejado... Viagens sem conta, exposto a perigos nos rios, perigos de salteadores, perigos da parte dos meus concidadãos, perigos dos pagãos, perigos na cidade, perigos no deserto, perigos no mar, perigos entre os falsos irmãos. Trabalhos e fadigas, repetidas vigílias, com fome e sede, frequentes jejuns, frio e nudez! E, além de tudo isto, a minha obsessão de cada dia: cuidado de todas as Igrejas” (2Cor 11,24-25.26-28). O testemunho de Paulo alcançará o ápice no seu martírio quando, precisamente perto deste lugar, dará provas da sua fé em Cristo que vence a morte. A dinâmica presente na experiência de Paulo é a mesma que encontramos na página do Evangelho que acabamos de ouvir. Os discípulos de Emaús, depois de terem reconhecido o Senhor ressuscitado, voltam para Jerusalém e encontram os Onze reunidos juntamente com os outros. Cristo ressuscitado apareceRevista da Arquidiocese
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lhes, conforta-os, vence o seu temor, e as suas dúvidas, senta-se com eles à mesa e abre o seu coração à inteligência das Escrituras, recordando quanto devia acontecer e que constituirá o núcleo central do anúncio cristão. Jesus afirma: “Assim está escrito que o Messias havia de sofrer e ressuscitar dentre os mortos ao terceiro dia, que havia de ser pregado, em Seu nome, o arrependimento e a remissão dos pecados de todas as nações, começando por Jerusalém” (Lc 24, 46-47). Estes são os acontecimentos dos quais darão testemunho antes de tudo os discípulos da primeira hora e, em seguida, os crentes em Cristo de todos os tempos e lugares. Por isso, é importante ressaltar que este testemunho, então como hoje, nasce do encontro com o Ressuscitado, alimenta-se da relação constante com Ele, é animada do amor profundo para com Ele. Só quem fez experiência de sentir Cristo presente e vivo – “Vede as Minhas mãos e os Meus pés; sou Eu mesmo” (Lc 24, 39) – de sentar-se à mesa com Ele, ouvi-lo para que faça arder o coração, pode ser Sua testemunha! Por isso, Jesus promete aos discípulos e a cada um de nós uma assistência poderosa do alto, uma nova presença, a do Espírito Santo,
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dom de Cristo ressuscitado, que nos guia para a verdade total: “E eu vou mandar sobre vós O que Meu Pai prometeu” (Lc 24, 49). Os Onze empregarão toda a sua vida no anúncio da boa nova da morte e ressurreição do Senhor e quase todos selarão o seu testemunho com o sangue do martírio, semente fecunda que produziu uma colheita abundante. A escolha do tema da Semana de oração pela unidade dos cristãos deste ano, ou seja, o convite a dar um testemunho comum de Cristo ressuscitado segundo o mandamento que Ele confiou aos discípulos, está relacionada com a recordação do centésimo aniversário da Conferência missionária de Edimburgo na Escócia, que é considerado por muitos como um acontecimento determinante para o nascimento do movimento ecumênico moderno. No Verão de 1910, na capital escocesa encontraram-se mais de mil missionários, pertencentes a diversos ramos do Pentecostalismo e do Anglicanismo, aos quais se uniu um hóspede ortodoxo, para refletir juntos sobre a necessidade de alcançar a unidade para anunciar credivelmente o Evangelho de Jesus Cristo. De fato, é precisamente o desejo de anunciar Cristo aos outros e de
levar ao mundo a sua mensagem de reconciliação que faz experimentar a contradição da divisão dos cristãos. De fato, como poderão os incrédulos acolher o anúncio do Evangelho se os cristãos, mesmo se todos se referem ao mesmo Cristo, estão em desacordo entre eles? De resto, como sabemos, o próprio Mestre, no final da Última Ceia, tinha rezado ao Pai pelos seus discípulos: “Para que todos sejam um só... para que o mundo creia” (Jo 17, 21). A comunhão e a unidade dos discípulos de Cristo é, por conseguinte, condição particularmente importante para uma maior credibilidade e eficácia do seu testemunho. Um século após o acontecimento de Edimburgo, a intuição destes corajosos precursores ainda é muito atual. Num mundo marcado pela indiferença religiosa, e até por uma crescente aversão em relação à fé cristã, é necessária uma nova e intensa atividade de evangelização, não só entre os povos que nunca conheceram o Evangelho, mas também entre os quais o Cristianismo se difundiu e faz parte da sua história. Não faltam, infelizmente, questões que nos separam uns dos outros e que desejamos possam ser superadas através da oração e do diálogo, Revista da Arquidiocese
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mas há um conteúdo central da mensagem de Cristo que podemos anunciar juntos: a paternidade de Deus, a vitória de Cristo sobre o pecado e sobre a morte com a sua cruz e ressurreição, a confi ança na ação transformadora do Espírito. Enquanto estamos a caminho rumo à plena comunhão, somos chamados a oferecer um testemunho comum face aos desafi os cada vez mais complexos do nosso tempo, como a secularização e a indiferença, o relativismo e o hedonismo, os delicados temas éticos relativos ao princípio e ao fi m da vida, os limites da ciência e da tecnologia, o diálogo com as outras tradições religiosas. Existem depois ulteriores âmbitos nos quais devemos desde já dar um testemunho comum: a salvaguarda da Criação, a promoção do bem comum e da paz, a defesa da centralidade da pessoa humana, o compromisso para pôr fi m às misérias do nosso tempo,
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como a fome, a indigência, o analfabetismo, a desigualdade na distribuição dos bens. O compromisso pela unidade dos cristãos não é tarefa só de alguns, nem atividade acessória para a vida da Igreja. Todos são chamados a contribuir para dar aqueles passos que conduzam rumo à comunhão plena entre todos os discípulos de Cristo, sem jamais esquecer que ela é antes de tudo dom de Deus que deve ser invocado constantemente. De fato, a força que promove a unidade e a missão brota do encontro fecundo e apaixonante com o Ressuscitado, como aconteceu com São Paulo no caminho de Damasco e com os Onze e os outros discípulos reunidos em Jerusalém. A Virgem Maria, Mãe da Igreja, faça com que se possa realizar quanto antes o desejo do Seu Filho: “Para que todos sejam um só... para que o mundo creia” (Jo 17,21).
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14º Dia Mundial da Vida Consagrada CELEBRAÇÃO DAS VÉSPERAS NA FESTA DA APRESENTAÇÃO DO SENHOR Basílica Vaticana, terça-feira, 2 de fevereiro de 2010 Queridos irmãos e irmãs!
vação” da humanidade, como “luz” de todos os povos e “sinal de conNa festa da Apresentação de Je- tradição”, porque revelará os pensasus no Templo celebramos um mis- mentos dos corações (cf. Lc 2,29-35). tério da vida de Cristo, ligado ao No Oriente esta festa era chamada preceito da lei moisaica que prescre- Hypapante, festa do encontro: com via aos pais, quarenta dias depois efeito, Simeão e Ana, que encontram do nascimento do primogênito, de Jesus no Templo e reconhecem n'Ele subir ao Templo de Jerusalém para o Messias tão esperado, represenoferecer o seu fi lho ao Senhor e para tam a humanidade que encontra o a purifi cação ritual da mãe (cf. Êx seu Senhor na Igreja. Sucessivamen13,1-2.11-16; Lv 12, 1-8). Também te, esta festa expandiu-se também ao Maria e José cumprem este rito, ofe- Ocidente, desenvolvendo sobretudo recendo – segundo a lei – um casal o símbolo da luz, e a procissão com de rolas ou de pombas. Lendo as as velas, que deu origem à palavra coisas mais em profundidade, com- “Candelora”. Com este sinal visível preendemos que naquele momento pretende-se signifi car que a Igreja é o próprio Deus quem apresenta encontra na fé Aquele que é “a luz o seu Filho Unigênito aos homens, dos homens” e acolhe-o com todo o mediante as palavras do velho Si- arrebatamento da sua fé para levar meão e da profetiza Ana. De fato, esta “luz” ao mundo. Simeão proclama Jesus como “salEm concomitância com esta festa Revista da Arquidiocese
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litúrgica, o Venerável João Paulo II, a partir de 1997, quis que fosse celebrado em toda a Igreja um Dia Especial da Vida Consagrada. Com efeito, a oblação do Filho de Deus – simbolizada pela sua apresentação no Templo – é modelo para cada homem e mulher que consagra toda a própria vida ao Senhor. Tríplice é a finalidade deste Dia: antes de tudo, louvar e agradecer ao Senhor pelo dom da vida consagrada; em segundo lugar, promover o seu conhecimento e a estima por parte de todo o Povo de Deus; por fim, convidar quantos dedicaram plenamente a própria vida à causa do Evangelho, a celebrar as maravilhas que o Senhor realizou neles. Ao agradecer-vos por terdes vindo aqui tão numerosos, neste dia a vós particularmente dedicado, desejo saudar com grande afeto cada um de vós: religiosos, religiosas e pessoas consagradas, expressandovos cordial proximidade e vivo apreço pelo bem que realizais ao serviço do Povo de Deus. A breve leitura tirada da Carta aos Hebreus, que há pouco foi proclamada, une bem os motivos que estão na origem desta significativa e bonita celebração e oferece-nos alguns temas de reflexão. Este texto – trata-se de dois versículos, mas Revista da Arquidiocese
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muito densos – abre a segunda parte da Carta aos Hebreus, introduzindo o tema central de Cristo sumo sacerdote. Verdadeiramente seria necessário considerar também o versículo imediatamente precedente, que diz: “Tendo, pois, um Sumo Sacerdote que penetrou nos Céus, Jesus, o Filho de Deus, conservemos firme a fé que professamos” (Hb 4,14). Este versículo mostra Jesus que sobe para o Pai; o seguinte apresenta-o enquanto desce em direção aos homens. Cristo é apresentado como o Mediador: é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, por isso pertence realmente ao mundo divino e ao humano. Na realidade, é precisamente e só a partir desta fé, desta profissão de fé em Jesus Cristo, o Mediador único e definitivo, que tem sentido uma vida consagrada na Igreja, uma vida consagrada a Deus mediante Cristo. Só tem sentido se Ele é verdadeiramente mediador entre Deus e nós, de outro modo tratar-se-ia apenas de uma forma de sublimação ou de evasão. Se Cristo não fosse verdadeiramente Deus, e não fosse, ao mesmo tempo, plenamente homem, faltaria o fundamento da vida cristã como tal mas, de modo totalmente particular, faltaria o fundamento de
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qualquer consagração cristã do homem e da mulher. De fato, a vida consagrada testemunha e exprime de modo “forte” precisamente o recíproco procurar-se de Deus e do homem, o amor que os atrai; a pessoa consagrada, pelo próprio fato de existir, representa como que uma “ponte” rumo a Deus para quantos a encontram, uma chamada, um reenvio. E tudo isto em virtude da mediação de Jesus Cristo, o Consagrado do Pai. O fundamento é Ele! Ele, que partilhou a nossa fragilidade, para que pudéssemos participar da sua natureza divina. O nosso texto insiste, mais do que sobre a fé, sobre a “confiança” com a qual podemos aproximar-nos do “trono da graça”, dado que o nosso sumo sacerdote foi Ele mesmo “posto à prova em todas as coisas como nós”. Podemos aproximar-nos para “receber misericórdia”, “encontrar graça”, e para “ser ajudados no momento oportuno”. Parece-me que estas palavras contenham uma grande verdade e ao mesmo tempo um grande conforto para nós que recebemos o dom e o compromisso de uma especial consagração na Igreja. Penso em particular em vós, queridas irmãs e irmãos. Vós aproximastes-vos com plena confiança
do "trono da graça" que é Cristo, da sua Cruz, do seu Coração, da sua divina presença na Eucaristia. Cada um de vós se aproximou d'Ele como da fonte do Amor puro e fiel, um Amor tão grande e belo que merece tudo, aliás, mais que o nosso tudo, porque não é suficiente uma vida inteira para retribuir o que Cristo é e o que fez por nós. Mas vós aproximastes-vos, e todos os dias vos abeirais d'Ele, também para serdes ajudados no momento oportuno e na hora da provação. As pessoas consagradas são chamadas de modo particular a serem testemunhas desta misericórdia do Senhor, na qual o homem encontra a própria salvação. Elas mantêm viva a experiência do perdão de Deus, porque têm a consciência de serem pessoas salvas, de serem grandes quando se reconhecem pequenas, de se sentirem renovadas e envolvidas pela santidade de Deus quando reconhecem o próprio pecado. Por isso, também para o homem de hoje, a vida consagrada permanece uma escola privilegiada da “contrição do coração”, do reconhecimento humilde da própria miséria mas, de igual modo, permanece uma escola da confiança na misericórdia de Deus, no seu amor que nunca nos abandona. Na realidade, Revista da Arquidiocese
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quanto mais nos aproximamos de Deus, quanto mais nos aproximamos d'Ele, tanto mais somos úteis aos outros. As pessoas consagradas experimentam a graça, a misericórdia e o perdão de Deus não só para si, mas também para os irmãos, sendo chamadas a levar no coração e na oração as angústias e as expectativas dos homens, sobretudo dos que estão distantes de Deus. Em particular, as comunidades que vivem na clausura, com o seu compromisso específico de fidelidade no “estar com o Senhor”, no “estar sob a cruz”, desempenham com frequência este papel vigário, unidas ao Cristo da Paixão, assumindo sobre si os sofrimentos e as provas dos outros e oferecendo com alegria todas as coisas para a salvação do mundo. Por fim, queridos amigos, queremos elevar ao Senhor um hino de agradecimento e de louvor pela própria vida consagrada. Se ela não existisse, como seria mais pobre o mundo! Deixando de lado as avaliações superficiais de funcionalismo, a vida consagrada é importante precisamente pelo seu ser superabundância de gratuidade e de amor, o que se torna ainda mais verdadeiro num mundo que corre o risco de ficar sufocado na vertigem do efêmero Revista da Arquidiocese
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(cf. Exortação Apostólica Pós-Sinodal Vita consecrata, 105). A vida consagrada, ao contrário, testemunha a superabundância do amor que estimula a “perder” a própria vida, como resposta à superabundância de amor do Senhor, que foi o primeiro a “perder” a sua vida por nós. Neste momento penso nas pessoas consagradas que sentem o peso da fadiga quotidiana escassa de gratificações humanas, penso nos religiosos e nas religiosas idosos, doentes, em quantos se sentem em dificuldade no seu apostolado... Nenhum deles é inútil, porque o Senhor os associa ao “trono da graça”. São, ao contrário, um dom precioso para a Igreja e para o mundo, sequioso de Deus e da sua Palavra. Cheios de confiança e de reconhecimento, renovamos, portanto, também nós o gesto da oferta total de nós próprios apresentando-nos no Templo. O Ano sacerdotal seja uma ulterior ocasião, para os religiosos presbíteros, para intensificar o caminho de santificação e, para todos os consagrados e consagradas, um estímulo a acompanhar e apoiar o seu ministério com uma oração fervorosa. Este ano de graça terá um momento culminante em Roma, no próximo mês de
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junho, no encontro internacional dos sacerdotes, para o qual convido quantos exercem o Sagrado Ministério. Aproximemo-nos do Deus três vezes Santo, para oferecer a nossa vida e a nossa missão, pessoal e comunitária, de homens e mulheres consagrados ao Reino de Deus. Cumpramos este gesto interior em profunda comunhão espiritual com a Virgem Maria:
enquanto a contemplamos no ato de apresentar o Jesus Menino no Templo, veneramo-la como primeira e perfeita consagrada, levada por aquele Deus que toma nos braços; Virgem, pobre e obediente, toda dedicada a nós, porque toda de Deus. Na sua escola, e com a sua ajuda materna, renovemos o nosso “eis-me” e o nosso “fiat”. Amém.
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Estação e Procissão Penitencial SANTA MISSA, BÊNÇÃO E IMPOSIÇÃO DAS CINZAS Basílica de Santa Sabina, Quarta-feira de Cinzas, 17 de fevereiro de 2010
“Tendes compaixão de todos, Senhor... Não aborreceis nada do que fizestes... não olhais para os pecados dos homens a fim de os trazer à penitência... Mas perdoais a todos, porque todos são vossos, ó Senhor nosso Deus” (Antífona da entrada). Venerados Irmãos no Episcopado Queridos irmãos e irmãs Com esta comovedora invocação, tirada do Livro da Sabedoria (cf. 11, 23-26), a liturgia introduz a celebração eucarística da Quartafeira de Cinzas. São palavras que, de certa forma, abrem todo o itinerário quaresmal, pondo como seu fundamento a onipotência do amor de Deus, o seu absoluto senhorio sobre todas as criaturas, que
se traduz em indulgência infi nita, animada por constante e universal vontade de vida. De fato, perdoar alguém equivale a dizer-lhe: não quero que tu morras, mas que vivas; desejo sempre e só o teu bem. Esta certeza absoluta apoiou Jesus durante os quarenta dias transcorridos no deserto da Judeia, depois do batismo recebido de João no Jordão. Aquele longo tempo de silêncio e de jejum foi para Ele um abandonar-se completamente ao Pai e ao seu desígnio de amor; foi ele mesmo um “batismo”, isto é, uma “imersão” na sua vontade, e neste sentido uma antecipação da Paixão e da Cruz. Adentrar-se no deserto e permanecer nele por muito tempo, sozinho, signifi cava expor-se voluntariamente aos assaltos do inimigo, o tentador que fez Revista da Arquidiocese
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cair Adão e por cuja inveja a morte entrou no mundo (cf. Sb 2,24); significava travar com ele a batalha em campo aberto, desafiá-lo sem outras armas a não ser a confiança ilimitada no amor onipotente do Pai. Basta-me o teu amor, alimentome com a tua vontade (cf. Jo 4,34): esta convicção habitava na mente e no coração de Jesus durante aquela sua “quaresma”. Não foi um ato de orgulho, um empreendimento titânico, mas uma escolha de humildade, coerente com a Encarnação e com o batismo no Jordão, em continuidade com a obediência ao amor misericordioso do Pai, que “amou de tal modo o mundo que lhe deu o Seu Filho único” (Jo 3,16). O Senhor Jesus fez tudo isto por nós. Fê-lo para nos salvar, e ao mesmo tempo para nos mostrar o caminho para o seguir. De fato, a salvação é dom, é graça de Deus, mas para fazer efeito na minha existência exige o meu consentimento, um acolhimento demonstrado nos fatos, ou seja, na vontade de viver como Jesus, de caminhar atrás d'Ele. Seguir Jesus no deserto quaresmal é por conseguinte condição necessária para participar na sua Páscoa, no seu “êxodo”. Adão foi afastado do Paraíso terrestre, Revista da Arquidiocese
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símbolo da comunhão com Deus; agora, para voltar a esta comunhão e, portanto, à verdadeira vida, a vida eterna, é preciso atravessar o deserto, a prova da fé. Não sozinhos, mas com Jesus! Ele – como sempre – precedeu-nos e já venceu o combate contra o espírito do mal. Eis o sentido da Quaresma, tempo litúrgico que todos os anos nos convida a renovar a opção de seguir Cristo pelo caminho da humildade para participar na sua vitória sobre o pecado e sobre a morte. Nesta perspectiva, compreendese também o sinal penitencial das Cinzas, que são impostas sobre a cabeça de quantos iniciam com boa vontade o itinerário quaresmal. Essencialmente é um gesto de humildade, que significa: reconheço-me por aquilo que sou, uma criatura frágil, feita de terra e destinada à terra, mas também feita à imagem de Deus e destinada a Ele. Pó, sim, mas amado, plasmado pelo seu amor, animado pelo seu sopro vital, capaz de reconhecer a sua voz e de lhe responder; livre e, por isto, também capaz de lhe desobedecer, cedendo à tentação do orgulho e da autosuficiência. Eis o pecado, doença mortal que muito depressa começou a poluir a terra abençoada
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que é o ser humano. Criado à imagem do Santo e do Justo, o homem perdeu a própria inocência e agora só pode voltar a ser justo graças à justiça de Deus, a justiça do amor que – como escreve São Paulo – “se manifesta por meio da fé em Cristo” (Rm 3,22). Inspirei-me nestas palavras do Apóstolo para a minha Mensagem, dirigida a todos os fiéis por ocasião desta Quaresma: uma reflexão sobre o tema da justiça à luz das Sagradas Escrituras e do seu cumprimento em Cristo. Também nas leituras bíblicas da Quarta-Feira de Cinzas está muito presente o tema da justiça. Em primeiro lugar, a página do profeta Joel e o Salmo responsorial – o Miserere – formam um dístico penitencial, que evidencia como na origem de cada injustiça material e social existe aquilo que a Bíblia denomina "iniquidade", ou seja o pecado, que consiste fundamentalmente numa desobediência a Deus, quer dizer, numa falta de amor. “Reconheço – confessa o Salmista – de verdade as minhas culpas / o meu pecado está sempre diante de mim. / Contra Vós apenas é que eu pequei / pratiquei o mal perante os vossos olhos” (Sl 50 [51] 5-6). Portanto, o primeiro ato de justiça consiste em reconhe-
cer a própria iniquidade e admitir que ela está arraigada no “coração”, no próprio cerne da pessoa humana. Os “jejuns”, os “prantos” e as “lamentações” (cf. Jl 2, 12) e cada expressão penitencial tem valor aos olhos de Deus, só se for sinal de corações sinceramente arrependidos. Também o Evangelho, tirado do “sermão da montanha”, insiste sobre a exigência de praticar a própria “justiça” – esmola, oração e jejum – não diante dos homens, mas unicamente aos olhos de Deus, que “vê o segredo” (cf. Mt 6,1-6.16-18). A verdadeira “recompensa” não é a admiração dos outros, mas a amizade com Deus e a graça que dela deriva, uma graça que confere paz e força de realizar o bem, de amar até quem não merece, de perdoar quem nos ofendeu. A segunda leitura, o apelo de Paulo a deixar-se reconciliar com Deus (cf. 2Cor 5,20), contém um dos célebres paradoxos paulinos, que remete toda a reflexão sobre a justiça ao mistério de Cristo. São Paulo escreve: “Aquele que não havia conhecido o pecado – ou seja, o seu Filho que se fez homem – Deus O fez pecado por nós, para que nele nos tornássemos justiça de Deus” (2Cor 5,21). No Coração de Cristo, isto é, no âmago da Revista da Arquidiocese
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sua Pessoa divino-humana, desenrolou-se de maneira decisiva e defi nitiva todo o drama da liberdade. Deus levou às extremas consequências o seu desígnio de salvação, permanecendo fi el ao seu amor, mesmo à custa de entregar o seu Filho unigênito à morte, e morte de Cruz. Como escrevi na Mensagem quaresmal, “é aqui que se descerra a justiça divina, profundamente diferente da justiça humana... Graças à ação de Cristo, podemos entrar na justiça ‘maior’, que é a do amor (cf. Rm 13,8-10)”.
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Estimados irmãos e irmãs, a Quaresma amplia o nosso horizonte, orienta-nos para a vida eterna. Estamos em peregrinação nesta terra, “não temos aqui uma cidade permanente, mas vamos em busca da futura” (Hb 13,14). A Quaresma faz compreender a relatividade dos bens desta terra e assim tornanos capazes de fazer as renúncias necessárias, livres para realizar o bem. Abramos a terra à luz do Céu, à presença de Deus no meio de nós. Amém!
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Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor 25ª JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE Praça de São Pedro, 28 de março de 2010
Amados irmãos e irmãs Queridos jovens!
Mundial da Juventude, que ser cristãos é um caminho, ou melhor: uma peregrinação, um ir juntamenO Evangelho da bênção dos ra- te com Jesus Cristo. Um ir naquela mos, que ouvimos aqui reunidos direção que Ele nos indicou e nos na Praça de São Pedro, começa com indica. a frase: “Jesus seguiu para diante, Mas de qual direção se trata? em direção a Jerusalém” (Lc 19,28). Como se encontra? A frase do nosso Logo no início da liturgia deste dia, Evangelho oferece duas indicações a Igreja antecipa a sua resposta ao a este propósito. Em primeiro lugar Evangelho, dizendo: “Sigamos o diz que se trata de uma subida. Isto Senhor”. Com isto o tema do Do- tem antes de tudo um signifi cado mingo de Ramos é claramente ex- muito concreto. Jericó, onde teve inípresso. É o seguimento. Ser cristãos cio a última parte da peregrinação signifi ca considerar o caminho de de Jesus, encontra-se a 250 metros Jesus Cristo como o caminho justo sob o nível do mar, enquanto que Jepara o ser homens – como aquele rusalém – a meta do caminho – está caminho que conduz à meta, a uma a 740-780 metros acima do nível do humanidade plenamente realizada mar: uma subida de quase mil mee autêntica. De modo particular, tros. Mas este caminho exterior é, gostaria de repetir a todos os jo- sobretudo, uma imagem do movivens e moças, nesta XXV Jornada mento interior da existência, que se Revista da Arquidiocese
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realiza no seguimento de Cristo: é uma subida à verdadeira altura do ser homens. O homem pode escolher um caminho confortável e afastar qualquer fadiga. Pode também orientar-se para baixo, para o vulgar. Pode precipitar no pântano da mentira e da desonestidade. Jesus caminha diante de nós, e vai para o alto. Ele conduz-nos para o que é grande, puro, conduz-nos para o ar saudável das alturas: para a vida segundo a verdade; para a coragem que não se deixa atemorizar pelas tagarelices das opiniões dominantes; para a paciência que suporta e apoia o outro. Ele conduz para a disponibilidade em relação aos sofredores, aos abandonados; para a fidelidade que está da parte do outro também quando a situação se torna difícil. Conduz para a disponibilidade a dar ajuda; para a bondade que não se deixa desarmar nem sequer pela ingratidão. Ele conduz-nos para o amor – conduz-nos para Deus. “Jesus seguiu em diante, em direção a Jerusalém”. Se lermos esta palavra do Evangelho no contexto do caminho de Jesus no seu conjunto – um caminho que, precisamente, prossegue até ao fim dos tempos – podemos descobrir na indicação da meta “Jerusalém” diversos níveis. Revista da Arquidiocese
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Antes de tudo deve entender-se naturalmente só o lugar “Jerusalém”: é a cidade na qual se encontrava o Templo de Deus, cuja unicidade devia aludir à unicidade do próprio Deus. Portanto, este lugar anuncia antes de tudo duas coisas: por um lado diz que Deus é um só em todo o mundo, supera imensamente todos os nossos lugares e tempos; é aquele Deus ao qual pertence toda a criação. É o Deus do qual todos os homens no mais profundo andam à procura e do qual de certa forma todos têm também conhecimento. Mas este Deus deu-se um nome. Deu-se a conhecer a nós, deu início a uma história com os homens; escolheu um homem – Abraão – como ponto de partida desta história. O Deus infinito é ao mesmo tempo o Deus próximo. Ele, que não pode ser encerrado em edifício algum, deseja, contudo, habitar entre nós, estar totalmente conosco. Se Jesus juntamente com Israel peregrinante sobe a Jerusalém, é para celebrar com Israel a Páscoa: o memorial da libertação de Israel memorial que, ao mesmo tempo, é sempre esperança da liberdade definitiva, que Deus doará. E Jesus caminha para esta festa consciente de ser Ele mesmo o Cordeiro no qual
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se cumprirá o que o Livro do Êxodo diz a este propósito: um cordeiro sem mancha, varão, que é imolado ao pôr do sol, diante dos olhos dos filhos de Israel “como rito perene” (cf. Êx 12,5-6.14). E por fim Jesus sabe que a sua vida irá além: não terá na cruz o seu fim. Sabe que a sua vida arrancará o véu entre este mundo e o mundo de Deus; que Ele subirá ao trono de Deus e reconciliará Deus e o homem no seu corpo. Sabe que o seu corpo ressuscitado será o novo sacrifício e o novo Templo; que em volta d'Ele, da multidão dos Anjos e dos Santos, se formará a nova Jerusalém que está no céu e, contudo, já está também na terra, porque na sua paixão Ele abriu o confim entre céu e terra. O seu caminho conduz para além do cume do monte do Templo até à altura do próprio Deus: é esta a grande subida à qual Ele convida todos nós. Ele permanece sempre conosco na terra e está sempre junto de Deus, Ele guia-nos na terra e para além dela. Assim, na amplitude da subida de Jesus tornam-se visíveis as dimensões do nosso seguimento a meta para a qual Ele nos quer conduzir: até às alturas de Deus, à comunhão com Deus, ao ser-comDeus. É esta a verdadeira meta, e
a comunhão com Ele é o caminho. A comunhão com Ele é um estar a caminho, uma subida permanente rumo à verdadeira altura da nossa chamada. Caminhar juntamente com Jesus é ao mesmo tempo um caminhar sempre no “nós” daqueles que desejam segui-l'O. Introduz-nos nesta comunidade. Dado que o caminho até à vida verdadeira, até um ser homens conformes com o modelo do Filho de Deus, Jesus Cristo, supera as nossas próprias forças, este caminhar é sempre também um ser guiados. Encontramo-nos, por assim dizer, num grupo com Jesus Cristo – juntamente com Ele na subida rumo às alturas de Deus. Ele atrai-nos e ampara-nos. Faz parte do seguimento de Cristo que nos deixemos integrar neste grupo; que aceitemos que sozinhos não o conseguimos. Faz parte dele este ato de humildade, o entrar no “nós” da Igreja; o unir-se ao seu grupo, a responsabilidade da comunhão – não romper a corda com a teimosia e o pedantismo. O crer humilde com a Igreja, como o estar atados ao grupo da subida para Deus, é uma condição essencial do seguimento. Deste estar no conjunto do grupo faz parte também o não se comportar como donos da Palavra de Deus, Revista da Arquidiocese
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não correr atrás de uma ideia errada de emancipação. A humildade do “estar-com” é essencial para a subida. Também faz parte dela que nos Sacramentos nos deixemos sempre guiar de novo pela mão do Senhor; que nos deixemos purificar e corroborar por Ele; que aceitemos a disciplina da subida, até se estivermos cansados. Por fim, devemos dizer ainda: a Cruz faz parte da subida para a altura de Jesus Cristo, da subida até à altura de Deus. Como nas vicissitudes deste mundo não se podem alcançar grandes resultados sem renúncia e exercitação árdua, assim como a alegria por uma grande descoberta cognoscitiva ou por uma verdadeira capacidade concreta está relacionada com a disciplina, aliás ligada à fadiga da aprendizagem, também o caminho para a própria vida, rumo à realização da própria humanidade está ligada à comunhão com Aquele que subiu à altura de Deus através da Cruz. Em última análise, a Cruz é expressão daquilo que o amor significa: só quem se perde a si mesmo, se encontra. Resumindo: o seguimento de Cristo exige como primeiro passo o despertar da nostalgia pelo auRevista da Arquidiocese
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têntico ser homens e assim despertar para Deus. Exige depois que se entre no grupo de quantos sobem, na comunhão da Igreja. No “nós” da Igreja entramos em comunhão com o “Tu” de Jesus Cristo e assim alcancemos o caminho para Deus. Além disso, é exigido que se ouça a Palavra de Jesus Cristo e que a vivamos: em fé, esperança e amor. Assim estamos a caminho rumo à Jerusalém definitiva e já desde agora, de algum modo, nos encontramos lá, na comunhão de todos os Santos de Deus. A nossa peregrinação no seguimento de Cristo não vai em direção a uma cidade terrena, mas à nova Cidade de Deus que cresce no meio deste mundo. A peregrinação para Jerusalém terrestre, contudo, pode ser precisamente também para nós cristãos um elemento útil para esta viagem maior. Eu próprio relacionei a minha peregrinação na Terra Santa do ano passado com três significados. Antes de tudo, tinha pensado que nos pode acontecer em tal ocasião o que São João diz no início da sua Primeira Carta: o que ouvimos, podemos de certo modo vê-lo e tocá-lo com as nossas mãos (cf. Jo 1,1). A fé em Jesus Cristo não é uma invenção legendária. Ela
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funda-se numa história que aconteceu realmente. Por assim dizer, nós podemos contemplar e tocar esta história. É comovedor encontrar-se em Nazaré no lugar onde o Anjo apareceu a Maria e lhe transmitiu a tarefa de se tornar a Mãe do Redentor. É comovedor ir a Belém ao lugar onde o Verbo, que se fez carne, veio habitar entre nós; pôr os pés no terreno sagrado no qual Deus quis fazer-se homem e menino. É comovedor subir a escada para o Calvário até ao lugar no qual Jesus morreu por nós na Cruz. E por fim, estar diante do sepulcro vazio; rezar onde os seus despojos santos repousaram e onde no terceiro dia se verificou a ressurreição. Seguir os caminhos exteriores de Jesus deve ajudar-nos a caminhar mais jubilosamente e com uma nova certeza pelo caminho interior que Ele nos indicou e que é Ele mesmo. Quando vamos à Terra Santa como peregrinos, também vamos lá – e este é o segundo aspecto – como mensageiros da paz, com a oração pela paz; com o convite a todos para fazer naquele lugar, que tem no nome a palavra “paz”, o possível para que ele se torne deveras um lugar de paz. Assim, esta peregrinação é ao mesmo tempo –
como terceiro aspecto – um encorajamento para os cristãos a permanecer no país das suas origens e a comprometer-se intensamente nela pela paz. Voltemos mais uma vez à liturgia do Domingo de Ramos. Na oração com a qual são abençoados os ramos de palmeira nós rezamos para que na comunhão com Cristo possamos dar o fruto de boas obras. De uma interpretação errada de São Paulo, desenvolveu-se repetidamente, durante a história e também hoje, a opinião de que as boas obras não fariam parte do ser cristãos, contudo seriam insignificantes para a salvação do homem. Mas se Paulo diz que as obras não podem justificar o homem, com isto não se opõe à importância do agir reto e, se ele fala do fim da Lei, não declara superados e irrelevantes os Dez Mandamentos. Não há necessidade agora de refletir sobre a amplitude da questão que interessava ao Apóstolo. É importante realçar que com a palavra “Lei” ele não indica os Dez Mandamentos, mas o estilo de vida complexo mediante o qual Israel se devia proteger contra as tentações do paganismo. Mas agora Cristo trouxe Deus aos pagãos. A eles não é imposta esta forma de distinção. Revista da Arquidiocese
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É-lhes dado como Lei unicamente Cristo. Mas isto significa o amor a Deus e ao próximo e tudo o que dele faz parte. Fazem parte deste amor os mandamentos lidos de modo novo e mais profundo a partir de Cristo, aqueles mandamentos que mais não são do que regras fundamentais do verdadeiro amor: antes de tudo e como princípio fundamental a adoração de Deus, a primazia de Deus, que os primeiros três Mandamentos expressam. Eles dizem-nos: sem Deus nada tem o êxito justo. Quem e como é este Deus sabemolo a partir da pessoa de Jesus Cristo. Seguem depois a santidade da família (quarto Mandamento), a santidade da vida (quinto Mandamento), o ordenamento do matrimônio (sexto Mandamento), o ordenamento social (sétimo Mandamento) e por fim a inviolabilidade da verdade (oitavo Mandamento). Tudo isto é hoje da máxima atualidade e precisamente também no sentido de São Paulo – se lermos totalmente as suas Cartas. “Dar fruto com as boas obras”: no início da Semana Santa peçamos ao Senhor que conceda cada vez mais a todos nós este fruto. No final do Evangelho para a bênção dos ramos ouvimos a aclamação com que os peregrinos saúRevista da Arquidiocese
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dam Jesus às portas de Jerusalém. É a palavra do Salmo 118 (117), que originariamente os sacerdotes da Cidade Santa proclamavam aos peregrinos, mas que, entretanto, se tinha tornado expressão da esperança messiânica: “Bendito seja Aquele que vem em nome do Senhor” (Sl 118[117], 26; Lc 19,38). Os peregrinos veem em Jesus o Esperado, que vem em nome do Senhor, aliás, segundo o Evangelho de São Lucas, inserem mais uma palavra: “Bendito seja Aquele que vem, o rei, em nome do Senhor”. E prosseguem com uma aclamação que recorda a mensagem dos Anjos no Natal, mas modificam-na de modo que faz refletir. Os Anjos tinham falado da glória de Deus no mais alto dos céus e da paz na terra para os homens de boa vontade. Os peregrinos na entrada da Cidade Santa dizem: “Paz no céu e glória nas alturas!”. Sabem muito bem que na terra não há paz. E sabem que o lugar da paz é o céu – sabem que faz parte da essência do céu ser lugar de paz. Assim esta aclamação é expressão de um sofrimento profundo e, ao mesmo tempo, é oração de esperança: Aquele que vem em nome do Senhor traga à terra o que está nos céus. A sua
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realeza torne-se a realeza de Deus, presença do céu na terra. A Igreja, antes da consagração eucarística, canta a palavra do Salmo com a qual Jesus é saudado antes da sua entrada na Cidade Santa: ela saúda Jesus como o Rei que, provindo de Deus, em nome de Deus entra no meio de nós. Também hoje esta jubilosa saudação é sempre súplica e esperança. Rezemos ao Senhor para que nos traga o céu: a glória de Deus e a paz dos homens. Entendemos esta saudação no espíri-
to do pedido do Pai Nosso: “Seja feita a tua vontade assim na terra como no céu!”. Sabemos que o céu é céu, lugar da glória e da paz, porque ali reina totalmente a vontade de Deus. E sabemos que a terra não é céu enquanto nela não se realiza a vontade de Deus. Portanto, saudemos Jesus que vem do céu e peçamos-lhe que nos ajude a conhecer e a fazer a vontade de Deus. Que a realeza de Deus entre no mundo e assim ele seja repleto com o esplendor da paz. Amém.
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Cinco anos sem João Paulo II CAPELA PAPAL NO 5º ANIVERSÁRIO DA MORTE DO ANTECESSOR DE BENTO XVI Basílica Vaticana, segunda-feira, 29 de março de 2010
Venerados Irmãos no episcopado e no sacerdócio Amados irmãos e irmãs! Estamos reunidos em volta do altar, junto do túmulo do Apóstolo Pedro, para oferecer o Sacrifício eucarístico em sufrágio da alma eleita do Venerável João Paulo II, no quinto aniversário da sua morte. Fazemo-lo com alguns dias de antecedência, porque o dia 2 de abril este ano coincide com a Sexta-feira Santa. Contudo, estamos na Semana Santa, contexto muito propício para o recolhimento e a oração, no qual a Liturgia nos faz reviver mais intensamente os últimos dias da vida terrena de Jesus. Desejo expressar o meu reconhecimento a todos vós que participais nesta Santa Missa. Saúdo cordialmente
os Cardeais – de modo especial o Arcebispo Stanislaw Dziwisz – os Bispos, os sacerdotes, os religiosos e as religiosas; assim como os peregrinos que vieram de propósito da Polônia, os numerosos jovens e fi éis que não quiseram faltar a esta Celebração. Na primeira leitura bíblica que foi proclamada, o profeta Isaías apresenta a fi gura de um “Servo de Deus”, que é ao mesmo tempo o seu eleito, no qual ele se apraz. O Servo agirá com fi rmeza inabalável, com uma energia que nunca esmorece enquanto ele não realizar a tarefa que lhe foi confi ada. Mas, não terá à sua disposição aqueles meios humanos que parecem indispensáveis para a atuação de um plano tão grandioso. Ele apresentar-se-á com a força da convicção, e será o Revista da Arquidiocese
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Espírito que Deus lhe conferiu que lhe dará a capacidade de agir com mansidão e com vigor, garantindolhe o sucesso final. Quanto o profeta inspirado diz do Servo, podemos aplicá-lo ao amado João Paulo II: o Senhor chamou-o ao seu serviço e, ao confiar-lhe tarefas cada vez de maior responsabilidade, acompanhou-o também com a sua graça e com a sua contínua assistência. Durante o seu longo Pontificado, ele prodigalizou-se em proclamar o direito com firmeza, sem debilidades nem hesitações, sobretudo quando devia medir-se com resistências, hostilidades e rejeições. Sabia que era guiado pela mão do Senhor, e isto consentiu-lhe exercer um ministério muito fecundo, pelo qual, mais uma vez, damos fervorosas graças a Deus. O Evangelho há pouco proclamado conduz-nos a Betânia, onde, como escrevia o Evangelista, Lázaro, Marta e Maria ofereceram uma ceia ao Mestre (Jo 12, 1). Este banquete em casa dos três amigos de Jesus é caracterizado pelos pressentimentos da morte iminente: os seis dias antes da Páscoa, a sugestão do traidor Judas, a resposta de Jesus que recorda uma das ações piedosas da sepultura antecipada Revista da Arquidiocese
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por Maria, a menção de que nem sempre o teriam tido com eles, o propósito de eliminar Lázaro no qual se reflete a vontade de matar Jesus. Nesta narração evangélica, há um gesto sobre o qual gostaria de chamar a atenção: Maria de Betânia “tomando uma libra de perfume de nardo puro, de alto preço, ungiu os pés de Jesus, e enxugou-os com os cabelos” (12,3). O gesto de Maria é a expressão de fé e de amor grandes em relação ao Senhor: para ela não é suficiente lavar os pés do Mestre com a água, mas unge-os com uma grande quantidade de perfume precioso, que – como contestará Judas – se poderia ter vendido por trezentos denários; não ungiu a cabeça, como era costume, mas os pés: Maria oferece a Jesus quanto tem de mais precioso e com um gesto de devoção profunda. O amor não calcula, não mede, não olha a despesas, não levanta barreiras, mas sabe doar com alegria, procura só o bem do outro, vence a mesquinhez, a avareza, os ressentimentos, os fechamentos que o homem por vezes leva no seu coração. Maria coloca-se aos pés de Jesus em atitude humilde de serviço, como fará o próprio Mestre na Última Ceia, quando – diz-nos o quarto
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Evangelho – “Se levantou da mesa, tirou as vestes e, tomando uma toalha, colocou-a à cinta. Depois, deitou água numa bacia e começou a lavar os pés aos discípulos” (Jo 13,45), para que – disse – “como Eu vos fiz, façais vós também” (v. 15); a regra da comunidade de Jesus é a do amor que sabe servir até à doação da vida. E o perfume difunde-se: “a casa – anota o Evangelista – encheuse com o cheiro do perfume” (Jo 12,3). O significado do gesto de Maria, que é resposta ao Amor infinito de Deus, difunde-se entre todos os convidados; cada gesto de caridade e de devoção autêntica a Cristo não permanece um fato pessoal, não diz respeito só à relação entre o indivíduo e o Senhor, mas refere-se a todo o corpo da Igreja, é contagioso: infunde amor, alegria e luz. “Veio ao que era Seu e os Seus não o receberam” (Jo 1,11): ao ato de Maria contrapõem-se a atitude e as palavras de Judas que, sob o pretexto da ajuda que devia ser dada aos pobres, esconde o egoísmo e a falsidade do homem fechado em si mesmo, aprisionado pela avidez da posse, que não se deixa envolver pelo bom perfume do amor divino. Judas calcula onde não se pode calcular, entra com
ânimo mesquinho onde o espaço é o do amor, da doação, da dedicação total. E Jesus, que até àquele momento permaneceu em silêncio, interveio a favor do gesto de Maria: “Deixai-a, ela tinha-o guardado para o dia da minha sepultura” (Jo 12, 7). Jesus compreende que Maria intuiu o amor de Deus e indica que agora a sua “hora” se aproxima, a “hora” na qual o Amor encontrará a sua expressão suprema no madeiro da Cruz: O Filho de Deus entregou-se a si mesmo para que o homem tenha a vida, desce aos abismos da morte para levar o homem às alturas de Deus, não tem receio de se humilhar “fazendo-se obediente até à morte, e morte de cruz” (Fl 2,8). Santo Agostinho, no Sermão no qual comenta este trecho evangélico, dirige a cada um de nós, com palavras prementes, o convite a entrar neste circuito de amor, imitando o gesto de Maria e pondo-se concretamente no seguimento de Jesus. Escreve Agostinho: “Qualquer alma que queira ser fiel, une-se a Maria para ungir com perfume precioso os pés do Senhor... Unge os pés de Jesus: segue as pegadas do Senhor levando uma vida digna. Enxuga-lhe os pés com os cabelos: se tens coisas Revista da Arquidiocese
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supérfluas dá-as aos pobres, e terás enxugado os pés do Senhor” (In Ioh., evang., 50, 6). Queridos irmãos e irmãs! Toda a vida do Venerável João Paulo II se desenrolou no sinal desta caridade, da capacidade de se doar de modo generoso, sem reservas, sem medida e sem cálculo. Aquilo que o movia era o amor a Cristo ao qual tinha consagrado a vida, um amor superabundante e incondicionado. E precisamente porque se aproximou cada vez mais de Deus no amor, ele pôde tornar-se companheiro de viagem para o homem de hoje, espalhando no mundo o perfume do Amor de Deus. Quem teve a alegria de o conhecer e frequentar, pôde ver diretamente como era viva nele a certeza “de contemplar a bondade do Senhor na terra dos vivos”, como ouvimos no Salmo responsorial (26/27, 13); certeza que o acompanhou durante a sua existência e que, de modo particular, se manifestou durante o último período da sua peregrinação nesta terra: a progressiva debilidade física, de fato, nunca afetou a sua fé rochosa, a sua luminosa esperança, a sua fervorosa caridade. Deixou-se consumir para Cristo, para a Igreja, para o mundo inteiro: o seu sofrimento Revista da Arquidiocese
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foi vivido até ao fim por amor e com amor. Na homilia para o XXV aniversário do seu Pontificado, ele confiou ter sentido forte no seu coração, no momento da eleição, a pergunta de Jesus a Pedro: “Tu amas-Me mais do que a estes?” (Jo 21,15-16); e acrescentou: “Todos os dias se realiza no meu coração o mesmo diálogo entre Jesus e Pedro. No espírito, com o olhar benévolo de Cristo ressuscitado. Ele, mesmo se consciente da minha fragilidade humana, encoraja-me a responder com confiança como Pedro: ‘Senhor, Tu sabes tudo, Tu bem sabes que Te amo’ (Jo 21,17). E depois convida-me a assumir as responsabilidades que Ele mesmo me confiou” (16 de outubro de 2003). São palavras cheias de fé e de amor, o amor de Deus, que tudo vence! Por fim desejo saudar os polacos aqui presentes. Reunis-vos em grande número em volta do túmulo do Venerável Servo de Deus com um sentimento especial, como filhas e filhos da mesma terra, crescidos na mesma cultura e tradição espiritual. A vida e a obra de João Paulo II, grande polaco, pode ser para vós motivo de orgulho. Mas é preciso que recordeis que esta é também uma grande chamada a ser
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fi éis testemunhas da fé, da esperança e do amor, que ele nos ensinou ininterruptamente. Por intercessão de João Paulo II, ampare-vos sempre a bênção do Senhor. Ao prosseguir a Celebração eucarística, preparando-nos para viver os dias gloriosos da Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor, reco-
mendemo-nos com confi ança – a exemplo do Venerável João Paulo II – à intercessão da Bem-Aventurada Virgem Maria, Mãe da Igreja, para que nos ampare no compromisso de sermos, em todas as circunstâncias, apóstolos incansáveis do seu Filho divino e do seu Amor misericordioso. Amém!
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Vigília Pascal na Noite Santa HOMILIA DO PAPA BENTO XVI Basílica Vaticana, sábado Santo, 3 de abril de 2010
Amados irmãos e irmãs
da sua misericórdia todos aqueles que acreditassem nele. “O óleo da Uma antiga lenda judaica, tirada misericórdia para toda a eternidade do livro apócrifo “A vida de Adão será dado a quantos deverão renase Eva”, conta que Adão, durante a cer da água e do Espírito Santo. Ensua última enfermidade, teria man- tão, o Filho de Deus rico de amor, dado o fi lho Set juntamente com Cristo, descerá às profundezas da Eva à na região do Paraíso buscar terra e conduzirá o teu pai ao Parao óleo da misericórdia, para ser un- íso, para junto da árvore da miserigido com este e assim fi car curado. córdia”. Nesta lenda, faz-se palpáAos dois, depois de muito rezar e vel toda a afl ição do homem diante chorar à procura da árvore da vida, do destino de enfermidade, dor e aparece o Arcanjo Miguel para di- morte que nos foi imposto. Tornazer que não conseguiriam obter se evidente a resistência que o hoo óleo da árvore da misericórdia mem oferece à morte: em algum e que Adão deveria morrer. Mais lugar – repetidamente pensaram os tarde, os leitores cristãos adiciona- homens – deveria existir a erva meram a esta comunicação do arcanjo, dicinal contra a morte. Mais cedo uma palavra de consolação. O Ar- ou mais tarde, deveria ser possível canjo teria dito que, depois de 5.500 encontrar o remédio não somenanos, viria o benévolo Rei Cristo, o te contra as diversas doenças, mas Filho de Deus, e ungiria com o óleo contra a verdadeira fatalidade – Revista da Arquidiocese
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contra a morte. Deveria, em suma, existir o remédio da imortalidade. Também hoje, os homens andam à procura de tal substância curativa. A ciência médica atual, incapaz de excluir a morte, procura, contudo, eliminar o maior número possível das suas causas, adiando-a sempre mais; procura uma vida sempre melhor e mais longa. Mas, pensemos um pouco: caso se conseguisse quiçá não excluir totalmente a morte, mas adiá-la indefinidamente, como seria chegar a uma idade de várias centenas de anos? Isto seria bom? A humanidade envelheceria numa medida extraordinária; não haveria lugar para a juventude. A capacidade de inovação se apagaria e uma vida interminável não seria um paraíso, mas uma condenação. A verdadeira erva medicinal contra a morte deveria ser diversa. Não deveria levar simplesmente a uma prolongação indefinida desta vida atual. Deveria transformar a nossa vida a partir do interior. Deveria criar em nós uma vida nova, verdadeiramente capaz de eternidade: deveria transformar-nos de tal modo que não terminasse com a morte, mas com ela iniciasse em plenitude. A novidade impressionante da mensagem cristã, Revista da Arquidiocese
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do Evangelho de Jesus Cristo era, e ainda é, dizer-nos isto: sim, esta erva medicinal contra a morte, este autêntico remédio da imortalidade existe. Foi encontrado. É acessível. No Batismo, este medicamento nos é dado. Uma vida nova começa em nós, uma vida nova que amadurece na fé e não é cancelada pela morte da vida velha, mas só então se tornará plenamente visível. Ouvindo isto alguns, quiçá muitos, responderão: a mensagem sim, eu escuto, mas falta-me a fé. E, mesmo quem quer acreditar perguntará: mas, é verdadeiramente assim? Como devemos imaginá-la? Como se realiza esta transformação da vida velha, de tal modo que nela se forme a vida nova que não conhece a morte? Mais uma vez, um antigo escrito judaico pode nos ajudar a ter uma ideia daquele processo misterioso que tem início em nós no Batismo. Neste escrito se conta que o patriarca Henoc foi arrebatado até ao trono de Deus. Mas, ele se atemorizou à vista das gloriosas potestades angélicas e, na sua fraqueza humana, não pôde contemplar a Face de Deus. “Então Deus disse a Miguel – assim continua o livro de Henoc – ‘Toma Henoc e tira-lhe as vestes terrenas. Unge-o com o óleo
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suave e reviste-o com vestes de glória!’ E Miguel tirou as minhas vestes, ungiu-me com óleo suave; este óleo possuía algo mais que uma luz radiosa... O seu esplendor era semelhante aos raios do sol. Quando me vi, eis que eu era como um dos seres gloriosos” (Ph. Rech, Inbild des Kosmos, II 524). Isto mesmo – ser revestidos com a nova veste de Deus – verifica-se Batismo; assim nos ensina a fé cristã. É verdade que esta mudança das vestes é um percurso que dura toda a vida. Aquilo que acontece no Batismo é o início de um processo que abarca toda a nossa vida – tornanos capazes de eternidade, de tal modo que, na veste de luz de Jesus Cristo, podemos aparecer diante de Deus e viver com Ele para sempre. No rito do Batismo, há dois elementos nos quais este evento se expressa e torna visível, também como exigência para o resto da nossa vida. Em primeiro lugar, temos o rito das renúncias e das promessas. Na Igreja Antiga, o batizando virava-se para ocidente, símbolo das trevas, do pôr do sol, da morte e, portanto, do domínio do pecado. O batizando virava-se para aquela direção e pronunciava um tríplice “não”: ao diabo, às suas pompas e
ao pecado. Com a estranha palavra “pompas”, ou seja, o fausto do diabo, indicava-se o esplendor do antigo culto dos deuses e do antigo teatro, onde a diversão era ver pessoas vivas sendo dilaceradas pelas feras. Portanto, este “não” era o repúdio de um tipo de cultura que acorrentava o homem à adoração do poder, ao mundo da cobiça, à mentira, à crueldade. Era um ato de libertação da imposição de uma forma de vida que se apresentava como prazer e, contudo, levava à destruição daquilo que no homem são as suas qualidades melhores. Esta renúncia – com um comportamento menos dramático – constitui ainda hoje uma parte essencial do Batismo. Assim removemos as “vestes velhas”, com as quais não se pode estar diante de Deus. Melhor dito: começamos a depô-las. Com efeito, esta renúncia é uma promessa na qual damos a mão a Cristo, para que Ele nos guie e revista. Quais sejam as “vestes” que depomos e qual seja a promessa que pronunciamos fica claro quando lemos, no quinto capítulo da Carta aos Gálatas, aquilo que Paulo denomina “obras da carne” – termo que significa precisamente as vestes velhas que devem ser depostas. Paulo as designa Revista da Arquidiocese
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assim: “fornicação, libertinagem, devassidão, idolatria, feitiçaria, inimizades, contendas, ciúmes, iras, intrigas, discórdias, facções, invejas, bebedeiras, orgias e coisas semelhantes a essas” (Gl 5,19ss). São estas as vestes que depomos; são vestes da morte. Em seguida, o batizando na Igreja Antiga se virava para oriente – símbolo da luz, símbolo do novo sol da história, novo sol que se levanta, símbolo de Cristo. O batizando determina a nova direção da sua vida: a fé em Deus trino, a quem ele se oferece. Assim, o próprio Deus nos veste com o traje de luz, com a veste da vida. Paulo chama a estas novas “vestes” “fruto do Espírito” e as descreve com as seguintes palavras: “caridade, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, lealdade, mansidão, continência” (Gl 5,22). Na Igreja Antiga, depois o batizando era verdadeiramente despojado das suas vestes. Descia à fonte batismal e era imerso por três vezes – um símbolo da morte que signifi ca toda a radicalidade deste despojamento e desta mudança de veste. Esta vida, que em todo o caso já está voltada à morte, o batizando a entrega à morte, junto com Cristo, Revista da Arquidiocese
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e por Ele se deixa arrastar e elevar para a vida nova, que o transforma para a eternidade. Depois subindo das águas batismais, os neófi tos eram revestidos com a veste branca, a veste luminosa de Deus, e recebiam a vela acesa como sinal da vida nova na luz que Deus mesmo acendera neles. Eles sabiam que tinham obtido o remédio da imortalidade, que agora, no momento de receber a sagrada Comunhão, tomava a sua forma plena. Na Comunhão, recebemos o Corpo do Senhor ressuscitado e nós mesmos somos atraídos para este Corpo, de tal modo que fi camos já guardados por Aquele que venceu a morte e nos conduz através da morte. No decorrer dos séculos, os símbolos tornaram-se mais escassos, mas o acontecimento essencial do Batismo continue sendo o mesmo. Este não é apenas um lavacro, e menos ainda uma recepção um pouco complicada numa nova associação. O Batismo é morte e ressurreição, renascimento para a nova vida. Sim, a erva medicinal contra a morte existe. Cristo é a árvore da vida, que se fez novamente acessível. Se aderimos a ele, então estamos na vida. Por isso, nesta noite da ressurreição, cantaremos com
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todo o coração o aleluia, o canto da alegria que não tem necessidade de palavras. Por isso Paulo pode dizer aos Filipenses: “alegrai-vos sempre no Senhor; eu repito, alegrai-vos!” (Fl 4,4). Não se pode comandar a alegria. Somente pode ser dada. O Senhor ressuscitado nos dá a alegria: a verdadeira vida. Já estamos protegidos para sempre guardados
no amor daquele a quem foi dado todo o poder no céu e na terra (cf. Mt 28,18). Assim, seguros de ser escutados, peçamos como diz a oração sobre as oferendas que a Igreja eleva nesta noite: Acolhei, ó Deus, com estas oferendas as preces do vosso povo, para que a nova vida, que brota do mistério pascal, seja por vossa graça penhor da eternidade. Amém.
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Dia Mundial da Paz DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO (Arcebispo emérito de Juiz de Fora-MG) 5 de janeiro de 2010 O que é a paz? O profeta Isaías diz que a paz é fruto da justiça:“Será derramado outra vez sobre nós um espírito que vem do alto. Então o deserto se tornará um jardim, e o jardim será considerado um bosque. No deserto habitará o direito, e a justiça habitará no jardim. O fruto da justiça será a paz. De fato, o trabalho da justiça resultará em tranquilidade e segurança permanentes.” (Is, 33,14 a 18).
Jesus Cristo ao enviar seus discípulos para a missão deu-lhe alguns conselhos e entre eles o seguinte: “Ao entrarem na casa, façam a saudação. Se a casa for digna, desça sobre ela a paz de vocês, se ela não for digna, que a paz volte para vocês.” (Mt 10,12 a 14). Pelos textos citados temos duas origens da paz: uma origem da paz social é a justiça e outra provém do coração. Revista da Arquidiocese
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Os antigos romanos tinham um ditado: “Se vis pacem, para bellum.” Se querem a paz, preparem a guerra. Segundo o conceito romano, as nações vivem em constante preparação para a guerra no intuito de conseguir a paz, mas nunca a conseguiram, pois a verdadeira paz provém, como dissemos da justiça e do coração. Não me interessa aqui tratar da paz entre as nações, pois para isso elas têm a ONU, a OEA e outros organismos internacionais, que mediam conflitos no objetivo de conseguir a paz, mas pelo que se vê, nunca conseguiram uma paz duradoura. Esta é a realidade. Quero, aqui, tratar da paz interior, essa sim, o cristão tem o dever de obtê-la, pois a paz interior localiza-se no coração, sede psicológica do amor. A paz não se obtém com a guerra. A guerra, como se sabe, exige grandes preparativos, grandes armamentos, tropas treinadas para matar, grandes estratégias e depois, combates violentos, destruição, morte de inocentes. Uma calamidade. A paz do coração, ao contrário, se concretiza com pequenos esforços, em pequenos grupos, erradicando do ser humano o ódio, a vingança, a desavença, enfim, transformando Revista da Arquidiocese
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toda essa gama de malquerença em amor, fraternidade, solidariedade. Eu, sozinho, não posso levar a paz nos campos de guerra e de extermínio, mas posso promover a paz na minha casa, no meu trabalho, no ambiente em que vivo. Posso ser agente de paz com a esposa com quem vivo, com os amigos com quem convivo, com a comunidade eclesial a que pertenço. Posso sozinho, ser um grande agente da paz e se muitas pessoas, por exemplo, um grupo de amigos, se propuser e viver em paz e outro grupo, também o fizer e outro mais, com o passar do tempo, toda uma comunidade viverá num clima de paz e tranquilidade, como vislumbra o profeta Isaías, segundo o texto suprarreferido. Penso, ainda, que a paz é fruto de Deus e com Deus se relaciona de joelhos, orando. Como posso viver em conflito com meu irmão, sanguíneo ou não, se Deus que é meu Pai, também, é Pai de meu irmão? Se quisermos a paz, devemos buscar a Deus pela oração, de joelhos: “Onde houver ódio, que eu leve o amor. Onde houver discórdia que eu leve a paz.” (Oração atribuída a São Francisco de Assis).
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Oração para pedir a PAZ: Senhor! Enche de esperança o meu coração e de doçura os meus lábios. Põe em meus olhos a luz que acaricia e purifica e em minhas mãos o gesto que perdoa. Dá-me valentia para luta, compaixão para as injúrias, misericórdia para a ingratidão e a injustiça. Livrame a inveja e da ambição mesquinha, do ódio e da vingança. E que, Senhor,
quando eu voltar hoje para o calor de minha cama, possa, no mais íntimo de meu ser, sentir que estás presente. Dáme, Senhor tua paz e que eu a leve a todos de meu relacionamento. Amém. Que a paz de Deus, aquela paz que não pode o mundo dar, habite em seus corações.
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Servir a Deus ou ao dinheiro? DOM EDUARDO BENES DE SALES RODRIGUES (Arcebispo de Sorocaba-SP) 17 de fevereiro de 2010 A Campanha da Fraternidade deste ano é uma campanha ecumênica, cujo texto foi produzido pelas Igrejas Cristãs que fazem parte do CONIC ,“Conselho das Igrejas Cristãs do Brasil”. O tema “Economia e Vida” quer propor uma ordem econômica a serviço da vida. Penso não ser ingenuidade pensar que uma boa instituição não funcionará bem se não houver pessoas especialmente movidas pelo amor à vida, à pró-
pria e a vida de todos os outros. As leis garantem o mínimo. O amor dá o máximo. Donde o texto inspirador da CF de 2010: “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro”(Mt 6,24). Em sua última Encíclica Caritas in Veritate, o Santo Padre, Bento XVI nos advertia: “O binômio exclusivo mercado-Estado corrói a sociabilidade, enquanto as formas econômicas solidárias, que encontram o seu melhor terreno na Revista da Arquidiocese
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sociedade civil, sem contudo se reduzir a ela, criam sociabilidade. O mercado da gratuidade não existe, tal como não se podem estabelecer, por lei, comportamentos gratuitos, e todavia tanto o mercado como a política precisam de pessoas abertas ao dom recíproco.”(37). Mas pessoas abertas ao dom recíproco são aquelas que ultrapassaram a fase egocêntrica do próprio desenvolvimento, amadurecidas para o amor. Todos temos tendência a retornar sobre o próprio ego, egoísmo, e só mediante um esforço permanente de conversão conseguimos situar-nos no horizonte da reciprocidade. Donde ser a Campanha da Fraternidade um precioso processo de reflexão situado no contexto da Quaresma, tempo de preparação para a Páscoa, quando os cristãos celebram a paixão, morte e ressurreição de Cristo. Hoje como nunca a humanidade pode verificar os efeitos destrutivos do egoísmo que infecta as relações humanas gerando estruturas injustas que atentam contra a vida. A antropologia cristã se apoia em três afirmações fundamentais: a) Deus criou o ser humano para ser feliz na comunhão com Ele, vivenRevista da Arquidiocese
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do em comunidade, construindo pelo trabalho um mundo cada vez mais humano, e, depois, participar na eternidade da plenitude de sua vida; b) a humanidade, entretanto, pecou desde o princípio, introduzindo na história a desordem, cuja raiz é a ruptura da relação com o próprio Deus. O pecado destrói a harmonia querida por Deus e se instala dentro do ser humano como um dinamismo que conduz para a morte. Abandonado a si mesmo o ser humano não consegue reconstruir na verdade e na justiça sua vida; c) Deus não abandonou o ser humano: amou tanto o mundo que lhe deu seu Filho Único, Jesus Cristo, como Redentor (cf. Jo 3,16). A missão redentora de Jesus, Ele a cumpre assumindo nossa condição de pecadores. São Paulo chega ao extremo de afirmar: “aquele que não cometeu pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nele nos tornemos justiça de Deus”(2Cor 5,21). O Papa João Paulo II assim comenta essa passagem: “Para transmitir ao homem o rosto do Pai, Jesus teve não apenas de assumir o rosto do homem, mas de tomar também o “ rosto ” do pecado” (NMI 55). O profeta Isaías havia anunciado: “Eram na
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verdade os nossos sofrimentos que ele carregava, eram as nossas dores, que levava às costas. E o povo achava que ele era um castigado, alguém por Deus ferido e massacrado. Mas estava sendo traspassado por causa de nossas rebeldias, estava sendo esmagado por nossos pecados...” (Is 53,4ss). E mais adiante: “com sua experiência, o meu servo, o justo, fará que a multidão se torne justa” (53,11). São Paulo assim descreve o caminho percorrido por Jesus: o Filho “esvaziou-se de si mesmo, assumindo a condição de servo” e “humilhouse, fazendo-se obediente até a morte e morte de Cruz” (cf. Fl 2,6-8). “Por isso, Deus o exaltou acima de tudo” e o fez “Senhor” (2,9-10). Pelo Espírito Santo o Cristo ressuscitado age em nós. Pela força do Espírito podemos vencer o pecado e refazer em nós a beleza divina que perdemos. A Quaresma é tempo de
meditar e orar sobre essas coisas. O mundo pode ser diferente em todos os níveis: na vida familiar, na vida social, na política, na economia. Uma cultura nova pode plasmar a convivência humana, a cultura da vida. Mas isso só será possível se houver conversão, volta para Deus. “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro”, adverte-nos Jesus. A avareza − o desejo de acumular bens − é idolatria. Produzir bens, sem destruir a natureza, para o bem de todos é ordem divina. “Converteivos e crede no evangelho” signifi ca crer na força transformadora do Espírito e empenhar-se na construção de uma ordem econômica onde o que Deus destinou a todos os seres humanos possa realmente chegar a todos os seres humanos. Recordemos a palavra de Bento XVI: “Tanto o mercado como a política precisam de pessoas abertas ao dom recíproco.” (37).
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Nota da CNBB pela morte da Drª Zilda Arns “QUEM ACOLHER EM MEU NOME UMA CRIANÇA, ESTARÁ ACOLHENDO A MIM MESMO” (MT. 18,4-5) Brasília, 13 de janeiro de 2010 A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB – recebeu, com dor profunda, a notícia da morte da Drª Zilda Arns, médica pediatra, fundadora da Pastoral da Criança e da Pastoral da Pessoa Idosa, ocorrida na terça-feira, 12 de janeiro, vítima do trágico terremoto que se abateu sobre o Haiti. Drª Zilda devotou-se, com amor apaixonado, à defesa da vida, da família e, de modo muito especial, ao
cuidado das crianças empobrecidas. Cidadã atuante, Drª Zilda conquistou respeito e credibilidade junto à sociedade brasileira e internacional, por suas posições claras e fi rmes em favor de políticas sociais, especialmente as da saúde. Foi ainda uma das sanitaristas mais respeitadas e comprometidas com o movimento da reforma sanitária brasileira, que culminou com a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS). Revista da Arquidiocese
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A obra fundada por ela, inspirada na fé cristã, haverá de continuar no trabalho abnegado dos mais de 260 mil líderes que, cotidianamente, se dedicam à causa da criança e da pessoa idosa. Em missão no Haiti, a convite da Conferência dos Religiosos e de autoridades civis daquele país, Drª Zilda se despediu, no pleno exercício da causa em que sempre acreditou. Ela buscou realizar na prática a missão de Jesus: ”Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). A CNBB agradece a Deus por ter tido, em seus quadros, esta personalidade tão virtuosa que muito dignifi cou a Igreja no Brasil. A CNBB se une ao querido Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, irmão
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da Drª Zilda, aos outros irmãos, fi lhos, netos, demais familiares e amigos, na prece solidária e na certeza de que a ela será dado gozar as alegrias eternas, reservadas para todos que, nesta vida, souberam amar a Deus servindo os irmãos. Brasília-DF, 13 de janeiro de 2010 Dom Geraldo Lyrio Rocha Arcebispo de Mariana Presidente da CNBB Dom Luiz Soares Vieira Arcebispo de Manaus Vice-presidente da CNBB Dom Dimas Lara Barbosa bispo auxiliar do Rio de Janeiro Secretário-geral da CNBB
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Nota da CNBB em solidariedade ao povo do Haiti "ESPERANDO CONTRA TODA ESPERANÇA" (Rm 4,18) Brasília, 15 de janeiro de 2010 Em meio às desalentadoras notícias que chegam a cada momento, dando conta das trágicas consequências do terremoto que afl igiu o Haiti, ceifando tantas vidas e colocando abaixo trabalhos e sonhos, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) se une à multidão de homens e mulheres que, nestas circunstâncias, têm “a ousadia de quem se atreve a esperar contra toda esperança”, para apresentar à
Igreja e a todo povo do Haiti a solidariedade em orações, palavras e gestos. Neste momento, são necessárias iniciativas que demonstrem solidariedade internacional, como, por exemplo, o perdão imediato de toda a dívida externa do Haiti, que corresponde a 30% do seu pobre orçamento, e ações humanitárias que amenizem a dor e reanimem a esperança do povo haitiano. Revista da Arquidiocese
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Movida por este sentimento de solidariedade, a CNBB e a Cáritas Brasileira lançam a Campanha SOS HAITI, em socorro à população atingida pelo terremoto. Conclamamos todas as comunidades eclesiais, paróquias e dioceses a promoverem, no próximo domingo, dia 17, ou no dia 24 de janeiro, ou em outra data conveniente, orações e coletas em dinheiro para as vítimas do terremoto no Haiti. Assim, nos unimos à campanha mundial promovida pela Caritas Internationalis em resposta ao apelo do papa Bento XVI. As doações poderão ser depositadas nas contas: Banco do Brasil - Agência: 3475-4 - Conta Corrente:
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23.969-0; Caixa Econômica Federal OP: 003 - Agência: 1041 - Conta Corrente: 1132-1; Banco Bradesco - Agência: 0606 - Conta Corrente: 70.000-2. Que a graça de Deus fortaleça nosso compromisso de caridade fraterna, inspire nossa generosidade e anime quem está a serviço das vítimas no Haiti. Brasília, 15 de janeiro de 2010 D. Geraldo Lyrio Rocha Arcebispo de Mariana Presidente da CNBB D. Demétrio Valentim Bispo de Jales Presidente da Cáritas Brasileira
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Apoio aos movimentos sociais PREOCUPADOS COM O AVANÇO DO AGRONEGÓCIO NA REGIÃO, BISPOS DO REGIONAL CENTRO-OESTE FIRMARAM CARTA DE APOIO AOS MOVIMENTOS SOCIAIS. Goiânia, 17 de março de 2010 Nós, os bispos do Regional Centro-Oeste, que é composto por Goiás, Tocantins e Distrito Federal, estamos preocupados com o avanço do agronegócio, sobretudo do etanol, na expansão do plantio da cana e na instalação de várias usinas sucroalcooleiras; com as monoculturas também do eucalipto e da soja que vêm invadindo as terras dos agricultores em geral destinadas a produção de alimento que vai à mesa dos brasileiros; com a destruição do bioma do Cerrado, agressão à ecologia e a concentração da terra na forma de latifúndio nas mãos de poucos e ainda a exploração da mão de obra dos cortadores de cana, inclusive com o trabalho escravo. Como já foi assinalado por vá-
rios documentos da Igreja, voltamos a insistir sobre a urgente necessidade de realizar a Reforma Agrária proposta pela nossa Constituição. Reforma agrária que lamentavelmente deixou de ser prioridade dos Governos federal e estadual. Reforma agrária com justiça reivindicada com os movimentos camponeses, produtora de alimento, preservadora da ecologia do bioma do Cerrado berço nacional das águas do nosso país. Apoiamos as iniciativas e ações das diversas organizações e movimentos sociais, várias delas aglutinadas no Fórum Estadual de Reforma em vista da justiça no campo e a favor da vida e da dignidade dos homens e mulheres da terra. Revista da Arquidiocese
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Pedimos a nosso Deus e Pai para que ilumine e fortaleça nossas comuni-
dades camponesas na busca desses nobres objetivos humanos e cristĂŁos.
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Consagração de Dom Waldemar Passini PALAVRA DE DOM WASHINGTON CRUZ DURANTE A CERIMÔNIA DE ORDENAÇÃO EPISCOPAL DE SEU BISPO AUXILIAR Goiânia, 19 de março de 2010
A Igreja em Goiânia se reveste, hoje, de festa, e dando graças a Deus, canta de alegria, pois está celebrando a ordenação episcopal do seu bispo auxiliar, longamente esperado e jubilosamente acolhido. Com efeito, o Monsenhor Waldemar Passini Dalbello, chamado a ser sucessor dos Apóstolos, nesta celebração será consagrado. Manifesto minha imensa gratidão, e a de toda a Igreja que está em Goiânia, pela benevolência do Santo Padre para conosco. Com este ato de reconhecimento, desejo renovar minha profunda e sincera comunhão com o sucessor de Pedro e agradecer-lhe o exercício de seu ministério petrino. Meus irmãos e irmãs, o Mons. Waldemar vem a nós, desde a Ar-
quidiocese de Brasília. Igreja que o acompanhou no processo de amadurecimento para a Ordenação presbiteral. Igreja que o acolheu em seu presbitério e que a ele confi ou diversas responsabilidades pastorais. Querido Senhor Cardeal Dom José Freire Falcão, querido Sr. Arcebispo Dom João Brás de Aviz, queridos irmãos Presbíteros, Consagrados, Seminaristas, Leigos e Leigas da Arquidiocese de Brasília, obrigado por partilharem com a Igreja em Goiânia, o dom da vida e do ministério de um de seus sacerdotes. Saúdo, com muito carinho, nosso arcebispo emérito, Dom Antonio Ribeiro de Oliveira que, num gesto de desprendimento e de afeto colegial, ofereceu ao ordinando o seu próprio báculo, anteriormente Revista da Arquidiocese
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pertencente a Dom Emanuel, e uma sua cruz peitoral, presente do Papa João Paulo II, manifestando assim a continuidade e a novidade no pastoreio desta Arquidiocese. Saúdo com muita alegria todos os Senhores bispos aqui presentes, que imporão as mãos, junto comigo, sobre o bispo eleito, conferindolhe assim o dom do Espírito Santo para a missão episcopal. Dirijo uma afetuosa saudação ao Sr. José Antonio Dalbello, pai, e aos irmãos, e demais familiares do novo bispo. A ordenação episcopal de seu filho e de seu irmão é uma graça que têm raízes profundas na família cristã. Nosso muito obrigado! Sabemos pela fé, que dona Maria Aparecida Passini Dalbello, querida mãe do nosso ordinando, acompanha-nos do céu, espiritualmente presente. O Senhor convocou, de longe e de perto, tantos irmãos e irmãs, para serem testemunhas de sua ação santificadora e renovadora. As pessoas que aqui estão representam muitíssimos irmãos e irmãs nossos, que não puderam vir, mas que estão, de algum modo, a nós unidos espiritualmente. Muito mais gente, com certeza, nos está Revista da Arquidiocese
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acompanhando pela UCG TV ou pela Rede Aparecida de Televisão. Uma cordial saudação a todos os telespectadores. Querido Mons. João Daiber, nosso vigário geral, meus queridos irmãos vigários episcopais, sacerdotes e diáconos, membros da vida consagrada, seminaristas, fiéis leigos e leigas da Arquidiocese de Goiânia, que com muita alegria acolhem o novo bispo. Querido Sr. Pe. Rafael Magul, pároco da paróquia São Nicolau, Igreja Ortodoxa de Goiânia, cuja presença muito nos alegra. Estimadas e dignas autoridades: Sr. Prefeito de Goiânia, Dr. Iris Resende Machado. Dr. Paulo Telles, presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, aqui representado pelo Sr. Valdir Santana de Oliveira, Dr. Francisco do Valle Junior, presidente da Câmara de Vereadores de Goiânia, demais autoridades civis, militares, judiciárias. Muito obrigado por suas presenças! Magnífico Reitor, Prof. Wolmir Therésio Amado, e demais membros da reitoria da PUC-Goiás. Irmãos e irmãs, Povo de Deus da Arquidiocese de Goiânia! Muito querido Mons. Waldemar Passini Dalbello, hoje sua vida
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chega ao ponto culminante de um processo de chamados e respostas, cada vez mais insistentes e exigentes. E neste diálogo de amor, cuja profundidade só você e o Divino Pai Eterno conhecem, você acabou sendo chamado a ser na terra sinal de Cristo Pastor. Nós outros, seus irmãos e amigos, no sangue e no Espírito, só podemos intuir, respeitar e, certamente, agradecer. Em toda eleição do Senhor se esconde um mistério de amor e de divina predileção. A nomeação de um bispo passa necessariamente pela mediação humana, mas é fruto, sobretudo, da ação do Espírito Santo e da vontade do Senhor, da qual é expressão inequívoca a nomeação por parte do Papa. Prezado irmão, você teve a feliz ideia de ser ordenado, neste dia, solenidade de São José, esposo da Virgem Maria. Na verdade, como afirmou o venerável Papa João Paulo II, “o Bispo desempenha na comunidade cristã uma tarefa que tem muitas analogias com a de São José. O Prefácio que vamos cantar põe isto em realce, ao indicar José como “servo fiel e prudente, que o Senhor pôs à frente da sua família, para guardar, como pai o Filho de Deus”. “Pais e guardiães são
os Pastores na Igreja, chamados a comportarem-se como “servos” fiéis e prudentes. A eles é confiada a solicitude cotidiana do povo cristão que, graças à sua ajuda, pode prosseguir com confiança pelos caminhos da perfeição cristã” (João Paulo II, 19/03/1999). Caríssimo Irmão Waldemar, como São José, modelo e guia do nosso ministério, amemos e sirvamos a Igreja. Imitemos o seu exemplo, como também o de sua esposa, a Santíssima Virgem Maria. Meus irmãos e minhas irmãs, estamos no Santuário Basílica do Divino Pai Eterno, em Trindade. Permitam-me, neste instante, elevar uma oração ao Divino Pai Eterno por todos os que fomos chamados a levar, em vasos de barro, este enorme tesouro, a graça e a cruz do episcopado. Na verdade, é tudo muito claro “este poder extraordinário não procede de nós, mas de Deus” (2 Cor 4,7). Ó Divino Pai Eterno, conforme a bela expressão de Santo Inácio de Antioquia, “o Bispo é imagem viva de Deus Pai”; concede-nos um coração bondoso e solícito, firme e suave, para que, seguindo as pegadas de teu Filho Jesus, possamos dizer também: “quem me vê, vê o Pai”. Revista da Arquidiocese
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Divino Pai Eterno, fonte e origem de tudo, fomos chamados e ungidos com o óleo da alegria, para sermos pastores, em meio a tantas dificuldades internas e externas; reveste-nos dos sete dons do Espírito Santo, e dá-nos a graça de agir sempre movidos pela caridade pastoral, exalando por toda parte o perfume de Jesus Cristo. Divino Pai Eterno, que Te unes a nós e nos acompanhas, a cada dia, faz que cresçamos na comunhão com os nossos irmãos no episcopado e com aquele que elegeste como Sucessor de Pedro. Que esta vivência, por sua vez, nos abra a um estilo de comunhão eclesial e pastoral, cada vez mais pronto à colaboração de todos, inclusive daqueles cujas ideias não compartilhamos. Divino Pai Eterno, que pões sobre a nossa cabeça a mitra como símbolo do esplendor da santidade, que de ti provém, concede-nos que “nos santifiquemos a nós mesmos, para que “eles sejam santificados na verdade” (cf. Jo 17,19). Divino Pai Eterno, que colocas em nosso dedo, como sinal de fidelidade, o anel que nos desposa com a esposa de Cristo, Tua Igreja, faz que nossas vidas sejam um reflexo do amor virginal de Cristo, o Cordeiro Revista da Arquidiocese
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imaculado e imolado. Divino Pai Eterno, que nos outorgas o báculo como símbolo do ministério pastoral, para que governemos cuidando das ovelhas de teu rebanho, faz que saibamos acompanhar a todos, sem qualquer distinção. Divino Pai Eterno, teu Filho Jesus entregou sua vida por amor, e foi obediente até a morte e morte de cruz; faz que a cruz peitoral que colocas sobre o nosso peito manifeste que tu és o dono deste nosso pobre coração. Divino Pai Eterno, que nos envias a anunciar o Evangelho e nos recordas que se a “fé não se converte em cultura, é uma fé não acolhida, não totalmente pensada, não fielmente vivida”, faz que o solidéu, que nos distingue, seja sempre para nós um indicador de que só a Ti, devemos dar glória. Divino Pai Eterno, que nos outorgas as virtudes da fé, da esperança e da caridade, dá-nos o dom de conduzir o vosso povo, tal como o fez Moisés, que “se manteve firme, como se visse o invisível” (Hb 11, 27), e que, sustentados por esta fé, ponhamos a máxima confiança em tua divina Providência. Divino Pai Eterno, que escolheste este Teu filho Waldemar,
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como bispo auxiliar, para ensinar, santificar e reger o Teu povo; concede-lhe o dom da prudência pastoral, a fim de que, por meio de atos oportunos e idôneos, possa melhor realizar o Teu plano de salvação, para o bem da Igreja. Que nele a fortaleza seja temperada com a doçura, segundo o modelo daquele que é “manso e humilde de coração” (Mt 11,29). Que ele saiba sempre, ao guiar os fiéis, harmonizar o ministério da misericórdia com a autoridade do governo, o perdão com a justiça, consciente de que “certas situações, não se superam com a aspereza ou a dureza, nem com modos imperiosos, mas muito mais com a educação que com as ordens, mais com a exortação do que com a ameaça”, conforme admoesta o bispo Santo Agostinho (Santo Agostinho Epist. I, 22. Divino Pai Eterno, o Teu Filho Jesus disse de si mesmo: “Eu sou o bom pastor, vim salvar, não condenar”. Que este nosso novo irmão no episcopado, possa sempre agir com humildade, consciente de sua própria fragilidade. E quando no exercício da caridade vir que suas forças fraquejam, saiba dizer com São Paulo: “Tudo posso naquele
que me conforta” (Fl 4,13). Seja ele rico em humanidade, conforme o modelo de Jesus Cristo, o homem perfeito. Brilhe nele um “ânimo bom e leal, um caráter constante e sincero, uma mente aberta e perspicaz, sensível às alegrias e sofrimentos alheios, uma ampla capacidade de autocontrole, gentileza, paciência e discrição, uma sã propensão ao diálogo e à escuta, uma habitual disposição ao serviço” (“Apostolorum Successores”, 47. Divino Pai Eterno, nós Te pedimos, Te louvamos e Te agradecemos, por Jesus Cristo, Teu Filho, na unidade do Espírito Santo. Amém! Querido irmão Waldemar, desejo, agora, confessar minha grande emoção ao reconhecer em sua nomeação os admiráveis desígnios da Divina Providência. É surpreendente constatar que o mesmo Deus que o chamou, naqueles primeiros tempos de discernimento vocacional, aqui em Goiânia, na paróquia da Assunção, com o Pe. Sérgio Foglia, recentemente falecido, agora o chama de novo, desligando-o do clero de Brasília, para torná-lo bispo auxiliar desta Arquidiocese, onde sua história vocacional teve início. Como todos nós sabemos, o exercício do ministério episcopal é um Revista da Arquidiocese
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desafi o enorme porque entramos na esteira de um projeto muito maior do que nós. Sem dúvida os sonhos de Deus são maiores que os nossos. Caro Waldemar, dulcis in fundo: “sobre a sua tarefa de pastor invocamos a intercessão da Virgem Maria, Mãe da Igreja e Rainha dos Apóstolos. Ela, que no Cenáculo sustentou a oração do Colégio Apostólico, lhe obtenha a graça de
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nunca faltar à dádiva de amor que Cristo hoje lhe confi a” (cf. PG 74). Bem-vindo, bispo Waldemar! Bem-vindo, para somar comigo suas jovens energias de pastor, a serviço da missão desta Igreja, que quer ser sinal e instrumento de esperança para quantos habitam no coração do Brasil! Bem-vindo a esta Igreja que o acolhe como pai, irmão e pastor. Amém!
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Nova Catedral Metropolitana Nossa Senhora Auxiliadora APRESENTADO PROJETO DA NOVA CATEDRAL, QUE SERÁ ERGUIDA NO PARQUE LOZANDES, PRÓXIMO AO PAÇO MUNICIPAL Noite de Natal, 25 de dezembro de 2009 A Arquidiocese de Goiânia apresentou o projeto da nova Catedral Metropolitana. O local da construção fi ca no Parque Lozandes, ao lado do Paço Municipal. Concebido dentro das normas litúrgicas da Igreja, o projeto prioriza a participação da assembleia na ação litúrgica, num espaço que favoreça a oração e o recolhimento. Na entrada do complexo, estará o batistério, ligado à Catedral por
uma passarela. No projeto há uma preocupação de não fazer uma separação entre presbitério e assembleia no interior da igreja, que estará disposta de forma radial. O altar estará exatamente no meio da assembleia e o ambão, voltado para ele. Do lado oposto ao ambão, ao fundo, a cadeira do presidente da celebração. A Capela do Santíssimo, atrás da cadeira do presidente, será um local reservado para a oração pessoal. Revista da Arquidiocese
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Ela estará conectada diretamente ao espaço de celebração, visível a todos os que estiverem na assembleia por uma abertura na parede. A parede ao fundo do presbitério terá uma abertura, que permitirá a todos os que estão dentro da Catedral ver o sacrário. Esta parede terá uma fi gura do Cristo, e, na parte externa, será encimada por uma grande cruz e pelos sinos da igreja. Memória No subsolo, haverá um auditório para 500 pessoas, com saguão para exposições, sanitários, cripta, ossário e salas de apoio. O ossário tem a mesma forma radial da assembleia. Nele, as pessoas poderão depositar os restos mortais de seus familiares. Todos os corredores irão convergir
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para o centro, local onde estarão os túmulos dos bispos, ao redor de uma grande pedra branca que lembra a pedra rolada e o sepulcro vazio da Ressurreição. Na parte externa, haverá uma capela dedicada ao Pai Eterno e, sobre ela, um altar para celebrações campais. Todo o complexo que circundará a nova Catedral contempla espaços de celebração, devoção, lazer e cultura. Ao fundo da passarela, haverá um espaço de convivência, com uma lanchonete, uma livraria e o Museu Diocesano. Uma imagem de Nossa Senhora Auxiliadora, padroeira de nossa arquidiocese, estará na parte externa, acolhendo as pessoas para a celebração, como aquela que conduz a todos para o seu Filho amado, Jesus.
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Economia a favor da vida CAMPANHA DA FRATERNIDADE INCENTIVA À REFLEXÃO EM PROL DE AÇÕES EM QUE A ECONOMIA ESTEJA A SERVIÇO DA VIDA Fevereiro de 2010 A vida em primeiro lugar: esse é o objetivo da Campanha da Fraternidade Ecumênica (CFE) de 2010. A partir do tema Economia e Vida, ela será realizada de forma ecumênica e vai discutir o sistema econômico atual, com sua lógica que sustenta a miséria de tantos e a riqueza de uns poucos. “Vamos propor alternativas que permitam a toda a sociedade compartilhar e vivenciar o
bem comum, com dignidade para todos”, afi rma o reverendo Luiz Alberto Barbosa, secretário-geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic), que organiza a campanha. Com o desejo de promover um modelo econômico em que a vida tenha prioridade em relação ao lucro, serão valorizados, durante a refl exão da CFE, os exemplos de Revista da Arquidiocese
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economia solidária e outras alternativas ao modelo econômico-financeiro atual. “As Igrejas do Conic querem lembrar que a solidariedade faz da humanidade uma família em que todos se protegem mutuamente”, explica Luiz. Ele acredita que é este o caminho para alcançar a solução para os grandes desafios sociais de hoje. A tarefa do Conic na CFE é organizar e publicar os subsídios, que já estão em todas as Igrejas que vão participar da campanha. Mas ele lembra que quem faz a CFE acontecer são as pessoas, os lideres clérigos e leigos. “Nossa expectativa é que realmente as pessoas e as nossas comunidades aprofundem a reflexão, e que ao final, possamos mudar os rumos da economia que ai está, colocando a vida em primeiro lugar”. Conversão Luiz explica que cada cristão, além de promover uma reflexão exterior, sobre o modo como o sistema econômico está organizado, durante a Campanha, deve se sentir incluído nesse debate para fomentar uma mudança na sociedade. Para ele, nos diferentes contextos do Brasil, as pessoas poderão relacionar o tema da economia com o Revista da Arquidiocese
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seu dia a dia e com as experiências próprias de cada comunidade. O lema da campanha, tirado do Evangelho de São Mateus, “Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro” (6,24) apresenta, na opinião do reverendo Luiz Alberto, um questionamento importante, inclusive para as igrejas que participam dela. “A quem os nossos bens, os nossos recursos estão servindo? Para a manutenção de nossas instituições ou para a promoção do Reino de Deus junto a todas as pessoas?”. Novo modelo possível Um bom exemplo de alternativa ao atual modelo econômico pode ser incentivado durante a campanha: a do grupo Nutrivida. Ele mantém uma padaria comunitária em parceria com a Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUCGO) no Jardim Conquista, em Goiânia. “Participar desse projeto me dá a sensação que cresci em minha dignidade, em minha independência”, relata Maria de Lourdes Rodrigues, 43 anos, uma das fundadoras do grupo. Tudo começou em outubro de 2002, quando a Pastoral da Criança identificou dois problemas em sua comunidade: primeiro,
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a necessidade nutricional das crianças; e, também, a necessidade de ocupação de muitas mulheres. Havia muitas delas desempregadas, além de donas de casa que tinham tempo disponível para colaborar de alguma forma. Lurdinha, como é conhecida pela comunidade local, começou a reunir diversas mulheres, contando com a ajuda da assistente social, que já acompanhava a pastoral. Foi quando tomaram conhecimento de que havia um espaço da universidade, com máquinas de uma padaria completa, que estava ocioso. “Levantamos as necessidades, fechamos uma parceria com a instituição e começamos a trabalhar”, conta. Ela lembra que o início foi muito difícil. “Nem sabíamos fazer pão!”, confessa. Foi preciso a ajuda de um padeiro profissional, que ensinou a receita do pão e o manejo das máquinas. Não havia matéria-prima: cada uma trouxe o que tinha em casa. “Resolvemos incrementar, enriquecendo a receita com fibra de trigo. O pão ficou mais forte”, explica. A venda na comunidade começou de porta em porta. “A gente fazia a massa à tarde, assava na madrugada do dia seguinte e saía pra ven-
der”. Hoje a comercialização é feita em pontos móveis da universidade, no Incra e no DRT. A experiência no grupo foi tão positiva, que acabou motivando Lurdinha a voltar a estudar: ano passado, ela concluiu o curso de Educação Física. O grupo Nutrivida ainda está se organizando juridicamente. A PUC-GO cede toda a estrutura para a padaria, com maquinário e paga as contas de água e luz elétrica, além de auxiliar também com parte da matéria-prima. O resultado das vendas, depois de pagas as despesas e feita a reserva do capital de giro, é dividido entre os membros da cooperativa. Atualmente são apenas seis as famílias beneficiadas pelo Nutrivida, mas o desejo é de integrar cada vez mais pessoas. Dificuldades Para Maria de Lourdes, o projeto poderia ter avançado mais se houvesse apoio governamental e maior adesão da comunidade. No mês de dezembro, por exemplo, ocorreu a 4ª Feira Estadual de Economia Solidária. “O governo do estado não colocou a estrutura necessária para realizar o evento, nem fez uma boa divulgação”. Ela lembra também que o número de mulheres no proRevista da Arquidiocese
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jeto poderia ser maior. “Mas muitas não demonstram sequer interesse. Muitas deixaram ou porque seus
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maridos impediram ou por não terem onde deixar os fi lhos no horário das nossas atividades”.
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Padre Antônio Donizeth, coordenador de Pastoral da Arquidiocese, dirige dia de treinamento
Treinamento para Semana Santa COORDENAÇÃO DE PASTORAL E ESCOLA DE MINISTÉRIOS FIZERAM ENCONTRO PARA INFORMAR SOBRE CELEBRAÇÕES DA SEMANA SANTA 27 de fevereiro de 2010 A Coordenação de Pastoral e a Escola de Ministérios promoveu, no dia 27 de fevereiro, no Centro de Pastoral Dom Fernando, um encontro para fornecer informações importantes sobre as celebrações da Semana Santa. Este ano, os folhetos litúrgicos do Domingo de Ramos ao Domingo de Páscoa foram reunidos em uma única publicação, com roteiros e informações mais
completas, inclusive para as comunidades que não tiveram a presença do sacerdote. Participaram do encontro ministros da Palavra, padres e equipes de liturgia. Livreto para celebrar a Semana Santa Inovação da Arquidiocese para este ano, publicação vai reunir todas as celebrações desse tempo Revista da Arquidiocese
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litúrgico e enriquecer os fiéis com orientações importantes Contribuir para a construção de uma liturgia mais consciente e participativa, que leve as comunidades a viverem o mistério da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo com especial fervor. É com esse objetivo que a Arquidiocese de Goiânia, por meio da Equipe de Liturgia, lançou, em edição especial do folheto litúrgico Comunhão e Participação, o livreto Semana Santa – Celebrações, com os roteiros das celebrações da Semana Santa e orientações litúrgico-pastorais e que integra o período preparatório para o Sínodo Arquidiocesano, cujo foco este ano é a liturgia. Com mais de cem páginas, o subsídio traz o sentido teológico das celebrações desse tempo litúrgico e leva em conta a necessária e importante relação da piedade popular – nas tradicionais formas e modos de piedade do povo cristão – com a liturgia, fonte e cume da vida e da missão da Igreja. A publicação inicia-se com o Domingo de Ramos (dia 28 de março), seguindo pela Semana Santa, com ênfase no Tríduo Pascal, passando pela Vigília Pascal e finalizando com o Domingo de Páscoa (4 de abril). No fim, para enRevista da Arquidiocese
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riquecer as celebrações, foi anexado um roteiro de músicas adequadas a esse tempo litúrgico. Orientações Em linguagem simples, o livreto apresenta ainda sugestões sobre ambientação das celebrações eucarísticas e ações rituais próprias do tempo, cantos litúrgicos, orientações sobre símbolos, significados, cores litúrgicas, ritos especiais – bênção e procissão dos ramos, transladação do Santíssimo Sacramento, ação litúrgica da Sexta-Feira da Paixão do Senhor e Vigília Pascal. A publicação possibilitará às comunidades prepararem, com zelo e sem improvisações, todos os atos litúrgicos, sem perder de vista o mistério celebrado, ou seja, o mistério pascal. Além disso, o subsídio permitirá aos fiéis maior compreensão do que celebram e maior envolvimento. O arcebispo metropolitano de Goiânia, Dom Washington Cruz, faz a apresentação do subsídio. Já o padre Antônio Donizeth do Nascimento, idealizador do projeto e coordenador de pastoral, orienta os fiéis de todas as comunidades sobre como aproveitar de forma mais eficiente o livreto e sobre a importância de sua devolução ao
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fim de cada celebração, já que deverá ser utilizado durante toda a semana. INSTRUÇÕES DE USO Por que o livreto? A proposta está fundada em três motivações fundamentais: 1. A Semana Santa é coração e cérebro do Ano Litúrgico. A diversidade e riqueza de orientações e normas não caberiam no folheto, impossibilitando o acesso aos fundamentos de toda ação litúrgica da Semana Santa, especialmente às equipes de liturgia e, de modo especial, a ministros e ministras da Palavra. 2. O Sínodo. Nesse Tempo da Graça que vivemos na preparação do Sínodo Arquidiocesano, este é o ano do aprofundamento da dimensão litúrgica. 3. A participação ativa e consciente de todo o povo, que por muitas razões não tem acesso a essas informações que abrem o horizonte da fé e garantem caminhar para a plena participação de todos. Além disso, é um bom instrumento para as catequistas e a dimensão catequética da liturgia.
RECOMENDAÇÕES PARA USO 1. Ferramenta de trabalho – Uma leitura atenta pessoal e coletiva pelas equipes garante a compreensão e o aproveitamento das dicas, sugestões e normas. 2. Calma e serenidade – Não se espantem com tudo de uma só vez. É para a semana toda. Uma dose para cada dia. Passo a passo. 3. Padres e lideranças - A coordenação das equipes de liturgia, padres, diáconos, coordenadores dos ministérios específicos devem ter compreensão e domínio de tudo o que ocorrerá em toda semana. 4. Antecedência - Há muita coisa a ser preparada. Por causa disso, promova encontros, reuniões e estudos com muita antecedência. 5. Prioridade às celebrações - Antes de ir às orientações, olhem primeiro o rito de toda a celebração. Faça isso passo a passo, só depois leia as anotações gerais, sugestões e indicações. 6. Anotações - Faça uma conversa e anote atentamente o que não pode faltar: no rito parte por parte. Revista da Arquidiocese
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Depois, acrescente o que for necessário. 7. Símbolos e materiais - Faça uma lista de todos os símbolos e materiais necessários e não esqueça de distribuir as tarefas: quem faz o quê? quando? como? Para cada símbolo e cada função, prever com carinho: onde colocar? Onde fi car? Como, quando e onde se movimentar? Cuidado com a verdade do símbolo. Ou ele é e fala por si ou não é. Não se substitui símbolo por um faz-de-conta-que-é. Isto é matar o símbolo. Por exemplo, um círio de isopor, uvas de plástico, pães para decorar. 8. Repassar juntos - Nas grandes celebrações é muito importante preparar cada um a sua parte, mas nunca se esqueçam de repassar todo o roteiro juntos, combinar juntos, para ninguém atropelar ninguém. Às vezes, ensaiar no próprio local onde ocorrerá a celebração.
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9. Cantos alternativos - Será importante prever uma folha de cantos alternativos próprios para cada celebração, cantos mais adequados à realidade da Comunidade ou da Ação Litúrgica. 10. Trabalho em equipe - É o sinal mais característico da liturgia. Por isso, pensar também numa equipe de coordenação de toda semana. Essa equipe supervisionaria as demais, socorrendo imprevistos e garantindo o bom andamento e a liberdade de atuação de quem preside a celebração. E sempre se reúnam para avaliar a celebração que passou antes de planejar a próxima. 11. Devolução do livreto - Prever uma equipe bem articulada para garantir a distribuição e, ao fi nal de cada celebração, recolher o livreto. Ele é uma ferramenta para a semana toda.
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Dom Antonio e o sacerdócio ARCEBISPO EMÉRITO DE GOIÂNIA COMPLETOU 61 ANOS DE VIDA SACERDOTAL EM 2 DE ABRIL Abril de 2010 No dia 2 de abril, o arcebispo emérito de Goiânia, Dom Antonio Ribeiro de Oliveira, completou 61 anos de ordenação sacerdotal. Neste ano, dois grandes momentos da Igreja no mundo e em Goiânia dão relevo a essa data: o Ano Sacerdotal e o Centenário de Dom Fernando Gomes dos Santos, primeiro arcebispo de Goiânia. Ano passado, no jubileu, Dom Antonio foi homenageado na Arquidiocese Em 1957, quando Dom Fernando chegou a Goiânia, Dom Antonio tinha oito anos de padre “Sou, talvez, o mais privilegiado do ministério de Dom Fernando aqui na nossa Arquidiocese. Privilegiado, por ter vivido muito próximo a ele desde o começo de seu pastoreio. Fui seu primeiro Cura da Catedral e seu primeiro Vigário Geral”, confessa
o arcebispo emérito que conviveu 18 anos diretamente com Dom Fernando, como padre e bispo auxiliar. Nos tempos de sacerdote, Dom Antonio diz ter aprendido muito com Dom Fernando. Ele destaca o valor dado à pregação, à catequese e à assistência aos doentes, além do apoio dado ao clero. “A diocese era muito ampla, vivíamos isolados. Ele chegou e passou a valorizar as reuniões entre os padres. Foi um grande bispo para nós”, afi rma o emérito de Goiânia. Com a morte de Dom Fernando, em 1985, Dom Antonio o substituiu, tomando posse em janeiro de 1986. Atualmente, aos 83 anos, Dom Antonio reside em Inhumas, Goiás. Sobre a vocação para o sacerdócio, Dom Antonio afi rma ser muito feliz em ter respondido ao chamado para Revista da Arquidiocese
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essa vocação. “É uma vocação abençoada divulgar o Evangelho, apesar de hoje minha saúde estar muito frágil”. Dom Antônio foi ordenado padre em 2 de abril de 1949, na cidade
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de Mariana, em Minas Gerais, pela imposição das mãos de Dom Helvécio Gomes de Oliveira, então arcebispo da Igreja local. (jornal Brasil Central, n. 509, abril de 2010)
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Católicos mais cidadãos INICIADA EM ABRIL, ESCOLA DE DIREITOS E CIDADANIA QUER ATENDER ÀS DEMANDAS DA SOCIEDADE À LUZ DA FÉ Abril de 2010
Uma demanda dos leigos da Arquidiocese de Goiânia foi atendida neste ano e teve início a partir de 17 de abril. É a Escola de Formação para os Direitos Sociais, uma instância em que as pessoas terão oportunidade de aprofundar conhecimentos a respeito dos direitos sociais da população e de participar com maior efi ciência dos fóruns e dos vários conselhos que dão suporte ao exercício da cidadania. A história da Escola de Formação para os Direitos Sociais começou em 2008, quando, durante uma Reunião Mensal de Pastoral, realizada no Centro Pastoral Dom Fernando (CPDF), se levantou entre os presentes a necessidade de um aprimoramento dos leigos católicos no que diz respeito às questões
sociais prementes. A questão foi encampada pelo arcebispo metropolitano, Dom Washington Cruz, e pelo Conselho Presbiteral. A ideia amadureceu e, para sua efetivação, passou a contar com o auxílio da Comissão Justiça e Paz, na pessoa do professor Pedro Sérgio dos Santos. Com isso, foi elaborado um cronograma que abrange seis sábados durante o ano, sempre com módulos diferentes, ministrados por docentes da UFG e da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO). Qualificação O principal objetivo da Escola de Formação é ajudar as pessoas a adquirirem condições de fazer uma intervenção política qualifi cada. Revista da Arquidiocese
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“Não queremos gente para fazer uma atuação meramente política, mas, sim, cristãos católicos que tenham consciência do que signifi ca anunciar o Reino e assim, defender o interesse dos mais necessitados de uma forma cada vez mais efi ciente”, explicou Pedro Sérgio. O curso deste ano está programado para se estender de abril a outubro, uma vez por mês, sempre aos sábados, pela manhã e à tarde. A inscrição tem o custo de 50 reais.
ção de políticas públicas para os municípios da Arquidiocese de Goiânia. O professor Pedro Sérgio dos Santos, da Comissão Justiça e Paz, esclareceu que a capacitação não é somente tecnicista. “É importante observar que as disciplinas não visam somente à formação técnica, mas também a uma melhor capacitação política e cristã para o enfrentamento de problemas que exigem da Igreja uma participação competente de seus representantes”, ressaltou. A participação em fóruns e conObjetivo é participação com selhos da sociedade organizada é qualidade a meta principal da Escola de ForA necessidade de formar agentes mação para os Direitos Sociais. Os para as pastorais sociais foi identifi - agentes das pastorais sociais rececada pelos próprios leigos em uma berão o curso como uma maneira Reunião Mensal de Pastoral. Com de aprimorar seus conhecimentos isso – e com a ajuda de professores para a disposição ao trabalho em ligados à Igreja –, foi concebido um órgãos como os Conselhos Municiformato de conteúdo que englobará pais de Saúde e o Conselho Tutelar, temas que envolvam o exercício da por exemplo. (jornal Brasil Central, cidadania e a interferência na defi ni- n. 509, abril de 2010)
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A solidariedade para com a Criação DOM WASHINGTON CRUZ, CP (Arcebispo de Goiânia) Diário da Manhã, 1º de janeiro de 2010
Um novo ano amanheceu. Neste dia primeiro, consagrado como Dia Mundial da Paz, um ambiente de calma parece reinar em muitos lugares do Brasil e do mundo. O maior sonho da humanidade é que a paz seja, hoje, algo constante, conatural com o cotidiano das pessoas. Para este Dia Mundial da Paz, o Papa Bento XVI preparou uma Mensagem, que é a 43ª desde que este Dia especial no calendário da Igreja (e do mundo) foi instituído por Paulo VI a partir de sua primeira Mensagem datada de 8 de dezembro de 1967 e intitulada “O Dia da Paz”. Neste ano, o Papa chama a atenção para o necessário respeito para com a Criação, para com este grande bem que a sociedade comumen-
te chama de “Natureza” e que, aos olhos da fé, nasceu das mãos benfazejas de Deus. Isso é importante de ser afi rmado, sobretudo numa sociedade em que cresce uma consciência malévola que atesta a ascendência da técnica, da industrialização, do materialismo exacerbado sobre a Criação. O domínio do homem sobre a natureza terminou escravizando os bens com que Deus nos proveu e subjugando a natureza pelo bem do capital. Logo no início de sua Mensagem, o Papa já constata isso de modo eloquente: “Com efeito, se são numerosos os perigos que ameaçam a paz e o autêntico desenvolvimento humano integral, devido à desumanidade do homem para com o seu semelhante Revista da Arquidiocese
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– guerras, conflitos internacionais e regionais, atos terroristas e violações dos direitos humanos –, não são menos preocupantes os perigos que derivam do desleixo, se não mesmo do abuso, em relação à terra e aos bens naturais que Deus nos concedeu” (nº 1). As alterações climáticas, o processo quase irreversível de desertificação, a improdutividade já constatada em numerosas áreas antes agricolamente produtivas, a emissão de gases tóxicos gerando efeitos danosos, a poluição e a perda da biodiversidade... Tudo isso e algo mais poderá gerar no corpo humano e para a expressões da vida biológica danos dificilmente reparáveis. Novas doenças estão surgindo, o organismo humano vai se fragilizando ante as mutações quimicamente produzidas por alimentos modificados ou nos quais foram aplicados tratamentos químicos. A Criação – nela compreendida os seres da natureza e o próprio homem - parece gemer e sofrer, ora agonizar. A herança da Criação, afirma o Papa, pertence à humanidade inteira. Sendo assim, há que se encontrar mecanismos de proteção da Criação não apenas alinhados à mentalidade econômica. Revista da Arquidiocese
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Afinal, analisa o Santo Padre, quando se utilizam os recursos naturais, é preciso preocupar-se com a sua preservação, prevendo também os custos desta necessidade de preservação ambiental e os custos sociais advindos desta ou daquela intervenção no meio ambiente. A Campanha da Fraternidade deste ano chama a atenção para uma necessária relação entre Economia e Vida. Creio que a Mensagem para este Dia Mundial da Paz está profundamente sintonizada com a Campanha que a CNBB lançará em breve. Não é possível se viver num mundo onde a economia subjuga a natureza. Não é possível um mundo no qual a Criação esteja sob o domínio do capital, apresentado como divindade. É preciso que o mundo atual entenda e atue no sentido de não deixar como herança para as gerações futuras uma fatura de elevado custo, como é o caso dos danos ambientais que vão assolando a vida no planeta. Isso o Papa denomina de “solidariedade entre as gerações”. Ele afirma: “A solidariedade universal é para nós não só um fato e um benefício, mas também um dever. Trata-se de uma responsabilidade que as gerações presentes
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têm em relação às futuras (...)”. Com estas inspirações é que a Igreja se coloca no alvorecer deste novo ano. O grande desejo é que a família humana viva como o quer o Criador, unida por laços de estreita fraternidade. Somente concebendo-nos como irmãos uns dos outros e como co-habitantes de um mundo composto pelas demais maravilhas da Criação é que os homens e as mulheres de
nosso tempo poderão encontrar caminhos de superação das difi culdades. Acompanhe-nos nesta busca a Santa Mãe de Deus, em cujo ventre germinou a Vida e de quem se aprende a preservar a vida em toda a sua riqueza. Neste dia a ela dedicado, rogo, sobre todos, as bênçãos protetoras de Deus e desejo um feliz e abençoado ano novo, na paz dos que amam a Deus.
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Criação, dádiva de Deus DOM WASHINGTON CRUZ, CP (Arcebispo de Goiânia) O Popular, 1º de janeiro de 2010
A Mensagem do Papa Bento XVI para o Dia Mundial da Paz intitula-se “Se queres cultivar a paz, preserva a Criação”. Com essa ideia central, o Papa apresenta sua mensagem, após exatos vinte anos desde que o Venerável João Paulo II publicou uma mensagem “Paz com Deus Criador, paz com toda a criação”. Nesse dia em que celebramos a Solenidade de Maria, Mãe de Deus, no início de um novo ano, logo somos tomados pela convocação da Igreja para que a paz seja uma realidade entre todos os povos. E a paz, nesta Mensagem do Santo Padre, brota também de uma atitude benevolente e respeitosa do ser humano para com o ambiente natural. Ou, numa linguagem mais teológica, para com a Criação.
A Criação envolve tudo o que existe, não apenas o ser humano. A narrativa da Criação, no Livro do Gênesis, coloca o homem no centro. Mas todas as coisas criadas são dotadas de uma singularidade tocante, pois nascidas também do ato criador de Deus. Depois de organizar o mundo, Deus cria homem e mulher, à sua imagem e semelhança. No centro do mundo criado, no Jardim do Éden, como apresenta o Autor Sagrado, está a árvore que possui o fruto do conhecimento do bem e do mal. Se o homem opta pelo fruto do bem, há um caminho de eternidade que se abre. Se opta pelo mal, a destruição e o mal são iminentes. O livre-arbítrio opera no homem e lhe dá oportunidade de Revista da Arquidiocese
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escolha. Escolher e defender a vida implica também proteger tudo o que Deus colocou à sua disposição. Conceber o homem como um ser criado à imagem e semelhança de Deus, nascido do amor infinito do Criador, assim como todos os elementos postos na natureza, é um profundo ato de Fé. A leitura do Salmo 8, por exemplo, alimenta uma espiritualidade amplamente aberta à graça de Deus presente em toda a extensão da Criação. Esta espiritualidade da Criação é algo fundamental para o presente e para o futuro da sobrevivência humana e natural no planeta. Aberto à contemplação de tudo o que Deus criou, aqui o homem experimenta o sentimento de profunda fraternidade universal, sente-se irmão dos seres todos. Tal testamento espiritual foi deixado à Igreja por São Francisco de Assis (Cântico das Criaturas). Uma espiritualidade marcada pelo entrelaçamento entre o homem e as coisas criadas está presente na louvação franciscana, tão antiga e tão atual. O Venerável João Paulo II já falava acerca desta “consciência ecológica” naquela mensagem e o Papa Bento XVI, na Mensagem para este dia chama a atenção no sentido das atitudes concretas geradas por Revista da Arquidiocese
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tal experiência espiritual. A vida na Terra está em perigo. Em sua Carta Apostólica intitulada Octogesima adveniens de 14 de maio de 1971, Paulo VI sublinhava: “À medida que o horizonte do homem assim se modifica, a partir das imagens que se selecionam para ele, uma outra transformação começa a fazer-se sentir, consequência tão dramática quanto inesperada da atividade humana. De um momento para outro, o homem toma consciência dela: por motivo da exploração inconsiderada da natureza, começa a correr o risco de destruíla e de vir a ser, também ele, vítima dessa degradação. Não só já o ambiente material se torna uma ameaça permanente, poluições e lixo, novas doenças, poder destruidor absoluto; é mesmo o quadro humano que o homem não consegue dominar, criando assim, para o dia de amanhã, um ambiente global, que poderá tornar-se-lhe insuportável. Problema social de envergadura, este, que diz respeito à inteira família humana” (nº 21). Quase 40 anos depois, eis o mundo ante as profundas e quase irreversíveis ameaças que pairam sobre todos e que ameaçam a continuidade de todas as formas de vida.
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Grandes são os riscos que assolam a vida no planeta. O Papa Bento XVI enfatiza diversos aspectos desta problemática. Notadamente o impacto profundo que os danos ambientais trazem, como, por exemplo, o direito à vida, à alimentação, à saúde, ao desenvolvimento harmonioso e sustentável. Na medida em que se deixa dominar pelo egoísmo (e a exploração da natureza tem relação com esta postura), o homem recusa o mandado de Deus de ser ele mesmo o fiel zelador da Criação (Gn 2,15). E mata outros seres vivos para fazer valer seu afã dominador. Escraviza e extirpa a natureza em nome de determinada concepção desenvolvimentista. O Papa indica a necessidade da educação, sobretudo das crianças e dos jovens, para que vejam que o mundo não é a resultante dum destino cego ou de um acaso, para que entendam que o mundo e tudo o que nele há revela o contínuo milagre da vida. Milagre que é sinal do profundo amor com Deus ama a todas as Criaturas. “Todas as criaturas, bendizei ao Senhor” (Sl 102,22). Estas questões mais fundamentais de fé devem estar presentes na consciência ambiental. A paz nascerá de um coração reconciliado com
a natureza, com os seres criados, atuando de modo corresponsável pela preservação e pela promoção da vida natural em sua região, em seu país e no mundo. Assim, a paz, num sentido amplo e profundo, entrará no coração do homem. Porque a paz tem a ver com a unidade e nasce dela. Unidade com Deus, com o próximo, com a interioridade de cada pessoa, com os seres e com a vida, energia vital que envolve o ser humano. Neste caminho de amor, acompanha-nos Maria, Mãe de Deus, Morada do Altíssimo, a Mãe da Nova e Eterna Criação. É sobre ela que ensina São Luís de Montfort: “Deus Pai ajuntou todas as águas e denominou-as mar; reuniu todas as suas graças e chamou-as Maria. Deus Filho comunicou a sua Mãe tudo que adquiriu por sua vida e morte: seus méritos infinitos e suas virtudes admiráveis. Deus Espírito Santo comunicou a Maria, sua fiel esposa, seus dons inefáveis, escolhendo-a para dispensadora de tudo que Ele possui”. Que Maria, em cujo ventre encarnou-se o Príncipe da Paz, eduque o mundo de hoje para o cuidado com o que Deus confiou Revista da Arquidiocese
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ao ser humano. Do mesmo modo ventre fez-se carne. E habitou encomo Deus nela confi ou quando a tre n贸s. E nos fez novas criaturas, semente do Verbo Eterno em seu por seu imenso amor.
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Inocência violentada DOM WASHINGTON CRUZ, CP (Arcebispo de Goiânia) O Popular, 16 de abril de 2010 Nestes últimos dias, os ataques à fi gura do papa Bento XVI, à sua pessoa e à sua ação têm sido tão ferozes e tão conectados globalmente que merecem uma refl exão e uma resposta. Não é a primeira vez que, publicamente, se ataca este grande Pontífi ce, um homem de Deus, um sábio, um pastor solícito e vigilante. O pretexto desta vez são os casos de pedofi lia nos quais, lamentavelmente, se mancharam sacerdotes em diversos países do mundo. Sabe-se que esse horrendo pecado ocorre frequentemente, em toda parte. Só com muita humildade e entranhada paixão pela verdade a Igreja se renovará depois dos múltiplos escândalos de pedofi lia. Foi mau, péssimo mesmo, que alguns na Igreja tenham preferido a cultura do silêncio, em vez da denúncia desses males para, no possível, os curar, sem pre-
juízo dos devidos castigos da justiça humana. Tentar dizer agora que Bento XVI é cúmplice de tais atos vergonhosos, quer como papa ou, antes, como cardeal, responsável pela Congregação para a Doutrina da Fé, é uma exagerada injustiça. Foi ele quem teve a coragem de quebrar o silêncio para atacar de frente esses escândalos. E o fez já desde os tempos de cardeal, quando defendeu novas regras e mais severas para pôr termo a esses desvarios. Como diz o prestigiado cardeal alemão Walter Kasper, presidente do Conselho Pontifício para a Unidade dos Cristãos, em entrevista ao jornal italiano Corriere della Sera, “jamais o papa proibiu denunciar padres pederastas e jamais deu ordens para esconder esses casos Revista da Arquidiocese
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vergonhosos”. Basta ler atentamente a recente carta que o papa escreveu aos irlandeses para avaliar a coragem de Bento XVI na recusa de tais escândalos e na vontade fi rme de acabar com eles no interior da Igreja. Também os bispos franceses confessam a sua vergonha pelos “atos abomináveis” da pedofi lia no seio da Igreja, lamentando que tais desmandos sirvam para que alguns façam campanha para atacar o papa e a missão que desempenha na Igreja. Na falta de argumento melhor, ligam, com a lógica do princípio da causalidade, o celibato à pedofi lia. Porém, estranhariam ligá-lo, por exemplo, à homossexualidade, porque isso hoje seria social e culturalmente incorreto – e injusto, digo eu. Que fi que bem claro: a Igreja Católica precisa de purifi cação, a começar pelo seu clero. Mas, isso passa mais pela fi delidade e lealdade a Jesus Cristo e às pessoas do que à Comunicação Social, por mais escandalizada e encarniçada que se revele. No Vaticano II, quase 50 anos atrás, o padre Arrupe, prepósito geral da Companhia de Jesus, já denunciava uma estratégia perfeitamente planejada, de uma sociedade ateia que controla organizações mundiais no fi nanceiro, no cinema, no rádio e na imprensa. Percebe-se Revista da Arquidiocese
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nitidamente em tudo isso, nos males internos e nos ataques dos inimigos, o infl uxo do Inimigo por excelência. Hoje em dia, os meios são ainda mais sofi sticados. Pensemos que são, em muitos casos, empresas que têm fortes interesses e que estão por trás de alguns meios de comunicação poderosíssimos, capazes de fazer lavagem cerebral em multidões. Gostaria de terminar com uma exortação a todos, neste dia em que Bento XVI celebra seus 83 anos de vida, para que apoiemos o papa, manifestando com entusiasmo nossa adesão a ele e ao seu magistério; que sigamos seus ensinamentos e ouçamos o que ele nos diz, porque hoje é fácil poder fazêlo diretamente, sem contentar-nos com as manchetes propositais dos jornais ou os fl ashes dos noticiários nas TVs. Finalmente, quero pedir-lhes que rezemos especialmente pelo Santo Padre. Eu rezo todos os dias, quando termino o rosário, uma oração que aprendi quando ainda era criança. Esta oração diz: “Oremos por nosso Pontífi ce (Bento XVI). Que o Senhor o conserve, o fortaleça, o faça feliz nesta terra e não permita que caia nas mãos de seus inimigos.”
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Semana de Deus e Semana do Homem DOM WASHINGTON CRUZ, CP (Arcebispo de Goiânia) O Popular, 31 de março de 2010
Não sei se devemos chamar a Semana Santa, semana de Deus ou semana dos homens. Trata-se, na verdade, da semana central da vida de Cristo e também da semana central da vida dos homens. Deus e os homens são os grandes personagens desta semana. Em poucos dias, julgamos, condenamos, crucifi camos e matamos Nosso Senhor na cruz. Como pode o bom Deus se submeter ao capricho e à liberdade dos homens? E como os homens podem ser capazes de tratar Deus assim? Mas essa é a realidade desta semana. A Semana Santa é o momento de entrar no coração de Deus e também de entrar no coração do homem. É claro que os homens não falam de Deus, mas de um revolucionário, de um iludido que se chama de Deus.
E até certo ponto, parecia verdade. Pode-se condenar e eliminar Deus pensando que se trata de um perigo para nós. É por isso que Jesus diz na Cruz: “Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem”. Será que os Sacerdotes e os mestres da lei sabiam que estavam julgando a Deus? Sabiam os homens, como Pilatos, que estavam sentenciando a Deus? É bem provável que não. Nem por isso eles fi cam justifi cados. Mesmo que não fosse Deus, não se poderia condenar tão facilmente um homem e com mais razão quando se reconhece que se trata de um inocente. Será que não havia muitos interesses humanos e religiosos no meio de tudo isso? Não entenderemos o comportamento de Deus se não conhecemos Revista da Arquidiocese
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o seu coração, mas tampouco conheceremos o homem sem conhecer a verdade de seu coração. Durante esta semana, todos somos chamados a observar o conjunto de personagens que aparecem nos relatos da paixão. É possível que o homem Pilatos hoje possa ter o seu nome, leitor, e meu nome. É possível que Herodes possa levar seu nome e também o meu. É possível que Pedro possa levar seu nome e meu nome. É possível que o nome de Cireneu hoje possa ser meu nome e o seu. Porque, na realidade, os autores da Paixão de Jesus somos todos nós. Uns de uma maneira e outros de outra. Mas qual deve ser a nossa experiência de Jesus nestes dias de Semana Santa? O essencial é a revelação do amor de Deus. Os sofrimentos poderiam nos dar a impressão de que o cristianismo é “dolorismo”. Mas as dores da Paixão são apenas para nos revelar que Deus nos ama. Se não descobrirmos o amor que Deus tem por nós, não entenderemos nada da celebração desta semana. O evangelista João diz claramente: “Deus amou tanto o mundo que lhe deu seu Filho único para que o mundo seja salvo”.
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A história da Paixão é uma história de amor. Um amor que se expressa na dor e no sofrimento. Mas nem a dor nem o sofrimento podem ser o fi m. O fi m é que nós nos sintamos amados por Deus. Afi nal, as únicas coisas que valem são aquelas que fazemos por amor a nossos irmãos. Mais do que exclamar quanto Jesus sofreu, seria melhor que gritássemos quanto Deus nos amou e nos ama! Mais do que lamentar os sofrimentos da vida, perguntemonos quanto estamos amando? A Semana Santa, porém, não termina na Cruz. Se terminasse na Cruz, tudo terminaria na morte. E isto não é verdade. Ela termina na Páscoa. E isto deve nos levar a valorizar as celebrações litúrgicas da Vigília Pascal. Porque na Vigília Pascal as trevas se tornam luz e a morte começa a ter sabor de vida. As celebrações nos falam de morte e de sepultura, mas também de um amanhecer pascal com um sepulcro vazio e um Cristo ressuscitado. Com homens e mulheres novos, ressuscitados com ele. Que todos possamos celebrar a Páscoa com um coração transformado, cantando alegres! Aleluia, aleluia! O Senhor Ressuscitou!
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“Quero ser um bom pastor” ENTREVISTA COM MONSENHOR WALDEMAR PASSINI Fevereiro de 2010 Pela segunda vez na sua história – a primeira foi com Dom Antonio Ribeiro –, a Arquidiocese de Goiânia terá um bispo auxiliar: o monsenhor Waldemar, que foi anunciado dia 30 de dezembro e será sagrado bispo no dia 19 de março. Mas quem é Waldemar Passini Dalbello? É isso que o Brasil Central, nestas duas páginas, tenta revelar sobre esse anapolino, fi lho de José Antônio Dalbello e Maria Aparecida Passini
Dalbello, fi gura que ele perdeu aos 16 anos. Entre as curiosidades: a de que ele chegou a concluir o curso de Engenharia Elétrica, mas já estava tomado por outra vocação, “conquistado” por Cristo, como ele diz. O que passou pela cabeça do senhor quando ficou sabendo do chamado para ser bispo? O primeiro sentimento que tive foi um misto de gratidão a Deus e Revista da Arquidiocese
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surpresa. Não fiquei pensando no que iria fazer como bispo ou coisas assim. Foi como eu reconhecer um novo “segue-me”, vindo de Cristo. Lógico que agora aumenta o senso de responsabilidade, porque as pessoas passam a nos ver ainda mais como referência. Antes do anúncio, quem sabia da notícia? Eu soube dia 11 de dezembro, quando Dom Washington me comunicou. Na véspera do anúncio (dia 30 de dezembro) dois ou três padres ficaram sabendo, por conta da necessidade de preparar a cerimônia. Minha família mesmo só soube depois: liguei para o meu pai e meu irmão atendeu. Falei a ele que tinha sido eleito bispo, mas ele não entendeu nada (risos) e passou para o meu pai. Eles estavam saindo de Anápolis para Uberaba e puderam me encontrar, passando por aqui. Meu pai ficou realmente muito feliz. Seu pai sempre te deu força para seguir a carreira religiosa? Na verdade , meu pai me queria ver engenheiro formado. Só que, durante o curso, expus a ele minha
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vontade de seguir o apelo do meu coração, que me chamava para o sacerdócio. Não era o que ele queria a princípio, mas ele nunca me impediu e, depois, sempre me deu apoio. E quando o senhor sentiu pela primeira vez esse chamado à vocação? Foi em 1986. Eu estava no 3º ano de Engenharia Elétrica e tinha uma percepção muito vaga e confusa do que era aquilo acontecendo dentro de mim. Procurei o padre Sérgio Foglia, então meu pároco no Conjunto Itatiaia. Ele me afirmou: “Vejo em você sinais de vocação sacerdotal.” A fala dele me fez aprofundar no que eu sentia. Então, passei um ano em crise com a ideia, passando pelos estágios da rejeição, da possibilidade, da aceitação e do desejo. E como foi essa mudança? Terminei com essa história bem clara dentro do meu coração. Tive de redefinir minhas prioridades em relação ao meu futuro, porque até então eu tinha planos de seguir uma profissão e constituir uma família. Mas durante esse tempo, fiz esse discernimento de modo tranquilo. Ao fim, já não tinha nenhum
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saudosismo em relação à profi ssão e ao matrimônio. O padre Sérgio Foglia parece ter sido uma figura importante em sua história. Qual foi o papel dele nisso? Ele foi minha referência, meu apoio. A presença dele, as conversas com ele, mas sobretudo seu testemunho. No padre Sérgio, eu podia ver um padre idoso, realizado e fazendo o bem. Foi ele também, juntamente com meu pai, que me convenceu a terminar o curso de Engenharia, para uma garantia de “liberdade” na trilha que eu queria seguir. Praticamente todos os meus colegas de curso saíram já empregados. Comigo teria sido assim, mas meu destino foi o seminário. Agora, na função de bispo auxiliar, qual será seu papel? Vou ser isso mesmo: um bispo colaborador do arcebispo, com funções para exercer. Dom Washington me encarregou de tomar frente do Vicariato para a Cultura e a Educação, que responde pela Sociedade Goiana de Cultura, PUC-GO, escolas católicas etc. Vou conduzir também a área de formação e vocações dentro dos diversos ministérios da Igreja de Goiânia.
Como o senhor avalia a caminhada da Igreja Católica no Brasil e os rumos do País? Vejo que a Igreja tem acompanhado as mudanças no Brasil. Desde a consolidação da democracia e agora, nessa fase de estabilidade econômica, mas ainda com grande desigualdade social, a Igreja tem tido habilidade para dialogar com o governo e a sociedade. Sinto também a Igreja como uma grande potencializadora de conscientização, em várias ações. A Campanha da Fraternidade deste ano fala na impossibilidade de servir a Deus e ao dinheiro. Diante disso, como a Igreja pode enfrentar as críticas de ostentação de um grande patrimônio? É preciso ver tudo com dados realistas. A Igreja muitas vezes foi criticada por seus bens no passado, Estados pontifícios e tudo o mais. Hoje o Vaticano é um pequeno Estado na cidade de Roma, onde todos os bens são patrimônio histórico, artístico e cultural da humanidade. Os outros bens que a Igreja possui, todos eles, estão colocados em prol das comunidades. São bens de serviço e não para enriquecimento de algumas pessoas em particular. Revista da Arquidiocese
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Irmã Rita Kallabis fala sobre o tema durante o encontro com os agentes de pastoral
Economia e Vida é discutida em Reunião TEMA DA CAMPANHA DA FRATERNIDADE ECUMÊNICA VOLTOU A SER DISCUTIDO NA REUNIÃO MENSAL DE PASTORAL DE FEVEREIRO Fevereiro de 2010 O tema “Economia e Vida” e o lema “Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro” foi exposto pela religiosa, pedagoga social e economista Rita Petra Kallabis. Segundo Ir. Rita, a economia é uma instituição central da sociedade e necessária ao seu bom funcionamento. Enraizada num projeto de desenvolvimento sociopolítico e econômico, é ela que materializa
o que o projeto idealiza. Contudo, nos deparamos, no Brasil e no mundo, com um processo de dominação, sempre mais acentuado, da lógica econômica em todas as esferas da vida. No estágio atual do capitalismo, o “mercado” se livra sempre mais das rédeas éticas e se transforma num moinho satânico. No centro desse processo estão os vencedores: o Brasil reconhecido e Revista da Arquidiocese
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admirado internacionalmente; as grandes empresas, ágeis no mercado nacional e globalizado; e as pessoas que com seu trabalho conseguem participar desta dinâmica. O Brasil melhorou, sim. A situação social melhorou, também. Mas, a dinâmica destruidora e excludente se acentuou, a desigualdade perversa e corrosiva continua Quanto mais olhamos para a periferia do sistema, mais nítidos ficam os efeitos perversos dele, sobretudo a pobreza e a miséria e a destruição do meio ambiente, expressão da injustiça gritante com a qual organizamos este país lido e dotado de tantos dons. Com um olhar realista, que vai além do curto prazo, não podemos negar que a situação social, política e ecológica já está insustentável. Nossa economia não está organizada em prol da vida das pessoas, da sociedade, da criação, mas, em última análise, está voltada aos interesses do capital financeiro que faz todos, sobretudo os governos, reféns das suas exigências. Por sua própria dinâmica, o mercado sozinho não criará alternativas. Urge a conversão de todos, de cada pessoa, de cada comunidade, de cada igreja, de cada empresário, de cada governo, da sociedade
toda. Urge recolocar o fazer econômico dentro de um projeto civilizatório que tem como centro gravitacional a promoção das pessoas reais e da criação. O projeto central deste Bem Comum está na promoção de um mercado de trabalho inclusivo, com empregos em número suficiente e de boa qualidade, juntamente a construção de um sistema de seguridade social capaz de proteger os membros da sociedade dos riscos sociais inerentes a nossa forma de organizar a economia. E o terceiro eixo é o uso sustentável dos recursos naturais. A pobreza e a miséria, em forma de pobreza humana e destruição do meio ambiente, são o sinal mais claro do nosso desvio do projeto de desenvolvimento que Deus nos propõe, o Reino de Deus. Se não empenharmos nossas vidas para reduzir a pobreza e quebrar as dinâmicas que as causam, seremos tudo, menos cristãos. Pois Deus não aceita nossas oferendas e nossas orações se não cuidarmos dos pobres, se não os recebemos como coirmãos, se não zelamos da criação que recebemos do amor gratuito e generoso dele como ele o faz. No centro do nosso agir há ou o deus-mercado ou o Deus da Vida. Não há meio termo.
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Convertei-vos de coração e credes no Evangelho, no Evangelho da
solidariedade, da fraternidade, da partilha e da justiça plena. Ir. Rita Petra Kallabis, Missionária de Cristo, Pedagoga Social, Economista (PUC-GO), mestre em Desenvolvimento Econômico (Unicamp); pesquisadora do Observatório das Metrópoles e do Grupo de Estudos e Pesquisas Urbanas (Gepur) – núcleo de Goiânia; colaboradora da Caju na área sociopolítica.
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Professor Wolmir Amado fala sobre Dom Fernando ladeado pelo monsenhor João Daiber (esquerda) e o jornalista Elder Dias
Uma vida dedicada a Deus e ao povo CENTENÁRIO DE DOM FERNANDO É TEMA DA REUNIÃO MENSAL 08 de março de 2010
A tradicional Reunião Mensal de Pastoral da Arquidiocese do dia 11 de março foi o primeiro ato ofi cial das comemorações do centenário de nascimento de Dom Fernando Gomes dos Santos, primeiro arcebispo de Goiânia. A reunião foi realizada no auditório Maria Mãe da Igreja, do Centro Pastoral que leva o nome do primeiro arcebispo da capital (CPDF). O encontro teve a assessoria do
reitor da PUC Goiás e mestre em História, Wolmir Amado, e do Vigário Geral da Arquidiocese, Monsenhor João Daiber. Além do aprofundamento temático, houve a exposição fotográfi ca “Dom Fernando Gomes dos Santos, uma vida dedicada a Deus e ao povo”. Dom Fernando nasceu em 4 de abril de 1910, em Patos, na Paraíba. Wolmir Amado fala da importânRevista da Arquidiocese
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cia de Dom Fernando como “referência imprescindível” da memória da memória eclesial da Arquidiocese. “Soube ser resposta histórica em
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seu tempo e em sua trajetória de vida há intuições e práticas que, com a devida hermenêutica, permanecem ainda válidas e atuais”, descreveu.
Revista 2/2010
Sumário I – Santa Sé Discursos 1. Procissão de encerramento do mês mariano...................................................... 157 Mensagens 2. O sacerdote e a pastoral no mundo digital........................................................ 161 Homilias 3. Capela papal na Solenidade de Pentecostes ..................................................... 167 4. Santa missa na Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo............ 173 5. Encerramento do Ano Sacerdotal........................................................................ 179 Entrevistas 6. Aniversário da beatificação dos pastorinhos de Fátima................................... 187 II – CNBB Artigos 1. Moralidade política................................................................................................ 193 2. Pedofilia, uma chaga social................................................................................... 197 Notas 3. Declaração sobre o momento político nacional ................................................ 201 4. Solidariedade às vítimas das enchentes............................................................. 205 III – CNBB Regional Notícias 1. Sucessora de Zilda Arns na Pastoral da Pessoa Idosa...................................... 207 2. Forma indevida de usar título de “padre”......................................................... 209 IV – Arquidiocese Homilias 1. 5º Domingo da Páscoa (ano C)............................................................................. 211 2. Novena ao Pai Eterno 2010 (1º dia)...................................................................... 215 3. Solenidade do Divino Pai Eterno......................................................................... 221 Eventos 4. Sínodo e novena de Pentecostes........................................................................... 229 5. 25 anos da páscoa de Dom Fernando.................................................................. 231 6. Arquidiocese festeja Corpus Christi.................................................................... 233 7. Encerramento do Ano Sacerdotal........................................................................ 235 8. Arte sacra debatida em encontro internacional ................................................ 239 9. Igreja não tem partido, diz Dom Washington................................................... 243 10. Arquidiocese em Romaria.................................................................................. 247 Artigos 11. Eleições livres e justas.......................................................................................... 251 12. Chegada de Dom Fernando a Goiânia.............................................................. 253
Notícias 13. Padre Zezinho em palestra................................................................................. 255 14. Encontro nacional da Pascom debate novas tecnologias............................... 257 15. Frei Humberto lança livro sobre a família........................................................ 259 Reuniões mensais 16. Agosto: Pastoral Carcerária em discussão........................................................ 261
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Procissão de encerramento do mês mariano DISCURSO DE BENTO XVI NA GRUTA DE LOURDES NOS JARDINS DO VATICANO Vaticano, 31 de maio de 2010
Amados irmãos e irmãs!
para a montanha, a uma cidade de Judá”(Lc 1,39). A de Maria é uma Uno-me a vós com grande alegria, autêntica viagem missionária. É no fi nal deste tradicional encontro uma viagem que a leva longe de de oração, que conclui o mês de casa, a impulsiona para o mundo, maio no Vaticano. Com referência para lugares distantes dos seus à liturgia hodierna, queremos con- costumes quotidianos, que a faz templar Maria Santíssima no mis- chegar, num certo sentido, até aos tério da sua Visitação. Na Virgem confi ns por ela alcançáveis. ConMaria que vai visitar a prima Isa- siste precisamente nisto, também bel reconhecemos o exemplo mais para todos nós, o segredo da noslímpido e o signifi cado mais verda- sa vida de homens e de cristãos. deiro do nosso caminho de crentes A nossa, como indivíduos e como e do caminho da própria Igreja. A Igreja, é uma existência projetada Igreja por sua natureza é missioná- para fora de nós. Como já tinha ria, é chamada a anunciar o Evan- acontecido para Abraão, é-nos pegelho em toda a parte e sempre, a dido para sairmos de nós mesmos, transmitir a fé a todos os homens e dos lugares das nossas seguranças, mulheres, em qualquer cultura. para ir em direção aos outros, a lu“Por aqueles dias – escreve o gares e ambientes diferentes. É o evangelista São Lucas – pôs-se Ma- Senhor que no-lo diz: “Ides receber ria a caminho e dirigiu-se à pressa uma força, a do Espírito Santo, que Revista da Arquidiocese
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descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas... até aos confins do mundo” (At 1,8). E é sempre o Senhor que, neste caminho, nos põe ao lado Maria como companheira de viagem e mãe solícita. Ela tranquiliza-nos, porque nos recorda que conosco está sempre o seu Filho Jesus, segundo quanto prometeu: “Eu estarei sempre convosco, até ao fim do mundo” (Mt 28,20). O evangelista escreve que “Maria permaneceu com ela (com a prima Isabel) cerca de três meses” (Lc 1,56). Estas simples palavras dizem a finalidade mais imediata da viagem de Maria. Soube pelo Anjo que Isabel concebera um filho e que estava no sexto mês (cf. Lc 1,36). Mas Isabel era idosa e a proximidade de Maria, ainda muito jovem, podia ser-lhe útil. Por isto Maria vai à sua casa e permanece com ela cerca de três meses, para lhe oferecer aquela proximidade afetuosa, aquela ajuda concreta e todos aqueles serviços quotidianos de que tinha necessidade. Isabel torna-se assim o símbolo de tantas pessoas idosas e doentes, aliás, de todas as pessoas necessitadas de ajuda e de amor. E quantos existem também hoje nas nossas famílias, nas nossas comunidades, nas nossas cidades! E Maria Revista da Arquidiocese
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– que se tinha definido “a serva do Senhor” (Lc 1,38) – faz-se serva dos homens. Mais precisamente, serve o Senhor que encontra nos irmãos. A caridade de Maria, contudo, não se detém na ajuda concreta, mas alcança o seu ápice ao doar o próprio Jesus, ao “fazê-lo encontrar”. É ainda São Lucas quem o ressalta: “Ao ouvir Isabel a saudação de Maria, o menino saltou-lhe de alegria no seio” (Lc 1,41). Estamos assim no coração e no ápice da missão evangelizadora. Chegamos ao significado mais verdadeiro e à finalidade mais genuína de qualquer caminho missionário: doar aos homens o Evangelho vivente e pessoal, que é o próprio Senhor Jesus. E a de Jesus é uma doação que – como afirma Isabel – enche o coração de alegria: “Pois logo que chegou aos meus ouvidos a tua saudação, o menino saltou de alegria no meu seio”(Lc 1,44). Jesus é o verdadeiro e único tesouro que temos para dar à humanidade. É d'Ele que os homens e as mulheres do nosso tempo têm profunda saudade, mesmo quando parece que o ignoram e rejeitam. É d'Ele que têm grande necessidade a sociedade na qual vivemos, a Europa e o mundo inteiro.
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Está confi ada a nós esta extraordinária responsabilidade. Vivamola com alegria e com empenho, para que a nossa seja deveras uma civilização na qual reinam a verdade, a justiça, a liberdade e o amor, pilares fundamentais e insubstituíveis de uma verdadeira convivên-
cia ordenada e pacífi ca. Vivamos esta responsabilidade permanecendo assíduos na escuta da Palavra de Deus, na união fraterna, na fração do pão e nas orações (cf. At 2,42). Seja esta a graça que juntos esta tarde pedimos à Virgem Santíssima. A todos vós a minha Bênção.
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O sacerdote e a pastoral no mundo digital: os novos media ao serviço da Palavra MENSAGEM PARA O 44º DIA MUNDIAL DAS COMUNICAÇÕES SOCIAIS 16 de maio de 2010 Queridos irmãos e irmãs!
temente, formas de diálogo mais abrangentes, mas a sua recente e O tema do próximo Dia Mundial incisiva difusão e a sua notável indas Comunicações Sociais – “O sa- fl uência tornam cada vez mais imcerdote e a pastoral no mundo di- portante e útil o seu uso no minisgital: os novos media ao serviço da tério sacerdotal. Palavra” – insere-se perfeitamente A tarefa primária do sacerdote é no trajeto do Ano Sacerdotal e traz anunciar Cristo, Palavra de Deus à ribalta a refl exão sobre um âmbito encarnada, e comunicar a multivasto e delicado da pastoral como é forme graça divina portadora de o da comunicação e do mundo digi- salvação mediante os sacramentos. tal, que oferece ao sacerdote novas Convocada pela Palavra, a Igreja possibilidades para exercer o seu coloca-se como sinal e instrumento serviço à Palavra e da Palavra. Os da comunhão que Deus realiza com meios modernos de comunicação o homem e que todo o sacerdote é fazem parte, desde há muito tem- chamado a edifi car n’Ele e com Ele. po, dos instrumentos ordinários Aqui reside a altíssima dignidade através dos quais as comunidades e beleza da missão sacerdotal, na eclesiais se exprimem, entrando em qual se concretiza de modo privilecontacto com o seu próprio territó- giado aquilo que afi rma o apóstorio e estabelecendo, muito frequen- lo Paulo: “Na verdade, a Escritura Revista da Arquidiocese
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diz: ‘Todo aquele que acreditar no Senhor não será confundido’. […] Portanto, todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo. Mas como hão de invocar Aquele em quem não acreditam? E como hão de acreditar n’Aquele de quem não ouviram falar? E como hão de ouvir falar, se não houver quem lhes pregue? E como hão de pregar, se não forem enviados?” (Rm 10,11.13-15). Hoje, para dar respostas adequadas a estas questões no âmbito das grandes mudanças culturais, particularmente sentidas no mundo juvenil, tornaram-se um instrumento útil as vias de comunicação abertas pelas conquistas tecnológicas. De fato, pondo à nossa disposição meios que permitem uma capacidade de expressão praticamente ilimitada, o mundo digital abre perspectivas e concretizações notáveis ao incitamento paulino: “Ai de mim se não anunciar o Evangelho!” (1Cor 9,16). Por conseguinte, com a sua difusão, não só aumenta a responsabilidade do anúncio, mas esta torna-se também mais premente reclamando um compromisso mais motivado e eficaz. A este respeito, o sacerdote acaba por encontrar-se como que no limiar de uma “história nova”, porque quanto mais Revista da Arquidiocese
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intensas forem as relações criadas pelas modernas tecnologias e mais ampliadas forem as fronteiras pelo mundo digital, tanto mais será chamado o sacerdote a ocupar-se disso pastoralmente, multiplicando o seu empenho em colocar os media ao serviço da Palavra. Contudo, a divulgação dos “multimédia” e o diversificado “espectro de funções” da própria comunicação podem comportar o risco de uma utilização determinada principalmente pela mera exigência de marcar presença e de considerar erroneamente a internet apenas como um espaço a ser ocupado. Ora, aos presbíteros é pedida a capacidade de estarem presentes no mundo digital em constante fidelidade à mensagem evangélica, para desempenharem o próprio papel de animadores de comunidades, que hoje se exprimem cada vez mais frequentemente através das muitas “vozes” que surgem do mundo digital, e anunciar o Evangelho recorrendo não só aos media tradicionais, mas também ao contributo da nova geração de audiovisuais (fotografia, vídeo, animações, blogs, páginas da internet) que representam ocasiões inéditas de diálogo e meios úteis inclusive para a
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evangelização e a catequese. Através dos meios modernos de comunicação, o sacerdote poderá dar a conhecer a vida da Igreja e ajudar os homens de hoje a descobrirem o rosto de Cristo, conjugando o uso oportuno e competente de tais meios – adquirido já no período de formação – com uma sólida preparação teológica e uma espiritualidade sacerdotal forte, alimentada pelo diálogo contínuo com o Senhor. No impacto com o mundo digital, mais do que a mão do operador dos media, o presbítero deve fazer transparecer o seu coração de consagrado, para dar uma alma não só ao seu serviço pastoral, mas também ao fluxo comunicativo ininterrupto da “rede”. Também no mundo digital deve ficar patente que a amorosa atenção de Deus em Cristo por nós não é algo do passado nem uma teoria erudita, mas uma realidade absolutamente concreta e atual. De fato, a pastoral no mundo digital há de conseguir mostrar, aos homens do nosso tempo e à humanidade desorientada de hoje, que “Deus está próximo, que, em Cristo, somos todos parte uns dos outros” [Bento XVI, Discurso à Cúria Romana na apresentação dos votos de Natal:
“L’Osservatore Romano” (21-22 de dezembro de 2009) pág. 6]. Quem melhor do que um homem de Deus poderá desenvolver e pôr em prática, mediante as próprias competências no âmbito dos novos meios digitais, uma pastoral que torne Deus vivo e atual na realidade de hoje e apresente a sabedoria religiosa do passado como riqueza donde haurir para se viver dignamente o tempo presente e construir adequadamente o futuro? A tarefa de quem opera, como consagrado, nos media é aplanar a estrada para novos encontros, assegurando sempre a qualidade do contacto humano e a atenção às pessoas e às suas verdadeiras necessidades espirituais; oferecendo, às pessoas que vivem nesta nossa era “digital”, os sinais necessários para reconhecerem o Senhor; dando-lhes a oportunidade de se educarem para a expectativa e a esperança, abeirando-se da Palavra de Deus que salva e favorece o desenvolvimento humano integral. A Palavra poderá assim fazer-se ao largo no meio das numerosas encruzilhadas criadas pelo denso emaranhado das autoestradas que sulcam o ciberespaço e afirmar o direito de cidadania de Deus em todas as épocas, a fim de Revista da Arquidiocese
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que, através das novas formas de comunicação, Ele possa passar pelas ruas das cidades e deter-se no limiar das casas e dos corações, fazendo ouvir de novo a sua voz: “Eu estou à porta e chamo. Se alguém ouvir a minha voz e Me abrir a porta, entrarei em sua casa, cearei com ele e ele comigo” (Ap 3,20). Na Mensagem do ano passado para idêntica ocasião, encorajei os responsáveis pelos processos de comunicação a promoverem uma cultura que respeite a dignidade e o valor da pessoa humana. Este é um dos caminhos onde a Igreja é chamada a exercer uma “diaconia da cultura” no atual “continente digital”. Com o Evangelho nas mãos e no coração, é preciso reafirmar que é tempo também de continuar a preparar caminhos que conduzam à Palavra de Deus, não descurando uma atenção particular por quem se encontra em condição de busca, mas antes procurando mantê-la desperta como primeiro passo para a evangelização. Efetivamente, uma pastoral no mundo digital é chamada a ter em conta também aqueles que não acreditam, caíram no desânimo e cultivam no coração desejos de absoluto e de verdades não caducas, dado que os novos Revista da Arquidiocese
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meios permitem entrar em contacto com crentes de todas as religiões, com não crentes e pessoas de todas as culturas. Do mesmo modo que o profeta Isaías chegou a imaginar uma casa de oração para todos os povos (cf. Is 56,7), não se poderá porventura prever que a internet possa dar espaço – como o “pátio dos gentios” do Templo de Jerusalém – também àqueles para quem Deus é ainda um desconhecido? O desenvolvimento das novas tecnologias e, na sua dimensão global, todo o mundo digital representam um grande recurso, tanto para a humanidade no seu todo como para o homem na singularidade do seu ser, e um estímulo para o confronto e o diálogo. Mas aquelas apresentam-se igualmente como uma grande oportunidade para os crentes. De fato nenhum caminho pode, nem deve, ser vedado a quem, em nome de Cristo ressuscitado, se empenha em tornar-se cada vez mais solidário com o homem. Por conseguinte e antes de mais nada, os novos media oferecem aos presbíteros perspectivas sempre novas e, pastoralmente, ilimitadas, que os solicitam a valorizar a dimensão universal da Igreja para uma comunhão ampla e concreta; a
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ser no mundo de hoje testemunhas da vida sempre nova, gerada pela escuta do Evangelho de Jesus, o Filho eterno que veio ao nosso meio para nos salvar. Mas, é preciso não esquecer que a fecundidade do ministério sacerdotal deriva primariamente de Cristo encontrado e escutado na oração, anunciado com a pregação e o testemunho da vida, conhecido, amado e celebrado nos sacramentos, sobretudo da Santíssima Eucaristia e da Reconciliação. A vós, queridos Sacerdotes, renovo
o convite a que aproveiteis com sabedoria as singulares oportunidades oferecidas pela comunicação moderna. Que o Senhor vos torne apaixonados anunciadores da Boa Nova na “ágora” moderna criada pelos meios atuais de comunicação. Com estes votos, invoco sobre vós a proteção da Mãe de Deus e do Santo Cura d’Ars e, com afeto, concedo a cada um a Bênção Apostólica. Vaticano, 24 de janeiro – Festa de São Francisco de Sales – de 2010.
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Capela papal na Solenidade de Pentecostes HOMILIA DO PAPA BENTO XVI Basílica Vaticana, 23 de maio de 2010
Prezados irmãos e irmãs! Na solene celebração do Pentecostes, somos enviados a professar a nossa fé na presença e na ação do Espírito Santo e a invocar a sua efusão sobre nós, sobre a Igreja e sobre o mundo inteiro. Portanto, façamos nossa, e com intensidade particular, a invocação da própria Igreja: Veni, Sancte Spiritus! Uma invocação tão simples e imediata, mas ao mesmo tempo extraordinariamente profunda, que brota em primeiro lugar do Coração de Cristo. Com efeito, o Espírito é o dom que Jesus pediu e pede continuamente ao Pai pelos seus amigos; o primeiro e principal dom que nos obteve com a sua Ressurreição e Ascensão ao Céu. Desta oração de Cristo fala-nos o trecho evangélico hodierno, que
tem como contexto a Última Ceia. O Senhor Jesus disse aos seus discípulos: “Se Me amardes, guardareis os meus mandamentos. E Eu suplicarei ao Pai e Ele dar-vos-á outro Consolador, a fi m de permanecer convosco para sempre” (Jo 14,15-16). Aqui se revela a nós o Coração orante de Jesus, o seu Coração fi lial e fraterno. Esta oração alcança o seu ápice e o seu cumprimento na cruz, onde a invocação de Cristo se identifi ca com o dom total que Ele faz de si mesmo, e deste modo o seu rezar torna-se por assim dizer o próprio selo do seu doar-se em plenitude por amor ao Pai e à humanidade: invocação e doação do Espírito Santo encontram-se, compenetram-se e tornam-se uma única realidade. “E Eu suplicarei ao Pai e Ele dar-vos-á Revista da Arquidiocese
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outro Consolador, a fim de permanecer convosco para sempre”. Na realidade, a oração de Jesus – a da Última Ceia e a da cruz – é uma oração que permanece também no Céu, onde Cristo está sentado à direita do Pai. Com efeito, Jesus vive sempre o seu sacerdócio de intercessão a favor do povo de Deus e da humanidade, e, portanto, reza por todos pedindo ao Pai o dom do Espírito Santo. A narração do Pentecostes no livro dos Atos dos Apóstolos – ouvimo-lo na primeira leitura – (cf. At 2,1-11) apresenta o “novo curso” da obra de Deus, encetado com a ressurreição de Cristo, obra que envolve o homem, a história e o cosmos. Do Filho de Deus morto e ressuscitado, que voltou para o Pai, emana agora sobre a humanidade com energia inédita o sopro divino, o Espírito Santo. E o que produz esta nova e poderosa autocomunicação de Deus? Onde existem lacerações e estraneidades, ela cria unidade e compreensão. Tem início um processo de reunificação entre as partes da família humana, divididas e dispersas; as pessoas, muitas vezes reduzidas a indivíduos em competição ou em conflito entre si, alcançadas pelo Espírito de Revista da Arquidiocese
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Cristo, abrem-se à experiência da comunhão, que pode empenhá-las a ponto de fazer delas um novo organismo, um novo sujeito: a Igreja. Este é o efeito da obra de Deus: a unidade; por isso, a unidade é o sinal de reconhecimento, o “cartão de visita” da Igreja no curso da sua história universal. Desde o início, do dia do Pentecostes, ela fala todas as línguas. A Igreja universal precede as Igrejas particulares, as quais devem conformar-se sempre com ela, segundo um critério de unidade e universalidade. A Igreja nunca permanece prisioneira de confins políticos, raciais ou culturais; não se pode confundir com os Estados e nem sequer com as Federações de Estados, porque a sua unidade é de outro tipo e aspira a atravessar todas as fronteiras humanas. Amados irmãos, disto deriva um critério prático de discernimento para a vida cristã: quando uma pessoa, ou uma comunidade, se fecha no seu próprio modo de pensar e de agir, é sinal que se afastou do Espírito Santo. O caminho dos cristãos e das Igrejas particulares deve confrontar-se sempre com o da Igreja, una e católica, e harmonizar-se com ele. Isto não significa que a unidade criada pelo Espírito Santo é uma
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espécie de igualitarismo. Pelo contrário, ela é, sobretudo, o modelo de Babel, ou seja, a imposição de uma cultura da unidade que poderíamos definir “técnica”. Com efeito, a Bíblia diz-nos (cf. Gn 11,1-9) que em Babel todos falavam uma só língua. Pelo contrário, no Pentecostes os Apóstolos falam línguas diferentes, de modo que cada um compreenda a mensagem no seu próprio idioma. A unidade do Espírito manifestase na pluralidade da compreensão. A Igreja é por sua natureza una e múltipla, destinada como está a viver em todas as nações, em todos os povos e nos mais diversificados contextos sociais. Ela responde à sua vocação, de ser sinal e instrumento de unidade de todo o gênero humano (cf. Lumen gentium, 1), apenas se permanece autônoma de qualquer Estado e de toda a cultura particular. Sempre e em cada lugar, a Igreja deve ser verdadeiramente católica e universal, a casa de todos, onde cada um se pode encontrar. A narração dos Atos dos Apóstolos oferece-nos também outra sugestão muito concreta. A universalidade da Igreja é expressa pelo elenco dos povos, segundo a antiga tradição: “Somos partos, médios, elamitas...”, etc. Pode-se observar
aqui que São Lucas vai além do número 12, que já expressa sempre uma universalidade. Ele olha além dos horizontes da Ásia e do noroeste da África, e acrescenta outros três elementos: os “romanos”, ou seja, o mundo ocidental; os “judeus e prosélitos”, incluindo de modo novo a unidade entre Israel e o mundo; e enfim “cretenses e árabes”, que representam Ocidente e Oriente, ilhas e terra firme. Esta abertura de horizontes confirma ulteriormente a novidade de Cristo na dimensão do espaço humano, da história das gentes: o Espírito Santo envolve homens e povos e, através deles, supera muros e barreiras. No Pentecostes, o Espírito Santo manifesta-se como fogo. A sua chama desceu sobre os discípulos reunidos, acendeu-se neles e infundiu-lhes o novo ardor de Deus. Realiza-se assim aquilo que o Senhor Jesus tinha predito: “Vim lançar fogo sobre a terra; e como gostaria que ele já tivesse sido ateado!” (Lc 12,49). Juntamente com os fiéis das diversas comunidades, os Apóstolos levaram esta chama divina até aos extremos confins da Terra; abriram assim um caminho para a humanidade, uma senda luminosa, e colaboraram com Deus Revista da Arquidiocese
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que com o seu fogo quer renovar a face da terra. Como é diferente este fogo, daquele das guerras e das bombas! Como é diverso o incêndio de Cristo, propagado pela Igreja, em relação aos que são acesos pelos ditadores de todas as épocas, também do século passado, que atrás de si deixam terra queimada. O fogo de Deus, o fogo do Espírito Santo, é aquele da sarça que ardia sem se consumir (cf. Êx 3, 2). É uma chama que arde, mas não destrói; aliás, ardendo faz emergir a parte melhor e mais verdadeira do homem, como numa fusão faz sobressair a sua forma interior, a sua vocação à verdade e ao amor. Um Padre da Igreja, Orígenes, numa das suas Homilias sobre Jeremias, cita um dito atribuído a Jesus, não contido nas Sagradas Escrituras, mas talvez autêntico, que reza assim: “Quem está comigo está junto do fogo” (Homilia sobre Jeremias l. I [III]). Com efeito, em Cristo habita a plenitude de Deus, que na Bíblia é comparado com o fogo. Há pouco pudemos observar que a chama do Espírito Santo arde, mas não queima. E, todavia, ela realiza uma transformação, e por isso deve consumir algo no homem, as escórias que o corrompem e o impedem Revista da Arquidiocese
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nas suas relações com Deus e com o próximo. Porém, este efeito do fogo divino assusta-nos, temos medo de nos “queimar”, preferiríamos permanecer assim como somos. Isto depende do fato que muitas vezes a nossa vida é delineada segundo a lógica do ter, do possuir, e não do doar-se. Muitas pessoas creem em Deus e admiram a figura de Jesus Cristo, mas quando se lhes pede que abandonem algo de si mesmas, então elas recuam, têm medo das exigências da fé. Existe o temor de ter que renunciar a algo de bonito, ao que estamos apegados; o temor de que seguir Cristo nos prive da liberdade, de certas experiências, de uma parte de nós mesmos. Por um lado, queremos permanecer com Jesus, segui-lo de perto, e por outro temos medo das consequências que isto comporta. Caros irmãos e irmãs, temos sempre necessidade de ouvir o Senhor Jesus dizer-nos aquilo que Ele repetia aos seus amigos: “Não tenhais medo!”. Como Simão Pedro e os outros, temos de deixar que a sua presença e a sua graça transformem o nosso coração, sempre sujeito às debilidades humanas. Temos de saber reconhecer que perder algo, aliás, perder-se a si mesmo pelo
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Deus verdadeiro, o Deus do amor e da vida, é na realidade ganhar, encontrar-se mais plenamente a si próprio. Quem se confi a a Jesus experimenta já nesta vida a paz e a alegria do coração, que o mundo não pode dar, e nem sequer pode tirar, uma vez que foi Deus quem no-las concedeu. Portanto, vale a pena deixar-se tocar pelo fogo do Espírito Santo! A dor que nos causa é necessária para a nossa transformação. É a realidade da cruz: não é por acaso que, na linguagem de Jesus, o “fogo” é, sobretudo, uma representação do mistério da cruz,
sem o qual o cristianismo não existe. Por isso, iluminados e confortados por estas palavras de vida, elevemos a nossa invocação: Vinde, Espírito Santo! Ateai em nós o fogo do vosso amor! Sabemos que esta é uma oração audaz, com a qual pedimos para ser tocados pela chama de Deus; mas sabemos, sobretudo, que esta chama – e só ela – tem o poder de nos salvar. Para defender a nossa vida, não queremos perder a vida eterna que Deus nos quer conceder. Temos necessidade do fogo do Espírito Santo, porque só o Amor redime. Amém!
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Santa missa na Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo HOMILIA DO PAPA BENTO XVI Basílica de São João de Latrão, 3 de junho de 2010 Prezados irmãos e irmãs! O sacerdócio do Novo Testamento está estreitamente vinculado à Eucaristia. Por isso hoje, na solenidade do Corpus Christi e quase no encerramento do Ano sacerdotal, somos convidados a meditar sobre a relação entre a Eucaristia e o Sacerdócio de Cristo. É neste rumo que nos orientam também a primeira leitura e o salmo responsorial,
que apresentam a fi gura de Melquisedec. O breve trecho do Livro do Gênesis (cf. 14,18-10) afi rma que Melquisedec, rei de Salé, era "sacerdote do Deus altíssimo", e por isso "ofereceu pão e vinho" e "abençoou Abrão", que acaba de conquistar a vitória numa batalha; o próprio Abraão ofereceu-lhe o dízimo de tudo. Por sua vez, o salmo contém na última estrofe uma expressão solene, um juramento do próprio Revista da Arquidiocese
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Deus, que declara ao Rei Messias: “Tu és sacerdote para sempre / segundo a ordem de Melquisedec” (Sl 110 [109], 4); assim o Messias é proclamado não apenas Rei, mas inclusive Sacerdote. É neste trecho que o autor da Carta aos Hebreus se inspira para a sua exposição, ampla e pormenorizada. Quanto a nós, fizemos ressoá-lo no estribilho: “Tu és sacerdote para sempre, Cristo Senhor”: quase uma profissão de fé, que adquire um significado particular na solenidade hodierna. É a alegria da comunidade, o júbilo da Igreja inteira que, contemplando e adorando o Santíssimo Sacramento, reconhece nele a presença real e permanente de Jesus, sumo e eterno Sacerdote. A segunda leitura e o Evangelho chamam, ao contrário, a atenção para o mistério eucarístico. Da Primeira Carta aos Coríntios (cf. 11,2326) é tirado o trecho fundamental em que São Paulo evoca àquela comunidade o significado e o valor da “Ceia do Senhor”, que o Apóstolo tinha transmitido e ensinado, mas que corriam o risco de se perder. No entanto, o Evangelho é a narração do milagre dos pães e dos peixes, na redação de São Lucas: um sinal testificado por todos os EvanRevista da Arquidiocese
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gelistas e que prenuncia o dom que Cristo fará de si mesmo, para oferecer a vida eterna à humanidade. Ambos estes textos põem em evidência a prece de Cristo, no ato de partir o pão. Naturalmente, existe uma clara diferença entre os dois momentos: quando distribui os pães e os peixes à multidão, Jesus dá graças ao Pai celestial pela sua Providência, persuadido de que Ele não permitirá que falte o alimento a toda aquela multidão. Na última Ceia, ao contrário, Jesus transforma o pão e o vinho no seu próprio Corpo e Sangue, a fim de que os discípulos possam alimentar-se dele e viver em comunhão íntima e real com Ele. A primeira coisa que é necessário recordar sempre é que Jesus não era um sacerdote segundo a tradição judaica. A sua família não era sacerdotal. Ele não pertencia à descendência de Araão, mas sim à de Judas, e, portanto, era-lhe legalmente impedido o caminho do sacerdócio. A pessoa e a atividade de Jesus de Nazaré não se inserem no sulco dos sacerdotes antigos, mas, sobretudo, na esteira dos profetas. E nesta linha, Jesus afastou-se de uma concepção ritual da religião, criticando a imposição que dava valor aos
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preceitos humanos vinculados à pureza ritual antes do que à observância dos mandamentos de Deus, ou seja, ao amor a Deus e ao próximo que, como diz o Senhor, "vale mais do que todos os holocaustos e todos os sacrifícios" (Mc 12,33). Até no interior do Templo de Jerusalém, lugar sagrado por excelência, Jesus realiza um gesto puramente profético, quando expulsa os cambistas e os vendedores de animais, todas as coisas que serviam para a oferta dos sacrifícios tradicionais. Portanto, Jesus não é reconhecido como um Messias sacerdotal, mas profético e real. Até a sua morte, que nós cristãos justamente denominamos “sacrifício”, nada tinha dos holocaustos antigos, aliás, era totalmente o oposto: a execução de uma condenação à morte por crucifixão, a mais infamadora, ocorrida fora dos muros de Jerusalém. Então, em que sentido Jesus é sacerdote? É precisamente a Eucaristia que no-lo diz. Podemos recomeçar a partir daquelas simples palavras que descrevem Mesquisedec: “ofereceu pão e vinho” (Gn 14,18). Foi o que fez Jesus na última Ceia: ofereceu pão e vinho, e nesse gesto resumiu-se a si mesmo e toda a sua própria missão. Naque-
le ato que o precede e nas palavras que o acompanham está todo o sentido do mistério de Cristo, assim como o exprime a Carta aos Hebreus, num trecho decisivo, que é necessário citar: “Quando vivia na carne – escreve o autor, referindo-se a Jesus – Ele ofereceu com grande clamor e lágrimas, orações e súplicas Àquele que O podia salvar da morte, e foi atendido pela sua piedade. Apesar de ser Filho de Deus, aprendeu a obedecer sofrendo e, uma vez atingida a perfeição, tornou-se para todos os que lhe obedecem, fonte de salvação eterna, tendo sido proclamado por Deus Sumo Sacerdote segundo a ordem de Melquisedec” (5,7-10). Neste texto, que claramente alude à agonia espiritual do Getsêmani, a paixão de Cristo é apresentada como uma oração e como uma oferenda. Jesus enfrenta a sua “hora”, que o conduz à morte de cruz, mergulhado numa oração profunda, que consiste na união da sua própria vontade à do Pai. Esta vontade dúplice e única é uma vontade de amor. Vivida nesta oração, a trágica provação que Jesus enfrenta é transformada em oferenda, em sacrifício vivo. A Carta aos Hebreus diz que Jesus “foi atendido”. Em que sentido? Revista da Arquidiocese
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No sentido de que Deus Pai O libertou da morte e O ressuscitou. Foi atendido precisamente pelo seu pleno abandono à vontade do Pai: o desígnio de amor de Deus pôde realizar-se perfeitamente em Jesus que, tendo obedecido até ao extremo da morte na cruz, tornouse “causa de salvação” para todos aqueles que lhe obedecem. Ou seja, tornou-se Sumo Sacerdote porque Ele mesmo assumiu sobre si todo o pecado do mundo, como “Cordeiro de Deus”. É o Pai que lhe confere este sacerdócio no preciso momento em que Jesus atravessa a passagem da sua morte e ressurreição. Não se trata de um sacerdócio segundo o ordenamento da lei de Moisés (cf. Lv 8-9), mas “segundo a ordem de Melquisedec”, em conformidade com uma ordem profética, que depende unicamente da sua relação singular com Deus. Voltemos à expressão da Carta aos Hebreus, que reza assim: “Apesar de ser Filho de Deus, aprendeu a obedecer sofrendo”. O sacerdócio de Cristo comporta o sofrimento. Jesus sofreu verdadeiramente, e fê-lo por nós. Ele era o Filho e não tinha necessidade de aprender a obediência, mas nós sim, tínhamos e temos sempre esta necessidade. Por isso, Revista da Arquidiocese
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o Filho assumiu a nossa humanidade e por nós se deixou “educar” no crisol do sofrimento, deixou-se transformar por ele, como grão de trigo que, para dar fruto, deve morrer na terra. Através desse processo, Jesus “tornou-se perfeito”, em grego, teleiotheis. Temos que refletir sobre este termo, porque é muito significativo. Ele indica o cumprimento de um caminho, ou seja, precisamente o caminho de educação e transformação do Filho de Deus mediante o sofrimento, através da paixão dolorosa. É graças a esta transformação que Jesus Cristo se tornou “Sumo Sacerdote” e pode salvar todos aqueles que se confiam a Ele. O termo teleiotheis, traduzido justamente como “tornou-se perfeito”, pertence a uma raiz verbal que, na versão grega do Pentateuco, isto é os primeiros cinco livros da Bíblia, é sempre utilizada para indicar a consagração dos antigos sacerdotes. Esta descoberta é muito preciosa, porque nos diz que a paixão foi para Jesus como uma consagração sacerdotal. Ele não era sacerdote segundo a Lei, mas tornou-se tal de maneira existencial na sua Páscoa de paixão, morte e ressurreição: ofereceu-se a si mesmo em expiação e o Pai, exaltando-O acima de
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todas as criaturas, constituiu-O Medianeiro universal de salvação. Voltemos nesta nossa meditação à Eucaristia, que daqui a pouco estará no centro da nossa assembleia litúrgica. Nela, Jesus antecipou o seu Sacrifício, um Sacrifício não ritual, mas pessoal. Na última Ceia, Ele age impelido por aquele “espírito eterno” com o qual depois se oferecerá na Cruz (cf. Hb 9,14). Dando graças e bendizendo, Jesus transforma o pão e o vinho. É o amor divino que transforma: o amor com que Jesus aceita, por antecipação, entregar-se a si mesmo por nós. Este amor não é senão o Espírito do Pai e do Filho, que consagra o pão e o vinho, e muda a sua substância no Corpo e no Sangue do Senhor, tornando presente no Sacramento o mesmo Sacrifício que sucessivamente se realiza de modo cruento na Cruz. Portanto, podemos concluir que Cristo é sacerdote verdadeiro e efi caz,
porque estava repleto da força do Espírito Santo, cumulado de toda a plenitude do amor de Deus, e isto precisamente “na noite em que foi traído”, mesmo na “hora das trevas” (cf. Lc 22,53). É esta força divina, a mesma que realizou a Encarnação do Verbo, que transformou a extrema violência e a extrema injustiça em gesto supremo de amor e de justiça. Esta é a obra do sacerdócio de Cristo, que a Igreja herdou e prolonga na história, na dúplice forma do sacerdócio comum dos batizados e daquele ordenado dos ministros, para transformar o mundo com o amor de Deus. Todos, sacerdotes e fi éis, nos nutrimos da mesma Eucaristia, todos nos prostramos para a adorar, porque nela está presente o nosso Mestre e Senhor, está presente o verdadeiro Corpo de Jesus, Vítima e Sacerdote, salvação do mundo. Vinde, exultemos com cânticos de júbilo! Vinde, adoremos! Amém.
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Encerramento do Ano Sacerdotal HOMILIA DO PAPA BENTO XVI NA SOLENIDADE DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS Praça de São Pedro, 11 de junho de 2010 Prezados irmãos no ministério sacerdotal, Amados irmãos e irmãs, O Ano Sacerdotal que celebramos 150 anos depois da morte do Santo Cura d’Ars, modelo do ministério sacerdotal no nosso mundo, está para terminar. Deixamo-nos guiar pelo Cura d’Ars, para voltarmos a compreender a grandeza e a beleza do ministério sacerdotal. O sacerdote não é simplesmente o deten-
tor de um ofício, como aqueles de que toda a sociedade tem necessidade para nela se realizarem certas funções. É que o sacerdote faz algo que nenhum ser humano, por si mesmo, pode fazer: pronuncia em nome de Cristo a palavra da absolvição dos nossos pecados e assim, a partir de Deus, muda a situação da nossa vida. Pronuncia sobre as ofertas do pão e do vinho as palavras de agradecimento de Cristo Revista da Arquidiocese
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que são palavras de transubstanciação – palavras que O tornam presente a Ele mesmo, o Ressuscitado, o seu Corpo e o seu Sangue, e assim transformam os elementos do mundo: palavras que abrem de par em par o mundo a Deus e o unem a Ele. Por conseguinte, o sacerdócio não é simplesmente “ofício”, mas sacramento: Deus serve-Se de um pobre homem a fim de, através dele, estar presente para os homens e agir em seu favor. Esta audácia de Deus – que a Si mesmo Se confia a seres humanos; que, apesar de conhecer as nossas fraquezas, considera os homens capazes de agir e estar presentes em seu nome – esta audácia de Deus é o que de verdadeiramente grande se esconde na palavra “sacerdócio”. Que Deus nos considere capazes disto; que deste modo Ele chame homens para o seu serviço e Se prenda assim, a partir de dentro, a eles: isto é o que, neste ano, queríamos voltar a considerar e compreender. Queríamos despertar a alegria por termos Deus assim tão perto, e a gratidão pelo fato de Ele Se confiar à nossa fraqueza, de Ele nos conduzir e sustentar dia após dia. E queríamos assim voltar a mostrar aos jovens que esta vocação, esta comuRevista da Arquidiocese
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nhão de serviço a Deus e com Deus, existe; antes, Deus está à espera do nosso “sim”. Juntos com a Igreja, queríamos novamente assinalar que esta vocação devemos pedi-la a Deus. Pedimos operários para a messe de Deus, mas este pedido a Deus é simultaneamente Deus que bate à porta do coração de jovens que se considerem capazes daquilo de que Deus os considera capazes. Era de esperar que este novo resplendor do sacerdócio não fosse visto com agrado pelo “inimigo”; este teria preferido vê-lo desaparecer, para que em definitivo Deus fosse posto fora do mundo. E assim aconteceu que, precisamente neste ano de alegria pelo sacramento do sacerdócio, vieram à luz os pecados dos sacerdotes – sobretudo o abuso contra crianças, no qual o sacerdócio enquanto serviço da solicitude de Deus em benefício do homem se transforma no contrário. Também nós pedimos insistentemente perdão a Deus e às pessoas envolvidas, enquanto pretendemos e prometemos fazer tudo o possível para que tal abuso nunca mais possa suceder; prometemos que, na admissão ao ministério sacerdotal e na formação ao longo do caminho de preparação para o mesmo, fa-
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remos tudo o que pudermos para avaliar a autenticidade da vocação, e que queremos acompanhar ainda mais os sacerdotes no seu caminho, para que o Senhor os proteja e guarde em situações penosas e nos perigos da vida. Se o Ano Sacerdotal devesse ser uma glorificação do nosso serviço humano pessoal, teria ficado arruinado com estas vicissitudes. Mas, para nós, tratava-se precisamente do contrário: sentir-se agradecidos pelo dom de Deus, dom que se esconde em “vasos de argila” e que sem cessar, através de toda a fraqueza humana, concretiza neste mundo o seu amor. Assim consideramos tudo o que sucedeu como um serviço de purificação, um serviço que nos lança para o futuro e faz agradecer e amar muito mais o grande dom de Deus. Deste modo, o dom tornase o compromisso de responder à coragem e à humildade de Deus com a nossa coragem e a nossa humildade. Nesta hora, a palavra de Cristo, que proclamamos no cântico de entrada desta liturgia, pode dizer-nos o que significa tornar-se e ser sacerdotes: “Tomai o meu jugo sobre vós e aprendei de Mim, que Eu sou manso e humilde de Coração” (Mt 11,29).
Celebramos a festa do Sagrado Coração de Jesus e, com a liturgia, por assim dizer lançamos um olhar dentro do Coração de Jesus que, na morte, foi aberto pela lança do soldado romano. Sim, o seu Coração está aberto por nós e aos nossos olhos; e deste modo está aberto o Coração do próprio Deus. A liturgia dá-nos a interpretação da linguagem do Coração de Jesus, que fala, sobretudo, de Deus como pastor dos homens e, deste modo, manifesta-nos o sacerdócio de Jesus, que está radicado no íntimo do seu Coração; indicanos assim o perene fundamento e também o critério válido de todo o ministério sacerdotal, que deve estar sempre ancorado no Coração de Jesus e ser vivido a partir dele. Hoje queria meditar principalmente sobre os textos com que a Igreja em oração responde à Palavra de Deus apresentada nas leituras. Nestes cânticos, compenetram-se palavra e resposta; por um lado, são tirados da Palavra de Deus, mas, por outro e simultaneamente, são já a resposta do homem à referida Palavra, resposta na qual a própria Palavra se comunica e entra na nossa vida. O mais importante destes textos na liturgia de hoje é o Salmo 22 (23) – “O Senhor é meu pastor” –; nele Israel acolheu em oração Revista da Arquidiocese
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a autorrevelação de Deus como pastor e dela fez a orientação para a sua própria vida. “O Senhor é meu pastor, nada me falta”: neste primeiro versículo, exprimem-se alegria e gratidão pelo fato de Deus estar presente e Se ocupar de nós. A leitura tirada do Livro de Ezequiel começa com o mesmo tema: “Eu próprio tomarei cuidado das minhas ovelhas, Eu é que hei de olhar por elas” (Ez 34,11). Deus, pessoalmente, cuida de mim, de nós, da humanidade. Não fui deixado sozinho, perdido no universo e numa sociedade onde se fica cada vez mais desorientado. Ele cuida de mim. Não é um Deus distante, para Quem contaria muito pouco a minha vida. As religiões da Terra, por aquilo que nos é dado ver, sempre souberam que, em última análise, só há um Deus; mas este Deus era distante. Aparentemente, Ele deixava o mundo abandonado às outras potestades e forças, às outras divindades. Com estas, era preciso encontrar um acordo. O Deus único era bom, mas distante. Não constituía um perigo, mas tampouco oferecia uma ajuda. Assim, não era necessário ocupar-se d’Ele. Não era Ele que dominava. Por estranho que pareça, este pensamento ressurgiu no Iluminismo. Que o Revista da Arquidiocese
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mundo pressupõe um Criador, ainda se compreendia. Este Deus teria construído o mundo, mas depois, evidentemente, retirou-se dele. Agora o mundo tinha um conjunto próprio de leis, segundo as quais se desenvolvia e nas quais Deus não intervinha, nem podia intervir. Deus era apenas uma origem remota. Muitos talvez não desejassem sequer que Deus cuidasse deles. Não queriam ser incomodados por Deus. Mas, sempre que a solicitude e o amor de Deus são sentidos como incômodo, o ser humano acaba subvertido. É bom e consolador saber que há uma pessoa que me ama e cuida de mim; mas muito mais decisivo é que exista um Deus que me conhece, me ama e Se preocupa comigo. “Conheço as minhas ovelhas, e elas conhecem-Me” (Jo 10,14): diz a Igreja, antes do Evangelho, tomando uma palavra do Senhor. Deus conhece-me, preocupa-Se comigo: este pensamento deveria fazer-nos verdadeiramente felizes; deixemolo penetrar profundamente no nosso íntimo. Então compreenderemos também o que significa isto: Deus quer que nós, como sacerdotes, num pequenino ponto da história, compartilhemos as suas preocupações pelos homens. Como sacerdo-
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tes, queremos ser pessoas que, em comunhão com a sua solicitude pelos homens, cuidamos deles e lhes fazemos experimentar concretamente esta solicitude de Deus. E o sacerdote, no âmbito que lhe está confiado, deveria poder dizer juntamente com o Senhor: “Conheço as minhas ovelhas, e elas conhecemme”. O sentido deste “conhecer”, na Sagrada Escritura, nunca é simplesmente o de um saber exterior, como quando se conhece o número do telefone de uma pessoa; mas “conhecer” significa estar interiormente próximo do outro, amá-lo. Nós havemos de procurar “conhecer” os homens por parte de Deus e em ordem a Deus; havemos de procurar caminhar com eles pela estrada da amizade de Deus. Voltemos ao nosso Salmo. Lá se diz: “Ele me guia pelo caminho mais seguro para glória do seu nome. Passarei ravinas tenebrosas e não temo; Vós estais comigo, o vosso cajado me sossega” (22,34). O pastor indica a estrada certa àqueles que lhe estão confiados. Vai à sua frente e guia-os. Por outras palavras: o Senhor mostra-nos como se realiza de modo justo o ser homens. Ensina-nos a arte de ser pessoa. Que devo fazer para
não me afundar, para não desperdiçar a minha vida com o que não tem sentido? Esta é precisamente a pergunta que cada homem se deve colocar a si mesmo, válida em cada período da vida. E como é grande a escuridão à volta de tal pergunta, no nosso tempo! Vem-nos sempre de novo à mente aquela atitude de Jesus, que Se enchera de compaixão pelos homens, porque eram como ovelhas sem pastor. Senhor, tende piedade também de nós! Indicainos a estrada! A partir do Evangelho, sabemos isto: Ele mesmo é o caminho. Viver com Cristo, segui-Lo: isto significa encontrar o caminho certo, para que a nossa vida ganhe sentido e possamos dizer um dia: “Sim, foi bom viver”. O povo de Israel sentia-se, e sente-se, agradecido a Deus, porque lhe indicou, nos Mandamentos, o caminho da vida. O longo Salmo 118 (119) é todo ele uma expressão de alegria por este fato: não titubeamos na escuridão. Deus mostrou-nos qual é o caminho, como podemos caminhar de modo certo. O que dizem os Mandamentos foi sintetizado na vida de Jesus e tornou-se um modelo vivo. Compreendemos assim que estas diretrizes de Deus não são algemas, mas o caminho que Ele Revista da Arquidiocese
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nos indica. Podemos alegrar-nos por elas, e exultar porque em Cristo nos aparecem como realidade vivida. Ele mesmo nos tornou felizes. Caminhando juntamente com Cristo, fazemos a experiência da alegria da Revelação, e, como sacerdotes, devemos comunicar às pessoas a alegria pelo fato de nos ter sido indicado o caminho certo da vida. Aparece depois a palavra que nos fala de “ravinas tenebrosas”, através das quais o homem é guiado pelo Senhor. O caminho de cada um de nós conduzir-nos-á um dia às ravinas tenebrosas da morte, onde ninguém pode acompanharnos. Mas Ele estará lá. O próprio Cristo desceu à noite escura da morte. Mesmo lá, Ele não nos abandona. Mesmo lá, Ele nos guia. “Se descer aos abismos, ali Vos encontrais”: diz o Salmo 138 (139). Sim, Vós estais presente mesmo no último transe; e assim o nosso Salmo Responsorial pode dizer: mesmo lá, nas ravinas tenebrosas, não temo mal algum. Mas, ao falar de ravinas tenebrosas, podemos pensar também nas ravinas tenebrosas da tentação, do desânimo, da provação, que cada pessoa humana tem de atravessar. Mesmo nestas ravinas tenebrosas da vida, Ele está Revista da Arquidiocese
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presente. Sim, Senhor, nas trevas da tentação, nas horas de ofuscamento quando todas as luzes parecem apagar-se, mostrai-me que estais presente. Ajudai-nos, a nós sacerdotes, para podermos nessas noites escuras estar ao lado das pessoas que nos foram confiadas, para podermos mostrar-lhes a vossa luz. “O vosso cajado me sossega”: o pastor precisa de usar o cajado como um bastão contra os animais selvagens que querem irromper no meio do rebanho; contra os salteadores que procuram o seu botim. A par de bastão, o cajado serve também de apoio e ajuda para atravessar sítios difíceis. As duas coisas fazem parte também do ministério da Igreja, do ministério do sacerdote. Também a Igreja deve usar o bastão do pastor, o bastão com que protege a fé contra os falsificadores, contra as orientações que, na realidade, são desorientações. Por isso mesmo este uso do bastão pode ser um serviço de amor. Hoje vemos que não se trata de amor, quando se toleram comportamentos indignos da vida sacerdotal. E também não se trata de amor, se se deixa proliferar a heresia, a deturpação e o descalabro da fé, como se tivéssemos nós autonomamente inventado a fé;
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como se já não fosse dom de Deus, a pedra preciosa que não deixaremos arrebatar. Ao mesmo tempo, porém, o bastão deve continuar a ser o cajado do pastor, cajado que ajude os homens a poderem caminhar por sendas difíceis e a seguirem o Senhor. A parte final do Salmo fala da mesa preparada, do óleo com que se unge a cabeça, do cálice transbordante, de poder habitar junto do Senhor. No Salmo, tudo isto exprime, antes de mais nada, a dimensão da alegria pela festa de estar com Deus no templo, ser hospedados e servidos por Ele mesmo, poder habitar junto d’Ele. Para nós, que rezamos este Salmo com Cristo e com o seu Corpo que é a Igreja, esta dimensão de esperança adquiriu uma amplidão e profundidade ainda maiores. Por assim dizer, vemos nestas palavras uma antecipação profética do mistério da Eucaristia, no qual Deus mesmo nos acolhe como seus comensais oferecendo-Se-nos a Si mesmo como alimento, como aquele pão e aquele vinho refinados que são os únicos capazes de constituir a derradeira resposta à fome e sede íntima do homem. Como não sentir-se feliz por poder cada dia ser hóspede à própria mesa de Deus,
por habitar junto d’Ele? Como não sentir-se feliz pelo fato de Ele nos ter mandado: “Fazei isto em memória de Mim”? Felizes porque Ele nos concedeu preparar a mesa de Deus para os homens, dar-lhes o seu Corpo e o seu Sangue, oferecerlhes o dom precioso da sua própria presença. Sim, com todo o coração podemos rezar juntos as palavras do Salmo: “A vossa bondade e misericórdia me acompanham no caminhar da minha vida” (22, 6). Por último lancemos, ainda que brevemente, um olhar sobre os dois cânticos da comunhão propostos pela Igreja na sua liturgia de hoje. Em primeiro lugar, temos as palavras com que São João conclui a narração da crucifixão de Jesus: “Um dos soldados abriu o seu lado com uma lança e dele brotou sangue e água” (Jo 19,34). O Coração de Jesus é trespassado pela lança. Aberto, torna-se uma fonte; a água e o sangue que saem remetem para os dois Sacramentos fundamentais de que vive a Igreja: o Batismo e a Eucaristia. Do lado trespassado do Senhor, do seu Coração aberto brota a fonte viva que corre através dos séculos e faz a Igreja. O Coração aberto é fonte de um novo rio de vida; neste contexto, João certamente pensou também na Revista da Arquidiocese
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profecia de Ezequiel que vê brotar do novo templo um rio que dá fecundidade e vida (cf. Ez 47): o próprio Jesus é o novo templo, e o seu Coração aberto a fonte da qual jorra um rio de vida nova, que se nos comunica no Batismo e na Eucaristia. Mas a liturgia da Solenidade do Sagrado Coração de Jesus prevê como cântico de comunhão ainda outra frase, ligada à primeira, tirada do Evangelho de João: “Se alguém tem sede, venha a Mim e beba, diz o Senhor. Se alguém acredita em Mim, do seu coração brotará uma fonte de água viva” (cf. Jo 7,37-38). Na fé, por assim dizer bebemos da água viva da Palavra de Deus. Deste modo o próprio fi el torna-se uma fonte, dá à terra sequiosa da história água viva. Vemo-lo nos Santos. Vemo-lo em Maria que, como grande mulher de fé e de amor, se tornou ao longo dos séculos fonte de fé, amor e vida. Cada cristão e cada sacerdote deveriam, a partir de Cristo, tornar-se fonte que comunica vida aos outros. Devemos dar água da vida a um mundo sedento.
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Senhor, nós Vos agradecemos porque nos abristes o vosso Coração; porque, na vossa morte e na vossa ressurreição, Vos tornastes fonte de vida. Fazei que sejamos pessoas que vivem, que vivem da vossa fonte, e concedei-nos a possibilidade de sermos também nós fontes capazes de dar a este nosso tempo água da vida. Nós Vos agradecemos pela graça do ministério sacerdotal. Senhor, abençoai-nos a nós e abençoai todos os homens deste tempo que estão sedentos e andam à procura. Amem! Saudações no final da Santa Missa Queridos sacerdotes dos países de língua ofi cial portuguesa, dou graças a Deus pelo que sois e pelo que fazeis, recordando a todos que nada jamais substituirá o ministério dos sacerdotes na vida da Igreja. A exemplo e sob o patrocínio do Santo Cura d’Ars, perseverai na amizade de Deus e deixai que as vossas mãos e os vossos lábios continuem a ser as mãos e os lábios de Cristo, único Redentor da humanidade. Bem hajam!
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Aniversário da beatifi cação dos pastorinhos de Fátima EM VIAGEM APOSTÓLICA A PORTUGAL PAPA BENTO XVI FALA COM OS JORNALISTAS 11 de maio de 2010
Padre Lombardi: Santidade, quais preocupações e sentimentos que leva consigo em relação à situação da Igreja em Portugal? O que se pode dizer a Portugal, profundamente católico no passado e que levou a fé pelo mundo, mas que hoje está em vias de uma profunda secularização, tanto na vida quotidiana, como no âmbito jurídico e cultural? Como anunciar a fé num contexto indiferente e hostil à Igreja? Santo Padre: Antes de tudo, bom dia a todos e esperemos uma boa viagem, apesar da famosa nuvem sob a qual estamos passando. Quanto a Portugal, experimento, sobretudo, sentimentos de alegria, de gratidão, por tudo quanto fez e faz este país no mundo e na história, e pela profunda humanidade deste povo, que pude conhecer
numa visita e com tantos amigos portugueses. Diria que é verdade, muito verdadeiro, que Portugal foi uma grande força da fé católica; levou esta fé a todas as partes do mundo; uma fé corajosa, inteligente e criativa. Soube criar uma grande cultura, o vemos no Brasil, no próprio Portugal, assim como na presença do espírito português na África ou na Ásia. Por outro lado, a presença do secularismo não é uma coisa totalmente nova. A dialética entre secularismo e fé tem uma longa história em Portugal. Já no século XVIII há uma forte presença do Iluminismo, basta pensar no nome Pombal. Assim, vemos que Portugal viveu sempre, nesses séculos, na dialética que, naturalmente hoje, se radicalizou e se mostra com todos os sinais do espírito Revista da Arquidiocese
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europeu de hoje. E, este me parece um desafio e uma grande possibilidade. Nesses séculos de dialética entre Iluminismo, secularismo e fé, nunca faltaram pessoas que quiseram estabelecer pontes e criar um diálogo, ainda que, infelizmente, a tendência dominante foi a da contraposição e da exclusão de um e de outro. Hoje vemos que justamente esta dialética é uma chance; que devemos encontrar uma síntese e um diálogo profundo e de vanguarda. Na situação multicultural na qual estamos todos, vê-se que uma cultura europeia que fosse unicamente racionalista não possuiria a dimensão religiosa transcendente; não seria capaz de entrar em diálogo com as grandes culturas da humanidade, que possuem, todas elas, esta dimensão religiosa transcendente, que é uma dimensão do ser humano. Portanto, pensar que existiria uma razão pura, anti-histórica, só existente em si mesma, e que esta seria “a” razão, é um erro; descobrimos cada vez mais que esta toca somente uma parte do homem, expressa uma certa situação histórica, mas não é a razão como tal. A razão, como tal, está aberta à transcendência e só no encontro entre a realidade transcendente, a fé e a Revista da Arquidiocese
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razão que o homem encontra-se a si mesmo. Assim, penso que a tarefa e a missão da Europa nesta situação é justamente encontrar este diálogo, integrar a fé e a racionalidade moderna numa única visão antropológica, que completa o ser humano e torna, desse modo, também comunicáveis as culturas humanas. Por isso, diria que a presença do secularismo é algo normal, mas a separação, a contraposição, entre secularismo e cultura da fé é anômala e deve ser superada. O grande desafio deste momento é que ambos se encontrem e, desse modo, achem a sua verdadeira identidade. Como eu disse, esta é uma missão da Europa e uma necessidade humana nesta nossa história. Padre Lombardi: Obrigado, Santidade, e continuemos então no tema da Europa. A crise econômica se agravou recentemente na Europa e afeta particularmente também a Portugal. Alguns líderes europeus pensam que o futuro da União Europeia esteja em risco. Quais as lições se podem aprender desta crise, também no campo ético e moral? Quais são as chaves para consolidar a unidade e a cooperação dos países europeus no futuro?
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Santo Padre: Diria que justamente esta crise econômica, com sua componente moral, que ninguém pode deixar de ver, seja um caso de aplicação, de concretização, daquilo que tinha dito antes, ou seja, que duas correntes culturais separadas devem encontrar-se; caso contrário, não encontraremos a estrada para o futuro. Vemos aqui também um falso dualismo, ou seja, um positivismo econômico que julga poder funcionar sem a componente ética; um mercado que seria regulado somente por si mesmo, pelas meras forças econômicas, pela racionalidade positivista e pragmatista da economia. A ética seria uma coisa diferente, estranha a tudo isto. Na realidade, agora vemos que o puro pragmatismo econômico, que prescinde da realidade do homem – que é um ser ético – não termina positivamente, mas cria problemas insolúveis. Por isso, agora é o momento de ver que a ética não é uma coisa externa, mas interna à racionalidade e ao pragmatismo econômico. Por outro lado, devemos também confessar que a fé católica, cristã, frequentemente era muito individualista; deixava as coisas concretas, econômicas, ao mundo, e pensava somente na salvação indi-
vidual, aos atos religiosos, sem ver que estes implicam uma responsabilidade global, uma responsabilidade pelo mundo. Assim sendo, também aqui devemos entrar num diálogo concreto. Na minha encíclica Caritas in veritate – e toda a tradição da Doutrina social da Igreja vai por este lado – procurei ampliar o aspecto ético da fé para além do indivíduo, para a responsabilidade frente ao mundo, para uma racionalidade “performada” pela ética. Por outro lado, os últimos acontecimentos no mercado, nestes últimos dois ou três anos, mostraram que a dimensão ética é interna e deve entrar no interior do agir econômico, porque o homem é uno; e trata-se do homem, de uma antropologia sã, que implica tudo e, só assim, resolve-se o problema; só assim a Europa desenvolve e cumpre a sua missão. Padre Lombardi: Obrigado. Passemos agora a Fátima, onde será, em certo ponto, o cume – também espiritual – desta viagem. Santidade, qual o significado que as aparições de Fátima têm para nós hoje? Quando o senhor apresentou o texto do terceiro segredo de Fátima na Sala de Imprensa Vaticana, Revista da Arquidiocese
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em junho do ano 2000, estávamos muitos de nós e outros colegas de então, e foi-lhe perguntado se a mensagem podia estender-se, para além do atentado a João Paulo II, também para outros sofrimentos dos Papas. Segundo o senhor, é possível enquadrar igualmente naquela visão o sofrimento da Igreja de hoje, pelos pecados de abusos sexuais contra os menores? Santo Padre: Antes de tudo, gostaria de expressar a minha alegria de ir a Fátima, de rezar diante de Nossa Senhora de Fátima, que para nós é um sinal da presença da fé; que justamente dos pequenos nasce uma nova força da fé, que não se reduz aos pequenos, mas que tem uma mensagem para todo o mundo e toca a história precisamente no seu presente e ilumina esta história. No ano 2000, na apresentação, disse que uma aparição, ou seja, um impulso sobrenatural, não vem somente da imaginação da pessoa, mas na realidade da Virgem Maria, do sobrenatural; que um impulso deste tipo entra num sujeito e se expressa segundo as possibilidades do sujeito. O sujeito é determinado pelas suas condições históricas, pessoais, temperamentais e, portanto, traduz o grande impulso Revista da Arquidiocese
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sobrenatural segundo as suas possibilidades de ver, de imaginar, de expressar; mas nestas expressões, articuladas pelo sujeito, escondese um conteúdo que vai além, mais profundo, e somente no curso da história podemos ver toda a sua profundidade, que estava – digamos – “vestida” nesta visão possível à pessoa concreta. Deste modo, diria também aqui que, além desta grande visão do sofrimento do Papa, que podemos referir ao Papa João Paulo II em primeira instância, indicam-se realidades do futuro da Igreja que se desenvolvem e se mostram paulatinamente. Por isso, é verdade que além do momento indicado na visão, fala-se, vê-se, a necessidade de uma paixão da Igreja, que naturalmente se reflete na pessoa do Papa; mas o Papa está para a Igreja e, assim, são sofrimentos da Igreja que se anunciam. O Senhor nos disse que a Igreja seria sempre sofredora, de diversos modos, até o fim do mundo. O importante é que a mensagem, a resposta de Fátima, não vai substancialmente na direção de devoções particulares, mas precisamente na resposta fundamental, ou seja, a conversão permanente, a penitência, a oração, e as três virtudes teologais: fé, es-
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perança e caridade. Deste modo, vemos que a resposta verdadeira e fundamental que a Igreja deve dar, que nós, cada pessoa, devemos dar nesta situação. A novidade que podemos descobrir hoje, nesta mensagem, reside também no fato que os ataques ao Papa e à Igreja vêm não só de fora, mas que os sofrimentos da Igreja vêm justamente do interior da Igreja, do pecado que existe na Igreja. Também isso sempre foi sabido, mas hoje o vemos de um modo realmente terrifi cante: que a maior perseguição da Igreja não vem de inimigos externos, mas nasce do pecado na Igreja, e que a Igreja, portanto, tem uma profunda necessidade de reaprender a penitência, de aceitar a purifi cação, de aprender por um lado o perdão, mas também a necessidade de justiça. O perdão não substitui a justiça. Em uma palavra, devemos reaprender precisamente estas coisas essenciais: a conversão, a oração, a
penitência e as virtudes teologais. Assim respondemos que somos realistas ao esperar que o mal ataca sempre; ataca do interior e do exterior, mas que também as forças do bem estão presentes e que, no fi nal, o Senhor é mais forte do que o mal, e Nossa Senhora é para nós a garantia visível, materna, da bondade de Deus, que é sempre a última palavra na história. Padre Lombardi: Obrigado, Santidade, pela clareza, pela profundidade das suas respostas e por esta palavra conclusiva de esperança que nos ofereceu. Nós lhe desejamos sinceramente que esta viagem tão intensa possa transcorrer serenamente e que possa vivê-la também com toda a alegria e profundidade espiritual que o encontro com o mistério de Fátima nos inspira. Boa viagem para o senhor e nós procuraremos fazer bem o nosso serviço e difundir objetivamente aquilo que o senhor fará.
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Moralidade política DOM WALMOR OLIVEIRA DE AZEVEDO (Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte-MG) O Projeto de Lei de Iniciativa Popular, mais conhecido como Ficha Limpa, aprovado recentemente na Câmara e Senado, esperando a sanção presidencial, consolida um novo passo indispensável na vida e funcionamento da sociedade. A meta desse Projeto de Lei é a recuperação da intrínseca confl uência entre responsabilidades políticas e a dimensão moral da representação. A representação política não
pode separar-se do compromisso e da inteireza moral exigidos no exercício de cargos e responsabilidades – sob pena de comprometer a sensibilidade e capacidade de compartilhar a sorte do povo e buscar, com lucidez profética, a solução de problemas sociais. A solução de problemas sociais não é uma simples questão de estratégias ou uso de ações populistas com tratamento assistencialista Revista da Arquidiocese
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de questões e realidades que clamam por mudanças estruturais mais radicais. Há uma capacidade e horizonte de interpretação da realidade, em busca de soluções e respostas, que ficam comprometidos quando falta densidade moral na conduta e nos juízos de valor. A responsabilidade da autoridade política só é correta e fecunda quando o poder é exercido em espírito de serviço. Este espírito de serviço fica seriamente comprometido quando o exercício da autoridade não tem este forro de moralidade. Os riscos são sérios e desastrosos como é do conhecimento da opinião pública. A sociedade tem presenciado e sofrido com experiências nefastas de autoridades que constituídas pelas eleições representativas não têm, no exercício da autoridade política, envergadura para isso. A corrupção política, entre as deformações do sistema democrático, é uma das mais graves, como sublinha a Doutrina Social da Igreja Católica, “porque trai, ao mesmo tempo, os princípios da moral e as normas da justiça social”. Os comprometimentos morais configurados nas condutas de governantes e representantes do povo distorcem a autêntica relação que precisa exisRevista da Arquidiocese
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tir entre governantes e governados, representantes e representados. Compreende-se porque há uma crescente desconfiança em relação à política e seus representantes. A consequência é o enfraquecimento das instituições. “A corrupção política distorce na raiz a função das instituições representativas, porque as usa como terreno de barganha política entre solicitações clientelistas e favores dos governantes”, afirma também a Doutrina Social da Igreja Católica, causando prejuízos na realização do bem comum de todos os cidadãos, em razão de favorecimentos àqueles que possuem os meios para influenciar. Ora, quem participa da organização e da gestão feita pelo Estado tem que mover-se no horizonte do serviço aos cidadãos com o compromisso de garantir uma administração pública justa. Outra importante afirmação da Doutrina Social da Igreja: “O exercício da autoridade política seja na comunidade como tal, seja nos órgãos representativos do Estado, deve ser sempre realizado dentro dos limites da ordem moral, para procurar o bem comum, dinamicamente considerado, de acordo com a ordem juridicamente estabelecida ou por estabelecer”.
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O povo é o sujeito da autoridade política considerado na sua totalidade como detentor da soberania. Por esta razão, a autoridade política tem que guiar-se pela lei moral. A dignidade e consistência desta autoridade derivam do âmbito da ordem moral. Isto signifi ca dizer que não se pode compreender e defi nir a autoridade política, nas suas normas, fi nalidades e compromisso com destinatários, apenas enquanto consideração de valores de caráter puramente sociológico e histórico. É inadmissível no exercício da autoridade política quem não reconhece, desrespeita e tem conduta comprometedora quanto à ordem moral existente. A autoridade política tem o dever e compromisso de reconhecer, respeitar e promover os valores humanos e morais essenciais. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) empenhou-se de modo admirável e decisivo para
a aprovação do Projeto de Lei “Ficha Limpa”. Trata-se do comprometimento com a moralidade na política. A caminho das eleições, a Igreja, na sua tarefa missionária de ensinar, tem o grave dever de formar e esclarecer consciências e cidadãos para que pesem bem, no seu direito de escolher, a fi cha dos que põem seus nomes para serem sufragados nas eleições deste ano. A CNBB também quer ir adiante nessa busca de moralidade na política quando lança o Documento 91, “Por uma reforma do Estado com participação democrática”, aprovado na 71ª reunião ordinária do seu Conselho Permanente, em março deste ano. Por dever de profecia e compromissos no serviço à vida, a Igreja está presente para contribuir nessa crise de civilização, porque trabalha e colabora para a concretização da moralidade na política.
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Pedofi lia, uma chaga social DOM DIMAS LARA BARBOSA (Bispo auxiliar do Rio de Janeiro e secretário-geral da CNBB) 24 de maio de 2010 Nada atenua esses crimes; um só caso de pedofi lia, praticado por um padre, um religioso ou uma religiosa é sempre demais, é abominável. A Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República coordena, desde 2003, o Disque 100, serviço nacional de denúncia de violências contra crianças e adolescentes. Três anos antes, fora promulgada a lei nº 9.970/00, que instituiu o dia 18 de maio como o
Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. A data foi escolhida porque, em 18 de maio de 1973, em Vitória, um crime bárbaro chocou o país, quando a pequena Araceli, de apenas oito anos, foi sequestrada, espancada, estuprada e assassinada. Esse crime, apesar de sua gravidade, permanece impune. Segundo a referida secretaria, o Disque 100 já Revista da Arquidiocese
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registrou 8.799 denúncias nos quatro primeiros meses deste ano, atingindo uma média de 73 denúncias por dia. Os registros de violência sexual contra meninos e meninas representam 32% do total das 123.322 denúncias recebidas desde 2003. Das denúncias de violência sexual registradas no Disque 100 em 2010, 66% são de abuso sexual, e 33%, de exploração sexual. Em 2009, o abuso sexual representou 64% dos registros. Pesquisas sérias têm registrado que a grande maioria dos agressores sexuais de crianças e adolescentes são adultos casados, aí incluídos os próprios pais, padrastos, tios, vizinhos e até os avós. Ou seja, esse tipo de comportamento criminoso não está relacionado com o celibato. Trata-se de realidade preocupante, presente em vários segmentos de nossa sociedade, e que merece a atenção de todos para que possa ser revertida. Faz parte da caminhada da Igreja no Brasil o engajamento corajoso e sistemático na defesa dos direitos da criança e do adolescente. A Pastoral do Menor foi protagonista importante na elaboração do ECA (Estatuto da Criança e do AdolesRevista da Arquidiocese
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cente). Além de ir ao encontro desses pequeninos que perambulam ou vivem pelas ruas e praças das grandes cidades, atua em abrigos, acolhendo adolescentes vítimas de abandono e violência e usuários de drogas. Atua também na promoção e no controle de políticas públicas, marcando presença em nove conselhos estaduais e em mais de cem conselhos municipais. O número de crianças e adolescentes atendidos chega a 100 mil em todo o país. A Pastoral da Criança, presente em 4.027 municípios, conta com mais de 230 mil voluntários e atendeu, em 2009, mais de 1,6 milhão de crianças e mais de 1,4 milhão de famílias em todo o Brasil. O Regional Norte 2 da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), que inclui os Estados do Pará e do Amapá, apoiado pela presidência da conferência, empenhou-se decididamente pelo sucesso da CPI da pedofilia realizada na Assembleia Legislativa do Pará. Paradoxalmente, a própria igreja vem sofrendo profundamente, nos últimos tempos, por causa de alguns de seus sacerdotes e religiosos, envolvidos em casos de abusos sexuais. Nada pode justificar nem atenuar esses crimes.
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Um só caso de pedofi lia, praticado por um padre, um religioso ou uma religiosa é sempre demais, é abominável. O papa Bento 16 tem manifestado publicamente sua dor, que é a de todos os católicos, pedindo perdão às vítimas e seus familiares, em nome da igreja, e estabelecendo normas precisas para a investigação
e punição dos culpados. A CNBB, em sua assembleia geral, realizada de 4 a 13 de maio deste ano, em Brasília, também refl etiu amplamente sobre essa questão tão grave, estabelecendo metas concretas de ação. Que a Virgem Mãe Aparecida nos assista nesses momentos graves de nossa história.
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Declaração sobre o momento político nacional CNBB DIVULGA NOTA SOBRE AS PERSPECTIVAS PARA ELEIÇÕES DE OUTUBRO Brasília, 11 de maio de 2010
Nós, Bispos Católicos do Brasil, reunidos em Brasília, de 4 a 13 de maio de 2010, para a 48ª Assembleia Geral da CNBB, temos diante de nós a realidade do Povo Brasileiro, de cujas lutas e esperanças participamos. Os 50 anos da inauguração de Brasília e as eleições gerais do próximo mês de outubro nos proporcionam a oportunidade de refl etir sobre a trajetória do País. A realização da nossa Assembleia Geral em Brasília, no ano do jubileu de ouro da cidade e da Arquidiocese, quer expressar o apreço pelo que signifi cou para a nação a construção da Capital do País em pleno planalto central. O Jubileu de Ouro de Brasília, no entanto, precisa se transformar em oportunidade para que a Capital recupere o seu simbolismo original
e se torne de fato fonte de inspiração para os sonhos de um País justo, integrado, desenvolvido e ecologicamente sustentável, que todos queremos. “O desenvolvimento é impossível sem homens retos, sem operadores econômicos e homens políticos que sintam intensamente em suas consciências o apelo do bem comum. São necessárias tanto a preparação profi ssional como a coerência moral” (Bento XVI, Caritas in Veritate, 71). A celebração do Congresso Eucarístico Nacional em Brasília quer, igualmente, ser sinal deste anseio de País justo e fraterno, para cuja realização a Igreja Católica procura dar sua contribuição pelo testemunho dos valores humanos e cristãos que o Evangelho nos ensina. Seu lema “Fica conosco, Senhor” atesta Revista da Arquidiocese
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a importância da presença do Deus da vida e da partilha em todos os momentos, também naqueles do exercício da cidadania. O Brasil está vivendo um momento importante, por seu crescimento interno e pelo lugar de destaque que vem merecendo no cenário internacional. Isso aumenta sua responsabilidade no relacionamento com as outras nações e na superação progressiva de suas desigualdades sociais, produzidas pela iníqua distribuição da renda, que ainda persiste. Preocupam-nos os grandes projetos, sobretudo na Amazônia, sem levar devidamente em conta suas consequências sociais e ambientais. Permanece o desafio de uma autêntica reforma agrária acompanhada de política agrícola que contemple especialmente os pequenos produtores rurais, como fator de equilíbrio social. A Igreja, comprometida de modo inequívoco com a defesa da dignidade e dos Direitos Humanos, apoia as iniciativas que procuram garanti-los para todos. Todavia, denuncia distorções inaceitáveis presentes em alguns itens do PNDH-3. Destacamos a importância do projeto de lei denominado “Ficha Limpa”, de iniciativa popular, em Revista da Arquidiocese
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votação nestes dias no Congresso Nacional, como exemplo de participação popular para o aprimoramento da democracia, como já ocorrera com a aprovação da Lei 9840, contra a corrupção eleitoral, cuja aplicação requer contínua e atenta vigilância de todos, para que não continue a praga da compra e venda de votos. Esperamos que seja um instrumento a mais para sanar o grave problema da corrupção na vida política brasileira. Permanecem oportunas as palavras de João Paulo II: “A Igreja encara com simpatia o sistema da Democracia, enquanto assegura a participação dos cidadãos nas opções políticas e garante aos governados a possibilidade de escolher e controlar os próprios governantes (...) ela não pode, portanto, favorecer a formação de grupos restritos de dirigentes que usurpam o poder do Estado a favor dos seus interesses particulares ou de objetivos ideológicos” (Centesimus Annus, 46). Urge uma profunda reforma política, iluminada por critérios éticos, com a participação das diversas instâncias da sociedade civil organizada, fortalecendo a democracia direta com a indispensável regulamentação do Art. 14
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da Constituição Federal, relativo a plebiscito, referendo e iniciativa popular de lei. A Reforma Política “precisa atingir o âmago da estrutura do poder e a forma de exercê-lo, tendo como critério básico inspirador, a participação popular. Trata-se de reaproximar o poder e colocá-lo ao alcance da infl uência viável e efi caz da cidadania” (Por uma Reforma do Estado com Participação Democrática, Documentos da CNBB 91, 101). A campanha eleitoral é oportunidade para empenho de todos na refl exão sobre o que precisa ser levado adiante com responsabilidade e o que deve ser modifi cado, em vista de um Projeto Nacional com participação popular. Por isso, incentivamos a que todos participem e expressem, através do voto ético, esclarecido e consciente, a sua cidadania nas próximas eleições, superando possíveis desencantos com a política, procurando eleger pessoas comprometi-
das com o respeito incondicional à vida, à família, à liberdade religiosa e à dignidade humana. Em particular, encorajamos os leigos e as leigas da nossa Igreja a que assumam ativamente seu papel de cidadãos colaborando na construção de um País melhor para todos. Confi ando na intercessão de Nossa Senhora Aparecida, invocamos as bênçãos de Deus para todo o Povo Brasileiro. Brasília, 11 de maio de 2010 Dom Geraldo Lyrio Rocha Arcebispo de Mariana Presidente da CNBB Dom Luiz Soares Vieira Arcebispo de Manaus Vice-Presidente da CNBB Dom Dimas Lara Barbosa Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro Secretário-Geral da CNBB
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Solidariedade às vítimas das enchentes BISPOS DEMONSTRAM APOIO AOS DESABRIGADOS DE PERNAMBUCO E ALAGOAS Brasília, 25 de junho de 2010 Nós, Bispos, membros do Conselho Permanente da CNBB, reunidos em Brasília, nos dias 23 a 25 de junho de 2010, acompanhamos com muita dor e pesar as notícias que nos chegam sobre as enchentes que atingiram os Estados de Alagoas e Pernambuco, ocasionando muitas vítimas e desabrigados. Além das vítimas anunciadas pelos meios de comunicação, há milhares de pessoas sofredoras, cujos
corações estão despedaçados pelas perdas irreparáveis de entes queridos, de postos de trabalho, de seus pertences, suas propriedades, suas casas e tantos outros valores afetivos e culturais que não podem ser calculados. Manifestamos nossa solidariedade a todos os sofredores aos quais fazemos chegar nossa palavra de conforto e de esperança. Pedimos ao Deus da vida, que dê forças às Revista da Arquidiocese
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pessoas que são solidárias, partilham seus dons, seu tempo, seus bens e não medem esforços para ajudar na reconstrução da vida e dos meios de sobrevivência dos irmãos penalizados pelas consequências dessa tragédia. Acompanhamos com atenção os esforços dos órgãos públicos governamentais na busca de soluções emergenciais, enquanto aguardamos soluções estruturais. Valorizamos a ação de solidariedade das comunidades e das Igrejas locais que têm empregado esforços e estabelecido parcerias para atender às necessidades mais urgentes. A CNBB, juntamente com a Cáritas Brasileira, convoca a todos a se empenharem na Campanha SOS Pernambuco e Alagoas. As doações podem ser depositadas no Banco do Brasil, na conta corrente 5821-1, agência 3505-X. Mais uma vez percebemos a força
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do amor fraterno e os sentimentos humanitários que caracterizam nosso povo. A fé e a esperança cristã confortem a todos na reconstrução de suas vidas e de seus bens. Suplicamos as bênçãos de Deus, por intercessão de Nossa Senhora Aparecida e de São João Batista, em favor de todas as famílias enlutadas e de todos os que sofrem com as enchentes e suas consequências. Brasília, 25 de junho de 2010 Dom Geraldo Lyrio Rocha Arcebispo de Mariana Presidente da CNBB Dom Luiz Soares Vieira Arcebispo de Manaus Vice-Presidente da CNBB Dom Dimas Lara Barbosa Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro Secretário-Geral da CNBB
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Sucessora de Zilda Arns na Pastoral da Pessoa Idosa IRMÃ TEREZINHA TORTELLE, QUE SEGUE TRABALHO DA EX-COORDENADORA, ESTEVE EM GOIÂNIA PARA 6º ENCONTRO REGIONAL DA PASTORAL DA PESSOA IDOSA 17 de junho de 2010 A Pastoral da Pessoa Idosa realizou em Goiânia o 6º Encontro Regional, de 17 a 19 de junho, na sede regional da CNBB. Participou também do evento a sucessora da Dra. Zilda Arns na coordenação nacional, Irmã Terezinha Tortelle. Ela concedeu entrevista à imprensa no dia 18, às 10 horas, na sede regional da CNBB. O encontro iniciou-se no dia 17,
às 19 horas, com missa na Matriz de Campinas, presidida por Dom Antônio Lino da Silva Dinis, bispo de Itumbiara, que tem a tarefa de acompanhar a pastoral no Regional Centro-Oeste, e concelebrada pelo pároco, padre Walmir Garcia. Participaram do encontro 32 coordenadores pastorais das dioceses dos Estados de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Tocantins Revista da Arquidiocese
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e do Distrito Federal. Dra. Zilda Arns, fundadora e coordenadora da pastoral, vítima fatal do trágico terremoto no Haiti, foi lembrada durante a missa na qual, também, foi acolhida a nova coordenadora Nacional da Pastoral da Pessoa Idosa, Ir. Terezinha Tortelle, indicada pelo presidente
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do Conselho Diretor da Pastoral, Dom José Antonio Peruzzo. A indicação de Ir. Terezinha, que já exercia a tarefa de secretária executiva da entidade desde a sua fundação, foi homologada e ratifi cada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, na última Assembleia Geral, realizada em maio.
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Forma indevida de usar título de “padre” IGREJA ALERTA SOBRE USO ERRÔNEO DOS TERMOS “PADRE” E “FREI” POR MINISTROS ORDENADOS AFASTADOS DO ESTADO CLERICAL 27 de agosto de 2010
Os termos “padre” e “frei” estão sendo usados indevidamente por ministros ordenados que, por livre opção ou submetidos ao Direito Canônico, se afastaram do estado clerical, mas incorporaram até de forma permanente esse título a seu nome público. É o que alertam os bispos da Igreja Católica em Goiás. Em tempos de campanha eleitoral isso fi ca ainda mais evidente, com o uso do título por aqueles indivíduos que têm o interesse de buscar votos para conseguir se eleger. O cânone da Igreja Católica (cân. 285, § 3) impede clérigos, padres ou freis, em ministério sacerdotal, de participar de cargo público eletivo, especifi camente nos Poderes Legislativo e Executivo. Os bispos esclarecem que o sacramento da Ordem, validamente recebi-
do, nunca se torna nulo, mas, quando algum sacerdote perde o chamado estado clerical (cf. cân. 290), fi ca automaticamente proibido de exercer seu poder de ordem (cf. cân. 292). Dessa forma, ele tem a obrigação de deixar de usar o título de “padre” ou o de “frei”. Por fi m, os chefes das Dioceses no Estado solicitam que tais títulos não sejam usados em campanha eleitoral nem no exercício de qualquer cargo eletivo. Leia a carta abaixo: Os bispos de Goiás comunicam e esclarecem. Nós, Bispos da Igreja Católica no Estado de Goiás, COMUNICAMOS E ESCLARECEMOS que alguns ministros ordenados, por Revista da Arquidiocese
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livre opção ou por força do Direito Canônico, se afastaram do estado clerical. Apesar disso, continuam a usar o título de “padre” ou “frei”, incluindo, de forma permanente, esses títulos ao seu nome público. Essa prática é mais comum entre aqueles que militam na política partidária com o interesse de buscar votos em processos eleitorais. Esclarecemos que é proibido a um clérigo – padre, frei –, que exerça seu ministério sacerdotal, assumir ou participar de cargo público eletivo, especifi camente nos poderes Legislativo e Executivo (cf. cân. 285, § 3). Apesar de a Sagrada Ordenação, validamente recebida, nunca se tornar nula, quando algum padre
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perde o estado clerical (cf. cân. 290), fi ca proibido também de exercer o poder de ordem ( . cân. 292). Por isso, deve deixar de usar o título de “padre” ou “frei”. Portanto, solicitamos que o título de “padre” ou “frei” não seja utilizado em campanha eleitoral ou no exercício de cargo eletivo. Goiânia, 19 de agosto de 2010. Dom Washington Cruz, CP Arcebispo Metropolitano de Goiânia Dom Waldemar Dalbello Bispo auxiliar da Arquidiocese de Goiânia Dom João Wilk Bispo da Diocese de Anápolis
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5º Domingo da Páscoa (ano C) DOM WASHINGTON CRUZ (Arcebispo de Goiânia) 2 de maio de 2010 Na 1ª leitura de hoje assistimos ao fi nal da primeira viagem missionária de São Paulo. Acompanhado por São Barnabé, São Paulo regressa a Antioquia, na Síria, de onde ambos tinham partido. No fi m desta emocionante viagem missionária, que decorreu entre os anos 45 e 49, Paulo e Barnabé traziam o coração cheio de alegria e gratidão: quando partiram, iam “confi ados na graça de Deus”; agora, ao regressar, “convocaram a comunidade, a Igreja”, e “contaram tudo o que Deus fi zera com eles, e como abrira aos gentios a porta da fé”. Tinha sido uma viagem cheia de frutos, à sua palavra muitas pessoas se tinham convertido, mas os dois apóstolos atribuem a Deus todas estas conversões, pois Deus é que tinha atuado, e eles tinham
sido em suas mãos instrumentos dóceis e fi éis. Que fazemos nós, para ajudar a abrir a muitas pessoas “a porta da fé”? Quando damos catequese ou realizamos qualquer outro apostolado, quando falamos de Jesus aos nossos amigos ou abordamos temas de fé com outras pessoas, confi amos na graça de Deus e na ação do Espírito Santo? Na próxima semana, o Santo Padre irá a Fátima, para celebrar o décimo aniversário da beatifi cação dos pastorinhos Francisco e Jacinta. Como tais pastorinhos de Fátima, rezamos e oferecemos sacrifícios pelas pessoas que desejaríamos que se convertessem a Jesus? Quando surgem obstáculos ou difi culdades, pedimos ajuda a Deus, e continuamos alegres e confi antes, sem desistir nem desanimar? Revista da Arquidiocese
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No mundo em que vivemos, o mal às vezes parece que é mais forte do que o bem, o maligno parece às vezes que é o senhor do mundo. Mas a fé diz-nos sem hesitar que, apesar destas aparências, o mundo novo já começou. Na 2ª leitura, fomos convidados a ver, na luz da fé, o que viu São João, autor do Apocalipse, no termo de suas visões sobrenaturais: “Eu, João, vi um novo céu e uma nova terra. Pois o primeiro céu e a primeira terra tinham desaparecido e o mar já não existia”. Apesar do que se costuma pensar, São João não está falando aqui do fim dos tempos nem do fim do mundo, mas sim da substituição do mundo antigo, simbolizado pela Antiga Aliança e suas instituições, pelo mundo novo, iniciado pela morte e ressurreição de Cristo. Logo depois acrescenta: “Vi também a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do Céu, da presença de Deus, bela como noiva adornada para o seu esposo”. A nova Jerusalém desce do Céu, porque é de origem divina. E é santa, porque é definitivamente consagrada a Deus. A nova Jerusalém, que já existe hoje na Terra, é a Igreja de Cristo. Aparece representada como uma Revista da Arquidiocese
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noiva preparada para as núpcias, simbolizando assim a união dos fiéis com o seu Senhor. E a festa do banquete destas núpcias é a Eucaristia, que desde o início os cristãos celebraram fielmente no Dia do Senhor, e a partir de certa altura também todos os dias. Os sinais do mundo antigo, em especial a morte e a tristeza, vão desaparecer, e o próprio Deus − caso único em todo o Apocalipse − toma a lavra e promete solenemente: “Vou renovar todas as coisas”. Deus acendeu nos nossos corações a esperança deste mundo novo, um mundo em que a vitória de Jesus ressuscitado se estenderá a todas as dimensões da vida, e não devemos deixar que a chama desta esperança apague-se em nós. Não nos devemos resignar ao mundo, tal como ele existe hoje. Este mundo não é definitivo, não “enche as nossas medidas”, e precisa ser desde já profundamente purificado e renovado. Hoje, pedimos por intercessão do Imaculado Coração de Maria, que esta purificação e renovação comecem por nós, pelos nossos corações e por toda a nossa vida. Que a nossa vida seja já hoje renovada, convertida, pela graça de Cristo, e assim
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sejamos fermento de um mundo novo, transformado pela presença de Deus e pela sua inesgotável misericórdia. Jesus, no Evangelho, não nos convida a uma vida “mediana”, em que apenas se procura não cometer grandes erros, nem grandes desvios, mas sim a uma vida entregue, segundo a medida do seu amor levado “até ao fim” ( 13,1). As diversas religiões e sabedorias da humanidade é que são animadas por ideais de harmonia, equilíbrio e bom senso, mas a fé cristã é completamente diferente. Nós não somos chamados a um certo “equilíbrio”, mas sim a uma entrega total, porque Jesus, ao morrer por nós, deu-nos a prova máxima do amor (Jo 15,3). É, por isso, que Jesus, no Evangelho de hoje, não nos manda ser apenas “boas pessoas”, mas nos diz: “Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Como Eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros”. O amor de Jesus é o modelo, a fonte, a inspiração e o referencial de todo o amor humano. Todos nos podemos perguntar: estou amando como Jesus? Ou o meu amor é apenas terreno, mundano, fechado, egoísta?
Os que são casados ou os que são solteiros, os noivos que preparam o seu casamento ou os jovens que estão no Seminário, os doentes e os sãos, os idosos e os mais novos: todos somos chamados a amar como Jesus. O amor de Jesus é dom, mais do que posse, é esquecimento de si, para pensar no outro, e é, muitas vezes, renúncia feita com alegria, para fazer os outros mais felizes. O amor de Jesus leva os namorados a guardarem-se na pureza e castidade, até ao dia em que, pela mão de Jesus, cada um se dê ao outro para sempre. Leva os casais a uma fidelidade de coração e de todo o ser, que não se discute e nunca está em questão. E leva até alguns a renunciar a um amor humano, para servir com alegria e por amor, na Igreja, os outros irmãos. “Como Eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros”. Segundo conta Tertuliano, numa obra escrita no ano 197, os primeiros cristãos tomaram tão a sério estas palavras de Jesus, que os gentios exclamavam, admirados: “Vede como eles se amam!” (Apologeticum, 39, 7). Nós acreditamos no amor de Jesus Cristo, e acreditamos que é Revista da Arquidiocese
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possível vivê-lo. Isto não signifi ca que sejamos perfeitos: continuamos a ser imperfeitos e até pecadores. Mas pedimos-lhe que nos dê um coração novo, capaz de viver o seu mandamento novo, e assim consigamos antecipar, à nossa volta e no mundo em que vivemos, esse tempo que ansiosamente esperamos, em que o próprio Deus fará novas “todas as coisas”. Na história recente da Igreja, sobretudo na década de 70 do séc. XX, devido a alguns graves erros teológicos e morais, alguns pastores atraiçoaram gravemente a sua missão, e isso deu ocasião a que, nos últimos tempos, certos grupos de pressão, numa ação claramente orquestrada, começassem a atacar, com extrema injustiça, a imagem mais visível e mais digna do Bom Pastor que hoje existe no mundo, o Papa Bento XVI. Por que o fazem isso? Talvez por não suportarem o que Bento XVI diz na sua 3ª encíclica, A Caridade na Verdade: “Sem Deus, o homem não sabe para onde ir e não consegue sequer compreender quem é”. E um pouco depois: “O humanismo que exclui Deus é um humanismo desumano” (n. 78). O mundo tão sofi sticado, mas ao
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mesmo tempo tão desumano em que vivemos é a prova da verdade das palavras do Santo Padre, para alguns tão difíceis de escutar, tão insuportáveis de ouvir, que gostariam de desacreditar e silenciar a sua fonte. Mas esta situação já tinha sido, talvez, prevista pelo próprio Papa, como decorre das palavras que disse há precisamente cinco anos, em 24 de abril de 2005, na homilia do solene início do seu Pontifi cado: “Queridos amigos, neste momento eu posso dizer apenas: rezai por mim, para que eu aprenda cada vez mais a amar o Senhor. Rezai por mim, para que eu aprenda a amar cada vez mais o seu rebanho, vós, a Santa Igreja, cada um de vós singularmente e todos vós juntos. Rezai por mim, para que eu não fuja, por receio, diante dos lobos. Rezai uns pelos outros, para que o Senhor nos guie, e nós aprendamos a guiar-nos uns aos outros”. E já que o Santo Padre pede tão insistentemente a nossa oração, digamos-lhe que pode contar conosco, com a nossa oração sincera, e também com o nosso afeto fi lial, com o nosso entusiasmo, e com o nosso compromisso de construirmos, a partir de Deus e do seu amor, um mundo mais humano.
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Novena ao Pai Eterno 2010 (1º dia) DOM WASHINGTON CRUZ (Arcebispo de Goiânia) 25 de junho de 2010 Irmãos e irmãs, Permitam-me, ao iniciar minha breve meditação desta noite, contar uma história bem simples. Espero que esse caso possa nos ajudar a chegar mais perto da mensagem central da Palavra de Deus que nos foi proclamada. Conta-se que certo homem havia pintado um lindo quadro e convidou muitas pessoas para apreciá-lo. Compareceram as autoridades locais, fotógrafos, jornalistas e muita gente porque esse homem era um pintor famoso e um grande artista. Chegado o momento da apresentação, o pano que cobria o quadro foi retirado. Houve calorosos aplausos. Era uma impressionante fi gura de Jesus batendo suavemente à porta de uma casa. A imagem era tão bonita que Cristo parecia vivo. Com o ouvido
junto à porta, ele parecia querer ouvir se alguém lá dentro respondia. Houve palmas e elogios. Todos admiravam aquela obra de arte. Um observador curioso, porém, achou uma falha no quadro: a porta não tinha fechadura. Ele foi perguntar ao artista sobre aquela falha e o pintor respondeu: “é assim mesmo. Esta é a porta do coração humano. Só abre pelo lado de dentro”. Este coração é, ao mesmo tempo, o símbolo e o centro de todas as decisões de nossa vida. Só abre pelo lado de dentro. E a mais básica e importante das decisões que devemos tomar, no mais profundo do nosso coração, está em reconhecer que o Pai Eterno é o nosso criador. Ora, se resolvemos assumir nossa origem, no mais íntimo do nosso coração, todas as tarefas neste mundo passam a ter uma nova luz. Nos damos Revista da Arquidiocese
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conta de que vindos do coração do Pai Eterno não estamos aqui para desperdiçar nossos dias, mas para transformar cada momento em um novo motivo para honrar nossa condição de filhos e filhas. Criados pelo Pai, fomos formados e orientados por Ele, para conviver com os irmãos e imãs em clima de família. E é exatamente essa a atmosfera que respiramos aqui em Trindade nesses dias da romaria: uma única família que se forma com gente vinda de todo lado. O Pai Criador nos reúne para nos devolver a dignidade que o mundo tem nos roubado nos fazendo crer que não temos a quem recorrer. Aqui, na casa do Pai Eterno Criador, não há desamparo e nem solidão. Aqui todas as feridas são curadas. O evangelho que nos foi proclamado hoje é anúncio de cura e de ressurreição. Jesus toca um leproso e o liberta de sua doença. Aquele toque em uma pessoa considerada pecadora e impura a ponto de tornar também impura outra pessoa que, inadvertidamente, nela tocasse, é o símbolo da paixão de Cristo. Jesus, fazendo-se um de nós, tocou verdadeiramente em nossa ferida. Ele se apresentou em sua paixão como “impuro”, pagando pelos Revista da Arquidiocese
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nossos pecados e dando-nos, com a sua morte e ressurreição, a cura de que tanto precisávamos. “Jesus estendeu a mão, tocou nele e disse: eu quero, fique purificado”. O Filho do Pai Eterno se compadece de nós, realiza um gesto de boa vontade em nossa direção e nos limpa de todas as impurezas que se acumularam sobre nós no caminho dessa vida. A cura nos ressuscita para uma vida nova. Depois do toque de Cristo, já não há mais tempo a perder com o desconforto da doença. Curados, salvos, estamos livres para recomeçar tudo de um modo completamente diferente. A vontade do Pai Eterno se manifesta na vontade de seu Filho amado. Aquele homem que se apresentou para ser tocado, manifestou claramente possuir uma profunda fé no poder de Jesus: “se queres, tu tens poder de me purificar”. A súplica pela libertação é precedida por uma sincera profissão de fé. O caminho para o milagre se abre mediante a adesão do coração. O homem ferido na carne e na alma tem certeza de onde se encontra o remédio para suas doenças e vai em busca da cura, conduzido pela fé. E, na fé, encontra tudo o que tanto procurava. Jesus cura suas feridas
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e devolve a ele o direito de voltar a fazer parte da comunidade que o considerava uma pessoa impura. A revelação e o milagre se encontram: a vontade do Pai Eterno, realizada por Jesus, seu Filho, é a de restabelecer a saúde aos enfermos de todo tipo e colocá-los, de novo, no convívio feliz da comunidade. A cura, no entanto, se torna também o compromisso de dar testemunho recomendado por Jesus: “vá pedir ao sacerdote para examinar você, e depois faça a oferta que Moisés mandou a fim de que seja um testemunho para eles”. A força do testemunho é colocada em realce na advertência de Cristo e nela está um dos mais fascinantes efeitos dos milagres. As maravilhas saídas do coração da Santíssima Trindade não podem ser contabilizadas como apenas favores particulares sem nenhum tipo de vínculo com a edificação da Igreja. O testemunho é o modo direto e simples de se compartilhar os bens recebido do Pai Eterno de modo que também os outros irmãos e irmãs possam ser enriquecidos com esses mesmos bens. Observem como faz bem ao nosso coração passar ali embaixo pela sala dos milagres e tomar conhecimento de tantas bênçãos
derramadas na vida dos romeiros. O testemunho nos alinha com a vontade do Pai Eterno, pois nos faz repartidores das graças recebidas em seu nome. Jesus nos pede para dar testemunho do desaparecimento das feridas que nos torturavam antes do seu toque libertador e não permite que nos vangloriemos da cura como se ela representasse apenas e tão somente uma demonstração do seu poder. Os relatos cruéis a respeito do cerco e da destruição de Jerusalém encontrados no segundo Livro dos Reis e proclamados na liturgia de hoje são incômodos e os textos muito significativos para nossa reflexão. Eles representam as antigas e novas lepras que mancham a pele dos nossos povos em todos os tempos. Nabucodonosor, o rei da Babilônia, interessado na ampliação do seu império e no reconhecimento de seu poder de conquistador dos fracos e humilhados, continua tendo fortes representantes no mundo de hoje. Há pessoas e estruturas que repetem cercos desumanos e conquistas arrogantes. O rei estrangeiro e seus generais destruidores deixaram Jerusalém em ruínas. Há situações semelhantes muito mais perto de nós do que Revista da Arquidiocese
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possamos imaginar. E nessas situações estão multidões de irmãos e irmãs que, de joelhos, pedem a cura de suas feridas. Não precisamos ir muito longe para conferir essa cena. Observem a estrutura de saúde pública no Brasil. Enquanto os senhores da política propagam seus feitos e pedem aplausos, uma pessoa pobre precisa esperar meses por uma simples consulta médica. A Igreja no Brasil tem procurado dar sua contribuição firme e permanente na luta pela melhoria da saúde do nosso povo. Uma das expressões concretas dessa contribuição está representada nas iniciativas da pastoral da saúde. Segundo as orientações do nosso episcopado, os agentes da pastoral da saúde fundamentam suas ações nos apelos da Palavra e buscam fazer a vontade do Pai Eterno curando as feridas do mundo. Mulheres e homens dão um testemunho vibrante visitando os doentes nas casas e nos hospitais, acompanhando os familiares dos doentes, ajudando-os nos momentos difíceis, especialmente quando da perda de seus entes queridos. Essas irmãs e irmãos, que em muitos casos são ministros extraordinários da Eucaristia, facilitam também aos doentes a recepção dos Revista da Arquidiocese
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sacramentos. Eles costumam acompanhar solidariamente, de modo especial, os doentes terminais e os idosos da comunidade com cuidados de saúde. Brota também, do coração desse serviço de evangelização da Igreja, muitas ações de ajuda na solução dos problemas da saúde, de denúncia a respeito das situações de cuidados precários e de esclarecimentos aos doentes e familiares sobre seus direitos sem esquecer de promover a educação no campo da saúde. Meus queridos romeiros de Trindade: Jesus nos ensina, portanto, a fazer a vontade do Pai Eterno realçando o compromisso de todos com a promoção da saúde integral. Saúde do corpo e da alma. Com o seu toque milagroso Jesus elimina a doença e cria todas as condições para que a pessoa volte à convivência plena na comunidade. E assim realiza o desejo do Pai Eterno. O desejo de ver, sempre, seus filhos e filhas felizes, ajudando uns aos outros a carregar os fardos das enfermidades que insistem em ser nossas companheiras. Sadios e curados na fé, não há doença que possa nos dar medo ou tirar a nossa esperança! Esta romaria é um tempo missionário. Cada romeiro que
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está aqui presente no Santuário Basílica ou que nos acompanha pelos meios de comunicação está vivendo em tempo de missão. Tempo de reavivamento da fé. Tempo de reconciliação e de maior contato com a Palavra de Deus e com os sacramentos. Aproveite desse tempo e volte, amanhã, para continuarmos nessa caminhada de discernimento, de meditação, de alegre convivência na continuidade da novena em preparação para a grande festa do dia 4 de julho. Eu espero e conto com você. Que Nossa Senhora nos auxilie e nos acompanhe. Amém. Nós que estamos reunidos hoje aqui, no primeiro dia da novena de preparação para a grande festa do Divino Pai Eterno, podemos não ter uma ideia bem clara do papel que nos cabe nessa romaria. Será preciso recordar que não estamos sozinhos e nem somos os únicos
a gostar de rezar nesse santuário. Viemos de vários lugares de Goiás e do Brasil e representamos uma multidão de amigos e parentes que nos enviou a esta cidade por meio dos bons desejos que nos manifestaram e da oração que fazem por nós. Nossa participação viva neste dia também representa a continuidade de um bonito movimento de fé iniciado há 170 anos e que tem transformado a vida de milhares de famílias e enriquecido o coração da Igreja. Estamos dando um passo importante, portanto, não sozinhos, mas abraçados com todo o nosso povo, na grande caminhada que nos leva ao mais aconchegante lugar do coração da Santíssima Trindade. Um caminho feito com coragem para enfrentar os desafi os da vida, com alegria para comemorar as conquistas que alcançamos e com disposição para fazer a vontade do Pai Eterno.
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Solenidade do Divino Pai Eterno DOM WASHINGTON CRUZ (Arcebispo de Goiânia) 4 de julho de 2010 Irmãos e irmãs, O encerramento desta festa que marca os 170 anos de existência da romaria de Trindade nos apresenta o mais importante e maravilhoso compromisso de nossa fé: o de conhecer e fazer a vontade do Pai Eterno! Durante todos os nove dias da novena preparatória tivemos oportunidades muito ricas de buscar na liturgia diária as luzes que iluminam esse compromisso de todos os batizados. Fomos encontrando nas mensagens contidas nos textos dos profetas e da história do povo de Israel, e aperfeiçoadas plenamente pelas palavras e ações de Jesus, apresentadas pelo evangelho, os sinais de como cumprir esse compromisso fundamental. A essa meditação agrega-se o enorme manancial de riqueza espiritual
que recebemos na celebração dos sacramentos, especialmente na celebração reconciliação e da eucaristia. Isso tudo sem dizer do bem que nos fez esse reencontro tão carinhoso com os irmãos e irmãs, vindos de tantos lugares diferentes e que, como nós, elegem Trindade e o seu lindo Santuário Basílica, como lugares de renovação missionária da fé, dom da Santíssima Trindade e legado dos apóstolos. O evangelho de hoje relata-nos uma cena muito bonita de Jesus com os apóstolos em Cesareia de Filipe, lá bem no norte de Israel. O Senhor pergunta-lhes pela sua fé: “E vós quem dizeis que Eu sou?” Pedro dá uma resposta decidida e segura: – “Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo”. Jesus elogia a sua fé, que não é apenas um entusiasmo humano. Revista da Arquidiocese
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O seu discernimento não vem da “carne” e do “sangue”, isto é, de suas próprias forças, de sua própria inteligência, mas do fato de ter acolhido a fé que lhe foi dada pelo Pai Eterno. E Jesus lhe diz: “Também Eu te digo: Tu és Pedro e sobre esta pedra construirei a Minha Igreja e o poder do inferno nunca poderá vencê-la. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus”. Pedro recebe as chaves do Reino dos céus. As chaves são símbolos de soberania e de poder. Pedro, portanto, recebe, junto com as chaves, também o poder no Reino dos céus. Ele exercita tal autoridade sobre a terra não na função de um simples porteiro, como normalmente se pensa, mas na qualidade daquele que transmite e garante a doutrina e os mandamentos de Jesus cuja observância abre, para o homem, o Reino dos céus. Os escribas e fariseus se sentiam detentores das chaves do céu até aquele momento e exerceram a mesma autoridade, mas rejeitando o evangelho, eles não fazem outra coisa que não seja fechar o Reino para as pessoas que querem nele entrar. Simão assume o posto que eles desprezaram. Se considerarmos atentamente essa contraposição, vamos entenRevista da Arquidiocese
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der que a principal tarefa colocada sob a responsabilidade de Pedro é aquela de abrir as portas do Reino dos céus. Seu encargo é positivo e vibrante, e reconhecê-lo enche o nosso coração de alegria. Pedro abre para nós, as portas do Reino dos céus. Não se poderá identificar a Igreja como a proprietária exclusiva do Reino dos céus, mas o acolhimento desse ensinamento do evangelho sobre a pessoa e a função do apóstolo Pedro nos ajuda a compreender a relação da Igreja e o Reino dos céus. Pedro assume o próprio serviço na Igreja quando nos convida a recordar as palavras de Jesus que nos ensina o caminho para entrar no Reino dos céus. Irmãos e Irmãs, a Igreja de Jesus é uma só. Está assente sobre os Apóstolos e sobretudo sobre Pedro. A Igreja, povo novo fundado por Jesus, é um edifício espiritual que tem por fundamento a Pedro e seus sucessores. Onde está Pedro aí está a Igreja Católica. O serviço e a missão do apóstolo Paulo também nos são apresentados na liturgia de hoje como motivos de festa. Este grande apóstolo cumpriu com fidelidade seu ministério até a morte, interpretada como oferta ao Pai Eterno. Sua de-
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dicação total serve de modelo para todos nós. Nesses dias em que o mundo inteiro volta sua atenção para a prática do futebol num campeonato que se realiza lá na África do Sul, a Copa do Mundo, o ensinamento do apóstolo Paulo tem uma linguagem muito compreensível para os desportistas. Apesar de não falar de futebol, mas de atletismo, o apóstolo compara a vida cristã como uma competição atlética, uma experiência árdua de crescimento na fé: “combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé”. O caminho indicado por Cristo, trilhado por Paulo e apresentado a todos nós, é descrito como uma longa maratona, repleta de obstáculos e dificuldades. Para cruzar a linha de chegada, e, se me permitem uma comparação mais adequada ao futebol, para se chegar a vencer a final da Copa, no caminho de Cristo, é preciso viver com amor e esperança, confiando na presença do Espírito Santo. Pedro e Paulo. Os pilares da nossa Igreja. Eles perseveraram e a fidelidade deles a Cristo, fazendo a vontade do Pai Eterno, nos deixou uma grande riqueza. Rezamos ao Pai Eterno no prefácio da missa deste domingo: “Hoje, vós nos con-
cedeis a alegria de festejar os apóstolos São Pedro e São Paulo. Pedro, o primeiro a proclamar a fé, fundou a Igreja primitiva sobre a herança de Israel. Paulo, mestre e doutor das nações, anunciou-lhes o evangelho da Salvação. Por diferentes meios, os dois congregaram a única família de Cristo e, unidos pela coroa do martírio, recebem hoje, por toda terra, igual veneração...” Esses santos plantaram a Igreja, regandoa com seu sangue. Beberam do cálice do Senhor e fizeram a vontade do Pai Eterno. Celebra-se hoje o Dia do Papa. Vimos na primeira leitura, tirada dos Atos dos Apóstolos, como os cristãos de Jerusalém rezavam insistentemente por Pedro, que Herodes tinha mandado prender. O Senhor libertou-o por meio do Seu anjo. Irmãos e irmãs, temos de estar muito unidos ao sucessor de Pedro rezando todos os dias por ele. Para que Deus o defenda dos inimigos. Para que o encha da Sua sabedoria e da Sua fortaleza. Assim amamos a Cristo e a Sua Igreja. Olhando hoje o rosto e a vida do Papa Bento XVI, podemos ainda ouvir nitidamente as palavras que o Senhor proferiu em Cesareia de Revista da Arquidiocese
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Filipe: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”. Uma forma de manifestar ao Santo Padre nossa gratidão e afeto filial é acolher e praticar seus ensinamentos. Para o Povo de Deus em geral, são proveitosas suas catequeses nas quartas-feiras, nas quais apresenta a fé de sempre com uma linguagem nova e atualizada, capaz de interpelar o homem de hoje. E, é claro, não podemos esquecer suas três Encíclicas Deus Charitas est, Spe salvi e Charitas in Veritate, nem sua Exortação Apostólica Sacramentum Charitatis. São aspectos verdadeiramente centrais e atuais da fé que professamos: Deus Amor, a Esperança, a Verdade e a Eucaristia. Por todos estes ensinamentos, obrigado, Santo Padre. Seguimos com muita atenção seu magistério e queremos seguir com obediência filial suas indicações disciplinares. Queremos viver a plena comunhão da Igreja, e em Vossa Santidade, reconhecemos o Vigário de Cristo, o “doce Cristo na terra”, como Santa Catarina de Sena gostava de dizer. Além de rezar pelo Papa e de seguir os seus ensinamentos, hoje a Igreja faz, em todo o mundo católico, uma coleta, conhecida como “Óbolo de São Pedro”. Entregamos Revista da Arquidiocese
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com carinho uma generosa oferta àquele que Cristo colocou como Vigário em sua Igreja, a fim de que, em nosso nome, ele possa ajudar quem mais precisa no mundo. Como arquidiocese de Goiânia, com o maior prazer, enviaremos ao Santo Padre este Óbolo, recolhido, no dia de hoje, em nossos santuários, paróquias e comunidades. Não esqueçamos o ditado tão verdadeiro e tão evangélico: “obras são amores”. Cristo anuncia que o demônio fará guerra à Igreja mas garante que ele não levará a melhor. E de fato, a Igreja de Jesus tem sido perseguida desde o princípio. Logo que os Apóstolos começaram a anunciar o Evangelho, depois da vinda do Espírito Santo, foram presos e maltratados pelos chefes dos judeus. No império romano, bem cedo, começaram as perseguições violentas e elevado foi o número dos mártires. Mas apesar disso, o número de cristãos ia aumentando cada vez mais. Tertuliano afirmava, por volta do ano 200: “O sangue de mártires é semente de cristãos”. Vieram depois as heresias, que podiam ter destruído a Igreja a partir de dentro. Satanás não conseguiu afastá-la da doutrina recebi-
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da de Jesus. Ao longo dos séculos surgiram outros ataques à Esposa de Cristo: cismas, heresias, escândalos de membros importantes da Igreja, como lamentavelmente assistimos ainda hoje. No século XX, o comunismo causou o martírio de milhões de cristãos. Mais que nos primeiros três séculos da história da Igreja. Mas a Igreja continua firme com o poder de Jesus e a força do Espírito Santo. Para não sair da regra, conto-lhes ainda uma história. Na verdade, encontrei ontem à tarde. É de Chesterton, escritor inglês convertido à fé católica: “Um dia em Heliópolis, no Egito, apareceu um mendigo desgrenhado à porta do palácio do faraó, dizendo arrogante: “Passa para cá os teus tesouros”. O faraó olhou para ele com desprezo e disse aos seus guardas: “Prendei esse insolente”. O mendigo respondeu: “Eu sou mais forte do que tu. Eu sou o tempo”. O mesmo bateu à porta doutros grandes impérios e repetiu-se a mesma cena. Por fim, apareceu um dia na Praça de São Pedro, em Roma e encontrouse com um velhinho vestido de branco que foi lhe dizendo: “Bem -vindo,
ó tempo. Eu sou mais forte do que tu. Eu sou a eternidade’.” Meus irmãos e minhas irmãs, os impérios deste mundo são efêmeros. A Igreja, apoiada sobre Pedro e os seus sucessores, tem garantia de perenidade: “As portas do inferno não prevalecerão contra ela”. Para concluir, desejo dirigir uma palavra especial aos ouvidos e ao coração de todos os romeiros. A vontade do Pai Eterno se realizou, nestes dias, no meio de nós, porque nos reunimos para celebrar a fé. A Igreja nos animou nesta experiência tão importante e renovadora de nossas forças. Mas a vontade do Pai Eterno é que voltemos para nossas casas com novas disposições de vida. Este ano de 2010 continuará nos trazendo grandes desafios e o Pai Eterno, por meio da Igreja, quer nos ver atuantes e realizando a sua vontade. Estamos em ano eleitoral. Um tempo particularmente exigente. Uma ocasião de profunda experiência do exercício da democracia. Precisamos das luzes do Espírito Santo para nos encaminharmos para a prática do voto consciente. O exemplo e as palavras de Jesus devem permanecer como luzes para iluminar nossas escolhas. Nós, filhos e filhas Revista da Arquidiocese
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do Pai Eterno, membros da Igreja, demos uma enorme contribuição ao Brasil quando apoiamos, divulgamos, assinamos e participamos do movimento popular que levou ao Congresso Nacional o projeto de Lei que ficou conhecido como “Ficha Limpa”. Aprovado e sancionado, entrou em vigor no começo do mês passado. Uma grande vitória do povo brasileiro que será responsável pela depuração dos candidatos. Não será mais permitido que sejam apresentados, nas eleições, os nomes de pessoas como candidatos que não oferecem condições para a defesa dos interesses do povo e da administração da coisa pública. A Lei 9.840, a lei do “Ficha Limpa”, nos dá mais segurança no processo de escolha dos candidatos nas próximas eleições, mas ainda temos muito caminho a percorrer. A CNBB está nos ajudando por meio de vários grupos de reflexão a recordar os grandes compromissos do eleitor católico que podem estar presentes nas seguintes recomendações: Para escolher um candidato devemos examinar suas ideias, os valores, os projetos que ele defende e também sua vida. Devemos procurar votar em canRevista da Arquidiocese
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didatos cujas propostas defendam a dignidade da pessoa e da vida, desde a sua concepção até a morte, sobretudo dos mais pobres. O compromisso dos candidatos com a questão ecológica é fundamental, com a defesa das crianças e dos idosos. Vamos escolher candidatos que estejam comprometidos com a construção de uma sociedade plural, em que os direitos humanos sejam respeitados, o que inclui a defesa da liberdade de educação e a promoção da formação integral do ser humano, inclusive em sua dimensão religiosa. E, evidentemente, saberemos escolher candidatos que estejam comprometidos na luta contra todas as formas de corrupção. Irmãos e Irmãs, o Pai Eterno espera de todos nós, que hoje nos despedimos de seu belo Santuário, um renovado compromisso com o seu plano maravilhoso de amor por nós. Bento XVI nos tem alertado que a chave da vida humana é o amor: “Só a partir do amor o homem pode encontrar a si mesmo e estabelecer novas relações humanas de solidariedade. Só o amor é crível. As ideologias passam depressa, sobretudo quando escravi-
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zam o homem”. Enfrentemos os desafi os deste ano com o coração em estreita sintonia com Jesus e iluminados pelo Espírito Santo. O extraordinário testemunho dos apóstolos Pedro e Paulo nos encha de alegria e de vontade de continuar fi rmes buscando conhecer e fazer a vontade do Pai Eterno. Caríssimos romeiros de Trindade: levem o meu abraço emocionado. O meu coração de pastor e de amigo pulsa de gratidão pela grande experiência de fé que nos foi dada pela festa deste ano. Obrigado. Agradeço aos missionários redentoristas, grandes animadores desta evangelização pela perseverança e pela seriedade. Agradeço a
presença dos senhores bispos, hoje pela manhã, dos sacerdotes diocesanos e dos membros das congregações religiosas, especialmente pela disponibilidade ao ministério da reconciliação. E agradeço a vocês, romeiros, pela presença. Voltamos, todos, edifi cados com o testemunho do povo santo de Deus. Agora, vocês são missionários em casa e no trabalho. E, como discípulos/missionários de Jesus, recebam a doce tarefa de continuar fazendo, como Jesus, a vontade do Pai Eterno, e de ajudar os irmãos e irmãs a se engajarem nesta romaria que só termina no céu! Acompanhem-nos a Santa Mãe de Deus e os Santos Apóstolos Pedro e Paulo. Amém!
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Sínodo e novena de Pentecostes ROTEIRO PROPÕE UM OLHAR PARA O SÍNODO DE 2012 22 de maio de 2010
No segundo ano de preparação para o Sínodo da Arquidiocese de Goiânia, a ser realizado em 2012, as comunidades refl etiram sobre o mistério da Igreja na Liturgia, no mês de maio, quando foram realizados encontros especiais em preparação para a Festa de Pentecostes, seguindo roteiros propostos em um subsídio produzido pela equipe de liturgia. Cada comunidade pôde optar por realizar uma novena ou um tríduo, e, de um modo especial, a Vigília na noite do dia 22 de maio. Selecionados pela equipe de liturgia da Arquidiocese de Goiânia, os roteiros do Ofício Divino das Comunidades para a novena, tríduo e vigília de Pentecostes compuseram o subsídio usado nas comunidades durante o mês de maio. O livreto é o segundo volume da coleção de
publicações do Sínodo Arquidiocesano, que este ano tem como tema a liturgia. Essa não foi a única iniciativa para esse segundo ano de preparação do Sínodo. Durante a Semana Santa, as comunidades receberam outro livreto, com os roteiros de todas as celebrações. Na Quinta-feira Santa, 1º de abril, o arcebispo metropolitano, Dom Washington Cruz, apresentou sua décima carta pastoral, com o título O Espírito Santo, a Igreja e a Liturgia, que também serviu de refl exão para as comunidades durante a novena de Pentecostes. Cada comunidade defi niu como deveria celebrar a novena, o tríduo ou a vigília. Foi ainda apresentada a sugestão de que o último encontro fosse feito com todos os grupos, reunidos na paróquia. Ao fi nal, cada grupo preparou sua resposta Revista da Arquidiocese
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para a seguinte questão: “Com o que minha comunidade, parte importante da Igreja, quer contribuir com toda a Igreja arquidiocesana no campo da Liturgia?” Cada grupo enviou sua resposta
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para a reunião de síntese paroquial. Esta, por sua vez, foi encaminhada para a forania. Ali foi feita outra síntese, levada aos vicariatos. No fi nal, houve apenas uma síntese das sugestões, por vicariato.
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25 anos da páscoa de Dom Fernando ARQUIDIOCESE CELEBRA MEMÓRIA DE DOM FERNANDO GOMES DOS SANTOS EM SEU CENTENÁRIO DE NASCIMENTO 1º de junho de 2010 No ano do centenário de nascimento de Dom Fernando Gomes dos Santos, a Arquidiocese de Goiânia lembra também os 25 anos de sua morte. Dias depois de completar 75 anos, o primeiro arcebispo de Goiânia morreu em 1º de junho de 1985. Seu trabalho de 28 anos de pastoreio no Centro-Oeste foi de muita valia para a Igreja e a sociedade. Dom Fernando deixou escrito seu
Poema da Morte, que em um trecho diz: “O infi nito consiste em ver e amar. Basta ver, intuir, conhecer sem cessar, por amor, para amar. Amar é morrer sem se acabar. Morrer é amar. Só isso e mais nada!”. Seu corpo está sepultado na Catedral Metropolitana. O arcebispo enfrentou anos difíceis na política nacional, com a ditadura militar. Posicionou-se diante de questões sérias e de violações de direitos. Revista da Arquidiocese
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Centenário Arcebispo de Goiânia de 1957 a 1985, Dom Fernando Gomes dos Santos completaria 100 anos em 2010. Foi responsável pela consolidação da Arquidiocese de Goiânia e importante pastor para toda a Igreja no Centro-Oeste. Sua atuação foi fundamental na criação de novas dioceses em Goiás e no Tocantins, além da Arquidiocese de Brasília. Natural de Patos, na Paraíba, Fernando Gomes nasceu em 4 de abril de 2010. Foi ordenado padre em 1932, em Roma, onde estudou Teologia. Aos 33 anos foi sagrado
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bispo para o serviço na Diocese de Penedo, Alagoas. Em 1949, assumiu a Arquidiocese de Aracaju, Sergipe. No ano de 1957, Dom Fernando assumiu a Arquidiocese de Goiânia, que abrangia um extenso território na época. Em seu primeiro ano de ministério criou a Revista da Arquidiocese, ainda em circulação. Participou das sessões do Concílio Vaticano II e da Conferência de Medellín, onde coordenou a comissão sobre os Meios de Comunicação Social. Foi também responsável pela criação da Universidade Católica de Goiás, hoje PUC-Goiás.
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Arquidiocese festeja Corpus Christi PRAÇA CÍVICA RECEBE MILHARES DE CATÓLICOS EM CELEBRAÇÃO 19 de maio de 2010 Marco central de Goiânia e local referencial para a cidade de Goiânia, a Praça Cívica foi mais uma vez local da celebração da Solenidade do Corpo e Sangue de Cristo, Corpus Christi. Uma só celebração na arquidiocese de Goiânia reuniu a comunidade católica de 27 municípios da região metropolitana e do interior, no dia 3 de junho. Neste ano, dois eventos destacaram ainda mais a Solenidade: o
encontro com ministros da eucaristia e participantes de movimentos eucarísticos que aconteceu na Praça; e Jornada Eucarística com Jovens, ocorrida na Quadra de Esportes do Colégio Ateneu Dom Bosco. Ambos os grupos e demais fi éis participam ainda de concentração e animação antes da missa às 16h, na praça. Tapetes Após a celebração da missa, os Revista da Arquidiocese
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fi éis seguiram em procissão pelas ruas próximas: Avenida Araguaia, Rua 2 e Avenida Tocantins. No percurso, os trechos das ruas estavam ornamentados com os
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tradicionais tapetes de serragem e outros materiais, que foram confeccionados na manhã do dia 3 por representantes de diversas paróquias.
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Encerramento do Ano Sacerdotal COM DOM WASHINGTON CRUZ, SACERDOTES PARTICIPAM DE JORNADA SACERDOTAL EM ROMA julho de 2010 O papa Bento XVI convocou, por ocasião dos 150 anos da morte do Santo Cura d’Ars – São João Maria Vianney –, os padres de todo o mundo para as celebrações conclusivas do Ano Sacerdotal. O evento ocorreu entre os dias 8 e 10 de junho, em Roma. A festividade do Ano Sacerdotal teve início em 19 de junho de 2009 e encerrou-se em 19 de junho de 2010, tendo como tema “Fidelidade de Cristo, fi delidade
do sacerdote”. Cerca de 15 mil sacerdotes de 97 nações dos cinco continentes estiveram presentes no evento. Entre eles estavam 39 sacerdotes da Arquidiocese de Goiânia, liderados pelo arcebispo metropolitano, Dom Washington Cruz. O grupo partiu de Goiânia no dia 7 de junho e durante quatro dias participou de palestras e concelebrou missa na Basílica de São Paulo. Os padres participaram, Revista da Arquidiocese
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também, da vigília da solenidade do Sagrado Coração de Jesus, juntamente com o papa, na Praça de São Pedro, e da celebração eucarística presidida por Bento XVI, na Basílica de São Pedro. Para o padre João Carlos, da Paróquia Santa Maria (Parque Industrial João Braz), a viagem marcou sua vida sacerdotal. “A palestra realizada dia 10 (com o cardeal francês Jean-Louis Tauran), significou muito, principalmente, quando ele disse ‘o sacerdócio não é só uma função, mas um sacramento instituído por Jesus Cristo, a qual somos chamados’. Isso foi uma luz”, declarou o padre. Segundo João Carlos, durante o encontro o papa fez um apelo para todos os sacerdotes, pedindo que todos sejam comprometidos com a oração e com a dimensão mais profunda do que é a função significativa do sacerdote. Padre João explica que, em síntese, o que faz do sacerdote ser diferente dos outros homens é a dádiva de absolver os pecados e o poder de consagrar o pão e o vinho. Pedido do papa O padre José Hailo, da Paróquia Revista da Arquidiocese
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São Cristóvão (Setor Rodoviário), disse que Bento XVI aproveitou a solenidade para fazer um apelo a todos os presentes, para que usem o sacerdócio em prol dos nossos irmãos e no atendimento as confissões. “O papa também pediu perdão pelos erros da Igreja. E solicitou que todos se empenhem no trabalho, mesmo diante das dificuldades por que a Igreja vem passando”, informou o padre Luiz Alberto, da Paróquia Nossa Senhora das Graças (Setor Centro-Oeste). “Ele nos deu estímulo e coragem que reanimam para a missão sacerdotal”, concluiu. “Foram momentos de espiritualidade e conhecimento da palavra de Deus. Momentos enriquecedores, que darão mais conforto e segurança no nosso trabalho evangelizador”, enfatizou o padre Luiz Alberto. “Foi uma experiência santa que eu e todos os que estavam lá (sacerdotes de todo mundo) pudemos sentir.” Terra Santa A comitiva da Arquidiocese de Goiânia seguiu, dia 11 de junho, para Tel-Aviv, em Israel. “Na Terra Santa, o que marcou muito, embora a visita tenha sido rápida devido ao
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percurso turístico, foi justamente o momento junto ao Monte Calvário. Naquele lugar, Cristo dá a vida à Igreja e a cada um de nós. Se eu pudesse fi car o dia todo ali meditando e agradecendo, eu fi caria. O Calvário é o ápice da vida cristã”, relatou o padre João Carlos. Entre todos os pontos visitados, as Grutas da Dormição e do Profeta Moisés foram os lugares que marcaram para sempre a memória do padre José Hailo. “Me emocionei ao avistar a cidade de Jerusalém, com suas ruínas e muralhas de pedras”, salientou padre Luiz. Para o padre João, esse tipo de peregrinação “reanima as pessoas, abre os nossos horizontes para conhecer a grandeza da nossa fé e a beleza da manifestação de Cristo. É a certeza da eterna presença de Deus em nossas vidas. Recomendo a todos que façam economias e visitem a Terra Santa, pois dinamiza muito a nossa fé”. Com alegria e tristeza, ao mesmo
tempo, os 39 sacerdotes retornaram a Goiânia no dia 19. Alegria pela experiência vivenciada e tristeza por ter de deixar aquele lugar de tantas histórias. Para muitos este encontro signifi cou uma renovada escolha, e que vale a pena dar a vida pelo Evangelho. O cardeal Cláudio Hummes, prefeito da Congregação para o Clero, publicou uma mensagem sobre o encerramento das comemorações do Ano Sacerdotal. Para ele, não se trata exatamente de um encerramento, mas um novo início: “Queremos agradecer a Deus por este período privilegiado de oração e de refl exão sobre o sacerdócio, e, ao mesmo tempo, propomo-nos de estar sempre atentos ao que o Espírito Santo quer nos dizer”. O cardeal lembra que ao retornarem para o seu serviço ministerial nas comunidades, os sacerdotes deverão estar “com alegria renovada e com a convicção de que Deus, o Senhor da história, fi ca conosco, seja nas crises seja nos novos tempos”.
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Arte sacra debatida em encontro internacional ARQUIDIOCESE TEVE REPRESENTANTE EM REUNIÃO NA ITÁLIA Julho de 2010
De 3 a 5 de junho, no Monastero di Bose – Mosteiro Ecumênico Internacional, situado na Província de Magnano, próximo a Milão, no norte da Itália, foi realizada a 8ª Conferência Internacional de Liturgia, com o tema “Liturgia e Arte – o desafi o da contemporaneidade”. A promoção foi do Serviço Nacional de Patrimônio Cultural Eclesiástico (CEI) e do Comitê Científi co da Conferência Internacional de Liturgia. Na história dessa Conferência, tem-se o seguinte caminho percorrido, em relação aos temas nos encontros anteriores: a missa renovada pelo Concílio Vaticano II (1994); o altar: o mistério de presença, uma obra de arte (2003); o ambão, a mesa da palavra de Deus (2005); o espaço litúrgico e sua orientação (2006); o batistério
(2007); a assembleia Santa (2008); a igreja e a cidade (2009). Em 2010, a Conferência foi voltada para a discussão da arte contemporânea em diálogo com o espaço litúrgico e a liturgia, já que a relação entre a Igreja e as artes há muito tem sido debatida. Vê-se em todas as partes e regiões do mundo um esforço para melhorar essa relação, uma vez que a Igreja tem necessidade da arte. Por isso, a 8ª Conferência nasceu da necessidade de capturar a tensão real que existe entre a demanda de autonomia da arte, em especial a arte contemporânea, e de seu serviço para a Igreja e a liturgia. “Na relação entre liturgia e arte será primeiro necessário esclarecer que a distinção usual entre arte religiosa, arte sacra e arte litúrgica pode ser útil. A discussão Revista da Arquidiocese
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será conduzida no horizonte mais amplo da estética da fé cristã e sua expressão na liturgia. Fé solicita que seja feita perceptível, não só por ouvir a Palavra do Deus, mas também por meio de outros sentidos, especialmente visão. (...) Este relatório tem constituído a base teológica que marcou o fim da iconoclastia e possibilitou uma imensa produção artística nas igrejas do Oriente e do Ocidente” (fragmento do Projeto Científico de justificação da realização da Conferência). Diante disso, fixaram-se algumas perguntas de base para a discussão tendo em vista a arte, a igreja, a teologia e os artistas: Os que procuram expressar a experiência humana em forma verbal e não-verbal e de modo contemporâneo têm espaço nas produções artísticas sacras? Artistas devem servir apenas à beleza da Igreja ou devem procurar expressar em sua arte a teologia e a liturgia como fonte de sentido e vivência cristã? Com essas bases de discussão a 8ª Conferência foi muito rica em conteúdo, assessores e experiência mística e relacional. Os dias foram marcados pela celebração da Liturgia das Horas junto aos membros Revista da Arquidiocese
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do mosteiro, irmãos e irmãs. O início era com as laudes; antes do almoço, a hora média; e o fecho, com as vésperas. Momentos muito bem preparados. Todas as orações cantadas e em latim. Somente a leitura era em italiano. As refeições sempre marcadas pelo diálogo e dinamização por parte dos monges para efetiva vivência em comunidade. Na programação da Conferência, havia duas assessorias na parte da manhã e até três na parte da tarde. As conferências eram feitas na língua do assessor e com tradução simultânea em três línguas: inglês, francês e italiano. A noite era momento de trocas de experiências entre os participantes, membros do mosteiro e assessores. Presenças ilustres marcaram também esses dias, como por exemplo: Gianfranco Ravasi (arcebispo e presidente do Pontifício Conselho de Cultura); Piero Marini (arcebispo e presidente do Pontifício Comitê do Congresso Eucarístico Internacional); Dom Franco Magnani (diretor do Serviço Nacional Litúrgico – CEI, de Roma); e Enzo Bianchi (priore de Bose e presidente do Comitê Científico da Conferência Internacional de Liturgia). Além desses nomes,
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havia professores, mestres e doutores italianos, ingleses, alemães, franceses entre outros. A conferência contou com a participação de 190 pessoas, total que compreendia padres, bispos, religiosos e religiosas, arquitetos, artistas, musicistas e uma pequena parcela de leigos afi ns. O Brasil foi representado por quatro arquitetos delegados: João Martins, de Salvador, responsável pelo Setor de Arte Sacra da CNBB; Maria Inês, de Porto Alegre, membro da Comissão de Arte Sacra e Professora da PUC-RS; e frei Fábio Mendonça Pascoal, membro da Comissão de Arte Sacra da Arquidiocese de Goiânia. Também estava conosco a irmã Laíde Sonda, de São Paulo, pertencente à Congregação das Pio Discípulas e responsável pelo Apostolado Litúrgico. Vale lembrar que João Martins e a irmã Laíde Sonda são os autores do projeto arquitetônico da nova Catedral de Goiânia. Dentre os temas centrais de de-
bates, destaco: A Sacramentalidade da Arte na Liturgia; A Visibilidade da Palavra de Deus; e A Ortodoxia e a Arte Contemporânea. A arte sacra em todos os tempos cumpriu seu papel específi co do período em sua linguagem simbólico-sacramental: catequizar, amedrontar, expressar o mistério e a beleza de Deus etc. Em nossos dias a arte, em suas mais diversas expressões artísticas, deve favorecer a liturgia e a vivência comunitária da comunidade cristã. Deve ser expressão e refl exo do mistério celebrado, sem distorção e oposição a todo o restante, criando uma perfeita simbiose entre fé celebrada, espaço litúrgico, Palavra proclamada, comunhão realizada e fraternidade sustentada. Em tempo, é preciso agradecer à Arquidiocese de Goiânia por ter favorecido e contribuído signifi cativamente para sua representação e participação nessa Conferência tão importante para a arte sacra em nível internacional.
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Igreja não tem partido, diz Dom Washington CANDIDATOS NAS ELEIÇÕES DE 2010 OUVIRAM DO ARCEBISPO QUE A ARQUIDIOCESE NÃO TEM CANDIDATO OFICIAL Julho de 2010 O auditório da Cúria Metropolitana fi cou lotado na manhã do dia 21 de junho. Em um clima de fraternidade, estavam reunidos os principais nomes do cenário das eleições 2010 em Goiás para um encontro com o arcebispo metropolitano, Dom Washington Cruz. O evento, promovido pela Diaconia São Thomas Morus (Vicariato para a Comunicação), teve ampla cobertura de toda a imprensa e foi o último a
reunir os pré-candidatos antes das convenções partidárias que ofi cializaram os nomes, no fi m do mês passado. Em seu discurso, Dom Washington falou que está sempre muito interessado na atuação dos políticos goianos. “A Igreja tem constantemente procurado dar sua contribuição para que o processo político em nosso País ganhe sempre mais as cores da promoção da cidadania plena”, disse. Revista da Arquidiocese
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O arcebispo entregou para cada político presente um exemplar da cartilha O chão e o horizonte, publicada pelas pastorais sociais da CNBB a respeito das eleições 2010. Nela, estão contidas as orientações da Igreja no Brasil para o período eleitoral. Dom Washington apresentou alguns destaques do documento, propôs seu estudo e avisou: “Teremos os olhos fixos nele para ajudar nossas comunidades no discernimento sobre o voto consciente”. Orientações práticas Em seguida, o arcebispo apresentou dez orientações bastante objetivas sobre a posição da Arquidiocese de Goiânia nas eleições e sobre como deve ser o comportamento das paróquias, movimentos, comunidades, clero, religiosos e leigos (veja quadro). Todos ouviram atentamente o decálogo proposto por Dom Washington, e suas palavras dirigidas aos candidatos que participam das comunidades católicas. “Todos podem contar com o meu sincero incentivo”, enfatizou o arcebispo. “O que me cabe esclarecer, no entanto, é que a Igreja Católica não apresenta candidatos próprios. Será uma indução ao erro propagar que alguém seja candidato oficial da Revista da Arquidiocese
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Igreja.” Isso quer dizer que, se por um lado a Arquidiocese incentiva a participação dos leigos na vida política, por outro não obriga seus fiéis a votarem nesses candidatos. Por isso, o arcebispo recordou os critérios de escolha do eleitor católico nas eleições. “Os candidatos comprometidos com o respeito incondicional à vida, à família, à liberdade religiosa e à dignidade humana. Os candidatos católicos precisariam ser, por assim dizer, os primeiros a inserir essas bandeiras em suas propostas junto ao eleitorado”. Encontro reuniu maiores líderes da política goiana Mais de 50 pré-candidatos, além de presidentes e lideranças de diretórios dos partidos políticos e da imprensa, participaram do encontro com o arcebispo. Na avaliação do então pré-candidato do PSDB ao governo estadual, Marconi Perillo, o encontro mostra o compromisso da Igreja com a mudança da prática política no Brasil. “O projeto Ficha Limpa é um bom exemplo”, lembrou o senador. “A Igreja Católica foi fundamental nesse projeto, e resultou numa aprovação unânime no Senado. A Igreja precisa continuar tencionando as mudanças em nosso
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país, especialmente as mudanças na prática política.” Já o então pré-candidato do PMDB Iris Rezende avaliou que o encontro foi bastante esclarecedor sobre o posicionamento da Arquidiocese num momento tão decisivo para o país. “Dom Washington reúne os pré-candidatos e mostra a preocupação e a posição da Igreja junto aos fiéis, aos políticos, mostrando que aqueles que procuram o apoio e os votos da família católica têm de estar preocupados com as recomendações da Igreja”. Vanderlan Cardoso, pré-candidato do PR, lembrou que o pedido do arcebispo é por uma campanha
mais propositiva e sem ataques aos adversários. “Somos todos cristãos e tudo o que ele está pedindo é que sigamos o princípio do respeito, da ética e da moral cristã”. Em coletiva após a reunião, Dom Washington enfatizou que o objetivo do encontro é valorizar a missão do político. Tanto que esse dia foi marcado por ser iniciativa de um grupo de reflexão pastoral sobre a Doutrina Social da Igreja – a Diaconia São Thomas Morus, ligada ao Vicariato para a Comunicação. O primeiro estudo deverá acontecer em novembro, reunindo os eleitos no pleito de 2010.
RECADO AOS CATÓLICOS Orientações de Dom Washington para as eleições: 1. O relacionamento entre os candidatos católicos e as comunidades deve ser fraterno. 2. Um candidato pode dar testemunho de sua catolicidade ao assumir a Doutrina Social da Igreja. 3. As comunidades e paróquias não podem ser “loteadas” por candi-
daturas católicas e nem se tornarem alvos fáceis dos chamados “currais eleitorais”: a presença e a atuação de um candidato católico numa comunidade não a transformam em “território” de sua propriedade. 4. O compromisso histórico da Igreja é com a promoção do voto consciente. Os candidatos católicos precisariam ser os primeiros a inserir essas bandeiras em suas propostas.
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5. No período eleitoral será preciso tomar cuidado para que as celebrações e encontros não se tornem ocasiões onde os católicos sejam considerados presas fáceis da propaganda irresponsável e desrespeitosa.
8. O material impresso com fotos e informações pode ser sinal de desprezo pelo equilíbrio ecológico. Distribuídos no momento da celebração dos sacramentos também são sinais de pouco apreço pelo mistério da fé.
6. O candidato católico não perde o seu direito de vivenciar a fé no período eleitoral. Mas o arcebispo pede que cada um deles que estejam bem consciente dos limites impostos pela lei eleitoral e não criem difi culdades desnecessárias com atuações que caracterizem algum abuso.
9. As paróquias e comunidades estão abertas para sediar encontros e debates que levem a uma maior responsabilidade do voto, contando que se observem todos os princípios da liberdade de escolha e da participação ampla das diversas candidaturas.
7. Os padres e os religiosos e religiosas são cidadãos e, como tal, todos detêm o direito e o dever de fazer suas escolhas partidárias. Mas essas escolhas não podem ser vistas como uma espécie de selo para comprometer o discernimento da comunidade.
10. A Igreja suscita, anima e apoia o compromisso dos leigos no exercício da política. No entanto, a Igreja Católica não apresenta candidatos próprios. Será uma indução ao erro propagar que algum candidato seja candidato ofi cial da Igreja.
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Arquidiocese em Romaria PELO SÉTIMO ANO CONSECUTIVO, DOM WASHINGTON LIDEROU CAMINHADA NO PRIMEIRO SÁBADO DA NOVENA DE TRINDADE Julho de 2010 Começou no dia 25 de junho a maior romaria do Centro-Oeste brasileiro. A Festa do Divino Pai Eterno, no Santuário-Basilica de Trindade, favorece um verdadeiro espetáculo de fé até o dia 4 de julho. Milhares de devotos de todo o país passaram diante da imagem do Divino Pai Eterno, vindos de carro, ônibus, e claro, na tradicional caminhada a pé. A maior parte utilizou a pista da Rodovia dos Romeiros, que liga
Goiânia à capital da fé. Mas são muitos os que vêm de outros lugares e usam outros caminhos para chegar ao Santuário. E as comunidades da Arquidiocese de Goiânia se puseram a caminho de Trindade. No primeiro sábado da festa, dia 26, a partir do trevo Padre Pelágio, na GO-060, parte a VII Romaria Arquidiocesana. Mais uma vez, o arcebispo Dom Washington Cruz caminhou com os devotos os Revista da Arquidiocese
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quase 20 quilômetros que separam Goiânia de Trindade. Os organizadores informam que a mobilização para a Romaria Arquidiocesana aconteceu nos vicariatos. Ônibus foram disponibilizados para facilitar a ida e o retorno dos romeiros. A partir das 14 horas, houve a concentração e acolhida dos participantes, no Trevo, e às 15 horas, o arcebispo abençoou os presentes e iniciou a caminhada. Pelo rádio, os ouvintes acompanharam uma programação especial. Por volta das 19 horas, todos começaram a chegar ao Santuário Basílica. Às 20 horas, os devotos participaram do segundo dia da novena da festa, que este ano foi presidida por Dom Washington. Ao longo da rodovia, os romeiros tiveram o apoio do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), do Corpo de Bombeiros, da Polícia Rodoviária Estadual, e demais órgãos de trânsito. A novena deste ano teve como tema “Fazer a vontade do Pai Eterno”. O arcebispo foi o pregador em todas as noites, na novena solene. A programação da festa incluiu ainda o tradicional desfile de carros de boi, a missa dos carreiros e a celebração especial com as crianças. Revista da Arquidiocese
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A estrutura montada para a realização da romaria exigiu o trabalho de milhares de pessoas, a maior parte delas como voluntários, nos serviços de ornamentação, liturgia, comunicação e alimentação. As principais celebrações foram transmitidas, para todo o país, pelo rádio e televisão. Parceiros Para garantir uma boa romaria e uma tranquila passagem pela cidade, diversas instituições públicas e privadas se unem durante os dez dias de evento. No ano passado, a Prefeitura de Trindade, por meio da Secretaria de Assistência Social, criou o Centro de Atendimento ao Turista (CAT), no trevo de entrada da cidade. Uma recepção para acolher todos os romeiros que por ali passassem e que foi mantida neste ano. “Tudo o que os romeiros precisam vão encontrar lá: assistência médica, lanche e conforto”, afirmou a secretária de Assistência Social, Irani de Oliveira Machado. Além do CAT na entrada da cidade, outros seis Centros de Atendimento ao Turista foram montados pela prefeitura, em vários pontos de Trindade: na Basílica, na Igreja
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Matriz, no carreiródromo, na rodoviária, na sede da prefeitura de Trindade e no trevo de Santa Bárbara. O Centro de Apoio ao Romeiro (CAR) da Organização das Voluntárias de Goiás (OVG) também participou da Festa de Trindade.
A atuação se deu em parceria com o governo estadual e a iniciativa privada, com apoio de centenas de voluntários, que se revezaram 24 horas por dia para garantir atendimento médico e alimentação aos devotos que se dirigiram à cidade.
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Eleições livres e justas DOM WASHINGTON CRUZ, CP (Arcebispo de Goiânia) O Popular, 19 de julho de 2010 A Igreja sempre apoiou o compromisso dos cristãos na política, em ordem à construção de um mundo mais justo. Mais ainda, a Igreja é chamada a desenvolver um papel ativo de educação da consciência cidadã, a fi m de fazer surgir líderes cristãos, dispostos a servir o seu povo. Cristo disse aos seus discípulos: “Vós sois o sal da terra e a luz do mundo” (Mt 5, 13-14). O cristão tem a missão de trabalhar por uma sociedade mais humana, e justa também no âmbito político. O Evangelho deve ser inspirador para os políticos cristãos, empenhados em construir a sociedade de hoje e amanhã. O Papa Bento XVI tem chamado a nossa atenção para a grave situação presente em tantas partes do mundo. E exatamente neste mês de julho convida-nos a rezar e a trabalhar a fi m de que, nas
eleições, prevaleça o bem-estar das nações acima dos interesses individuais. Se não estamos dispostos a comprometer-nos com a nossa oração e a nossa ação, também no âmbito político, não teremos o direito a lamentar-nos dos maus governantes que pusemos no poder. O direito de votar livremente, sem qualquer espécie de coação, conta-se entre os principais direitos da pessoa humana. “Cada cidadão tem o direito de participar da vida da própria comunidade. Os cidadãos têm o direito, mas também a responsabilidade de participar desta vida comunitária. Um bom Governo requer que as eleições sejam claramente vistas como livres, justas e transparentes” (João Paulo II). Pedimos ao Senhor que haja justiça, transparência e honestidade nas Revista da Arquidiocese
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próximas eleições em nosso Estado e em todo o nosso país. Acreditamos que construir sobre a base da
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verdade é a única maneira de estabelecer uma sociedade que cresça na paz e justiça para todos.
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Chegada de Dom Fernando a Goiânia MONSENHOR NELSON RAFAEL FLEURY (Vigário paroquial da Catedral Metropolitana de Goiânia) Brasil Central, 19 de julho de 2010 O nosso dedicado Vigário Capitular, Dom Abel Ribeiro Camelo, que foi nosso Ordinário no período da passagem de Arquidiocese de Goiás para Arquidiocese de Goiânia, fez o possível a fi m de dar uma expressiva acolhida ao primeiro Arcebispo de Goiânia. As estruturas da nova Arquidiocese ainda estavam em formação. A Catedral, por exemplo, estava inacabada. Muita coisa estava ainda por fazer. Mas Dom Abel teve uma ideia: mostrar ao novo arcebispo o que de melhor ele ia encontrar na sua Diocese. O seu ínclito antecessor na Igreja Goiana, o “arcebispo da instrução”, Dom Emanuel, tinha esparramado colégios por todo território da Diocese. A juventude goiana estava sendo bem acompanhada nos excelentes educandários católicos. Junto com o convite para
que todas as paróquias viessem a Goiânia para receber o arcebispo, Dom Abel fez uma convocação geral aos colégios. E foi uma beleza. Fizemos uma bonita recepção e o Senhor Dom Fernando sentiu o calor do amor fi lial de suas ovelhas. A posse de Dom Fernando em Goiânia foi no dia 16 de junho de 1957, festa litúrgica da Santíssima Trindade, primeiro domingo depois de Pentecostes. A primeira iniciativa do Arcebispo foi conhecer o seu clero. Ele precisava saber com que auxiliares ele ia poder contar para realizar o seu plano pastoral na Arquidiocese. Para isso, presidiu o primeiro retiro do clero e institucionalizou a Reunião Mensal do Clero, que foi o ponto alto da Atividade de Conjunto impressa na Ação Pastoral da Arquidiocese. Tínhamos um clero Revista da Arquidiocese
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razoável em número. Os religiosos eram bem mais numerosos que os diocesanos. E o Arcebispo teve o carisma de convencer os padres de que, na Arquidiocese de Goiânia, no trabalho pastoral, não haveria diferença entre clero religioso e clero diocesano. Éramos todos presbíteros, auxiliares do Arcebispo na implantação do Reino.
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Foi também conhecer suas ovelhas, visitando as paróquias. E quanto mais conhecia, mais amava. Tive a felicidade de recebê-lo em Pirenópolis, em 1957, na festa da Padroeira, em Itumbiara, em 1959, e em Matão, em 1962. A presença do Arcebispo era sempre uma injeção de ânimo na comunidade. E como ele sabia falar com o povo simples do sertão!...
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Padre Zezinho em palestra REFERÊNCIA DA MÚSICA CATÓLICA, SACERDOTE LANÇOU LIVRO E FALOU SOBRE SUA TRAJETÓRIA Junho de 2010 O Ateneu Salesiano Dom Bosco recebeu, no dia 17 de maio, a visita do padre José Fernandes de Oliveira, conhecido nacionalmente como Padre Zezinho. O religioso deu uma palestra com o tema “De volta ao catolicismo”, o mesmo título do livro que está lançando pela Paulinas Editora. Padre Zezinho é autor de mais de 250 obras, dedicadas às áreas da comunicação, da teologia e da
catequese. Ele é conhecido também por diversas composições que hoje fazem parte da tradição musical católica. Como ele mesmo se declara, é aquele que vai à fonte, enche o balde com o conteúdo já armazenado e devidamente purifi cado pelos papas, bispos, doutores e mestres e o distribui ao povo em linguagem simplifi cada, que qualquer um pode entender. Durante a palestra, o visitante ilustre fez Revista da Arquidiocese
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vários questionamentos, insistindo numa Igreja menos intuitiva e instintiva e mais pensativa e refl exiva. Sugere que os “piedosos” e os “estudiosos” caminhem juntos, um enriquecendo o outro com a própria experiência de fé. O evento reuniu muitas pessoas da comunidade católica de Goiâ-
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nia. Entre elas, estava o grupo Renascer Conjugal de Uberlândia-MG e fi éis das cidades goianas de Cristalina, Silvânia e Jataí. Ao fi nal, Padre Zezinho deixou a sua bênção a toda a comunidade salesiana e aos que assistiram à palestra. A visita foi encerrada com uma seção de autógrafos em livros e CDs.
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Encontro nacional da Pascom debate novas tecnologias COMUNICAÇÃO DA IGREJA É DISCUTIDA EM APARECIDA DO NORTE (SP) Julho de 2010 “Para fazer uma boa Pastoral da Comunicação não basta a tecnologia, mas, também sermos cristãos”. Com essas palavras, o arcebispo do Rio de Janeiro e presidente da Comissão Episcopal Pastoral para Cultura, Educação e Comunicação Social, Dom Orani João Tempesta, abriu o 2º Encontro Nacional de Comunicação da Pascom. Pela Arquidiocese de Goiânia participam o vigário episcopal para a Comunica-
ção, padre Rafael Vieira, e os comunicadores Marcelo Igor (Paróquia Nossa Senhora Auxiliadora), Renatho Melo (Vicariato para a Comunicação/Vicom) e irmão Diego Joaquim (Rádio Difusora de Goiânia). O evento, realizado no subsolo do Santuário de Nossa Senhora Aparecida, em Aparecida do Norte (SP), teve como objetivo articular e motivar a Pastoral da Comunicação (Pascom), englobando as novas Revista da Arquidiocese
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ferramentas tecnológicas. Dom Orani destacou o desafi o de se fazer comunicação na Igreja. “Para nós há uma diferença essencial em se fazer comunicação. O desafi o é ter por trás uma pessoa que tenha espiritualidade e fé. A técnica não disfarça isso”, disse. O arcebispo disse que é preciso viver a unidade na pluralidade. “O desafi o está na unidade pela pluralidade, trabalharmos juntos sem destruir o outro”, concluiu. O encontro aconteceu entre os dias 21 e 24 e reuniu mais de 300 agentes da Pascom. Durante o encontro, os participantes assistiram palestras voltadas para sua área de atuação, e sobre as novas tecnologias da informação. Logo no primeiro dia, na palestra de abertura, foi debatido o tema “Igreja e comunicação: desafi os e necessidades”, assessorada pelo arcebispo do Rio de Janeiro e presidente da Comissão Episcopal para a Educação, Cultura e Comunicação Social da CNBB, Dom Orani João Tempesta.
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No segundo dia, o espaço foi de discussões em torno das “Novas tecnologias e novas mídias: inclusão e exclusão digital”; “Televisão: sua inserção no cotidiano dos indivíduos”; “Rádio: a arte de falar e ouvir”; “Telenovela: criação, produção e apresentação”; “Telenovela: a arte e a representação”. Os temas ligados a novelas teve a assessoria de ator Eriberto Leão, da Rede Globo. No dia 23, as temáticas voltadas para a internet e as novas mídias sociais foram apresentadas e discutidas a partir de temas como “Internet: porta de entrada para a evangelização no mundo globalizado”; “web: novas ferramentas do mundo digital para constituir rede na Igreja do Brasil” e “web: ferramentas de formação e qualifi cação para os agentes de pastoral”. O secretário geral da CNBB, dom Dimas Lara Barbosa, teve uma rápida participação no evento, no sábado, 24, refl etindo sobre as “Políticas de Comunicação na CNBB”.
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Frei Humberto lança livro sobre a família DOMINICANO LANÇA EM GOIÂNIA LIVRO SOBRE A IMPORTÂNCIA DA UNIÃO FAMILIAR 10 de agosto de 2010 O frei Humberto Pereira de Almeida, da Ordem dos Dominicanos, lançou o livro A família no mundo em transformação, durante evento realizado no dia 12 de agosto, na Paróquia São Judas Tadeu, situada no setor Coimbra. O livro descreve a importância da união familiar. “A primeira formação humana e religiosa é aquela que se recebe em família”. Em um trecho do livro, frei Humberto relata que “o mundo da família é o nosso mundo, o mundo de todos nós. Tivemos origem em uma família, nela desabrochamos para a vida e nos
formamos como pessoas. A família é a nossa existência, o nosso aconchego. Talvez possamos dizer que nós somos o que é a nossa família”. Com mais de trinta anos de vida pastoral em Goiânia, frei Humberto prestou serviços à Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB) e à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB Regional CentroOeste). Também dedicou parte do seu tempo à Pastoral Familiar e como fruto deste trabalho fundou o ENCASA, grupo de casais que se reúnem para rezar e refl etir sobre a vida a dois e com os fi lhos.
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Reuniões mensais
Pastoral Carcerária em discussão ENCONTRO MENSAL FALA DA EVANGELIZAÇÃO E LUTA PELOS DIREITOS DE PRESOS EM GOIÁS 12 de agosto de 2010 A Reunião Mensal de Pastoral realizada no dia 12 de agosto teve como tema o valoroso trabalho da Pastoral Carcerária da Arquidiocese de Goiânia, que atua na evangelização e na luta pelos direitos de milhares de presos do sistema penitenciário em Goiás. As assessoras do encontro foram a coordenadora estadual e arquidiocesana da Pastoral Carcerária, irmã Maria José – que também é advogada –, e a secretária da pasto-
ral, irmã Jeane Belini, que é pedagoga e também articuladora da equipe em Goiânia. Durante a reunião, à qual estiveram presentes cerca de 200 pessoas, elas expuseram todo o trabalho em tópicos e contaram várias histórias que relatam o drama dos que vivem sob o sistema prisional em Goiás e no Brasil – superlotação, indigência, criminalidade, descaso, doenças, entre outras mazelas. Revista da Arquidiocese
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O Vicariato para a Comunicação apresentou uma novidade na Reunião Mensal: um boletim informativo que tratou do tema do encontro e de outros assuntos da Arquidiocese
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de Goiânia. A intenção é preparar sempre um material impresso a cada reunião, que sirva como base para enriquecer o assunto a ser tratado.
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Sumário I – Santa Sé Mensagens 1. Uma só família humana........................................................................................ 267 Carta 2. O sacerdócio católico tem, sim, futuro................................................................ 273 Homilias 3. Solenidade do Natal do Senhor........................................................................... 281 4. Missa dedicada ao altar e à igreja da Sagrada Família. ................................... 287 II – CNBB Artigos 1. Migrantes, refugiados e o Natal........................................................................... 293 2. O tamanho da nossa pequenez............................................................................ 297 Notas 3. Nota da CNBB na proximidade das eleições .................................................... 299 4. Nota da Presidência da CNBB por ocasião de sua visita anual a Roma....... 301 5. Sobre campanha contra Aids . ............................................................................. 303 III – CNBB Regional Notícias 1. Anápolis realiza Feira da Solidariedade............................................................. 305 IV – Arquidiocese Homilias 1. Festa da Exaltação da Santa Cruz........................................................................ 307 Eventos 2. Arquidiocese lança manual sobre construção de igrejas.................................. 311 3. Igreja de Goiânia vive Ano Vocacional............................................................... 313 4. Mais de 6 mil serviços na Feira da Solidariedade............................................. 319 Discursos 5. Centenário do nascimento de Dom Fernando................................................... 321 6. A Liturgia é uma ação e não um discurso.......................................................... 327 Artigos 7. A ciência do saber sofrer....................................................................................... 335 8. Dia Mundial das Missões...................................................................................... 337 9. A solidariedade do Natal ..................................................................................... 339 10. Visita ad limina 2010 ......................................................................................... 341
Reuni천es mensais 11. Maio: Campanha da Fraternidade 2011............................................................ 343
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Uma só família humana MENSAGEM PARA O 97º DIA MUNDIAL DO MIGRANTE E DO REFUGIADO Castel Gandolfo, 27 de setembro de 2010.
Queridos Irmãos e Irmãs! O Dia Mundial do Migrante e do Refugiado oferece a oportunidade, a toda a Igreja, para refl etir sobre o tema relacionado com o crescente fenômeno da migração, para rezar a fi m de que os corações se abram ao acolhimento cristão e trabalhem para que cresçam no mundo a justiça e a caridade, colunas para a construção de uma paz autêntica e duradoura. “Que vos ameis uns aos outros assim como Eu vos amei” (Jo 13,34) é o convite que o Senhor nos dirige com vigor e nos renova constantemente: se o Pai nos chama para sermos fi lhos amados no seu Filho predileto, chama-nos também para nos reconhecermos a todos como irmãos em Cristo. Deste vínculo profundo entre todos os seres humanos surge o tema
que escolhi este ano para a nossa refl exão: “Uma só família humana”, uma só família de irmãos e irmãs em sociedades que se tornam cada vez mais multiétnicas e intraculturais, onde também as pessoas de várias religiões são estimuladas ao diálogo, para que se possa encontrar uma serena e frutuosa convivência no respeito das legítimas diferenças. O Concílio Vaticano II afi rma que “os homens constituem todos uma só comunidade; todos têm a mesma origem, pois foi Deus quem fez habitar em toda a terra o inteiro gênero humano (cf. At 17, 26); têm, além disso, o mesmo fi m último, Deus, cuja providência, testemunho de bondade e desígnios de salvação se estendem a todos” (Decl. Nostra aetate,1). Assim, nós “não vivemos uns ao lado dos outros por acaso; estamos percorrendo todos um Revista da Arquidiocese
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mesmo caminho como homens e por isso como irmãos e irmãs” (Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2008, 6). O caminho é o mesmo, o da vida, mas as situações por que passamos neste percurso são diversas: muitos devem enfrentar a difícil experiência da migração, nas suas diversas expressões: internas ou internacionais, permanentes ou periódicas, econômicas ou políticas, voluntárias ou forçadas. Em vários casos a partida do próprio país é estimulada por diversas formas de perseguição, de modo que a fuga se torna necessária. Depois, o próprio fenômeno da globalização característico da nossa época, não é só um processo socioeconômico, mas comporta também “uma humanidade que se torna mais interrelacionada”, superando confins geográficos e culturais. A este propósito, a Igreja não cessa de recordar que o sentido profundo deste processo sazonal e o seu critério ético fundamental são dados precisamente pela unidade da família humana e pelo seu desenvolvimento no bem (cf. Bento XVI, Enc. Caritas in veritate, 42). Portanto, todos pertencem a uma só família, migrantes e populações locais que os recebem, e todos têm o Revista da Arquidiocese
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mesmo direito de usufruir dos bens da terra, cujo destino é universal, como ensina a doutrina social da Igreja. Aqui encontram fundamento a solidariedade e a partilha. “Numa sociedade em vias de globalização, o bem comum e o empenho em seu favor não podem deixar de assumir as dimensões da família humana inteira, ou seja, da comunidade dos povos e das nações, para dar forma de unidade e paz à cidade do homem e torná-la em certa medida antecipação que prefigura a cidade de Deus sem barreiras.” (Bento XVI, Enc. Caritas in veritate, 7). É esta a perspectiva com a qual olhar também para a realidade das migrações. De fato, como já fazia notar o Servo de Deus Paulo VI, “a falta de fraternidade entre os homens e entre os povos” é causa profunda de subdesenvolvimento (Enc. Populorum progressio, 66) e – podemos acrescentar – incide em grande medida sobre o fenômeno migratório. A fraternidade humana é a experiência, por vezes surpreendente, de uma relação que irmana, de uma ligação profunda com o próximo, diferente de mim, baseado no simples fato de sermos homens. Assumida e vivida responsavelmente ela alimenta uma vida de comunhão e de partilha com
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todos, sobretudo com os migrantes; apoia a doação de si aos demais, ao seu bem, ao bem de todos, na comunidade política local, nacional e mundial. O Venerável João Paulo II, por ocasião deste mesmo Dia celebrado em 2001, ressaltou que “(o bem comum universal) abrange toda a família dos povos, acima de todo o egoísmo nacionalista. É neste contexto que se considera o direito de emigrar. A Igreja reconhece-o a cada homem no duplo aspecto da possibilidade de sair do próprio País e a possibilidade de entrar num outro à procura de melhores condições de vida. ” (Mensagem para o Dia Mundial das Migrações 2001,3; cf. João XXIII, Enc. Mater et Magistra,30: Paulo VI, Octogesima Adveniens,17). Ao mesmo tempo, os Estados têm o direito de regular os fluxos migratórios e de defender as próprias fronteiras, garantindo sempre o respeito devido à dignidade de cada pessoa humana. Além disso, os imigrantes têm o dever de se integrarem no país que os recebe, respeitando as suas leis e a identidade nacional. “Procurar-se-á então conjugar o acolhimento devido a todo o ser humano, sobretudo no caso de pobres, com a avaliação das condições indispensáveis para
uma vida decorosa e pacífica tanto dos habitantes originários como dos adventícios” (João Paulo II, Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2001, 13). Neste contexto, a presença da Igreja, como povo de Deus a caminho na história no meio de todos os outros povos, é fonte de confiança e esperança. De fato, a Igreja é “em Cristo, como que o sacramento, ou sinal, e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano” (Conc. Ec. Vat. II, Const. Dog. Lumen gentium,1); e, graças à ação do Espírito Santo nela, “o esforço por estabelecer a universal fraternidade não é vão” (Ibid, Const. Past. Gaudium et spes, 38). De modo particular é a Sagrada Eucaristia que constitui, no coração da Igreja, uma fonte inexaurível de comunhão para toda a humanidade. Graças a ela, o Povo de Deus abraça “todas as nações, tribos, povos e línguas” (Ap 7,9) não com uma espécie de poder sagrado, mas com o serviço superior da caridade. Com efeito, a prática da caridade, sobretudo em relação aos mais pobres e débeis, é critério que prova a autenticidade das celebrações eucarísticas (cf. João Paulo II, Carta apost. Mane nobiscum Domine, 28). À luz do tema “Uma só família Revista da Arquidiocese
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humana”, deve ser considerada especificamente a situação dos refugiados e dos outros migrantes forçados, que são uma parte relevante do fenômeno migratório. Em relação a estas pessoas, que fogem de violências e de perseguições, a Comunidade internacional assumiu compromissos bem determinados. O respeito dos seus direitos, assim como das justas preocupações pela segurança e pela unidade social, favorecem uma convivência estável e harmoniosa. Também no caso dos migrantes forçados a solidariedade alimentase na “reserva” de amor que nasce do considerar-se uma só família humana e, para os fiéis católicos, membros do Corpo Místico de Cristo: somos de fato dependentes uns dos outros, todos responsáveis dos irmãos e das irmãs em humanidade e, para quem crê, na fé. Como já tive a ocasião de dizer, “Acolher os refugiados e dar-lhes hospitalidade é para todos um gesto obrigatório de solidariedade humana, para que eles não se sintam isolados por causa da intolerância e do desinteresse” (Audiência geral de 20 de Junho de 2007: Insegnamenti II, 1 [2007], 1158). Isto significa que todos os que são forçados a deixar as suas Revista da Arquidiocese
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casas ou a sua terra serão ajudados a encontrar um lugar no qual viver em paz e em segurança, onde trabalhar e assumir os direitos e deveres existentes no país que os acolhe, contribuindo para o bem comum, sem esquecer a dimensão religiosa da vida. Por fim, gostaria de dirigir um pensamento particular, sempre acompanhado da oração, aos estudantes estrangeiros e internacionais, que também são uma realidade em crescimento no âmbito do grande fenômeno migratório. Tratase de uma categoria também socialmente relevante na perspectiva do seu regresso, como futuros dirigentes, aos países de origem. Eles constituem “pontes” culturais e econômicas entre estes países e os que os recebem, e tudo isto se orienta para formar “uma só família humana”. É esta convicção que deve apoiar o compromisso a favor dos estudantes estrangeiros e acompanhar a atenção pelos seus problemas concretos, como as dificuldades econômicas ou o mal-estar de se sentirem sozinhos ao enfrentar um ambiente social e universitário muito diferente, assim como as dificuldades de inserção. A este propósito, aprazme recordar que “pertencer a uma
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comunidade universitária signifi ca estar na encruzilhada das culturas que formaram o mundo moderno” (cf. João Paulo II, Aos Bispos dos Estados Unidos das Províncias eclesiásticas de Chicago, Indianapolis e Milwaukee em visita “ad limina”, 30 de maio de 1998, 6: Insegnamenti XXI, 1 [1998], 1116). A cultura das novas gerações forma-se na escola e na universidade: depende em grande medida destas instituições a sua capacidade de olhar para a humanidade como para uma família chamada a estar unida na diversidade. Queridos irmãos e irmãs, o mundo dos migrantes é vasto e diversifi cado. Conhece experiências maravilhosas e prometedoras, assim como, infelizmente, muitas outras dramáticas e indignas do homem e de sociedades que se consideram
civis. Para a Igreja, esta realidade constitui um sinal eloquente do nosso tempo, que dá mais realce à vocação da humanidade de formar uma só família e, ao mesmo tempo, as difi culdades que, em vez de unila, a dividem e dilaceram. Não percamos a esperança, e rezemos juntos a Deus, Pai de todos, para que nos ajude a ser, cada um em primeira pessoa, homens e mulheres capazes de estabelecer relações fraternas; e, a nível social, político e institucional, incrementem-se a compreensão e a estima recíproca entre os povos e as culturas. Com estes votos, invocando a intercessão de Maria Santíssima Stella maris, envio de coração a todos a Bênção Apostólica, de modo especial aos migrantes e aos refugiados e a quantos trabalham neste importante âmbito.
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O sacerdócio católico tem, sim, futuro CARTA DE BENTO XVI AOS SEMINARISTAS Vaticano, 18 de outubro 2010
Queridos Seminaristas,
turo, antes pertenceria já ao passado. Contrariando tais objeções Em dezembro de 1944, quando e opiniões, vós, queridos amigos, fui chamado para o serviço mili- decidistes-vos a entrar no Seminátar, o comandante de companhia rio, encaminhando-vos assim para perguntou a cada um de nós a pro- o ministério sacerdotal na Igreja fi ssão que sonhava ter no futuro. Católica. E fi zestes bem, porque os Respondi que queria tornar-me homens sempre terão necessidasacerdote católico. O subtenente de de Deus – mesmo na época do replicou: Nesse caso, convém-lhe predomínio da técnica no mundo procurar outra coisa qualquer; na e da globalização –, do Deus que nova Alemanha, já não há necessi- Se mostrou a nós em Jesus Cristo e dade de padres. Eu sabia que esta nos reúne na Igreja universal, para “nova Alemanha” estava já no fi m aprender, com Ele e por meio d’Ele, e que, depois das enormes devas- a verdadeira vida e manter presentações causadas por aquela loucura tes e tornar efi cazes os critérios da no país, mais do que nunca haveria verdadeira humanidade. necessidade de sacerdotes. Sempre que o homem deixa de Hoje, a situação é completamen- ter a noção de Deus, a vida torna-se te diversa; porém de vários modos, vazia; tudo é insufi ciente. Depois o mesmo em nossos dias, muitos homem busca refúgio na alienação pensam que o sacerdócio católico ou na violência, ameaça esta que não seja uma “profi ssão” do fu- recai cada vez mais sobre a própria Revista da Arquidiocese
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juventude. Deus vive; criou cada um de nós e, por conseguinte, conhece a todos. É tão grande que tem tempo para as nossas coisas mais insignificantes: “Até os cabelos da vossa cabeça estão contados”. Deus vive, e precisa de homens que vivam para Ele e O levem aos outros. Sim, tem sentido tornar-se sacerdote: o mundo tem necessidade de sacerdotes, de pastores hoje, amanhã e sempre enquanto existir. O Seminário é uma comunidade que caminha para o serviço sacerdotal. Nestas palavras, disse já algo de muito importante: uma pessoa não se torna sacerdote, sozinha. É necessária a “comunidade dos discípulos”, o conjunto daqueles que querem servir a Igreja de todos. Com esta carta, quero evidenciar – olhando retrospectivamente também para o meu tempo de Seminário – alguns elementos importantes para o vosso caminho a fazer nestes anos. 1. Quem quer tornar-se sacerdote, deve ser, sobretudo, um “homem de Deus”, como o apresenta São Paulo (1Tm 6,11). Para nós, Deus não é uma hipótese remota, não é um desconhecido que se retirou depois do “big-bang”. Deus mostrou-Se em Jesus Cristo. No rosto Revista da Arquidiocese
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de Jesus Cristo, vemos o rosto de Deus. Nas suas palavras, ouvimos o próprio Deus a falar conosco. Por isso, o elemento mais importante no caminho para o sacerdócio e ao longo de toda a vida sacerdotal é a relação pessoal com Deus em Jesus Cristo. O sacerdote não é o administrador de uma associação qualquer, cujo número de membros se procura manter e aumentar. É o mensageiro de Deus no meio dos homens; quer conduzir a Deus, e assim fazer crescer também a verdadeira comunhão dos homens entre si. Por isso, queridos amigos, é muito importante aprenderdes a viver em permanente contato com Deus. Quando o Senhor fala de “orar sempre”, naturalmente não pede para estarmos continuamente a rezar por palavras, mas para conservarmos sempre o contato interior com Deus. Exercitar-se neste contato é o sentido da nossa oração. Por isso, é importante que o dia comece e acabe com a oração; que escutemos Deus na leitura da Sagrada Escritura; que Lhe digamos os nossos desejos e as nossas esperanças, as nossas alegrias e sofrimentos, os nossos erros e o nosso agradecimento por cada coisa bela e boa, e que deste modo sempre O
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tenhamos diante dos nossos olhos como ponto de referência da nossa vida. Assim tornamo-nos sensíveis aos nossos erros e aprendemos a trabalhar para nos melhorarmos; mas tornamo-nos sensíveis, também, a tudo o que de belo e bom recebemos habitualmente cada dia, e assim cresce a gratidão. E, com a gratidão, cresce a alegria pelo fato de que Deus está perto de nós e podemos servi-Lo. 2. Para nós, Deus não é só uma palavra. Nos sacramentos, dá-Se pessoalmente a nós, através de elementos corporais. O centro da nossa relação com Deus e da configuração da nossa vida é a Eucaristia; celebrá-la com íntima participação e assim encontrar Cristo em pessoa deve ser o centro de todas as nossas jornadas. Para além do mais, São Cipriano interpretou a súplica do Evangelho “o pão nosso de cada dia nos dai hoje”, dizendo que o pão “nosso”, que, como cristãos, podemos receber na Igreja, é precisamente Jesus eucarístico. Por conseguinte, na referida súplica do Pai Nosso, pedimos que Ele nos conceda cada dia este pão “nosso”; que o mesmo seja sempre o alimento da nossa vida, que Cristo ressuscitado, que Se nos dá na Eucaristia, plasme
verdadeiramente toda a nossa vida com o esplendor do seu amor divino. Para uma reta celebração eucarística, é necessário aprendermos também a conhecer, compreender e amar a liturgia da Igreja na sua forma concreta. Na liturgia, rezamos com os fiéis de todos os séculos; passado, presente e futuro encontram-se num único grande coro de oração. A partir do meu próprio caminho, posso afirmar que é entusiasmante aprender a compreender pouco a pouco como tudo isto foi crescendo, quanta experiência de fé há na estrutura da liturgia da Missa, quantas gerações a formaram rezando. 3. Importante é também o sacramento da Penitência. Ensina a olhar-me do ponto de vista de Deus e obriga-me a ser honesto comigo mesmo; leva-me à humildade. Uma vez o Cura d’Ars disse: Pensais que não tem sentido obter a absolvição hoje, sabendo, entretanto, que amanhã fareis de novo os mesmos pecados. Mas – assim disse ele – o próprio Deus neste momento esquece os vossos pecados de amanhã, para vos dar a sua graça hoje. Embora tenhamos de lutar continuamente contra os mesmos erros, é importante opor-se ao embrutecimento da Revista da Arquidiocese
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alma, à indiferença que se resigna com o fato de sermos feitos assim. Na grata certeza de que Deus me perdoa sempre de novo, é importante continuar a caminhar, sem cair em escrúpulos, mas também sem cair na indiferença, que já não me faria lutar pela santidade e o aperfeiçoamento. E, deixando-me perdoar, aprendo também a perdoar aos outros; reconhecendo a minha miséria, também me torno mais tolerante e compreensivo com as fraquezas do próximo. 4. Mantende em vós também a sensibilidade pela piedade popular, que, apesar de diversa em todas as culturas, é sempre também muito semelhante, porque, no fim de contas, o coração do homem é o mesmo. É certo que a piedade popular tende para a irracionalidade e, às vezes, talvez mesmo para a exterioridade. No entanto, excluí-la, é completamente errado. Através dela, a fé entrou no coração dos homens, tornou-se parte dos seus sentimentos, dos seus costumes, do seu sentir e viver comum. Por isso a piedade popular é um grande patrimônio da Igreja. A fé fez-se carne e sangue. Seguramente a piedade popular deve ser sempre purificada, referida ao centro, mas merece a Revista da Arquidiocese
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nossa estima; de modo plenamente real, ela faz de nós mesmos “Povo de Deus”. 5. O tempo no Seminário é também e, sobretudo, tempo de estudo. A fé cristã possui uma dimensão racional e intelectual, que lhe é essencial. Sem tal dimensão, a fé deixaria de ser ela mesma. Paulo fala de uma “norma da doutrina”, à qual fomos entregues no Batismo (Rm 6, 17). Todos vós conheceis a frase de São Pedro, considerada pelos teólogos medievais como a justificação para uma teologia elaborada racional e cientificamente: “Sempre prontos a responder (…) a todo aquele que vos perguntar “a razão” (logos) da vossa esperança” (1Pd 3,15). Adquirir a capacidade para dar tais respostas é uma das principais funções dos anos de Seminário. Tudo o que vos peço insistentemente é isto: Estudai com empenho! Fazei render os anos do estudo! Não vos arrependereis. É certo que muitas vezes as matérias de estudo parecem muito distantes da prática da vida cristã e do serviço pastoral. Mas é completamente errado pôr-se imediatamente e sempre a pergunta pragmática: Poderá isto servir-me no futuro? Terá utilidade prática, pastoral? É que não se trata apenas de aprender as coisas
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evidentemente úteis, mas de conhecer e compreender a estrutura interna da fé na sua totalidade, de modo que a mesma se torne resposta às questões dos homens, os quais, do ponto de vista exterior, mudam de geração em geração e, todavia, no fundo, permanecem os mesmos. Por isso, é importante ultrapassar as questões volúveis do momento para se compreender as questões verdadeiras e próprias e, deste modo, perceber também as respostas como verdadeiras respostas. É importante conhecer a fundo e integralmente a Sagrada Escritura, na sua unidade de Antigo e Novo Testamento: a formação dos textos, a sua peculiaridade literária, a gradual composição dos mesmos até se formar o cânon dos livros sagrados, a unidade dinâmica interior que não se nota à superfície, mas é a única que dá a todos e cada um dos textos o seu pleno significado. É importante conhecer os Padres e os grandes Concílios, onde a Igreja assimilou, refletindo e acreditando, as afirmações essenciais da Escritura. E poderia continuar assim: aquilo que designamos por dogmática é a compreensão dos diversos conteúdos da fé na sua unidade, mais ainda, na sua derradeira simplicidade, pois cada
um dos detalhes, no fim de contas, é apenas explanação da fé no único Deus, que Se manifestou e continua a manifestar-Se a nós. Que é importante conhecer as questões essenciais da teologia moral e da doutrina social católica, não será preciso que vo-lo diga expressamente. Quão importante seja hoje a teologia ecumênica, conhecer as várias comunidade cristãs, é evidente; e o mesmo se diga da necessidade duma orientação fundamental sobre as grandes religiões e, não menos importante, sobre a filosofia: a compreensão daquele indagar e questionar humano ao qual a fé quer dar resposta. Mas aprendei também a compreender e – ouso dizer – a amar o direito canônico na sua necessidade intrínseca e nas formas da sua aplicação prática: uma sociedade sem direito seria uma sociedade desprovida de direitos. O direito é condição do amor. Agora não quero continuar o elenco, mas dizer-vos apenas e uma vez mais: Amai o estudo da teologia e segui-o com diligente sensibilidade para ancorardes a teologia à comunidade viva da Igreja, a qual, com a sua autoridade, não é um polo oposto à ciência teológica, mas o seu pressuposto. Sem a Igreja que crê, a teologia deixa de ser ela própria e Revista da Arquidiocese
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torna-se um conjunto de disciplinas diversas sem unidade interior. 6. Os anos no Seminário devem ser também um tempo de maturação humana. Para o sacerdote, que terá de acompanhar os outros ao longo do caminho da vida e até às portas da morte, é importante que ele mesmo tenha posto em justo equilíbrio coração e intelecto, razão e sentimento, corpo e alma, e que seja humanamente “íntegro”. Por isso, a tradição cristã sempre associou às “virtudes teologais” as “virtudes cardeais”, derivadas da experiência humana e da filosofia, e também em geral a sã tradição ética da humanidade. Di-lo, de maneira muito clara, Paulo aos Filipenses: “Quanto ao resto, irmãos, tudo o que é verdadeiro, nobre e justo, tudo o que é puro, amável e de boa reputação, tudo o que é virtude e digno de louvor, isto deveis ter no pensamento” (4,8). Faz parte deste contexto também a integração da sexualidade no conjunto da personalidade. A sexualidade é um dom do Criador, mas também uma função que tem a ver com o desenvolvimento do próprio ser humano. Quando não é integrada na pessoa, a sexualidade torna-se banal e ao mesmo tempo destrutiva. Vemos Revista da Arquidiocese
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isto, hoje, em muitos exemplos da nossa sociedade. Recentemente, tivemos de constatar com grande mágoa que sacerdotes desfiguraram o seu ministério, abusando sexualmente de crianças e adolescentes. Em vez de levar as pessoas a uma humanidade madura e servirlhes de exemplo, com os seus abusos provocaram devastações, pelas quais sentimos profunda pena e desgosto. Por causa de tudo isto, pode ter-se levantado em muitos, e talvez mesmo em vós próprios, esta questão: se é bom fazer-se sacerdote, se o caminho do celibato é sensato como vida humana. Mas o abuso, que há que reprovar profundamente, não pode desacreditar a missão sacerdotal, que permanece grande e pura. Graças a Deus, todos conhecemos sacerdotes convincentes, plasmados pela sua fé, que testemunham que, neste estado e precisamente na vida celibatária, é possível chegar a uma humanidade autêntica, pura e madura. Entretanto o sucedido deve tornar-nos mais vigilantes e solícitos, levando precisamente a interrogarmo-nos cuidadosamente a nós mesmos diante de Deus ao longo do caminho rumo ao sacerdócio, para compreender se este constitui a sua
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vontade para mim. É função dos padres confessores e dos vossos superiores acompanhar-vos e ajudar-vos neste percurso de discernimento. É um elemento essencial do vosso caminho praticar as virtudes humanas fundamentais, mantendo o olhar fixo em Deus que Se manifestou em Cristo, e deixar-se incessantemente purificar por Ele. 7. Hoje os princípios da vocação sacerdotal são mais variados e distintos do que nos anos passados. Muitas vezes a decisão para o sacerdócio desponta nas experiências de uma profissão secular já assumida. Frequentemente cresce nas comunidades, especialmente nos movimentos, que favorecem um encontro comunitário com Cristo e a sua Igreja, uma experiência espiritual e a alegria no serviço da fé. A decisão amadurece também em encontros muito pessoais com a grandeza e a miséria do ser humano. Deste modo os candidatos ao sacerdócio vivem muitas vezes em continentes espirituais completamente diversos; poderá ser difícil reconhecer os elementos comuns do futuro mandato e do seu itinerário espiritual. Por isso mesmo, o Seminário é importante como comunidade em caminho que está acima das várias
formas de espiritualidade. Os movimentos são uma realidade magnífica; sabeis quanto os aprecio e amo como dom do Espírito Santo à Igreja. Mas devem ser avaliados segundo o modo como todos se abrem à realidade católica comum, à vida da única e comum Igreja de Cristo que permanece uma só em toda a sua variedade. O Seminário é o período em que aprendeis um com o outro e um do outro. Na convivência, por vezes talvez difícil, deveis aprender a generosidade e a tolerância não só suportandovos mutuamente, mas também enriquecendo-vos um ao outro, de modo que cada um possa contribuir com os seus dotes peculiares para o conjunto, enquanto todos servem a mesma Igreja, o mesmo Senhor. Esta escola da tolerância, antes do aceitar-se e compreenderse na unidade do Corpo de Cristo, faz parte dos elementos importantes dos anos de Seminário. Queridos seminaristas! Com estas linhas, quis mostrar-vos quanto penso em vós precisamente nestes tempos difíceis e quanto estou unido convosco na oração. Rezai também por mim, para que possa desempenhar bem o meu serviço, enquanto o Senhor quiser. Revista da Arquidiocese
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Confi o o vosso caminho de preparação para o sacerdócio à proteção materna de Maria Santíssima, cuja
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casa foi escola de bem e de graça. A todos vos abençoe Deus onipotente Pai, Filho e Espírito Santo.
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Solenidade do Natal do Senhor MISSA DA NOITE DE NATAL Basílica Vaticana, 24 de dezembro de 2010
Amados irmãos e irmãs!
foi concedido. Tem o poder sobre os ombros” (9,5). A entronização na “Tu és meu fi lho, Eu hoje te ge- função régia é como um novo nasrei” – com estas palavras do Salmo cimento. E, precisamente como resegundo, a Igreja dá início à liturgia cém-nascido por decisão pessoal de da Noite Santa. Ela sabe que esta Deus, como menino proveniente de frase pertencia, originariamente, ao Deus, o rei constitui uma esperanrito da coroação do rei de Israel. O ça. O futuro assenta sobre os seus rei, que por si só é um ser humano ombros. É o detentor da promessa como os outros homens, torna-se de paz. Na noite de Belém, esta pa“fi lho de Deus” por meio do cha- lavra profética realizou-se de um mamento e entronização na sua modo que, no tempo de Isaías, tefunção: trata-se de uma espécie de ria ainda sido inimaginável. Sim, adoção por parte de Deus, uma ata agora Aquele sobre cujos ombros da decisão, pela qual Ele concede a está o poder é verdadeiramente este homem uma nova existência, um menino. N’Ele aparece a nova atraindo-o para o seu próprio ser. realeza que Deus institui no munDe modo ainda mais claro, a leitura do. Este menino nasceu verdadeitirada do profeta Isaías, que acaba- ramente de Deus. É a Palavra etermos de ouvir, apresenta o mesmo na de Deus, que une mutuamente processo numa situação de tribula- humanidade e divindade. Para este ção e ameaça para Israel: “Um me- menino, são válidos os títulos de nino nasceu para nós, um fi lho nos dignidade que lhe atribui o cântico Revista da Arquidiocese
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de coroação de Isaías: Conselheiro admirável, Deus forte, Pai para sempre, Príncipe da paz (9,5). Sim, este rei não precisa de conselheiros pertencentes aos sábios do mundo. Em Si mesmo traz a sapiência e o conselho de Deus. Precisamente na fragilidade de menino que é, Ele é o Deus forte e assim nos mostra, face aos pretensiosos poderes do mundo, a fortaleza própria de Deus. Na verdade, as palavras do rito da coroação em Israel não passavam de palavras rituais de esperança, que de longe previam um futuro que haveria de ser dado por Deus. Nenhum dos reis, assim homenageados, correspondia à sublimidade de tais palavras. Neles, todas as expressões sobre a filiação de Deus, sobre a entronização na herança dos povos, sobre o domínio das terras distantes (Sl 2,8) permaneciam apenas presságio de um futuro – como se fossem painéis sinalizadores da esperança, indicações apontando para um futuro que então era ainda inconcebível. Assim o cumprimento da palavra, que tem início na noite de Belém, é ao mesmo tempo imensamente maior e – do ponto de vista do mundo – mais humilde do que a palavra profética deixava intuir. Revista da Arquidiocese
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É maior, porque este menino é verdadeiramente Filho de Deus, é verdadeiramente “Deus de Deus, Luz da Luz, gerado, não criado, consubstancial ao Pai”. Fica superada a distância infinita entre Deus e o homem. Deus não Se limitou a inclinar o olhar para baixo, como dizem os Salmos; Ele “desceu” verdadeiramente, entrou no mundo, tornou-Se um de nós para nos atrair a todos para Si. Este menino é verdadeiramente o Emanuel, o Deus-conosco. O seu reino estendese verdadeiramente até aos confins da terra. Na imensidão universal da Sagrada Eucaristia, Ele verdadeiramente instituiu ilhas de paz. Em todo o lado onde ela é celebrada, temos uma ilha de paz, daquela paz que é própria de Deus. Este menino acendeu, nos homens, a luz da bondade e deu-lhes a força para resistir à tirania do poder. Em cada geração, Ele constrói o seu reino a partir de dentro, a partir do coração. Mas é verdade também que “o bastão do opressor” não foi quebrado. Também hoje marcha o calçado ruidoso dos soldados e temos ainda incessantemente a “veste manchada de sangue” (Is 9,3-4). Assim faz parte desta noite o júbilo pela proximidade de Deus.
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Damos graças porque Deus, como menino, Se confia às nossas mãos, por assim dizer mendiga o nosso amor, infunde a sua paz no nosso coração. Mas este júbilo é também uma prece: Senhor, realizai totalmente a vossa promessa. Quebrai o bastão dos opressores. Queimai o calçado ruidoso. Fazei com que o tempo das vestes manchadas de sangue acabe. Realizai a promessa de “uma paz sem fim” (Is 9,6). Nós Vos agradecemos pela vossa bondade, mas pedimos-Vos também: mostrai a vossa força. Instituí no mundo o domínio da vossa verdade, do vosso amor – o “reino da justiça, do amor e da paz”. “Maria deu à luz o seu filho primogênito” (Lc 2,7). Com esta frase, São Lucas narra, de modo absolutamente sóbrio, o grande acontecimento que as palavras proféticas, na história de Israel, tinham com antecedência vislumbrado. Lucas designa o menino como “primogênito”. Na linguagem que se foi formando na Sagrada Escritura da Antiga Aliança, “primogênito” não significa o primeiro de uma série de outros filhos. A palavra “primogênito” é um título de honra, independentemente do fato se depois se seguem outros irmãs e irmãs ou
não. Assim, no Livro do Êxodo, Israel é chamado por Deus “o meu filho primogênito” (Ex 4,22), exprimindo-se deste modo a sua eleição, a sua dignidade única, o particular amor de Deus Pai. A Igreja nascente sabia que esta palavra ganhara uma nova profundidade em Jesus; que n’Ele estão compendiadas as promessas feitas a Israel. Assim a Carta aos Hebreus chama Jesus “o primogênito” simplesmente para O qualificar, depois das preparações no Antigo Testamento, como o Filho que Deus manda ao mundo (cf. Hb 1,5-7). O primogênito pertence de maneira especial a Deus, e por isso – como sucede em muitas religiões – devia ser entregue de modo particular a Deus e resgatado com um sacrifício de substituição, como São Lucas narra no episódio da apresentação de Jesus no templo. O primogênito pertence a Deus de modo particular, é por assim dizer destinado ao sacrifício. No sacrifício de Jesus na cruz, realiza-se de uma forma única o destino do primogênito. Em Si mesmo, Jesus oferece a humanidade a Deus, unindo o homem e Deus de uma maneira tal que Deus seja tudo em todos. Paulo, nas Cartas aos Colossenses e aos Efésios, ampliou e aprofundou Revista da Arquidiocese
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a ideia de Jesus como primogênito: Jesus – dizem-nos as referidas Cartas – é o primogênito da criação, o verdadeiro arquétipo segundo o qual Deus formou a criatura-homem. O homem pode ser imagem de Deus, porque Jesus é Deus e Homem, a verdadeira imagem de Deus e do homem. Ele é o primogênito dos mortos: dizem-nos ainda aquelas Cartas. Na Ressurreição, atravessou o muro da morte por todos nós. Abriu ao homem a dimensão da vida eterna na comunhão com Deus. Por fim, é-nos dito: Ele é o primogênito de muitos irmãos. Sim, agora Ele também é o primeiro duma série de irmãos, isto é, o primeiro que inaugura para nós a vida em comunhão com Deus. Cria a verdadeira fraternidade: não a fraternidade, deturpada pelo pecado, de Caim e Abel, de Rômulo e Remo, mas a fraternidade nova na qual somos a própria família de Deus. Esta nova família de Deus começa no momento em que Maria envolve o “primogênito” em faixas e O reclina na manjedoura. Supliquemos-Lhe: Senhor Jesus, Vós que quisestes nascer como o primeiro de muitos irmãos, dai-nos a verdadeira fraternidade. Ajudainos a tornarmo-nos semelhantes Revista da Arquidiocese
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a Vós. Ajudai-nos a reconhecer no outro que tem necessidade de mim, naqueles que sofrem ou estão abandonados, em todos os homens, o vosso rosto, e a viver, juntamente convosco, como irmãos e irmãs para nos tornarmos uma família, a vossa família. No fim, o Evangelho de Natal narra-nos que uma multidão de anjos do exército celeste louvava a Deus e dizia: “Glória a Deus nas alturas, e paz na terra aos homens que Ele ama” (Lc 2,14). A Igreja ampliou este louvor que os anjos entoaram à vista do acontecimento da Noite Santa, fazendo dele um hino de júbilo sobre a glória de Deus. “Nós Vos damos graças por vossa imensa glória”. Nós Vos damos graças pela beleza, pela grandeza, pela bondade de Deus, que, nesta noite, se tornam visíveis para nós. A manifestação da beleza, do belo, torna-nos felizes sem que devamos interrogar-nos sobre a sua utilidade. A glória de Deus, da qual provém toda a beleza, faz explodir em nós o deslumbramento e a alegria. Quem vislumbra Deus, sente alegria; e, nesta noite, vemos algo da sua luz. Mas a mensagem dos anjos na Noite Santa também fala dos homens: “Paz aos homens que Ele
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ama”. A tradução latina desta frase, que usamos na Liturgia e remonta a São Jerônimo, interpreta diversamente: “Paz aos homens de boa vontade”. Precisamente nos últimos decênios, esta expressão “os homens de boa vontade” entrou de modo particular no vocabulário da Igreja. Mas qual é a tradução justa? Devemos ler, juntas, as duas versões; só assim compreendemos retamente a frase dos anjos. Seria errada uma interpretação que reconhecesse apenas o agir exclusivo de Deus, como se Ele não tivesse chamado o homem a uma resposta livre e amorosa. Mas seria errada também uma resposta moralizante, segundo a qual o homem com a sua boa vontade poder-se-ia, por assim dizer, redimir a si próprio. As duas coisas andam juntas: graça e liberdade; o amor de Deus, que nos precede e sem o qual não O poderemos amar, e a nossa resposta, que Ele espera e até no-la suplica no nascimento do seu Filho. O entrelaçamento de graça e liberdade, o entrelaçamento de apelo e resposta não podemos dividi-lo em partes separadas uma da outra. Ambas estão indivisivelmente entrançadas entre si. Assim esta frase é simultaneamente promessa e apelo. Deus
precedeu-nos com o dom do seu Filho. E, sempre de novo e de forma inesperada, Deus nos precede. Não cessa de nos procurar, de nos levantar todas as vezes que o necessitamos. Não abandona a ovelha extraviada no deserto, onde se perdeu. Deus não se deixa confundir pelo nosso pecado. Sempre de novo recomeça conosco. Todavia espera que amemos juntamente com Ele. Ama-nos para que nos seja possível tornarmo-nos pessoas que amam juntamente com Ele e, assim, possa haver paz na terra. Lucas não disse que os anjos cantaram. Muito sobriamente, escreve que o exército celeste louvava a Deus e dizia: “Glória a Deus nas alturas…” (Lc 2,13-14). Mas desde sempre os homens souberam que o falar dos anjos é diverso do dos homens; e que, precisamente nesta noite da jubilosa mensagem, tal falar foi um canto no qual brilhou a glória sublime de Deus. Assim, desde o início, este canto dos anjos foi entendido como música vinda de Deus, mais ainda, como convite a unirmo-nos ao canto com o coração em júbilo pelo fato de sermos amados por Deus. Diz Santo Agostinho: Cantare amantis est – cantar é próprio de quem ama. Assim Revista da Arquidiocese
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ao longo dos séculos, o canto dos anjos tornou-se sempre de novo um canto de amor e de júbilo, um canto daqueles que amam. Nesta hora, associemo-nos, cheios de gratidão, a este cantar de todos os séculos, que une céu e terra, anjos e homens.
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Sim, Senhor, nós Vos damos graças por vossa imensa glória. Nós Vos damos graças pelo vosso amor. Fazei que nos tornemos cada vez mais pessoas que amam juntamente convosco e, consequentemente, pessoas de paz. Amém.
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Missa dedicada ao altar e à igreja da Sagrada Família HOMILIA DURANTE VIAGEM APOSTÓLICA A SANTIAGO DE COMPOSTELA E BARCELONA 7 de novembro de 2010 Estimados irmãos e irmãs no Senhor
to de Barcelona, os demais Senhores Cardeais e Irmãos no Episcopado, “Este é um dia de festa consa- de modo especial o Bispo Auxiliar grado ao Senhor, nosso Deus; não desta Igreja particular, assim como haja afl ição, nem lágrimas... a ale- os numerosos sacerdotes, diácogria do Senhor será a vossa força” nos, seminaristas, religiosos e fi éis (Ne 8,9-10). Com estas palavras da leigos que participam nesta solene primeira Leitura que acabou de cerimônia. Do mesmo modo, diriser proclamada saúdo todos vós jo a minha deferente saudação às aqui presentes para participar nes- Autoridades nacionais, autônomas ta celebração. Dirij o uma saudação e locais, assim como aos membros afetuosa a Suas Majestades os Reis das outras Comunidades cristãs, da Espanha, que desejaram acom- que se unem à nossa alegria e ação panhar-nos cordialmente. Dirij o a de graças a Deus. minha grata saudação ao Senhor Este dia é um ponto signifi cativo Cardeal Lluís Martínez Sistach, numa vasta história de esperança, Arcebispo de Barcelona, pelas suas trabalho e generosidade, que dura palavras de boas-vindas e pelo seu há mais de um século. Neste moconvite para a dedicação desta igre- mento, gostaria de recordar todos ja da Sagrada Família, admirável e cada um daqueles que tornaram apogeu de técnica, arte e fé. Saúdo possível a alegria que nos envolve igualmente o Cardeal Ricardo Ma- hoje, dos promotores aos executores ría Carles Gordó, Arcebispo Eméri- da obra; dos arquitetos e pedreiros Revista da Arquidiocese
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da mesma, àqueles que ofereceram, de alguma forma, a sua contribuição inestimável para tornar possível a continuação deste edifício. E recordamos, sobretudo, aquele que foi a alma e o artífice deste projeto: Antoni Gaudí, arquiteto genial e cristão consequente, com a tocha da sua fé que ardeu até ao termo da sua vida, vivida em dignidade e austeridades absolutas. Este gesto é também, de certo modo, o ápice e a foz de uma história desta terra catalã que, sobretudo a partir dos finais do século XIX, ofereceu uma plêiade de santos e fundadores, de mártires e poetas cristãos. História de santidade, de criação artística e poética, nascidas a partir da fé, que hoje recolhemos e apresentamos como oferenda a Deus nesta Eucaristia. A alegria que sinto de poder presidir a esta cerimônia aumentou quando tomei conhecimento de que este templo, desde as suas origens, esteve vinculado à figura de São José. Comoveu-me especialmente a segurança com que Gaudí, diante das inúmeras dificuldades que teve de enfrentar, exclamava cheio de confiança na Providência divina: “São José terminará o templo”. Por isso, então, não deixa de ser signiRevista da Arquidiocese
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ficativo que seja dedicado por um Papa, cujo nome de batismo é José. O que fazemos, ao dedicar este templo? No coração do mundo, diante do olhar de Deus e dos homens, num gesto de fé humilde e jubiloso, levantamos uma imensa massa de matéria, fruto da natureza e de um esforço incomensurável da inteligência humana, construtora desta obra de arte. Ela constitui um sinal visível do Deus invisível, a cuja glória se elevam estas torres, setas que indicam o Absoluto da luz e daquele que é a Luz, a Altura e a própria Beleza. Neste ambiente, Gaudí quis unir a inspiração que lhe chegava dos três grandes livros que o alimentavam como homem, como crente e como arquiteto: o livro da natureza, o livro da Sagrada Escritura e o livro da Liturgia. Assim, uniu a realidade do mundo e a história da salvação, tal como nos é narrada na Bíblia e atualizada na Liturgia. Introduziu pedras, árvores e vida humana no templo, para que toda a criação se transformasse em louvor divino, mas ao mesmo tempo tirou os retábulos, para pôr diante dos homens o mistério de Deus revelado no nascimento, na paixão, na morte e na ressurreição de
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Jesus Cristo. Deste modo, colaborou genialmente para a edificação da consciência humana ancorada no mundo, aberta a Deus, iluminada e santificada por Cristo. E realizou algo que é uma das tarefas mais importantes hoje: superar a ruptura entre consciência humana e consciência cristã, entre existência neste mundo temporal e abertura a uma vida eterna, entre beleza das coisas e Deus como Beleza. Foi isto que realizou Antoni Gaudí, não com palavras, mas com pedras, traços, planos e cumes. E a beleza é a grande necessidade do homem; constitui a raiz da qual brota o tronco da nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convida à liberdade e extirpa do egoísmo. Dedicamos este espaço sagrado a Deus, que se nos revelou e entregou em Cristo para ser definitivamente Deus com os homens. A Palavra revelada, a humanidade de Cristo e a sua Igreja são as três máximas expressões da sua manifestação e entrega aos homens. “Veja cada um como edifica... Ninguém pode pôr outro fundamento, diverso daquele que já foi posto, isto é, Jesus Cristo” (1Cor 3,10-11), diz
São Paulo na segunda Leitura. O Senhor Jesus é a pedra que suporta o peso do mundo, que mantém a coesão da Igreja e que recolhe na unidade final todas as conquistas da humanidade. Nele temos a Palavra e a presença de Deus, e é dele que a Igreja recebe a sua vida, a sua doutrina e a sua missão. A Igreja não tem consistência por si mesma, mas é chamada a ser sinal e instrumento de Cristo, em pura docilidade à sua autoridade e em serviço total ao seu mandato. O único Cristo funda a única Igreja; Ele é a rocha sobre a qual se alicerça a nossa fé. Ancorados nesta fé, procuremos juntos mostrar ao mundo o Rosto de Deus, que é amor e o Único que pode responder ao anseio de plenitude do homem. Eis a grande tarefa: mostrar a todos que Deus é Deus de paz e não de violência, de liberdade e não de coação, de concórdia e não de discórdia. Neste sentido, penso que a dedicação deste templo da Sagrada Família, numa época em que o homem pretende edificar a sua vida de costas para Deus, como se já nada tivesse para lhe dizer, é um fato de grande significado. Com a sua obra, Gaudí mostra-nos que Deus é a verdadeira medida do homem. Que o Revista da Arquidiocese
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segredo da originalidade autêntica está, como ele próprio dizia, em voltar à Origem, que é Deus. Ele mesmo, abrindo assim o seu espírito a Deus, foi capaz de criar nesta cidade um espaço de beleza, de fé e de esperança, que leva o homem ao encontro com Aquele que é a Verdade e a própria Beleza. Assim o arquiteto expressava os seus sentimentos: “Um templo [é] a única coisa digna de representar o sentimento de um povo, já que a religião é o que existe de mais elevado no homem”. Esta afirmação de Deus traz consigo a suprema afirmação e tutela da dignidade de cada homem e de todos os homens: “Não sabeis que sois o templo de Deus? (...) o templo de Deus, que sois vós, é sagrado” (1Cor 3,16-17). Eis aqui unidas a verdade e a dignidade de Deus com a verdade e a dignidade do homem. Ao consagrar o altar deste templo, considerando Cristo como seu fundamento, apresentamos ao mundo Deus, que é amigo dos homens, e convidamos os homens a ser amigos de Deus. Como ensina o caso de Zaqueu, do qual se fala no Evangelho de hoje (cf. Lc 19,1-10), se o homem deixar que Deus entre na sua vida e no seu mundo, se Revista da Arquidiocese
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permitir que Cristo viva no seu coração, não se arrependerá, mas há de experimentar a alegria de compartilhar a sua própria vida, como objeto do seu amor infinito. A iniciativa deste templo devese à Associação de Amigos de São José, que quiseram dedicá-lo à Sagrada Família de Nazaré. Desde sempre, o lar formado por Jesus, Maria e José é considerado como escola de amor, oração e trabalho. Os patrocinadores deste templo queriam mostrar ao mundo o amor, o trabalho e o serviço vividos diante de Deus, tal como os viveu a Sagrada Família de Nazaré. As condições de vida mudaram muito, e progrediram enormemente nos âmbitos técnicos, sociais e culturais. Não podemos contentar-nos com estes progressos. Juntamente com eles, devem estar sempre presentes os progressos morais, como a atenção, a tutela e a ajuda à família, porque o amor generoso e indissolúvel de um homem e de uma mulher constitui o âmbito eficaz e o fundamento da vida humana na sua gestação, na sua iluminação, no seu crescimento e no seu termo natural. Só onde existem o amor e a fidelidade, nasce e perdura a verdadeira liberdade. Por isso, a Igreja
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luta por adequadas medidas econômicas e sociais, para que no lar e no trabalho a mulher encontre a sua plena realização; a fi m de que o homem e a mulher que contraem matrimônio e formam uma família sejam decididamente apoiados pelo Estado; para que se defenda a vida dos fi lhos como sagrada e inviolável, desde o momento da sua concepção; a fi m de que a natalidade seja dignifi cada, valorizada e apoiada jurídica, social e legislativamente. Por isso, a Igreja opõe-se a todas as formas de negação da vida humana e sustenta aquilo que promove a ordem natural no âmbito da instituição familiar. Ao contemplar admirado este ambiente sagrado de beleza surpreendente, com uma longa história de fé, peço a Deus que nesta terra catalã se multipliquem e consolidem novos testemunhos de santidade, que prestem ao mundo o grande serviço que a Igreja pode e deve oferecer à humanidade: ser ícone da beleza divina, chama ardente de caridade, senda para que o mundo creia naquele que Deus enviou (cf. Jo 6,29). Queridos irmãos, ao dedicar este
esplêndido templo, suplico igualmente ao Senhor das nossas vidas que deste altar, que agora vai ser ungido com óleo santo e sobre o qual se consumará o sacrifício de amor de Cristo, brote um rio constante de graça e caridade sobre esta cidade de Barcelona e a sua população, bem como sobre o mundo inteiro. Que estas águas fecundas encham de fé e vitalidade apostólica esta Igreja arquidiocesana, os seus pastores e fi éis. Finalmente, desejo confi ar à amorosa salvaguarda da Mãe de Deus, Maria Santíssima, Rosa de Abril, Mãe das Mercês, todos vós que estais aqui, e todos aqueles que, com palavras e obras, silêncio e oração, tornaram possível este milagre arquitetônico. Que Ela apresente também ao seu Filho divino as alegrias e as dores de todos aqueles que no futuro vierem a este lugar sagrado para que, como reza a Igreja ao dedicar os templos, os pobres possam encontrar misericórdia, os oprimidos alcançar a liberdade verdadeira e todos os homens se revistam da dignidade de fi lhos de Deus. Amém!
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Migrantes, refugiados e o Natal CARDEAL DOM ODILO PEDRO SCHERER (Arcebispo de São Paulo) 13 de dezembro de 2010 No Natal comemoramos uma vez mais o nascimento de Jesus Cristo, acontecido há mais de dois mil anos. O evangelista S. Lucas nos conta que os pais de Jesus eram de Nazaré, na Galileia, mas na condição de migrantes forçados encontravamse em Belém, na Judeia; não houve acolhida nas casas para eles - “não havia lugar para eles” - e Jesus teve que nascer fora da cidade, num abrigo para animais (cf. Lc 2,7). Logo em
seguida, o rei Herodes quis matar o menino Jesus, porque via nele uma ameaça para seu trono. Então, Maria e José fugiram às pressas, para salvar o menino, e viveram como exilados no Egito (cf. Mt 2,13-15). O Cristianismo começa, pois, com fatos migração forçada e de exílio. O Filho de Deus, vindo ao mundo, conheceu logo as inseguranças e angústias da humanidade; por isso, a Igreja fundada por ele entende Revista da Arquidiocese
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ser também seu dever estar ao lado dos que continuam a sofrer o desrespeito aos seus mais elementares direitos. E convida a humanidade a superar suas divisões, relações injustas e a indiferença diante aquilo que avilta a dignidade do próximo. A Comissão Católica Internacional para as Migrações (CCIM) é um organismo fundado em 1951 pelo papa Pio XII, com sede em Genebra, para unir e coordenar os esforços das Associações e obras que já se ocupavam dos migrantes e refugiados e para suscitar novas e eficazes iniciativas em favor dos muitos desalojados e desenraizados pela Segunda Guerra Mundial. A Comissão nunca mais parou de trabalhar. Guerras sucessivas, desigualdades econômicas e outros fatores continuaram a produzir milhões de migrantes e refugiados em todo o mundo. Nos anos sessenta, empenhou-se no socorro a refugiados políticos por causa das ditaduras e guerrilhas na América Latina; nos anos setenta, centenas de milhares de pessoas foram socorridas no sudeste asiático, sobretudo por causa da guerra do Vietnã. Nos anos oitenta, os refugiados do Leste europeu precisaram ser socorridos. Os conflitos na região balcânica, Revista da Arquidiocese
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nos anos noventa, deram origem a novas levas de refugiados, que precisaram ser socorridos e realocados; no mesmo período, tensões étnicas no continente africano criaram situações de verdadeira calamidade humanitária; a CCIM, mais uma vez entrou em campo para socorrer populações feridas e indefesas no Burundi e na Guiné. Agora faz o mesmo no Afeganistão, no Iraque e no Sudão... No sudeste asiático, tsunamis, enchentes e catástrofes naturais, além de conflitos e a miséria, não cessam de colocar em marcha milhões de pessoas à procura de abrigo seguro. Ondas migratórias atravessam o Mediterrâneo e o Caribe, muitas vezes em embarcações frágeis e superlotadas, ou cruzam as fronteiras secas do México e também do Brasil. Mulheres, crianças e idosos são as maiores vítimas. A CCIM continua com sua atenção voltada para a recolocação de refugiados, especialmente os mais vulneráveis. Ao contrário do que se poderia imaginar, são relativamente poucos os países dispostos a acolher refugiados. A Comissão atua em sintonia com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), com a Cruz Vermelha e a Cáritas Internacional.
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A questão tem implicações políticas, que precisam ser trabalhadas nas instâncias internacionais competentes. O papa Bento XVI bem recordou, na encíclica Caritas in Veritate, que nenhum país consegue enfrentar sozinho a questão migratória e, por isso, deve haver uma conjugação de esforços em âmbito internacional. Torna-se sempre mais necessário desenvolver políticas globais para as migrações a fim de harmonizar os esforços internacionais com as normas locais, para salvaguardar a dignidade e os direitos das pessoas e das famílias migrantes (cf. n. 62). A Comissão empenha-se na defesa da dignidade e dos direitos dos migrantes e refugiados; e não é sem razão, pois numa massa tão grande e tão fragilizada também medram organizações criminosas dispostas a explorar de forma desumana essas pessoas. O tráfico de pessoas para a exploração sexual, a mão de obra semiescrava e até para o comércio de órgãos é um fato vergonhoso para a civilização do século XXI e envolve números alarmantes; recentemente, a Organização Mundial para o Trabalho estimou que a cada ano cerca de 2,4 milhões de homens e mulheres caem nas redes
desses inescrupulosos mercantes de seres humanos. Muitas vezes, depois de terem pago a peso de ouro as promessas de documentos, emprego e moradia a seus exploradores, essas pessoas são abandonadas a si em alto mar, em embarcações à deriva; outras vezes, ao chegarem ao sonhado país da liberdade e da prosperidade, são recolhidos em campos de prófugos, que mais parecem campos de concentração, ou são imediatamente devolvidos ao país de origem, com todo o sofrimento e os riscos que isso comporta. A dignidade dessas pessoas é aviltada completamente. Mas voltemos ao Natal: o Filho de Deus veio unir na fraternidade e na paz toda a humanidade. Somos todos parte de uma única família de povos, raças, culturas, irmãos uns dos outros, de filhos e filhas amados por Deus. Esta é a grande mensagem do Natal para a humanidade; conforme o anjo anunciou aos pastores de Belém: “será uma grande alegria para todo o povo!” (cf. Lc 2,10). A comemoração do Natal se expressa em gestos de solidariedade, amor desinteressado, perdão e acolhida simples e fraterna. Por que será? Será por uma trégua do poder do egoísmo que governa Revista da Arquidiocese
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o mundo? Acho que não. São manifestações da inquieta nostalgia do bem que há no coração do homem, daquilo que há de mais verdadeiro
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e genuíno em nós. Que bom seria, se fosse Natal todos os dias! Não haveria mais migrantes forçados nem refugiados.
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O tamanho da nossa pequenez DOM ALOÍSIO ROQUE OPPERMANN (Arcebispo de Uberaba-MG) 21 de dezembro de 2010 A Sagrada Escritura, uma enciclopédia de bom senso e de sabedoria, afi rma com razão: “É um abismo o coração e o pensamento humano” (Sl 64,7). Tendo convivido, já por tantos anos, com um número extraordinário de pessoas, faço, contudo, um resumo otimista da humanidade. Apesar da caminhada titubeante, a raça humana vai para frente. Encontrei pessoas, de ambos os sexos, com grande capa-
cidade de doação em favor do semelhante; homens justos; corajosos; cheios de bondade; sábios; repletos de fé; pacifi cadores; colaboradores com o bem comum. Mas também encontrei pessoas, em cuja vida “o dragão foi solto” (Ap 20,3). O que pensar de uma pessoa, cuja existência se resume em fazer o mal a homens, animais e plantas; que vive em oposição contínua a gente que só faz o bem; que tem fi xação Revista da Arquidiocese
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sexual permanente; que em questão de negócios sempre está prejudicando o semelhante; que perverte sexualmente os infantes e os jovens; que não tem fé nenhuma nas verdades eternas; que não teme a Deus nem aos homens...? Diante desse quadro negativo, precisamos ressalvar os “pecadores ocasionais”, que erram, se arrependem, e retornam ao bom caminho. Dessa situação ninguém escapa. Sou testemunha ocular da conversão de tanta gente, que realmente mudou da água para o vinho. Vi gente que era uma “peste”, e tocados pela graça divina do Salvador e pela ajuda do próximo, chegaram a comportamentos não só aceitáveis, mas até exemplares. Mas o que dizer daqueles que são estruturados no mal? Diante deles precisamos ser humildes e ouvir a advertên-
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cia do apóstolo: “aquele que julga estar em pé, cuide para não cair” (1Cor, 10,12). Mas refl etindo, descobrimos as três possíveis causas desse quadro. 1 - O próprio ímpio foi pervertendo seu coração, e direcionando suas inclinações para o mal, a ponto de torná-lo um hábito. 2 - Ele pode ter herdado geneticamente seus defeitos, e, portanto, com baixa responsabilidade, porque isso seria determinismo. 3 - Mas pode ser um defeito de educação. Essa é a maior causa. Nestes tempos moderníssimos a educação das novas gerações deve ser infi nitamente melhor, ancorada na graça de Deus. Só assim teremos um povo, moralmente mais sadio, e a humanidade estará mais livre de assaltantes, de pederastas, dos sexualmente mórbidos, dos tratantes e dos injustos...
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Notas
Nota da CNBB na proximidade das eleições DECLARAÇÃO DOS BISPOS DO BRASIL SOBRE O PLEITO DE OUTUBRO 16 de setembro de 2010
Constantes interpelações têm chegado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB a respeito de seu posicionamento em relação às eleições do próximo dia 3 de outubro. Falam em nome da CNBB somente a Assembleia Geral, o Conselho Permanente e a Presidência. O único pronunciamento ofi cial da CNBB sobre as eleições/2010 é a Declaração sobre o Momento Político Nacional, aprovada pela 48ª Assembleia Geral da CNBB, deste ano, cujo conteúdo permanece como orientação neste momento de expressão do exercício da cidadania em nosso País. Nessa Declaração, a CNBB, em consonância com sua missão histórica, mantém a tradição de apresentar princípios éticos, morais e cristãos fundamentais para ajudar
os eleitores no discernimento do seu voto visando à consolidação da democracia entre nós. Reafi rmamos, portanto, o que diz a Declaração: “A campanha eleitoral é oportunidade para empenho de todos na refl exão sobre o que precisa ser levado adiante com responsabilidade e o que deve ser modifi cado, em vista de um Projeto Nacional com participação popular. Por isso, incentivamos a que todos participem e expressem, através do voto ético, esclarecido e consciente, a sua cidadania nas próximas eleições, superando possíveis desencantos com a política, procurando eleger pessoas comprometidas com o respeito incondicional à vida, à família, à liberdade religiosa e à dignidade humana. Em particular, encorajamos os leigos e as leigas da Revista da Arquidiocese
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nossa Igreja a que assumam ativamente seu papel de cidadãos colaborando na construção de um País melhor para todos. Confi ando na intercessão de Nossa Senhora Aparecida, invocamos as bênçãos de Deus para todo o Povo Brasileiro”.
Brasília, 16 de setembro de 2010 Dom Geraldo Lyrio Rocha Arcebispo de Mariana Presidente da CNBB Dom Luiz Soares Vieira Arcebispo de Manaus Vice-Presidente da CNBB Dom Dimas Lara Barbosa Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro Secretário Geral da CNBB
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Notas
Nota da Presidência da CNBB por ocasião de sua visita anual a Roma RELATO DO ENCONTRO COM O PAPA E SETORES DA CÚRIA ROMANA 29 de outubro de 2010 Como acontece todos os anos, a Presidência da CNBB realizou mais uma visita ao Santo Padre e a diversos setores da Cúria Romana, para apresentar o balanço das principais atividades da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil no ano que passou, bem como acolher sugestões e orientações, refl etir sobre opções e alternativas pastorais e, sobretudo, expressar nossa comunhão afetiva e efetiva com o Sucessor de Pedro e a Sé Apostólica. Para nossa alegria, a cada encontro, nos sentíamos confortados pela carinhosa acolhida com que éramos recebidos, bem como pelas palavras de incentivo, profundo amor e zelo apostólico expressos pela Santa Sé para com a Igreja no Brasil. Nossa presença em Roma coincidiu com a visita ad limina dos
Bispos do Regional Nordeste V da CNBB (Estado do Maranhão), com os quais convivemos de maneira muito fraterna ao longo desses dias. Com alegria e gratidão acolhemos, em primeira mão, o discurso que o Papa Bento XVI dirigiu a esses nossos irmãos Bispos e, através deles, a todo o episcopado brasileiro. Em seu pronunciamento, o Santo Padre confi rmou a preocupação constante da Igreja no Brasil em defesa da vida, da família e da liberdade religiosa. O Santo Padre enfatizou o direito e o dever de cada Bispo, em sua Diocese, de orientar seus fi éis em questões de fé e moral, inclusive em matéria política, confi rmando o que a CNBB havia recordado em documentos, notas e entrevistas anteriores. O mesmo direito e Revista da Arquidiocese
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dever, de acordo com as normas canônicas, estende-se à própria Conferência enquanto organismo a serviço da comunhão episcopal e da pastoral orgânica em nosso país. Concluímos nossa visita anual, última realizada no atual mandato da Presidência da CNBB, com o coração repleto de alegria pela certeza do dever cumprido. Imploramos a Nossa Senhora Aparecida suas bênçãos para todo o povo brasileiro, neste momento importante de nossa história.
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Roma, 29 de outubro de 2010. Dom Geraldo Lyrio Rocha Arcebispo de Mariana Presidente da CNBB Dom Luis Soares Vieira Arcebispo de Manaus Vice-Presidente da CNBB Dom Dimas Lara Barbosa Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro Secretário Geral da CNBB
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Notas
Sobre campanha contra Aids REPÚDIO À CAMPANHA SOBRE USO DE PRESERVATIVOS OFENSIVA À IGREJA 21 de dezembro de 2010 Em face à campanha lançada pelas Juventudes Socialistas de Andalucía (JSA), na Espanha, incentivando o uso de preservativos e, ao mesmo tempo, relacionando a camisinha à hóstia consagrada que, de acordo com a fé católica, é verdadeiramente o Corpo de Cristo (cf. Mc 14,12-16.22-26), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil CNBB, fi el à sua missão, considerase no dever de se manifestar junto
às Autoridades espanholas para expressar-lhes perplexidade e repúdio a esse grande desrespeito à Eucaristia que é o centro e o ápice da vida da Igreja católica. Não podemos silenciar diante dessa grande ofensa que fere profundamente os sentimentos religiosos dos católicos. A preocupação em evitar a propagação da Aids (SIDA) não justifi ca iniciativas dessa natureza. Essa Revista da Arquidiocese
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Campanha, que repercutiu também aqui no Brasil, manifesta uma atitude preconceituosa, inadequada e ofensiva à nossa fé. No âmbito de suas atribuições e responsabilidades, a CNBB deseja contribuir para que o homem e a mulher cresçam no diálogo, no respeito à liberdade, na defesa da vida, na promoção dos direitos humanos e na conquista dos verdadeiros valores que os tornem felizes conforme os planos de Deus.
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Brasília, 21 de dezembro de 2010. Dom Geraldo Lyrio Rocha Arcebispo de Mariana Presidente da CNBB Dom Luiz Soares Vieira Arcebispo de Manaus Vice-Presidente da CNBB Dom Dimas Lara Barbosa Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro Secretário Geral da CNBB
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Anápolis realiza Feira da Solidariedade DIOCESE PROMOVE 2ª EDIÇÃO DO EVENTO EM SHOPPING DA CIDADE 9 de dezembro de 2010
A Diocese de Anápolis realizou a II Feira da Solidariedade do dia 9 a 12 de dezembro, em um shopping da cidade. O projeto é organizado em parceria com a Fundação São Miguel Arcanjo, juntamente com o Sebrae e a Prefeitura Municipal. Segundo o bispo diocesano, Dom João Wilk, o local do evento não foi escolhido simplesmente como uma coincidência. Ele explica que em um espaço onde as pessoas comparecem fascinadas sob o apelo consumista, é importante receberem uma mensagem de solidariedade e partilha, voltados ao espírito cristão. Os objetivos principais da Feira são promover a valorização huma-
na, a construção de uma sociedade mais ética e solidária e a correção das injustiças sociais. Há também uma preocupação em afl orar a sensibilidade das pessoas no período natalino e dar visibilidade aos projetos sociais desenvolvidos por instituições de caridade e outros segmentos da sociedade. Os visitantes encontraram produtos confeccionados por entidades locais, além de eventos artísticos e culturais, com participação das paróquias que compõem a diocese de Anápolis. O projeto não tem fi ns lucrativos, uma vez que visa apenas a interesses sociais e de promoção dos valores cristãos e humanos.
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Festa da Exaltação da Santa Cruz DOM WASHINGTON CRUZ EM CELEBRAÇÃO NO INSTITUTO SANTA CRUZ 14 de setembro de 2010
Que título estranho para uma festa! Celebrada num tempo que vive de outras exaltações, de outras glórias e exultações. Talvez ainda sejam muitos os que escondem a Cruz no seu peito, por baixo das vestes. Mas, aparentemente, são sempre menos os que têm a coragem de ostentá-la no peito. E ainda que pendurada no retrovisor, nem sempre ela é sinal do sentido da vida. Há mesmo quem hoje se incomode com a simples afi xação de um crucifi xo, numa sala de aula. Outros veem no sinal da Cruz sobre a testa o peito e os ombros, um gesto politicamente incorreto, em cerimônia pública. Voltamos aos tempos vãos e pagãos, em que a Cruz se erguia como objeto de desprezo, patíbulo e castigo de criminosos. É preciso ressuscitar Cristo da
Cruz e olhá-la, de novo, como sinal de glória e de vitória. E a partir daí encontrar sentido para toda a nossa experiência de dor e amor, de sacrifício e esperança, de sofrimento e redenção. Foi assim que os autores sagrados olharam para a cruz. Primeiramente, São Paulo (cf. 1Cor. 1,18-25) que não se envergonhava de anunciar Cristo Crucifi cado, loucura para os perdidos e convencidos do seu tempo, mas manifestação do poder de Deus, para os vencidos e redimidos de todos os tempos. Enquanto os judeus reclamavam milagres e os gentios exibiam o seu muito saber, Paulo falava-lhes da Cruz, como cátedra da verdadeira sabedoria de Deus, lição perene de Deus à humanidade, onde o poder do amor se manifesta na fraqueza do perdão. Revista da Arquidiocese
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Na Cruz, encontra-se inscrita a insondável sabedoria de Deus. Na cruz está escrito que Deus nos ama, que o amor é mais forte que o pecado, que não há tentação que nos vença, sofrimento que nos destrua, morte que nos assuste. São João faz, em continuidade com esta, uma outra leitura interessante da Cruz. Ele vê na Cruz um trono de glória, a manifestação do triunfo de Cristo, antecipação da sua ressurreição. O Cristo sofredor não é um condenado humilhado, mas um triunfador que, mesmo durante o processo e a execução, mantém a majestade de um Rei. Neste sentido, a Cruz do Senhor nos comunica a esperança da vitória nas nossas lutas, nos nossos sofrimentos e fraquezas. Ela nos diz que pode haver triunfo, mesmo no sofrimento. E mais ainda, que se pode triunfar através do sofrimento. Eis porque olhar e aceitar assim a Cruz se torna para nós “remédio”. “Quem olhar para ela será curado” (cf. Nm. 21,4-9). Estas são interpretações chocantes e denunciadoras, para quantos procuram outras manifestações de glória e de grandeza. De fato, damos ainda tanta importância a outras sabedorias deste Revista da Arquidiocese
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mundo, e ao sentido da vida que veiculam: o poder, o sucesso e o triunfo são os critérios de uma vida bem sucedida. Sem a luz da Cruz, o sofrimento aparece como uma desgraça, a morte uma ameaça; disfarça-se a dimensão dramática da vida. Como se, para sermos felizes, tivéssemos de apear a cruz dos nossos caminhos. E é precisamente o contrário: Só a humildade do dom e a gratuidade da obediência, anunciam o verdadeiro triunfo da liberdade: Isso mesmo cantava São Paulo no Hino ao Salvador, que hoje ouvimos como segunda leitura: “Encontrado com aspecto humano, humilhou-se a si mesmo, fazendo-se obediente até à morte e morte de Cruz. Por isso Deus o exaltou” (Fl 2,6-11). Diante da realidade do sofrimento, ou nos deixamos esmagar pelo seu peso ou o assumimos generosamente, oferecendo-o misteriosamente, como semente fecunda de redenção. Pois a Cruz nos dá essa esperança e essa certeza de que a dor por amor é sempre uma semente de paz e de bem. Neste sentido, a Cruz não é o lugar de um morto, mas a perene e fecunda “árvore da vida”. Irmãos e irmãs, como olhar para a Cruz, vendo nela o triunfo do amor? Só a meditação da Palavra de
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Deus, na oração e na contemplação, nos levará a não ver na Cruz um motivo de escândalo. Só a certeza viva e meditada da Ressurreição, nos livrará dessa pedra de tropeço. Olhando e abraçando a Cruz do Senhor encontraremos então força para carregar com amor a nossa própria cruz. Que o Senhor nos dê a visão desta luz, que vem do alto da Cruz: “In hoc signo vinces”. Com este sinal, vencerás! E termino com um belo texto de Romano Guardini, mestre espiritual de Bento XVI: “Se fazes o sinal da Cruz, faça-o bem feito. Não seja um gesto acanhado e feito às pressas, cujo signifi cado ninguém sabe interpretar. Mas uma autêntica cruz, lenta e ampla, da testa ao peito, dum ombro ao outro. Sentes como ela te envolve todo? Recolhe-te bem. Concentra neste sinal todos os teus pensamentos e todos os teus afetos, à medida que o vais traçando da testa ao peito e dum ombro ao outro. Senti-lo-ás, então, penetrando-te todo, cor-
po e alma. A apoderar-se de ti, consagrando-te, santifi cando-te. Por quê? É o sinal do Todo, o sinal da Redenção. Nosso Senhor remiu todos os homens na cruz. Pela cruz santifi ca o homem todo até à última fi bra do seu ser. Por isso o fazemos antes da oração para que nos componha, recolha e fi xe em Deus o nosso pensamento, coração e vontade. Depois da oração, para que nos fortaleça, No perigo, para que nos proteja. Ao benzermo-nos, para que a plenitude da vida divina penetre na alma e fecunde e consagre quanto nela há. Pensa nisto sempre que fazes o sinal da cruz. É o sinal mais santo que existe. Faça-o bem: devagar, rasgado, com atenção. Envolverte-á assim todo o ser, corpo e alma, pensamentos e vontade, sentidos, potências e ações e tudo nele fi cará fortalecido, assinalado pela virtude de Cristo, em nome de Deus uno e trino”.
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Arquidiocese lança manual sobre construção de igrejas INSTRUMENTO SERVIRÁ DE ORIENTAÇÃO PARA CONSTRUÇÕES E REFORMAS 29 de outubro de 2010
A arte sacra está a serviço do anúncio e da celebração do mistério de Cristo. Por isso, ao iniciar a construção de um templo religioso, as comunidades realizam um processo de discernimento, oração e diálogo. A partir de agora, a Arquidiocese de Goiânia conta com um importante instrumento de apoio nesta hora, o Guia de Informações para Projetos e Execução de Igrejas. De acordo com a arquiteta Fabiana Trindade Longhi, ao planejar a obra de uma igreja a comunidade deve considerar que a estrutura do templo que será construído ou reformado deve expressar a imagem da uma Igreja viva. Fabiana é uma das integrantes da Comissão Arquidiocesana de Arte Sacra (Caas), que é coordenada pelo padre
Antônio Donizeth do Nascimento. Ela explica que esta comissão é formada por pessoas que têm conhecimento em arquitetura, engenharia, arte e teologia. “Fomos convidados pelo arcebispo (Dom Washington), por conta da nossa presença na vida da nossa comunidade”. A missão da comissão não é aprovar ou reprovar projetos, mas oferecer orientações, de acordo com as normas litúrgicas da Igreja, inclusive seguindo a inspiração do Concílio Vaticano II. Manual O subsídio foi apresentado na Reunião Mensal de Pastoral do mês de setembro, que teve a assessoria do arquiteto e religioso redentorista Fr. Fábio Paschoal e será, como Revista da Arquidiocese
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diz o próprio título, um guia para ajudar no esclarecimento a respeito das normas adequadas ao que propõe a liturgia. “Nem sempre os profi ssionais contratados para realizar tais obras possuem o conhecimento simbólico adequado, e talvez busquem inspirações que não estão de acordo com a caminhada atual da Igreja”, explica Fabiana. O guia publicado em Goiânia é fruto de adaptação de um material já elaborado na Arquidiocese de Porto Alegre. “Foi-nos dada a permissão da parte dos autores para reproduzir e adaptar o texto à realidade goiana”, conta a arquiteta. Também foram fundamentais nesta adaptação as orientações do Setor de Liturgia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Mas não se trata de um texto fechado e pronto. “Esta adaptação seguramente vai render muitas e preciosas reações e manifestações de
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toda Arquidiocese”, afi rma padre Antônio na apresentação do guia. “Estamos abertos e esperamos em breve reeditar este guia, com as correções, adaptações e contribuições que oportunamente irão aparecer. Coisa própria de uma Igreja que é corpo vivo, caminhante”. Tais contribuições podem ser encaminhadas por carta, e-mail ou mesmo diretamente à CAAS, que se reúne na sede da Cúria Metropolitana, junto à Coordenação de Pastoral. A partir do lançamento, a comunidade que iniciar a obra de construção ou reforma receberá um exemplar. “A paróquia ou comunidade deve apresentar o guia ao profi ssional habilitado que for contratado para executar a obra”, explica Fabiana. Com o guia em mãos, o profi ssional, a comunidade e a CAAS elaboram o projeto, com o parecer fi nal do arcebispo.
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Dom Washington, Dom Antonio e Dom Waldemar durante celebração eucarística que abriu o evento
Igreja de Goiânia vive Ano Vocacional NO JUBILEU EPISCOPAL DE SEU ANTECESSOR, DOM ANTONIO RIBEIRO, O ARCEBISPO DOM WASHINGTON DECRETOU ABERTO ANO VOCACIONAL Por ocasião dos 150 anos da fundação do Seminário Arquidiocesano Santa Cruz, do jubileu áureo de ordenação episcopal do arcebispo emérito, Dom Antonio Ribeiro de Oliveira e do jubileu de diamante de ordenação sacerdotal dos reverendíssimos monsenhores Nelson Rafael Fleury e José de Souza Lima, foi decretado pelo arcebispo de Goiânia, Dom Washington Cruz, o Ano Vocacional Arquidiocesano a vigo-
rar de 29 de outubro de 2010 a 29 de outubro de 2011. O Ano Vocacional tem como tema “O Jovem e a Vocação” e como lema “Chamei-te pelo teu nome” (Is 43,1). O objetivo é enxergar a juventude como uma etapa salutar da vida humana na qual os jovens sejam chamados a ser discípulos missionários de Jesus Cristo para um tempo novo e descubram a sua vocação. Revista da Arquidiocese
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Carta Pastoral Durante a celebração eucarítica Dom Washington fez também o lançamento da Carta Pastoral Ano Vocacional Arquidiocesano – “Chameite pelo nome: tu és meu”. Na carta o arcebispo afirma que o Ano Vocacional é um tempo de aprofundar, na oração e na reflexão, a imperiosa necessidade de promover as vocações sacerdotais e religiosas, e, ao mesmo tempo, reafirmar o sério compromisso nesta tarefa tão fundamental para a Igreja particular. Ele justifica também o título da carta, Chamei-te pelo nome: tu és meu. “Essas palavras que se encontram no livro de Isaías (43,1) têm por destinatário um Israel cativo, na Babilônia; são palavras do Senhor Deus, que criou e formou um povo, que se preocupa, sobremaneira, com a sorte de Israel, porque é seu povo e ‘eu sou o Senhor, teu Deus, o Santo de Israel, teu salvador’ (Is 43,3). Se o criou para ser livre, o Criador não pode deixar que seu povo viva cativo; se ele mesmo o formou, o Santo de Israel não pode permitir que sirva aos ídolos: Ele o resgatará da Babilônia e o conduzirá de novo à terra que lhe deu para que viva em liberdade e sirva a seu verdadeiro Senhor!” Revista da Arquidiocese
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E continua com reflexão sobre o chamado à Vida: “A existência humana é, à luz da revelação bíblica, ‘dada’ e ‘chamada’ por Deus. ‘Dada’ porque é dom absolutamente livre de Deus, o qual cria, por amor, aquilo que não existia e, por um amor de todo particular, cria o ser humano ‘à sua imagem e semelhança’; ‘chamada’, porque ser ‘imagem e semelhança de Deus’ ultrapassa a simples condição de criatura. É chamamento (vocação) para uma relação íntima com o Criador, para viver segundo o seu amor, na alegria da sua presença. A narrativa bíblica da criação do ser humano é elucidativa a este respeito – elucidativa também relativamente ao modo como o ser humano, desde o início, põe em causa este chamamento/vocação, procurando assenhorar-se da própria existência, rejeitando a condição de criatura ‘dada’ por Deus e, assim, negando a sua vocação: ser imagem e semelhança do mesmo Deus (cf. Gn 1, 26 – 2, 2; 2, 7-20). Graça e vocação O que se verifica no ato criador de Deus, desde as origens, aprofundase de modo particular, para os cristãos, no batismo. Este é pura graça de Deus, por meio da qual o discípulo
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de Jesus nasce de novo (cf. Jo 3,1ss) para a plenitude da ‘imagem e semelhança de Deus’ – agora vivida como adesão a Jesus Cristo, o Verbo de Deus feito um de nós, e plena identificação com Ele. Repetem-se o ‘dom’ e o ‘chamamento’, não para trazer à existência, mas para instaurar essa existência numa plenitude de sentido absolutamente para além de qualquer possibilidade humana e numa relação com Deus que passa da antiga ‘imagem e semelhança’ à dignidade de Filhos – o ‘sereis como Deus’ (cf. Gn 3,4-5), sugerido pela antiga serpente como conquista humana e agora recebido como plenitude de graça, por meio do Espírito Santo. A vocação não se “tem” como algo próprio, conquistado ou devido – nem a vocação à existência, nem à Redenção, nem a desempenhar na Igreja qualquer tarefa que seja. Não existe vocação como coisa disponível. Há um chamamento – a vocação é exterior à pessoa, apanhaa desprevenida, desinstala-a e muda-lhe o curso da existência. Assim aconteceu com Abraão, Moisés, os profetas, os apóstolos, Paulo... Assim acontece – deveria acontecer – com cada cristão. Em tempos de cristandade, porém, as coisas mudaram e, embora
sem negar a iniciativa de Deus, o ‘chamamento’ acabou convertendo-se em algo próprio de poucos, que ‘tinham’ vocação. Desaparecido o ambiente de cristandade, com grande parte dos nossos contemporâneos oscilando entre a indiferença religiosa, o agnosticismo e o ateísmo, importa recuperar a percepção original da vocação como chamamento a seguir Cristo e a tornar-se membro da comunidade nova dos seus discípulos. Tudo o mais – carismas, ministérios, entre eles, o de presbítero – virá por acréscimo. Não quero com isto dizer que as vocações de serviço, na Igreja, não sejam importantes e que, concretamente, a Igreja possa seguir adiante sem o sacerdócio ministerial. Quero dizer, apenas, que é necessário olhar para a vocação a estes ministérios integrada com a vocação primeira: o chamado a ser ‘discípulo missionário’ de Cristo e membro da Igreja.” Dom Washington chama, ainda, a atenção para a necessidade de se estruturar uma “vasta e capilar pastoral das vocações que envolva as paróquias, os centros educacionais e as famílias”. Pastoral Vocacional 1. Cuidar das diversas vocações é responsabilidade do Bispo em Revista da Arquidiocese
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uma diocese. Ele, por sua vez, pode associar outros tantos colaboradores a si com o objetivo de proporcionar um cuidado mais preciso de tudo o que está relacionado à promoção e ao bom acompanhamento dos destinatários do chamado do Senhor. Com o grupo de pessoas que atuam com essa finalidade específica se inaugura e se constitui uma pastoral vocacional, sempre com forte conotação de serviço, especialmente orientado aos jovens. 2. A Pastoral Vocacional Arquidiocesana oferece aos jovens discípulos de Jesus a oportunidade de reconhecerem a voz do Senhor que chama, de aprofundarem o discernimento vocacional e de serem acompanhados de modo mais específico pelas comunidades de formação. Tudo isso tendo em vista a concretização de uma opção de vida, opção feita a partir de uma decisão amadurecida. O processo de discernimento e acompanhamento vocacionais envolve leigos(as), religiosos(as), além dos próprios seminaristas e padres. Trata-se de um grupo diversificado, que conhece a beleza das diversas vocações presentes na Igreja e está convencido do valor dessas vocações para a plena realização da missão evangelizadora da mesma. Revista da Arquidiocese
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3. As numerosas comunidades da Arquidiocese de Goiânia, grupos e movimentos, as escolas católicas e, sobretudo, os pais católicos, são convidados a colaborar com a Pastoral Vocacional. Antes de tudo, colabora-se oferecendo aos jovens o testemunho pessoal da própria vocação e uma visão positiva das diversas vocações, em que se indica principalmente a grande oportunidade de seguir o Senhor numa identificação profunda com Ele, entregando-se por amor aos irmãos e irmãs. As famílias, mais que com palavras, colaboram ao educarem seus filhos à vivência da generosidade, ao apoiá-los em projetos destinados à construção de uma sociedade mais justa e fraterna, numa vida com o colorido do Evangelho de Jesus Cristo. O sonho estreito de ganhar dinheiro e de somente “consumir” o que proporciona prazer tem tonalidade opaca quando comparado ao sonho do Reino de Deus, presente no meio de nós. 4. O Ano Vocacional que iniciamos possibilitará uma compreensão da oração do Senhor dirigida ao Pai: “seja feita a Vossa vontade”! Queremos que a vontade do Pai se cumpra não somente em nosso favor, mas
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que se cumpra em nós e através de nós, em favor de muitos. Para que isso aconteça, precisamos rezar mais e melhor. Serão realizadas as semanas vocacionais nas diversas foranias que compõem os vicariatos de nossa arquidiocese. Serão semanas de oração, de refl exão e de celebração festiva pelo dom das diversas vocações. Realizar-se-ão, também, dias de Adoração ao Santíssimo Sacramento nas paróquias e comunidades, sempre pedindo pela perseverança dos(as) consagrados(as) e pelo aumento das vocações religiosas e sacerdotais na Igreja.
5. Juntamente com a Pastoral Vocacional, a Obra das Vocações Sacerdotais (OVS) também promoverá esses momentos de adoração contínua. A OVS, fundada por Dom Fernando Gomes dos Santos, nosso primeiro arcebispo, tem o desejo de apoiar as iniciativas de oração pela causa das vocações sacerdotais, além de oferecer o suporte econômico para a formação dos seminaristas, no Seminário Propedêutico Santa Cruz e no Seminário Maior São João Maria Vianney, e para a formação permanente do clero diocesano.
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Mais de 6 mil serviços na Feira da Solidariedade PARCERIAS BENEFICIAM MILHARES COM ATENDIMENTOS Durante a 7ª edição da Feira da Solidariedade, de 1º a 5 de dezembro, a Arquidiocese de Goiânia, em parceria com algumas instituições, realizou diversas atividades gratuitas, entre elas, cursos, ofi cinas, consultorias e serviços como ouvidoria, emissão de documentos pessoais, corte de cabelo, massagem terapêutica, aferição de pressão, entre outros, totalizando mais de 6 mil atendimentos. A Santa Casa de Misericórdia de
Goiânia realizou durante os cinco dias de exposição a campanha “Seja um candidato a doador de medula óssea”. De acordo com a equipe de apoio que atendeu no evento, o transplante de medula óssea é a esperança de cura para muitos portadores de leucemia e outras doenças de sangue. Com o intuito de prestar informações à população, uma equipe do hospital realizou registros de doadores voluntários na Feira. Revista da Arquidiocese
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A Agência Municipal de Trânsito (AMT) de Goiânia apresentou a população um simulador móvel de capotagem. De acordo com o supervisor do Departamento de Educação da AMT e coordenador do estande, Horácio Ferreira, o equipamento utilizado é único no País. Dentro do carro, o condutor vive a experiência de um capotamento, tendo a total confi ança de que o cinto de segurança é o responsável pela preservação da vida em situações do gênero. A Associação de Benefi cência Brasileira (ABB), entidade sem fi ns lucrativos, prestou diversos serviços que variam desde a aferição da
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pressão arterial a pré-atendimentos com cardiologistas e neurologistas. A Associação Goiana de Municípios (AGM) esteve presente na Feira da Solidariedade 2010. Ao todo 22 municípios, representando inúmeras Associações Regionais, participam do evento com estandes, expondo produtos e exibindo vídeos sobre o seu potencial econômico, cultural e social. São eles: Cristalina, Cumari, Fazenda Nova, Goianésia, Nerópolis, Itaberaí, Itauçu, Goianira, Taquaral, Faina, Itapirapuã, Bom Jardim de Goiás, São Simão, Caçu, Chapadão do Céu Mara Rosa, Goiandira, Corumbaíba, Ipameri, São Miguel do Araguaia, Britânia, e Portelândia.
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Centenário do nascimento de Dom Fernando PRONUNCIAMENTO DE DOM WASHINGTON CRUZ NA PUC GOIÁS 15 de outubro de 2010
É com profunda alegria e emoção que realizamos esta sessão solene em comemoração ao Centenário de nascimento de Dom Fernando Gomes dos Santos, meu antecessor na condução pastoral desta Arquidiocese de Goiânia, ele que foi o seu fundador e também fundador desta nossa querida Universidade, que completa no próximo domingo 51 anos. Nasceu aos 4 de abril de 1910, na cidade de Patos, Paraíba, fi lho de Francisco Gomes dos Santos e Veneranda Gomes Lustosa. Ingressou no seminário de João Pessoa-PB em 1921 e no dia 1º de novembro de 1932 foi ordenado sacerdote em Roma. Em 1933 dirigiu o colégio diocesano de Cajazeiras/PB. Foi vigário da Catedral de Cajazeiras entre 1936 e 1937 e pároco em Patos/ PB, sua terra natal.
Aos 4 de abril de 1943, quando completou 33 anos de idade, foi ordenado Bispo de Penedo/Alagoas. No dia 9 de maio de 1943 – domingo do Bom Pastor, Dom Fernando Gomes tomou posse na diocese de Penedo, sendo considerado na época o bispo mais jovem do episcopado brasileiro e do mundo. Na época de Dom de Fernando Gomes, em Penedo, já havia um educandário para a formação e educação feminina: o Colégio Imaculada Conceição, de responsabilidade das Irmãs Franciscanas. Dom Fernando sentiu então a necessidade e resolveu fundar, em 19 de março de 1944, um educandário, o Ginásio Diocesano, para a formação da juventude masculina. Ali os jovens recebiam formação humanística e religiosa. Promoveu a criação de educandários em Palmeiras dos Revista da Arquidiocese
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Índios, entregues a Congregações religiosas. Em 25 de fevereiro de 1949, Dom Fernando foi transferido para a Diocese de Aracajú-Sergipe e tomou posse de sua nova diocese em 15 de maio de 1949. Em 1952 participou da criação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil- CNBB. No dia 07 de março de 1957, foi promovido a Arcebispo de Goiânia-GO, tomando posse na nova Arquidiocese aos 16 de junho. No mês seguinte, lançou a Revista da Arquidiocese, que circula até os nossos dias. Em 1959 iniciou a experiência de reforma agrária na Fazenda Conceição, em Corumbá de Goiás (o maior imóvel da Arquidiocese), com distribuição de terras, construção de casas e prestação de assistência técnica a 52 famílias de lavradores pobres. Adquiriu, para a Arquidiocese, a Rádio Difusora de Goiana (hoje com a Congregação do Ssmo. Redentor). Aos 17 de outubro, fundou a Universidade Católica de Goiás (por ocasião do Jubileu de Prata da UCG, em 1984, foi escolhido Doctor Honoris Causa, título que não chegou a receber, por motivo de saúde). Entre 1962 e 1965, participou de todas as sessões do Concílio VatiRevista da Arquidiocese
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cano II. Participou, também, como delegado eleito pela CNBB, da II Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano. No ano de 1968, em Medellín, coordenou a comissão de estudos sobre os meios de comunicação social. Em 1982 celebrou, no dia 1º de novembro, seu Jubileu de Ouro Sacerdotal. Na mesma data, todo o Povo de Deus de Goiana comemorava, com seu Pastor, os 25 anos da Arquidiocese de Goiânia. Aos 4 de abril de 1985, QuintaFeira Santa celebrou, com o Presbitério, o 75º aniversário de vida e 42º de episcopado. A 1º de junho entrou na paz do Senhor, em Goiânia. Seu corpo foi sepultado aos 3 de junho, na Catedral Metropolitana de Goiânia. (Notas históricas tomadas do site da Diocese de Penedo/AL) Dom Fernando Gomes dos Santos, filho e pastor da Igreja. Inteligente, elegante, orador ardoroso, homem de uma eloquência invejável, Dom Fernando foi, antes de tudo, um pai preocupado, providente e carinhoso. Exerceu esta paternidade, em primeiro lugar, com um amor que se fez serviço concreto aos seus semelhantes. Dom Fernando era um empre-
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endedor formidável em quem o amor se materializou em respostas às necessidades mais sentidas por seu povo: teto para quem não tinha uma morada digna; alimento para o necessitado; promoção social para o excluído; educação para as crianças e jovens; terra própria para os trabalhadores rurais; refúgio para os migrantes; proteção para os perseguidos; defesa da dignidade da pessoa humana. Impossível enumerar suas múltiplas iniciativas, a demonstrar que seu amor ao próximo não era um sentimento vago: era amor e compromisso fazendo-se resposta criativa e solidária. Não houve desafio, tema ou preocupação do seu povo que fossem alheios aos seus interesses. Dom Fernando não foi um simples fazedor de coisas. Ele trabalhava sobre valores. Pregava o primado da liberdade sobre toda forma de opressão, da justiça sobre toda forma de arbitrariedade, da fé sobre toda forma de idolatria. Neste momento de mudanças epocais e de fascinação por um mundo mais aberto e global, convém recordar esses traços tão nobres que herdamos dele e de tantos outros nossos antepassados, traços
que constituem o acervo espiritual e o tesouro mais apreciado desta Arquidiocese. Viver esses valores e educar-nos neles é condição para um desenvolvimento fecundo e sem complexos. Quando a sociedade, como um todo, e as pessoas, individualmente, rompem com sua melhor tradição e esquecem sua identidade estão condenadas à frustração e ao fracasso. Dom Fernando é um filho excepcional deste nosso país, um pai de coração generoso e um pastor insigne da Igreja, à qual presenteou generosamente com sua vida, sua vocação e seus dons. Dom Fernando é filho e pai da Igreja. Onde este homem incansável robusteceu sua personalidade? Os que tiveram o privilégio de conhecê-lo e compartilhar de sua vida não têm dúvidas. Dom Fernando não foi só alguém dotado de grandes qualidades, mas, sobretudo, um discípulo de Jesus Cristo, um pai e pastor de sua Igreja. Foi o amor de Cristo que o cativou e mobilizou toda a sua energia. Era um pai muito próximo, e sua voz se fez sentir com força na defesa dos mais fracos. A sua era uma palavra de amor. Efetivamente, suas palavras foram um baluarte de paz e de Revista da Arquidiocese
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amor para a imensa maioria, ainda que possa ter desconcertado e incomodado a alguns que não entendiam suas nobres intenções ou os sinais dos tempos como voz de Deus. Dom Fernando foi um notável defensor dos Direitos Humanos. Filho do Nordeste, ele era um ilustre desconhecido quando aqui chegou. Pouco a pouco foi ganhando o carinho e o respeito do seu clero e a simpatia do seu povo. Isto ficou claro, particularmente, na hora de sua despedida, quando milhares de pessoas quiseram homenageálo em clamorosa demonstração de profunda gratidão e admiração. Amou ternamente Jesus Cristo, e exerceu seu ministério com abnegação. Procurou, junto aos seus irmãos no episcopado, renovar a Igreja. Com paciência e perseverança, quis que o povo de Deus fosse mais fiel à sua vocação de serviço. Foi um visionário que se deixou levar pelas necessidades profundas de seu povo, e com espírito simples − com um enorme amor a Jesus Cristo e aos pobres − serviu com ternura e abnegação, fazendo seu o amor do Bom Pastor. Ao contemplar suas qualidades humanas e sua vida de fé, simples e perseverante, podemos dizer que Revista da Arquidiocese
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em muitos âmbitos de sua vida e de sua ação, Dom Fernando foi um verdadeiro precursor. Precursor de uma Igreja renovada a serviço de sua missão; precursor, como homem de visão ampla e generosa de uma sociedade mais justa e solidária. Seu grande desejo era testemunhar e anunciar que o Reino de Deus já está no meio de nós, como uma antecipação da realidade nova e definitiva da história, onde se enxugará toda lágrima e já ninguém atentará contra seu irmão; a pátria do justo Abel, a pátria em que todos somos cidadãos, a pátria do céu na qual não haverá escuridão, nem sofrimento nem injustiça, já que é a Pátria do amor e da fraternidade. Com frequência neste ano nos perguntamos qual o legado que nos deixou Dom Fernando ao partir para a casa do Pai. Impossível expressá-lo em uma única frase, pois são tantas e valiosas as pegadas que nos deixou em sua passagem pela terra. Atrevo-me, contudo, a dizer que seu legado foi “a urgência do amor”, do amor a Cristo e do amor aos irmãos. Amor que buscava o rosto de Jesus no Evangelho e em toda pessoa humana, especialmente nos pobres. Seu amor foi profético, capaz de ar-
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guir, clamar e denunciar, e sempre propor com coragem os caminhos do Evangelho em meio a turbulências e extravios. Seu amor foi solidário, abraçando em seu coração a todos e a cada um, pensasse ou não pensasse como ele. Seu amor foi terno, pois se comovia até às lágrimas com os sofrimentos dos pobres, dos enfermos e dos encarcerados, e se aproximava deles para responder à sua dor, mesmo que não tivesse os meios para isso, contanto que pudesse enxugar ainda que fosse uma única lágrima. Esse foi seu amor convencido, ativo e perseverante. E, como bom discípulo de Jesus, seu amor foi por vezes crucifi cado, incompreendido e criticado. Mas hoje vemos seu amor germinar em mais vida e em melhor vida para seus fi lhos tão amados. Confi rmaram-se na vida do querido Dom Fernando, como na vida do Senhor crucifi cado, as palavras do evangelho segundo São João: “Se o grão de trigo não cai na terra e não morre, fi ca sozinho, mas se morre, dá muito fruto”. Estimados amigos, amigas e irmãos,
com o exemplo de Dom Fernando, Deus abençoou nosso povo. Tendo seguido seu Senhor e Mestre, também dele pode-se dizer o que foi da passagem de Jesus pela história: passou por este mundo fazendo o bem, pregando o Evangelho aos pobres e, na medida de suas forças, aliviando-os de toda dolência. Vão hoje nossa mais profunda gratidão e nosso mais profundo amor a este irmão exemplar, pastor e mestre da Igreja. Seu legado nos anima a viver o Evangelho e a continuar trabalhando, sem medo e sem violência, pela liberdade, pela verdade, pela justiça, pela misericórdia e pela paz. Dom Fernando praticou de modo notável o amor à Igreja e o amor ao seu povo. Dois amores que hoje, observados à distância de 100 anos de seu nascimento e de 25 anos de seu falecimento, consideramos dignos de serem ressaltados. Que estes dois amores iluminem nossas vidas de homens e mulheres de fé, membros do Povo de Deus, e também cidadãos deste querido Goiás e deste glorioso Brasil.
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A Liturgia é uma ação e não um discurso DOM WASHINGTON EM AUDIÊNCIA COM OS PADRES NA PREPARAÇÃO AO SÍNODO ARQUIDIOCESANO 2012 14 de setembro de 2010 Fazer a afi rmação de que a liturgia é uma ação e não um discurso pode causar impressão a alguns ou, quem sabe, a muitos. Mas importa afi rmá-lo e repeti-lo, a fi m de que as nossas celebrações não desfi gurem a beleza deste “Opus Dei”, desta obra misteriosa que Deus realiza conosco, com a Sua Igreja, por Cristo, no Espírito Santo. Num tempo em que, felizmente, damos muita importância à evangelização e à catequese, não deixa de haver riscos de instrumentalizar esta obra por excelência. Quando a Sacrosanctum Concilium afi rma que a Liturgia (ação por excelência da Igreja) é fonte, quer afi rmar peremptoriamente que tudo emana dela, a própria evangelização e catequese e, mais, que dela brota a vitalidade de todas as outras ações eclesiais. A liturgia tem
um próprio modo de ser e de atuar. Como muito bem se diz: “a lei fundamental da liturgia não é dizer o que se faz, mas fazer o que se diz”. Embora a catequese seja necessária à liturgia, enquanto prepara e encaminha para ela, usa, no entanto, um processo inverso, trabalha sobre os signifi cados, enquanto que a liturgia opera mediante os signifi cantes. Quando São Bento recomendava, na sua regra, que o espírito sintonizasse com a voz “ut mens nostrae concordet voci nostrae”, tornava patente uma lei fundamental da liturgia. “Consideremos, pois, como devemos andar sob o olhar de Deus e dos anjos e apliquemo-nos à salmodia, de tal modo que o nosso espírito sintonize com nossa voz” (cap.19). Hoje, certamente com boas intenções, não são poucos os que tentam antepor à liturgia as suas ideias, as suas emoRevista da Arquidiocese
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ções, as suas palavras, resistindo a deixar-se tomar por uma ação feita de palavras e gestos, destinados a transformar as nossas ideias e toda a nossa vida. A liturgia é fundamentalmente ação de um corpo: um corpo social e um corpo físico. Não é primariamente e, muito menos exclusivamente, uma atividade intelectual, mas dirige-se globalmente a todo o corpo e enraíza-se no cosmos, situando-se num espaço e num tempo e utilizando os elementos do cosmos. Nela, todos os sentidos humanos (ver, ouvir, tocar, cheirar, gostar) se conjugam numa experiência sensorial única que nos colocam na esfera de uma sensação superior, que é o crer. E, ao mesmo nível, a resposta da fé tem uma expressão corporal em palavras, em cantos, em gestos e atitudes, em movimento e ação. À percepção corporal responde uma ação corporal elevada a um nível superior. Infelizmente, quando nos afastamos desta característica forma de ser e de atuar da liturgia, certamente com a boa intenção de a tornar inteligível e “participada”, introduzimos elementos estranhos a ela (cantos, palavras, gestos, elementos), transformando-a em ideoRevista da Arquidiocese
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logia, ou mesmo, numa pura ilusão que criará, em pouco tempo, desencanto e cansaço. A liturgia tem em si riquezas latentes e um conjunto de expressões para falar ao ser humano de todos os lugares e de todos os tempos. Mas quando é dominada pelo verbalismo, pelo ruído sonoro e visual, pelas encenações alegóricas, pelo sentimentalismo ou então pelo racionalismo torna-se inócua, artificial e só produz vazio. Por isso, no meu modesto entender, toda equipe de liturgia que se preze, nas paróquias e nas comunidades, não pode descuidar e deverá explorar ao máximo a expressividade dos sinais litúrgicos já existentes, da proclamação litúrgica ao canto, dos gestos, das atitudes, dos movimentos, da expressão corporal dos ministros e da assembleia, aos elementos de que se serve, naturais e produtos da arte humana, do espaço e do tempo, com verdade, nobreza e beleza, porque por eles passa aquela mais excelente ação que Deus realiza com os homens. O maior acontecimento do cristianismo é o domingo (dia do Senhor ressuscitado, dia da Igreja), centrado na Celebração Eucarística. “Não podemos viver sem o domingo” – é o grito da consciência cristã que
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atravessa os séculos. Todos sabemos isso, mas, na prática, somos poucos consequentes. Uma porcentagem muito pequena dos que se dizem católicos celebra, habitualmente, o domingo com a assembleia eucarística ou com a celebração do culto da Palavra. Mas, não estamos longe da verdade se dissermos que, além de uma crescente desvalorização do preceito dominical, de uma deficiente catequese e de uma cultura de fim de semana e de tempo livre que se esforça por substituir o domingo (que não inclui a missa) e outras causas, às vezes pode depender também de nós esta desvalorização do Dia do Senhor. A Igreja, como insiste a Instrução Geral do Missal Romano (n.1) não pode deixar de se preocupar com todos os pormenores necessários ao encontro do Senhor Ressuscitado com os seus discípulos, em cada domingo. Por isso, a celebração litúrgica não pode ser improvisada, mas deve ser cuidadosamente preparada, em todos os seus elementos (a palavra e o canto, os gestos e as atitudes, os movimentos, com o presidente, os ministros e a assembleia). Tal preparação deve ter duas vertentes: individual e em grupo. Inclui, por isso, tempo de preparação pes-
soal para que cada ministro possa desempenhar bem o seu ministério (presidir, proclamar a palavra, cantar etc.). Mas é necessária, também, uma preparação em grupo (ensaio do grupo de canto ou coral, de quem vai ser o salmista; ensaio dos acólitos, do grupo de leitores, do grupo de acolhida etc.) e coordenação da equipe de liturgia, presidida pelo pároco ou pelo presidente da celebração. Os diversos ministros deverão ser escolhidos criteriosamente e formados ampla e seriamente, para evitar nervosismo e desassossego dos ministros, desordem e desarmonia nos objetos, nas palavras e nos ritos, escassez de silêncio. O serviço do acólito é muito mais do que ter mãos e pés para preparar as alfaias litúrgicas e os livros, servir o vinho e a água, manusear e regular microfones, e saber umas normas litúrgicas. Há toda uma arte e espiritualidade a ser aprendida, exercitada, tão necessária à expressão simbólica da celebração litúrgica. O serviço de leitor é muito mais que silabar um texto. Ler bem e ler em público tem as suas exigências e as suas técnicas, requer conhecimentos e exercícios, aptidões e qualidades, tudo para que a Palavra de Deus possa chegar Revista da Arquidiocese
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ao ouvido de todos e penetrar os corações. Cantar (quem canta bem, reza duas vezes), tocar um instrumento, dirigir um coral ou uma assembleia é muito mais que abrir a boca, fazer uns acordes ou gesticular. Requer, além das qualidades específicas, um tempo de formação acurada e exigente. Foi pensando nisto que a Arquidiocese promove cursos de liturgia, de canto etc. Procuraremos aperfeiçoar ainda mais esses cursos para oferecer às nossas paróquias oportunidade de uma boa formação litúrgica. Caros padres: feita esta brevíssima reflexão sobre a Liturgia, quero agora ponderar, buscar juntos e identificar alguns dos grandes e até graves desafios que se nos apresentam quando lidamos com o entendimento sobre a Liturgia e o confrontamos com nossa diversa realidade pastoral. Li o resumo das colaborações vindas da Consulta e que foram colocadas para todos no começo desta audiência. Antes, porém, ressalto que não me é estranho e alheio os vossos sofrimentos. “A Messe é grande, os operários são poucos”. Porém, isto não justifica o relaxamento de nossas convicções, de nossa responsabilidade, de nosRevista da Arquidiocese
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so zelo pelas coisas sagradas, a começar pelo nosso ministério sagrado, vivido e exercido nesta nossa arquidiocese. Que respostas esperamos do Sínodo no campo da Liturgia? Primeiro, não é demais lembrar, que, no campo da Palavra, da Liturgia e da Caridade, o ministério do padre se vê comprometido de forma direta e particular com a Liturgia. Jamais poderemos dizer: “não fiquei padre para: batizar, para sacramentos, para rezar...” O específico, que nos distingue do conjunto do corpo místico de Cristo, é que somos padres, sacerdotes, presbíteros. Que lugar ocupa a garantia do acesso aos sacramentos por parte do povo, em nossa vida de padres? Que qualidade crística há em tudo o que fazemos? Com que dignidade tratamos as coisas sagradas? Em quê nossos gestos, atitudes, posturas, dão ao povo a graça de nos acolher como “Cristo Cabeça” agindo em função do bem, que é a santificação de todos? Que fidelidade há em nós e no povo quanto ao tesouro que herdamos (e não inventamos por conta própria) e transmitimos aos outros? Qual a nossa relação com os sinais sensíveis e em quê estes sinais
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traduzem a verdade do mistério, e leva o povo a participar dele? Em quê nossos templos, igrejas, capelas e tudo o que há neles garantem verdadeiramente a participação do e no mistério de Cristo e da sua Igreja? A criatividade é fruto do profundo conhecimento dos conteúdos da fé e das orientações e normas ou são substituições baratas, vazias, fruto da nossa ignorância e, quem sabe, da nossa falta de fé, amor e zelo pela Igreja, Corpo de Cristo? Que energia e investimento fazemos para não causar prejuízo na plena participação, viva, ativa, livre e consciente dos fiéis na Liturgia? Que envolvimento temos com tudo aquilo que a Arquidiocese e a Igreja oferecem: curso de Canto, Folheto Litúrgico, Escola de Ministérios, Cartas Pastorais, Orientações e Normas, a Comissão Arte Sacra. E ainda: o Diretório Litúrgico da CNBB, as introduções aos livros sagrados, os documentos da CNBB e da Igreja? Que sacrifício fazemos para levar o povo, na sua fragilidade de formação, a conhecer o conteúdo e as normas para os sacramentos? Que compreensão temos de temas como a inculturação e adaptação das normas à nossa realidade? O
primado é de nosso próprio gosto e palpite ou somos Igreja, na Igreja, com a Igreja, para a Igreja? Os conflitos quanto às várias expressões: movimentos, pastorais, programas e celebrações midiáticas etc, estes conflitos nós os enfrentamos com oração, estudo e aprofundamento... ou acirramos mais ainda a tensão, falando mal de nós mesmos dividindo o Corpo de Cristo? Que dignidade sagrada há no nosso modo de lidar com os símbolos, os ambientes onde se celebram os vários sacramentos e, particularmente, a Santa Eucaristia? Finalmente, irmãos, podemos e devemos nos perguntar que unidade há entre a fé que cremos e professamos, a fé que celebramos e a fé que vivemos no mundo e levamos o povo cristão a viver e por este viver santificar o mundo até que Cristo seja tudo em todos? Termino, tratando da Eucaristia, cume e fonte do ser e do agir cristão. Peço a paciência de todos para acompanharmos as palavras do Santo Padre presentes na conclusão da Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis: “Amados irmãos e irmãs, a Eucaristia está na origem de toda a forma de santidade, sendo cada um de nós chamado à plenitude de vida Revista da Arquidiocese
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no Espírito Santo. Quantos santos tornaram autêntica a própria vida, graças à sua piedade eucarística! De Santo Inácio de Antioquia a Santo Agostinho, de Santo Antão Abade a São Bento, de São Francisco de Assis a São Tomás de Aquino, de Santa Clara de Assis a Santa Catarina de Sena, de São Pascoal Bailão a São Pedro Julião Eymard, de Santo Afonso Maria de Ligório ao beato Carlos de Foucauld, de São João Maria Vianney a Santa Teresa de Lisieux, de São Pio de Pietrelcina à beata Teresa de Calcutá, do beato Pedro Jorge Frassati ao beato Ivan Mertz, para mencionar apenas alguns de tantos nomes, a santidade sempre encontrou o seu centro no sacramento da Eucaristia. Por isso, é necessário que, na Igreja, esse mistério santíssimo seja verdadeiramente acreditado, devotamente celebrado e intensamente vivido. A doação que Jesus faz de si mesmo no sacramento memorial da sua paixão atesta que o êxito da nossa vida está na participação da vida trinitária, que nos é oferecida nele de forma definitiva e eficaz. A celebração e a adoração da Eucaristia permitem abeirar-nos do amor de Deus e a ele aderir pessoalmente até a união com o bem-amado Senhor. Revista da Arquidiocese
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A oferta de nossa vida, a comunhão com a comunidade inteira dos crentes e a solidariedade com todo homem são aspectos imprescindíveis da logiké latreía, ou seja, do culto espiritual, santo e agradável a Deus (cf. Rm 12,1), no qual toda a nossa realidade humana concreta é transformada para glória de Deus. Convido, pois, todos os pastores a prestarem a máxima atenção à promoção de uma espiritualidade cristã autenticamente eucarística. Os presbíteros, os diáconos e todos aqueles que exercem um ministério eucarístico possam sempre tirar desses mesmos serviços, realizados com solicitude e constante preparação, força e estímulo para o seu caminho pessoal e comunitário de santificação. Exorto todos os leigos, e as famílias em particular, a encontrarem continuamente no sacramento do amor de Cristo a energia de que precisam para transformar a própria vida num sinal autêntico da presença do Senhor ressuscitado. Peço a todos os consagrados e consagradas para manifestarem, com própria existência eucarística, o esplendor e a beleza de pertencer totalmente ao Senhor. No início do século IV, quando o culto cristão era ainda proibido
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pelas autoridades imperiais, alguns cristãos do norte da África, que se sentiam obrigados a celebrar o dia do Senhor, desafi aram tal proibição. Foram martirizados enquanto declaravam que não lhes era possível viver sem a Eucaristia, alimento do Senhor: “Sine dominico no possumus – sem o domingo, não podemos viver”. Esses mártires de Abitinas, juntamente com muitos outros santos e beatos que fi zeram da Eucaristia o centro da sua vida, intercedam por nós e nos ensinem a fi delidade ao encontro com Cristo ressuscitado! Também nós não podemos viver sem participar no sacramento da nossa salvação e desejamos ser iuxta dominicam viventes, isto é, traduzir na vida o que celebramos no dia do Senhor. Com efeito, esse é o dia da nossa libertação defi nitiva. Então por que se maravilhar quando desejamos que cada dia seja vivido segundo a novidade introduzida por Cristo com o mistério da Eucaristia? Por intercessão da bem-aventurada Virgem Maria, o Espírito Santo acenda em nós o mesmo ardor
que experimentaram os discípulos de Emaús (cf. Lc 24,13-35) e renove na nossa vida o enlevo eucarístico pelo esplendor e a beleza que refulgem no rito litúrgico, sinal efi caz da própria beleza infi nita do mistério santo de Deus. Os referidos discípulos levantaram-se e voltaram a toda a pressa para Jerusalém a fi m de partilhar a alegria com os irmãos e irmãs na fé. Com efeito, a verdadeira alegria é reconhecer que o Senhor permanece no nosso meio, companheiro fi el do nosso caminho; a Eucaristia faznos descobrir que Cristo, morto e ressuscitado, se manifesta como nosso contemporâneo no mistério da Igreja, seu corpo. Desse mistério de amor fomos feitos testemunhas. Os votos que reciprocamente formulamos sejam os de irmos cheios de alegria e maravilha ao encontro da santíssima Eucaristia, para experimentar e anunciar aos outros a verdade das palavras com que Jesus se despediu dos seus discípulos: “Eu estou sempre convosco, até o fi m dos tempos” (Mt 28,20)”. Muito obrigado.
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A ciência do saber sofrer DOM WASHINGTON CRUZ, CP (Arcebispo de Goiânia) Brasil Central, setembro de 2010 Eu não sei se aprenderei nunca esta ciência tão difícil. A dor é sempre nova, mesmo para o enfermo crônico. Nunca me acostumei a ela, mas aprendo sempre algo; e nos intervalos das crises agudas, a minha alma chega a sentir muita paz e inclusive certa alegria. Tive um amigo sacerdote que passou quase toda a sua vida enfermo. Morreu com mais de oitenta anos. Mas passou toda a sua existência terrena semeando alegria. Aquele homem me demonstrou que uma pessoa pode alcançar a felicidade mesmo com uma saúde quebrantada. Sabia aceitar os problemas com resignação, alegria e bom humor. Não é coisa fácil. Mas Santa Teresa de Jesus chegou a dizer: “A paz, sempre a paz, se encontra no fundo do cálice”. Assim é a experiência de
nossos santos. Quando penso na Oração de Jesus no Horto das Oliveiras, vem à minha memória sua frase: “Passe de mim este cálice”. E foram necessárias dezoito horas amargas para que passasse; mas não voltou. Chegou a hora da ressurreição. Igualmente, passará nossa dor, passará o cálice que nos atormenta. E chegará a ressurreição. Tenho certeza disso. E voltará também a paz verdadeira, aquela que o Senhor envia a quantos sofrem com amor. Dizia meu amigo “Aprendi que não é necessário compreender a vontade de Deus; é preciso amá-la como amamos a Ele. Acaso pode o barro questionar o oleiro?” Ao considerar tantos sofrimentos deste mundo, vem à minha mente o evangelho de São Mateus (6, 31-33): “Não Revista da Arquidiocese
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andeis preocupados, dizendo: Que iremos comer? Ou, que iremos beber? O vosso Pai celeste sabe que tendes necessidade de todas essas coisas. Buscai, em primeiro lugar, o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas”. A minha parte é preocuparme com as coisas de Deus. Ele virá em meu auxílio. Tenho absoluta certeza disso. Ouvi uma religiosa dizer: “Quando sofro, parece-me escutar Jesus que me diz: “Ofereça-me tua dor pela salvação dos afastados; pela santifi cação dos sacerdotes; pelas missões… Então respondo: Ajuda-
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me, Senhor, com teu auxílio sou capaz”. Quero gravar em minha memória, no fundo do meu coração o que nos diz o salmo: “O Senhor é minha luz e salvação. De quem eu terei medo? O Senhor é a força de minha vida, diante de quem eu tremerei?” Com Jesus ao meu lado não posso ter medo. Ele é meu refúgio e minha força”. Eu não sei se aprenderei a sofrer ou não. É muito difícil esta ciência. Mas estou certo de que junto a Ele, junto ao seu amor generoso, “passarei por vales tenebrosos e nenhum mal temerei”, porque Ele me dá vigor, me protege e me acolhe.
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Dia Mundial das Missões DOM WASHINGTON CRUZ, CP (Arcebispo de Goiânia) Brasil Central, outubro de 2010 Dia 24 de outubro é o Dia Mundial das Missões, com o tema “A construção da comunhão eclesial é a chave da missão”. Aliás, todo o mês de outubro, afi rma Bento XVI, “oferece às comunidades diocesanas e paroquiais, aos institutos de vida consagrada, aos movimentos eclesiais, a todo o Povo de Deus, a ocasião para renovar o compromisso de anunciar o Evangelho e dar às atividades pastorais um ímpeto missionário mais amplo”. Numa sociedade que com frequência experimenta formas de solidão e de indiferença, “os cristãos devem aprender a oferecer sinais de esperança e a tornarem-se irmãos universais, cultivando os grandes ideais que transformam a história e, sem falsas ilusões nem medos inúteis, comprometer-se
para fazer com que o planeta seja a casa de todos os povos”. Junto com Bento XVI, exprimamos também nós, com particular afeto, o nosso reconhecimento aos missionários e às missionárias, que testemunham em lugares distantes e difíceis, muito frequentemente até com a própria vida, o advento do Reino de Deus. E, por eles, elevemos ao Senhor a nossa oração, a fi m de que os encha de fervor espiritual e de profunda alegria. O Senhor nos conceda também que “cada resposta generosa da comunidade eclesial ao convite divino ao amor dos irmãos suscite uma nova maternidade apostólica e eclesial, que deixando-se surpreender pelo mistério de Deus amor, doe confi ança e audácia a novos apóstolos”. Revista da Arquidiocese
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Por conseguinte, renovo a todos o convite à oração e ao compromisso da ajuda fraterna e concreta em apoio às jovens Igrejas. Este gesto de amor e de partilha, que o serviço precioso das Pontifícias Obras Missionárias (POMs) cuidará da distribuição, apoiará a formação de sacerdotes, seminaristas e catequistas nas terras de missão mais distantes e encorajará as jovens comunidades eclesiais. O diretor nacional das POMs no Brasil é um sacerdote de nos-
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sa Arquidiocese, o monsenhor Daniel Lagni. A ele nossa gratidão por estar, em nosso nome, colaborando com a ação da missionária da Igreja no Brasil e no mundo inteiro. Graças a ele, também, muitas comunidades de nossa Arquidiocese receberam ajuda para suas obras. Peço aos padres e demais responsáveis por paróquias e comunidades que incentivem a todos à generosidade na coleta missionária de 24 de outubro.
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A solidariedade do Natal DOM WASHINGTON CRUZ, CP (Arcebispo de Goiânia) Diário da Manhã, 25 de dezembro de 2010 “Eu venho, ó Deus, para fazer a tua vontade”. Em nossos dias, a Festa do Natal tornou-se numa ocasião especial para troca de cumprimentos e de presentes. Para alguns esse é mesmo o aspecto mais marcante do tempo natalino e que a mentalidade consumista da nossa sociedade, por razões comerciais e econômicas, fortemente incentiva, recorrendo às mais sofi sticadas técnicas publicitárias, a que difi cilmente se resiste. E a troca de cumprimentos e de presentes, embora se restrinja ao grupo dos familiares e amigos, nem por isso deixa de ser uma forma de solidariedade para com os nossos semelhantes. Porém, não passa de uma pálida imagem da autêntica solidariedade, aberta e universal, que radica no mistério da Encarna-
ção do Verbo de Deus, dado a conhecer à humanidade com o nascimento de Jesus, em Belém. Com efeito, é no mistério do Verbo encarnado que tem origem toda a verdadeira solidariedade humana. O Verbo de Deus assumiu um corpo, solidarizou-se com a humanidade, sujeitou-se aos condicionamentos da nossa natureza, entrou no nosso mundo para nos mostrar o que signifi ca ser solidário e assim cumprir a vontade do Pai, como nos ensina a Sagrada Escritura, que põe na boca de Jesus estas palavras: não quiseste sacrifício nem oferenda, mas preparaste-me um corpo. Eis que venho, ó Deus, para fazer a tua vontade (cf. Hb 10,7). A vontade de Deus é a salvação da humanidade. E não foi alcançada à custa de uma oferta qualquer. Mas pela entrega Revista da Arquidiocese
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da própria vida nas mãos do Pai. Jesus pensou, trabalhou, ensinou, viveu e deu a vida para desencadear na humanidade novos mecanismos solidários, capazes de destruir as barreiras e romper as fronteiras que impedem os humanos de ser solidários uns com os outros. A verdadeira solidariedade consiste em deixar que os outros entrem no nosso recinto pessoal, acolhendoos com simpatia e partilhando com eles o que temos e o que somos. Mais do que dar algo, a verdadeira solidariedade consiste em dar-se a si próprio, como fez Jesus, para que os outros consigam a libertação. A verdadeira solidariedade deve levar-nos, antes de mais nada, a abrir bem os olhos e a concentrar a atenção no que se passa à nossa volta para conhecermos a realidade tal qual ela é. Mas, além dos olhos precisamos abrir também o coração e deixar vir à superfície os sentimentos que nos podem levar à compaixão com os nossos semelhantes mais carentes. Só a partir
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daí poderemos começar a praticar gestos de solidariedade, tais como: proferir palavras de acolhimento, estender a mão ao caído, ouvir o grito silencioso do marginalizado, partilhar algo do que temos e somos, empenhar-nos na pacifi cação da sociedade inquieta e angustiada e tantas outras coisas. Quem é solidário não diz, apenas, “que será de mim?”. É também capaz de dizer que será do outro. Quem é solidário não se limita a papaguear as teóricas declarações dos direitos do homem, da criança, do doente ou outras. Vai mais além. Respeita os direitos dos outros e compromete-se com eles. Defende os injustiçados e socorre os necessitados. No Natal de Jesus, encontramos a origem e a referência fundamental de todos os projetos de solidariedade. Com os olhos postos no presépio, alarguemos os horizontes dos nossos presentes de Natal e solidarizemo-nos com aqueles que mais precisam, a exemplo de Jesus, que veio dar a vida por todos.
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Visita ad limina 2010 DOM WASHINGTON CRUZ, CP (Arcebispo de Goiânia) Brasil Central, novembro de 2010 A visita ad limina apostolorum signifi ca visita aos túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo, em Roma. Desde os primeiros tempos, a Igreja foi cimentando-se sobre a base de uma estreita união espiritual e formal entre os Apóstolos e seus sucessores. A visita ad limina é a expressão atual dessa íntima relação e comunhão na fé e na missão. O costume dos bispos peregrinarem a Roma é muito antigo; data já
do século IV e mais tarde, o Papa Xisto V em 1585, a institucionalizou e dispôs a forma de realizá-la. Segundo a legislação eclesiástica vigente, os bispos residenciais devem ir cada cinco anos a Roma, para honrar os túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo e encontrar-se com o sucessor de Pedro, o bispo de Roma. A última visita ad limina dos bispos do Brasil foi em 2002-2003. A visita, com seus diferentes moRevista da Arquidiocese
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mentos, tem um signifi cado bem claro para mim como bispo e para nossa Arquidiocese. Signifi ca uma ocasião privilegiada para avivar meu sentido de responsabilidade como sucessor dos apóstolos e fortalecer minha comunhão com o sucessor de Pedro, o Papa. E para nossa Igreja diocesana é uma ocasião para consolidar, por meu intermédio, os vínculos de fé, de comunhão e de disciplina com a Igreja de Roma, e com toda a Igreja do Senhor. Assim se tornarão visíveis e fi carão, sem dúvida, fortalecidas a unidade e a comunhão que nos unem aos bispos, sucessores dos apóstolos, com o papa, sucessor de Pedro, e as Igrejas locais com a Igreja primaz de Roma e com o resto das Igrejas particulares. Como vosso bispo e pastor, viajo a Roma com um profundo sentimen-
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to de fi lial e fraternal comunhão afetiva e efetiva para com o Santo Padre e para com toda a Igreja, para reforçar os laços de fé, esperança e caridade com o papa Bento XVI e com a Igreja Universal. O papa é o sucessor de Pedro e o vigário de Cristo na terra. Não importa que ele seja bonito ou feio, alto ou baixo, estrangeiro ou brasileiro. Para realizar sua urgente tarefa, necessita do apoio e do carinho de todos os fi éis católicos, especialmente agora, diante de tantos ataques à sua pessoa e ao que representa. Não se trata de pensar o que o papa pode fazer por nós, mas o que podemos fazer pelo papa. Rezemos pelo Santo Padre e pelo feliz êxito da visita ad limina dos bispos do Regional CentroOeste da CNBB, de 11 a 20 de novembro 2010.
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Campanha da Fraternidade 2011 NA ÚLTIMA REUNIÃO MENSAL DO ANO, O TEMA DA CAMPANHA – FRATERNIDADE E A VIDA NO PLANETA – FOI DISCUTIDO NO CPDF
A última reunião pastoral de 2010 discutiu o tema da Campanha da Fraternidade 2011 “Fraternidade e Vida no planeta” e o lema da “A criação geme em dores de parto”. O secretário executivo nacional da Campanha da Fraternidade da CNBB, padre Luiz Carlos Dias, fez a assessoria. “A Igreja já teve como tema da CF a água e a Amazônia. Agora, estamos discutindo a realidade do meio ambiente no planeta, que se encontra ferido pelo aumento do aquecimento global”, disse o padre. O grande questionamento da CF se refere às condições em que deixaremos o planeta para as gerações futuras. “É preciso que o povo discuta esse problema e abra sua mente para a solidariedade, porque a boa notícia é que podemos, sim, fazer alguma coisa para reverter a si-
tuação problemática em que se encontra o nosso planeta", destacou. O objetivo geral da CF é contribuir para a conscientização das comunidades cristãs e pessoas de boa vontade sobre a gravidade do aquecimento global e das mudanças climáticas, e motivá-las a participar de debates e ações que visem enfrentar o problema e preservar as condições de vida no planeta. Deste modo, a campanha tem o propósito de viabilizar meios para a formação da consciência ambiental em relação ao problema do aquecimento global e identifi car responsabilidades e implicações éticas. Além disso, pretende promover a discussão sobre os problemas ambientais com foco no aquecimento global; mostrar a gravidade e a urgência dos problemas ambientais provocados pelo aquecimento global e articuRevista da Arquidiocese
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lar a realidade local e regional com o contexto nacional e planetário e trocar experiências e propondo caminhos para a superação dos problemas ambientais relacionados ao aquecimento global. Para isso, serão adotadas as seguintes estratégias: mobilizar pessoas, comunidades, Igrejas, religiões e sociedade para assumirem o protagonismo na construção de alternativas. Ainda, propor atitudes, comportamentos e práticas – que tenham a vida como fundamento – tais como: denunciar situações e apontar responsabilidades. Segundo o assessor, o clima do planeta é resultante da interação de muitos fatores, inclusive dos seres que integram a biodiversidade que ele hospeda. O ser humano é também um agente que colabora, com considerável parcela, na oscilação do clima. O aquecimento global é uma mudança climática que traz consigo uma série de desdobramentos. Quando se fala em aquecimento global, quer dizer que ocorre a elevação dos valores médios da tem-
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peratura na superfície do planeta, o que pode provocar alterações de várias ordens, como no regime e intensidade das chuvas. A percepção é a de que não adianta somente cuidar do meio ambiente e deixar de lado questões sociais como a situação de pobreza e miséria de uma boa parcela da humanidade. Para se alcançar a sustentabilidade, requer-se, de um lado, a diminuição do consumo, sobretudo do excessivo e do supérfl uo, e, de outro, a redução das gritantes desigualdades. A sustentabilidade passa necessariamente por uma mudança de hábitos nos padrões de consumo, especialmente dos que gastam em demasia. O fato é que os governos e as sociedades, sobretudo as que se encontram sob a lógica da gastança capitalista, precisam rever urgentemente seus conceitos e posturas desenvolvimentistas. Padre Luiz, concluiu seu discurso pronunciando uma frase de Mahatma Gandhi, cuja memória é oportuna: “O mundo tem recursos sufi cientes para atender às necessidades de todos, mas não a ambição de todos”.