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Iramaia Jorge Cabral de Paulo Miguel Jorge Neto Sérgio Roberto de Paulo



I ntrodução a Teoria da C omplexidade LICENCIATURA PLENA EM CIÊNCIAS NATURAIS E MATEMÁTICA - UAB - UFMT

Cuiabá, MT 2012


Instituto de Física Av. Fernando Correa da Costa, s/nº Campus Universitário Cuiabá, MT - CEP.: 78060-900 Tel.: (65) 3615-8737 www.fisica.ufmt.br/ead


I ntrodução a Teoria da C omplexidade Autores Iramaia Jorge Cabral de Paulo Instituto de Física /UFMT M igue l Jorge Ne to Instituto de Física /UFMT Sé rgio Rober to de Paulo Instituto de Física /UFMT


C o p y ri g h t © 2 0 1 2 UA B

Corpo Editorial • • • •

Denise Vargas Carlos Rinaldi Iramaia Jorge Cabral de Paulo Maria Lucia Cavalli Neder

Projeto Gráfico: PauLo H. Z. Arruda / Eduardo H. Z. Arruda Revisão: Denise Vargas Secretária(o): Neuza Maria Jorge Cabral

FICHA CATALOGRÁFICA P33li Paulo, Iramaia Jorge Cabral de. Introdução à Teoria da Complexidade./ Iramaia Jorge Cabral de Paulo; Miguel Jorge Neto; Sérgio Roberto de Paulo. Cuiabá: EdUFMT, 2012. 1.Teoria da Complexidade. 2.Sistemas Complexos. I.Paulo, Sérgio Roberto de. II.Jorge Neto, Miguel. III.Título.

CDU 5

ISBN: 978-85-8018-139-5


So br e Auto - o rgan iz aç ão

E a verdade a dizer, bem pouco tenho feito, Aquilo que se opõe ao Nada indestrutível, Parece alguma coisa, esse mundo visível, Embora eu venha há muito a lutar e a investir, Não pude com tais forças ainda a destruir Ondas, tormentas, fogo, abalos e pesares, Impassíveis renascem ao fim terras e mares! E a matéria maldita, homens e animais É difícil conter e ao todo eliminar! Quantos já no passado estive a sepultar! Mas sempre um novo sangue aflora mais e mais. O mundo continua, de nada serve a fúria Do ar, mares e terra, enfim. Toda essa espúria Multidão dos embriões sempre renasce e aflora Da Umidade, do Seco, ou do Frio e Calor! Se eu mesmo não guardasse as Chamas com fervor, De “meu” nada teria em especial agora! (Mefistófeles, em Fausto, de Goethe).

VI I



Sumário 1. A ntecedentes H istóricos 2.

S istemas C omplexos

ou

3. O I nstituto S anta Fé

à

Teoria

da

C omplexidade

S istemas F ora

e a

E conomia

do

E quilíbrio?

como um

três

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S istema

C omplexo 4. O s

11

39 R egimes

da

N atureza

45

5. O Q ue é E quilíbrio?

51

6. E spaço

59

de

Fase

7. O P ensamento S istêmico

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B ibliografia

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IX



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A n t e c e d e n t e s H is t ó r ic o s à Te o r i a d a C o m p l e x i d a d e

A

o longo de sua história, a humanidade busca explicações para o mundo onde habita. Tais explicações mudam de tempos em tempos, adequando-se a sua própria história. Assim, o modo de pensar humano muda gradativamente. Mudanças de natureza fundamental no modo de pensar o Universo fizeram-se sentir notadamente na passagem de uma idade histórica para outra. Desta forma, o modo de pensar o mundo e a natureza, na Antiguidade, se diferencia significativamente do modo de pensar medieval e este do moderno. Em particular, a filosofia que sustenta o pensamento moderno surgiu como uma reação à arbitrariedade do pensamento medieval, em que a verdade, altamente abstrata e pouco empírica, era decidida em concílios. Em oposição a essa postura, o pensamento moderno se assentou sobre a lógica e a constatação experimental. Assim ele surge, no Renascimento, no conflito dos ditames de Roma e do que era observado diretamente do céu, através do uso de telescópios. Conforme a análise do epistemólogo Thomas S. Kuhn (XXXX) estabeleceu-se a Revolução Copernicana, que representou o fim da Idade Média para a ciência e o início de um novo tipo de pensamento. A revolução astronômica e o trabalho pioneiro de Galileu Galilei outorgaram a essa nova etapa da ciência um caráter experimental, onde a verdade está nas coisas e não no homem. Contudo, quem estabeleceu as bases filosóficas da Ciência Moderna foi René Descartes (15961650), o filósofo francês que, quando jovem, e perturbado, serviu nas campanhas de Maurice de Nassau. Admirador do trabalho de Kepler, Descartes notou que a ciência necessitava de novas bases, que pudessem estabelecer novos métodos de se pensar em ciência. A influência da Revolução Copernicana em sua mente UAB| Ciências Naturais e Matemática | Introdução a Teoria da Complexidade |

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fez com que acreditasse que o Universo pudesse ser explicado de maneira racional, através de leis precisas. Assim, Descartes se propõe, ele mesmo, sozinho, a despeito de críticas como a de Huyghens, a produzir as bases da Ciência Moderna. Estabelece-se, assim, o que viria a ser chamado de Racionalismo Epistemológico (Whittaker, 1960). Tal postura filosófica pode ser compreendida considerando-se três de seus aspectos básicos: 1. Racionalismo: os fenômenos naturais podem ser compreendidos racionalmente. 2. Determinismo: os fenômenos naturais podem ser compreendidos em termos de causa e efeito. 3. Compartimentalização: o Universo funciona como um relógio, que pode ser entendido se compreendermos cada uma de suas partes. Tais ideias, desde que foram publicadas, espalharam-se pela Europa, nos séculos XVII e XVIII, ganhando notoriedade e repercussão, influenciando os pensadores do Velho Mundo. Logo a ciência, como um todo, se assentaria sobre essas bases, firmando-se nos três preceitos acima, tanto filosófica quanto metodologicamente. As ideias cartesianas, contudo, ganharam robustez graças ao trabalho do físico inglês Isaac Newton (1643-1727), um dos descobridores do cálculo, que formulou as leis básicas do movimento. O modelo analítico de Newton obteve sucesso em descrever o movimento dos astros, que, na transição dos séculos XVII e XVIII, já contava com um robusto acervo de observações registradas na forma de dados. Como se não bastasse, as Leis de Newton se propunham também a descrever o movimento dos corpos na Terra de maneira universal. A simplicidade e abrangência de tais leis impressionaram os pensadores da ciência e influenciou a humanidade profundamente, de tal forma que, ainda na primeira metade do século XVIII, os cientistas acreditaram que as três leis de Newton eram capazes de descrever todos os fenômenos do Universo, incluindo os fenômenos de natureza elétrica e térmica (Whittaker, 1960). Mas a descrição dos fenômenos naturais, em termos de força e movimento, com base nas leis de Newton, é absolutamente compatível com os preceitos cartesianos. Assim, a ciência passou a ver os fenômenos naturais como racionalistas, deterministas e compartimentalizados. E, erguendo-se sobre esse tripé, a ciência desenvolveu-se enormemente nos séculos XVIII e XIX, produzindo maravilhas tecnológicas até então nunca sonhadas, como a lâmpada elétrica, a locomotiva e o automóvel, o avião, o telefone e até mesmo a comida em lata. Assim, boa parte dos utensílios que usamos rotineiramente nos dias de hoje são frutos do pensamento cartesiano. Talvez até mesmo o vaso sanitário, pois este foi inventado no ano de 1596, o ano do nascimento de Descartes, mas que oferece o conforto que desfrutamos no mundo contemporâneo graças a uma invenção de fundamental importância da ciência cartesiana: a válvula hidráulica, em 1778. E, justamente nesse período, um movimento filosófico sem precedentes na humanidade, com bases firmemente fincadas sobre o pensamento cartesiano, influenciou o mundo inteiro: o iluminismo. Tal movimento, encabeçado por um grande número de 12  | Ciências Naturais e Matemática | UAB


cientistas, modificou o mundo, sendo decisivo para alguns eventos históricos, como a Revolução Francesa (1789) e a Independência Estadunidense (1777), e fez com que o pensamento cartesiano se tornasse a base fundamental de toda a sociedade moderna e contemporânea. A tal ponto que o cogito ergo sum de Descartes impregne quase tudo o que somos e fazemos nos dias de hoje. Assim, os preceitos cartesianos são a base de nossa atual forma de pensar, mas também da própria organização de nossa sociedade, de nosso sistema socioeconômico e nossa visão de mundo. Nos dias de hoje, o cartesianismo é a pedra angular de nossas escolas, de nosso sistema bancário, de nossa organização social, da forma como construímos aparelhos, casas e nossas relações interpessoais. E, o que era algo pujante e progressista no século XIX, hoje se torna um grande problema, pois, desde esse mesmo século, a ciência descobre que os preceitos cartesianos são equivocados.

M ovimentos A nticartesianos : o R omantismo Mesmo já no século XVIII, diversos pensadores chegaram à conclusão que havia algo de errado nos preceitos cartesianos: Se, de fato, os fenômenos naturais se processam de maneira racional e determinística, em termos de causa e efeito, então, uma consequência natural dos processos dinâmicos do mundo seria a sua previsibilidade. De fato, um dos exercícios mais comuns da aplicação das Leis de Newton nos atuais livros de Física é a previsão de onde estará um móvel, dadas as condições iniciais. A ciência moderna utiliza suas leis e princípios nessa perspectiva. Assim, os fenômenos naturais seriam regidos por leis especificas, rígidas e inexoráveis, que lhes dariam uma característica de previsibilidade e regularidade. Não somente os astros se moveriam através do espaço com uma regularidade previsível, como também todos os fenômenos do Universo, tornando possível ao homem prever o seu estado futuro. Mesmo os fenômenos que aparentemente não são regulares, como o tempo meteorológico seriam intrinsecamente previsíveis. Na perspectiva da Ciência Moderna, se pudéssemos mensurar com bastante precisão os valores das variáveis meteorológicas no momento atual, poderíamos prever se vai chover ou não em qualquer dia futuro. A imprevisibilidade do tempo que se tem hoje não seria devido as propriedades intrínsecas do fenômeno, mas devido à impossibilidade técnica de contarmos, hoje em dia, com instrumentos de medida mais precisos. Mas, se os fenômenos naturais são previsíveis, como sugere o pensamento cartesiano, então o futuro já está pré-determinado. Digamos que pudéssemos mensurar as variáveis com precisão absoluta conhecendo muito bem as condições atuais. Como os fenômenos evoluiriam seguindo leis racionais e determinísticas, então poderíamos prever o futuro também com precisão absoluta. Não só o clima e o tempo, mas também todos os outros fenômenos, até mesmo o próprio pensamento humano, se o concebermos como fruto de processos materiais ocorridos no cérebro e sistema neurológico corporal. Assim, tudo o que acontece no mundo, incluindo nossos pensamentos e decisões, já

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estaria irremediavelmente definido. O futuro já seria pré-determinado e, em absoluto, não haveria livre arbítrio. Haveria um único futuro possível, uma verdade pré-definida, o que levou a alguns autores a chamar o pensamento cartesiano de Epistemologia da Verdade Única (Capra, 1996). Tais consequências do pensamento newtoniano-cartesiano foram percebidas por um grupo de pensadores, poetas e artistas do início do século XIX, cuja manifestação criou o assim chamado Movimento Romântico. Os românticos se perguntaram qual seria o papel do ser humano no escopo do pensamento cartesiano e ficaram chocados com o que concluíram: não há papel algum para o ser humano num mundo determinista, pois tudo que pensamos, sentimos e fazemos é fruto das leis naturais que definem a evolução temporal do Universo. É claro que essa é uma conclusão chocante. A tal ponto que um dos líderes do pensamento romântico, o poeta inglês William Blake (1757-1827), externalizasse o seu espanto numa de suas mais famosas frases: “Deus nos livre do sono de Newton”, se referindo à lenda de que Isaac Newton havia descoberto a Lei da Gravitação Universal ao cochilar sob uma macieira. O argumento dos românticos é que o homem não é um ser racional, determinista e que pode ser compreendido pelas suas partes, mas, antes, algo irracional, ilógico, imprevisível. E assim foi a obra de Blake, tanto na literatura como na pintura: obscura, imprecisa e quase incompreensível, conforme o trecho abaixo de uma de suas mais importantes obras, Jerusalém: Há um vazio, fora da Existência, que se adentrado Engloba a si mesmo & torna-se um Ventre, tal era a Cama de Albion Uma agradável Sombra de Repouso chamada terá adorável de Albion! Seu Sublime & Páthos tornam-se Duas Rochas fixadas na Terra Sua Razão seu poder Espectral, cobre-as por cima Jerusalém sua Emanação é uma Pedra disposta abaixo Ó [Albion contempla Piedoso] contempla a Visão de Albion (William Blake, Jerusalém, frontispício, chapa 1, Ed. Hedra, 2010) .

Embora tal obra seja de ficção, o autor não poupou críticas a Newton e também a Francis Bacon (1561-1626), o político inglês que repensou todo o papel das nações no contexto mundial e um dos principais responsáveis pela Inglaterra ter se mantido como a nação mais poderosa do mundo, desde a derrota da armada espanhola em 1588 até a Segunda Guerra Mundial. Possivelmente, pode ser aclamado como o pai da moderna relação entre a Ciência, Tecnologia e Sociedade. Procurador-geral do Império Britânico, Bacon convenceu os governantes que a Inglaterra deveria investir em ciência, de forma a produzir tecnologia que estivesse a serviço do poder. Na época, ainda se acreditava que os recursos naturais fossem inesgotáveis. Assim, Bacon defendeu que as nações devem se apropriar da natureza, “obrigando-a” a ceder os seus recursos. E estendeu tal modelo de relação também para a ciência, onde suas ideias muito contribuíram para a postura de encerrar a natureza dentro de um laboratório, isolando-a,

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e controlando suas variáveis, um aspecto importante para a compreensão da Ciência da Complexidade. Em Novum Organum, sua principal obra que tinha a pretensão de suplantar o hercúleo Organum, o conjunto dos tratados de Aristóteles, Bacon formulou o que seria uma de suas frases mais famosas (Capra, 1996): Aprendamos as leis da natureza e seremos os senhores dela. Temos que colocar a natureza na câmara de tortura e obrigá-la a testemunhar, até contra ela mesma a fim de que possamos controlá-la para atingir nossos objetivos. É claro que tais preceitos também chocaram os românticos, de tal forma que Blake não os poupou: Que eu possa acordar Albion de seu longo & frio repouso Pois Bacon & Newton embainharam em aço lúgubre, seus terrores pendem Como açoites de ferro sobre Albion, Raciocínios como vastas Serpentes Envolvem meus membros, machucando minhas diminutas articulações Volto os meus olhos para as Escolas & Universidades da Europa E lá contemplo o Tear de Locke cujo Tecido move-se com furor medonho Lavado pelas rodas d’Água de Newton, negro o pano Em pesadas espirais cinge sobre todas as Nações; Trabalhos cruéis De muitas Rodas vejo, roda fora de roda, com dentes tirânicos Movendo por compulsão um ao outro: não como aqueles no Éden: cuja Roda dentro de Roda em liberdade revolve em harmonia & paz. (William Blake, Jerusalém, capítulo 1, chapa 15, Ed. Hedra, 2010).

Como pode ser constatado, nesse trecho, Blake se opunha ao movimento de instalação generalizada do racionalismo e determinismo newtonianos nas escolas e universidades, que ocorria na Europa desde o século XVIII. O poeta inglês estava profundamente incomodado com a exatidão e inexorabilidade determinística da ciência newtoniana. Além de poeta, Blake era também pintor, e tal característica de Newton foi retratada em uma das suas obras, na qual o físico inglês aparece com um compasso na mão (símbolo do determinismo e da regularidade), mas também se encontra irremediavelmente incrustado numa rocha, o que representaria o fato de que, na visão newtoniana, o ser humano é apenas um reflexo programado do estado geral do Universo, que é único e imodificável.

Figura 1 – Newton, William Blake, 1795, pintura.

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Para Blake, a busca pela verdade não deve considerar apenas a natureza externa ao homem, mas também o espírito humano, um elemento que nitidamente estava fora da Epistemologia da Verdade Única: Aquele que prega a Moralidade Natural ou Religião Natural nunca pode ser um Amigo da Raça Humana, ele é um bajulador que pretende trair, perpetuar o Orgulho Tirano & as Leis daquela Babilônia que prevê será destruída em breve, com a Espada Espiritual e não a Natural. Ele está no Estado chamado Raabe: de qual Estado precisa se livrar antes de poder ser o Amigo do Homem. (William Blake, Jerusalém, capítulo 2, chapa 52, Ed. Hedra, 2010) .

Outro ícone do Movimento Romântico, menos radical e emotivo, foi o escritor e cientista alemão Johann Wolfgang Von Goethe (1749-1832). Goethe, de forma semelhante a Leonardo da Vinci, foi o autor de vários tratados científicos e defendia uma visão de mundo mais integradora e menos compartimentada, tratando os vários elementos de um sistema, interagindo entre si, de maneira inseparável (Ver especial da revista Scientific American Brasil, sobre o pensador). Dentre as suas obras, destacam-se aqui três, cuja compreensão oportuniza uma reflexão sobre a sua postura frente a ciência newtoniana-cartesiana. A primeira obra é Os Sofrimentos do Jovem Werther (1774). Como uma boa parte da literatura romântica, nessa obra é contada a história de um jovem (Werther) que se apaixona por uma mulher casada (Carlota) e não é correspondido. A intensidade de sua paixão é tamanha que, no final, decide dar cabo de sua própria vida. Um vizinho viu o clarão da pólvora e ouviu o estampido, mas, como tudo voltou ao completo silêncio, não se inquietou mais. Às 6 horas da manhã, ao entrar com uma lâmpada, o criado encontrou o amo estendido no solo. Vendo as pistolas e o sangue, chamou-o, sacudindo-o. Nenhuma resposta. Werther estertorava. (...) Estava completamente vestido e calçado, envergando um fraque azul e um colete amarelo. A princípio a casa, depois a vizinhança, por último a vila inteira foi sacudida pela emoção. (...) Tinham posto Werther sobre o leito, com o rosto amarrado por um lenço. A sua fisionomia era já a de um morto. (...) O velho bailio acudiu, logo que soube da notícia, e beijou o moribundo, derramando lágrimas ardentes. Seus dois filhos chegaram a pé, logo depois do pai, e, abandonando-se à dor mais violenta, caíram junto ao leito, beijando as mãos e a boca de Werther. O mais velho dos dois, por quem Werther sempre demonstrara particular estima, colou-se-lhe aos lábios até que o infeliz soltasse o último suspiro, tendo sido preciso arrancá-lo dali a força. Werther expirou ao meio-dia. (...) À noite, cerca das 11 horas, o bailio fê-lo enterrar no local previamente escolhido pelo desgraçado. (...) O corpo foi conduzido por trabalhadores. Nenhum padre o acompanhou.

(Werther, Goethe, Ed. Victor Civita, 1983).

Dessa forma, Goethe concebe o ser humano como algo repleto de sentimento, o qual coloca com maior grau de influência sobre a conduta que a razão. E, de fato, esta 16  | Ciências Naturais e Matemática | UAB


obra de Goethe teve uma significativa repercussão em toda a Europa, pois fez com que diversos jovens passassem a se vestir com camisas amarelas e jaquetas azuis e provocou uma onda de suicídios de dimensão significativa. É possível que tal consequência esteja relacionada com uma tensão existente entre a real natureza humana – aflorada entre os jovens – e a constituição da sociedade, agora, em plena virada do século XVIII para o XIX, profundamente moldada nos preceitos cartesianos. Contudo, talvez a obra de Goethe que teve maior repercussão mundial, considerando uma escala de tempo mais ampla, não foi Werther, mas sim o Fausto. Como na anterior, essa obra conta a história de um homem (Fausto) que se apaixona por uma mulher (Margarida), mas a conquista não pelos seus próprios atributos, mas comprometendo a sua alma perante o diabo (Mefistófeles). A partir do poder deste demônio, Fausto – que era um cientista já de meia idade e desconsolado com o mundo, prestes a se suicidar – conquista a juventude e também o amor de Margarida. Contudo, o poder caótico do mal somente pode resultar em tragédia: Fausto dá uma poção para fazer a mãe de Margarida dormir, mas é muito forte e ela acaba a vir a morrer. Fausto engravida Margarida e, quando o irmão quer reclamar a sua honra, luta com Fausto e vem a falecer. Diante da tragédia familiar, Margarida enlouquece e vem a afogar o próprio filho recém-nascido. Então é presa e executada. Mas, na última cena, Fausto aparece para salvar sua amada. Ela tem a oportunidade de fugir da prisão, mas se recusa. Revela que sua alma não foi arrebatada pelo demônio e vozes vindas do alto declaram que sua alma está salva. A história como um todo, longe de evocar o determinismo newtoniano dos acontecimentos mundanos, apresenta a vida do homem no mundo como um turbilhão fruto da luta entre a ordem e o caos. Este último é personalizado pelo próprio Mefistófeles, que se apresenta da seguinte forma: Eu sou aquele Gênio que nega e que destrói! E o faço com razão; a obra da Criação Caminha com vagar para a destruição. (...) Eu sou parte da parte, um Todo que produz, Sou parcela do Caos, de onde nasceu a Luz. Mefistófeles reconhece, profeticamente, que a luz provém do caos, uma ideia semelhante à concepção científica contemporânea de que o Universo advém de uma Grande Explosão. Mas Fausto consegue reproduzir o espírito romântico do início do século XIX, no qual a vida não é o fruto de acontecimentos inexoráveis, determinados por leis regulares, mas fruto da irracionalidade do caos. Mas, nesse turbilhão, o homem seria livre para decidir o seu destino, tal como Fausto foi livre para aceitar ou não o pacto com o demônio e Margarida foi livre para decidir se fugia da prisão, ou se aceitava a sua própria punição. Mas Goethe não se limitou apenas à esfera da literatura. Ele era também um estudioso e cientista. Outra obra importante no contexto da oposição ao pensamento cartesiano-newtoniano, mas de cunho científico, e menos conhecida, é A Doutrina

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das Cores, de 1810. Nessa obra, Goethe critica explicitamente a concepção de Newton sobre as cores. Tal qual é ensinado nos livros didáticos ainda hoje, Newton concebe a luz apenas pelas suas propriedades intrínsecas, particularmente pelo seu comprimento de onda, ou seja, cada cor diferente corresponde a uma certa faixa de comprimento de onda da radiação. Contudo, Goethe argumenta que não se pode conceber a cor desvinculada do órgão de recepção humano (novamente ele introduz o ser humano na descrição do universo). Assim, para o autor romântico, a luz é fruto da interação entre a luz e o sistema fisiológico óptico humano que a percebe. Desta forma, pode-se dizer que A Doutrina das Cores se constitui como a primeira obra científica a considerar a inseparabilidade entre sujeito e objeto, um dos princípios mais importantes da Complexidade. Figura 2 – Ilustração de Goethe para A Doutrina das Cores (Fonte: Wikipédia).

A

a l e at o r i e d a d e n a ci ê n ci a

O próximo evento que representou um risco para o pensamento determinista e racional de Descartes e Newton foi o desenvolvimento das próprias ciências naturais em meados do século XIX. Nessa época, a sociedade colhia plenos frutos da tecnologia oriunda da ciência newtoniana. Maxwell havia acabado de formular as leis básicas do eletromagnetismo, como equações lineares e deterministas. Desenvolvimentos na engenharia tornariam realidade o telégrafo, o telefone, a locomotiva e barcos a vapor, o automóvel, a lâmpada elétrica e inúmeros outros confortos da vida contemporânea. Assim, com tantas maravilhas tornando-se realidade, por que a certeza cartesiana não seria mais conveniente para a humanidade? Assim, tudo parecia funcionar perfeitamente, como o relógio mecânico de Descartes, onde cada parte tinha uma função racional. Mas dois grandes nomes da ciência vieram a introduzir um elemento em suas teorias que frontalmente contrapunham as ideias cartesianas. Trata-se de Charles Darwin e Ludwig Boltzmann (ver fascículo sobre a Ciência Contemporânea). Um dos elementos fundamentais de ambas as teorias é a aleatoriedade. Darwin a introduz em sua teoria para explicar as mudanças genéticas e tornariam uma ou outra variante de uma espécie mais apta a viver num dado meio ambiente. Já Boltzmann introduz esse elemento na sua Teoria dos Gases, para explicar a dinâmica cinética das moléculas de um gás. Ele postulou que a direção em que duas moléculas que colidem se propagam, após a colisão, é aleatória. Ambas as teorias são consideradas válidas até hoje, mas, do ponto de vista filosófico, elas “não se encaixam” com o modelo deter-

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minista formulado por Descartes e Newton. Particularmente, a teoria de Boltzmann introduz na ciência a irreversibilidade de alguns fenômenos naturais, ou seja, o fato de que as coisas se degeneram com o tempo, podendo atingir tal estado de degradação, que não mais conteriam informações do passado, algo que frontalmente se contrapõe com a dinâmica Newtoniana, visto que suas leis preveem que sempre é possível se conhecer o passado a partir do presente.

A M e c â n ic a Q uâ n t ic a

e a

Arte Moderna

Contudo, foi no início do século XX que os três preceitos cartesianos (racionalismo, determinismo e compartimentação) foram frontal e definitivamente contrapostos pela ciência, com o advento da Mecânica Quântica, a área do conhecimento humano destinada a estudar o mundo microscópico. Ao mesmo tempo, um grande movimento ocorrido nas artes plásticas lançou ideias semelhantes, embora por meios completamente diversos. A Mecânica Quântica surgiu em função de três resultados experimentais que a ciência clássica (desenvolvida sobre os patamares da filosofia cartesiana-newtoniana) não podia explicar: o espectro de radiação dos corpos aquecidos, o efeito Foto-elétrico e o efeito Compton. Tais efeitos somente puderam ser explicados admitindo-se que a radiação eletromagnética, antes tida como contínua, fosse constituída por “pacotes de energia”, ou “quantum”, ou seja, fosse discreta. Nas duas primeiras décadas do século XX, com o estudo do espectro de emissão dos corpos, notadamente para explicar o das estrelas, descobriu-se que o que era antes tido como partículas constituintes da matéria (prótons e elétrons) também apresentam propriedades ondulatórias. Assim sendo, a Teoria Quântica estabeleceu que tanto a matéria (constituída por prótons e elétrons) quanto a radiação tem natureza dual: são tanto ondas quanto partículas. Tal preceito quebrou a maneira de pensar que havia se sedimentado nos séculos anteriores. Em contraposição, o Princípio da Dualidade Onda-Partícula da Mecânica Quântica estabeleceu que a natureza da matéria e da radiação não pode ser compreendida de maneira desvinculada de como interagimos com ela, ou seja, se a matéria e radiação se mostram como partícula ou como onda depende de como as olhamos. Trata-se de uma situação semelhante àquela apresentada por figuras onde a sua interpretação depende de como as percebemos, como a do lado. Figura 3 – Salvador Dali - Paranoic-visage-1935 UAB| Ciências Naturais e Matemática | Introdução a Teoria da Complexidade |

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Dependendo de como a olhamos, podemos ver ou um rosto ou uma reunião de pessoas sentadas próximas a uma oca . Tal resultado se complementa com a constatação experimental que qualquer medida, realizada no âmbito dos fenômenos quânticos, altera a configuração da matéria, ou seja, ao medirmos uma propriedade física de um sistema, acabamos modificando-o. Por exemplo, para medir a velocidade de um elétron, é necessário trocar energia e quantidade de movimento com ele, o que acaba alterando sua velocidade inicial. Assim sendo, não convivemos com um mundo pré-estabelecido, mas sim com um mundo modificado pela nossa própria presença. Tal visão é consistente com a postura de Goethe, descrita acima, sobre o conceito de cor, mas está em contraposição com a visão cartesiana, que outorga à matéria uma configuração pré-estabelecida independente do observador. De acordo com a Mecânica Quântica, quando dois sistemas interagem o estado quântico deles muda abruptamente. Além disso, essa mudança é imprevisível, não sendo possível descrever de antemão qual estado o sistema migrará após a interação. Somente o que pode ser prevista é a probabilidade que o sistema tem de mudar para algum dos estados possíveis. Isso definitivamente descarta a possibilidade de uma interpretação determinística para o mundo microscópico. Tais características da Mecânica Quântica não têm um aspecto meramente teórico, mas também são frutos de resultados experimentais. Há diversos fenômenos observáveis experimentalmente que podem ser citados, mas talvez o que mais claramente enfatiza a maioria dos princípios quânticos é o chamado experimento de dupla fenda, que se trata do famoso experimento de Young aplicado àquilo que, no começo do século XX, habituou-se a chamar de partículas, como os elétrons e nêutrons.

a b

C

Figura 4 – Representação do experimento de Young

O experimento consta de duas fendas de tamanho comparável com o comprimento de onda da luz incidente (ver figura). A luz se difrata em cada uma das fendas e, em seguida, há a interferência (construtiva em a e destrutiva em b). Uma placa fotográfica situada em C registra uma figura de interferência. Uma vez que elétrons, nêutrons e partículas de um modo geral apresentam uma propriedade ondulatória, a questão é saber se ao fazer passar elétrons ou nêutrons pelas fendas, uma figura de interferência seria obtida. 20  | Ciências Naturais e Matemática | UAB


A resposta a essa questão é afirmativa. Todos os experimentos realizados ao longo do séc. XX demonstram que a figura de interferência é obtida quando se faz passar pelas fendas qualquer feixe de partículas (desde, é claro, que as dimensões das fendas sejam comparáveis com o comprimento de onda das partículas, ou seja, l = h/p = h/mv). A questão que se coloca – e que é fundamental para a compreensão da Mecânica Quântica – é o que ocorreria se apenas uma partícula fosse lançada em direção às fendas. Seria o padrão de interferência observado na chapa fotográfica um resultado da interação coletiva das partículas? Para responder a essa questão, na década de 70, foram feitos experimentos em que é possível a passagem de apenas uma partícula por vez pelas fendas. Para evitar com que pudesse haver alguma possível influência da interação das partículas com as bordas das fendas, escolheu-se o nêutron, que não possui carga elétrica. Os resultados dos experimentos com interferência de nêutrons foram os seguintes: i) Ao se fazer passar um único nêutron pelas fendas, produz-se um único ponto na chapa fotográfica1 situada em C. ii) Ao se permitir que um único nêutron de cada vez passe pelas fendas, após a passagem de um número grande de nêutrons, a figura de interferência é formada. A figura de interferência é formada por regiões mais claras e outras mais escuras na chapa fotográfica. Onde a chapa foi mais impressionada, houve a incidência de uma maior quantidade de nêutrons. Os dois resultados acima são complementados por um terceiro:

Intensidade

Intensidade

iii) Ao se tapar uma das fendas, a figura de interferência não é obtida (obtém-se apenas uma mancha na direção da fenda aberta – ver figura 5). Em toda e qualquer situação que SABEMOS por qual fenda os nêutrons passaram, não se obtém a figura de interferência.

Posição

Posição

Figura 5 – Resultados do experimento de interferência de nêutrons com as duas fendas abertas (a e c) e com uma fenda aberta (b e d); a e b indicam o estado das chapas fotográficas; c e d são gráficos da intensidade de impressão da chapa em função da posição. 1 Como os nêutrons não têm carga, eles não podem impressionar uma chapa fotográfica de forma direta. Contudo, se cobrirmos o filme com uma fina camada de óxido de boro, a absorção do nêutron pelo boro resulta na emissão de uma partícula α, a qual pode impressionar a chapa.

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Como já foi dito, os resultados desse experimento estão diretamente relacionados com os princípios fundamentais da Mecânica Quântica. A primeira conclusão que se chega, devido aos resultados i, ii e iii, é que a propriedade ondulatória das partículas não se deve a uma característica coletiva das mesmas, ou seja, como um nêutron por vez passa pelas fendas (por uma delas, não sabemos qual) e ele incide sobre um ponto específico na chapa tal que, após a incidência de outros nêutrons, a figura de interferência se forma, então pode-se dizer que um único nêutron apresenta uma propriedade ondulatória. De alguma forma, tal onda associada ao nêutron influencia a sua trajetória. Assim, não é mais lícito se falar em partícula, mas sim em onda-partícula. Ao chamar anteriormente o nêutron de partícula, nesse trabalho, cometemos um erro conceitual: o termo partícula deve ser abolido. Nêutrons, elétrons, prótons, fótons, etc. são ondas-partículas. O experimento de interferência de nêutrons tem implicações diretas com relação ao Princípio de Complementaridade de Bohr. É comum se dizer que nêutrons, elétrons e prótons “ORA se comportam como onda, ORA se comportam como partículas”. Essa afirmação, no entanto, diante dos resultados i, ii e iii, deve ser considerado como uma concepção alternativa. Os resultados do experimento de dupla fenda somente podem ser compreendidos se os nêutrons forem ao mesmo tempo ondas e partículas. Ou seja: não existem partículas. Os elétrons, nêutrons, as pedras, os animais e as pessoas são ondas-partículas. O próprio Karl Popper, que assumiu uma postura realista, com relação aos fenômenos quânticos, reconhece: “...Parte dos ensinamentos de Bohr - líder espiritual e professor de Heisenberg, Pauli e quase todos os demais fundadores da mecânica quântica - era: Não tente entender a Mecânica Quântica, porque ela é quase completamente incompreensível. E Bohr tratou de explicar essa incompreensibilidade; ou seja, tratou de fazer compreensível a incompreensibilidade. Sua explicação era que só podemos entender situações similares aquelas as quais estamos acostumados. Porém a única física que estamos bem acostumados é a macrofísica. A microfísica é sensivelmente distinta e, portanto, está em desacordo com muitas coisas a que estamos acostumados. Esta é a razão pela qual somos incapazes de entender a microfísica e porque não deveríamos tentar entendê-la. Todos os modelos clássicos devem fracassar em situações da microfísica. As entidades microfísicas são incognoscíveis: são coisas em si mesmas. Podem se mostrar tanto como partículas quanto como ondas. É como se o modo como se mostram dependesse de nós mesmos, do modo como as observemos. Assim, só podemos observá-las com a ajuda de instrumentos e, em consequência, sua aparição dependeria dos instrumentos que usamos: podemos utilizar ou instrumentos para partículas ou instrumentos para ondas. Porém não podemos, jamais, utilizar ambas ao mesmo tempo. Este é o argumento. Os experimentos de partículas e os experimentos de ondas são incompatíveis”.

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“Esta última frase não é correta, como demonstra a análise do exemplo favorito de Bohr: O experimento de duas fendas. Neste experimento, obtemos franjas de interferência, a característica padrão das ondas. Porém todas as franjas de interferência são também (como todo mundo sabe) característica das frequências de partículas, de densidades de partículas, e isto é assim em cada um dos experimentos nos quais queremos observar uma onda”. “Para tanto, temos ondas e partículas, e não ondas ou partículas: para cada tipo de partícula, um tipo de campo”. Karl R. Popper, 10 de novembro de 1984; Prefácio da obra “O Debate da Teoria Quântica” - de Franco Selleri.

A segunda implicação dos resultados i, ii e iii diz respeito à natureza da onda associada à onda-partícula. Essa onda não é de natureza eletromagnética, mecânica ou qualquer outro tipo de onda clássica: Trata-se de uma onda de probabilidade. Em outras palavras, tal onda é constituída de probabilidade. A propriedade ondulatória faz com que o nêutron tenha uma probabilidade definida de incidir em um ponto específico da chapa fotográfica. Ou seja, não há como dizer em qual ponto um nêutron irá incidir, mas sua distribuição de probabilidade – que coincide com o gráfico 2c e que é fruto da interferência da onda associada à onda-partícula devido às fendas – é bem definida. A terceira – e talvez a mais importante – implicação se refere ao postulado fundamental da Mecânica Quântica: O colapso da função de onda. Tal fenômeno está relacionado com o fato de aparecer um único ponto na chapa fotográfica com a incidência do nêutron, a despeito desse possuir uma propriedade ondulatória que, a princípio, possui uma extensão espacial (não localidade). O fato é que a deteção de uma onda-partícula com uma chapa fotográfica é, essencialmente, um experimento de localização da onda-partícula. Ao se medir a localização de uma onda-partícula, sua propriedade ondulatória desaparece, resultando numa “resposta” ao experimento, ou seja, a onda-partícula nos diz “estou aqui”, mas isso acarreta sua própria destruição enquanto onda-partícula. É por isso que, ao tentarmos descobrir por qual fenda passa o nêutron, o padrão de interferência desaparece: qualquer que seja a tentativa de localizar a onda-partícula tem como consequência a destruição de sua propriedade ondulatória, portanto a interferência já não pode mais ocorrer. Vê-se, portanto, que o fenômeno de interferência está ligado à não-determinação. Segundo Heisenberg [1995, p.46], o estado das entidades microscópicas depende de nosso grau de conhecimento sobre elas, ou seja, de nossa própria consciência. O colapso da função de onda deve ser considerado como o princípio mais importante da Mecânica Quântica, uma vez que, conforme visto anteriormente, é o único ponto que a diferencia fundamentalmente da Mecânica Clássica [Penrose, 1991, p.277]. Além disso, esse princípio tem profundas implicações filosóficas3, sendo a primeira delas o papel que a consciência humana tem sobre a matéria [ver Selleri, 1986, p.178]. UAB| Ciências Naturais e Matemática | Introdução a Teoria da Complexidade |

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A mesma tendência para o inexato e não determinístico foi a característica central das obras plásticas integrantes do movimento da Arte Moderna, que eclodiu no início do século XX, de forma concomitante à Mecânica Quântica. Algumas pinturas, inclusive, apresentaram imagens semelhantes a microfotografias tiradas do mundo microscópico (Jung, 1964). Por exemplo, uma das pinturas de Jackson Pollock, apresentada na figura 6, é idêntica a microfotografias de vibrações de moléculas de glicerina em resposta a impulsos sonoros. Adicionalmente, a perda do caráter absoluto do tempo, estabelecido pela Teoria da Relatividade (ver fascículo Origem do Universo), também aparece nas artes plásticas, como na famosa obra do pintor espanhol Salvador Dali, A Persistência da Memória, onde relógios aparecem de forma distorcida.

Figura 6 – “Number 26”, pintura gotejada de Jackson Pollock.

Figura 7 – A Persistência da Memória, Salvador Dali.

Já outra obra do mesmo pintor – que parece uma revisão da primeira – aparecem motivos que sugerem elementos da Mecânica Quântica. Em A Desintegração da Persistência da Memória, o ambiente e os objetos aparecem fragmentados, sugerindo a descontinuidade da quantização. Diversas outras obras plásticas poderiam ser citadas como condizentes dos preceitos da Ciência Contemporânea. Os movimentos do abstracionismo, cubismo, surrealismo, dentre outros, claramente fugiram da racionalidade, determinismo e causalidade, características da filosofia cartesiana. Para alguns artistas, isso pareceu natural 3 que são fundamentais para se promover uma mudança de perspectiva para os alunos do ensino médio, de forma que eles adquiram uma visão de mundo mais condizente com os tempos modernos.

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e inconsciente, mas outros manifestaram a consciência de que justamente buscavam o que está além do determinismo, como os pintores Paul Klee e Wassily Kandinski (ver Jung, 1964). Assim, os adventos da Mecânica Quântica e da Arte Moderna, ocorridos na primeira metade do século XX, marcaram a consolidação de uma nova forma de ver o mundo, sedimentada em bases diferenciadas com relação ao cartesianismo. Contudo, até a década de 70, eles foram considerados como frutos do comportamento diferenciado do mundo microscópico (no caso da Mecânica Quântica) e da mente humana na esfera das artes. Mas, nas últimas décadas do século XX, uma série de desenvolvimentos ocorridos em diversas áreas do conhecimento levam à ideia de que a não-previsibilidade, o não-determinismo, a não-compartimentação e a incerteza são elementos que impregnam os fenômenos de nosso cotidiano, e não apenas o mundo microscópico. Assim, nasceria a chamada Teoria da Complexidade.

Figura 8 – A Desintegração da Persistência da Memória, Salvador Dali.

A P sic o l o g i a

da

G e s ta lt

Dentre os movimentos que não coadunam com o paradigma cartesiano, destacase a Psicologia da Gestalt. Trata-se de uma das vertentes que muito contribuíram para a psicologia contemporânea. Nasce na Europa, no início do século XX como uma forma de superação da fragmentação das ações e processos humanos realizados UAB| Ciências Naturais e Matemática | Introdução a Teoria da Complexidade |

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pelas tendências da psicologia científica do século XIX, advogando a necessidade de compreensão do ser humano como um todo para auxiliar no desvelamento e soluções dos problemas de natureza psicológica. Gestalt é uma palavra de origem alemã para designar forma orgânica, utilizada pela primeira vez pelo filósofo alemão Christian Von Ehrenfels para expressar a ideia de que o todo é mais que a simples soma ou agrupamentos das partes. Para os psicólogos da Gestalt a percepção é reveladora de nuances do comportamento e dos problemas que o ser humano enfrenta e que por vezes o paralisam. Ou seja, a psicologia deve reconhecer a existência de totalidades organizadas e irredutíveis na percepção humana, cujos atributos inerentes desaparecem em uma abordagem das partes – nesta perspectiva não damos conta de fragmentar a percepção do mundo ao redor, dos problemas, dificuldades, alegrias, enfim dos sentimentos que enfrentamos. Os organismos vivos, afirmam eles, percebem as coisas não em termos de elementos isolados, mas em padrões perceptuais integrados (Capra, p. 42). Pode-se dizer que a percepção desenha nossos pensamentos, que desencadeiam nossas ações, assim, a mesma é a porta de entrada para a consciência humana que por sua vez decodifica o que é apreendido gerando novos sentimentos, impelindo a busca de sensações, desencadeando novas ações. Isso significa que para a Gestalt, o organismo humano é cheio de possibilidades de respostas a um estímulo. Trata-se portanto de uma teoria científica que busca compreender e explicar a psique humana a partir dos fenômenos subjacentes ao estímulo- organismo- resposta, contrapondo-se com outras correntes psicológicas da época: o behaviorismo, ou psicologia comportamental, de John Broadus Watson (1878/1958) e seguidores –baseada no positivismo e pragmatismo do método científico indutivista, que enfatiza o estudo comportamental baseado no estímulo-resposta e a psicanálise de Sigmund Freud e seguidores que valorizava também o método científico na busca de caracterização da Psicologia como uma ciência natural, no mesmo status que a Física, Química, Biologia, embora proponha um rompimento com as bases desta última e da própria Filosofia delineando a Psicanálise como um método cujo objeto de estudo é as regiões obscuras do psiquismo. Os psicólogos da Gestalt buscam um caminho para além do mecanicismo, sua abordagem holística que enfatiza a preponderância da integração de experiências pessoais na solução de problemas da psique humana, tem contribuído consideravelmente para a compreensão dos processos de aprendizagem e da natureza das associações que fazemos ao longo da nossa existência e que configuram nosso comportamento diante da vida.

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2

S is t e m a s C o m p l e x o s o u S is t e m a s F o r a d o E q u i l í b r i o ?

P

odemos afirmar que o principal objetivo da ciência é compreender e descrever o mundo que habitamos. Os desdobramentos desse objetivo têm nos levado a incursões pelos microcosmos e macrocosmos que, na medida em que se revelam, nos trazem novos e instigantes problemas, desafiando a compreensão e provocando uma necessidade de solução e superação. Alguns desafios contemporâneos como as mudanças climáticas, a variabilidade do comportamento da economia, o surgimento e desaparecimento de novas configurações sociais, o funcionamento do sistema imunológico, a plasticidade cerebral, e evolução ou extinção de espécies vêm sendo abordados através de uma nova proposta que se configura como um novo paradigma: a Teoria dos Sistemas Complexos ou simplesmente, Teoria da Complexidade. Além da dificuldade inerente, esses desafios têm características comuns? Qual o grau de generalidade permitido? Como caracterizar os sistemas complexos? É preciso um esforço para caracterizá-los e assim, construir uma abordagem analítica dos mesmos. Este é agora nosso desafio. A Teoria da Complexidade tem seu marco inicial no final do século passado, a maioria dos estudos data do final da década de 70, mas se consolida como ciência com Ilya Prigogine, prêmio Nobel de Química de 1977, que emprega o termo “Complexidade”, como científico. Prigogine estabeleceu os princípios gerais dos sistemas complexos, fora do equilíbrio (WALDROP, 1992). Para Ilya Prigogine e Grégoire Nicolis, a complexidade é encontrada em diversos contextos e tem a ver com a própria manifestação da vida. Logo, a busca de soluções para os desafios que ora se apresentam requer uma abordagem que necessariamente passa pelas intrincadas relações pertinentes à vida. UAB| Ciências Naturais e Matemática | Introdução a Teoria da Complexidade |

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“Complexidade é uma ideia que parte de nossa experiência cotidiana. Nós a encontramos em diversos contextos ao longo de nossas vidas, mas mais comumente temos a sensação de que a complexidade é de alguma forma relacionada com as diversas manifestações da vida.” NICOLIS e PRIGOGINE, 1998, p.6.

Partimos da premissa de que os sistemas complexos têm a ver com a vida. Assim, estudá-los nos remete à compreensão de como a vida surge e se mantém. A complexidade que vemos no mundo é resultado de uma simplicidade fundamental. Os sistemas complexos são simples, criativos e geram padrões complexos. A caracterização dos sistemas complexos, enquanto objetos de estudo da Teoria da Complexidade ainda passa por um processo de construção. Como a vida é sempre cheia de meandros e surpresas, talvez jamais consigamos uma descrição completa e que nos satisfaça plenamente. Contudo, seguramente, podemos partir de três princípios onipresentes nos processos de organização da vida: adaptabilidade, estabilidade e inter-relacionamento. Segundo Moisés Nussenszweig, em seu livro Complexidade e Caos, os sistemas complexos também apresentam as seguintes características: 1. Dinamicidade fundamental: o sistema complexo está em constante evolução, é formado de várias unidades. São totalidades integradas cujas propriedades não podem ser reduzidas às partes menores, são intrínsecas mas só podem ser entendidas dentro do um contexto do todo maior. No corpo humano existem trilhões de células. 2. Interatividade: um sistema complexo opera como uma rede fechada de interações, nas quais cada mudança das relações interativas entre suas partes ou componentes resultam numa mudança das relações interativas dos mesmos ou de outros componentes isso porque cada unidade interage com seus pares e com as várias unidades do próprio sistema. Embora cada célula do nosso corpo tenha uma função especifica, todas trabalham de maneira integrada. É como se o nosso organismo fosse uma imensa sociedade de células, que cooperam entre si, de maneira que juntas garantam a execução das inúmeras tarefas responsáveis pela manutenção da vida. 3. Aberto: interage com o meio ambiente, se sustentando por um contínuo fluxo de energia e matéria, extraídas do seu entorno, para continuar existindo. 4. Frustração: leva-se em conta que os sinais recebidos por seus pares, ou pelo meio ambiente, podem ser contraditórios, ou em intensidades bastante variáveis, a resposta poderá frustrar algumas entradas. Ou seja, nem todos os estímulos são bem recebidos resultando em interações importantes para o sistema. Cada célula ou unidade produz uma resposta aos sinais que recebe das demais. Por exemplo, um neurônio, células do sistema nervoso, dispara ou não uma resposta, sendo que esta por sua vez não guarda uma simples relação de proporcionalidade ao estímulo recebido, levando em conta que os sinais recebidos podem ser contraditórios (disparar- não disparar) a resposta será 28  | Ciências Naturais e Matemática | UAB


frustrada em algumas entradas, não dá para responder a todos os estímulos ao mesmo tempo. Vale lembrar, que se trata de um sistema aberto, não linear e que o estímulo recebido pode ser excitatório ou inibitório. 5. Aprendizagem: ocorre uma vez que a arquitetura básica do sistema vai mudando, à medida que evolui e interage com o meio externo; trata-se da capacidade de modificar sua estrutura interna a partir da matéria e energia do ambiente, criando também novos modos de comportamento num processo de desenvolvimento e evolução. Nosso organismo, como um sistema complexo, aberto, não linear, é adaptativo. Em sua constante interação com o entorno, evolui e se adapta, num processo dinâmico, mudando as características de suas interconexões, em número e intensidade em função da experiência ou memória adquirida. Por exemplo, uma doença como o câncer, pode ser estimulada a se desenvolver (adubada) devido a nossa alimentação ocidentalizada altamente industrializada, com baixa qualidade nutricional para nossas células e também, pela má gestão das emoções que solapam nossas defesas imunológicas. 6. Aleatoriedade: algumas características do sistema são distribuídas ao acaso – podem depender das flutuações do meio (não previsíveis). A natureza não lê nossos tratados e manuais científicos ou sociais. Os recursos e as possibilidades do nosso corpo para fazer frente a uma doença como o câncer, ou qualquer outra, com frequência são subestimados ou ignorados pela ciência tradicional moderna. 7. Ordem emergente: os sistemas complexos se auto-organizam de maneira espontânea. A auto-organização pode ser considerada uma síntese das características que configuram o sistema complexo. Trata-se da emergência espontânea de novas estruturas e de novas formas de comportamento oriundos do fluxo constante de energia e matéria através do sistema, que o mantém afastado do equilíbrio. Ou seja, a marca registrada da auto-organização ocorre apenas em condições fora do equilíbrio. Há ainda que se considerar a interconexidade não linear dos componentes do sistema resultando em laços de realimentação que matematicamente são descritos por equações não-lineares. Seres vivos são autônomos, são auto-organizantes. Não se trata apenas de um conjunto de células que por sua vez são constituídas por um conjunto de moléculas. Trata-se de uma dinâmica molecular, um processo que acontece na molécula e nas classes de moléculas que compõe as estruturas celulares, em um interjogo de interações e relações que o especificam. Realizam uma rede fechada de trocas e sínteses moleculares que produzem as mesmas classes moleculares que a constituem, configurando ao mesmo tempo uma dinâmica que especifica em cada instante e seus limites e extensão. Trata-se de uma rede de produções de componentes, que resulta fechada em si mesma, porque os componentes que a produz também constituem ao gerar as próprias dinâmicas de produções que a produziu e ao determinar sua extensão como um ente circunscrito, através do qual existe um contínuo fluxo de elementos que se fazem e deixam de ser componentes segundo participam ou deixam de participar nessa rede – a auUAB| Ciências Naturais e Matemática | Introdução a Teoria da Complexidade |

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topoiesis. O ser vivo é, como ente, uma dinâmica molecular, não um conjunto de moléculas e o viver é a realização sem interrupção dessa dinâmica em uma configuração tal que as relações permitem um contínuo fluxo molecular. Viver é e existe como uma dinâmica molecular. Não é que o ser vivo utilize essa dinâmica para ser, produzir-se ou regenerar-se, mas que é essa dinâmica que de fato o constitui como ente vivo na autonomia do seu viver. (Maturana e Varela, 1997, p.16) 8. Hierarquia: quando um sinal, ou qualquer estímulo o atinge em determinada parte é tratado em níveis diferentes dependendo do grau de interação ou importância para o sistema. Exemplo simples é um sinal luminoso que atinge nossos olhos é tratado em diferentes níveis ao atingir nossa retina, até ser decodificado pelo cérebro como uma imagem. 9. Atratores: é uma situação ou um estado em para o qual os sistemas dinâmicos tendem a se estabilizar, exibindo geometria fractal – voltaremos a falar sobre este tema; 10. Histerese: o sistema pode manter sua estabilidade por algum tempo, numa certa “paisagem”, dependendo criticamente da sua história anterior; ou seja, o sistema apresenta uma tendência de conservar suas propriedades na ausência de um estímulo que as gerou. 11. Propriedades coletivas emergentes: são propriedades ou características qualitativamente novas que surgem a partir da multiplicidade de interações entre suas unidades, que por sua vez competem ou cooperam entre si. No caso do ser humano, uma propriedade emergente seria a aprendizagem e outra, por exemplo, a memória. 12. Estrutura fractal: sistemas complexos, são geometricamente fractais, ou seja, apresentam dimensionalidade fracionária, mas estamos acostumados a descrever o mundo a partir de formas geométricas euclidianas. Aprendemos na escola e na vida que nosso corpo e tudo o que tem altura, largura e comprimento (ou qualquer outra nomenclatura que designa três medidas lineares para descrever o objeto) é tridimensional. Assim como a descrição da medida de uma área ou superfície, é bidimensional e de uma linha é unidimensional. Contudo, nada na natureza é absolutamente tridimensional, cada forma naturalmente apresenta um desenho intrincado com orifícios, saliências, reentrâncias, sinuosidades e inúmeras irregularidades estruturais. Assim, qual é a forma geométrica que melhor descreve a natureza? Na década de 30 o trabalho de Kurt Goedel demonstrou que a matemática, tida como a mais exata das ciências, não pode ser considerada como absolutamente coerente e os conjuntos de teoremas até então desenvolvidos não estavam livres de falhas lógicas, diz ainda que, tal descoberta minimizou a perspectiva de que a matemática poderia oferecer um sistema exato e determinista para a ciência. A partir de então, esta área do conhecimento evolui incorporando uma visão mais probabilística do que exata, para descrever fenômenos naturais mais próximos do real e menos superidealizados. 30  | Ciências Naturais e Matemática | UAB


A

g e o m e t r i a f r a c ta l

A geometria fractal trata dos conjuntos ou estruturas fractais. Surge em meados dos anos 60 e 70 quando os primeiros atratores estranhos estavam sendo estudados. Os fractais são conjuntos cuja forma é extremamente irregular ou fragmentada e que têm essencialmente a mesma estrutura em todas as escalas. A origem do termo fractal, introduzido pelo francês Benoît Mandelbrot. Mandelbrot estudou uma gama de formas da natureza e concluiu que todas elas tinham algumas características comuns. Percebeu então que era necessário um novo tipo de matemática para descrevê-las e analisá-las, então introduziu o termo fractal proveniente do verbo latino fragere, que quer dizer quebrar, produzir pedaços irregulares; vem da mesma raiz fragmentar em português. Publicou seus resul- Figura 9 – Benoît Mandelbrot tados num livro que se tornou famoso e influenciou uma nova geração de matemáticos interessados em estudos dos sistemas complexos e caóticos - The Fractal Geometry of Nature. Vamos pensar um pouco sobre as formas da natureza na perspectiva de Mandelbrot: estamos acostumados a analisar formas da natureza na perspectiva euclidiana que nos permite de fato, fazer aproximações como por exemplo, o tronco de uma árvore que tem mais ou menos a forma de um cilindro; o sol no horizonte assemelha-se mais ou menos a um disco circular; os planetas que giram ao redor do Sol representados por esferas de superfície regular e órbitas mais ou menos comparáveis a elipses. Se pensarmos melhor, essas características são exceções, formas geométricas regulares, mesmo que aproximadas, não são regras. Mas como descrever uma montanha? Uma nuvem? Uma folha de samambaia? Um floco de neve? Uma nuvem é uma esfera? A folha de samambaia é um cone? Um trapézio? Como descrever geometricamente um rio? Talvez trechos de retas paralelas? Um relâmpago seria uma seta? Então, em se tratando de descrever formas da natureza, na perspectiva da Ciência da Complexidade, na busca da descrição e compreensão de sistemas complexos mais próximos do real, a geometria euclidiana parece-nos inadequada e a geometria fractal pode ser um caminho mais viável. Uma propriedade notável das formas da natureza ou fractais é que apresentam padrões característicos que se repetem em uma escala descendente, de modo que suas partes, em qualquer escala, guardam um formato, semelhantes ao todo. Mandelbrot chamou essa propriedade de “autossimilaridade”. Ao analisarmos, por exemplo, um pedaço de couve-flor, esse pedaço se parece exatamente com uma pequena couve-flor, guardando semelhança com o todo. Assim, cada pedacinho se parece com uma couve-flor em miniatura. A forma do todo é semelhante a si mesma em todos os níveis de escala. Se fizermos um exercício de observação, veremos que existem muitos outros exemplos de autossimilaridade na natureza: rochas em montanhas que guardam características similares a pequenas montanhas; ramificações de relâmpagos, ou bordas de nuvens, repetem o mesmo padrão muitas e muitas vezes; bifurcações de grandes rios

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formando progressivamente rios menores, cada uma delas mostrando arranjos semelhantes. As ramificações de uma árvore ou as ramificações repetidas dos nossos vasos sanguíneos podem exibir padrões de uma semelhança tão incrível que somos incapazes de dizer qual é qual. Segundo Capra, em seu livro The web of life, essa semelhança de imagens provenientes de escalas muito diferentes tem sido conhecida desde há longo tempo, mas, antes de Mandelbrot, ninguém dispunha de uma linguagem matemática para descrevê-la. Mas como calcular a dimensão de uma forma fractal? Não é tão dramático. Peguemos o exemplo da costa brasileira e perguntamos: “Qual é o seu comprimento”? Desde que o comprimento medido possa ser indefinidamente estendido se nos dirigirmos para escalas cada vez menores, não há uma resposta bem definida para essa pergunta. No entanto, é possível definir um número entre l e 2 que caracterize o «denteamento» ou a dimensionalidade do litoral. Para chegarmos lá, precisamos rever alguns conceitos: Lembremos que segundo a geometria que conhecemos, um objeto pode apresentar até 3 dimensões:

Objeto unidimensional (1D)

Objeto bidimensional (2D)

Objeto tridimensional (3D)

Podemos calculá-las aplicando o conceito geral de dimensionalidade: d = lim ε→0

Log Nε Log (1/ε)

Nε = quantidade de segmentos

ε = tamanho relativo de um segmento

O limite indica que a medida será mais precisa, quanto menor for o segmento. Dividimos os objetos acima em unidades proporcionais:

Então, as dimensões dos objetos acima serão d=1, d=2 e d=3, respectivamente. 32  | Ciências Naturais e Matemática | UAB


Vejamos mais exemplos: O conjunto de Cantor: Imagine uma tira de papel, divida-a em 3 partes e exclua a parte do meio e repita o processo várias vezes. Como calcular a dimensionalidade desse objeto final que com certeza será menor que 1?

ε Usando a equação para o cálculo da dimensionalidade temos que: ε = 1/3 Nε = 2 d= Log 2/Log3 d=0,63

Flo co

de neve de

K o ch

Figura 10 – Floco de neve de Koch

Para o calculo da dimensionalidade do perímetro do floco de neve de Koch, devemos considerar que pela semelhança de figuras planas, sabe-se que, se o lado de um polígono sofre redução de razão de 1/3, como se acrescenta 3 triângulos menores em cada lado de um triângulo maior, cada segmento de seu perímetro tem tamanho 1/3, sendo que se formam 4 segmentos. Assim: N=4

r = 1/3

}

DF =

Log 4 Log 3

≈1,26

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Pode-se observar ainda que o floco de neve de Koch possuiu autossemelhança exata, ou seja cada parte parece refletir o todo.

Ainda não respondemos a pergunta inicial: Qual é o comprimento da costa brasileira? Talvez a melhor resposta seja: Depende. Mas depende de quê? Depende do tamanho do meu barco… O comprimento da nossa costa depende de como é medido. Isto acontece porque o litoral, ao contrário do que estamos acostumados a pensar, não é uma linha regular. Assim, dependendo de como é medida, a costa de um país pode ter mil, cinco mil ou dez mil quilômetros!

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Vamos pensar na costa de um continente ou de uma ilha como a fronteira que separa a terra do mar. A primeira vista parece claro, num mapa, que essa fronteira é uma linha, ou seja, um objeto unidimensional que tem um comprimento bem definido, mas, ... Afinal, o que mais poderia ser? - Um fractal… Mandelbrot, definiu um número entre um e dois para dimensionalizar o comprimento da costa britânica, esse número é aproximadamente igual a 1,58; para a costa norueguesa, muito mais acidentada, ele mede aproximadamente 1,70. Esse número tem certas propriedades de uma dimensão, Mandelbrot o chamou de dimensão fractal. Fritjof Capra nos ajuda a entender explicando que: ... intuitivamente essa ideia compreende que uma linha denteada em um plano preenche mais espaço do que uma linha reta, que tem dimensão l, porém menos do que o plano, que tem dimensão 2. Quanto mais denteada for a linha, mais perto de 2 estará sua dimensão fractal. De maneira semelhante, um pedaço de papel amarrotado ocupa mais espaço do que um plano, porém menos do que uma esfera. Desse modo, quanto mais amarrotado e apertado estiver o papel, mais perto de 3 estará sua dimensão fractal. Web of Life, 1997

Esse conceito atualmente, é muito importante e poderoso para analisar a complexidade das formas fractais que regem os sistemas complexos. A modelagem das formas geométricas fractais que são muito semelhantes as que ocorrem na natureza guardam uma autossimilaridade precisa. A melhor técnica é a interação , ou seja a repetição incessante de certa operação geométrica. O processo da iteração, que nos leva à chamada “iteração do padeiro” ou “transformação do padeiro” característica matemática subjacente aos atratores estranhos. Uma das formas fractais mais simples geradas por iteração é a assim chamada curva de Koch, ou curva de floco de neve que vimos no exemplo anterior para o cálculo da dimensionalidade. A operação geométrica consiste em dividir uma linha em três partes iguais e substituir a seção central por dois lados de um triângulo equilátero, como é mostrado na Figura 10. Repetindo essa operação muitas e muitas vezes, e em escalas cada vez menores, é criada uma curva de floco de neve denteada. De maneira análoga, uma linha litorânea, a curva de Koch torna-se infinitamente longa se a iteração prosseguir ao infinito. Iterações geométricas computacionais realizadas repetidas vezes e em diferentes escalas produzem os chamados forjamentos (forgeries) fractais — modelos de plantas, árvores, montanhas, linhas litorâneas e tudo aquilo que manifeste uma semelhança espantosa com as formas reais encontradas na natureza. A Figura 11 mostra um exemplo de tal forjamento fractal. Iterando o desenho de uma simples vareta em várias escalas, é gerada a bela e complexa figura de uma samambaia. Figura 11 – Modelagem de uma linha litorânea com uma curva de Koch (à esquerda). Forgerie de uma samambaia (acima). Fonte: Garcia (1991) UAB| Ciências Naturais e Matemática | Introdução a Teoria da Complexidade |

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Figura 12 – Fractal.

Com essas novas técnicas matemáticas, os cientistas têm sido capazes de construir modelos precisos de uma ampla variedade de formas naturais irregulares, e, ao fazê-lo, descobriram o aparecimento extensamente difundido das fractais. Dentre todas essas, os padrões fractais das nuvens, que originalmente inspiraram Mandelbrot a procurar por uma nova linguagem matemática, são talvez os mais impressionantes. Sua autossimilaridade estende-se ao longo de sete ordens de grandeza, e isso significa que a borda de uma nuvem ampliada dez milhões de vezes ainda exibe a mesma forma familiar. Então, as principais propriedades que caracterizam e que permitem definir os conjuntos fractais são a autossimilaridade, que pode ser exata ou estatística, ou seja, o sistema é invariante mantendo a mesma forma e estrutura sob uma transformação de escala (que produz ou amplia o objeto ou parte dele); a extrema irregularidade no sentido de rugosidade ou fragmentação; possuir em geral, uma dimensão fractal não inteira. A dimensão fractal quantifica, de certo modo, o grau de irregularidade ou fragmentação do conjunto considerado. Os fractais são conjuntos definidos por certas propriedades matemáticas e, portanto, têm legitimidade como um conceito matemático coerentemente definido e correlacionado com outros.

Aco pl am ento

Figura 13 – Lynn Margulis Symposium.

estrutural

A interação entre os seres vivos, biosfera, geosfera, hidrosfera e atmosfera da Terra é um fenômeno complexo, cujos processos podem ser descritos em termos da Teoria da Complexidade. Pesquisas recentes como as da pesquisadora Lynn Margulis (1938 -2011) tem mostrado que a evolução das espécies obedece a processos de auto-organização e autorregulação. Enquanto Darwin vê na natureza o adaptacionismo e competição como aspectos mais fundamentais no processo evolutivo das espécies. Lynn Margulis defende a cooperação, fundamentada em estudos que culminaram com a elaboração da sua Teoria da Endossimbiose Sequêncial (SET), onde o conceito de Acoplamento Estrutural se torna fundamental. Para Margulis (2001), residimos em um planeta simbiótico. As células eucariontes que compõem todos os organismos pluricelulares, parecem ser resultado da fusão de diversos organismos, algumas dessas fusões ocorreram entre 1500 - 700 milhões de anos, quando um grande procarionte ou quem sabe um primitivo eucarionte fagocitou um pequeno procarionte. O organismo grande e o pequeno entraram em uma simbiose na qual ambos se beneficiaram. A partir de então, formas de vida cada vez mais complexas foram surgindo em nosso planeta sendo que a partir de suas necessidades de continuidade estabeleceram uma grande diversidade de relações. Seres vivos sentem fome, se alimentam, emitem sons, se reproduzem sexuada ou assexuadamente, cantam, dançam, brigam, lutam… Mas é a simbiose que possibilita a inovação, a permanência de determinadas espécies de indivíduos em detrimento de outras. A simbiogênese agrupa indivíduos diferentes para formar seres maiores, mais complexos.

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“As formas de vida simbiogênicas são ainda mais diferentes que seus “pais” dessemelhantes. Indivíduos estão sempre se fundindo e regulando sua produção. Eles geram novas populações que se tornam novos indivíduos simbióticos compostos por múltiplas unidades. Estes se tornam novos indivíduos em níveis maiores e mais abrangentes de integração. A simbiose não é um fenômeno limitado ou raro. Ela é natural e comum. Residimos num mundo simbiótico.” MARGULIS, 2001.

De alguma forma, os sistemas vivos interagem entre si e com o meio em que se inserem ou são inseridos, são interdependentes e estruturalmente dinâmicos. Por sua vez, a dinamicidade estrutural depende das características espaço-temporais. É justamente a compatibilidade entre o indivíduo e a estrutura do meio, perturbando-se mutuamente, desencadeando alternâncias, mudanças, mas de maneira não destrutiva, que se denomina acoplamento estrutural (MATURANA e VARELA, 2001). Segundo Maturana e Varela (2001) o acoplamento estrutural com o meio é uma condição de existência, abrange todas as dimensões das interações celulares. As células dos sistemas multicelulares normalmente existem em estreita junção com outras células, como meio de realização de sua autopoiese. Sistemas autopoiéticos4 são sistemas que continuamente especificam e produzem sua própria organização através da produção de seus próprios componentes. Tais sistemas são o resultado da deriva natural de linhagens nas quais se manteve essa junção. O acoplamento estrutural entre essas células leva uma junção tão íntima que elas acabam se fundindo levando a formação de um único corpo. Em síntese, podemos pensar que “auto” tem a ver com sistemas “auto-organizadores” e portanto autônomos no processo de organização de si mesmos e “poiese”, tem a ver com construção, logo “autopoiese” implica em auto-organização – seres humanos são seres autopoiéticos e máquinas não o são. A diferença entre organização e estrutura, talvez nos ajude a entender um pouco mais acerca do pensamento sistêmico. Maturana e Varela (1980) são precisos nessas distinções afirmando que a organização de um sistema vivo é o conjunto de relações entre seus componentes, caracterizando portanto o sistema como pertencente a uma determinada classe – como uma bactéria, uma rosa, um cão ou o cérebro humano. A descrição de uma organização é abstrata, se faz através de relações e não identifica os componentes envolvidos. Para eles, a autopoiese é um padrão de organização comum a todos os sistemas vivos, qualquer que seja a natureza de seus componentes. Já a estrutura de um sistema vivo é constituída pelas relações efetivas entre os componentes físicos. Concluem afirmando que “a estrutura de um sistema é a corporificação física de sua organização”. A organização de um sistema independe das propriedades dos seus componentes, de modo que uma dada organização pode ser incorporada de muitas maneiras por muitos tipos diferentes de componentes. Uma das formas de manifestação da Complexidade ocorre quando o grau de interação entre os vários componentes do sistema é suficientemente alto para que a análise dos sistemas em subsistemas não faça mais sentido. 4 Fundamentos epistemológicos de Humberto Maturana e Stephen Toulmin./Iramaia Jorge Cabral de Paulo; Marco Antônio Moreira. Cuiabá: UAB/UFMT, 2010.

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Segundo Maturana e Varela (2001), se simplesmente supomos que há um mundo que é objetivo e fixo, não será possível entender como funciona qualquer sistema em sua dinâmica estrutural, pois ele exige que o meio especifique seu funcionamento. Mas se não afirmamos a objetividade do mundo, parece que estamos dizendo que tudo é pura relatividade, que tudo é possível na negação de toda e qualquer legalidade. Vemo-nos então, diante do problema de entender como nossa experiência está acoplada a um mundo que vivenciamos como contendo regularidades que resultam de nossa história biológica e social. Ainda ressaltam que todo mecanismo na geração de nós mesmos – como descritores e observadores – nos garante enquanto seres viventes e nos explica que nosso mundo, bem como o mundo que produzimos em nosso ser com os outros, será precisamente uma mistura de regularidades e mutabilidade, essa combinação de solidez e areias movediças que é tão típica da experiência humana quando a olhamos de perto.

E x e m p l o d e E n d o ssi m b i o s e e Aco pl am ento Estrutur al Convoluta roscoffensis é um verme encontrado na maré baixa, nas superfície de piscinas aquecidas onde, com iluminação proporcionaram melhores condições de fotossíntese para sua simbionte Tetraselmis convolutae, uma espécie de alga verde. Hospedeiro fornece: • Abrigo contra predadores • Ambiente constante • Ótimas condições para fotossíntese (luz e CO2) • Nutrição N- componentes)

Simbionte fornece: • Açúcar e O2 – produtos de fotossíntese • Capacidade de adaptação em condições ambientais diversas. © Todas as fotos e informações gentilmente cedidas por: Arthur Hauck , Alemanha. Figura 15 – Fonte: http://www.rzuser.uni-heidelberg.de/~bu6/ con02.jpg. acesso em 08/10/2012.

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O I n s t i t u to

3

S an ta F é e a E co n o m ia co m o u m S is t e m a C o m ple xo de

A

década de 70 do século XX foi a época da constituição dos vários desenvolvimentos científicos voltados ao estudo de sistemas abertos e fora do equilíbrio, de forma a ser cogitado o surgimento de uma nova área de conhecimento: a Teoria da Complexidade. Muito contribuíram, nesse sentido, as obras de Ilya Prigogine, Prêmio Nobel de Química de 1977, e seus colaboradores (como Gregoire Nicolis), no estudo da termodinâmica do não-equilíbrio. Já, na década de 80, começaram a ser constituídos, nos países do primeiro mundo, departamentos e institutos especialmente dedicados ao estudo de sistemas complexos. Dentre eles, destaca-se o Instituto de Santa Fé, localizado na cidade de mesmo nome, no estado do Novo México, EUA. Foi uma iniciativa de diversos pesquisadores, entre os quais estavam três Prêmios Nobeis. Dois deles são conhecidos como os maiores nomes vivos das duas grandes áreas da Física: Murray Gell-Mann, da Física de Partículas, idealizador da teoria dos quarks, e Philip Anderson, da Física de Matéria Condensada. O terceiro foi um Prêmio Nobel de Economia: Kenneth Arrow (Waldrop, 1992). O que chama a atenção na criação desse instituto foram as questões de pesquisa que os impulsionaram para a constituição de um grupo de pesquisadores dedicados ao estudo de sistemas complexos. Foram questões que esses pesquisadores não encontraram resposta na ciência tradicional. Eis algumas delas (Waldrop, 1992): • • • • • •

Por que o combustível dos carros é a gasolina? Por que o design dos teclados é QWERTY? Por que a União Soviética colapsou repentinamente após décadas de estabilidade? Por que ocorrem esporadicamente extinções em massa? Por que o coração de todos os animais bate praticamente o mesmo número de vezes? Por que as pessoas valorizam a confiança mútua? UAB| Ciências Naturais e Matemática | Introdução a Teoria da Complexidade |

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Figura 16 – Máquina de escrever Remington Nº2, c. 1878. O primeiro modelo a ser comercializado em larga escala.

Trata-se de questões de investigação que chamam atenção pelo seu caráter peculiar. Normalmente, quando se pensava ciência até então, jamais se associaria indagações dessa espécie. Nem todas essas questões foram respondidas ainda, contudo o que se aprendeu a partir de algumas delas permite inferir algumas características importantes sobre os sistemas complexos. Com relação, por exemplo, à primeira questão, o pesquisador Brian Arthur, do Instituto de Santa Fé, descobriu que, no final do século XIX, a tecnologia a vapor para impulsionar charretes sem cavalos era confiável e estava em pleno desenvolvimento, enquanto que os motores de combustão eram vistos com desconfiança, pois a explosão de combustíveis parecia algo drástico e perigoso. Contudo, uma série de acontecimentos fez com que a tecnologia à gasolina sobrepujasse as demais. Um dos mais importantes foi o prêmio oferecido, em 1895, pelo jornal Times-Herald, de Chicago, ao ganhador de uma corrida entre charretes sem cavalos impulsionadas por diferentes tecnologias. Por um acaso, o ganhador foi um carro dotado de motor a explosão de gasolina (na verdade, foi um dos dois únicos a completar a corrida). Isso impulsionou as indústrias que se dedicaram a produção de veículos com essa tecnologia. Com relação aos teclados QWERTY (corresponde à sequência das teclas no lado esquerdo da linha superior), Arthur descobriu que o engenheiro Christopher Scholes desenhou a configuração do teclado, em 1873, com o objetivo específico de tornar seu uso o mais lento possível. Isso pode ser incompreensível dada nossa atual tecnologia de teclados eletrônicos, mas, na época, as primeiras máquinas de escrever imprimiam letras através de hastes que se chocavam no papel assim que a tecla era pressionada. Se o datilógrafo fazia o seu serviço muito rápido, as hastes simplesmente encavalavam, interrompendo o trabalho. Assim, o teclado foi desenvolvido para ser suficientemente lento para evitar que isso acontecesse. Contudo, com a produção em massa de máquinas com esse teclado, pela pioneira Remington, criou-se cursos de datilografia, profissionais habituados a essa configuração e toda uma cultura com base nesse layout. Assim, o desenvolvimento de novas tecnologias (como a máquina de escrever elétrica, com esfera de caracteres, e o próprio computador pessoal) não foi suficiente para a mudança do hábito já estabelecido. As demais questões apontadas não têm ainda respostas consensuais. Contudo, as perguntas, em si, já encerram algumas características que podem ser apontadas como particularmente relacionadas a sistemas abertos fora do equilíbrio. O que o colapso da economia soviética e o desaparecimento dos dinossauros têm em comum é a forma repentina com que ocorreram. Trata-se de transformações bruscas frente as taxas de variação típicas que esses sistemas apresentaram ao longo da sua história. No que diz respeito a ecossistemas, extinções em massa não aconteceram apenas há 65 milhões de anos, quando desapareceram os dinossauros. Uma diminuição ainda mais drástica na biodiversidade se deu há 250 milhões de anos atrás (extinção permo-triássica) que vitimou cerca de 96% das espécies marinhas. Tais eventos são um indício de que mudanças bruscas são características de sistemas complexos. Conforme o caso da União Soviética nos ensina, a economia é um

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sistema sujeito a tais alterações. Um estudo desse tema, assim, é importante na compreensão dos sistemas complexos. Na verdade, algumas noções básicas de economia nos permitem vincular a última questão destacada (sobre a confiança mútua) com as demais.

A

eco n om ia com ple x a

Como toda área de conhecimento, a economia possui algumas ideias gerais que se apresentam fundamentais para a descrição de sua dinâmica. Vamos destacar aqui três dessas ideias, mantendo o propósito de caracterizar os sistemas complexos.

1. A

l e i d a o f e r ta e d a p r o c u r a

O primeiro pensador a formular uma ideia geral no sentido de descrever o comportamento da economia foi o filósofo escocês Adam Smith (1723-1790). Na sua obra principal, A Riqueza das Nações, ele formula a famosa ideia da oferta e da procura, ou seja, os preços dos produtos seriam regulados pela oferta e procura. Se a oferta fosse grande, a tendência dos preços seria abaixar e se a demanda fosse grande, a tendência seria o encarecimento. Assim, Smith acaba estabelecendo as bases do assim chamado Liberalismo Econômico, o ideal filosófico que prega que o Estado deve ter uma participação mínima na economia, deixando-a livre para se autorregular. O tom otimista de sua obra faz pensar que Smith acreditava que realmente o mercado poderia se autorregular, levando à riqueza das nações, eximindo o estado de qualquer atuação na economia. É claro que essa ideia é compatível com a não estatização das empresas e com a iniciativa privada. Contudo, a história mostrou que a ideia da não participação do Estado no processo de regulação da economia é um empreendimento extremamente arriscado. O exemplo mais drástico disso foi a chamada Quebra da Bolsa de Nova York de 1929.

2. A

Figura 17 – Adam Smith, fonte: Wikipédia.

r e v o l u ç ã o k e y n e si a n a .

Em 1929, a economia americana, após décadas de crescimento vigoroso, entrou em colapso. Os EUA cresceram sob uma aura de ser uma terra de oportunidades e liberalismo, atraindo grande contingente imigrante. Esse contexto se deu com uma fraca participação do Estado na economia. Assim, a falta de regras para o mercado econômico, aliados a outros fatores, levou, nessa data, à falência de diversas empresas e a elevação brusca da taxa de desemprego. Tal crise também abalou a economia europeia, alcançando âmbito global. Ao mesmo tempo, a economia da União Soviética estava em pleno vapor, calcada sobre uma forte participação estatal. Concomitantemente, na Europa, sugiram teses econômicas que destacavam a importância do Estado assumir um papel regulador na economia. Talvez a mais importante dessas ideias tenha sido lançada pelo economista inglês John Maynard Keynes (1883-1946).

Figura 19 – John Maynard Keynes, fonte: Wikipédia.

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Além de defender uma participação do Estado na economia como agente regulador, Keynes ousou a defender que ele “deveria gastar o que não tem” para aquecê-la. Tal ideia era revolucionária para os adeptos da economia completamente liberal, regulada apenas pela lei da oferta e da procura e, se não fosse a crise, talvez as suas ideias fossem sumariamente rejeitadas. Contudo, em 1933, Flanklin Delano Roosevelt, ao assumir a presidência dos EUA, aplicou ideias semelhantes como remédio para a crise que se arrastava desde 1929. Assim, Roosevelt – diante de um grande contingente de adultos desempregados – criou grandes obras de infraestrutura (sem, às vezes, que houvesse necessidade da obra em si), como aeroportos, escolas, hospitais, pontes e represas, e passou a emitir títulos, convencendo a sociedade a confiar nesses títulos (um título seria uma espécie de cheque emitido pelo governo, garantindo ao seu portador que ele seria pago em espécie futuramente). Assim, passou a pagar desempregados com tais títulos, para que esses pudessem comprar comida. Desta forma, ele conseguiu reativar a economia americana, até ela se tornar novamente forte e robusta. Desde então, a economia americana deixou de ser puramente liberal, transformando-se numa economia mista, com preceitos liberais e preceitos estatizantes.

3. O

fat o r h u m a n o

Mais recentemente, no final do século XX, outras importantes descobertas foram incorporadas de maneira científica na área de conhecimento da macroeconomia: fatores que não dizem respeito propriamente ao mercado financeiro e produtivo, mas a características intrínsecas aos seres humanos. Nessa linha, dois importantes trabalhos se destacam: o do psicólogo israelense Daniel Kahneman, Prêmio Nobel de Economia de 2002 e o dos economistas judaico-germânico Robert Aumann e o americano Thomas Schelling, Nobel de 2005. Kahneman estudou a influência dos hábitos humanos sobre a economia. Demonstrou que a opção de alguém para adquirir um produto ou outro é influenciada significativamente pelo hábito, ou seja, simplesmente nos habituamos a comprar um produto e temos uma tendência a continuar a fazê-lo mesmo que aquele produto deixe de ser o melhor, ou o mais barato, ou seja, que ele tenha vantagens sobre o seu concorrente. De certa forma, esse resultado está relacionado à manutenção dos teclados QWERTY ou dos carros à gasolina durante o século XX. Já Aumann e Schelling estudaram as economias que se recuperaram significativamente depois de arrasadas por fenômenos como guerras, tal como a economia do Japão. Os resultados de suas pesquisas apontam que um dos principais fatores que levaram à recuperação econômica foram fatores humanos, como a cooperação e a confiança mútua. Suas pesquisas envolvem de maneira substantiva a Teoria dos Jogos, conseguindo demonstrar tais fatores, estabelecem estratégias mais eficientes em situações de disputa ou conflito. Em suma, o que esses três prêmios Nobel enfatizam é que o fator humano deve ser considerado na análise da economia e que fenômenos significativos de natureza 42  | Ciências Naturais e Matemática | UAB


econômica são influenciados ou mesmo gerados por esse fator. Um exemplo clássico disso é o famoso caso das tulipas holandesas. Em 1637, na Holanda, o mercado de tulipas atingiu o seu ápice. A valorização dessa flor, na Europa, vinha se dando gradativamente desde ao longo do século XVI, quando se transformou em símbolo social de bom gosto e aristocracia, pois as famílias mais ricas mantinham canteiros em suas residências. No início do século XVII, tratava-se de uma planta bastante procurada nos mercados. Assim, num quadro de maior demanda que oferta, os preços passaram a aumentar. Isso fez com que uma quantidade cada vez maior de pessoas se dedicasse ao cultivo e comércio da flor, o que oportunizou o surgimento de diversas empresas dedicadas a essas atividades. Assim, dentro de um horizonte de prolongado período de aumento do valor das tulipas, houve muitos oportunistas que viram na situação uma oportunidade de lucro. Na época, o sistema financeiro holandês já tinha várias características contemporâneas. Já existia uma espécie de banco central e uma bolsa de valores operava há cento e cinquenta anos. Com a valorização das tulipas, houve investimento especulativo em empresas e mesmo na compra direta de quantidades dessas plantas na bolsa, com um retorno robusto garantido. Assim, passou-se a comercializar em tulipas sem mesmo tocá-las. Houve, então, um processo de retroalimentação que fez com que o preço de uma única tulipa (um único bulbo, para ser mais preciso) chegou a valer o preço de um sobrado, em 1637. Mas, a partir de então, surgiu a inadimplência, gerada por compradores que encomendavam tulipas, mas que não tinham condições de pagá-las quando elas podiam ser entregues. A notícia de que aconteceram casos de tulipas que não foram vendidas se espalhou rápido, gerando pânico em seus vendedores, que haviam investido pequenas fortunas na sua produção. Possivelmente, as pessoas, algum dia, pararam para pensar porque estavam pagando tão caro por meras flores de curta durabilidade e, então, os preços despencaram e quantidades significativas dessas plantas encalharam. Numerosos investidores e empresas do setor faliram de um dia para o outro, num processo repentino, que os economistas chamam de “estouro da bolha”. Assim, tinha-se o fim do episódio das tulipas. Diversas características desse episódio histórico e de fatores enfatizados pelos economistas, tal qual descrito acima, são inerentes aos sistemas complexos de maneira geral. Essencialmente, os sistemas abertos fora do equilíbrio envolvem uma quantidade significativa de processos que fazem com que tais sistemas apresentem múltiplos estados de estabilidade. Processos internos de retroalimentação – como fatores humanos na economia - fazem com que as variáveis envolvidas podem mudar de valor de forma monótona, sempre ascendendo ou descendendo, durante períodos relativamente longos. Contudo, tais sistemas estão sujeitos a mudanças abruptas, transições de fase. A estabilidade do estado de um sistema pode ruir com a evolução das variáveis além de certos limites. O colapso do sistema dependerá de processos regulatórios internos. Na ausência desses processos, o sistema será frágil no sentido que poderá experimentar colapsos com maior probabilidade, tal qual uma economia puramente liberal. Processos regulatórios, por outro lado, como estabelecidos pelos preceitos keynesianos, podem dar maior estabilidade ao sistema. UAB| Ciências Naturais e Matemática | Introdução a Teoria da Complexidade |

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Um exemplo disso é a diversidade de tipos diferentes de proteínas que compõem os seres vivos na Terra. As proteínas são compostas por cadeias de cerca de 100 aminoácidos. Considerando que existem 20 diferentes tipos de aminoácidos, o número total de combinações possíveis, ou número total de possíveis tipos de proteínas, é da ordem de e300. Contudo, processos regulatórios bioquímicos, como a ação de genes regulatórios, fazem com que efetivamente “somente” se observe na natureza uma quantidade de diferentes proteínas da ordem de e300 (Nicolis e Prigogine, 1989).

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O s Tr ê s R eg i m e s

da

4

N at u r e z a

O

ponto de partida da Complexidade enquanto ciência é o estudo de sistemas abertos. Tais sistemas se caracterizam pela constante troca de energia, quantidade de movimento e matéria com o meio, encontrando-se, por isso, naturalmente fora do equilíbrio. A Complexidade se propõe a responder questões referentes a fenômenos não lineares e casos reais, não idealizados. A ciência cartesiana, de certa forma, “se negara”, vamos dizer assim, a tratar de casos não idealizados, admitindo, por exemplo, que o atrito é constante, que as forças que atuam num sistema são constantes, que os problemas em mecânica podem ser reduzidos à interação de apenas dois corpos, etc. De fato, o atrito depende das coordenadas do espaço, as forças que atuam nos sistemas são complexas e no Universo não existem dois corpos isolados. Na verdade, os casos em que os fenômenos podem ser considerados lineares correspondem a um pequeno número de fenômenos naturais. Fenômenos tais como os sistemas vivos, o clima da Terra, a aprendizagem, a sociedade, a economia, enfim, os fenômenos que fazem parte do cotidiano das pessoas não podem ser descritos em termos da ciência cartesiana. Mas são justamente esses fenômenos que são abordados pela Teoria da Complexidade. A fim de descrever minimamente o que vem a ser a Teoria da Complexidade, vamos iniciar por uma questão fundamental que vem sendo levantada, em termos físicos, pelos cientistas desde o advento da Mecânica Quântica, formulada por diversos pesquisadores, dentre eles Erwin Schroedinger [Capra, 1996, p.19]: O que é a vida? A ciência cartesiana não tem possibilidade de responder a essa questão, pois ela se propõe a tratar de casos próximos ao equilíbrio. Os sistemas vivos são sistemas abertos, ou seja, sistemas UAB| Ciências Naturais e Matemática | Introdução a Teoria da Complexidade |

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que trocam continuamente energia com o meio ambiente, e, portanto, não se encontram em equilíbrio termodinâmico – eles não podem ser tratados pela termodinâmica clássica. Os princípios gerais de uma “Termodinâmica do Não-Equilíbrio” foram estabelecidos por Ilya Prigogine [Prigogine, 1996; Nicolis and Prigogine, 1989], Prêmio Nobel de 1977, o qual consolidou “complexidade” como um termo científico. Sem abandonar as leis básicas da termodinâmica clássica, Prigogine estabeleceu os princípios gerais dos sistemas fora do equilíbrio. Ele demonstrou que sistemas fora do equilíbrio apresentam padrões dinâmicos de auto-organização. Assim, uma semente se transforma numa planta – que tem um formato, ou configuração, aparentemente “organizado”, porque o formato de planta é um padrão de auto-organização do sistema físico constituído por um conjunto de átomos de carbono (C), hidrogênio (H), oxigênio (O) e nitrogênio (N) organizados em moléculas orgânicas, ao qual chamamos de “planta”. O mérito de Prigogine foi ter demonstrado cientificamente que este é um processo natural e espontâneo. Como a planta é um conjunto de átomos mais organizado que sua forma precedente (antes de constituírem a planta, os átomos de C, H, O e N se encontravam em forma de gases na atmosfera – CO2, O2, N2 – e substâncias contidas no solo, portanto num grau de desorganização maior), Schroedinger (Op. Cit.) considerou que os sistemas vivos seriam sistemas “neguentrópicos”, ou seja, sistemas que violariam a Segunda Lei da Termodinâmica. Ao contrário, Prigogine demonstrou que os sistemas vivos obedecem à Segunda Lei: A entropia de uma planta é realmente menor, mas essa diminuição local de entropia é obtida às custas de um maior aumento de entropia do meio5. Os sistemas vivos são sistemas abertos com crítica interação com o meio. A auto-organização é um fenômeno pertinente não só aos sistemas biológicos, mas a praticamente todos os fenômenos naturais (e sociais). Para compreendê-lo melhor, podemos imaginar uma experiência simples: Tomemos duas placas planas paralelas mantidas a temperatura constante T1 e T2, com T1 ≠ T2, contendo, entre elas, algum fluido – água, por exemplo [Nicolis and Prigogine, 1989, p.8]. Se a diferença entre T1 e T2 estiver abaixo de um certo valor crítico (TCA), a água conduzirá calor entre as duas placas de maneira relativamente suave: vamos dizer que o calor se difunde através da água. Contudo, se a diferença de temperatura for maior que TCA , um formidável padrão de auto-organização aparecerá: a água passará a se mover na forma de redemoinhos regulares, todos com aproximadamente o mesmo tamanho e um ao lado do outro: são as chamadas células de Bénard [Op. Cit., p.11]. Contudo, se a diferença de temperatura for elevada acima de outro valor crítico, TCB > TCA , as células de Bénard desaparecerão, dando lugar a um regime turbulento em que o movimento da água não obedecerá a nenhuma regularidade perceptível. Esse regime pode ser denominado como “regime caótico”.

5. Mesmo se colocarmos um feijão num algodão molhado dentro de uma redoma de vidro sem contato com o exterior, o pé de feijão nascerá, o que implica numa diminuição da entropia do sistema físico constituído pelo interior da redoma. Contudo, esse sistema não é isolado. A luz penetra na redoma. A planta absorve fótons com comprimento de onda menor (visível) que aqueles que ela emite (infra-vermelho). Assim, ele tem que emitir uma maior quantidade de fótons que absorve (por uma questão de equilíbrio de energia), consequentemente aumentando a entropia do Universo (ver Lovelock, 1995, p.21).

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Figura 21 – Foto de células de Bénard produzidas num frasco circular, fonte: openlandscapes.zalf. de.

Figura 20 – Células de Bénard. Em a, mostra-se um corte transversal com o movimento do fluido entre as placas quente (embaixo) e fria (em cima). Em b, o movimento do fluido em perspectiva e, em c, os vetores representando a velocidade do fluido. Figura retirada de Nicolis e Prigogine, 1989.

A regularidade das células de Bénard é surpreendente, uma vez que, ao montar o experimento, não se tomou nenhum cuidado especial para produzi-las. Comportamento semelhante é observado em outros fenômenos tais como os tornados. O exemplo mais célebre talvez seja o da mancha de Júpiter: um redemoinho maior que a Terra surpreendentemente estável. As células de Bénard, portanto, se constituem num padrão de auto-organização do sistema físico constituído pelas placas e água. A auto-organização é um fenômeno que ocorre entre dois extremos de regimes de comportamento: O caos ( T > TCB) e a ordem (T < TCA ). Um outro exemplo bastante elucidante sobre esse tema é o da simulação teórica de ecossistemas. Os biólogos desde há algumas décadas descrevem a população (número de indivíduos) de um ecossistema pela chamada equação logística [Gleick, 1990, p.67]: Ni+1 = λNi(1 – Ni) Onde Ni é o número de animais ou plantas do ecossistema num tempo ti e Ni+1 num instante de tempo posterior. λ é a constante característica (chamada de parâmetro de controle) do sistema que depende da taxa de produção de alimentos, necessidade de consumo de alimento de cada animal ou planta, taxa de natalidade e mortalidade, etc. Através de um computador, ou mesmo máquina de calcular, pode-se encontrar, em função de λ, através da equação logística, a quantidade de indivíduos existentes num tempo infinito, N∞, ou seja, após um tempo longo, o que torna possível dizer se a população vai se estabilizar num certo número ou não. O resultado, bastante conhecido

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na literatura, é reproduzido na figura abaixo:

N∞

λ1

λ2

λ

Nesta figura, observa-se que, quando λ é menor que um certo valor λ1, existe um valor definido para N∞ para cada valor diferente de λ. Isso significa que é possível prever qual será a população após um longo período de tempo. Dessa forma, podemos dizer que, nessa condição, o ecossistema se encontra num regime determinístico no qual vale o pensamento cartesiano (e toda a ciência clássica) de que os sistemas são previsíveis. Contudo, para valores de λ maiores que λ1, após um longo período, a população do ecossistema pode se estabilizar em diversos valores discretos, não sendo possível se prever qual. Nessa condição, pode-se dizer que o sistema está num regime quântico, sendo no máximo possível se dizer qual a probabilidade de ocorrer cada valor possível de N∞. Já se λ é maior que λ 2, o sistema se encontra no regime caótico, em que não é possível qualquer predição, nem em termos probabilísticos. O termo quântico utilizado aqui para designar o regime intermediário não é utilizado no mesmo sentido que na Mecânica Quântica. Para alguns autores, “quântico” significa “planckiano”, ou seja, um fenômeno que se diferencia do clássico por envolver algum fator em que a constante de Planck (h) desempenha um papel relevante. Aqui, utilizamos o termo no sentido de designar fenômenos que apresentam caráter probabilístico, não-determinístico, não-linear e, por vezes, acausal e não-local. A passagem do sistema de um regime para outro é conhecido como transição de fase. Um processo no qual, segundo a Teoria da Complexidade, ocorre o fenômeno de bifurcação [Nicolis and Prigogine, 1989 , p.71]. Conforme pode ser visto na figura acima, para valores crescentes de λ, os valores possíveis de N∞ se duplicam numa progressão geométrica 2 → 4 → 8 → 16 → ... até atingir um número tão incrivelmente grande de valores possíveis que caracteriza o caos. Embora a equação logística seja uma expressão aplicável a um número restrito de fenômenos, o seu resultado no que se refere à possibilidade de existência dos três regimes parece ser universal. A própria formação das células de Bénard parece compatível

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com esse princípio, uma vez que, para uma pequena diferença de temperatura, o fluido permanece macroscopicamente parado (uma condição definida) e, para uma diferença de temperatura bastante alta, o fluido se torna turbulento – um regime caótico. Já, para uma diferença de temperatura um pouco acima do valor crítico, as células aparecem. Contudo, uma determinada célula poderia, em princípio, girar no sentido horário ou no sentido anti-horário, portanto, teríamos duas possibilidades, que corresponderiam a dois ramos na figura acima gerada pela equação logística. Conforme a diferença de temperatura assume valores maiores, outras células aparecem, correspondendo a um maior número de possibilidades de rotação no sentido horário e anti-horário, o que corresponde às outras bifurcações. Outro exemplo dos três regimes da natureza é a característica das atmosferas dos três principais planetas rochosos do sistema solar: Vênus, Terra e Marte. Tais planetas são semelhantes em tamanho e composição (embora Marte tenha a metade do diâmetro da Terra). A principal diferença entre os três é a distância até o Sol. Em função disso, as atmosferas dos três se encontram em regimes completamente diferentes (ver figura 22).

A

B

C

Figura 22 – Fotos dos três principais planetas rochosos do Sistema Solar. A de Vênus (A) é permanentemente turbulenta (regime caótico). A da Terra (B) está num regime intermediário (quântico), condição essa que é típica da existência da vida. A atmosfera de Marte (C) tem poucos ventos e se encontra praticamente estática (regime determinístico).

A atmosfera de Marte, que está mais distante do Sol, recebe pouca energia. Assim, com uma densidade de energia baixa, ela se apresenta praticamente parada, contando com poucos ventos, o que caracteriza um regime quase determinístico. Já Vênus é o oposto. Situando-se numa menor distância ao Sol, sua atmosfera recebe uma quantidade relativamente alta de energia, o que garante o regime caótico próprio de uma atmosfera em permanente movimento turbulento. Já a atmosfera da Terra se encontra numa situação intermediária – nem tão turbulenta quanto a de Vênus, nem tão estática quanto a de Marte. Seria uma atmosfera no regime intermediário (quântico). Os sistemas no regime quântico, ou seja, entre a ordem e o caos, se constituem no objeto de estudo da Teoria da Complexidade. A maioria dos fenômenos dinâmicos ocorridos na Terra, incluindo a vida, estão nesse regime. UAB| Ciências Naturais e Matemática | Introdução a Teoria da Complexidade |

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O

que é

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E q u i lí b r i o ?

T

alvez um dos conceitos mais difíceis de serem assimilados na Teoria da Complexidade seja o conceito de equilíbrio. Isso se deve ao fato de que essa teoria considera tal conceito de forma diferente da ciência tradicional. Na Física, por exemplo, e mais especificamente na Mecânica, considera-se que uma balança estacionária, contendo um objeto de mesmo peso em cada prato, está em equilíbrio. Contudo, na Teoria da Complexidade isso não pode ser considerado. Na Complexidade, a condição de estacionalidade, ou seja, algo que não se modifica com o tempo, não é suficiente para que o sistema possa ser dito em equilíbrio. Porém, podemos recorrer a uma noção intuitiva para formular uma definição de equilíbrio que seja válida na Teoria da Complexidade. Normalmente, associamos o equilíbrio a uma condição natural do sistema. Se jogamos uma pedra para cima, esperamos que ela caia e pare no chão. Assim, dizemos que a pedra parada no chão é a condição de equilíbrio para essa situação. Da mesma forma, o equilíbrio, dentro dessa linha de raciocínio, seria a condição que esperaríamos do sistema quando ele parasse de mudar, ou a condição que ele estaria após esperarmos um tempo razoavelmente longo. Poderíamos utilizar essa definição na Complexidade se não fosse um pequeno (mas de grande importância) fato: um sistema pode parar de evoluir e ficar num estado estacionário, mesmo muito antes de atingir o equilíbrio. Por exemplo, poderíamos criar uma situação artificial que impedisse um objeto lançado para o alto cair novamente no chão. Se carregarmos uma bola de isopor positivamente e forrarmos o chão com uma placa também carregada positivamente, haverá uma força de repulsão entre a bola e a placa, consequentemente, a bola poderia ficar flutuando a alguma distância no chão. Assim, a altura da bola estaria em estado estacionário, contudo, a condição de equilíbrio ainda seria o chão, ou seja, a bola poderia ser mantida artificialmente fora do equilíbrio. UAB| Ciências Naturais e Matemática | Introdução a Teoria da Complexidade |

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Mas não são somente fatores artificialmente criados que podem manter um sistema fora do equilíbrio durante algum tempo. Fatores naturais também são capazes disso. Talvez o exemplo mais gritante disso seja a própria atmosfera terrestre. Sua composição é basicamente constituída de gás nitrogênio (N2) – 78% - e gás oxigênio (O2) – 21%; contendo uma fração inferior a 1% de outros gases como o CO2. Tal composição é bastante estável e perdura por cerca de três bilhões de anos (Lovelock, 1979). Contudo do ponto de vista químico, a composição da atmosfera deveria ser bem diferente: como o oxigênio é bastante reativo quimicamente, a concentração de oxigênio deveria ser de menos de um por cento do total. Já outros gases, principalmente o dióxido de carbono (CO2), que são pouco reativos, deveriam ser predominantes. As atmosferas de Vênus e Marte, por exemplo, são compostas por cerca de 95% de CO2. Conforme veremos adiante, o que mantém a atmosfera terrestre longe do equilíbrio químico é a presença da vida. Retrocedendo à definição de equilíbrio, a condição de equilíbrio químico da atmosfera seria aquela que seria atingida se cessassem outros fatores que não a própria reatividade química. No caso, se a vida cessasse. Se a vida na Terra se extinguisse, a quantidade de oxigênio iria diminuir gradativamente até menos que 1%, enquanto que a de gás carbônico iria aumentar até cerca de 95%. Contudo, uma vez que o equilíbrio depende de diversas variáveis, é necessário distinguir várias formas de equilíbrio: • Equilíbrio químico: é estabelecido quando a concentração de substância atinge valores que seriam esperados dada a sua reatividade química. • Equilíbrio cinético: depende da velocidade do sistema ou objeto. Para um objeto que se move ao longo de um meio, espera-se que, em algum momento ele pare. Assim, o equilíbrio cinético é atingido quando a velocidade do objeto é a mesma do meio (o objeto está parado em relação ao meio). • Equilíbrio térmico: é atingido quando a temperatura de um sistema se iguala à do meio, uma vez que as Leis da Termodinâmica estabelecem que energia deve fluir de um sistema ao outro, quando em contato térmico, até que suas temperaturas se igualem. • Equilíbrio estrutural: é atingido quando o sistema perde totalmente a sua estrutura, uma vez que é esperado que o tempo degrade a estrutura de um sistema. Assim sendo, um sistema estaria em equilíbrio quando todas as suas formas de equilíbrio são atingidas. Vamos voltar ao exemplo da balança de pratos. Um feirante pode fazer com que os pratos atinjam o mesmo nível, deixando-a dessa maneira. Pode colocá-la em algum lugar isento de vento de forma que os pratos se mantenham estáveis durante um longo tempo. Contudo, se considerarmos um espaço de tempo suficientemente grande, a balança deve começar a enferrujar, se for feita de metal, ou se decompor, se for feita de madeira ou outro material orgânico. Mesmo se for feita de plástico, este material se 52  | Ciências Naturais e Matemática | UAB


enrijecerá e se esfarelará. Consequentemente, a balança ruirá, espontaneamente. Portanto, o sistema não estará em equilíbrio. O equilíbrio somente será atingido quando a balança desaparecer, ao longo, talvez, de milhões de anos, tornando-se indistinguível do meio. Dentro dessa definição de equilíbrio, pode-se compreender que nada no Universo está nesse estado. O equilíbrio seria o estado final das coisas. Contudo, poderíamos nos perguntar para que serve um conceito que não é aplicável aos fatos e fenômenos conhecidos. Na Teoria da Complexidade, esse conceito serve como uma referência para a caracterização dos sistemas que são estudados nessa área de conhecimento. Uma das propriedades mais importantes desses sistemas é o quão distantes estão do equilíbrio. Tomemos como exemplo os sistemas vivos, mais especificamente um ser humano. O corpo humano pode ser considerado um sistema fora do equilíbrio sob vários aspectos. Primeiro, o corpo humano não está em equilíbrio térmico com o meio. O corpo humano é um sistema homeostático, o que quer dizer que sua temperatura interna é regulada, ficando próxima de 36°C. Na Teoria da Complexidade, é dito que os sistemas homeostáticos estão em estado estacionário e não em equilíbrio. O equilíbrio térmico seria atingido quando a temperatura interna do organismo ficasse a mesma do meio externo, mas isso somente é atingido com a morte do sistema. Do ponto de vista químico, o corpo humano também está bastante longe do equilíbrio. No interior do organismo são concentradas substâncias químicas diversas, em diversificadas partes do corpo, numa concentração bastante diversa daquela encontrada no meio externo. Por exemplo, o cálcio se concentra nos ossos, o iodo na tireoide e o ferro no sangue, de forma que o organismo funciona como um grande separador químico. Mais uma vez, para que essas concentrações sejam aquelas esperadas de acordo com as suas reatividades químicas, é preciso que o corpo esteja morto. Mesmo assim, o equilíbrio químico somente seria atingido vários anos após a morte (o cálcio dos ossos demoraria muito tempo para voltar à natureza na sua forma original). Assim sendo, para que o corpo humano atinja o equilíbrio é necessário, em primeiro lugar, que ele morra. Após a morte, ainda seriam necessárias várias horas para que entrasse em equilíbrio térmico com o meio e, conforme se compusesse, vários anos para atingir o equilíbrio químico e estrutural (quando “ao pó retornasse”). Mas como um organismo homeostático pode manter a temperatura interna em estado estacionário longe do equilíbrio térmico? Vamos presumir que a temperatura ambiente seja inferior a 36°C. Segundo a Termodinâmica, o calor (ou energia) flui de um corpo mais quente para um mais frio, quando em contato térmico. Assim, seria de se esperar que o organismo perdesse calor até atingir a temperatura do meio. Para que isso não aconteça, é necessário que a perda de calor seja compensada por alguma fonte de energia, que suprisse a perda. A perda, na Teoria da Complexidade, pode ser chamada de fluxo de saída. Desta forma, o fluxo de saída deve ser compensado por um fluxo de entrada de energia, para compensar a perda de calor devido à diferença de temperatura com o meio externo. No caso de um ser humano, o fluxo de entrada corresponde ao processo de extração de energia dos alimentos e o fluxo de saída, à perda de UAB| Ciências Naturais e Matemática | Introdução a Teoria da Complexidade |

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calor. Para um adulto mediano, a quantidade de energia diária perdida equivale à ordem de 2500 kcal (quilocalorias), o que corresponde a aproximadamente 100 W (Watts). Desta forma, pode-se dizer que são os fluxos que mantêm o sistema longe do equilíbrio (a palavra “longe” não está sendo utilizada aqui denotando distância física, mas no sentido de “muito diferente”). Essa é uma característica básica dos sistemas estudados pela Teoria da Complexidade: trata-se de sistemas abertos. “Abertos” significa que o sistema é caracterizado pela existência de fluxos de entrada e saída (ver figura 23). Os fluxos podem ser constituídos por matéria, energia ou quantidade de movimento.

Figura 23 – Caracterização de um sistema aberto, explicitando os fluxos de entrada e saída.

Utilizando-se tais conceitos, pode-se, de fato, expressar uma definição bastante precisa do que é a Complexidade:

Complexidade

é a ci ê n ci a q u e e s t u d a o s sis t e m a s a b e r t o s .

Desnecessário é dizer que a Complexidade estuda os sistemas fora do equilíbrio, pois os sistemas abertos têm iminentemente essa característica. O estudo dos sistemas abertos, através de um arcabouço teórico específico para isso, é recente na ciência. A ciência acadêmica desenvolvida entre os séculos XVI e XX teve como objeto de estudo os sistemas isolados (aqui, utilizaremos os conceitos de sistema isolado e sistema fechado como sinônimos). Os sistemas isolados podem ser considerados como sistemas próximos do equilíbrio, já que, se os fluxos forem interrompidos, o sistema tende ao equilíbrio. Tal postura da ciência acadêmica tradicional é condizente com a filosofia estabelecida por Francis Bacon (ver seção Antecedentes Históricos). Por exemplo, o que mantém a atmosfera fora do equilíbrio químico é a existência de fluxos. Neste caso específico, os fluxos são o fluxo de entrada de oxigênio e o fluxo de saída correspondente à captura de carbono, o que é realizado, na sua maior parte, pelas cianobactérias marinhas e, em menor escala, pelos ecossistemas vegetais quando estão em expansão, ambos através do processo de fotossíntese (Lovelock, 1979). Se as cianobactérias se extinguissem, gradualmente, a atmosfera retornaria ao equilíbrio, ou seja, o oxigênio ali presente, por ser muito reativo, desapareceria do ar, reagindo com os sólidos, e, gradualmente, a matéria orgânica em decomposição teria como consequência o aumento do dióxido de carbono na atmosfera.

Entropia

e

Auto - O rganiz aç ão

Na ciência tradicional, há uma grandeza que pode medir o estado de equilíbrio de um sistema: a entropia. De um ponto de vista informal, a entropia pode ser tida como 54  | Ciências Naturais e Matemática | UAB


o grau de desorganização de um sistema. Sabemos que os sistemas naturais tendem a ficar bagunçados. Por exemplo, em nossas casas, nos quartos das crianças, parece que os objetos facilmente atingem um estado de desorganização, enquanto que a organização exige certo esforço pessoal. Podemos dizer que é muito mais fácil bagunçar do que arrumar. O mesmo pode se dizer de uma xícara que cai e se quebra – o exemplo mais tradicional para se ilustrar o conceito de entropia – o que acontece quase espontaneamente, enquanto que restaurar a xícara a partir dos cacos é um processo muito mais custoso. A entropia, S, é uma grandeza que, na Termodinâmica, é utilizada para medir o grau de desorganização de um sistema. A tendência de um sistema ficar cada vez menos organizado é formalizada pela chamada Segunda Lei da Termodinâmica, que expressa:

A

e n t r o p i a d e u m sis t e m a is o l a d o s e m p r e t e n d e a a u m e n ta r .

Contudo, há processos espontâneos naturais que parecem desafiar esse princípio. Considere, por exemplo, um terrário feito de paredes de vidro. Coloca-se em seu interior terra molhada e uma semente. Em seguida, fecha-se o terrário. A semente germina e dá surgimento a uma planta (ver figura 24).

A

B

Figura 24 – Terrário contendo uma semente que germina (A). Planta desenvolvida após certo tempo (B).

Se analisarmos em que situação o sistema está mais organizado, se no início, com a semente a germinar (A), ou no final, com a planta desenvolvida (B), verificaremos que o estado mais organizado será o B, ou seja, a entropia do sistema diminuiu espontaneamente. Essa conclusão se deve ao fato de que os átomos que compõem a planta, em B, estão estruturados na forma de moléculas orgânicas que, organizadas, dão forma à planta. Tais átomos, em A, estão espalhados no interior do sistema (ar e terra). Os átomos de carbono, por exemplo, em A, estão na forma de dióxido de carbono difuso no ar, ou seja, na forma de moléculas de gás, que têm velocidade e trajetórias aleatórias no ar, um estado muito mais bagunçado. Então, estamos diante de um caso em que a entropia de um sistema diminui espontaneamente. Tal fato parece contrariar a Segunda Lei da Termodinâmica, contudo, devemos nos perguntar se o sistema está de fato isolado. Mesmo vedando o vidro que constitui o envoltório do terrário, ainda assim o sistema não pode ser considerado UAB| Ciências Naturais e Matemática | Introdução a Teoria da Complexidade |

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isolado pois existem fluxos de energia, na forma de radiação, cruzando as fronteiras do mesmo. Para que a planta cresça é necessária a entrada de luz. Para entender o que acontece com a entropia no caso de sistemas como o terrário, vamos, agora, considerar um sistema realmente isolado. O único sistema isolado que podemos imaginar é o próprio Universo. Considerando que o Universo é a soma de tudo o que existe, tudo o que é mensurável pela ciência, ele deve ser considerado isolado pois não existe nada além dele e, portanto, não pode haver fluxos de entrada ou saída. Assim, podemos nos perguntar o que aconteceu com o Universo, ao longo de sua existência em termos de organização. E para responder a essa pergunta, é necessário recorrer ao modelo científico da história do Universo: o Modelo do Big Bang. Conforme visto no fascículo Origem do Universo, ele se originou de uma explosão (Big Bang), que faz com que esteja permanentemente se expandindo até hoje, com as galáxias se afastando umas das outras. Só existem dois tipos de coisas no Universo: radiação e matéria. Matéria é tudo o que tem massa, ou seja, os átomos e partículas e as substâncias constituídas por eles. Radiação não tem massa. Exemplos de radiação são a luz, as radiações infravermelha e ultravioleta, microondas, raios-X e ondas de rádio. No início, o Universo era apenas energia radiante, constituída de partículas gama, com uma temperatura superior a dez bilhões Kelvin. Contudo, 0,0001 segundos após o Big Bang, surgiu a matéria, na forma dos primeiros quarks, prótons e nêutrons, quando a temperatura estava na casa de um bilhão de graus. O Universo, então, foi se expandindo e esfriando. Três minutos após o Big Bang, com uma temperatura de 108 K, surgiram os primeiros núcleos e, três horas depois, os primeiros átomos (107 K). Assim, com o passar do tempo, átomos formaram moléculas que, pelas forças eletromagnéticas e da gravidade, se juntaram, formando as substâncias, as rochas e, numa escala mais ampla, os planetas, estrelas e sistemas solares, de tal forma que, três milhões de anos após o Big Bang, surgiram as primeiras galáxias. Ao ter todo esse quadro em mente, nos deparamos com o mesmo processo da planta que cresce no terrário: a matéria se organizou em estruturas cada vez maiores, ou seja, a entropia diminuiu. Contudo, isso seria uma violação frontal da Segunda Lei da Termodinâmica, se não fosse um detalhe: nem só de matéria é feito o Universo. Assim, para de fato saber se a entropia do Universo aumentou ou diminuiu com o tempo, é necessário se saber o que aconteceu com a radiação. Conforme já comentado, logo após o Big Bang, o Universo era preenchido de radiação gama. Com o tempo, essa radiação se transformou. Transformou-se em raios-X, depois em radiação ultravioleta, depois visível, depois infravermelho e finalmente, seguindo o espectro eletromagnético, nos dias de hoje é a radiação de microondas que preenche o espaço sideral. Contudo, a radiação também carrega entropia. A entropia da radiação é tão maior quanto maior for o seu comprimento de onda (ver fascículo Origem do Universo). Isso acontece porque a energia do Universo é sempre a mesma e, sendo que cada fóton carrega uma quantidade de energia proporcional a sua frequência (inversamente proporcional ao seu comprimento de onda), radiação de um maior comprimento de onda, 56  | Ciências Naturais e Matemática | UAB


como microondas, corresponde a um número muito maior de fótons que a radiação gama, por exemplo. Quanto maior o número de fótons que se deslocam aleatoriamente através do espaço, maior a entropia. Desta forma, a entropia da radiação aumentou enormemente ao longo da história do Universo, numa taxa muito mais alta que a diminuição da entropia da matéria. Consequentemente a entropia total do Universo é crescente, de forma coerente com a Segunda Lei da Termodinâmica. Agora, podemos retornar ao caso da planta crescendo no terrário. Observa-se que, no processo, a matéria no interior do terrário se organiza. Mas, para saber o que ocorre com a entropia, devemos verificar o que acontece com a radiação. É claro que, para a planta crescer, é necessário um fluxo de entrada de energia na forma de radiação visível (que pode ser a radiação solar). Contudo, qualquer substância sólida, líquida ou gasosa que esteja na temperatura ambiente emite radiação infravermelha, de acordo com a Lei de Wien (ver fascículo Origem do Universo). Dessa forma, temos que o sistema absorve luz visível e emite para fora radiação infravermelha. Como a entropia desta última é bem maior, temos que o processo de crescimento de uma planta no terrário contribui também para o aumento de entropia do Universo, embora a entropia interna do sistema diminua. Da mesma forma que a planta no terrário, os processos dinâmicos naturais, incluindo os que envolvem a vida, ocorridos na Terra, resultam na emissão de radiação infravermelha e o aumento da entropia do Universo. Esse fato está relacionado com o efeito estufa global. Em síntese, pode-se dizer que, embora a Segunda Lei da Termodinâmica estabeleça que a entropia dos sistemas tende a aumentar, é possível que, em determinadas situações, a entropia interna de um sistema diminua espontaneamente. Esse processo foi denominado, pelo Prêmio Nobel em Química, Ilya Prigogine, de auto-organização (Nicolis and Prigogine, 1989).

Auto - O rganiz aç ão

c o r r e s p o n d e à d i m i n u i ç ã o e s p o n tâ n e a d a

e n t r o p i a i n t e r n a d e u m sis t e m a .

Finalmente, pode-se indagar que fatores provocam tal diminuição espontânea da entropia interna, que agente provoca a auto-organização? A análise do que ocorre com a entropia do Universo, feita anteriormente, ilustra de forma objetiva quais são esses fatores. Nesse caso, é possível observar claramente que o fator que faz com que as rochas se juntem formando planetas, sistemas solares e galáxias é a força gravitacional. E o que faz com que átomos sejam constituídos e se juntem formando moléculas é a força eletromagnética. Assim, pode-se afirmar que os agentes da auto-organização são as forças naturais. São também as forças eletromagnéticas que atuam na constituição da planta a partir da semente. Assim, no quadro geral do Universo, temos que os processos naturais ocorrem na tensão entre dois fatores antagônicos: de um lado está a Segunda Lei da TermodinâUAB| Ciências Naturais e Matemática | Introdução a Teoria da Complexidade |

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mica, que faz com que os sistemas fiquem cada vez mais desorganizados; de outro, as forças naturais, que tendem a organizar os sistemas.

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E s paço

de

6

Fa s e

C

onforme já comentado, a Teoria da Complexidade procura compreender os fenômenos dinâmicos não em termos de causa e efeito, numa perspectiva temporal em que a causa precede os efeitos, mas utilizando a tetravisão, concebendo os fenômenos como uma estrutura. Na prática, isso pode ser obtido através de uma representação gráfica que chamamos de espaço de fase, que se constitui num gráfico multidimensional em que os eixos são as variáveis do sistema. Nessa representação, o tempo não corresponde a algum dos eixos, mas a cada ponto do gráfico correspondente. Desta forma, a representação gráfica representa todos os instantes de tempo numa única imagem. Para exemplificar esse processo, vamos considerar um pêndulo rígido, constituído por uma barra rígida presa numa de suas extremidades, de forma a poder oscilar (ver figura 25). Vamos considerar a energia de uma pequena região da extremidade inferior da barra, tendo uma massa m. Pode-se escrever a energia mecânica dessa região de massa m como a soma das energias cinética e potêncial, ou seja: E = 1 mv2 + mgh 2 Onde v é a velocidade dessa região, h a altura que está em relação ao chão e g a aceleração da gravidade. Contudo, pode-se reescrever essa expressão em função do ângulo θ representado pela barra em relação à vertical e a sua velocidade angular, ω: Figura 25 – Pêndulo rígido. UAB| Ciências Naturais e Matemática | Introdução a Teoria da Complexidade |

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E = 1 ml2 ω2 + mgl(1-cosθ) 2 Onde, se l é o comprimento da barra, v = lω e h = l(1 - cosθ). Se considerarmos o caso idealizado em que não há processos dissipativos como o atrito, a energia é constante. Como o comprimento da barra e a massa m também são constantes, as únicas variáveis do sistema são ω e θ. Assim sendo, teremos um espaço de fase bidimensional. Se, agora, colocarmos essas duas variáveis nos eixos de um gráfico, atribuindo valores para ω e θ, veremos uma figura característica da dinâmica desse sistema (ver figura 26). ω

θ Figura 26 – Figura no espaço de fase de um pêndulo simples sem variação de energia (sistema isolado).

A figura se parece uma elipse, embora não o seja exatamente. É possível observar que, na amplitude máxima (θ máximo), ω é nulo (o pêndulo para durante um mero instante na amplitude máxima), enquanto que, quando θ é nulo (ponto mais baixo) a velocidade do extremo inferior do pêndulo é máxima (ω máximo). Mas a característica mais importante dessa figura é a sua forma como um circuito fechado. Tal característica indica a existência de um ciclo, ou fenômeno cíclico. No caso do pêndulo esse ciclo é claro, pois há uma oscilação com período característico. Contudo, é um resultado geral da Teoria da Complexidade que, uma vez que é encontrado um circuito fechado em qualquer que seja o espaço de fase, existe algum fenômeno cíclico. Contudo, o exemplo dado é apenas uma idealização, visto que, em sistemas reais, a energia interna não é constante. Assim, podemos verificar como seria a figura no mesmo espaço de fase no caso de existência de atrito, quando a energia E diminui. Nesse caso, a amplitude atingida pelo pêndulo diminui a cada oscilação, o mesmo acontecendo com sua velocidade. Assim é esperado que, gradativamente, ω e θ assumam valores cada vez menores, de forma que a figura no espaço de fase seria da forma: x2 λ<0 x1 Figura 27 – Figura no espaço de fase de um pêndulo rígido com atrito (sistema aberto).

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T(t+12h)

É importante observar que, no caso em que o atrito faz com que a energia do pêndulo se dissipe, não importa quais são as condições iniciais do sistema (θ e ω iniciais), o estado final sempre será o mesmo, em θ e ω nulos, no centro do espaço de fase. Na Teoria da Complexidade, quando o estado final do sistema é o mesmo não importando as condições iniciais, é dito que a condição final é um atrator. No caso do pêndulo com atrito, o estado final corresponde a um ponto do espaço de fase (θ e ω nulos), então o atrator é dito pontual ou de ordem zero. Contudo, diversos fenômenos naturais têm como estado final um ciclo. Se esse ciclo for um ciclo simples, que se fecha sobre si mesmo, diz-se que o atrator é de ordem um. Se o espaço de fase tiver mais dimensões, ou seja, se o fenômeno depender de maior número de variáveis, o atrator pode ser de maior ordem. Por exemplo, fenômenos que dependem de três variáveis devem ser vistos num espaço de fase tridimensional. Nesse caso, pode existir atratores de ordem dois. Um atrator desse tipo é caracterizado por um ciclo duplo fechado, correspondente a dois períodos distintos. Um exemplo de fenômeno natural que se aproxima dessa característica é a órbita da Terra ao redor do Sol. É conhecido que o período de translação da Terra é de um ano, contudo, a posição que o planeta está após um ano é ligeiramente diferente do anterior. Isso se deve principalmente à variação da excentricidade da órbita da Terra (que atualmente é mínima: 0,017). O período de variação da excentricidade é de 100.000 anos (ver, por exemplo, http://astro.if.ufrgs.br/fordif/node8.htm). A composição dos dois movimentos (translação e variação da excentricidade) corresponde a um atrator de ordem dois (na verdade, há outros movimentos, como a precessão do periélio, com um ciclo de cerca de 22.000 anos, que caracterizaria um atrator de ordem três). Assim sendo, é possível a existência de atratores multidimensionais. Contudo, a maioria dos fenômenos naturais admite atratores cuja dimensionalidade não é inteira. Na verdade, com o desenvolvimento da subárea da matemática conhecida como geometria fractal, o conceito de dimensionalidade foi estendido, de forma a admitir valores não inteiros. Os atratores cuja dimensionalidade é não-inteira são denominados atratores estranhos. Os atratores estranhos comumente se apresentam, no espaço de fase, como ciclos borrados, ou seja, um conjunto de linhas que passam próximos de onde se localizaria um atrator de ordem inteira, mas seguindo diversas trajetórias. Um exemplo é a temperatura, caracterizada pelo ciclo diário. Na figura 28 é mostrado o atrator de temperatura medida sobre uma floresta de transição no norte de Mato Grosso num período de seca, construído por uma técnica especial cuja descrição foge dos objetivos deste fascículo.

Figura 28 – Atrator da temperatura sobre

) T(t

uma floresta de transição no norte de Mato Grosso (Capistrano, 2007).

6h) T(t+

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T r a n si ç õ e s

d e fa s e

Outro fenômeno observável no espaço de fase é o fenômeno de transição de fase. Tal fenômeno corresponde a uma mudança qualitativa (geralmente abrupta) experimentada pelo sistema. Pode-se obter um exemplo concreto de transição de fase retornando ao caso do pêndulo rígido. Conforme descrito, quando o pêndulo oscila com uma energia especifica, a figura no espaço de fase se assemelha a uma elipse. Contudo, se a energia for aumentada, a elipse será maior. Assim sendo, poder-se-ia alimentar o sistema com uma fonte externa de energia de forma a ter elipses cada vez maiores. Esse processo, no entanto, tem um limite. A partir de certo valor crítico, o pêndulo não mais oscilará, mas sim rotacionará. Esse limite corresponde à energia que leva o valor máximo de θ a 180° ou π radianos. Assim, se ultrapassarmos esse limite, o sistema experimentará uma transição de fase e seu movimento mudará qualitativamente, de uma oscilação para uma rotação. É interessante notar que, nesse caso, também teremos uma bifurcação, como no caso das células de Bénard, pois haverá duas possibilidades de rotação: no sentido horário e no anti-horário. Adicionalmente, a figura no espaço de fase correspondente à rotação é bastante diferente daquela correspondente à oscilação (ver figura 29). Hyperbolic points (saddle) Rotation

S e pa

ratri

x

Vibr ation

Separat

π

ri x

Rotation Elliptic point (center)

Figura 29 – Espaço de fase representando o pêndulo-rotor, para diversos valores de energia. Para energias pequenas, a figura no espaço de fase se assemelha a elipses. Para energias acima de certo valor crítico, as figuras correspondem a linhas que oscilam em torno de uma reta horizontal (Nicolis and Prigogine, 1989).

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O P e n sa m e n to S is t ê m ico

N

ão se pode falar em teoria da complexidade sem a concepção do pensamento sistêmico que surge como uma teoria ainda embrionária em meados do século XX, com o advento da Física Contemporânea - mais especificamente a Mecânica Quântica e a Teoria da Relatividade, que revolucionam os conceitos físicos, fortemente alicerçados na mecânica newtoniana eminentemente determinista. Thomas Kuhn em sua obra, Teoria das Revoluções Científicas fala que, no curso da história humana, os paradigmas são alternados e reformulados, o que constitui o próprio desenvolvimento científico6. Hoje podemos citar como principais paradigmas dentro da Física: a Física Newtoniana que dominou de 1700 a 1900, a Teoria da Relatividade, a Física Quântica que surgiram nas primeiras décadas do século XX e Teoria da Complexidade que nasce a partir da década de setenta. Segundo Capra (1996), na mudança do pensamento mecanicista para o pensamento sistêmico, a relação entre as partes e o todo foi invertida. A ciência cartesiana acreditava que em qualquer sistema complexo o comportamento do todo podia ser analisado em termos das propriedades de suas partes. Mas, a ciência sistêmica mostra que os sistemas vivos não podem ser compreendidos por meio da análise fragmentada. As propriedades das partes não são propriedades intrínsecas, mas só podem ser entendidas dentro do contexto do todo maior. No início do século XX, os físicos assistiram a “queda” da Física Newtoniana e o nascimento do paradigma relativístico. Nos séculos XVI e XVII, a visão de mundo medieval, baseada na filosofia aristotélica e na teologia cristã, foi substituída pela noção do mundo como uma máquina. Essas mudanças foram proporcionadas pela Revolução Científica, que teve como grandes mentores Copérnico, Galileu, Descartes, Bacon e Newton, (CAPRA, 1996).

6. Fundamentos epistemológicos da contemporaneidade: Thomas Khun e Gaston Bachelard/Iramaia Jorge Cabral de Paulo, Irene Cristina de Mello. Cuiabá: UAB/UFMT, 2009.

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A ciência moderna começou no final do século XVI com Galilei (1564–1642). Por volta de 1610, seus experimentos e o uso da linguagem matemática para formular as leis da natureza consolidam o método científico com ênfase na experimentação, onde a medição tem papel fundamental. René Descartes (1596 – 1650), com o pensamento analítico, proporciona uma visão compartimentalizada e fragmentada da ciência consolidando um modelo de universo funcionando como um relógio que pode ser entendido se compreendermos cada uma de suas partes. A análise lógica, isenta e experimental constitui as bases de seu novo método científico. Também foi ele o grande responsável por mesclar a álgebra e a geometria resultando em um ramo específico da matemática: a geometria analítica. No século XVII, Isaac Newton (1643-1727) usou o cálculo infinitesimal para descrever todos os movimentos possíveis de corpos sólidos em termos de um conjunto de equações diferenciais: “as equações do movimento de Newton”, como ficaram conhecidas (ALMEIDA, 2005). Newton nos trouxe o determinismo, no qual fenômenos são entendidos a partir de causa e efeito, isto é, prevemos o futuro e voltamos ao passado com as equações Newtonianas. Com o sucesso das equações de Newton, o mundo era uma máquina perfeita, previsível, sem indeterminação, e o tempo, absoluto. A visão mecanicista de Newton e Descartes permeou todas as áreas do conhecimento e afetou todo pensamento da sociedade em seus diversos segmentos, um mundo governado por leis físicas e matemáticas exatas. Assim, nesse contexto, a ciência tem como fundamentos os pressupostos racionalistas de René Descartes, para a qual os fenômenos naturais podem ser compreendidos racionalmente, e na dinâmica determinista de Isaac Newton, com os sistemas sendo descritos isoladamente, tendo como metodologia os estudos feitos em laboratório, mantendo diversas variáveis sob controle (o método científico). Os sistemas que têm as variáveis sob controle são os chamados sistemas isolados, ou seja, sistemas em equilíbrio e que têm como característica a previsibilidade, a causalidade e seu comportamento descrito por leis determinísticas (PAULO, 2002). Existiram vários movimentos anticartesianos dentro das diversas áreas de conhecimento. Uma das primeiras e mais evidentes oposições ao determinismo data dos séculos XVIII – XIX com o chamado Romantismo, que começa a se manifestar dando ênfase aos aspectos humanos ligados aos sentimentos, o homem na óptica romântica é movido pela paixão, pelo querer. É de William Blake (1757-1827), poeta e pintor inglês a frase que pode caracterizar este movimento: “Deus possa nos proteger da visão única e do sono de Newton.” CAPRA,1996.

Mecânica Quântica se estabeleceu como um importante tópico da Física a partir da primeira metade do século XX. Em resumo, podemos dizer que a Mecânica Quântica, descreve os fenômenos relacionados ao mundo atômico, que eram desconhecidos até o século XX. A observação do mundo microscópico mostrou que interação entre 64  | Ciências Naturais e Matemática | UAB


sujeito e objeto interfere na medida a que estamos estudando, é legítimo que o mundo microscópico, segundo a interpretação de Copenhagen se torna imprevisível e a incerteza uma das peças fundamentais do universo. Assim a Mecânica Quântica descreve os sistemas à luz da probabilidade. Existem diversas interpretações da Mecânica Quântica, mas nos referimos aqui a interpretação de Copenhagen pela sua consistência conceitual e por que nela está enfatizado o papel do observador no processo de obtenção de medidas e interação com outros sistemas. É a interpretação que mais enfatiza a relação sujeito/objeto. “...os dados obtidos em diferentes condições experimentais não podem ser compreendidos dentro de um quadro único, mas devem ser considerados complementares, no sentido de que só a totalidade dos fenômenos esgota as informações possíveis sobre os objetos.” BOHR, 2000.

Assim sendo, a interpretação de Copenhagen pode despertar e levar a discussão do papel de nossas ações e nossa consciência no mundo que nos cerca (PAULO, 2006). Na arte moderna, Jackson Pollock (1912-1956) foi um dos destaques, desenvolveu uma técnica de pintura, criada por Max Ernst, o ‘dripping’ (gotejamento), na qual respingava a tinta sobre suas imensas telas, formando padrões comparados a configurações encontradas na natureza. Várias áreas do conhecimento começam a perceber que tanto as relações humanas como os fenômenos da natureza se constituíam em sistemas abertos não sendo possível estudar suas partes separadamente. Assim começa a nascer o pensamento sistêmico. A Biologia foi uma das primeiras áreas a olhar a natureza com uma perspectiva sistêmica. Uma abordagem recente, a Teoria da Endossimbiosse Sequêncial (SET) da pesquisadora Lynn Margulis advoga que a evolução não depende somente da adaptação da espécie ao meio, mas que também os seres vivos modificam o meio no processo. Darwin já havia introduzido a aleatoriedade na biologia com seu trabalho baseado na hipótese que na reprodução, a progênie não nasce com as mesmas características dos pais, mas com pequenas variações que são produzidas aleatoriamente, o que esquiva de uma perspectiva Figura 30 – Jackson Pollock pintando tela (a) e a direita a pintura “Full fathom five (1947)” de Pollock. Fonte: www.theartstory.org. determinista (MARGULIS, 2002). UAB| Ciências Naturais e Matemática | Introdução a Teoria da Complexidade |

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A figura 30 é uma reprodução obra “Endosymbiosis: Homage to Lynn Margulis”, realizada pelo artista Shoshanah, apresentada em março de 2012 no Symposium - University of Massachusetts Amherst entitled “Celebrating a Life in Science: In Memory of Lynn Margulis”.

Figura 30 – Reprodução da obra “Endosymbiosis: Homage to Lynn Margulis”, realizada pelo artista Shoshanah em março de 2012.

Complexidade

não é

C aos

Uma estrutura se forma durante as transições de fase fora do equilíbrio. Já as condições que levam a transições de fase empurram o sistema até um comportamento cooperativo dos microprocessos, o que definitivamente não ocorre no caos. Tomando como exemplo a formação das células de Bénard, ao aumentar a diferença de temperatura, aumenta-se também o fluxo de calor que permeia o fluído, contudo, para isso a condutibilidade térmica já não basta. Para aumentar a capacidade de transporte é necessário uma regulação rigorosa de fluxos opostos, o que acaba levando o sistema a estabelecer um movimento convectivo, durante o qual o movimento das moléculas é mais ordenado do que ocorre durante a condutividade térmica. Um quadro análogo se observa nos lasers. No regime subcrítico cada átomo absorve energia de bombeio e emite um fóton aleatoriamente. Quando a potência de bombeio supera o valor crítico começa a predominar a eleição e amplificação de determinado grupo de “fótons orientados”. Como resultado do comportamento cooperativo dos átomos e do campo de radiação (fótons), se inicia a emissão de laser coerente. Tanto a geração do movimento convectivo das células de Bénard quanto a emissão coerente dos lasers são exemplos típicos de estruturação, nos quais ocorre uma alta coo66  | Ciências Naturais e Matemática | UAB


peração do ponto de vista molecular. Pode-se inferir que quando a energia do sistema é inferior ao ponto de instabilidade transição de fase (instabilidade?!) as moléculas estão distribuídas de um modo arbitrário. Em seguida à transição de fase, a energia se manifesta, ao menos parcialmente, como a energia de movimento macroscópico regulado. Vale ressaltar que, no estado de equilíbrio termodinâmico, a probabilidade de que um número de moléculas se organize espontaneamente em fluxo regular é desprezível. O sistema pode formar estruturas ordenadas de alta cooperação apenas se as condições exteriores (gradiente de temperatura, campo de radiação) mantiverem-no fora do equilíbrio. Assim, a auto-organização do sistema está relacionada com a formação de uma estrutura mais complexa que a estrutura primária. E por incrível que pareça, mesmo raciocinando em termos cartesianos admitimos que esta transição está acompanhada de uma diminuição de simetria. O que permite extrapolar para a consideração de que a ordem é incompatível com a simetria. Se tomamos, por exemplo, um espaço vazio, este é inquestionavelmente simétrico: qualquer ponto é semelhante a qualquer outro, e não há qualquer ponto onde exista a diferença alguma entre as distintas direções. O surgimento de alguma estrutura faz diminuir imediatamente a simetria, como se verifica no exemplo das células de Bénard, aonde o surgimento das células hexagonais conduz a que nem todos os pontos do espaço e nem todas as direções sejam equivalentes. As regularidades gerais dos processos de auto-organização em sistemas de distinta natureza são objetos de estudo da Complexidade e não do Caos. Entram aqui processos irreversíveis dos sistemas fora do equilíbrio. Para ressaltar as diferenças entre complexidade e caos, pode-se utilizar o famoso exemplo da bola de bilhar numa mesa sem caçapas. Imagine que essa bola tenha certa energia cinética, então trafega pela mesa chocando-se contra as bordas. Imagine também que absolutamente não haja atrito, de forma que a velocidade da bola nunca diminuirá, permanecendo eternamente com a mesma velocidade. Vamos imaginar também que o choque contra as bordas seja absolutamente elástico, de forma a não alterar a velocidade de deslocamento, mas somente a direção. Esse caso foi exaustivamente estudado por pesquisadores do Caos desde meados do século XX. É uma situação em que as Leis de Newton são perfeitamente aplicáveis, de forma que se pode afirmar que o movimento da bola é perfeitamente determinístico. O que os pesquisadores do caos estudam é o que acontecerá com a bola após um número muito grande de colisões contra as bordas, mediante pequenas variações na velocidade inicial ou da direção de propagação inicial da bola. O que se descobriu é que, mesmo que as variações de velocidade e direção iniciais sejam mínimas, haverá grande diferença na posição e direção da bola num tempo grande no futuro, de tal forma que, se houver pequena incerteza nas condições iniciais, haverá grande imprevisibilidade no futuro, mesmo sendo absolutas e deterministas as leis que regem o movimento. Tal fenômeno foi denominado Caos Determinístico, e a condição em que há grande imprevisibilidade a partir de uma pequena incerteza inicial, sensibilidade às condições iniciais. Tais objetos de estudo ocuparam os esforços de grande parte dos pesquisadores de caos nas últimas décadas, estudando outros sistemas determinísticos. Descobriu-se, por exemplo, que equações não lineares são caracterizadas pelo caos determinístico e sensibilidade às condições iniciais. UAB| Ciências Naturais e Matemática | Introdução a Teoria da Complexidade |

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Contudo, tais termos não são aplicáveis na Teoria da Complexidade. Em primeiro lugar, a Complexidade estuda sistemas abertos e não sistemas idealizados. No caso da bola na mesa de bilhar sem caçapas, poder-se-ia até mesmo reduzir o atrito da bola com a mesa a um mínimo, tomando-se uma bola metálica lisa e bastante pesada, contra uma mesa plana e lisa, também feita de metal. Contudo, na Complexidade, a chave do comportamento da bola não estaria nas Leis de Newton que descreveria o movimento, mas sim na interação da bola com as bordas. No caso real, a bola trocaria energia e quantidade de movimento com as bordas. Faria barulho na colisão e emitiria calor. Ou seja, a perda de energia seria inevitável. Assim, o sistema se caracterizaria como um sistema complexo, um sistema aberto, cuja característica fundamental seria o fato de ser dissipativo. Para saber o que aconteceria com a bola no futuro, seria preciso conhecer muito bem na natureza da interação da bola com as bordas. Contudo, mesmo sem conhecer essa natureza, é possível inferir uma situação completamente diferente daquela estudada na Teoria do Caos. Na situação real, haveria exportação de entropia a partir do sistema. Como existe uma conexão entre entropia e informação, significa que o sistema perderia informação, ou seja, devido à interação com as bordas, a bola “esqueceria” as suas condições iniciais. Esta é uma característica básica dos sistemas complexos, principalmente os auto-organizantes: eles exportam entropia e informação. Por exemplo, se colocarmos um pêndulo real (ou seja, um sistema aberto), para oscilar, após um tempo suficientemente longo, saberemos que estará parado. Então, se voltarmos a olhar para ele, verificando o seu estado de repouso, não poderemos saber o que aconteceu com ele no passado, ou seja, não é possível inferir, a partir de um pêndulo parado, o que aconteceu com ele no passado. Da mesma forma, se levamos um susto, nosso coração pode passar a bater de forma diferente do normal. Contudo, após algum tempo, o ritmo cardíaco voltará ao normal. Assim, a partir da observação desse estado, não será possível inferir que a pessoa levou um susto no passado. Também não é possível inferir que em tal data alguma pessoa teve febre a partir da medida de sua temperatura atual. Ou seja, os sistemas complexos “esquecem”. É claro que eles também podem guardar informação por um tempo relativamente longo. Nosso código genético pode guardar a informação do que somos fisicamente durante toda uma vida, mas, quando morremos, as moléculas de DNA se degenerarão algum dia. Fósseis podem guardar informações durante centenas de milhões de anos, mas perderão essa informação em bilhões de anos. Os sistemas complexos “esquecem” e, portanto, não faz sentido o termo “sensibilidade às condições iniciais”. Também não faz sentido o termo caos determinístico porque as equações determinísticas determinam apenas parcialmente o que acontece com um sistema aberto. A outra parte é regulada pelas interações do sistema com o seu entorno que, a nível fundamental, microscópico, são regidas pela imprevisibilidade quântica, descrito pelo postulado quântico do colapso da função de onda.

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R e f e r ê n ci a s B i b l i o g r á fic a s Capi s t r a no, V. B (2 0 0 7 ). A n á l i s e d e s é r ie s temp or a i s d e v a r i á v ei s m ic ro c l i m atológ ic a s me d id a s em Si nop -M T ut i l i z a ndo a Te or i a d a C omple x id a d e . D i s s e r t a ç ã o d e Me s t r a do. Pó s- Gr a du a ç ã o em F í s ic a A mbie nt a l . Un i v e r s id a d e Fe d e r a l d e M ato Gro s s o. Capr a , F. (19 9 6). A Te i a d a V i d a . Cu lt r i x . S ã o Pau lo. G a rc i a , L . (19 91). T he Fr a c t a l E x plor e r. D y n a m ic P r e s s . S a nt a Cr u z , Ca l i for n i a . G o e t he , J.W.(2 0 0 9). A D o u t r in a d a s C o re s . E d . Nov a A le x a nd r i a . S ã o Pau lo. Hou gh s on , J. (2 0 0 2) - “T h e Ph ysi c s o f A t m osph e re s ” Ca mbr id g e Un i v e r s it y P r e s s , Ca mbr id g e . Ju n g , C .G. (19 6 4). O Ho m e m e se u s S ím b ol os . E d . Nov a Frontei r a , R io d e Ja nei ro. L e w i n , R . (19 94). C o m ple x i d a d e . A v i d a n o limite d o c a os. R o c c o. R io d e Ja nei ro. L ov e lo c k , J. (19 79). T h e Age s o f G a i a . Joh n Wi le y, Ne w York . M a r g u l i s , L . (2 0 0 2). P l a ne t a Si mbiót ic o. D e b ate . Ba rc e lon a , E s p a ñ a . M at u r a n a , H . e F.J.Va r e l a (19 9 7 ). D e M á q u i n a s e S e r e s Vi v o s . A r te s Mé d ic a s . Por to A le g r e . Nic ol i s , G. a nd I . P r i g og i ne (19 8 9). E x pl o r ing C o m ple x it y. W. H . Fr e em a n . Ne w York . Nu s s e n z v ei g H . M . (2 0 0 8). C o m ple x i d a d e & C a os . E d itor a U F R J. R io d e Ja nei ro. Ó s ip ov, A . I . (2 0 0 3). C a os y A u to o r ga niz a c i ó n . E d itor i a l U R S S . Mo s c ou . Pau lo, 2 0 0 2 . Pau lo, 2 0 0 6 . S e r v a n-S c h r eib e r, D. (2 0 0 7 ). A nt i c â n ce r. Font a n a r. R io d e Ja nei ro. T hu h n , T. S . (19 62): A E st r u t u ra d a s R e v ol u çõ e s C i e nt íf i c a s - E d itor a P r e s p e c t i v a , S . Pau lo. Wa ld rop, M . M . (19 93). C o m ple x it y . T h e e m e r g ing sc i e n ce a t th e e dge o f o rd e r a n d ch a os. Touc h s tone . Ne w York . W h it t a k e r, E . (19 6 0). A h i s tor y of t he t he or ie s of a e t he r a nd e le c t r ic it y. H a r p e r Torc hb o ok s . Ne w York .

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