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12 • Público • Domingo, 3 de Fevereiro de 2019
SOCIEDADE
Joziana só sonha regressar ao Brasil e “começar tudo de novo” Os brasileiros são a maior comunidade imigrante em Portugal mas também os que mais recorrem ao programa de apoio ao retorno voluntário da Organização Internacional para as Migrações. Às vezes, o sonho torna-se um rol de despesas Reportagem Joana Gorjão Henriques Joziana de Sena, 34 anos, e Wolner de Oliveira, 32, estão juntos desde 2000. Tinham acabado de comprar uma casa na cidade de Governador Valadares, em Minas Gerais, através de um programa social quando um tio dela, imigrado em Portugal, lhes começou a falar da vida à portuguesa. Dizia-lhes: “Vem para cá, o trabalho para o Wolner aqui é bom, eu recebo vocês, ele pode começar comigo nas obras” de construção civil. Depois de algumas conversas por Whatsapp com o tio, com promessas de “mundos e fundos”, Joziana desafiou Wolner: “Vamos. Vamos dar um jeito.” Para terem dinheiro para a viagem, e por causa do plano de emigrarem, venderam as coisas todas que tinham — incluindo os móveis, que estavam “novinhos”, e o carro. Ficou para trás ainda o posto de trabalho de Wolner de Oliveira numa agência funerária, onde estava havia dois anos. Vinham em busca de uma mudança de vida, queriam “educar melhor” os três filhos: Wagner com 11 anos, Enzo com cinco e Bernardo com dois. “O que a gente não teve queria dar aos nossos filhos: uma escola melhor. As escolas aqui são melhores.” Joziana e Wolner não tinham a ilusão de que iriam ficar ricos mas queriam também ter “qualidade de vida”. Eles, mas também muitos mais brasileiros, têm essa ambição: embora o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) não revele ainda dados concretos sobre o número de brasileiros que viviam em Portugal em 2018, deu ao PÚBLICO a indicação de que houve um “aumento significativo” em relação a 2017 — quando já se tinha registado uma subida de 5,1%, sendo mais de 85 mil. No consulado do Brasil não se faz
Imigrantes em Portugal que pediram apoio da Organização Internacional das Migrações para regressarem aos seus países de origem INSCRITOS
399
Brasileiros
Outras nacionalidades
616 355
279 190
Total 525
378
2014
2015
EMBARQUES
Brasileiros
437
244 2016
2017
195
2014
243 2015
2018
Outras nacionalidades
345 Total 412
684
232 52 66 2016
Fonte: Organização Internacional das Migrações
registo destes dados, mas sabe-se pelo número de atendimentos — que passaram de 300 para mais de 760 por dia — que há uma maior procura. Por exemplo, é indicativo o facto de ter mais do que duplicado o número de pedidos do certificado de registo criminal, documento necessário para obter a regularização, passando de 13.673 em 2017 para 31.129 em 2018, ainda antes da eleição de Jair Bolsonaro em finais de Outubro. Só que nem tudo corresponde ao imaginado. A 6 de Agosto de 2018, Joziana e Wolner saíram do Brasil. E mal chegaram o trabalho prometido para Wolner não aparecia. “Ele [o tio de Joziana] ia enrolando.” Ficaram uns quatro dias na casa dele, e aí sentiram que ele se estava “a tentar” encostar no casal. “Eu tinha vindo com um dinheirinho para não depender dele”, diz Joziana de Sena. Comove-se, começa a chorar. “Não calhou bem. A gente veio nesse intuito e por ele ser meu parente
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353 380
2018 PÚBLICO
para mim foi... foi acabar com a minha família. A gente vai ter que começar tudo de novo no Brasil.” Wolner de Oliveira acabou por conseguir um trabalho numa roulotte de comida, que andava por vários sítios, gerida por um brasileiro que o dispensou ao fim de quase três meses, pois, segundo diz, não queria fazerlhe contrato de trabalho. Acabou inclusivamente por não lhe pagar a totalidade do salário, dando apenas 240 euros, quando a renda de casa que pagavam na altura era de 350 euros. “Ficámos em dívida com a senhoria. Bate o desespero, estar num país que não se conhece e ficar em dívida.. O Enzo saiu da escola e ficou devendo um mês de comida”, lamenta a mãe, chorosa. No Brasil, Wolner era agente funerário, com trabalho fixo e um ordenado que dava para sustentar a família. Fazia “um pouco de tudo”, desde atendimento aos familiares do defunto, a “mexer em preparação de corpo”, motorista
Brasileiros são os que mais recorrem ao apoio a
O
s brasileiros foram, em Portugal, os que mais recorreram ao apoio da Organização Internacional para a Migrações (OIM) ao longo dos anos — em 2018, representaram 90% das 684 inscrições totais, constituindo ainda 93% dos 380 migrantes que regressaram. E é justamente o estado de Minas Gerais aquele que mais está representado nestes retornos, com a cidade de Governador Valadares — a
mesma de Joziana e Wolner — a ter grande expressividade, afirma Luís Carrasquinho, ponto focal para o Apoio ao Retorno Voluntário e à Reintegração da Organização Internacional para a Migrações (OIM) em Portugal. Olhando para os dados de pedidos e regressos, os números variam de ano para ano. Em 2013, por exemplo, houve mais de mil inscritos, 790 desses eram do Brasil — houve 692 embarques, desses, 593