Questions of matter in Architecture

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“É absurdo pensar que o único meio de saber se um

poema é imortal seja aguardar que ele perdure. Quem sabe ler um bom poema deve poder dizer, no momento em que é por ele atingido, se recebeu ou não um

golpe de que nunca mais se curará. Significa isto que a perenidade em poesia, como no amor, apreende-se instantaneamente; não necessita de ser provada pelo tempo. A

verdadeira prova de um poema não reside no facto de nunca o havermos

esquecido, mas de apercebermos imediatamente de que jamais o poderemos esquecer.”

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Frost, Robert. Prefácio in Collected


Prova final realizada no decorrer do ano lectivo de 2006/2007, FAUP | Seminário Internacional de Projecto Urbano “NANCY 2005”, FAUP 2005/2006 | Professor acompanhante | Arq. Luís Soares Carneiro

Aluno |

Daniel Martins Mocreia Orientadora |

Dr.ª Arq.ª Teresa Fonseca

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Agradecimentos | Às noites partilhadas com a memória de uma árvore e um copo de whisky – lonely impulsive delight. Á Dr.ª Arq.ª Teresa Fonseca, pelo apoio, dedicação, desejo de concretização e pela inspiração. Aos meus pais, pela incompreensível paciência demonstrada ao longo de 8 anos. Aos meus avós, pela fé, pelo apoio incondicional e pelos lanches de domingo. Aos meus tios, sem os quais Nápoles não passaria de um desejo. Ao meu Bros, pelo... Aos meus amigos, por serem como são e não como gostaríamos que fossem. A todos aqueles que aqui não foram nomeados.

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[INDICE] 21

Prólogo, | perplexidades

81 85 88

Abstract, perplexidades | das ideias ou da forma, de que é feito um projecto? | Introdução Inquietações teóricas [Matéria] O corpo, |Uma matéria extensa | Corpo e a transcendência da Matéria, |dicotomias | Corpo, Tempo e Memória, |Sem sombra eu não existia | Corpo da arquitectura, |Superfície e profundidade, enigmas da massa | Matéria, Material e Ideia, |Retórica industrial | [Percepção] Conhecimento, |para lá dos sentidos e da imaginação | Percepção, |perturbação dos sentidos | [Imagem] A necessidade da imagem, |imagem, imaginação e realidade | Camera eye, |pixelização da realidade | Imagem imaterial, |ou imagem da imaterialidade |

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Estratégia projectual | Um projecto revisitado | Apresentação Objectivo | porque uma revisita O concurso | Gravina 2005 Localização | área de intervenção, orientação e implantação O projecto 1 | programa e disposição | abordagem, referências, temas O projecto 2 | desenhos

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Conclusão, |síntese das duas actividades | Anexos Bibliografia

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7 PĂĄginas em branco

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[Prólogo, perplexidades] (Sete páginas em branco). Neste momentos estarás a pensar se as sete folhas anteriores a esta são uma falha na impressão, ou apenas uma distracção no momento da assemblagem das folhas deste trabalho – talvez, no momento em que o autor esperava que fizessem a conta do total a pagar decidiu fumar-se um cigarro. Então, nestes cinco minutos em que estive ausente, alguém – propositadamente ou não – inseriu mais sete folhas em branco no conjunto pesado de fotocópias. Também pode ter sido propositado. Mas para quê? Sete folhas em branco. Simples folhas em branco, leves, até diria que frágeis, de textura agradável ao toque. Não demasiado rugosa, mas também não é como aquelas folhas acetinadas (parecidas com as fotografias). Talvez um meio-termo entre uma e outra. A folha quase quadrada, tal como todas as outras do documento. Nada de mais estranho então. Apenas no canto inferior direito existe algo impresso, o número da página. Diferentes em todas elas. Este pormenor torna inválida qualquer teoria de que o sucedido tivesse um mero acaso. Tinhas razão. Neste momento, apercebes-te que estiveste cerca de cinco minutos a olhar para a primeira página em branco, ou não. Nesse caso, volta atrás. Eu espero. Ao fim de algum tempo, as folhas em branco começam a incomodar, como se estivessem ali por uma razão, como se estivessem ali para dizer algo ao leitor. Mas não têm nada escrito. É um facto, não tem nada escrito, a não ser o número da página em questão. Então a importância destas páginas no conjunto é indiscutível – pois senão, não estariam estas numeradas como todas as outras. Pois então que começou a ser mais dramático e difícil de avançar de folha, o peso de cada uma destas folhas aproxima-se a o peso total do livro. Talvez por isso seja difícil virar a página, imagine-se lendo um livro em que cada uma das páginas tem o peso total do livro, e que este é semelhante em tamanho ao de um comum dicionário. É então que se perdeu a leveza inicial de cada uma das sete

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páginas em branco1. Ausente do peso da impressão,

por

meios mecânico-tecnológicos inserem letra após letra e do peso da linguagem. Neste momento, estarás a pensar: isto não é uma prova final de arquitectura? Claro que sim, pelo menos, é a minha intenção. Não se deixem enganar pelas metáforas e pelo aparente devaneio linguístico. De facto, em que consiste uma prova final de arquitectura? Para dizer a verdade, ainda não estou bem seguro de que isso é. Provavelmente se já tivesse escrito sobre um ou outro arquitecto, sobre pilares, estruturas, materiais, luz e sombra, janelas e portas, muitos pensariam, isto sim, é uma prova final sobre arquitectura! Garanto-vos que falarei sobre arquitectura, ou não terei eu já falado sobre o assunto até aqui? Ainda não esqueceste a questão das sete folhas em branco. Ainda bem… Nunca esqueçamos o terror da folha em branco do arquitecto Álvaro Siza Vieira… Porque todos precisam de uma folha em branco.

1 “Eu tentei tirar o peso das figuras humanas, depois dos corpos celestes, depois das cidades; eu tentei, acima de tudo, tirar o peso da estrutura da narrativa e da linguagem”; Calvino, Ítalo; in 6 propostas para o novo milénio.

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[Abstract, perplexidades] A estrutura da prova resultou da intercepção de duas constantes da práctica da arquitectura. Se num primeiro momento, tal como nos foi pedido, entendi a prova como uma dissertação essencialmente teórica – incontornavelmente nief – sobre um qualquer tema da teoria da arquitectura, logo me apercebi da insociabilidade desta à estratégia projectual. Fazendo referência ao título do livro de Rafael Moneo: “Inquietudes Teóricas y Estratégia Proyectual”, direccionei a prova final para duas partes respectivamente. Assim, não assumindo a postura de prova teórico-práctica, apresento na primeira parte, uma exposição de inquietações que ao longo dos anos de faculdade se foram assumindo fundamentais na minha práctica como estudante. Na segunda parte, apresento um projecto de concurso que desenvolvi no ano em que fiz Erasmus em Nápoles, Itália (2004-2005). Será assim delineada a plataforma de confrontação entre as inquietudes teóricas e a práctica da profissão. A escolha de um projecto sujeito a concurso acontece devido ao facto de ser o modo mais estimulante e acessível a jovens arquitectos para o ingresso na vida profissional.

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[Introdução] “Il faut être léger comme l’oiseau, et non comme la plume.”

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Da Matéria. Num primeiro momento, interessa-me a palavra em si. Sem sinónimos, sem definições, sem associações físicas, metafísicas, sem cor, sem tamanho, sem textura nem estado. Que ideia teria eu de Matéria? “En realidad, trabajar en filosofía – como en muchos sentidos en arquitectura – no es más que trabajar sobre uno mismo, sobre la propia interpretación de uno mismo, sobre como uno ve las cosas.” 3 O meu interesse pela matéria vai muito para além da minha capacidade de a definir segundo parâmetros cognitivos. Vejamos o interesse, bastante normal, das crianças em mexer nas coisas, portanto, fazer o reconhecimento de um determinado objecto através de outros sentidos que não o da visão, apenas o prazer de sentir e conhecer determinado objecto e, descobrir como o poderia manipular. De certo modo, é este o tipo de diálogo que mais me atrai. Em que medida é que a mente humana, nos activa maior ou menor sensibilidade de cada um dos sentidos, tendo em conta uma determinada experiência; uma especialização inconsciente dos sentidos. Tendo em conta esta especialização, se assim se poderá chamar, em que medida o arquitecto tem um papel preponderante no campo da percepção sensorial, e como a obra arquitectónica pode resultar numa patologia sensorial perturbadora. Como é que um ser humano se relaciona com o objecto e por conseguinte, como se apropria dele. Quando refiro objecto, não falo

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Valéry, Paul; citado em “Seis Propostas para o novo milénio”, Ítalo Calvino Pallasmaa, Juhani; Los ojos de la piel, P12

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somente do objecto “portável”, facilmente dominável e afectuoso, como um relógio, um telemóvel, ou mesmo, uma velha caneca de café. Falo em objecto como algo exterior ao homem, algo material, com o qual se estabelece uma relação – um dialogo sensorial. Este diálogo é incontornável no que diz respeito à arquitectura. Dicotomias como: natural/artificial, positivo/negativo, leve/pesado, opaco/transparente, assumem um papel relevante no meu estudo. Estes termos, no panorama arquitectónico actual tornaram-se incipientes, clichés e demasiado restritos, senão – em certos casos contraditórios. São conceitos literalmente opostos mas não antagónicos, dois elementos complementares de um processo contínuo. Neste discurso de antagonias, existe sempre uma clara distinção entre a parte de qualidades positivas e a das qualidades negativas4. Por exemplo, de um modo corrente, o artificial é conotado negativamente. No entanto, é muitas vezes através de processos artificiais que nos surge a oportunidade de compreender a natureza das coisas, e a percepção de como afectamos e modificamos a natureza. Foi fácil definir um tema para a tese, já o campo de estudo se demonstrou tanto potenciador como escorregadio. A “catalogação” de alguns conceitos relacionados com o tema em estudo ajudou a delinear uma estrutura. Estas definições não são estanques, com elas pretendo questionar alguns pontos de vista – tendo em conta a validade destas definições semânticas para o estudo em questão. Interessa-me um segundo sentido, não como uma definição alternativa, mas sim um processo de entendimento sobre as coisas. Como Foucault dizia, o estado de desenvolvimento de uma pesquisa passa, necessariamente, por um processo de formação de conceitos e, posteriormente, de reformulações e substituição.

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Parménides, cito de memória

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À medida que a sociedade se torna cada vez mais materialista, e se torna menos consciente deste facto, eis um novo material. Surgem a uma velocidade sem precedente, e com a promessa de resolver todos os nossos dramas arquitectónicos. Numa era em que existe uma subversão quase perversa na procura de um novo material, o aparecimento de novas formas arquitectónicas que testem estas novas soluções tectónicas assumem um papel preocupante no panorama arquitectónico. Desmaterializar não é um conceito arquitectónico recente, porém, assume-se cada vez mais como uma premissa a seguir. Desmaterialize! Se a noção de desmaterializar em termos gerais provoca discussão pelo facto de ser um conceito de difícil explicação, no caso da arquitectura torna-se perigosa. Pois a expressão máxima do conceito desmaterializar é atingida através da matéria. A intenção de desmaterializar está intimamente ligada a outro conceito de difícil explicação que é o de espiritualizar. Não é neste sentido que pretendo basear o meu trabalho, mas antes, no estudo sobre a matéria como materialização de ideias, como defende Jacques Herzog no seu artigo: Conceber arquitectura, materializar ideias. Vivemos num mundo material, e é nesse sentido o meu interesse pelo o que é a matéria. Estamos numa era em que a pesquisa sobre as potencialidades dos materiais e sobre novos materiais se sobrepõe ao processo arquitectónico. Investigações a este nível deveriam ser complementares de uma ideia e desenvolvimento de projecto e não condicionar este. Segundo Jacques Herzog, na sua entrevista para a EL Croquis, esta pesquisa deve basear-se em duas áreas: “what is life today” – referindo-se à arte, musica, media, e outras actividades contemporâneas – e “what techniques we can discover or invent to bring architecure to life” – que novas tecnologias e invenções lhes possibilitará realizar a sua visão arquitectónica, para co-habitar e emergir os processos natural e artificial no nosso dia-a-dia. O Universo procura sempre um modo de equilibrar as coisas.5

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Cito de memória

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[inquietações teóricas]

Forever Lost, bybosniak, foto in: DEVIANTART.COM

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[matéria]

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Petra, Jordânia, foto in: DEVIANTART.COM


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[O corpo | uma matéria extensa] A matéria é, de um modo comum, definido por tudo aquilo cujos nossos sentidos conseguem reconhecer, e portanto, num primeiro plano, inerente a um processo de estabelecimento relações físicas. No entanto, segundo a opinião de Descartes exposta no texto: “O conhecimento para lá dos sentidos e da imaginação – A extensão”6, tudo o que se conhece de um qualquer objecto, não se poderá basear em tudo aquilo que se pode apontar através dos sentidos. A definição de objecto estará para além das suas qualidades física. Descartes, define a esta qualidade como extensão. Qualidade segundo a qual se poderá reconhecer e definir um objecto como tal. Remetendo a experimentação deste a partir do Eu para um campo exterior à percepção sensorial. Do mesmo modo, a extensão que constitui a natureza dos corpos constitui também a natureza do espaço. A Matéria, cuja natureza apenas consiste em ser extensa, ocupa todos os espaços imagináveis. Porém: “Visto que o corpo ou a matéria é idêntico a extensão, toda a extensão, todo o espaço, é corpo ou matéria: o mundo encontra-se cheio, não existe

. É esta a teoria de Parménides, tal como foi entendida por

Descartes.”7 Então: “No mundo cartesiano, toda a causalidade é acção por contacto: é um impulso. Num plenum, um corpo extenso apenas se pode movimentar, se empurrar outros corpos.”8 6 7

Texto completo em anexo Popper, Karl; O mito do contexto P144

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Remetemo-nos, para a ideia de que o mundo está repleto de matéria. E esta qualidade não diz apenas respeito aos corpos definidos segundo parâmetros Cartesianos, mas também, ao espaço. Ao que de um modo comum, chamamos de espaço vazio. Aquele que pelo qual podemos percorrer livremente sem que o nosso “percurso” seja impedido por “obstáculos físicos”. “Para Leibniz, como para Descartes, não pode haver vazio – o espaço vazio seria livre de forças repulsivas e, visto que não resistiria à ocupação, seria de imediato ocupado por matéria.”9 A noção qualitativa do espaço é uma realidade sensorial, uma experiência temporal, uma constante troca de informação entre corpos. Claramente, definir espaço como uma relação posicional entre corpos é assumir uma postura demasiado redutora. Todavia, é um ponto de partida fundamental para a discussão corpo/espaço e tempo. Neste momento, gostaria de fazer uma distinção entre corpos. O primeiro será o EU. Ser humano que ocupa o seu lugar no mundo. O segundo refere-se à ocupação física de elementos que configuram o espaço arquitectónico – chamemos-lhe matéria arquitectónica. Por fim, temos os objectos de maior ou menor escala, que também eles estão dotados das cinéticas, que complementam os dois anteriores. “O Homem é a medida de todas as coisas.”10

Popper, Karl; O mito do contexto P144 Popper, Karl; O mito do contexto P145 10 Protágoras. Cito de memória 8 9

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“Não bastaria o seu corpo, forma em movimento, para tornar cada homem elemento organizador de espaço?”11 A única constante nesta distinção é dicotomia material/imaterial. Considero portanto que em qualquer um dos casos, o corpo á dotado de uma parte imaterial. Ela é diferenciada em cada um dos casos, senão vejamos: relativamente ao Eu, este é dotado de uma capacidade mental, o qual, por sua vez, atribui ao objecto um significado (definição imaterial), e ambos coexistem na matéria arquitectónica. A definição do carácter imaterial deste último é a mais complexa. Podemos também atribuir-lhe o carácter de significado, mas o campo de atribuição de significados é tão mais amplo como complexo. Pois não está apenas relacionado com o Eu que o habita como está relacionado com questões sócio-culturais, temporais e mesmo sentimentais. Na actualidade, esta característica da arquitectura é largamente negligenciada. E nos casos em que não o é, acontece um efeito subversivo em que a análise interpretativa destas teorias filosóficas apenas servem para corroborar com manobras de afirmação de uma nova anti-ideologia arquitectónica, mas sem grandes resultados prácticos. E que estudado a fundo, questão como a associação de prótese humana ao objecto arquitectónico não é mais do que uma artificialização de questões do corpo. “La inhumanidad de la arquitectura y la cuidad contemporáneas puede entenderse como consecuencia de una negligencia de nuestro sistema

11 12

del cuerpo y de la mente, así como un desequilibrio

sensoriale.”12

Távora, Fernando; Da Organização do Espaço, P19 Pallasmaa, Juhani; Los ojos de la piel, P18

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A criação de homem, Michelangelo, Capela Sistina

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Giacometti, foto in: DEVIANTART.COM


[Corpo e transcendência da Matéria, |dicotomias|] Desde a adolescência que na escola nos ensinam os diferentes estados em que podemos encontrar a matéria. Esta simplificação remete-nos para três estados físicos da matéria: estado sólido, líquido e gasoso. Estes são os estados com que frequentemente nos deparamos no dia-a-dia, no entanto, estes representam apenas cerca de 1% de toda a matéria no universo. Os restantes 99% da matéria apresenta-se no estado

. Este

conceito foi introduzido no mundo da física pelo físico americano Irving langmuir quando estudava descargas eléctricas em gases.13 Sabe-se que, e segundo o esquema anexado, existe o que é chamado o quarto estado da matéria. O estado plásmico14. Comecemos pelo estado sólido da água (gelo), por exemplo, conforme a temperatura aumenta a água que se encontra a sob a forma de gelo (abaixo dos 0ºC) ela transforma-se em água no estado liquido, aumentado a temperatura (100ºC como ponto máximo para a ebulição) ela contínua a sofrer alterações moleculares e transforma-se em gás – vapor de água. Com o contínuo aumento da temperatura, o movimento do gás torna-se cada vez mais energético e frequente, provocando choques sucessivamente mais fortes entre os átomos. Como resultado destes choques, os electrões começam a separar-se. O plasma “ideal” com as partículas completamente divididas corresponde a uma temperatura de várias dezenas de milhões de graus célcios. Todavia, o estado plasmico de uma substância pode surgir a temperaturas relativamente baixas, dependendo da composição, estrutura e grau de rarefacção do gás, como por exemplo, na chama de uma vela, ou mesmo a luminescência de uma lâmpada florescente.

13 14

http://www.pet.dfi.uem.br/expofisica/boladeplasma.html http://www.fisica.net/nuclear/plasma_o_quato_estado_da_materia.pdf

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Esta primeira reflexão científica sobre os estados da matéria serve essencialmente de introdução à questão da transcendência

da matéria. O primeiro ponto a sublinhar é o facto de não existirem apenas três

estados da matéria, mas sim quarto, e este ser o estado dominante da matéria do universo. O segundo é, independentemente do estado da matéria de que estaremos a estudar, estamos invariavelmente a falar de matéria. É aqui que, na arquitectura, surge a primeira dicotomia: materializar/desmaterializar. “La arquitectura es siempre una matéria concreta; no es abstracta, sino concreta. U proyecto sobre el papel no es arquitectura, sino unicamente una representación más o menos defectuosa de lo que es la arquitectura, comparable com las notas musicales. La música precisa de su ejecución. La arquitectura necessita ser ejecutada. Luego surge su cuerpo, que es siempre algo sensorial. […] Experimentar la arquitectura de una forma concreta, es decir, tocar su cuerpo, ver, oír, oler. Los temas del curso son esas cualidades y, después, saber tratar com ellas conscientemente”15

maatteerriiaalliizzaarr é um conceito de difícil concepção e definição, ainda A própria noção de ddeessm mais se nos referimos à questão da arquitectura, pois esta encontra a sua expressão máxima no seu oposto. Quando me refiro ao “oposto” refiro-me à definição semântica da palavra – materializar – pois julgo que o ponto épico desta busca da desmaterialização se encontra no carácter material da arquitectura. Pretendo aproximar ao que se poderia denominar de “aquilo que transcende da matéria”, não como negação da matéria mas, permitindo-me a analogia, o lado

Carneiro, Alberto; Leite, E; Malpique, M. O espaço Pedagógico 2:Corpo, Espaço, Comunicações. Afrontamento. Porto. 1983. P61

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espiritual da matéria – a alma. Não para uma arquitectura feita do

NADA, para uma arquitectura que se

transcende. Que transcende questões da matéria, de material, de programa e organização espacial, de cor e luz. “A poesia

do invisível, a poesia das coisas infinitas potencialidades imprevisíveis, tal como

a poesia do nada, nascem de um poeta que não tem dúvidas quanto ao carácter físico do mundo”16 Fugindo à exiguidade do termo desmaterializar assumida por muitos arquitectos contemporâneos como uma premissa fundamental e uma verdade absoluta do caminho a seguir, proponho outro termo: imaterializar. Estes apoiam-se em estudos das mais diversas áreas como a da filosofia, para corroborar conceptualmente os seus projectos. Esta postura encontra-se estreitamente relacionada com questões de imagem, informação, iconografia, futuro, tecnologia, rapidez, ausência de peso,... Termos que por si só não sugerem nenhum tipo de ameaça para a arquitectura. Estes conceitos têm cada vez um papel mais relevante no panorama arquitectónico actual e não representam por si só um problema. No entanto, quando eles são entendidos como um alvo a cumprir, como uma verdade absoluta daquilo que a arquitectura deve ser e a que questões devem saber responder, elas não estão só de costas voltadas entre si, como com a própria arquitectura. Com a verdade da arquitectura. Se é que tal existe. A história das civilizações sempre foi escrita por tiranos. Todas as que perduraram e de algum modo fizeram história estão repletas de actos que actualmente consideramos desumanos. Algumas destas civilizações –

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Calvino, Itálo; Seis propostas para o novo milénio

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ou grandes grupos sociais – ocuparam o lugar de mito na nossa história apenas porque não temos existem provas físicas da sua existência. “A work of architecture, such as a Greek temple, lets us understand matter, say the marble of wich it is built, or the ground on wich it rests, diferently. As presented by the temple, the earth transcends what reason can comprehend. In this sense the world of architecture can be said to transcend what finds its place in the Cartesian world Picture.”17 A comprovação da existência de uma determinada civilização, bem como informações relativas ao quotidiano dos seus habitantes, reside sempre numa componente arquitectónica. De certo modo, poderíamos dizer que os edifícios contam uma história da história. De todas as civilizações de que não restam provas físicas da sua existência permanecem no campo do mito. Todas as odisseias de afirmação e descoberta territorial, de propagação ideológica, terminam na consagração do elemento arquitectónico. “O granito fará com que os nossos monumentos perdurarão até a eternidade.”18 A consciência do limite temporal do seu corpo, como se fosse o seu calcanhar de Aquiles, Hitler sentiu a necessidade de ultrapassar-se como idealista preso num corpo de humanos e assumir um papel de supraHomem. Garantir a eternidade. Do mesmo modo, pretendia que os seus monumentos, garantia da perenidade física da sua ideologia, deveriam, também eles garantir a eternidade. Hitler morreu, bem como a sua ideologia19, no entanto, os

The Body in Architecture Adolf Hitler, cito de memória 19 “Os amores são como impérios: desaparecendo a ideia sobre a qual foram construídos, morrem junto com ela.”; Milan Kundera, “A Insustentável Leveza do Ser” 17 18

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seus monumentos perduraram, talvez não até a eternidade, mas até hoje. A verdade (?) é que não foi apenas o granito que garantiu a perenidade destas obras, mas sim, as ideologias e os feitos do líder/ditador/tirano que está na génese da obra, porém é sobre ele que subsiste a memória da sua existência. A matéria não deveria ser reduzido a material-mudo que requer o esforço humano para ser dotado de significado, como seria para Hegel. Não deverá ser pensado como em oposição de significado, mas antes por ser já carregado de significado. Estamos a falar, portanto, de uma ideia de matéria, de um Homem, de um corpo, da sua transcendência divina e a sua relação com a terra. Tal como escreve Milan Kundera no seu romance Insustentável Leveza do ser, sobre a morte do filho de Staline. Analogando o episódio ao momento de contacto entre opostos, pólos contraditórios, em que o mundo sucumbirá produzindo uma vertigem convolgente. “(…) fu internato in un campo di prigionia insieme con un gruppo di ufficiali inglesi. Avevano in comune le latrine. (…) il figlio de Staline le lasciava sempre sporche. Agli inglesi non piaceva vedere loro latrine sporche di merda, anche se si trattava della merda del figlio dell’uomo più potente della terra. Glielo rimproverarano. Lui si offese. (…) Il figlio de Staline non pote sopportare l’umiliazione. (…) si lanciò contro il filo spignato percorso dalla corrente elettrica(…) (…) Lui che porta sulle sue spalle il dramma più sublime che si possa immaginare (era allo stesso tempo figlio di Dio e angelo caduto), deve forse adesso essere giudicato non per cose elevate (che abbiano a che fare com Dio e gli angeli) ma per della merda? Sono dunque così vertiginosamente vicini il dramma più eccelso e quello più ínfimo?”

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Vertiginosamente vicini? La vicinanza puo dar ela vertigine? Sì, puo darla. Quando il pólo Nord si avvicinerà al pólo Sud fin quasi a toccarlo, il globo scomparirà e l’uomo si troverà in un vuoto che gli fará girar ela testa e lo cedere alla seduzione di cadere. (…)”20 Está presente a indossiciabilidade das coisas opostas, e que estas, impreterivelmente devem ocupar o seu lugar no mundo, pois a “aproximação” destes poderá acabar em tragédia. Fica uma imagem da paradoxal indissociabilidade de entidades opostas. “Incomensurabile è lo spirito. La psiche si esprime nella sensazione e nel pensiero al contempo, e credo che resterà per sempre incommensurabile. Sento che la voluntà di Esistire della Psiche qurda alla natura per creare ciò che vuole essere. Credo che una rosa voglia essere uns rosa. La voluntà di Esistere, L’uomo, diviene eistenza attraverso la legge e la trasformazione della natura. I risultati non sono mai all’altezza dell’aspirazione dello spirito a essere.”21 Corpo e mente sempre se assumiram como uma das maiores e mais sedutoras dicotomias desde sempre. Neste campo de discussão, o corpo – ou a qualidade material da existência humana – está sempre relacionada com qualidades negativas, enquanto que a mente é veiculo para a transcendência da nossa existência.

20 21

Kundera, Milan, A insustentável Leveza do Ser Kahn, Louis, Architettura è, Gli scritti

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Segundo Parmênides, o universo está dividido em duplas de contrários. Ele considerava que um dos pólos da contradição é positivo e o outro negativo, esforçando-se para encontrar essa oposição fundamental na natureza das coisas – por contradição. No entanto, assumir que o pesado é apenas uma negação do leve, parece-me demasiado redutora. Tendo em conta que o mundo divide-se em duas esferas: aquela das qualidades positivas (luz, quente, activo, masculino, fogo, vida) e aquela das qualidades negativas (escuridão, frio, passivo, feminino, terra, morte), concluímos que para Parmênides, a esfera negativa era apenas uma negação da esfera positiva, isto é, a esfera negativa não continha as propriedades que existiam na esfera positiva. “Shakespeare percebeu, o que os chineses já sabiam há séculos e Marx viria a descobrir mais tarde: o homem é uma unidade de contradições, maldade e bondade as carrega no peito, ao mesmo tempo e em todas as horas”. 22 A seu tempo, tudo o que nos parece leve, mostra o seu verdadeiro peso, é no encontro com as leis da gravidade que tudo se revela.

Como escreveu Ítalo Calvino, referindo-se ao romance de

Milan Kundera (Insustentável Leveza do Ser): “O seu romance demonstra-nos que na vida tudo o que escolhemos e avaliamos como leve não tarda a revelar o seu peso insustentável.” 23 (…) Ma davvero la pesantezza è terribile e la legerezza meravigliosa? (…) Che cosa dobbiamo scegliere, allora? Esantezza o la leggerezza? Salvo in un caso: che cos’è positivo, la pesantezza o la leggerezza? (…)

22 23

M. Heidegger, “la verita di dédalo” Calvino, Itálo, Seis Propostas para o novo Milénio

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Parmenide rispose: il leggero è positivo, il pesante è negativo. (…) Una sola cosa è certa: l’opposizion pesante-leggero è la più misteriosa e la più ambígua tra tutte le oposizione. (…)24 Segundo Kundera, o peso não está somente nas diversas formas de opressão, mas também, na condição humana que nos é comum a todos. Apenas faço um paralelismo ao pensamento de Milan Kundera para me afastar um pouco da definição mais corrente de peso que é indissociável do elemento matéria, o corpo. Segundo este ponto de vista, ele apresenta-nos, no seu romance, uma noção de peso que vai muito para além da visão Newtoniana de peso. Remetendo-o para o campo da metafísica humana, como resultado do peso de viver. No entanto, tem bem presentes as teorias da mecânica Newtoniana, utilizando-as cirurgicamente, através de comparações e metáforas, reforçando esta noção de peso de viver. “This seemingly improbable theme on the verge of realization is only made possible by radicalizing the major objective of weightlessness: freeing oneself from “the archaic weight of materiality” and destroying form. Hence this architecture conceived as a hypersurface that assigns the envelope (skin, membrane, drapery, screen) the role of an increasingly slight limit, infrathin like the thickness of the air.” 25

24 25

Kundera, Milan, Insustentável Leveza do Ser Nouvel, Jean; Jean Nouvel; (sobre: Calvino-6 propostas para o novo milénio.) P43/44

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“A stone presses downward and manifests its heaviness. But while this heaviness exerts an opposing pressure upon us it denies us any penetration into it. If we attempt such a penetration by breaking open the rock, it still does not display in its fragments anything inward that has been disclosed. The stone has instatantly withdrawn again into the same dull pressure ando f its framgents. If we try to lay hold of the stone’s heaviness in another way, by placing the stone on a balance, we merely bring the heaviness into the form of of calculated weight. This perhaps very precise determination of the stone remains a number, but the weight’s burden has escaped to us. Color shines and wants only to shine. When we analyze it in rational terms by measuring its wavelength, it is gone. Earth thus shatters every attempt to penetrate into it. It causes every merely calculating in importunity upon it to turn into a destruction. (…) Matter should not be reduced here to mute material that requires human work to be endowed with meaning, as Hegel would havei it. It should not be thought in opposition to meaning, but rather as always already charged with meaning.(…) This is why in this age the world picture we need art: to open windows to material transcendence.”26

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AAVV, The Body of Architecture

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Capela na ilha de Ischia, Nápoles, foto do autor

Gravity, by luag, foto in: DEVIANTART.COM

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Taj Mahal, by aarontsang, foto in: DEVIANTART.COM

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[Corpo, Tempo e Memória | Sem sombra eu não existia] “A menudo, el recuerdo más presistente de cualquier espacio es su olor. (...) La nariz hace con que los ojos recuerden. ”La memoria y la imaginación permanecen asociadas”, como escribe Bachelard (...)” 27 Frequentemente recordo um determinado aroma, ou melhor, fragrância que associo à minha infância. Esta recordação não depende da cidade onde estou, ou de uma determinada árvore ou rua, nem mesmo de uma específica estação do ano. Associo este aroma à minha infância porque não me recordo do preciso momento em que o meu nariz detectou essa fragrância, assim, de um modo reconfortante, remeto-o para a minha adolescência. A única característica daquele odor que lhe consigo atribuir é existir. A minha incapacidade de o adjectivar e caracterizar faz com que me seja impossível partilhar este odor com alguém. O meu corpo recolheu o odor, o meu intelecto memorizou-o. O meu Eu emotivo, associou-o à infância. Consideremos então, que o olfacto, o menos nobre dos sentidos, é em grande medida responsável pelo nosso acesso à memória. Logo, arriscaria afirmar: Cheiro, logo, existo. “Only memories give us a sense of time, a sense of space and a sense of society. (…) memory is a means to comprehension and the raw material world.”28

27 28

Pallasmaa, Juhani; Los ojos de la piel, P55 a+t 23

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A memória está intimamente relacionada com a percepção. De tal modo que uma não poderia existir sem a outra. No entanto, a memória estabelece as suas relações num ritmo diferente que o da percepção. “El hombre primitivo utilizaba su cuerpo como el sistema para dimensionar y dar proporciones a sus construcciones. (...) El cuerpo sabe y recuerda”.29

29

Pallasmaa, Juhani; Los ojos de la piel, P61

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Existir. Nós construímos. E é deste modo que existimos no mundo. Para Heidegger, dwelling é a essência de Being-in-the-World. Segundo a etimologia heideggeriana da palavra bauen, ela não significa apenas construir, mas também to-dwell (em português, construir – existir em). Nesta linha de pensamento, encontramos também outra palavra cujo significado se desdobra: Neahgebur (em alemão) – significando: neah, perto e gebur, dweller (em português, aquele que constrói – existe). Assim, neahgebur, o vizinho, é aquele que existe perto. Ele associa a palavra bauen com a palavra dwelling na antiga palavra neahgebur, associando deste modo à essência do Homem. Deste modo, dwelling não é apenas edifício ou construir um abrigo, mas como existimos no mundo. Ao mesmo tempo, nós existimos, em relação aos outros. Sobre M. Heidegger: “We are ‘in’ the world, he said, and fundamentally interconnected with the things in it. We are always in relation with things in the world, and that relation is fundamentally spatial, charactarized by an ‘inconspicuous familiarity’ and a ‘belongingness’ [Gehörigjeit] and ‘insidness’ [Inwndigkeit].”30

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The body of Architecture P95

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Repetição. Para repetir é necessário tempo. E é necessário ter memória desse tempo. Repetir uma palavra é como repetir um pilar, ou uma nota musical. E em qualquer uma das situações, a repetição cria um ritmo, assume uma lógica, uma ordem. Simplesmente para que posteriormente seja quebrada. A excepção não é a negação da repetição, mas sim a confirmação da repetição. A repetição envolve, indicia movimento. O meu corpo repete movimentos e desloco-me por entre os pilares que sustentam o edifício. Uma litania arquitectónica. Silenciosa como a gargalhada dos Deuses. A repetição sugere, e esconde. A repetição retarda. “A ideia do eterno retorno parte da suposição de que a vida é reversível como uma ampulheta. Ainda que angustiante a principio, esta hipótese é, para Nietzsche, uma forma de instalar o homem no gozo, como se tal o impulsionasse a compreender a intensidade de cada instante, exigindo-lhe um tal compromisso com o presente, que lhe fosse sempre desejável repetir a sua experiência. Trata-se, então, da recuperação da fugacidade do devir frente à estabilidade do ser, da afirmação da necessidade do acaso, do tempo como devir (…)

O eterno retorno é, em Nietzsche, a

recuperação, pelo homem, do perecível e do mutável, uma recuperação do presente frente à tirania do futuro divino ou do passado tradicional, uma volta à vida e às paixões contrária à domesticação da moral dos escravos”.31

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Ábalos, Inaki, A boa-vida, P25/26

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Luz. Sombra.

“Osservo la luce che ilumina il fianco di una montagna; è una luce che genera significati: svela ogni minimo particolare e ci ensegna come e con quali materiali costruire un edificio. Ma è forse minore il piacere che si prova osservando un muro in mattoni che dichiara gli sforzi compiuti per conquistare la regolità e mostra le accattivanti imperfezioni che la luce naturale sottolinea? Un muro viene costruito nella speranza che, in un particolare momento, la luce gli doni un attimo quase irripetibile.”32

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Loius Kahn, gli scritti

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Man Ray. Veiled Erotic. 1933.


Salk Institute, Luois Kahn, by cluskillz, foto in: DEVIANTART.COM

Louvre, Paris, by createsima, foto in: DEVIANTART.COM

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[Corpo da arquitectura, |Superfície e Profundidade, os valores da massa] El hombre es el umbilicus mundi, el ombligo del mundo”.33 “ (…) Meu corpo é pivot do mundo, sei que os objectos têm várias faces porque poderia repassálas, poderia dar-lhes a volta, e neste sentido, tenho consciência do mundo por meio do meu corpo. (…)”34 A associação do tema do corpo no discurso arquitectónico não é algo recente. Já com os humanistas o Leonardo da Vinci tinha elaborado e complexo esquema de estudo de proporções do corpo humano. Séculos mais tarde, o arquitecto Le Corbusier – “animal géométrique35 – desenvolveu o Modelor. Actualmente, e fruto de um avanço tecnológico no campo das ciências humanas, estudos semelhantes são desenvolvidos, mas não apresentam grandes novidades directamente aplicáveis no exercício da arquitectura. No entanto, há uma constante a reter: a importância de cada uma das partes em relação ao todo – o que poderíamos chamar de proporção.

Pallasmaa, Juhani; Los ojos de la piel, P50 Merleau-Ponty, Maurice. In Ábalos, inaki. A Boa Vida: visita guiada às casas da modernidade. Editorial Gustavo Gili. Barcelona. 2003. P93 35 Le Corbusier, citado em Da Organização do Espaço, Fernando Távora P34 33 34

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“…es a través de nuestros cuerpos como centros vivientes de intencionalidad (...) que escogemos nuestro mundo y que nuestro mundo nos escogea nosotros”.36 O que pretendo com este sub capítulo não é avaliar a pertinência destes estudos, nem o grau de precisão de cada um deles. Pretendo apenas, estabelecer um paralelismo entre o corpo humano e a arquitectura – o assunto foi abordado em capítulos anteriores sob outras premissas complementares. Pois, dada a natureza do objecto arquitectónico, julgo ser primordial a compreensão do corpo humano nas suas relações mais elementares, bem como na relação deste com o mundo, consequentemente com o objecto arquitectónico. É de facto, através do nosso corpo que entendemos o mundo, mesmo que este processo seja largamente inconsciente – não pode ser o caso do arquitecto. Estas relações do homem com o edifício e com a cidade devem ser uma preocupação constante do arquitecto. “Yo enfrento la cuidad cin mi cuerpo; mis piernas miden la longitud de los soportales y la anchura de la plaza; mi mirada proyecta inconscientemente mi cuerpo sobre la fachada de la catedral, donde deambula por las molduras y los contornos, sintiendo el tamano de los entrantes salientes; el peso de mi cuerpo se encuentra con la masa de la puerta de la catedral en el oscuro vacío que hay detrás. Me siento a mí mismo en la cuidad y la cuidad existe a través de mi experiencia encarnada.”37

36

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Merleau-Ponty, Maurice, citado em, Los ojos de la piel, Juhani Pallasmaa, P42 Pallasmaa, Juhani, Los ojos de la piel, P41

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No entanto, há quem defenda uma relação mais literal do corpo humano com o objecto arquitectónico. “ (...) Alberti divided into alignments, deriving from the mind, and matter, deriving from nature. The body of a building should be covered by a skin made of several layers of stucco that must ‘shine like marble’ and subject the matterial body of the building to the dominance of an appropriate visual order that is manifested in the organization of the surface: to act like a canvas or a screen for the imposition of significantes on matter.”38 O aspecto literal desta associação torna ainda mais complexa a trama de conceitos e a estratégia projectual. Naturalmente não estamos a falar de arquitectura quando referimos conceitos como cabeça, boca, pernas ou cotovelos. Não obstante, muito frequentemente o discurso arquitectónico baseia-se em relações corporais para corroborar as suas geometrias, e actualmente os seus conceitos e formas. Jacques Herzog & Pierre de Meuron assumem uma postura bastante particular a este respeito. O que lhes interessa, são associações paradigmáticas entre o corpo humano e o corpo da arquitectura, num sentido menos literal. Relativamente ao seu interesse pela moda, por exemplo, apenas se trata de uma pele artificial que faz parte de todo um conjunto de layers do corpo humano, susceptível às mudanças do tempo, às interpretações. Como cobrir um corpo, é como perguntar como cobrir um edifício. “These are practices that shape our sensibilities; they are expressions of our time. It is not the glamorous aspect of fashion which fascinates us. In fact we are more interested in what people are wearing, what they like to wrap around their bodies… We are interested in that aspect of artificial skin which becomes so much of an intimate part of people.”39 38 39

Herzog, Jacques, “entre el rosto y el paisaje” Herzog, Jacques, “una conversación com Jacques Herzog”; El Croquis 109/110, P27

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Taj Mahal, Índia, by asprin, foto in: DEVIANTART.COM

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Sem tĂ­tulo, foto do autor

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[Matéria, Material e Ideia | Retórica industrial] Retórica: do Lat. rhetorica < Gr. Rhetoriké - s. f., arte de bem falar; conjunto de regras relativas à eloquência; tratado que expõe essas regras; discurso brilhante de forma, mas pobre de ideias; fala empolada; (no pl. ) palavreado farfalhudo, pretensioso.

Velocidade. Esta é uma das constantes da sociedade contemporânea. Fenómeno profundamente tecnológico mas cuja génese surge na revolução industrial. Ideias como a construção em massa, standartização, linhas de montagem surgem em força. Facilmente nos seduzimos pela velocidade, pelo simples facto de excedendo a nossa velocidade motora extrapolamos as nossas limitações físicas, dando-nos mais noção de poder. Não menos importante, é o facto de acedermos mais rapidamente e com menor dificuldade às coisas. Em primeira instância, poder fazer algo em menos tempo, liberta-nos do possível desgaste físico e permite-nos fazer outras coisas. À medida que a pessoa se move mais rapidamente, vive o momento cada vez mais rápido o momento é incapaz de apreciar a experiência. "Pontevin faz uma pausa prolongada. É o mestre das pausas prolongadas. Sabe que só os tímidos as receiam e se precipitam, quando não sabem que responder, em frases embaraçadas que os tornam ridículos. Pontevin sabe calar-se tão soberanamente que a própria Via Láctea, impressionada pelo seu silêncio, fica, impacientemente, à espera da resposta. Sem soprar palavra, olha para Vincent que, não se sabe porquê, baixa timidamente os olhos"40

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Kundera, Milan, A Lentidão

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O vidro é o mais misterioso dos materiais ao serviço do arquitecto. Por suportar sobre si todas as contradições do mundo. Imaginemos um mundo Calviniano em que tudo o que conhecemos deste mundo é feito de vidro. Janelas de vidro, paredes de vidro, estruturas de vidro, sinos e carros feitos de vidro. Os barcos também. Imaginemos que existem diferentes cores e texturas. Viveríamos num mundo de loucos em que o silêncio é uma utopia. Não haveria espaço para o silêncio, espaço para perguntas. Opaco de dia, translúcido pela noite. Um mundo impenetrável de sucessivos e infinitos reflexos. “El creciente uso del vidrio reflectante en la arquitectura efuerza la sensación de sensueno, de irrealidad y de alienación. La transparencia paradójicamente opoca de estos edificios hace que la mirada rebote sin quedar afectada ni conmoverse; somos incapaces de ver o de imaginar la vida detrás de esas paredes. El espejo arquitectónico, que hace rebotar nuestra mirada y duplica el mundo, es un dispositivo enigmático y aterrador.”41 Talvez seja esta sensação de sonho, como é referida por Juhani Pallasmaa, nos provoque tal fascínio que nos prenda irremediavelmente a uma alienação da realidade?

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Pallasmaa, Juhani, Los ojos de la piel, P30

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“Muitos dos edifícios construídos no anos 60 em contextos históricos, tentavam anular a sua presença, utilizando o conceito de parede cortina, e servindo para reflectir a envolvente, o que de m m m iddaaa.”42 meeennntttaaadddaaaeeedddiiissstttooorrrccciid mfffrrraaagggm maaagggeeem um modo geral acontecia devolvendo umaiiim Não obstante, o vidro sempre foi sinónimo de desenvolvimento tecnológico, de avanço da sociedade. Devido à sua especificidade estrutural, este sempre foi associado ao ferro – outro sinónimo de avanço tecnológico. Com associação destes dois materiais os edifícios puderam crescer ainda mais em altura. Valores como peso, materialidade, são reinterpretados. Enquanto que na actualidade, muitos arquitectos andam numa azáfama primaveril criando edifícios cada vez mais altos, cada vez mais transparentes, cada vez mais leves, (cada vez menos), o Mies Van der Rohe desenha, projecta, constrói um hino à (i)materialidade com a casa Farnsworth. “A sua Farnsworth, em Foz River Illinois 1946-51, constituiu um paradigma da libertação da matéria, pela sua dupla intencionalidade: transparência e imponderabilidade, de modo a soltá-la da contaminação do solo.”43 É na consciência da materialidade dos planos horizontais que separam a casa do chão e a protegem do céu que a casa se desmaterializa por entre a verticalidade dos troncos das árvores. A transparência é dada pelos planos verticais e não pela parede de vidro que envolve a casa. As árvores protegem. Uma realidade trespassada pelo reflexo oferecido ao vidro, e é nele que os planos horizontais de apoiam.

42 43

Arquitectura Ibérica 14 – Transparências, P24 Arquitectura Ibérica 14 – Transparências, P24

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(da Farnsworth) “A extrema materialidade e precisão dos planos verticais e horizontais que jogam, convocam uma metafísica. Isto é, quanto mais físico, mais

divino. O silêncio surge como uma

das grandes afinidades da transparência. Afinal, “Deus está no pormenor”. E a paisagem atravessa o edifício, como uma tempestade desejada”.44 Mas? (Ricola II) “When we it is wet, that wall appears more transparent than the glass wall, an effect we really like because it is not only beautiful but it raises questions about solidity and transparency.”45

44 45

Arquitectura Ibérica 14 – Transparências, P28 Arquitectura Ibérica 14 – Transparências, P28

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Prada, Herzog &de Meuron, Tokyo, foto in: DEVIANTART.COM

Torre Agbar, Jean Nouvel, Barcelona, foto in: DEVIANTART.COM

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I’m lonely without skin, by foureyes, foto in: DEVIANTART.COM

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[percepção]

Fotograma do Filme: Primavera, verão, Outono, Inverno 67 e de novo, Primavera, de Kim Ki-Duk

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[Conhecimento | para lá dos sentidos e da imaginação] Imagino. Penso numa miríade de figuras, números, homens, animais de duas cabeças, arquitecturas diferentes, fábulas... Penso numa religião, num Deus, logo imagino algoritmos e exponenciais. Penso e imagino, a Razão. Imagino-me a percorrer uma rua deserta – não me lembro como lá cheguei –, como se todos os seus habitantes se tivessem transformado por feitiço em seres transparentes. Imagino porque posso. Uma rua sem árvores, sem vento, o sol não se move. Oferecendo-me a eternidade de um instante, pelo qual caminho. As casas são velhas, parecem ter já vivido várias gerações, com roupas a secar esquecidas nas janelas. Neste momento, esqueci-me das janelas, das roupas, das árvores. Todas as portas são exactamente iguais, do mesmo tamanho, pintadas de verde, sem puxador. Porque nesta rua não é preciso puxador. Têm um pequeno buraco semelhante ao das caixas de correio. Naturalmente, logicamente, não são caixas de correio, porque está ao nível do meu olhar. E os carteiros não medem 2,40m. E sinto a absurda necessidade visceral de espreitar, ver sem ser visto. Não vejo nada, apenas uma sensação de vazio e profundidade infinita que se escorre pelo horizonte. Imagino um puxador. Se tivesse um puxador! Mas já me sentia puxado. Para dentro da casa, para fora de mim. No fim um puxador sem porta.

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Salvador DalĂ­. The Phenomenon of Ecstasy. Photomontage. 1933


Óleo de René Margritte

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[Percepção | perturbação dos sentidos] A especificidade do “aparelho” comunicativo do ser humano encontra o seu campo de acção nos cinco sentidos. Com estes, o Homem relaciona-se, com o meio e com os outros seres da mesma espécie. Já com outras espécies ele encontra dificuldades de comunicação. De qualquer modo poder-se-á dizer que ambos têm a perfeita consciência da existência um do outro. Estabelece-se um sistema, mais ou menos complexo, de comunicação, e interagem. Do mesmo modo que o dono de um cão lhe mostra o contentamento por ter voltado a casa após um dia de trabalho ao lhe esfregar a mão na barriga, grunhindo palavras soltas cujo significado atribuído pelo primeiro, o cão obviamente não entende. Um sistema básico de comunicação que funciona para ambos os comunicadores. Este sistema de comunicação baseia-se numa simples atribuição de significados a determinadas acções. De qualquer modo, e tendo em conta as óbvias diferenças entre as espécies atrás referidas, o denominador comum está na utilização dos sentidos para estabelecer comunicação. As principais diferenças encontramse na evolução de determinado sentido variável de espécie para espécie. No ser humano acontece algo bastante curioso. Há um processo de aculturação na especialização dos sentidos. A cultura ocidental, por exemplo, sempre privilegiou o sentido da visão relativamente aos restantes sentidos. “ (...) el privilegio del sentido de la vista sobre el resto de los sentidos es un tema en el pensamiento ocidental, y también es una inclinación de la arquitectura del siglo XX.”46

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Pallasmaa, Juhani, Los ojos de la piel, P41

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Enquanto que na cultura oriental, sentidos como a audição ou o olfacto assumem um papel fundamental nesta cultura. O modo como os orientais organizam o seu dia com momentos de meditação privada em que o silêncio é um veículo para o contacto com o transcendente, com o Divino, é reflexo de uma consciencialização da importância de cada um dos sentidos. A sublimação de cada um dos sentidos está intimamente relacionada com o carácter imaterial da vida. “René Descartes (…). Sin embargo, también identificó la vista com el tacto, un sentido que él consideraba como el más certero y menos vulnerable al error que la vista.”47 Naturalmente o silêncio sempre foi importante em outras culturas, tal como em outras religiões – como a religião católica apostólica. Não obstante, neste caso, existe um processo diferenciado de comunicação, de relacionamento com o Divino. Existe sempre um orador, um mensageiro da palavra divina. O que me interessa neste momento é o percurso verso o interior de nós mesmos. Da procura da transcendência para lá dos limites da matéria. O realizador sul-coreano Kim Ki-Duk, enquadra de um modo absolutamente cirúrgico e inovador todas estas questões. No seu filme “Ferro 3”, ele faz o silêncio gritar. É uma saga entre a materialidade do mundo e a espiritualidade das pessoas que nele vivem. Trata-se de uma mescla entre a atmosfera mística do filme “Primavera, Verão, Outono, Inverno e de novo Primavera” com o romantismo doloroso de “Samaria” com a inocente crueldade de “Bad Boy” – os quatro filmes são do mesmo realizador. Revela-se o sentido da vida através de uma comunicação metafísica entre os dois protagonistas, em que o actor/protagonista não profere uma única palavra no decorrer do filme. Um filme substancialmente poético na linha da grande temática da cultura oriental, o vazio, a ausência, a sublimação e a

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Pallasmaa, Juhani, Los ojos de la piel, P19

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abstracção da realidade material. Na perspectiva do realizador sobre a materialidade dos temas tratados, torna-se paradoxalmente fundamental a invenção teatral e o trabalho sobre a gestualidade, sobre a fisicalidade dos actores protagonistas. “La experiencia auditiva más primordial creada por la arquitectura es la tranquilidad. La arquitectura presenta el drama de la construcción silenciada en materia, espacio y luz. En última instancia, la arquitectura es el arte del silencio petrificado.”48 “ (...) Bachelard habla de “la polifonia de los sentidos””.49 Não que na cultura ocidental os restantes sentidos sejam subvalorizado ou mesmo esquecidos – mesmo tendo em conta o seu fascínio pelo prazer retiniano. Mas é um facto que por a visão sempre ter funcionado como primeira abordagem ao objecto arquitectónico é como que uma projecção do tacto para lá da dimensão física dos braços. Digamos que o olho abre caminho para as restantes sensações. No entanto, sendo o primeiro modo de comunicação entre a obra arquitectónica e o Homem, esta condiciona os restantes sentidos. Tal fenómeno existe nos mais variados momentos do nosso quotidiano. “La arquitectura griega, con su elaborado sistema de correcciones ópticas, fue refinada en última instancia para el placer del ojo. Sin embargo, el privilegio de la vista no implica necessariamente un rechazo del resto de sentidos, como demuestran la sensibilidad háptica, la materialidade y el

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Pallasmaa, Juhani, Los ojos de la Piel, P52 Pallasmaa, Juhani, Los ojos de la Piel, P43

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peso autoritário de la arquitectura griega; el ojo estimula e invita a las sensaciones musculares y táctiles.”50 É indiscutível a indossociação entre os cinco sentidos, a percepção e da vivência da arquitectura bem como em qualquer uma das artes. No entanto, a arquitectura, está irremediavelmente presente na vida de cada um. Enquanto um pode decidir admirar uma exposição de obras de um Cabrita Reis, lembrar uma cerâmica de Picasso, ou mesmo rendermo-nos à textura de umas mãos de Paula Rego, não se pode excluir da nossa vida um determinado edifício, simplesmente porque apetece, ou porque dá náuseas cada vez que o vê. Neste ponto é inquestionável a importância da responsabilidade de um arquitecto perante a sua obra e a sociedade. Todas as manifestações que referi acontecem a um nível consciente. No entanto, não podemos descurar o efeito que determinado espaço, edifício, janela, cor ou textura, pode afectar no ser humano. A complexidade desta questão assenta na diversidade das reacções do ser humano perante a mesma situação. Na actualidade o arquitecto trabalha com pontos comuns a este nível, pois por norma, ele não possui entendimento aprofundado nas áreas das ciências humanas, e o seu conhecimento baseia-se essencialmente em experiências pessoais na referida área. O papel comunicativo da arquitectura não é um processo unilateral. Porém, o diálogo que o ser humano estabelece com um edifício, para além de ser descontraído, é silencioso. Portanto, não é um diálogo é um diálogo activo de ambas as partes, todavia, a arquitectura, boa ou má, causa sensações no ser humano.

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Pallasmaa, Juhani, Los ojos de la Piel, P25/26

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“Sin embargo, tal y como nos indica W. Benjamin debemos ser conscientes que la percepción de la architectura es de carácter disperos y ocasional, de forma que en la mayor parte de las veces esta percepción se plantea desde el hábito que, lógicamente, crea indiferencia. Es decir, la percepción de la arquitectura no es atenta y contemplativa como en el resto de las artes, sino más bien está asociada a una percepción distraída.” 51 Um edifício não deve, nem pode, ser narrativo. Não deve contar uma história como um livro, deve fazer parte da história. Não obstante, deve comunicar, ter significado. São coisas bastante distintas. O edifício deve, portanto, ser interpretativo, ou melhor, susceptível de interpretação. Todo o sistema sensorial tem um papel preponderante na percepção da realidade. A avaliação da realidade – consciente ou inconsciente – depende essencialmente, mas não exclusivamente, da capacidade perceptiva do ser humano. Do mesmo modo em que o corpo humano não é narrativo mas comunica. Recordo-me do filme “Pillow-book” de 1996, do realizador Peter Greenway, em que a protagonista comemora o seu aniversário com um ritual peculiar. O seu pai escreve no seu rosto uma bênção milenar escrito por Sei Shonagon. Ela cresce entre livros, papeis e escritas em corpos nus, este ritual torna-se numa obsessiva odisseia sexual. Atormentada por um casamento arranjado, a sua vida muda quando conhece um tradutor bissexual britânico. Este oferece o seu corpo para que nele seja escrito as histórias da protagonista. Funcionando como veículo de transporte de comunicação entre a escritora e a editora. Pretende-se iluminar uma subversão da utilização do corpo para comunicar.

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AAVV, Matéria y Forma, Biblioteca TC, P21

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Hands on lips Man Ray Fotograma do filme: Un Chien Andalou, by Luis Buñuel and Salvador Dalí. 1929 Os amantes, de: Rene Magritte Tomás incrédulo, de: Caravaggio

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Tara, Deusa Budista


[Imagem]

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[A necessidade da imagem, |imagem, imaginação e realidade] “As imagens, como as línguas cozinhadas por Esopo, são ao mesmo tempo boas e más, indispensáveis e perigosas; é necessário usá-las moderadamente, quando são boas e desembaraçarmo-nos delas quando se tornam intuíeis.”52 Todas as imagens servem para descrever o mundo que não se vê, que não se conhece, e sofrem sempre um processo de destilação. Um fenómeno de codificação de informação, tal como qualquer outra linguagem. No entanto, é tão mais complexa que a simples linguagem de comunicação oral e escrita, como perigosa. Devido à complexidade de formulação de significados da imagem, as imagens, ou melhor, a atribuição de significados é um processo constantemente mutável e sensível a um complexo sistema social. As imagens são um fenómeno essencialmente visual. Podemos definir dois tipos de imagens; as que vêm do interior e as exteriores – do Homem. Eu penso numa ideia, e rapidamente o meu cérebro cria uma imagem, que apenas existe dentro de mim. Tanto podem partir de ideias inatas (razão – no espírito) ou factícias (mistura entre sentidos e razão).53 Estas últimas utilizam os dados recolhidos pelos sentidos para os combinar com a imaginação. As imagens estão fundamentalmente ligadas (linked) às capacidades intelectuais e sensoriais de corpo humano. Sendo as capacidades sensoriais – note-se que não refiro perceptuais – uma espécie de veículo que permite estabelecer as ligações corpo-exterior. Pois, a nível interno, estaríamos a falar dum vasto e complexo sistema neurológico que processa estas informações e termina o processo em estímulos corporais. Daí considero que as 52 Bachelard, Gaston, L’activité Rationaliste de la Physique Contemporaine, citado em, O saber e as máscaras, P380/381 53 Descartes, Renée, Meditações Metafísicas, citado em “O saber e as máscaras” P311

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imagens, não são somente necessárias, como inatas e mesmo imprescindíveis. Elas fazem parte do processo cognitivo do ser humano. “The image can be constructed by imagination, by simbolic coding, or by fragmentary perception calling forth and founding the image on concrete elements. No matter how complete a mental image is, it cannot reveal the phenomenological content of reality.”54 Então, elas podem ser (re) criadas pela imaginação, por um sistema de codificação e pela percepção. Não obstante a sua relação com a realidade é bastante complexa. Se algumas imagens correspondem a, ou pelo menos pretendem, uma recriação intelectual da realidade, outras seriam a sublimação da realidade – campo dos sonhos está intimamente relacionada com a imaginação e uma percepção distorcida da realidade. Neste último caso, e fazendo referência às lição dada por Itálo Calvino sobre a Visibilidade: “Se inclui a Visibilidade na minha lista de valores a salvar é para advertir do perigo que corremos de perder uma faculdade humana fundamental: o poder de focar visões de olhos fechados, de fazer brotar cores e formas a partir de um alinhamento de caracteres alfabéticos negros numa página branca, de pensar

por imagens.”55

De salientar a referência do sentido da visão na criação de imagens, e que para tal, se feche os olhos. Como que se negássemos aquilo que podemos ver com os nossos próprios olhos, para poder imaginar. Como um 54 55

Nouvel, Jean, Jean Nouvel, P146 Calvino, Itálo, Seis Propostas para o Novo Milénio, P112

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acto de submissão perante o Deus da visibilidade, em que por mera vergonha, não pudéssemos admitir a coexistência de ambas as realidades. Acontece, então, um processo de substituição de realidades, daquilo a que acreditamos que é verdade. “Sin duda, las imágens retinianas de la arquitectura contemporánea, parecen estériles y sin vida cuando se las compara com el poder emocional y asociativo de la imaginería olfactiva del poeta. El poeta libera la fragrancia y el sabor ocultos en las palabras”.56 A necessidade de formulação de imagens está ligada à necessidade inata ao ser humano de pensar. Não só o processo cognitivo consciente depende da criação de imagens – a ordem pela qual se processa um e outro desde sempre foi motivo de discordância entre pensadores – bem como o sonhar, depende da criação de imagens. E é este processo que se aproxima da vivência da arquitectura. “Para que una obra se abra a la participación emocional del observador es necesaria un tensión entre las intencones conscientes y los caminos inconscientes. “En todos los casos, los contrastes deben resolverse de una manera simultánea y aglutinante”, como escribió Alvar Alto.”57

56 57

Pallasmaa, Juhanini, Los ojos de la piel, P56 Pallasmaa, Juhanini, Los ojos de la piel, P28

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Narciso, de: Óleo de Caravaggio

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Ceci n’est pás une pipe., de: René Margritte


[Camera eye, |pixelização da realidade|] Com Camera Eye, remeto-me para o campo da percepção designado por visão. Não por defender o predomínio da visão na percepção do mundo (comum no mundo ocidental), e consequentemente, da arquitectura, mas sim, pela sua estreita relação à imagem. A primeira imagem que crio mentalmente pensando em camera eye é a dum olho mecânico. Um dispositivo mecânico-tecnológico que simula empiricamente o processo natural retiniano de captação de imagens, para depois ser registada para futuro visionamento. Portanto, um registo “artificial” duma vista “artificial” daquilo que o olho observa. Num primeiro momento, a única constante em qualquer um dos modos de captação e registo e representação de imagens – para além da arte – é a perigosa necessidade de aproximação do real. Em alguns casos estaríamos a falar de uma simulação do real (render) e em outros casos numa captação mais ou menos deficiente do mesmo (fotografia e cinema). A arte, não só a pintura como as serigrafias e outros processos bi-dimensionais, encontra-se numa plataforma mais confortável. No sentido em que é permitido, com menos responsabilidades artísticas, uma interpretação pessoal da realidade. Esta não se encontra directamente condicionada pela realidade, como acontece com a fotografia. “…, la fotografia nos persuade de que el mundo es más accebible de lo que en verdad es.”58 Tanto no caso da fotografia como no cinema, no início de cada uma delas, a sua função era muito basicamente artística e documental. Recordemos os primeiros registos dos irmãos Lumiére com a “Saída da fábrica e a

58

Sontag, Susan; in: Los ojos de la piel; Pallasmaa, Juhani, P30

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Chegada do Trem à estação”, de 1895, ou as fotos da realidade social das classes populares do México capturadas pela fotógrafa italiana Tina Modotti. “A fotografia, pelo próprio facto de que ela só pode ser produzida no presente e com base no que existe objectivamente frente à câmara, impõe-se como o meio mais satisfatório para registar a vida objectiva em todas as suas manifestações; daí o seu valor documental, … “59 No cinema esta visão realista sempre teve avanços e recuos – com algumas vertentes mais radicais como a visão de Jean-Luc Godard, Micheal-Angelo Antonionni ou Roberto Roselinni. Voltando por momentos à fotografia. O Jacques Herzog fala de alguns dos seus edifício associando o esquema conceptual e a materialização da fachada à captação enquadrada da realidade (reality frame). Do mesmo modo que uma câmara regista segundo um processo artificial um enquadramento da realidade, uma qualquer janela ou porta dum edifício. “From the very beginning Herzog & de Meuron have thought that one of the purposes of architecture is to heighten our perception of the world. Buildings may become ‘frames’ or ‘filters’ focussnig view onto country or city.”60 Em qualquer uma das situações estamos a falar de um processo de enquadramento de realidade, e de um processo – mais ou menos eleborado – de artificialização da realididade.

59 60

Sotelo, Jesus Nieto; Modott, Tina; As Formas do século XX Focal Ediciones, Barcelona, 1997 Herzog, Jacques; In: Una conversación con Jacques Herzog, El Croquis 109/110 Pg.35

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Fotograma do Filme: Ferro3, de: Kim Ki-duk

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[Imagem imaterial, |ou imagem da imaterialidade|] Como foi referido em capítulo anterior, o homem sempre demonstrou um certo fascínio pela questão da imaterialidade. E, como também já referi, este conceito em arquitectura assume um papel ainda mais discutível. Em arquitectura podemos falar de dois tipos de imagem. A imagem como representação planificada de um projecto arquitectónico – mais ou menos elaborada, seja ela uma representação bidimensional ou tridimensional, que por norma se tenta aproximar ao máximo de uma representação fotográfica da realidade (chamar-lhe-ia de um hiperrealismo utópico) – e a imagem simbólica ou iconográfica – esta aproxima-se daquilo a que chamo de imagem imaterial. “Centuries of discourse have not fathom, or explained the power of the image, the immaterial image, the immateriality of the image or the image of immateriality. The more it is a thing of the mind the less it is susceptable to a visible reality:”61 É indiscutível o poder da imagem no panorama arquitectónico actual. A atractividade da imagem reside no facto de ela ser facilmente descodificada. No entanto, a mesma característica que garante esta mais-valia da imagem, também é o seu calcanhar de Aquiles. O sistema de multivalente de significação da imagem depende de um elevado grau de subjectividade – bem como de questões culturais. A imagem deve ser sujeita à interpretação, caso contrário não resulta. Este processo já não depende de quem produz a imagem, mas sim de todo um sistema complexo de transacção de informação. [“…; los edificios se han convertido en produtos-imagen separados de la profundidad y de la sinceridad existencial.”] 62

61 62

Nouvel, Jean; Jean Nouvel P150 Juhani Pallasmaa, Los ojos de la piel P29

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“En

el

futuro,

la

Arquitectura sólo podrá defenserse del torrente de imágens audiovisuales si agota sus auténticas posibilidades específicas, y esto requiere precisamente la implicación de todos los sentidos”63

63

Jacqus Herzog, Razón, Realidad y Cambio P51

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Louvre, Paris, by: haeresis, in: DEVIANTART:COM


Concurso Gravina 2005 | Um Projecto revisitado

La Pudizia, Capela de Sansevero, NĂĄpoli, foto do autor

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[Apresentação] “Se il primo giorno pensavo che la città fosse caotica, demente e insopportabile, il sesto mi ero convinto che in realtà, a modo suo, funzionava come una Rolls”.64 No ano de 2004 parti para mais uma viajem, desta feita, sob o protocolo Erasmus. A cidade de escolha foi Nápoles, a grande “capital” do sul de Itália. Esta, de certo modo, dispensa apresentações. Não, por um comodismo literário, mas por saber que por muito minucioso fosse a minha apresentação, demasiados pormenores ficariam por contar e perceber, facto que me perturbou desde do início. Proponho a leitura dum “pequeno” texto (em Anexo) do escritor espanhol Felix de Azua, jornalista do diário espanhol, El País. É um texto de absoluta qualidade jornalística em que o autor não conseguiu adormentar a sua veia poética. O texto chama-se: “Nápoli, pizza e centauri”. É precisamente na impossibilidade do destacamento do Eu emotivo, pondo em risco uma pertinente objectividade jornalística que se encontra a essência desta cidade. Uma cidade tectónica que vive sob a protecção divina do gigante adormecido. Tinham passado cerca de seis meses da minha chegada a cidade quando, frequentando as aulas – respeitando o plano de estudos acordado com a FAUP – surgiu a oportunidade de desenvolver um projecto de um concurso interno da faculdade de acolhimento – Faculta di Architettura, Univertsità degli Studi di Nàpoli Federico II.

64

De Azua, Félix; “Napoli, pizza e centauri”; periódico El Pais, Espanha, (Texto completo em anexo)

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A principal motivação para abraçar este projecto, pouco tem a ver com arquitectura, ou não. De facto, foi o meu crescente fascínio pela cidade de Nápoles, o inesperado desalento na metodologia projectual da faculdade de acolhimento, o constante espanto ao descobrir mais um claustro escondido, o silêncio inesperado a cinco metros da azáfama dos motorini, a constante dor de pescoço fruto dum ritual nova-iorquino, o cheiro retido nas narinas quando passamos por mais uma pizzaria, o incompreensível quase “arabesco” dialecto foi a minha principal motivação.

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[Objectivo, Porquê uma revisita] “Toda interpretação, para produzir compreensão, deve já ter compreendido o que vai interpretar".65

(Re) visitar66. Porquê? Antes de mais, porque revisitar significa, ver de novo. É um processo que, por vezes, se demonstra tortuoso, mas é uma premissa fundamental do processo arquitectónico – se não do próprio viver. Não será o viver um constante retrocesso?67 O Tempo assume neste trabalho um papel preponderante. Fundamentalmente decidi abordar, de novo, o projecto realizado para o concurso utilizando-o como suporte e aprofundamento de temas suscitados tanto no momento do seu desenvolvimento como na investigação teórica para este trabalho. Dado o carácter da proposta e o distanciamento temporal, o que proponho é uma alternância entre análise e reflexão de elementos essencialmente teóricos e de questões suscitadas na metodologia de desenvolvimento de projecto. Porque é essencial saber olhar para trás para poder olhar em frente.

Heidegger, Martin; Identidad y diferencia Do Lat. Visitare, v. tr. ir a casa de alguém por cortesia, dever ou caridade; inspeccionar minuciosamente; passar revista; ir ver por interesse (museus, etc.); assomar ou aparecer junto de; v. int. fazer visitas 67 “A idéia do eterno retorno parte da suposição de que a vida é reversível como uma ampulheta. In: A boa-vida, Abalos, Inaki, P25/26 65 66

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Porque: “solo quando nos volvemos com el pensar hacia lo ya pensado, estamos al servicio de lo

pensar”68. Porque Eu não sou o mesmo. Porque rever, é aceder à memória. Porque ver é sempre ver de novo. Porque o presente não existe? Porque rever significa pensar. Porque: “ (…) en cierta medida volver a ser su arquitecto, no trás una mera reconstrucción física, sino como pretexto para pensar desde lo concreto, lo general: conceptual, constructivo y formal.” 69 Porque: “ (...) l’inizio di una qualunque attività umana è il suo momento più straordinario. In quell’istante è racchiuso tutto lo spirito e tutta la vitalità de quel fare. Tutto ciò da cui dobbiamo continuamente trarre ispirazione per dare risposta ai nostri bisgoni.”70

Heidegger, Martin; Identidad y diferencia USTROZ, Alberto – La lección de las ruínas, P22 70 Kahn, Louis. Architettura è, Gli scritti 68 69

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[concurso, Gravina 2005] O “Concorsogravina05”, organizado pela Facultà di Architettura della Università Degli Studi de Napoli Federico II, foi um concurso de ideias com o tema: “Ridisegno dell’ex Palazzina Rispoli e sistemazione delle aree a margine di via Forno Vecchio e di via F. Pignatelli, complesso dello Spirito Santo”. Tinha como objectivo a construção de um edifício de apoio ao bloco principal da faculdade de arquitectura e a caracterização de dois percursos de ligação entre o actual edifício principal da faculdade e o proposto. Este último deveria de compreender uma Aula Magna e um espaço para exposições temporárias, para além duma zona de serviços e depósito. A ligação deste ao edifício principal era ainda um dado do programa. Tratava-se de um concurso de ideias orientado para os alunos da faculdade de arquitectura que estivessem inscritos nos dois últimos anos do bacharelato de Arquitectura, aos últimos quatro anos da licenciatura (5 anos – laurea Tab.XXX) de Arquitectura e aos inscritos nos cursos de licenciatura specialistica. A participação podia ser em grupo ou individual. O terreno no qual seria desenvolvido o edifício é uma pequena parcela do que resta de um complexo religioso – outrora um jardim do convento. Entre as ruínas que restam do referido complexo, duma recuperação algo duvidosa (actual pólo de arquitectura), prédios de habitação adjacentes e ocupações abusivas, um jardim petrificava.

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A documentação fornecida para a realização do concurso constava do seguinte: • Planta de implantação • Plantas do rés-do-chão, 1º e 2º piso do terreno com a envolvente imediata • 1 Corte transversal do terreno • 1 Alçado (sul)

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[Localização] [Área de intervenção] Lat. 40º 50’ 50” N long. 14º 14’ 54” E Corpo Rispolli, Complesso Dello Spirito Santo. Nápoles, Itália O concurso consistia em desenvolver um projecto de uma Aula Magna e um espaço expositivo, que fariam parte de uma ampliação do novo pólo da faculdade de arquitectura da Universidade Federico II de Nápoles, no que resta de um complexo religioso. A área reservada para elaboração do projecto situa-se a norte do pátio principal do complexo religioso e a oeste da “Chiesa dello Spirito Santo”. É de referir a proximidade deste complexo religioso a duas das mais importantes vias do centro histórico da cidade: Via Toledo – estrada redesenhada e alargada durante a ocupação espanhola da cidade – e a via San Biagio dei Liberai – comummente conhecida como Spaccanapoli, nome que deriva do Latim. Spacca significando: corte. Este é um importante eixo greco-romano, une os extremos Este (Forcella, histórico quarteirão napolitano, nome que deriva da bifurcação e da estrada) e Oeste (collina del Vomero) da cidade. As vias de acesso ao terreno chamam-se: Via Frabrizio Pignatelli e Via Forno Vecchio. Sendo a última a principal forma de acesso ao complexo e suas dependências, a primeira, apenas como acesso secundário de abastecimento, é no entanto, a mais próxima do terreno do projecto. É pela qual se faz a primeira abordagem visual do exterior ao edifício proposto.

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Existem dois percursos, paralelos a estas duas vias, e são sensivelmente mais largos que a vias referidas. Estes dois percursos fazem parte de uma segunda parte do concurso – facultativo –, visava-se a requalificação destes dois troços, como complemento do projecto.

[Orientação] Eixo longitudinal deslocado sensivelmente 6º para oeste do eixo Norte|Sul. Entrada actual a sul – pelo lado de menor.

[Implantação] O lugar do projecto compreende duas zonas qualitativamente distintas. Uma, cuja área livre é de 244.18m2 e representa geometricamente um rectângulo quase ortogonal (22.70*11.00*22.00*11.00 m) que designarei por Zona A, e uma segunda zona (Zona B) corresponde a uma pequena capela dupla abobadada com 73.21m2 de área (7.20*10.17 m). Este volume é contíguo ao terreno principal. Ambos encontram-se delimitados a sul, por um muro antigo com 1.30m de espessura por 9.98m de altura e por uma extensão de 42.84m. Ambas as zonas têm acesso através do muro. As aberturas têm: Zona A (6.42m de altura total por 3.82m de largura) e a Zona B (6.06m de altura total por 2.30m de largura) e encontram-se a 10.19m de distância entre eixos. Como o percurso paralelo a este muro tem um desnível de 3.45m a porta B tem 6 degraus para aceder ao seu interior (ambas as zonas estão à mesma cota).

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A envolvente é tão rica na sua diversidade, como complexa na sua linguagem, e natureza. O quarteirão corresponde essencialmente ao que seria uma configuração formal, comum, de um complexo religioso de quatro claustros, uma igreja e respectivas dependências. No entanto, e provavelmente devido ao veloz e irregular crescimento da cidade, apenas foram construídos dois claustros a Este da igreja (Cortille Forno Vecchio e Cortille dell’Orologio).

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[O projecto] [Programa e Disposição] Devido à excessiva “simplicidade” do programa proposto pela entidade reguladora, senti a necessidade de o completar. Esta escolha não é arbitrária, nem pretendo uma crítica ao regulamento elaborado, pois este – dada a sua natureza – proporciona uma maior liberdade criativa. A nível da extensão do programa, algumas das soluções encontradas funcionam como respostas a questões que dizem respeito a lacunas de funcionamento do edifício base da faculdade. Relativamente às áreas de cada uma das zonas do projecto, elas foram definidas, em primeiro lugar, tendo em conta a área do terreno destinado ao projecto, e depois como resultado do desenvolvimento do próprio projecto. Como é natural, a concepção da forma é, em si mesmo, sugestiva de ocasiões de criação funcional e espacial. Programa:

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Terreno_________________________________________________

[244m2]

Foyer __________________________________________________

[100m2]

Aula magna *____________________________________________

[132m2]

Espaço de exposições temporárias* ________________________

[61m2 + 73m2]

Bar ____________________________________________________

[23m2]

Administração *__________________________________________

[18m2]

Depósito e Serviços * _____________________________________

[184m2]

Sala de maquetas _________________________________________

[100m2]

WC ____________________________________________________

[30m2]

Terraço _________________________________________________

[87m2]

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*zonas referidas no regulamento do concurso


O organigrama funcional resulta dum paralelismo “filosófico” que me ocorreu na primeira visita ao local. Não foi uma associação do momento, e só bastante mais tarde me dei conta desta relação. Tratou-se da evocação duma árvore apenas vislumbrada no meio do terreno através de uma estreita abertura dos taipais que bloqueavam, naquela primeira visita, a vista sobre o terreno. A árvore que desenhei no meu caderno viria a tornar-se o esquema conceptual da forma que veio a ser projectada.

“Por mucho que lo intientes no la encontrarás. Es su recuerdo de un árbol.”71 Teve a ver com a memória daquela árvore. Não era uma árvore centenária que contasse histórias, daquelas curvadas perante a passagem do tempo. Tratava-se de uma árvore feia, enfezada e de pequeno porte. Foi a imagem de árvore que me ficou marcada na retina como uma tatuagem. Repetiu-se o gesto automático, para quem habita Nápoles, de erguer a cabeça para o alto, aparentemente na única direcção a percorrer, vertical. A morfologia urbana de Nápoles já há muito consolidou a altura contínua das construções. Cinco pisos napolitanos equivalem a dez pisos contemporâneos. Estabelecendo diferentes relações métricas (proporções) quer estejamos a percorrer os confortáveis envasamentos oferecidos à rua ou dentro de qualquer casa no seu interior. Facilmente o portão de acesso ao pátio – porque é por este que se acede as casas – se apodera da altura total do envasamento. Um sucessivo controlo de escalas desde da rua ao interior do compartimento mais pequeno que se poda encontrar. O portão recua a espessura da parede-muro do edifício introduzindo uma sensação de prolongamento do momento de entrada. A entrada não se trata apenas de uma porta, mas da espessura da 71

Stoppard, Tom; in: a+t 24, “Segunda parte,? y si la memória…?”

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parede na qual esta se fixa. Dentro, um outro tempo, uma outra escala, uma outra língua. Cada pátio conta a sua história, em silêncio entre as conversas de janela a janela. Voltando à minha árvore esquemática, o programa está distribuído segundo estratos. Muito sucintamente o programa pode ser dividido em três partes: raiz, tronco e copa. O primeiro, é onde se localizam os serviços e o depósito, no segundo existe um núcleo central (acesso vertical) que serve de acesso ao espaço expositivo, bar e Aula Magna, e o terceiro, é a onde se localiza a Aula Magna.

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[Abordagem | Referências | Temas] Tempo, silêncio, luz, matéria, limites, muro, jardim. Numa primeira abordagem ao projecto, apercebi-me que existiam alguns temas incontornáveis no desenvolvimento do projecto. Alguns temas não surgiram no primeiro contacto com o lugar e com o projecto. O tempo ocupou um papel fundamental para que cada tema encontrasse o seu espaço, e se projectasse para lá da sua definição etimológica. O que pretendia era que cada um destes temas se dissimulasse entre a natureza do lugar, no prazer de o percorrer, no espanto de o ver. Seria neste momento em que cada tema perderia sentido só por si, em prol de um todo. Tornou-se evidente que a solução projectual se iria destacar volumétricamente, devido à “excessiva” mas necessária área de programa. Não pretendia nenhuma manobra de dissimulação volumétrica, a integração do novo edifício com a envolvente estaria assente em relações de escala, materiais – tendo em conta o seu comportamento atmosférico e temporal –, momentos de luz e sombra e silêncio. Assumindo o pressuposto anterior, a volumetria teria de se destacar fisicamente dos limites do terreno. A distância de afastamento aos limites do terreno varia de acordo com a respectiva ocupação dos terrenos contíguos, e com a relação do edifício novo com o seu percurso de acesso. Respectivamente: sul, 3,55m; este, 1,05m; norte, 1,86m; oeste, 2,55m. Posteriormente, apercebi-me que este afastamento integral, a nível do rés-do-chão, remetia para a ideia primordial de ocupação daquela parcela de território, um jardim. No entanto, pareceu-me inconsequente manter fielmente a ideia de jardim. Para este projecto, a ideia de jardim, converteu-se na possibilidade de deambulação exterior do proposto. O piso deveria ser de um material ruidoso ao toque dos pés com o chão e de percurso lento. Como um saibro que deixasse crescer ervas, que ao secarem produzem um ruído vibrante – semelhante ao ruído que ouvia ao

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percorrer os terrenos de pousio da casa da minha avó. Em momentos de acesso ao edifício – proponho dois, um principal que está relacionado com o actual edifício da faculdade (sul) e outra que se assumiria como principal na eventualidade de demolirem o prédio de habitação que se situa na parte oeste – o material mudaria para um material estável, polido. Propus granito. Existe um terceiro acesso, mas este é exclusivamente de entrada no edifício da pequena sala abobadada – esta manter-se-ia intacta, apenas com ligeiras obras de recuperação e albergaria o espaço expositivo principal. O muro. Este elemento desde o início suscitou-me particular interesse. Pela sua grossura, pela sua cor, pela sua textura, pela sua altura, pelo facto de ser e estar. Por estar esquecido. “Termina un progetto fatto di quantità, di mattoni, de metodi costrittivi, di engegnaria e lo spirito del suo esserci inizia a manifestarsi. (...) È una signora di bronzo di belleza icomparibile, ma sappiamo che per quindici piani è stretta da corsetti e non si vede il contraventamento. Una torre è un oggetto che si opone al vento; lo si può esprimire in modo meraviglioso, così come la natura rende evidente la differenza tra il muschio e le canne. La base di un simile edificio deve essere più larga che la sommità; i pilastri che in alto possono danzare come fate non debbono avere le medesime dimensioni dei pilastri che in basso crescono all’imapazzata: non sono la stessa cosa.”72 Segue-se uma constante analogia à ideia de árvore, daquela árvore esquecida por entra os muros. Do chão, sai uma escada de valor escultórico, circular, que atravessa todos os pisos. Um jogo de sedução entre o que se permite ver e o que se sugere. Lâminas horizontais de cobre – porque oxidam com o tempo – pairam a partir do 1º piso libertando visualmente o envasamento. A estrutura é de betão maciço, pilares, lajes e algumas paredes.

72

Kahn, Louis, Architettura è, Gli scritti

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No rés-do-chão encontramos o foyer principal, no 1º piso, o bar e uma sala polivalente – funcionaria essencialmente como prolongamento da Aula Magna, como do espaço expositivo, no entanto, dada a proximidade do bar, este pode também funcionar como extensão de lazer deste – no 2º piso, um segundo foyer que serve de apoio directo ao fluxo de entrada e saída da Aula Magna, e no 3º piso está o acesso à Aula Magna. Esta seria a zona da proposta com mais restrições formais. Questões como o isolamento acústico e o controlo de iluminação sugerem que seja um espaço com poucas aberturas. Surge então, por cima do muro existente e ocupando grande parte do limite do terreno e apenas visível por entra as lâminas de cobre, um vo paredes lume maciço, opaco, pesado, como que provocação gravitacional. Após “fechar” este projecto pela primeira vez – no ano de 2005 –, visitei o terreno de novo, por mero acaso, como bom ladrão, não tenho por hábito de visitar “casa roubada". Mas desta fiz uma exepção, repeti

a visita…

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[Painel de apresentação 1]

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[Painel de apresentação 2]

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[O Projecto]

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Qualque vicholo a Nápoli, Nápoles, foto do autor


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Planta de implantação

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Planta do rés-do-chão (foyer)

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Planta do piso 1 (bar e sala polivalente)

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Planta do piso 2 (foyer2)

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Planta do piso 3 (Aula Magna)

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Corte longitudinal

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Alçado Principal (sul)

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Corte transversal

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Alçado lateral (este)

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Planta piso -1 (cave)

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[Conclusão…] Ainda não esqueceste as sete folhas em branco?

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[anexos] Napoli pizza e centauri “Se il primo giorno pensavo che la città fosse caotica, demente e insopportabile, il sesto mi ero convinto che in realtà, a modo suo, funzionava come una Rolls”. Uno scrittore spagnolo a spasso per Napoli FELIX DE AZUA, EL PAIS, SPAGNA Per la prima volta in vita mia, arrivando a Roma ho avuto la sensazione di trovarmi a Zurigo. Avevo appena passato una settimana a Napoli, e credo che persino Istanbul mi sarebbe sembrata un posto tranquillo. Del resto si sa: “Napoli è l’unica città orientale a non avere un quartiere europeo”. La frase di solito viene attribuita a Graham Greene, ma in realtà appartiene a un giornalista dell’Ottocento, Domenico Scarfoglio, almeno stando a Norman Lewis, autore di un capolavoro dell’antropologia meridionale, Napoli 44, il diario che scrisse quando era membro dei servizi di informazione britannici durante la liberazione d’Italia. In quel lontano 1944, quando Lewis, aiutato dalla Quinta flotta americana e dal luogotenente di Luky Luciano, Vito Genovese, occupò una città abitata da due milioni di esseri famelici, Napoli era un frammento d’Oriente. Eppure non era ancora stato inventato il motorino o, per dirla in buon italiano, lo scooter. Da allora, l’enorme capitale del sud non ha fatto che spostarsi sempre piú a Oriente. Tranne che negli ultimi due anni. Come Norman Lewis, cinque ore dopo aver calpestato il suolo napoletano anch’io volevo filarmela il prima possibile, però dopo una settimana sarei rimasto a viverci. Il traffico è demenziale, l’affollamento delle strade è paragonabile a quello di Calcutta, gli alberghi sono preistorici, la delinquenza onnipresente, la povertà, la sporcizia, il frastuono, il caos colpiscono il nuovo arrivato con un pugno di ferro e di fumo.

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Quella stessa notte cominciai ad assistere a scene che sembravano riprese dal cinema americano degli anni Cinquanta. Dopo essere stato efficacemente espulso dall’albergo perché mancava la luce, mi attenni all’obbligatoria passeggiata sul lungomare fino al Castel dell’Ovo, una gigantesca fortezza normanna situata sulla roccia marina, e già durante la passeggiata restai affascinato da un primo spettacolo popolare, lo spiegamento delle napoletane - nonne, madri o figlie - abbigliate in attillatissimi pantaloni neri, con corpetti che esibivano l’ombelico sommerso nelle carni turgide e capigliature africane. Avevano tutte le labbra dipinte color marrone fegato e incedevano tutte su coturni con una piattaforma di circa cinquanta centimetri. Una scena da non perdere. Intorno a loro svolazzavano dei ragazzi magrolini, rapati, con crestine, occhiali da sole (soprattutto di notte) e piercing, molto simili a spermatozoi danzanti intorno all’ovulo, come quelli disegnati su alcune stampe di anatomia. Distratto com’ero, improvvisamente mi parve che qualcosa fosse cambiato; il mare, a Margellina, era calmo come un vassoio d’argento, però il cielo d’un tratto si era incendiato. I massi imponenti del castello, dorati dalla luce, sembravano i bastioni di una fortezza in terra santa. Ai piedi del castello, un porto discreto con decine di imbarcazioni ormeggiate ospitava una serie di ristoranti come quelli che anni fa si incontravano sulle spiagge della Barceloneta. Intorno a me si muovevano con grandeur diverse divinità mediterranee, Astarte, Ishtar, Athirat, con il loro seguito di spermatozoi. Il Vesuvio in miniatura Solo quando mi sedetti a un tavolo apparve la minaccia: un cantante napoletano da manuale, già avanti con gli anni, pancione sporgente sulla cintura, chitarra decorata, baffetti alla Gilbert Roland, braccialetti d’oro e l’aspetto inequivocabile di chi si prepara a cantare per tutta la notte. ‘O sole mio si installò davanti ai tavoli e rimase ad ascoltare per qualche istante lo sciabordio delle imbarcazioni e il gradevole cozzare delle chiglie. Poi domandò alla clientela nativa se c’erano richieste per quella notte. In effetti, ce ne furono. Ma devo dire che non cantò ‘O sole mio neppure una volta. La prima richiesta fu una cavatina di Donizetti e immediatamente capii che quell’uomo avrebbe potuto trionfare in un teatro lirico. La sua voce mi ricordava quella del giovane Alfredo Kraus, anche se non lasciò il sigaro neppure in piena cavatina. Non avevo mai visto uscire del fumo dalla gola di un tenore durante un’interpretazione. Era come un Vesuvio in miniatura. Il fumo sgorgava piano, piano, e restava sospeso nell’aria come il suono inverosimile di quella voce prodigiosa; poi si disfaceva in spirali sottili spinte dagli ultimi ghirigori del canto. Dopo di che accendeva un altro sigaro.

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Una delle tante sorprese che riserva questa città sorprendente è la competenza professionale dei suoi abitanti. Deve essere stato difficilissimo per questo insieme di tre milioni di cittadini legali e altrettanti illegali, dotati di una capacità lavorativa cosí notevole, conseguire la piú perfetta inoperosità collettiva. Perché se i cantanti di taverna sono come le nostre stelle dell’opera, non meno eccellenti sono i cuochi, i librai, gli arcivescovi, gli artigiani di statuette per il presepio (il grande successo di quest’anno: Bossi decapitato da Prodi), i conciatori, i filosofi, i politici, i chirurghi, gli incisori di cammei o i motociclisti. I motociclisti, comunque, sono un caso a parte. I motociclisti sono il non plus ultra. La circolazione stradale Se il primo giorno avevo potuto credere che quella città fosse un caos aggressivo, demente e insopportabile, il sesto mi ero convinto che solo le forme erano aggressive e caotiche. In realtà, e a modo suo, la città funziona come una Rolls. Cercherò di spiegarlo con un esempio illuminante: la circolazione stradale, cuore, essenza e capolavoro della cultura napoletana. Nessuno sa quanti milioni di moto circolino per Napoli, dal momento che la stragrande maggioranza sono illegali. Eppure sono i ciclomotori, i motorini, che impongono la legge. Di regola sono guidati da una coppia di ragazzi fusi in un corpo unico e sudato che i locali chiamano affettuosamente “centauri”. Di solito sono due rapati, oppure un rapato e una dea voluminosa, oppure due dee, una rapata e l’altra voluminosa. Però non è raro il terzetto: padre voluminoso, madre molto voluminosa e bimbo o bimba rapatini. Sono arrivato a vederne fino a cinque in confortevole equilibrio sul loro motorino: nonna non voluminosa con creatura in braccio, piú il solito terzetto familiare, a ottanta all’ora e contromano nell’affollatissima via Roma all’ora di punta. Ciò che a una prima impressione può sembrare insopportabile, soprattutto per il livello di inquinamento acustico, può trasformarsi nella maggiore attrattiva della città, purché il forestiero abbia vena di antropologo. Si possono passare ore e ore osservando l’incredibile abilità con cui i centauri e le centaure schivano ogni genere di ostacoli umani, animali, vegetali, minerali e di ordine pubblico, senza procurarsi neppure un graffio. Gli interscambi lussuriosi di centauri motorizzati e divinità mediterranee su piattaforma mentre sfiorano autobus e scolaretti a cento all’ora, resuscitano un morto. E’ chiaro che a Napoli può circolare soltanto chi ci è nato. Tutti gli altri appartengono al ridicolo mondo di chi esita prima di attraversare (il che provoca frenate spaventose), o si premura di rispettare il semaforo (il che blocca il traffico), o vigila con lo sguardo i motociclisti (ma non nel modo giusto, e perciò li depista). I pedoni napoletani attraversano ovunque e in qualunque modo. O meglio, non attraversano: si tuffano nella piscina di ferro, fumo e fragore. Ma prima di farlo hanno emesso una serie di segnali impercettibili a un

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forestiero e molto simili agli ultrasuoni di alcuni insetti durante l’accoppiamento, che qualsiasi motociclista, conducente di autobus o di camion, qualsiasi triciclo o ambulanza, captano immediatamente. Il forestiero osserva attonito un vecchio zoppo che si fa strada in mezzo a un traffico mostruoso con assoluta serenità, avanzando a scatti come una molla meccanica dal ritmo irregolare, mentre le moto e gli autobus, le macchine e i camion gli sfrecciano intorno a centoventi all’ora, indovinando in poche frazioni di secondo dove si spingerà la prossima convulsione della gamba slogata o la capricciosa deriva del vecchio pazzo. La circolazione stradale, somma opera d’arte napoletana, è uno spettacolo paragonabile soltanto ad alcune difficilissime scene del Lago dei cigni, dirette con pugno d’acciaio da vecchi discepoli di Marius Petipa. Dopo qualche giorno appare evidente che Napoli non è un posto caotico, ma una città dotata di un altro genere di ordine, piú sofisticato e complesso del nostro. Il napoletano, che è persona abilissima, sveglia, focosa e di una vitalità contagiosamente vulcanica, si annoia con il codice di circolazione europeo e ha adottato un proprio codice di segnali extrasensoriali. Il codice di circolazione europeo, rispetto al suo, gli sembra un’invenzione francese: una cosa ingegnosa, persino piacevole, ma di cui si può fare a meno; un po’ come il bidè. Mi affretto ad aggiungere che questo sistema funziona benissimo, perché ci sono molti piú paralitici da motocicletta a Barcellona che a Napoli, anche se il nostro mercato delle moto è sí e no un quarto e il nostro parco conducenti è completamente coperto dal casco, ammennicolo che i centauri napoletani usano per bollirci la pasta. Quale conclusione dobbiamo trarre da questo stato di cose? Semplicissimo. Il codice e la legge, si tratti della circolazione o di qualsiasi altra materia regolamentabile, migliorano la vita delle società solo quando queste sono arrivate all’individualizzazione. Né prima né dopo. Credo che un’affermazione cosí categorica esiga una spiegazione, e vorrete perdonarmi se assumo pose pedagogiche. Dove regna la tribú In città come Valenza o Parigi, sebbene persistano residui tribali nelle periferie, vive una maggioranza di individui raggruppati in masse. Le masse assumono varie sembianze e possono essere, ad esempio, gruppi di tifosi di calcio, dimostranti contro il terrorismo, iscritti a un partito politico, scioperanti della compagnia dei telefoni, membri di una congregazione mariana e moltissimi altri. A loro volta, gli individui si tengono a distanza dagli altri individui delle diverse masse ricorrendo a una legge oggettiva e neutrale, La Legge. In questo modo non devono spaccarsi la faccia ogni volta che vogliono attraversare una strada o portare a passeggio il cane. La legge garantisce la libertà di ogni cittadino della massa totale individualmente preso. Questo, almeno, in teoria.

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Ma Napoli non è arrivata allo stadio individuale (o lo ha già superato), o forse è tornata allo stadio di specie (o lo ha già raggiunto). A Napoli esiste solo la specie, e la massa non conta niente. L’individuo postnapoleonico è un ornamento teorico e un po’ effeminato tipico delle democrazie industriali. A Napoli conta solo la tribú. A Madrid o a Milano, non rispettare un semaforo è pericoloso perché lo accende e lo spegne il diritto individuale ad attraversare senza essere ammazzati. Il semaforo di Napoli, invece, è un’imposizione coloniale e i napoletani lo vedono come il ritratto di un imperatore lontano e incomprensibile; un totem adorato da gente un po’ beota, e a cui non bisogna prestare la benché minima attenzione. La legge, a Napoli, non è una garanzia di libertà individuale, ma un costume barbaro e inaccettabile. Una guerra Come avrete già intuito, con una simile circolazione stradale, la rimanente offerta culturale napoletana, pur essendo una delle migliori d’Europa, manca di attrattiva. Ho cercato con tutte le mie forze di concentrarmi davanti alla celebre Danae di Tiziano a Capodimonte (era questo il motivo del mio viaggio), ma non mi è stato possibile. Ho girovagato nel Museo archeologico, forse il miglior museo di antichità greche e romane d’Europa, ma con il susseguirsi dei capolavori e della loro eterna e immarcescibile bellezza, cresceva la mia impazienza. La verità è che non vedevo l’ora di scappare da lí per andare a vedere come procedeva la guerra della strada. Perché, ormai è giunto il momento di dirlo, Napoli era sul piede di guerra. Le ostilità erano state aperte dal sindaco, Antonio Bassolino, un comunista illuminato come ormai non se ne trovano piú e come vorremmo averne anche noi. In questo momento in Europa esistono due lotte urbane piene di eroismo, e devo dire che la ricostruzione di Sarajevo è un gioco da bambini rispetto alla ricostruzione di Napoli avviata da Bassolino. I risultati sono spettacolari, e la città li vive con passione vesuviana. Cosí, ad esempio, il 15 settembre, il quotidiano La Repubblica titolava la sua edizione napoletana con una frase suggestiva: “La guerra dei motorini”. Cinquanta posti di blocco distribuiti nella città vecchia tenderanno una rete in cui rimarranno intrappolati tutti i motociclisti illegali. I trasgressori saranno passibili di multa, le loro moto verranno confiscate (un atto paragonabile all’evirazione) e saranno denunciati al Tribunale dei minori quei padri che guidano con uno o piú figli in grembo. La scintilla che ha scatenato la guerra è lo scippo, 400 circa solo nella prima quindicina di agosto. Lo praticano i centauri, la cui abilità con le moto truccate è superlativa. Tu cammini con la borsa o la videocamera appese alla spalla e ti spariscono senza bisogno di sollevare il braccio. Continui a camminare con la mano in tasca senza accorgerti che non hai piú la borsa né la videocamera, e certe

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volte nemmeno la giacca. E’ qualcosa di portentoso. All’operazione contro i motorini partecipano circa cinquecento uomini fra vigili urbani, carabinieri, poliziotti e agenti della guardia di finanza. Esco, quindi, in tutta fretta dal museo per vedere come procede la guerra. I controlli bloccano le strade che segnano il perimetro della città storica, nel cui ventre si trova il quartiere degli spagnoli, un enorme labirinto dove si concentra la malavita, quella vera. I motorini, allineati come alla griglia di partenza di una gara, con i motori che girano al massimo, non si danno per vinti e, nonostante i minacciosi controlli della polizia (o per sfidarli), cercano di incunearsi a tutta velocità approfittando della minima distrazione degli agenti. Il rumore è terribile, i motorini vanno e vengono come comanche a cavallo che cercano di penetrare nel forte. Le perdite sono numerose. Bassolino ha formato un corpo di poliziotti segreti, in sella a macchine tremende da mille centimetri cubici, che danno la caccia a tutti i selvaggi che osano sfidarli. A due metri da me, una Renault Mégane molto ammaccata è rimasta intrappolata nel controllo fra via Toledo e via Diaz. Riesco a distinguere chiaramente il conducente: occhiali da sole, rapato, crestina, barba di una settimana, sulla venticinquina, piercing. Senza muovere un muscolo comincia a farsi largo con colpi nervosi, spingendo avanti e indietro i vicini che lo bloccano. Questi ultimi si spostano di qualche centimetro senza nessuna protesta. Quando riesce a farsi un minimo di spazio, dà un colpo incredibile al volante seguito da un’accelerata assordante e scappa a tutto gas sul marciapiedi, contromano e senza sfiorare un solo passante. Immediatamente volano sulla mia testa due potenti Honda 750 spuntate dal nulla. Ogni moto è cavalcata da due poliziotti segreti fusi in un corpo solo, (occhiali da sole, rapati, crestine, piercing), pistola in resta. Sono la versione adulta dei motorini, e la popolazione (io compreso) si gode immensamente questo scontro. Gli eroi si perdono nell’orizzonte di via Roma. Il marciapiedi è rimasto vuoto, però non c’è un solo ferito. Le madri con bambino, piattaforma e capigliatura tornano a occuparlo. Come volete che mi concentri su Tiziano? Il mattino dopo corro a leggere le notizie. La Repubblica informa che nel primo giorno di guerra sono state sporte 1.200 denunce, confiscati 130 motorini e si ha notizia di soli quattro scippi. “Lo facciamo per voi”, confessa il sindaco ai giovani centauri. Ma su un’altra pagina appaiono le dichiarazioni di Carmine, un ragazzo rapato, con crestina, occhiali da sole e piercing, capo di una banda del quartiere spagnolo: “Studieremo la rete e troveremo i suoi punti deboli. Per il momento non andiamo in vacanza. In ogni modo, qui non si azzardino a entrare. Il quartiere è nostro”.

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Non mente e non millanta. Il cuore di Napoli è una città a parte formata da labirinti minacciosi. I suoi inquilini lo chiamano la “casba”, e solo fra piazza Trieste e via Diaz conta diciotto vicoli, autentici corridoi dove sfuggire all’inseguimento della polizia è questione di secondi. Ogni vicolo è controllato da un venditore di kleenex che comunica con il successivo, formando un’efficacissima rete di vigilanza. Verso Occidente Alcuni segnali, tuttavia, fanno pensare che poco a poco si stia aprendo una crepa nell’ultima città orientale del continente europeo e che attraverso questa crepa possa insinuarsi l’Occidente. Tanto per fare un esempio, anche qui ha attecchito energicamente il telefono mobile, ribattezzato telefonino. Usa il telefonino persino il mendicante del mio albergo, che è un lebbroso a cui, peraltro, mancano entrambe le orecchie. Il telefonino sta individualizzando la gente che fino a due giorni fa comunicava gridando o attraverso la rete di venditori di kleenex, la cui efficacia è molto superiore a quella della compagnia dei telefoni. L’immagine piú emblematica di una società di masse formate da individui è un viale urbano in cui una cinquantina di votanti parla col telefonino all’altra cinquantina della strada di fronte. E’ possibile che Napoli finisca col diventare, come Saragozza o Londra, una città di individui-massa che attraversano solo se i semafori segnano verde e dove le automobili si fermano quando le anziane (tutte attaccate al loro telefonino) attraversano sulle strisce pedonali. Se questo un giorno succederà, gli impresari turistici del nostro paese potranno cominciare a tremare. Come si può competere con una città con due baie? Con quattro funicolari che ti portano in quattro città diverse con panorami mozzafiato sui porti, le isole, l’immensa distesa urbana, le barche che solcano il mare azzurro cobalto e il Vesuvio sullo sfondo come una divinità infernale e protettrice? Con Capri a un’ora, Ischia a mezz’ora e Sorrento a tre quarti d’ora di navigazione? Con Pompei ed Ercolano a un salto di metropolitana? Con il complesso barocco piú importante del mondo e la gastronomia piú squisita d’Italia? Con le Porte dell’Inferno e l’antro della Sibilla cumana nel circondario? E con queste signore sulle loro piattaforme? Il vero miracolo è che Napoli non abbia già divorato tutto il turismo mediterraneo degli ultimi vent’anni. E’ quello che ha capito un comunista illuminato come Bassolino, e poiché ormai a produrre dividendi sono soltanto le industrie culturali e del tempo libero (se esiste ancora una qualche differenza), ha cominciato, nella piú pura tradizione marxista, a creare individui e masse in questa caparbia roccaforte della tribú e della specie. Spingere Napoli verso Occidente è l’ultima possibilità per dare da mangiare a tutta la sua popolazione, vista la distruzione industriale che qui si è prodotta.

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Chiunque prenda un treno e percorra i dintorni di Napoli in direzione di Pompei rimarrà di sasso. Un deserto di rifiuti industriali di quasi un centinaio di chilometri indica la gravità del depauperamento napoletano. Questo paesaggio di desolata ecatombe è talmente brutale che quando si arriva a Pompei sembra di stare a New York. Gli scheletri di fabbriche e stabilimenti, i ferri contorti e ossidati formano una giungla in cui si incrostano minuscole casette semiultimate o semidistrutte. Nessuno sa chi si rifugia in questa giungla di cemento e di ossido, o se sia stata occupata dagli extraterrestri. Per salvare i tre milioni di napoletani (censiti) dal loro suicidio non c’è altro rimedio che trasformarli in individui. Questa è la guerra di Bassolino. Delle due l’una: o i centauri e le altre divinità orientali, o le pizze impeccabilmente occidentali. L’anno prossimo torneremo per verificare gli spostamenti di truppe e trincee. Ogni scusa è buona. (G.C.)

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[bibliografia] [Livros] As Formas do século XX, Josep Maria Montaner ; trad. Maria Luiza Tristão de Araújo. - Barcelona : GG, cop. 2002 Matéria e forma, [A.40.418] Vicente Más Lloreno, Eduardo Souto de Moura, Andrés Perea Ortega, Hélio Pinon, Ignacio Bosch Reis, Arturo Martinez Boquera, Ediciones Generales de la construccion, Valencia, 2003 El Croquis 109/110 – H & de M 1998/2002, The Nature of artifice L’insostenibile leggerezza dell’essere – Milan Kundera, L’insostenibile leggerezza dell’essere, 1985 ADELPHI edizioni, XXV edizione, gennaio 2005 Seis propostas para o novo milénio, Italo Calvino – Editorial Teorema, LDA., 5ª edição, 1990, Santa Maria da Feira O saber e as máscaras – M. Helena Varela Santos, Teresa Macedo Lima, Filosofia, 11º ano de escolaridade Porto Editora, Interpretation in Architecture – design as a way of thinking, Adrian Suodgrass and R. Coyve, London, GG, Routledge, 2006 A Boa-Vida – Visita guiada ás casas da modernidade, Inaki Abalos; trad. Alicia Duarte Penna. – Barcelona, GG, 2003 Forma: pensamiento, entre pensamiento filosófico y arquitectónico, ed. Leandro Madrazo, Barcelona, Actar, 2006 Los ojos de la piel – Juanini Pallasmaa

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[Periódicos] Quaderns 173, II, Kundera, Milan, Del rigor, La arquitectura de la novela Quaderns 201, Renovating A+T, Memory II Arquitectura Viva ’91, H & de M, del natural, Dialogos o logos: entre Schaulager y Prada Arquitectura Viva ’92 Quaderns ‘229, Fronteras – Borders, Edicion Caleidoscópio, Barcelona 2001 Arquitectura Ibérica 14, Transparências, Rui Barreiros Duarte...[et.al]. - Casal de Cambra: Caleidoscópio, 2005

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“ (…) Nietzsche escreveu em A Gaia Ciência: ‘Chegará um dia – quiçá muito breve – em que se reconhecerá o que falta a nossas grandes cidades: lugares silenciosos, vastos e espaçosos, para a meditação. Lugares com largas galerias cobertas para os dias de chuva e de sol, aos quais não atingirá o ruído dos carros nem o pregão dos mercadores, e onde uma etiqueta mais subtil proibirá até ao sacerdote de orar em voz alta: edifícios e construções que, em seu conjunto, expressarão o que há de sublime na meditação e no isolamento do mundo. (…) Queremos traduzir a nós mesmos em pedras e plantas, queremos passear por nós mesmos enquanto circulamos por essas galerias e esses jardins.” [A boa-vida, Inaki Abalos]]

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