Caismdo sertão jc 22 04 2015

Page 1


6

Recife I 22 de abril de 2015 I quarta-feira

caderno C

www.jconline.com.br

O fole chorou por Camarão DESPEDIDA Um dos responsáveis por consolidar a sanfona no forró e professor de várias gerações, o músico faleceu aos 74 anos no Recife Edmar Melo/JC Imagem

José Teles

teles@jc.com.br

Mateus Araújo mateus@jc.com.br

C

om a morte de Camarão, o forró não fica apenas mais pobre. Perde um dos últimos remanescentes da geração que veio logo em seguida a Luiz Gonzaga. Reginaldo Alves Ferreira, seu nome de batismo, foi também um dos músicos que consolidou a sanfona como instrumento do forró, que tocou com todos os grandes, sobretudo com Luiz Gonzaga, e marcou época com a Bandinha do Camarão, uma formação pioneira no forró. O instrumentista faleceu ontem pela às 8h40 da manhã, aos 74 anos. Estava internado no Hospital Santa Joana desde sábado para fazer alguns exames, em decorrência de uma infecção intestinal, e também sofria de problemas cardíacos e renais – fazia hemodiálise há cinco anos, de acordo com o filho Salatiel Alves. O corpo foi velado desde as 18h na Câmara dos Vereadores do Recife, para um público pequeno formado de familiares e músicos amigos. Os sanfoneiros Cezzinha, Ítalo Costa e Beto Hortiz tocaram sucessos do forrozeiro. O caçula dos alunos de Camarão, o garoto caruaruense Vinícius, de 10 anos, também foi se despedir. A pedido do próprio Camarão, o enterro acontece hoje às 14h, no Cemitério de Caruaru. Ontem, após a família anunciar a morte de Camarão, amigos e artistas publicaram mensagens lamentando, nas redes sociais. Entre eles, os forrozeiros Santanna O Cantador e Maciel Melo, os produtores Fábio Cabral e Anselmo Alves. Camarão é uma prova do descaso e preconceito de que são vítimas os forrozeiros. Os discos que lançou ao longo de mais de 50 anos de carreira, como integrantes de grupo ou solo, estão fora de catálogo. Contemplado com o título de Patrimônio Vivo de Pernambuco, tinha direito a uma pensão vitalícia, paga pelo Estado. Seu único rendimento assegurado. Sem ganhar absolutamente nada de direitos autorais, complementava a renda mensal dando aulas de sanfona – teve mais de 150 alunos, incluindo Cezzinha e Dudu do Acordeom –, e fazendo o que melhor sabia, ou seja, tocar forró no palco. Só com Santanna O Cantador foram 14 anos. Foi o preferido de Luiz Gonzaga durante muitos anos. Continuava recebendo convite para forrobodós, mas a saúde debilitada não permitia manter o ritmo. Ainda assim, Camarão era um dos convidados da festa do primeiro aniversário do Museu Cais do Sertão, no próximo domingo. “Ele ia lançar em breve o primeiro DVD, Mestre de um Brejo distante, que era seu sonho. Agora eu e meus irmão vamos nos reunir para ver como vamos fazer, como uma homenagem”, disse Sérgio Alves, um dos quatro filhos de Camarão.

DOM Camarão era um dos músicos preferidos de Luiz Gonzaga. Além de tocar, ele ensinou sanfona a mais de 150 alunos

Nascido em berço de sanfona Nascido na véspera de São João de 1940, em Brejo da Madre de Deus, no Agreste, Camarão aprendeu sanfona olhando o pai tocar. Aproveitava a ida de Antônio à lavoura para ensaiar algumas notas no instrumento. Sua primeira apresentação foi aos 7 anos. Naquela época foi submetido ao crivo dos sanfoneiros da família, numa das reuniões no quintal da Fazenda Camalaú, no interior da Paraíba. Aos 10 anos, foi para Caruaru. Aos 18, já fazia parte do elenco de músicos contratados da Rádio Difusora. Numa entrevista ao JC, em 2003, Camarão relembrou a música nordestina antes mesmo do advento de Luiz Gonzaga: “O

forró como a gente chama hoje era conhecido por samba. Os sanfoneiros tocavam valsas, polcas, vi muitas vezes Zé Tatu tocando esses estilos. Essas músicas nordestinas, a não ser nos sítios, só tocavam no período junino. Só depois é que vieram as músicas de Luiz Gonzaga”. Ele lembrou também que até os instrumentos não tinham sido ainda padronizados naquela época. “Um dos instrumentos que se usava naquele tempo era o melê, parecia com tamborim grande. Cortavam uma árvore, furavam no meio, e pregavam uma borracha na boca. Era um sonzinho meio baixo, mas dava pra fazer a percussão. Só conhe-

ci bateria já rapazinho, em Caruaru. Chamavam a bateria de jazz”, recordava a testemunha ocular da história da música nordestina. Camarão começou a ganhar a vida tocando nos cabarés, em Caruaru, Serra Talhada e outras cidades do interior que tivessem cabarés animados. Aos 20 anos, conseguiu o primeiro emprego fixo na Rádio Difusora de Caruaru. “Entrei na vaga do sanfoneiro Zé Vaqueiro. Ele tinha substituído Hermeto Pascoal, que o pessoal chamava de Sivuquinha”, recordava Camarão, que acompanhou todos os artistas famosos que vinham à cidade. “Toquei com os grandes nomes do

rádio, Orlando Silva, Nelson Gonçalves, muita gente famosa”. O apelido Camarão veio, obviamente, por ele ser muito louro, de bochechas avermelhadas. Foi invenção de Jacinto Silva. “Um dia cheguei atrasado na rádio. No que entrei com a introdução, avexado, Jacinto não acertou e gritou: ‘De novo, Camarão’. O pessoal caiu no riso e a coisa pegou”, contava ele a origem do apelido. Jacinto foi um dos muitos artistas com quem Camarão gravou. No auge da gravadora Rozenblit, Camarão era o sanfoneiro mais requisitado para gravações, foi inclusive lá que ele gravou o primeiro LP.

Em defesa do autêntico pé de serra Antes de montar sua famosa bandinha, Camarão participou de Os Nordestinos do Ritmo, um trio nos moldes do Trio Nordestino, com Jacinto Silva e Raimundo Peba. A banda de Camarão naturalmente era muito diferente das atuais bandas estilizadas, que se vendem como se de forró fossem. Ele confessava que não apreciava nem um pouco a música dessas bandas: “Nem se pode dizer que é forró, cantam até versões de músicas estrangeiras. Mas conseguiram dominar o mercado. Essas bandas, feito Limão com Mel, são administradas por magnatas, então fica difícil competir com eles”, comentava em 2003. Em compensação, admitia que foi graças a essas bandas que surgiu um maior interesse pela sanfona, mas, mesmo aí, não deixava de criticar as bandas: “Nessas bandas a sanfona é objeto decorativo, está ali para dizerem que é forró, o importante para eles é a guitarra, o teclado”. Um dos pais da coisa, Camarão também não era admirador da maioria do que se convencionou chamar de pé de serra. Em cantores citava Flávio José, Santanna e o baiano Adelmário Coelho. Compositores, gostava de Maciel Melo e Petrúcio Amorim, e apontava Luiz Gonzaga como responsável pelo fraco forró do século 21: “O problema é que não tem mais assunto, o que tinha para falar, Gonzaga falou: seca, boi, rio, mar, onde o sujeito for, já está copiando Gonzaga. Então, agora, o pessoal fica nessa coisa melosa”, criticava. Camarão não pensava em se aposentar, mas, paradoxalmente, não demonstrava interesse em continuar com sua banda ou voltar a lançar disco: “Gravar para quê? Para presentear os amigos? Ninguém compra, não toca no rádio, e quando acontece de vender bem, no outro dia está no camelô pirateado”. O forró, este Camarão acha que não acaba nunca: “Na verdade, o forró nunca foi muito considerado, mas é feito aquele programa, Balança mas não cai: balança, balança, mas não cai, vai continuar sempre”. Continuar como a arte do sanfoneiro de Brejo da Madre de Deus.

q Mais na web Vídeo com Mestre Camarão no www.jconline.com.br/cultura

k rápidas Dramaturgo Vladimir Capella morre aos 62 anos, em São Caetano do Sul O dramaturgo Vladimir Capella morreu aos 62 anos na manhã desta terça-feira (21) em sua cidade natal, São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, em decorrência de parada cardiorrespiratória. Ele estava hospitalizado há cerca de 20 dias na Unidade de Terapia Intensiva do Complexo Hospitalar Maria Braido, em razão de um enfisema pulmonar. O corpo de Vladimir vai ser enterrado às 10h de hoje. O dramaturgo era um dos mais importantes autores contemporâneos de peças infantis. Escreveu e dirigiu produções célebres, como Panos e lendas (1978) – pela qual levou os prêmios Mambembe, Governador do Estado de São Paulo e Molière; Do outro lado (1983) e Avoar (1985). Em 2003, adaptou para o teatro o livro de Jorge Amado O Gato Malhado e A Andorinha Sinhá. É autor ainda de O colecionador de crepúsculos, que tem como base a vida e obra do folclorista Câmara Cascudo. Vladimir Capella também criou espetáculos adultos, como Filme triste (1983) e Louco circo do desejo (1985). O corpo será enterrado hoje, às 10h, no Cemitério da Cerâmica.

Bonequeiro Sílvio Botelho dá aula-espetáculo A Estação Quatro Cantos Galeria & Café recebe, a partir de hoje a exposição A casa dos bonecos gigantes de Olinda, de Sílvio Botelho, na primeira edição do projeto Arte nos Quatro Cantos. Além da mostra permanente, o espaço recebe aulas-espetáculos do artista plástico, por meio de visitas agendadas de grupos à exposição. Ingresso a R$ 5. A Estação fica na Rua Prudente de Moraes, 440, Sítio Histórico de Olinda.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.