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6 jornal do commercio

Recife I 12 de outubro de 2014 I domingo

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Epidemia em tempo real Claudia Parente cparente@jc.com.br

A

velha prancheta que os técnicos de saúde usavam para coletar dados epidemiológicos nas pesquisas de campo está prestes a ser aposentada. Um aplicativo para smartphone, criado na plataforma Android, permite que as informações sejam transmitidas em tempo real para o laboratório onde pesquisadores poderão fazer análises estatísticas e avaliar, com mais rapidez, a evolução da doença. O projeto Schisto Track, dissertação de mestrado do biomédico Onício Batista Neto, foi indicado ao Prêmio de Incentivo em Ciência e Tecnologia para o SUS – 2014, do Ministério da Saúde. Um das vantagens do Schisto Track, como foi batizado por Onício Batista, é evitar falhas na transcrição dos dados e a perda de anotações importantes. “Antes, o pesquisador transferia as informações da prancheta para o boletim, do boletim para uma planilha, da planilha para outro boletim de análise de laboratório, até chegar ao laudo. Com tantas etapas, havia um grande risco de erro”, explicou, informando que o aplicativo já está sendo usado pela Fundação Oswaldo Cruz, onde faz doutorado em saúde pública. O trabalho do doutorando foi direcionado à esquistossomose, doença transmitida pelo caramujo que atinge cerca de 14 mil pessoas por ano, na Zona da Mata e litoral pernambucano, segundo a Secretaria Estadual de Saúde. “Mas a plataforma pode ser adaptada para qualquer órgão de saúde pública que faça inquérito de rotina e queira modernizar a atividade”, esclarece Onício. Se houver uma rede 3G disponível, as informações coletadas pelo técnico em campo vão direto para um servidor, onde pesquisadores podem visualizar, em tempo real, os locais onde há pessoas com suspeita da doença. Se não houver rede, os dados são armazenadas no pró-

prio smartphone. O aplicativo permite fazer tanto inquérito sobre os criatórios de caramujo quanto sobre as pessoas que moram na área. “Depois, quando a gente faz a análise do exame de fezes do paciente, já inclui o resultado direto na plataforma. Quer dizer, a primeira informação que entrou no sistema só sai com o laudo já pronto para o paciente. Não há possibilidade de erro”, afirma o biomédico.

Projeto Schisto Track foi indicado para prêmio nacional do SUS Para Onício Batista, o uso disseminado do Schisto Track vai possibilitar intervenções mais rápidas dos órgãos de saúde em locais onde haja epidemia. “Em tempo curto, o gestor tem em mãos o cenário epidemiológico de uma região. Com informações mais rápidas, as ações também serão mais ágeis”, acredita. Ele lembra que doenças com um componente sazonal forte, como a esquistossomose, precisam ser combatidas na época oportuna, quando os caramujos vetores estão se proliferando. “Se a intervenção é feita na hora certa, o risco de a doença surgir diminui.” O artigo sobre o aplicativo Schisto Track já foi publicado na revista Scientific American Brasil e no Journal of Medical Internet Research. Além de Onício Batista, participou do projeto o engenheiro de software César Albuquerque (do Centro de Estudos de Sistemas Avançados do Recife - Cesar). Os orientadores foram a pesquisadora Constança Simões Barbosa, do Departamento de Parasitologia da Fiocruz, e o professor Jones Albuquerque, da Universidade Federal Rural de Pernambuco.

Igo Bione/JC Imagem

PESQUISA Biomédico desenvolve aplicativo que permite coletar e enviar dados de saúde ao laboratório, substituindo a prancheta

Vimos que a tecnologia estava evoluindo em várias áreas, como a indústria e comércio, mas serviços como a saúde e educação ficavam sempre na penumbra dessa evolução. Queremos resolver parte do problema da saúde pública, trazendo inovação tecnológica para o setor”, diz o pesquisador Onício Batista

Aplicativo foi usado na Copa do Mundo

EM CAMPO Desenvolvimento do aplicativo foi direcionado ao estudo da doença transmitida pelo caramujo, a esquistossomose

O embrião do Schisto Track começou a ser elaborado em 2006. Mas, na época, ainda não havia a facilidade das plataformas para computadores pessoais. O aplicativo passou por várias evoluções e uma série de testes até chegar ao modelo atual para tablets e smartphones. “Só em 2010 começamos a desenvolvê-lo na plataforma Android”, conta Onício Batista. O desdobramento desse trabalho foi o surgimento da empresa Epitrack, em agosto do ano passado, que oferece instrumentos de inovação em epidemiologia a órgãos ligados à saúde. Um desses produtos foi o aplicativo Saúde na Copa, adotado pelo Ministério da Saúde durante o mundial de futebol, disputado este

ano no Brasil. Com a ferramenta, disponível, em português, inglês e espanhol, os torcedores puderam ajudar os técnicos do SUS a detectar possíveis surtos durante o evento. “A pessoa marcava os sintomas que estava sentindo e, a partir daí, o sistema fazia uma classificação para saber que doença poderia ser. Se muitas pessoas apresentassem os mesmos sintomas na mesma áreas, poderíamos estar diante de um surto”, explicou Onício. Esse sistema de vigilância participativa, como é chamado, foi utilizado pela primeira vez no mundo, em um evento de massa. O aplicativo foi baixado 9 mil vezes, teve 7,5 usuários e terminou com um total de 47 mil registros.


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