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Recife I 6 de novembro de 2014 I quinta-feira

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Machismo reforça preconceito e mitos N

as rodas de conversa masculina, quando o assunto é exame de toque retal, difícil é um homem não sair com um comentário jocoso sobre o tema. Por trás das brincadeiras, está sempre uma carga negativa, fruto de preconceito e medo em realizar o exame preventivo tão importante para o diagnóstico do câncer de próstata. Através do toque, o especialista consegue identificar qualquer anormalidade na glândula. É sempre recomendável para definir o estágio da doença e o tratamento. Segundo a psicóloga e terapeuta sexual, Dirman Cavalcante, a questão do preconceito existente está muito associado ao conceito do que o pênis representa para o homem. “A representação do órgão é muito importante. O pênis é símbolo de todo o poder masculino, e isso vem desde os primórdios”, explica. Ela afirmou que, no Nordeste, o preconceito ainda é maior do que no Sudeste. “Ele aumenta porque nossas raízes ainda são muito fortes. Viemos de uma sociedade patriarcal, machista, de senhores de engenho. Ainda no século 21 há a reprodução desse modelo, tenho pacientes que contam que seus avós eram garanhões e chegavam a exaltar essa qualidade. Já fiz atendimento em São Paulo e percebo a diferença do comportamento dos pacientes em relação ao tema”, diz. E o que isso tem a ver com o exame de toque retal? Tudo a ver. O raciocínio é lógico, aliás, por que não dizer freudiano. “Dentro do imaginário masculino e segundo pesquisas, o que os heterossexuais mais temem é de se descobrirem homossexuais. Eles têm medo de realizar o exame do toque e, a partir daí, isso despertar um desejo que estava guardado. O exame para eles simboliza muito isso”, explicou. De acordo com pesquisa recente do Datafolha para a Sociedade Brasileira de Urologia, apenas 32% dos homens brasi-

leiros declararam já ter feito o exame de toque. Ou seja, a maioria nunca fez a avaliação. O motorista recifense João Lacerda, 58 anos, está nesse grupo. Nunca fez o exame de toque retal nem foi a um urologista por acreditar estar saudável, já que os exames sanguíneos “estão em dia”, diz. O colega dele, o motoboy José Ailton da Silva, 44 anos, confirma que as brincadeiras nas rodas de amigos existem, mas eles sabem da importância do exame para a prevenção da doença. O outro ponto forte que leva muitos a não fazerem o exame de toque é o medo do resultado ser positivo. “Esse é um fator que chama muito a atenção. Vários homens não fazem o exame de toque retal e os outros complementares por medo do resultado dar positivo. Porque, geralmente, o tratamento para o câncer de próstata está associado à disfunção erétil.”

No Nordeste o preconceito é maior que no Sudeste “É importante que eles saibam que a medicina avançou muito e caso eles venham a ter essa complicação existem tratamentos”, pontua, acrescentando que a ajuda terapêutica também auxilia bastante. “Os pacientes que fazem tratamento psicológico têm um resultado muito bom. De cada dez homens que os urologistas indicam para fazer terapia, apenas um vem, quando já não encontra outra possibilidade. Isso é fruto também do preconceito. Por não quererem se expor ou falar das dificuldades. Mas quem faz o tratamento sabe dos resultados positivos e termina as sessões aliviado, conseguindo melhorar muito a sua qualidade de vida.”

Fotos: Bernardo Soares/JC Imagem

Brincadeiras de duplo sentido sobre o exame do toque retal, refletem o preconceito dos homens com um dos exames mais importantes para diagnosticar precocemente o câncer de próstata. Preconceito é o tema de hoje do penúltimo dia da série Novembro Azul.

CAUSA Dirman Cavalcante atribui a intolerância em relação ao exame à cultura machista

Lendas urbanas sobre o câncer Mito. Do dicionário Aurélio significa “personagem, fato ou particularidade que, não tendo sido real, simboliza não obstante uma generalidade que devemos admitir; coisa ou pessoa que não existe, mas que se supõe real ou coisa só possível por hipótese; quimera”. Na medicina, eles também existem e, na hora de saber o que pode ou não estimular o câncer de próstata, várias são as ideias que passam pela cabeça dos homens – no entanto, muitas delas são incorretas. Ter ou não relações sexuais, andar de bicicleta ou a cavalo são atividades que não estimulam o aparecimento do câncer de próstata. O chefe do Serviço de Urologia do Hospital Getúlio Vargas, Evandro Falcão, explica que nos casos dos ciclistas, que andam cerca de 30 km por dia, eles vão ter um nível de PSA (antígeno prostático específico) mais elevado do que outra pessoa. “E esse aumento por si só não quer dizer que o homem está ou não com câncer de próstata. Recomendamos que as pessoas que andam de bicicleta com essa frequência que, se forem fazer o PSA, passem cerca de dez dias sem fazer a atividade para o nível do PSA baixar e, assim, o exame

ORIENTAÇÃO Evandro Falcão desfaz os mitos mais comuns não indicar um falso positivo”, orienta. A lógica é a mesma para quem anda muito a cavalo. Outro mito é pensar que ter muitas relações sexuais interfeririam no surgimento da doença, independentemente delas serem hetero ou homo. “Não se têm estudos específicos que comprovem, mas se sabe que a atividade sexual traz benefícios para a saúde. Na ejaculação, os homens eliminam o líquido seminal e isso reduz a possibilidade de terem uma infecção na próstata, podendo ser causada pelo

acúmulo desse líquido. Já, em relação ao câncer de próstata, não há ligação. Se houvesse, as pessoas que fizeram voto de castidade teriam um índice de câncer de próstata maior do que o restante da população, o que não acontece”, esclarece. Os mitos costumam justificar a negação do homem em adiar a ida ao urologista. “Setenta por cento dos pacientes que fazem o preventivo vão incentivados pela mãe, esposa ou irmã. Esse número tem diminuído, mas ainda é bastante alto”, alerta Falcão.


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