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8 jornal do commercio

Recife I 7 de novembro de 2014 I sexta-feira

opinião JC

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Diretor de Redação: Ivanildo Sampaio sampaio@jc.com.br Diretor Adjunto de Redação: Laurindo Ferreira laurindo@jc.com.br Editora-Executiva: Maria Luiza Borges marialuizaborges@jc.com.br

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O direito e dever da imunização A

Organização Mundial da Saúde (OMS) detectou o poliovírus selvagem tipo 1, mais conhecido pela sigla inglesa WPV1, que causa a poliomielite, durante coleta rotineira de amostras feita em março, no sistema de esgoto do Aeroporto Internacional de Viracopos, em Campinas. Novas coletas realizadas no mesmo lugar deram resultado negativo e ficou entendido que não havia nenhuma evidência de transmissão. O que predomina em saúde pública entre nós é que o Brasil está livre desse mal desde 1989, mas para isso é preciso reproduzir com regularidade e muita atenção um traba-

lho que neste ano tem início no dia 8 de novembro: a campanha nacional de vacinação. O pernambucano Jarbas Barbosa, secretário de Vigilância em Saúde, chama atenção para o posto especial que o Brasil ocupa, como um dos primeiros países a implantar a campanha contra poliomielite. Esse posto só está sendo possível pela combinação de responsabilidades dos setores públicos de saúde e da população, advertida para o risco de voltarmos a conviver com a paralisia, principalmente infantil. O tamanho da preocupação é expresso pelo número de postos – 100 mil e 350 mil profis-

Universos criadores Plínio Palhano

pliniopalhano@gmail.com

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mente do artista está ligada às coisas e aos seres; dependendo da abrangência individual, será mais intensa ou menos. É nessa sintonia que se dá o tom do pensamento criador. Torna-se uma leitura pessoal e diferenciada. Dessa forma, são construídos os vários conceitos na história da arte. Cézanne dizia de sua percepção: “O que tento traduzir-vos é mais misterioso, entranha-se nas próprias raízes do ser, na fonte impalpável das sensações...”. Para a época, essa interpretação era abstrata, mas antecipou o modernismo do século XX, com outra famosa visão que influenciou diretamente o cubismo: “Permita-me repetir aqui o que eu lhe dizia: abordar a natureza através do cilindro, da esfera, do cone, colocando o conjunto em perspectiva, de modo que cada lado de um objeto, de um plano, se dirija para um ponto central...”. Matisse, um dos que refletia sobre a arte, disse: “Os meios mais simples são aqueles que melhor permitem ao pintor exprimir-se...”. Por isso, os traços magníficos das figuras que criava. “O meu desenho a traço é a tradução direta e mais pura da minha emoção...”. Picasso nos diz: “A arte é uma mentira que nos faz compreender a verdade”. Ecoa do século XV a voz de Da Vinci:

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ocê conhece aquela do Juquinha!” Suspeito de que vocês já saibam de quem estou falando. Exatamente: daquela personagem tão presente em piadas que falam da vida escolar. Pornofônico, irreverente, esperto, desafiador, provocador, colocando todos em situação delicada, Juquinha não tem idade, não se sabe se estuda em escola pública ou privada, não se sabe que série ou classe frequenta, se passa ou não de ano... E é com estas características (ou melhor, com estas imprecisões) que ele paira, como um ente transcendendo no tempo, sobre o conjunto de nossa imaginação contestatária. Juquinha é isto: nosso ódio contido pela instituição “escola”, pela sua hierarquia, regras, repressão; ódio, em suma, por aquilo que chamamos tecnicamente de “cultura escolar”: um conjunto de regras, atitudes e expectativas geradas por uma instituição específica que reúne duas gerações diferentes, em que uma vai introduzir a outra no mundo e espera que a mais recente se torne rapidamente responsável por este mesmo mundo. Juquinha introduz neste ambiente solene, altamente ritualizado, cerimonioso, com seus espaços e tempos específicos, ambiente que define se somos ou não aptos a lidar com a cultura herdada, muitas vezes sem nenhuma relação com nossa vida vivida, Juquinha – repito – está mais próximo do bad boy do que do mau aluno. E, no entanto, rimos e simpatizamos com ele, porque representa a coragem que nunca tivemos de desafiar a escola (e sua cultu-

Além do pólio a campanha se volta também para o sarampo, que diz respeito particularmente a nós, pernambucanos: o lançamento da campanha vai ser feito pelo ministro da Saúde, Athur Chioro, no Ceará porque aquele Estado e Pernambuco registram alto índice de transmissão de sarampo importado de outros lugares. Assim é que o ministro dá ênfase à mobilização como uma contribuição no enfrentamento das duas doenças: “O Brasil recebe muitos turistas, então é extremamente importante que doenças de transmissão fácil tenham uma arma de prevenção segura”.

O sarampo, ao contrário da pólio, ainda registra mais de 150 mil casos no mundo inteiro, numa época como a nossa em que as pessoas viajam mais, abrindo espaço ao vírus importado, trazido e levado por viajantes. O sarampo é uma doença muito contagiosa e assim é preciso estar atento a campanhas como a que se desenvolve agora em novembro. Os sintomas mais comuns do sarampo são febre, tosse seca, exantema (manchas avermelhadas), coriza e conjuntivite. A poliomielite causa lesões que afetam o sistema nervoso, provocando paralisia, principalmente nos membros inferiores.

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“O pintor não é digno de louvor se não for universal”, antecipando um pensamento sobre o papel do artista no seu tempo. Lucian Freud, falecido em 2011, em Londres, um dos artistas de maior repercussão na Europa e nos EUA, expressou: “Eu quero que a pintura seja carne. Para mim o quadro é a pessoa”. Esses modelos eram as pessoas de sua família ou amigos que frequentavam o seu ateliê. A pintura que realizava era trabalhada com pastas espessas de tinta e elaborada em tempos longos, às vezes, levando até anos. Por sua vez, Francisco Brennand menciona Balthus em um fragmento do seu diário, publicado na revista Continente, em 2001, no qual afirma tê-lo conhecido jovem em 1946, quando o pintor surrealista De Chirico dizia que Balthus pretendia fazer um surrealismo à maneira de Courbet. A pintura de Balthus reflete um artista sábio com exímio conhecimento pictórico a ponto de induzi-lo a uma constante reflexão, representando, além de paisagem e interiores, meninas numa pura sensualidade em composições clássicas. De sua parte, o mestre Francisco Brennand disse, numa rara entrevista sobre a essência de seu próprio universo criador: “Sou um escultor que tem o coração de pintor”. k Plínio Palhano é Artista Plástico

Emancipação da política

Juquinha Flavio Brayner

sionais que vão atuar na vacinação. A vigilância tem que ser permanente e rigorosa. Como chamar a atenção todo tempo contra a falta de saneamento básico e de medidas de higiene que são causas de transmissão do vírus da poliomielite. De parte da população, o cuidado se volta para a didática da limpeza: em casa e na escola, alertar a criançada para o hábito de sempre lavar as mãos, beber água tratada e prestar atenção à limpeza, uma tarefa que cabe a todos e está ligada ao desenvolvimento, à melhoria da qualidade de vida que contribui para a melhoria das condições de saúde.

ra), trazendo para dentro dela a cultura da rua, com seus palavrões, gestos obscenos, sua irreverência arlequinesca, suas tiradas imorais, tudo aquilo que nossos pais e professores não querem que aprendamos (a família e a escola são supostamente geridas por uma moral “edificante”): uma ética sexual depravada e “popular” (sem rodeios, sem teorizações, crua). Juquinha introduz este tema que a escola só deseja tratar sob a forma de um “conteúdo de aprendizagem”, como “prevenção”, como “reprodução biológica”: o sexo real, vivido e falado! Acho curioso que se tenha escrito tanto sobre uma escola ligada à vida, de aprendizagens significativas, sobre o fim da escola, sobre sociedades desescolarizadas, e Juquinha, como uma personagem que habita nossa imaginação anarquista, não tenha nunca sido objeto de um estudo de antropologia educacional mais vertical. Rubem Alves, num interessante livro sobre os maus alunos, demonstra um grande interesse pedagógico e humano por estas figuras que desafiam a cultura escolar, mostrando que raramente se transformam em marginais ou sujeitos perigosos: ao contrário, este espírito de contestação difusa se alonga, muitas vezes, em capacidade crítica e sensibilidade para perceber o poder das instituições de moldar as almas, iniciando pela escola. Juquinha, que provavelmente continuará povoando nossa imaginação libertário-escolar, bem que poderia ser eleito o Antipatrono da Educação Nacional! k Flávio Brayner é Professor Titular da UFPE

Cristovam Buarque

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Brasil chega a 200 anos de sua emancipação política sem conseguir fazer a emancipação de sua política. Nossa política está prisioneira do elevadíssimo custo de campanha, que amarra a eleição à disponibilidade de recursos financeiros. Conforme o TSE, em 2014 foram gastos cerca de R$ 74 bilhões por 25 mil candidatos. Para 1.689 eleitos, o custo foi de cerca de R$ 3 milhões por candidato, R$ 43,8 milhões por eleito, mais de R$ 500 por eleitor. Por causa deste elevado custo, a política está prisioneira do sistema de financiamento. O candidato precisa ter acesso a fontes que amarram os eleitos, comprometendo-os com os interesses dos financiadores. A terceira amarra são os institutos de pesquisas e os marqueteiros. Os primeiros dizem o que o candidato deve falar; os outros como falar, qual a mídia a ser utilizada, a mentira a ser construída. Os institutos também amarram os eleitores ao apresentar resultados que indicam vencedores antes da data. Esta eleição mostrou que estamos prisioneiros da mitologia de que alguns são de esquerda e outros de direita, quando na realidade as coligações e os partidos são todos igualmente desideologizados. Uma quinta prisão são os programas assistenciais que amarram os votos de seus beneficiários aos can-

Nossa política está prisioneira do elevadíssimo custo de campanha, que amarra a eleição à disponibilidade de recursos financeiros. Conforme o TSE, em 2014 foram gastos cerca de R$ 74 bilhões por 25 mil candidatos didatos que conseguem se apropriar da paternidade do programa e dá garantia de que ele será mantido. O assistencialismo amarra os opositores ao risco de que, se eleitos, paralisarão o programa, e aos situacionistas porque se transformam em partidos que dependem da continuação da miséria para conseguirem os votos que precisam. A emancipação dos pobres emanciparia a política, desmoralizando os donos dos programas assistencialistas. Sexta prisão é o silêncio dos intelectuais, paralisados na reverência

ao poder, incapazes de oferecer alternativas que sirvam de base a propostas de reformas sociais que, ao emancipar o povo, emanciparia a política. Sétima amarra é a cooptação, por compra de agentes políticos, como no caso do mensalão, ou por financiamento e beneficiamento a ONGs, sindicatos e associações. A oitava prisão é o aparelhamento do Estado pelo partido no poder. Pela tradição de tratar o Estado como propriedade das elites no poder, cada vez que muda o governo costuma-se nomear dezenas de milhares de pessoas para empregos públicos, aprisionando a política à necessidade de sobrevivência dos servidores empregados, dependentes da continuidade. Se quisermos emancipar a política, antes do segundo centenário da emancipação política, serão necessárias duas ações. A primeira é uma revolução educacional que permita emancipar o povo de dependência de auxílios, para que o eleitor possa votar sem dever favor ao partido no poder. A segunda é uma reforma radical na maneira como a política é feita, derrubando cada uma das amarras. A primeira depende de tempo, a segunda da vontade dos eleitos amarrados. Por isso, dificilmente haverá tempo para emancipar a política, antes do bicentenário da emancipação política. k Cristovam Buarque é professor emérito da UnB e senador pelo PDT-DF

k Os textos assinados publicados em Opinião e Voz do Leitor não refletem necessariamente a posição do Jornal do Commercio. O JC se reserva o direito de editar e de adaptar os textos à linguagem jornalística.


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