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8 jornal do commercio

Recife I 12 de novembro de 2014 I quarta-feira

opinião JC

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Diretor de Redação: Ivanildo Sampaio sampaio@jc.com.br Diretor Adjunto de Redação: Laurindo Ferreira laurindo@jc.com.br Editora-Executiva: Maria Luiza Borges marialuizaborges@jc.com.br

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Símbolos para salvar vidas S

e o câncer de mama lidera o índice de mortalidade no Brasil – perdendo apenas para acidentes de trânsito – e por isso foi concebida uma data, Outubro Rosa, a fim de despertar a consciência feminina para esse mal, o câncer de próstata deve matar em torno de 12 mil brasileiros em 2014 e para os homens foi idealizado o Novembro Azul. O movimento surgiu na Austrália há 11 anos como parte das mobilizações em torno do Dia Mundial de Combate ao Câncer de Próstata e tem um componente gravíssimo a mais: o mês é dedicado ao diabetes mellitus, reconhecido pela Organização das Na-

ções Unidas como uma doença crônica e de alto custo mundial. Esses são casos especiais que se sobrepõem aos calendários festivos ou voltados para o incentivo ao consumo. Trazem o propósito de convocar a sociedade para quebrar preconceitos e, especificamente no caso dos homens, desmistificar o exame de toque, capaz de prevenir o pior, de apontar para as medidas de sobrevivência inevitáveis, da medicação à cirurgia. Todos os especialistas indicam a necessidade do exame para detectar o problema no início, quando as chances de cura chegam perto dos 100%.

Juiz não é Deus Adeildo Nunes

adeildonunes@oi.com.br

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episódio que envolveu um magistrado e uma agente de trânsito, no Rio de Janeiro, recentemente, trouxe à baila a necessidade de uma ampla discussão sobre as prerrogativas e os limites das nossas autoridades públicas. Em tempos de redes sociais globalizadas e de uma mídia atenta na divulgação de fatos que envolvem personalidades públicas, a ordem de prisão verbalmente proferida pelo juiz, cerceando a liberdade da agente, que estava em pleno exercício da sua função pública, durante uma operação de trânsito, viu-se comentada em todos os recantos do País, mormente porque resultou na decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, condenando a servidora estadual, em favor do juiz, ao pagamento da quantia de R$ 5 mil, a título de reparação por dano moral. Segundo o noticiário, a agente de trânsito, em determinado momento, teria dito que “juiz não é Deus”, certamente querendo enfatizar que a condição de magistrado do condutor não poderia ser empecilho para que houvesse a aplicação de uma sanção administrativa (multa), ou até de uma medida mais rígida, como a apreensão do veículo conduzido pelo juiz. De fato, do ponto de vista jurídico, os representantes dos Três Pode-

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screvo esta crônica no dia 4 de novembro de 2014, data em que Valdemar Tavares de Araújo faria 95 anos de idade, o Valdemar Marinheiro, filho de dentista de Nazaré da Mata e da inspetora de ensino Artemísia, descendente dos Sampaio de Crajubá, Crato, Ceará. Ironia: o pai de Valdemar, que não bebia, morreu de cirrose, proveniente de esquistossomose, aos 39. A rebeldia de Valdemar, quando jovem, obrigou a família a providenciar sua matrícula na Escola de Aprendizes Marinheiros. Na época, quando um rapaz era indisciplinado, o pessoal sentenciava: “Bota na Marinha, que ele endireita”. Tiro e queda. A verdade é que Paulo Henrique Maciel entrou com ação e Valdemar recebeu a patente de Segundo Tenente da então Marinha de Guerra do Brasil e exonerou-se dos quadros dos Correios, de onde era telegrafista, preferindo ser naval, ganhando o apelido de Almirante de Esquadra, dos íntimos, e de Valdemar Marinheiro, dos pândegos. Na década de 60, ele comprou o Internacional Drink-s, bar que se tornaria lendário por reunir fregueses das mais diversas tendências político-partidárias, religiosas e ideológicas em convivência harmônica e pacífica. Estabelecido na Av. Alfredo Lisboa, defronte do Cais do Porto, no coração da zona boêmia do Recife Antigo, nele podiam-se encontrar empresários, usineiros, deputados, senadores, a esquerda festiva, a direita sectária e reacionária, jornalistas, intelectuais, ma-

masculinas são debatidas, expostas, alardeadas, chamando-se atenção para ações preventivas, muitas das quais são apenas mudança de atitude. Além desse calendário dos homens, o que dá maior dimensão ao Novembro Azul é a data de nascimento do Dr. Banting, o descobridor da insulina, 14, dia mundial do diabetes. Uma combinação perversa que deve merecer uma prática que vá muito além de novembro. Se o câncer de próstata chega com a carga fatal da morte ou da impotência, o diabetes pode vir acompanhado de amputações, cegueiras, mortes, cenários de extrema gravidade, atenuados pelo azul de no-

vembro, quando na realidade poderia ser mais apropriadamente vermelho. Há lugares em que prédios públicos recebem iluminação azul especial, criando-se um clima de mobilização que é expandido com palestras, caminhadas e outras atividades coletivas que ainda nos fazem falta. E porque ainda não absorvemos esses símbolos que despertam para a gravidade do problema, seria desejável que eles chegassem às nossas escolas desde cedo, como parte de uma pedagogia de prevenção da saúde, que passa pela alimentação, pelos esportes, pela informação e orientação.

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res da República (Executivo, Legislativo e Judiciário), é dizer, o presidente da República, governadores, prefeitos, magistrados e parlamentares, são detentores de algumas prerrogativas de natureza constitucional e legal, mas vale não esquecer que esses privilégios esbarram em limites consagrados na mesma Constituição. Em primeiro lugar, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”; depois, “ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei”; mais: “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo em casos de crimes ou transgressão militar”; por fim, “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Significa, assim, que embora detentora da relevante função pública de julgar, nenhuma autoridade judiciária está acima da lei ou da Constituição. Independentemente da sua condição de magistrado (juiz, desembargador ou ministro), qualquer autoridade pública, membro do Judiciário, do Executivo ou do Legislativo, tem a obrigação de conhecer os seus limites, que por sinal são muitos e são decorrentes da Constituição e da lei. k Adeildo Nunes foi juiz de Direito. É advogado e professor da Uninassau

Palavras soltas

Democracia Arthur Carvalho

Na falta desse trabalho preventivo, a doença pode se agravar sem sintomas e quando eles aparecem já será tarde demais. Daí a massificação do Novembro Azul em todo mundo como uma campanha de conscientização que já está sendo ampliada para além do câncer de próstata, cuidando de outras doenças masculinas e os benefícios de uma cultura da saúde com a adoção de práticas de boa alimentação, fuga do sedentarismo, tolerância zero ao fumo, ao álcool e às drogas. Cá entre nós, ainda faltam atividades de grande repercussão, como já acontece em outras partes, onde as doenças

gistrados, escritores, médicos, os advogados Fernando (Lig-lig) Wanderley, Romero Cavalcanti, Romero Estéves, Hélio Burgos, Correinha, Irapuã Soares, o prefeito Jarbas Vasconcelos, o marxista Mano Teodósio, o delegado de polícia Jayro Pontes, o engenheiro Abelardo Baltar, o poeta Tomás Seixas, o ensaísta André Carneiro Leão, Zé de Paula e seus filhos, Chico, Zecão e Quito, Arthur de Lima Cavalcanti e Hugo da Peixa, o maior farrista pernambucano. E algumas privilegiadas e espirituosas mulheres de vida difícil. Praticava-se, no sagrado recinto, a verdadeira democracia. Mas excesso de democracia tem limite. Paulo Henrique levou Ricardo Zarattini Filho para conhecer o Internacional, Washington Sampaio, tenente reformado do Exército, armado de revólver, ameaçou Zarattini: “Comunista comigo é na bala!”. Instalada a confusão, Paulo Henrique recebe a solidariedade de um filho de Guilherme Pedrosa, senhor de engenho de Palmares, de Bruno Maranhão e do folclórico Zezé Rato Podre. E fez-se a paz na alegre casa de diversão pois, graças a Deus, ainda não havia o PT. Era uma clientela heterogênea, culta, educada, civilizada e de classe. Sobretudo de classe. Cafajeste não entrava. Faz tempo, estou posto em sossego na varanda de nossa casinha no Alto da Sé, batem no portão Valdemar Marinheiro e Rico de Paula Lopes. Foi a última vez que abracei o velho Marinheiro. k Arthur Carvalho, jornalista e advogado, é da Associação Brasileira de Imprensa – ABI

Fátima Quintas

fquintas84@terra.com.br

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consciência de fragilidade fortalece minha existência. Não arrefece, entretanto, o constante sentimento de dúvida, uma dúvida entranhada à epiderme, evocando Descartes. Penso, mas há em mim uma invariante hesitação diante do que vejo. Desconheço linhas retas, embora elas indiquem a menor distância entre dois pontos; os caminhos são sinuosos, busco sempre os atalhos, uma forma de apressar a meta que procuro alcançar. Gosto dos becos misteriosos, a sugerir enigmas que não se apresentam a olho nu, reclamando maior atenção. Em meio a tantas inquietações, vou traçando um mapa que raramente corresponde ao que quero. Perco-me com facilidade no emaranhado de linhas, de curvas, de becos, dos bilros da fiandeira. A minha única saída é exaltar o pensamento como dádiva da existência. Então me vejo sumida em reflexões, numa busca incessante pela compreensão de mim mesma. Quão ingênua sou! Como entender a complexidade ontológica? Melhor recolher-me no imo e de lá extrair o sumo da alma como válvula de escape para neutralizar os desacertos da vida. Serei uma eterna vigilante do eu. Lanço-me no universo, arranco as fronteiras, a humanidade cultua apenas semelhanças. Não cederei às minhas interrogações; tal qual uma artesã, esculpirei o barro na medida do aprendizado. Resguardarei a memória como gruta

Penso, mas há em mim uma invariante hesitação diante do que vejo dos meus suspiros. Remeto a Cecília Meireles: “Lá, na raiz das lágrimas/a divina memória/dorme sonhos antigos/sem hora de acabar-se”. Entre devaneios, a memória vai se fundindo no redemoinho dos íntimos barulhos. Incrível! Somos capazes de absorver as exterioridades e interioridades sem limites! É verdade que algumas pessoas conseguem captar os mínimos detalhes; outras deixam a rotina passar quase em atos mecânicos, um atrás do outro, sem dissecar as emoções. E assim o tempo se perde no próprio tempo. Cada dia possui um sol diferente, uma noite única, horas distintas e um infinito de sensações. O importante é debruçar-se sobre o que há de novo nos átimos de segundo. Nada se repete da mesma forma, tudo se renova, as reprises trazem horizontes que só serão descobertos por aqueles que vivem em estado de alerta. A vida exige operários diligentes que construam tijolo a tijolo o ritmo dos sentimentos, a cadência da felicidade, os anteparos que evitem o desassossego. Não adianta apressar a coluna que se levanta; com autonomia própria, reivindica paciência e arte na edificação do mural da existência.

Perdoe-me, leitor: as palavras vão saindo em desordem, assimétricas, quase confusas porque não consigo configurar os próprios desabafos. Frases soltas, algumas com nexo, outras ao sabor do vento ou entre chuviscos ou fortes temporais. Depende do enredo momentâneo que perfila um rosto tão mutável: ontem de um jeito, agora de outro; impossível fotografar a mesma face. Tantas variações no olhar, nos ríctus, nas comissuras, nos lábios, nas pálpebras, nos músculos que se contraem ou se relaxam! Não quero que o tempo seque a saudade, nem as lembranças, nem os retratos. Careço de argamassa para compor minha narrativa. O abstrato se mistura ao concreto numa fusão perfeita. Habitam-me fantasmas etéreos, convivo com eles como se me falassem dos antepassados. Ah!, Os sussurros da calada da noite ou das madrugadas insones! Sob o véu das sombras há delírios fascinantes. Vejo-me melhor no escuro crepuscular do que na luminosidade das manhãs; opto pela penumbra porque nela encontro imagens difusas que não me permitem esquecer. E a lembrança se transforma no maior instrumento existencial que me cabe – sem os elos de uma cadeia regressiva não suporto a realidade presente. Necessito deambular pelo que foi, pelo que é e pelo que será. Um difícil exercício que conclama todos os meus eus a um encontro harmônico ou conflitante; o que realmente me enlouquece é a eterna dúvida do que sou. k Fátima Quintas é presidente da Academia Pernambucana de Letras

k Os textos assinados publicados em Opinião e Voz do Leitor não refletem necessariamente a posição do Jornal do Commercio. O JC se reserva o direito de editar e de adaptar os textos à linguagem jornalística.


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