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opinião JC

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Recife I 17 de outubro de 2014 I sexta-feira Diretor de Redação: Ivanildo Sampaio sampaio@jc.com.br Diretor Adjunto de Redação: Laurindo Ferreira laurindo@jc.com.br Editora-Executiva: Maria Luiza Borges marialuizaborges@jc.com.br

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O Outubro Rosa E

ste é um bom exemplo de como o trivial pode se transformar num poderoso instrumento pedagógico: as cores rosa e azul, utilizadas popularmente na infância para distinguir o que é feminino e o que é masculino, são hoje material de uso educativo com o objetivo de dirigir a atenção da mulher para a prevenção do câncer da mama – no Outubro Rosa, mês em que todas as mulheres entre 40 a 69 anos de idade são estimuladas a fazer o exame mamográfico, consagrando o laço rosa que simboliza em todo mundo a luta contra esse tipo de câncer – e a aten-

ção do homem para a importância da prevenção e do diagnóstico precoce do câncer da próstata no Novembro Azul. Bom uso esse que se faz do prosaico por necessidades urgentes de saúde pública, considerando-se, sobretudo, o alto índice de mortalidade causada por uma e outra forma da doença. Basta ver o que nos diz o Instituto Nacional do Câncer: neste ano o nosso País deve registrar algo em torno de 57 mil novos casos de câncer de mama. Pensando bem, número indicador de uma catástrofe, que deve ser levado em conta por educadores, cientis-

Uma nova ortografia (1) Nelly Carvalho

nellycar@terra.combr

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língua é, de todas as instituições sociais, a que mais se impõe aos indivíduos. A vida e a linguagem nos dão a imagem de uma organização concomitante em permanente mudança e evolução. A língua padrão é a legitimada no uso oficial, por motivos linguísticos e sócio-políticos. Esta linguagem elaborada é utilizada, divulgada e controlada por instituições como os poderes oficiais, a mídia, as obras literárias, sendo chamada língua padrão. Porém, nenhuma língua é uniforme: temos que compreender as variações e as normas que compõem todo o sistema linguístico. A língua varia através do tempo, através das regiões e através das mídias usadas. Fala e escrita diferem bastante em seleção e escolha de estruturas e termos. É através da norma padrão que se produz e veicula o pensamento elaborado, científico ou literário. Todas as línguas escritas cultivam e respeitam a variante padrão. O português do Brasil segue também este caminho, embora com as dificuldades de um ensino capenga, num país-continente. A ortografia, isto é, a língua escrita deve representar a língua padrão geral e deve ser veículo de todas as normas nacionais: lusitana, brasileira e africanas. Mas, creiam, segundo o profes-

diegopessoacostareis@hotmail.com

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s altos índices de criminalidade no Brasil trazem consigo problemas que vão além das consequências específicas dos atos em si. Como se não bastasse o natural sentimento de insegurança que carregam as pessoas nos cotidianos das grandes (e também das pequenas) cidades, têm obtido força movimentos e ideias de autodefesa e vingança privada por parte da população, à parte do aparato preventivo-repressivo estatal. As pessoas têm passado a acreditar e a difundir ideias condizentes com o “fazer justiça com as próprias mãos”, potencializadas pelo atual estágio de desenvolvimento dos meios de comunicação, com destaque para as redes sociais eletrônicas, como Facebook e Twitter. Embora se trate de um fenômeno compreensível, é preciso que também seja fomentado um movimento no sentido contrário, ou seja, tendente a levar à população um sentimento de confiança nas instituições relacionadas à segurança pública e à aplicação efetiva e, sobretudo, não seletiva do direito penal. Não se trata da “solução” dos problemas, pois somente com reais políticas públicas que valorizem a educação, a saúde e geração de empregos conseguir-se-á, a médio ou longo prazo, uma alteração sensível do quadro atual. Enquanto isso não ocorre, não podemos ficar à mercê de movimentos que, ingenuamente ou não, ten-

bebida alcoólica, à ausência de amamentação e à história familiar de câncer, principalmente em parentes de primeiro grau antes dos 50 anos – como adverte o Instituto Nacional do Câncer. Advertindo-se, também, que a presença de tantos fatores de risco não significa que a mulher vai ter câncer de mama. No contraponto positivo tem a amamentação, as atividades físicas, a alimentação saudável, a manutenção do peso ideal. O que fazer, então, é extremamente óbvio, mas talvez esteja faltando um plus, um esforço pedagógico a que ainda não se dá tanta atenção – como se

dá, por exemplo, em datas festivas nacionais – com um trabalho preventivo através de atividades de classe desde o fundamental, desde os primeiros passos. O que poderia ser feito, por exemplo, com o aprendizado lúdico, fazendo das festinhas e de joguinhos infantis oportunidades para o primeiro contato das meninas com os cuidados que elas deverão ter no futuro e as formas de evitar o pior. Uma prova de que esse pode ser um bom instrumento pedagógico está na origem do movimento Outubro Rosa, que começou em 1990 nos Estados Unidos, com a primeira Corrida pela Cura.

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sor Jayme Pinsky, alguns senadores querem alterar nossa ortografia, radicalmente, para que os alunos possam obter melhores avaliações. Criaram uma comissão, com o objetivo de aplicar o acordo ortográfico (o que, na prática, já está em vigor), para fazer com que “se escreva como se fala”. A ideia é impraticável. Como escrever o que na ortografia atual tem pronúncias diversificadas: minino/menino, gosto/goisto, vrido/vidro, leite/leiti, abril/abriu (mês/verbo)? Pesquisas mostram enorme variação linguística no português culto, e maiores ainda entre o culto e o popular. Qual o ponto de partida para a reprodução em texto escrito? Obrigar todos a pronunciar as palavras de uma só maneira, ou ter uma infinidade de representações gráficas? A língua escrita não é mero reflexo da língua falada: ambas constituem meios autônomos de manifestação do saber linguístico. A ortografia é uma representação abstrata e convencional da língua. É fundamental que o sistema ortográfico seja estável e que, independente da variação na fala, haja uma única representação gráfica por palavra. Do contrário, não teríamos como reconhecer palavras que fossem escritas em outro tempo ou outro espaço. Seria o caos. A discussão não para aqui. k Nelly Carvalho é professora emérita da UFPE

Vingança privada Diego Reis

tas e, sobretudo, pelos governantes, para fazer do Outubro Rosa mais que uma marca, mais que a repercussão de um grande movimento internacional na defesa da mulher. Trata-se de uma causa de mortalidade agressiva e silenciosa na forma de acometer suas vítimas, exigindo, portanto, ação permanente e vigorosa. Daí a importância de se dar visibilidade a outubro como um símbolo, mas chamar atenção todos os meses, todos os dias, para a gravidade de um mal com fatores de risco ambientais, hormonais, genéticos, indo da obesidade ao sedentarismo, ao consumo de

tem legitimar a população a “identificar”, “prender” e “punir” criminosos, sem quaisquer garantias processuais que impeçam (ou tentem impedir) que um inocente venha a pagar por algo que não cometeu – e numa medida sempre acima daquela prevista em lei. Recentemente, no Rio de Janeiro, um homem suspeito de roubo foi amarrado em um poste e espancado até desfalecer. Poderia ter sido morto. O crescente sentimento de responsabilidade e necessidade de aplicar sua própria “lei penal”, por parte daqueles que não mais creem nas instituições legítimas, pode levar a um estado de medo e de insegurança no qual o mais probo dos cidadãos não poderá ter a certeza de que, diante de um boato ou de uma informação desencontrada, jamais será vítima da ira insana de pessoas cansadas de tanta violência – um paradoxo, embora, como dito anteriormente, compreensível. As redes sociais eletrônicas devem servir para que possamos cobrar das autoridades a aplicação correta da lei penal, com o consequente fim do sentimento de impunidade, que ganharia fôlego com a responsabilização não apenas dos autores de crimes violentos, mas também dos chamados criminosos “de colarinho branco”. Somente assim, efetivamente, nossa lei penal gozará dos efeitos esperados numa sociedade, cumprindo seu papel de prevenção geral de delitos. k Diego Reis é promotor de Justiça

A ditadura da corrupção Pedro Henrique Braga Reynaldo Alves

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enho visto com muita preocupação pessoas esclarecidas pregando certa complacência em relação à corrupção reinante em nossa Nação, como quem já perdeu a capacidade de indignação. Certamente, para eles, a máxima maquiavélica de que “os fins justificam os meios” presta-se a legitimar a reedição do estilo de governar daqueles que “roubam mas fazem”. Na visão desesperada desses cidadãos, roubar dinheiro público para dar sustentação política a um governo que se mostre preocupado com os mais pobres é menos grave que a corrupção realizada com propósitos diversos. O pior é que essa permissividade tem uma fronteira muito tênue com a institucionalização da corrupção como instrumento de poder. A democracia de fato dá muito trabalho, pois exige diálogo, busca de maiorias ou mesmo de consensos, contraditório, controle social etc., é realmente, como dizia Churchill, “o pior regime, afora todos os outros”. Fazer reformas ou executar programas de governo é muito mais fácil em Cuba ou na China, onde quem discorda das políticas públicas ou ousa fiscalizar os governantes tem um único direito, o de ser preso. Para sair desse dilema, o governante “moderno”, que não tenha apreço nem respeito à democracia, não precisa pegar em armas, basta valer-se de forma bem estruturada e organizada da corrupção. A lógica funciona mais ou menos assim: como dissolver o Congresso Nacional

Vivemos a ditadura da corrupção em nosso País e o que ocorreu dentro da Petrobras é um exemplo exigiria o improvável apoio das Forças Armadas e não teria a menor aderência com a vontade popular, é mais simples se “comprar” uma boa parcela de deputados e senadores corruptos. Com o troco, ainda podem ser cooptadas algumas lideranças de entidades da sociedade civil e até mesmo setores da imprensa. Aliás, se a imprensa mesmo assim der muito trabalho, o ditador moderno pode tentar implementar normas que regulem o seu controle, sem que seja preciso usar o nome “censura”, pois ficaria antipático e não pegaria bem. Enfim, agir de forma ditatorial, mas preservando as aparências de uma democracia formal. Qualquer semelhança deste cenário com o escândalo do “mensalão”, que colocou na cadeia alguns líderes do PT e de outros partidos aliados do Governo Federal, infelizmente não é mera coincidência. Estamos vivendo, sim, a ditadura da corrupção em nosso País e o que ocorreu dentro da Petrobras é um exem-

plo muito claro disto. Estou certo que em breve assistiremos à condenação desses figurões pelo maior caso de corrupção da história de nosso País, mas isto não será suficiente para reparar o grande mal que esta forma de governar causou ao Brasil. Não me refiro aos prejuízos financeiros bilionários, que tanto comprometeram a imagem e performance da maior empresa brasileira, mas à perda de referência moral de nosso povo, que passou a tolerar ou mesmo admitir a corrupção como se ela estivesse incorporada ao cenário da política e ambas – política e corrupção – fossem indissociáveis. Para o bem ou para o mal, o tempo político nem sempre coincide com o tempo jurídico, e ainda demorará algum tempo para que a Operação Lava Jato se traduza em prisões e condenações criminais. Nesse interim, experimentamos as eleições 2014, que certamente sagrou a vitória e recondução de parcela dos corruptos para os mesmos ou novos postos de Poder. O maior teste de maturidade de nossa democracia e de nossas instituições está por vir, que será levar à cadeia vários líderes políticos, ainda que porventura tenham eles obtido aprovação popular pelas urnas nesta última eleição. Mais do que nunca é preciso refundar a nossa república, resgatando valores éticos e morais e fortalecendo as nossas instituições. O Brasil merece isso. k Pedro Henrique Braga Reynaldo Alves é presidente da OAB-PE

k Os textos assinados publicados em Opinião e Voz do Leitor não refletem necessariamente a posição do Jornal do Commercio. O JC se reserva o direito de editar e de adaptar os textos à linguagem jornalística.


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