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14 jornal do commercio

opinião JC

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Recife I 20 de setembro de 2014 I sábado Diretor de Redação: Ivanildo Sampaio sampaio@jc.com.br Diretor Adjunto de Redação: Laurindo Ferreira laurindo@jc.com.br Editora-Executiva: Maria Luiza Borges marialuizaborges@jc.com.br

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Para enfrentar o ebola E

is aí o vírus que se apresenta como o novo flagelo mundial e que vem fazendo milhares de vítimas em países africanos. Como ainda não existe vacina para imunizar contra o ebola, resta às autoridades sanitárias tomar medidas preventivas em caso do surgimento de algum paciente infectado. É para isso que Pernambuco vem se preparando, treinando equipes para o atendimento de possíveis vítimas, num trabalho conjunto desenvolvido pelo Samu e o Hospital Oswaldo Cruz. Trata-se de um trabalho da maior seriedade, que já envolve 14 médicos,

quatro enfermeiros e dez técnicos de enfermagem e voluntários de diferentes clínicas do hospital. Entretanto, dada a gravidade do problema, é forçoso reconhecer que ainda não é suficiente. Como não tem sido suficiente o envolvimento de todas as autoridades de saúde do País para dar uma visão mais ampla dos cuidados que estão sendo adotados e o que ainda deve ser feito para impedir que o nosso País seja afetado, como foi em 2009 pela gripe suína, a gripe A, quando se dizia que estávamos preparados para enfrentar a pandemia. As razões para essa preocupação

Uma babá sofrida Geraldo Pereira

pereira.gj@gmail.com

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u me surpreendo, às vezes, pensando que a justiça divina nem sempre funciona de forma adequada. E isso vem me incomodando de uns dias para cá, depois que vi uma mulher adoecer, em plena juventude, acometida por um câncer aos 31 anos de idade. Uma pessoa que não fazia mal a ninguém, que vivia seu cotidiano de forma singular, pois que sendo moradora da Ilha do Maruim, habitando um casebre insalubre, nunca deixou de cumprir com as suas obrigações, nunca deixou de trabalhar da forma mais ávida que se puder imaginar, fosse como babá ou como simples faxineira. Foi babá de meu neto Pablo, sendo mais do que cumpridora de seus deveres, porque se mostrou extremamente afetuosa, dedicando-se à criança como se fosse uma segunda mãe. Mulher que se despediu dele, de Pablo, quando viajou para São Paulo, chorando um pranto saudoso e recebendo dele um forte abraço, de quem talvez antecipasse um adeus que não gostaria que acontecesse tão cedo. Passou a ser a faxineira de minha casa e arrumava a minha biblioteca de tal forma bem, que os meus colegas a tratavam por bibliotecária. Era capaz

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ilaça levou anos a se deliciar em narrar casos ligados à sua vida religiosa. Recriminou as hipocrisias e as regras preconceituosas do Seminário ao tempo em que igualmente reconhecia as emblemáticas boas lições recebidas. Se houvesse a classificação, diria dele ter sido um “católico amador”. Era católico ao seu modo. Com a velhice tornou-se menos efetivo, deixou as missas dominicais mas o fervor mariano não se esgarçou. Onde trabalhasse, morasse, na carteira de anotação, no carro, sempre protegido pela estampa de N. S. do Perpétuo Socorro, invocação que lhe passara a mãe Cecília, essa sim, uma fiel 100%. Meu pai também confiava em favores de dom Expedito Lopes, bispo de Garanhuns, assassinado por antigo colega, de quem meu pai testemunhara atos poucos ortodoxos ao tempo deles seminaristas. Rezava com a minha mãe todas as noites. Enquanto pude, os acolitei. Sua oração favorita: Lembrai-vos: “Lembraivos ó piedosíssima Virgem Maria... ó clemente, ó piedosa, ó doce sempre Virgem Maria”. Depois dessas dedicações, vinham visitas a santuários, como ato de fé importante. Frequentou missa no Colégio Regina Coeli, com pe. Nicolau a celebrar e ele, discretamente, a me dizer: “Missa de Nicolau é boa porque é rápida”. Acabou também “devoto” de Chico Xavier, a quem nunca viu e para quem ensaiou umas tantas visitas em Minas. O velho foi amigo dos párocos de Limoeiro. De todos, até dos italianos dos últimos anos de vida, embora destes discordasse das “modernidades”, algumas

submetidos mais de 70 mil moradores da favela West Point, na Monróvia, capital da Libéria, onde é anunciada a transformação do maior estádio de futebol em um centro de tratamento. Essa é uma tarefa que está em andamento pelas Nações Unidas em parceria com a Fifa. Noutra parte, pessoas infectadas deitam nas portas dos hospitais que já estão sem leitos disponíveis, cenas trágicas que atingem a África e assombram o mundo inteiro. Sempre será preciso ter presente que vivemos na era das comunicações e de avanços científicos extraordinários na prevenção e no combate de

doenças que no passado vitimaram milhões. Entretanto o caso do ebola chama atenção pela rapidez com que se espalha e pela mortalidade, vitimando – pela aproximação com os focos da epidemia – até profissionais de países com altíssimo desenvolvimento e não apenas os subdesenvolvidos africanos. Se na África se concentram os focos, a globalização e a aproximação dos povos levam à adoção de medidas preventivas em nosso País e nosso Estado, exigindo-se uma atenção maior à forma de levar o problema à população, que, informada e conscientizada, estará imunizada para o risco do pânico.

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de localizar um livro ou um trabalho impresso com a facilidade dos que fazem as coisas com amor. Pois é, doente, fizemos tudo por ela! Fomos buscar a melhor assistência do SUS, nas dependências do Imip. E ela foi fazendo os exames e piorando, até que, conduzida ao Hospital Miguel Arraes, obteve ali uma atenção médica de primeira qualidade. Mas não houve como resolver o caso! E as minhas indagações existenciais passaram a me incomodar mais e mais. Não, não é de Deus essa desejada misericórdia! É dos homens, dos governantes a obrigação de assegurar às pessoas os meios necessários à sobrevivência de todos. E, infelizmente, a sensibilidade dessa gente passa longe. Só lembram do próximo quando as eleições se aproximam e não garantem, sequer, os meios necessários à prevenção dos que estão nesse banquete da existência terrena. Uma coisa é pertencer às elites econômicas no Brasil e outra é estar dentre os que precisam e são desvalidos. Essa gente há de pagar pelo descaso com os outros na eternidade das coisas, já que por aqui não se submetem sequer ao judiciário. k Geraldo Pereira é médico, membro da Academia Pernambucana de Letras

Xixi no velório Marcos Vinicios Vilaça

com o ebola são evidentes, estão presentes todos os dias no noticiário internacional, apontando principalmente para a África, onde o vírus foi detectado em 1976 e somente este ano já matou mais de 2.000 pessoas e infectou mais de 5.000 na Libéria, em Serra Leoa e Guiné, de acordo com a Organização Mundial da Saúde. Um quadro que levou à reunião recente de 200 especialistas na Suíça para discutir terapias e avanços nos testes para a criação de uma vacina. A gravidade desse mal é medida, no momento, por medidas radicais de controle, como a quarentena a que foram

simplesmente advindas do Concílio Vaticano II. Dos párocos em Limoeiro os mais próximos foram o pe. Otávio Aguiar, tornado bispo em solenidade de que foi paraninfo com José da Costa Porto, ao tempo ministro da Agricultura; monsenhor Gentil Diniz Barreto, também feito bispo enquanto vigário em Limoeiro. De outro é preciso dizer fato curioso. É do cônego Fernando Passos, cuja morte meu pai chorou. Contava Vilaça o seguinte episódio: morreu a mãe de d. Ricardo Vilela, solene e pomposo bispo de Nazaré da Mata, diocese a que pertenciam os limoeirenses. Para dar relevo ao sepultamento organizaram-se caravanas paroquiais de todos os lados, empenhadas em prantear com o máximo de dedicação possível. Fernando Passos dirigia a maior paróquia da diocese e não queria perder para ninguém em manifestação da dor da perda. Convocou o beatério e pediu participação apaixonada. Avisou que os colegas Rocha, de Carpina, e Fonseca, de Timbaúba, iriam caprichar. Dito e feito. As delegações choraram, beijaram o cadáver de dona Amélia e houve até uma Filha de Maria, timbaubense, com crise histérica. Dom Ricardo transido na comoção sem limites. Pe. Fernando chama paroquiana mais teatral e adverte: “Limoeiro vai perder”. A filiada ao Apostolado da oração rebateu: “Deixe comigo”. E na vez de Limoeiro, foi para junto do féretro, chorou, beijou a testa de d. Amélia, deu um pequeno ataque e urinou-se toda. Limoeiro ganhou. k Marcos Vinicios Vilaça, da Academia Brasileira de Letras

Eduardo, um estadista Aurélio Molina

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inguém é insubstituível, mas toda regra tem sua exceção. Aliás, para alguns, exceção existe para confirmar a regra. Pois bem, Eduardo Campos foi uma delas. Por desígnios indecifráveis para nós, simples mortais, ele nasceu portador de uma rara inteligência e cresceu num contexto que misturava injustiça, perseguição, dor, compromisso, luta, idealismo, superação, amor, acolhimento, alegria, cultura, filosofia, humanismo, espiritualidade, prosa, poesia e política, em tal escala (e com personagens e “mestres” tão especiais), que lhe permitiu amalgamar uma personalidade ímpar e de enorme potencial. Sua curva de aprendizado (com erros e acertos), tanto acadêmica quanto a de gestor público e política, aconteceu tão precoce que lhe possibilitou um amadurecimento gigantesco e incomum para um jovem homem e amoroso esposo e pai de família. Conforme os anos se passavam começou a consolidar (inicialmente inconsciente, mas depois, estimulados por muitos) o projeto de encarnar e se tornar o estadista e líder que tanto o Brasil precisava para superar uma etapa histórica. Quando a consciência do seu destino de grande homem público passou a dominar sua personalidade, “construiu o caminho” de maneira obstinada, meticulosa e coerente. Nos últimos anos de sua vida pública, dedicou-se a melhorar a eficiência da máquina pública estatal, já que tinha a clareza que, na República, o Estado (e não só a democracia) é do Povo, pelo o Povo e para o Povo, sendo um fundamental instrumento a serviço do bem comum. Para tanto, utilizou

Ninguém é insubstituível, mas toda regra tem sua exceção. Aliás, para alguns, exceção existe para confirmar a regra. Pois bem, Eduardo Campos foi uma delas com maestria (como se estivesse criando uma obra de arte) o par dialético do Amor e Rigor na relação com todos que o acompanhavam sua senda, principalmente os auxiliares diretos que lidavam com a coisa pública, sempre tentando conseguir a melhor contribuição de cada um. Já com os mais simples e menos favorecidos sua ternura era profunda, sincera e admirável, e sua faceta mais dura se esvanecia, como por mágica. Como “cimento” de sua missão sempre teve a coragem como parceira, enfrentado e superando as mais difíceis situações e os mais complexos desafios. Inovador e criativo nunca teve medo do no-

vo e sempre permitiu o contraditório, pois sabia de sua importância e riqueza. Mas após a oitiva, o debate e a maturação (sobre qualquer temática) era de um brilhantismo único e especial ao defender suas posições, o que muitas vezes “fragilizava” seus adversários, mesmo os mais ilustres e preparados. Por outro lado, mesmo depois dos enfrentamentos mais ácidos, sabia equilibrar e harmonizar os opostos como ninguém, construindo (dinamicamente) pontes e unidades que só um “mago alquímico” teria condições de fazê-lo, pois tinha a clareza que os desafios brasileiros não poderiam ser enfrentados a não ser com uma grande unidade nacional, que teria a população mobilizada e motivada como fiadora. Enfim, seus incontáveis talentos, valores e longa experiência (acumulada, mas também “herdada”) tinham-no tornado uma figura pública essencial para o presente e o futuro do Brasil e da América Latina. Espero estar equivocado e embotado pela dor, mas acho que seu “encantamento” trágico e precoce vai atrasar em décadas a construção de uma nação mais justa, fraterna, livre e feliz. Apesar deste diagnóstico, resta a todos nós continuar acreditando nos seus mais nobres sonhos e empunhar suas melhores bandeiras, ajudando a construir, de maneira compromissada e competente, um mundo diferente e melhor, torcendo também para que o Universo, que muitos entendem como Justo e Perfeito, como uma forma de compensação compulsória, nos presenteie com muitas e muitas outras grandes almas, como era a de Eduardo. k Aurélio Molina, Professor da UPE

k Os textos assinados publicados em Opinião e Voz do Leitor não refletem necessariamente a posição do Jornal do Commercio. O JC se reserva o direito de editar e de adaptar os textos à linguagem jornalística.


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