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Recife I 8 de fevereiro de 2015 I domingo

jornal do commercio

JCMAIS k cidades

O bolo que

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TROPICAL Derivação do bolo colchão de noiva português, entre nós ele se popularizou a partir deste município do Agreste

é orgulho de Pesqueira Fotos: Ricardo B. Labastier/JC Imagem

Bruno Albertim

bruno.albertim@gmail.com

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ESQUEIRA – Pessoa responsável por começar, no Recife, a comercialização em larga escala do bolo de rolo, antes acessível apenas a quem tinha uma doceira prendada na família, dona Fernanda Dias garante: “Aprendi a fazer o bolo com uma senhora de Pesqueira”. Possível derivação tropical do bolo conhecido como colchão de noiva português, com a pasta de goiaba no lugar do doce de amêndoas original, o bolo de rolo, ao que tudo indica, se popularizou a partir daquele município do Agreste pernambucano. “Quando eu era criança, há uns 30 anos, quase não existia bolo de rolo no Recife. Além da minha avó, tinha uma senhora, que eu lembro, que fazia o bolo também no Rosarinho”, diz o chef de cozinha Joca Pontes, bisneto de dona Marieta Didier Pitta, uma notável senhora de Pesqueira de casa sempre cheia e que costumava receber familiares e amigos com a iguaria. “Tenho muitas lembranças dos almoços de domingo na casa da minha bisavó que morreu aos 101 anos e esteve completamente lúcida até os 98”, lembra Joca. Filha de dona Marieta e avó de Joca, dona Irene Pita Pontual foi uma das mulheres a disseminar o bolo de rolo pelo Recife. Com a saúde meio fragilizada, dona Irene já não não cozinha como antes. Ainda faz, contudo, a massa para os biscoitinhos caseiros que acompanham o café no Ponte Nova, o restaurante do neto. “Minha avó chegou a fazer bolo de rolo para vender para hotéis como o Mar Hotel. Sempre disse que era um bolo típico de Pesqueira”, ele diz. Boleira com fama de ser uma das mais talentosas na cidade que fica a 200 quilômetros do Recife, dona Maria Bernadete Alves Nascimento, 68 anos, foi governanta na casa de dona Marieta, onde diz ter conhecido a receita. “Aprendi a fazer com Maria, que era a cozinheira da casa”, lembra ela. “Era um bolo que as senhoras faziam ou mandavam fazer e davam ou vendiam para familiares e amigos, principalmente os que chegavam da capital”, conta. “Depois que eu soube que o bolo de rolo era patrimônio de Pernambuco, fiquei até emocionada. Ainda mais por saber que era uma coisa de Pesqueira”, diz a professora Maria das Graças Pereira, sócia de dona Bernadete na produção doméstica de bolos de rolo. Entre os clientes mais notórios, elas tinham Eduardo Campos e Marco Maciel como assíduos. “Uma vez, vi uma reportagem sobre ele (Maciel), quando era vice-presidente, dizendo que tinha sempre bolo

Era um bolo que as senhoras faziam ou mandavam fazer e davam ou vendiam para familiares e amigos, principalmente os que chegavam da capital”, conta a doceira Maria Bernadete Nascimento

As camadas do bolo não eram tão finas, mas foram ficando mais finas com o tempo”, diz o professor

aposentado Paulo Henrique Maciel Rosa, que vende seu (excelente) bolo de rolo na porta da agência da Caixa Econômica Federal de Pesqueira.

FRUTA A pasta de goiaba, um dos principais insumos do bolo, é produzido em praticamente todos os lugares

de rolo em casa". Pioneira na industrialização de doces e compostas no Brasil, com a centenária e já falida fábrica Peixe, Pesqueira parecia reunir as condições ideais para a disseminação desse bolo eleito patrimônio imaterial de Pernambuco por uma lei de 2010. A equação social é simples: com muita fruta, açúcar disponíveis e famílias patriarcais com tempo e zelo para a arte do doce, as iguarias foram-se firmando. “Esse bolo, antes, só existia na casa dessas senhoras”, diz o professor aposentado de biologia Paulo Henrique Maciel Rosa, que diariamente sai de Arcoverde para vender seu (excelente) bolo de rolo caseiro na porta da agência da Caixa Econômica Federal de Pesqueira. Dona Marieta tinha um grande facilitador para ter uma casa plena de açúcar: sua família foi proprietária da antiga fábrica Rosa, principal concorrente da Peixe na indústria de doces na cidade. “Lembro que havia o costume de se leiloar pratos para arrecadar recursos para a festa de Santa Águeda, em março. O peru que minha bisavó fazia chegava a custar muito, muito mais do que se pagaria por ele numa situação normal”, diz a empresária de moda Cris Pontual, irmã de Joca. “Acho que hoje alcançaria o equivalente a uns R$ 3 mil”, completa ele. “Quando eu era adolescente, a fábrica já estava em decadência, fechando por causa de uma crise”, lembra. Mas a disponibilidade de um dos principais insumos do bolo faz com que ele se mantenha como um traço característico da cidade. Em casa ou fabriquetas, a pasta de goiabada é um dos doces mais comuns na cidade. Em Pesqueira, a geleia artesanal é feita com menos açúcar. O sabor é, portanto, mais frutado e adstringente. “Outra coisa importante é só usar manteiga de verdade na massa, manteiga feita na fazenda”, diz a boleira Bernadete. “O bolo de rolo que, desde pequenos, conhecemos em nossa região tem uma particularidade de massa fina e um doce mais saboroso. Algo que não conseguimos encontrar em outros locais. A massa, de tão fina, parece derreter na boca, já o doce, parece mais cremoso e com mais gosto da fruta retirada do pé”, diz o consultor empresarial Flávio Eduardo Maciel, que pretende colocar o bolo de rolo e outras iguarias de Pesqueira em evidência com a realização da Feira Regional de Negócios (Fenepe) em abril. Durante três dias, chefs de Pernambuco e no Brasil vão explorar as potencialidades gastronômicas do terroir local num evento em que produtores regionais devem se comunicar com outros agentes da cadeia profissional.


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