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k Cinquenta tons de cinza vai ter sessão só para elas k 6

caderno C Recife I 11 de fevereiro de 2015 I quarta-feira

Ricardo B. Labastier/JC Imagem

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Universal Pictures/Divulgação

Bárbara Cunha/Divulgação

k Documentário de Paulo Caldas é filmado em Berlim

Frevo não é pra todo mundo

Marcos Toledo

mtoledo@jc.com.br

E

sta é uma semana muito especial para o frevo, para muitas pessoas considerado o único ritmo genuinamente pernambucano. Foram 108 anos completados oficialmente na última segunda-feira. Oficialmente, pois há quem discorde e diga que o gênero existe desde fins do século 19. Então, desde sua origem, esse ritmo vem colecionando controvérsias. Muitas delas podem ser agora conferidas no livro O frevo gravado: de Borboleta não é ave a Passo de anjo, de autoria de José Teles, crítico de música deste Caderno C. O lançamento oficial da publicação – que foi anunciado para terça-feira passada e, a exemplo do ritmo, também nasceu causando celeuma – ocorre amanhã, às 17h, no espaço Evoé Frevo Café do Paço do Frevo (Bairro do Recife), que, aliás, também está em festa: comemora 1 ano de atividade no mesmo dia. A programação in-

clui uma edição especial do Arrastão do Frevo, com um encontro de estandartes comandado pelo bloco Siri na Lata e a orquestra do bloco Ceroula, que saem do centro cultural, às 18h, para o Marco Zero. Autor de dezenas de livros – ele mesmo não lembra quantos –, entre publicações sobre música, infantis, coletâneas de crônicas, paradidáticos e outros, José Teles, além de uma enciclopédia de música viva, é uma fábrica inesgotável de informação. Em meio a suas inquietações, viu-se diante da necessidade de desvendar o mito de que só quem gravou frevo foram Capiba e Nelson Ferreira (como compositores) e Claudionor Germano (como intérprete), considerados os ícones do gênero. “Todo ano são as mesmas músicas (cantadas, divulgadas). O repertório não chega a 50 músicas. Mas o frevo é gravado desde os anos 1920”, dimensiona o autor. Assim, há alguns anos, a produtora Roberta Clarissa Leite apresentou o projeto do livro ao Fundo de Cultura de Per-

Divulgação

CRÍTICO José Teles lança amanhã, no Paço do Frevo, o livro O frevo gravado: de Borboleta não é ave a Passo de anjo, que conta a trajetória fonográfica do gênero

Escritor salienta como o frevo sobressai na música pop por sua dificuldade

nambuco (Funcultura). “Quando apresentamos (o projeto) não pensei na dificuldade (que seria escrevê-lo). Ultrapassou o tempo (o prazo) e ainda não está como eu quero”, lamenta. É claro que o leitor deve considerar nesse depoimento a devida dose de modéstia do escritor, que mergulhou fundo na trajetória fonográfica do ritmo, desde antes do primórdio, marcado pela gravação do tema Borboleta não é ave (Nelson Ferreira & J. Borges Diniz), pela Casa Edison do Rio de Janeiro, em 1922, até o mais recente álbum Passo de anjo, da SpokFrevo Orquestra, registrado pela gravadora Biscoito Fino, em 2004. Além de mais de um século de jornais e de coleções de discos – a maioria de acervos particulares –, foram primordiais para a pesquisa biografias de artistas como Sebastião Lopes, Zé Menezes e Getúlio Cavalcanti, por exemplo. “Elas ajudam muito. São um quebra-cabeça. Você vai juntando”, revela. À medida que foi escreven-

Obra eternamente inacabada Em seu subtítulo, o livro O frevo gravado: de Borboleta não é ave a Passo de anjo, de autoria do crítico de música José Teles, já dá uma pista de que se trata de uma obra aberta. Enquanto se gravar o ritmo – e enquanto continuarem as pesquisas do autor –, a publicação nunca será totalmente finalizada. O escritor lembra, por exemplo, que, quando deu início ao projeto do livro, a última novidade era o álbum Passo de anjo (2004), da SpokFrevo Orquestra. De lá para cá, a novidade continua sendo... Spok. “O frevo é uma música muito comple-

xa”, reitera Teles, sobre a dificuldade de renovação. Esta edição também deveria ser ilustrada, mas, segundo o autor, é muito difícil encontrar fotos mais antigas sobre o assunto. Por mais detalhista que a obra se apresente, no que confere à trajetória fonográfica do gênero, ao resgate de fatos e personagens primordiais e à desmitificação de muitos deles, há muito o que se acrescentar em edições posteriores. Para se ter uma dimensão, basta saber que, até a disseminação nacional da axé-music, nos anos 1980, o frevo e as marchas cariocas reinaram no Carnaval

brasileiro – depois, claro, que o ritmo pernambucano derrubou o conceito preconceituoso de que se tratava apenas de uma música folclórica nordestina – e a indústria fonográfica teve um papel importantíssimo nesse processo. Recentemente, por exemplo, várias hemerotecas digitais disponibilizaram materiais até então inéditos ou pouco conhecidos. Algumas histórias, como as dos blocos carnavalescos do Recife – que tinham repertórios próprios e orquestras com cerca de 60 músicos –, merecem ser melhor esmiuçadas. E, claro, toda a produção da era fo-

nográfica digital, que tem uma peculiaridade. “Mais recentemente aconteceu o contrário: gravou-se tanto disco de frevo, que não dá para acompanhar. Até porque não toca no rádio e nem na televisão”, lamenta o autor, que se coloca à disposição para formar parceria e transformar a publicação em um projeto multimídia. (M.T.)

q Mais na web Trecho do livro e músicas em www.jconline.com.br/cultura

do a obra, um aspecto que chamou a atenção do jornalista foi a importância – maior do que imaginava – do compositor de frevo. “É uma música popular que não tem folclore. Tirando Vassourinhas, tudo são músicas que alguém criou. O compositor é o mais importante. É a única música popular que tem isso.” Nesse aspecto, compositores como Carlos Fernando (1938-2013) – um dos homenageados do Clube de Máscaras Galo da Madrugada este ano e criador do projeto Asas da América – e J. Michiles ganham seu devido destaque na história do ritmo. E, se por um lado alguns temas ficaram datados, historicamente ganharam uma importância de serem crônicas de seu tempo, uma característica perdida ao longo dos anos.

HOMOGENIA

Uma fase que marcou a trajetória fonográfica do frevo foi a da existência, no Recife, da Fábrica de Discos Rozenblit (1954-1983), que passou a ter o ritmo pernambucano como

um de seus carros-chefes. Em seu livro, no entanto, José Teles, desmitifica a ideia da hegemonia mostrando que o gênero também integrava parte expressiva do catálogo de gravadoras multinacionais instaladas no Sudeste do País, como a Odeon e a RCA. Aqui mesmo, compositores que não faziam parte do cast da Rozenblit – que exigia exclusividade – lançavam seus discos sob o então chamado selo particular (hoje mais denominado como independente). Outro aspecto elucidado pelo autor é o fato de que, mesmo se tratando de uma música pop, o frevo é um gênero que para ser feito – sobretudo o frevo de rua – exige que o compositor tenha conhecimento acadêmico, ou seja, sabia ler e escrever partitura. “A geração manguebeat”, diz, referindo-se às novas gerações, “não consegue fazer frevo, ou o faz diferente, porque não sabe música. Um ou outro (músico) sabe. E também não conhece (o ritmo), porque os discos estão todos fora de catálogo”.


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