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jornal do commercio 3

Recife I 18 de maio de 2014 I domingo

esportes

Fotos: Michele Souza/JC Imagem

www.jconline.com.br

Copa

de amor e solidariedade LIÇÃO Organização humanitária Visão Mundial reuniu jovens carentes de 12 países para torneio no Recife

Campeões do mundo na final dos Aflitos

Leonardo Vasconcelos

lsvasconcelos@jc.com.br

O

equatoriano deu o pontapé inicial, rolou a bola para o alemão que passou para o canadense. O australiano foi mais rápido e tocou para o norte-coreano que lançou o etíope. Cruzamento na área, o goleiro boliviano se esticou todo, mas a bola chegou no atacante brasileiro, morador do Córrego do Jenipapo, na Zona Norte do Recife, que acabou cabeceando...para fora. Não tem problema, o golaço já havia sido marcado quando a organização humanitária Visão Mundial reuniu 180 crianças carentes de 12 países para disputar um torneio de futebol nessa semana, no Estádio dos Aflitos. As nações escolhidas têm crianças e jovens (em situação de alta vulnerabilidade) ajudados pela entidade. Apesar das culturas diferentes, os jogadores se misturaram nos times que levaram nomes de desejos dos jovens. Foi assim que a final masculina foi disputada na quinta-feira, entre as equipes “amizade” e “oportunidade”. O troféu foi para a segunda, mas a vitória foi de todos os times. Foi do futebol. Foi da vida. A menos de um mês da Copa do Mundo, a meninada teve a chance de disputar uma competição tão importante, para ela, quanto o torneio da Fifa. “Essa é a minha Copa do Mundo, se estou representando o meu país, posso dizer que sou jogador de seleção brasileira. Não falamos a mesma língua dos gringos, mas dentro de campo a gente se entende”, disse Aquim Leyode Soares, de 13 anos, que apesar do nome é recifense. Assim como os outros garotos, ele conhece de perto as dificuldades da nação em que vive. “O tráfico de drogas no Córrego (do Jenipapo), infelizmente, é uma coisa constante. Tenho vários amigos que cresceram comigo e acabaram caindo na vida, alguns foram parar na Funase, outros estão mortos. Eu não quero nada disso para mim. Prefiro mil vezes jogar bola”, disse Aquim. Além de trocar passes, os garotos trocam experiências. Realidades completamente distintas se encontram em campo. Em harmonia, como um verdadeiro time deve ser. O etíope Mitiku Belachew, de 16 anos, na verdade, jogava contra a falta de acesso à educação “No meu país, os números de escolas são insuficientes, faltam professores e, muitas vezes, os alunos têm aula sentados no chão. Vim aqui para mostrar ao mundo esse problema e como o futebol é um momento único de alegria para nós”, disse, com o brilho da esperança nos olhos. Ao lado dele, a situação oposta. Dong Hon Kin, da Coreia do Sul, 16, queixava-se da pressão exercida pelo seu país sobre os jovens quanto ao estudo, com jornadas de aulas que vão das 7h às 22h. “Só temos intervalos curtos para as refeições e, muitas vezes, quando largamos temos que ficar até meia-noite fazendo o dever de casa. A família pressiona muito para estudar e ter condições de arranjar um bom emprego. Ás vezes acontece de um ou outro garoto não aguentar e se suicidar. Por isso que brincar de bola é um momento raro de diversão com amigos”, contou. A competição também teve uma versão feminina paralela. Entre as campeãs do time “saúde” estava a toda sorridente Ana Carolina Borges, 15, de Fortaleza. “Comecei o campeonato sem saber nada de inglês e espanhol. Agora até já arrisco uma palavra ou outra”, comemorou o título e o conhecimento.

INTERCÂMBIO De terça a quinta-feira, cerca de 180 adolescentes de 12 países competiram e puderam trocar experiências. O futebol uniu as diversidades: de etíopes a norte-coreanos

Esta é a minha Copa do Mundo, se estou representando o meu País, posso dizer que sou jogador de seleção brasileira. Não falamos a mesma língua dos gringos, mas dentro de campo a gente se entende”, disse Aquim Leyode Soares, do Recife.

É muito bom ser campeão, quem sabe no futuro eu não consiga ser jogadora de futebol. Eu comecei o campeonato sem saber nada de inglês e espanhol. Agora até já arrisco uma palavra ou outra”, contou Ana Carolina Borges, de Fortaleza.

Em meio à garotada, dois senhores de cabelos brancos chamavam a atenção. Não só pela experiência, mas principalmente por serem mestres naquilo que as crianças estão dando os primeiros passos. Os ex-jogadores da seleção brasileira Ado e Amarildo abrilhantaram as finais do torneio de futebol. Puxaram a entrada dos times em campo, deram o pontapé inicial nas partidas e no final entregaram as medalhas e troféus. Para delírio dos fãs, de todas as idades e países. O atacante Amarildo, que teve a difícil e honrosa missão de substituir Pelé na Copa do Mundo de 1962, estava radiante ao lado dos meninos. “Participar de um evento desses é muito bom em todos os sentidos. É bom para essa gurizada que já está mostrando o seu valor em campo e bom para nós, os velhinhos, pois isso nos rejuvenesce”, brincou. Já o ex-goleiro Ado, reserva da seleção brasileira na Copa de 1970, espantou-se com a quantidade de fotos que tirou com os jovens. “Não esperava tanto carinho. Vários chegaram para mim e disseram: ‘Meu pai me contou que vocês jogaram muito, foram grandes jogadores, e pediu para eu bater uma foto pra ele ver depois’. Não tem nada no mundo que pague isso. É muito gratificante depois de tanto tempo, aposentado dos gramados, ser recebido assim”, admitiu. O diretor nacional da Visão Mundial, João Diniz, destacou a missão do torneio que teve como tema “Aqui, a violência não entra em campo”. “Sei que pode parecer clichê, mas aqui realmente quem ganha é o esporte. Porque por meio dele é que provamos que se pode construir um mundo diferente, melhor. Essas crianças estão provando isso”, resumiu.

SELEÇÃO Ado e Amarildo abrem a final


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