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4 jornal do commercio

Recife I 25 de setembro de 2014 I quinta-feira

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Faltam Caps para crianças SAÚDE MENTAL Para corrigir déficit, é necessário implantar ao menos 58 centros nas diferentes regiões do Estado, aponta estudo Fotos: Alexandre Gondim/JC Imagem

Veronica Almeida valmeida@jc.com.br

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as 500 crianças e adolescentes atendidas por mês no Ambulatório de Neuropediatria do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc), em Santo Amaro, no Recife, cerca de 30% precisam de acompanhamento psiquiátrico e uma parte desses deveria ter acesso a uma assistência multiprofissional, como a oferecida em Centros de Atenção Psicossocial (Caps). O problema é que esse tipo de serviço voltado ao público infantil é escasso ou inexistente na maioria dos municípios pernambucanos. Apenas seis cidades – Recife, Abreu e Lima, Cabo de Santo Agostinho, Jaboatão dos Guararapes, Camaragibe e Petrolina – contam com Caps Infanto-Juvenil, que não vão além de nove. São necessários, ao menos, 58 novos centros, conforme avaliação concluída pela Gerência Estadual de Saúde Mental em negociação com as secretarias municipais da área. “Meu filho, com 14 anos, tem retardo psíquico-neuromotor, faz tratamento neurológico no Oswaldo Cruz e precisa muitas vezes do auxílio psicológico, que sou obrigada a buscar no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), na Cidade Universitária (Recife), por que não tenho essa assistência perto de casa”, conta Isabel Borba, moradora da 4ª Etapa de Rio Doce, em Olinda. A área onde ela vive, num apartamento da Cohab, não tem cobertura do Saúde da Fa-

mília. “Sinto falta de visita domiciliar”, afirma. A neurologista Eunice Coelho, coordenadora do Ambulatório de Neuropediatria do Huoc, atende muitas crianças com distúrbio de comportamento, que precisam de avaliação psiquiátrica e de medicação. Como é difícil encontrar Caps e psiquiatra infantil nos ambulatórios municipais, os neurologistas acabam muitas vezes dando conta também dessa demanda. “Muitos pacientes sequer têm distúrbio neurológico, precisam mesmo é d psiquiatra”, afirma a médica. A situação torna-se mais crítica porque o ambulatório do

Huoc é o único do Estado que ainda admite doentes novos. Quando não consegue resolver o problema, a equipe de Eunice acaba acionando os Conselhos Tutelares da Infância para que busquem junto ao SUS uma forma de assegurar a assistência integral, conforme prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente, em vigor há 24 anos. Na populosa área indígena de Pernambuco, distribuída entre o Agreste e o Sertão, onde vivem 11 povos, técnicos do Distrito Sanitário (Dsei), ligado ao Ministério da Saúde, também não têm para onde mandar crianças autistas, psicóticas ou com neuro-

ASSISTÊNCIA No Caps Infantil Zaldo Rocha, no Recife, crianças participam de oficina de música. Em Olinda, a dona de casa Isabel não consegue psicólogo para o filho

ses graves que precisam de cuidados constantes. A opção tem sido acionar os Centros de Assistência Social, mantidos pelos municípios, mas muitas vezes os casos retornam à comunidade, sem solução. O Dsei cuida da atenção básica e os Caps fazem parte da assistência especializada, sob gestão dos municípios. Se é difícil encontrar Caps para índios adultos, pior quando são crianças e adolescentes. A desassistência na área infanto-juvenil vai além da falta de centros psicossociais e tem repercussão direta no desenvolvimento da criança, tanto cognitivo quanto social. “Tenho 42 anos de formada, já tentei buscar ajuda de diferentes formas e setores, mas percebo que não há uma preocupação em resolver o problema dessas pessoas simples. Criar hospital dá nome às gestões, mas o feijão com arroz do dia a dia, a garantia real da assistência integral não acontece”, critica Eunice Coelho. Segundo ela, exames simples como hemograma e prescrição de medicamentos para epilepsia, feita no ambulatório do Huoc, que deveriam ser atendidos pela rede básica dos municípios, são desconsiderados. “O paciente tem que marcar consulta no posto de saúde para um clínico-geral ou pediatra requisitar o exame ou prescrever o tratamento. Como os generalistas não se sentem seguros em tratar epilepsia, prescrevem o remédio em doses mais baixas que as solicitadas pelo neuropediatra do Oswaldo Cruz e as crianças acabam tendo convulsões”, descreve a médica.

Para corrigir a carência de Centros de Atenção Psicossocial voltados a crianças e adolescentes, a Gerência de Saúde Mental da Secretaria Estadual de Saúde (SES), em conjunto com a área técnica das prefeituras, definiu a instalação de unidade de abrangência regional. Dos 58 Caps necessários, 41 vão atender a microrregião formada por mais um ou três municípios vizinhos. Outros dois, da mesma lista, devem ser totalmente regionais (Salgueiro, no Sertão, e Goiana, na Mata Norte). “Municípios pequenos têm dificuldades financeiras e de recursos humanos para montar um Caps. A regionalização resol-

verá esse problema e garantirá uma maior cobertura da rede”, explica Lea Lins, gerente de Atenção à Saúde Mental da Secretaria Estadual de Saúde. A expectativa é de que até 2016 as prefeituras possam implantar os novos Caps. Terão incentivo do governo federal para isso, em tono de R$ 30 mil por unidade, mais 32 mil por mês, quando o centro estiver funcionando. Na semana passada, aconteceu no Recife (Fafire) e em Olinda (Aeso) um seminário para discutir a Raps (Rede de Assistência Psicossocial) com os secretários municipais de Saúde. O evento foi promovido pela

SES e pelo Conselho de Secretários (Cosems). Atualmente, os Caps InfantoJuvenis estão concentrados no Grande Recife. A capital tem três unidades e está transformando um Caps Álcool e Drogas para atender o público juvenil. Nos demais, que acolhem meninos e meninas com transtornos mentais, a média é de 150 atendimentos por mês. No Zaldo Rocha, na Encruzilhada, que abrange do Centro à Zona Norte da cidade, além do tratamento convencional, há oficinas de música para ajudar no desenvolvimento das crianças e roda de conversa com os pais. “É importante que a atenção

Edmar Melo/JC Imagem

Proposta para criação de centros regionais

MAPA Léa espera mudança

básica e as escolas estejam engajadas na atenção à criança”, diz Valdiza Soares, técnica de referência para a saúde mental infanto-juvenil do Recife e coordenadora do Fórum Estadual de Saúde Mental Infanto-Juvenil. Nesse espaço, a ideia é atrair os técnicos de saúde e profissionais da educação especial. A rede de atenção à saúde mental infanto-juvenil conta com duas emergências, uma no Hospital Otávio de Freitas e outra no Hospital Geral de Areias. No entanto, há casos em que o adolescente acaba sendo assistido no Hospital Ulysses Pernambucano, de adultos. Especialistas atentam que é

necessário identificar desequilíbrios na relação em família que podem gerar transtornos na criança e no adolescente. No Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip), nos Coelhos, Recife, funciona em parceria com a Faculdade Pernambucana de Saúde (FPS) o Laboratório de Observação das Relações Pais-Bebês. Nesse espaço, psicólogos e alunos da área observam o comportamento dos pais juntos aos recém-nascidos, identificando sinais de sofrimento na criança, como irritabilidade, rejeição de alimento ou pouca reação a estímulos, explica Deborah Foinquinos, professora da FPS.


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