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EXPERIÊNCIAS, VIVÊNCIAS E MEMÓRIAS

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A PARCERIA

A PARCERIA

experiências, vivências

A Revista Gerar Identidades é acima de tudo um espaço para apresentar memórias e experiências permitindo que sejam partilhadas e constituam testemunhos de vivências. As histórias que se seguem são contadas na 1º pessoa, e mostram sonhos, memórias e saberes que preenchem uma vida. São testemunhos que ajudam a conhecer um bocadinho da cada um dos participantes, do sítio onde vivem, aquilo valorizam, o resultado da sua experiência de vida. São vivencias que aproximam, que colocam em perspetiva também os sonhos de quem as lê e fazem refletir sobre o que importa para nos sentirmos felizes Seguem-se 5 pequenas histórias, escritas pelas próprias, narradas aqui pela equipa do GI, numa das atividades do projeto, onde cada participante, através de uma viagem ao passado, destaca a memória mais presente na sua vida, até aos dias de hoje…

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experiências, vivências e memórias

“TRÊS PORTAS ME ESPERAM, NÃO SEI SE IREI PASSAR POR ELAS TODAS, MAS UMA É CERTA: O CEMITÉRIO, O HOSPITAL OU O LAR. ”

Adelina Dedeiras, aos 16 anos. ADELINA ANTÓNIA MARQUES MACHADO DEDEIRAS

A D. Adelina nasceu na Aldeia de Sabugueiro, uma aldeia cuja origem se perde na história. Um local plano, junto da natureza, que proporciona uma boa qualidade de vida a todos os que nele habitam.

Nascida a 6 de janeiro de 1947, desde sempre se definiu como uma sonhadora. Tranquila e serena, conta a sua história de vida “recordando os bons momentos e os maus...os sonhos realizados e não realizados.”

Em criança, sonhava ser professora, mas nunca teve essa possibilidade, devido às dificuldades que a família atravessava nesse tempo. Mais tarde, com 12 anos, começou a trabalhar na agricultura, mas a sua ambição era ser ajudante de cozinha. Foi no campo que passou “os maus anos” da sua vida. Alguns anos depois dedicou-se aos tapetes de Arraiolos, onde foi bordadeira, mas a saúde não permitiu que continuasse por mais tempo. Recentemente perdeu o seu marido, “o amigo e companheiro” de uma vida.

“Um casamento de quarenta e cinco anos, fiquei só na solidão.”

Desta união, nasceram dois filhos, muito presentes na sua vida que lhe dão o ânimo que precisa. Mantém-se ativa, participando em várias atividades recreativas, para combater a solidão. Nesta fase da sua vida reflete sobre o seu futuro:

“Três portas me esperam, não sei se irei passar por elas todas, mas uma é certa: o cemitério, o hospital ou o lar.”

Com os seus 75 anos, a D.Adelina recorda uma vida de trabalho e sonhos.

os sonhos

experiências, vivências e memórias

“CASEI HÁ 54 ANOS, TEMOS SIDO SEMPRE AMIGOS E CONTINUAMOS A SER AMIGOS HOJE.”

Vitalina Corta-Largo, aos 15 anos. VITALINA MARIA SANTOS LOPES CORTA-LARGO

A D. Vitalina nasceu no dia 16 de agosto de 1946 na aldeia de S. Gregório, antiga sede de freguesia, uma aldeia rodeada de vinhas e oliveiras centenárias. A antiga freguesia de S. Gregório abrange o povoado de S. Gregório, Carrascal e Aldeia da Serra, sendo uma freguesia predominantemente agrícola, ainda nos dias de hoje.

D. Vitalina, sempre faladora e com uma memória inigualável, conta-nos várias passagens da sua vida. Entrou para a escola primária com os seus 7 anos de idade, no dia 7 de outubro de 1953. Pouco tempo depois partiu o braço direito, o que a impediu de ir à escola durante alguns meses.

“… o médico mandou-me para o hospital de Santa Marta, tiveram que partir o braço para ir ao lugar a sangue frio…”.

Com o sucedido só voltou novamente à escola no dia 7 de janeiro de 1954. Saiu da escola aos 9 anos de idade e começou a ajudar os pais na fabricação de queijos e mais tarde no trabalho de campo. Foi aos 14 anos, no trabalho de campo, que conheceu o seu companheiro. O seu companheiro, 6 anos mais velho, foi para a vida de tropa no dia 23 de janeiro de 1961 e mais tarde para a Ultramar. D. Vitalina recorda que “o namoro continuou, sempre houve correspondências.” O seu companheiro regressou em 1963, quando D. Vitalina já tinha os seus 17 anos. Casaram no dia 15 de abril de 1967 e lembra a sua vida ao lado do marido com muita alegria.

“Casei há 54 anos, temos sido sempre amigos e continuamos a ser amigos hoje.”

Durante a sua vida desempenhou várias atividades, nomeadamente no fabrico e comercialização de queijos. Hoje tem duas filhas e três netos e assume-se muito feliz com a vida que tem.

dos tempos de escola ao casamento

experiências, vivências e memórias

“NESTA HORA COMEÇOU O DRAMA, AS LUZES A APAGAR, TELEFONE NÃO HAVIA, TRANSPORTES TAMBÉM NÃO.”

Ana Barbosa, aos 18 anos. ANA ROSA SAIAS COELHO BARBOSA

Na Aldeia de Vale do Pereiro, nasceu a D. Ana Rosa no ano de 1947. Aldeia tradicionalmentre rural onde, durante vários séculos, não existiu um aglomerado populacional. Nos dias de hoje continua a ter escassos números demográficos, ainda assim mantém a sua população trabalhadora, sobretudo na agricultura, criação de gado e atividade vinícola.

A D. Ana Rosa, sempre calma e atenciosa, conta-nos a história da sua família. Conheceu o seu marido, ainda muito jovem, com 16 anos de idade. Cinco anos mais tarde, após o serviço militar do marido decidiram casar.

Na madrugada de 28 de fevereiro de 1969 nascia o seu primeiro filho e foi durante o parto que se deu o grande tremor de terra, que abalou Portugal, Espanha e o Norte de Marrocos, com uma magnitude de 8.0, na escala de Richter. Tal como em todo o país, o pânico instalou-se na aldeia:

“Nesta hora começou o drama, as luzes a apagar, telefone não havia, transportes também não.”

Tal como relata a D. Ana Rosa, o seu marido fugiu de casa para ir ver se tinha sido o “cabeço” a desabar e para pedir ajuda, as vizinhas corriam e rezavam nas ruas. Foi a sua tia, que era parteira, com alguma experiência, que ajudou a criança a nascer em casa. O ambiente era de grande aflição e, com a falta de luz o marido, completamente assustado, nem achava os fósforos.

Entre a tensão do tremor de terra, o parto adivinhava-se atribulado. Felizmente a tia parteira “conseguiu pô-lo a jeito de nascimento, mas ao contrário, e “tudo correu bem”. Hoje assume-se muito feliz com o seu filho e seus dois netos e agradece a família que tem ao seu lado.

noite atribulada

experiências, vivências e memórias

“UMA ALDEIA MUITO SIMPÁTICA, PACATA, AONDE É MARAVILHOSO VIVER”

Maria Aruil, aos 20 anos. MARIA DA GRAÇA FERREIRA DOS SANTOS ARUIL

D. Maria da Graça, nascida a 26 de fevereiro de 1945, conta-nos algumas passagens da sua vida. Nasceu em Espinho e mais tarde foi viver para Lourenço Marques, atual Maputo, em Moçambique. Foi em Lourenço Marques que casou e nasceram os seus filhos.

D. Maria da Graça define aqual cidade (Lourenço Marques) como “terra linda, gente maravilhosa, tudo bom”. No entanto, passados alguns anos viu-se obrigada a ir para África do Sul, país vizinho mas com uma realidade bem diferente:

“Costumes diferentes, cultura diferente, mas à qual me adaptei, tinha quer ser; muita globalização, muita disciplina, enfim, outra maneira de estar na vida…”. Assume que a realidade do país, no seu ponto de vista, não era aquela que transparecia para o resto do mundo, assumindo que o país gozava de uma boa qualidade de vida e de uma mentalidade muito avançada.

D. Maria da Graça afirma que África do Sul tinha muita segurança e hoje em dia essa segurança já não existe, sendo um país bem diferente.

Vive agora em Igrejinha, uma aldeia entre Arraiolos e Évora, definindo-a como “Uma aldeia muito simpática, pacata, aonde é maravilhoso viver” e onde gostaria de passar o resto dos seus dias.

Revela que, durante a sua vida, conheceu vários países e que Portugal e Moçambique são os melhores. Revela não ter saudades da África do Sul, mas de “Moçambique sim, ainda hoje se tivesse que ir não pensava duas vezes”, assumindo que “o tempo passou e que agora é esperar pelo que todos temos de certo”, brincando que há dois momentos em que somos todos iguais “ninguem nasce vestido e ninguem cá fica””.

trajetos da vida

experiências, vivências e memórias

“SAÍMOS DE MOURÃO, APENAS COM AS POUCAS COISAS QUE TINHAMOS, E CAMINHÁMOS VÁRIOS DIAS, ATÉ CHEGARMOS AQUI!” ”

Francisca Bugalho, aos 16 anos. FRANCISCA ROSA RATÃO BUGALHO

Em Janeiro de 1950 nasceu a D. Francisca Bugalho, na Vila de Mourão, onde viveu até aos 6 anos de idade. Para fugir a uma vida difícil, e em busca de novas oportunidades de vida, os pais da D. Francisca rumaram a outras paragens, sem destino definido.

“Saímos de Mourão, apenas com as poucas coisas que tinhamos, e caminhamos vários dias, até chegarmos aqui!”. Num primeiro momento, a D. Francisca recorda a peripécia da travessia do Guadiana numa barca, em que teve medo de cair ao rio, memória que preserva até hoje. Após vários dias a caminhar, em que o pai ia fazendo alguns biscates, chegaram a uma propriedade nos arredores de São Pedro da Gafanhoeira, no concelho de Arraiolos, onde o pai começou a trabalhar na agricultura de forma fixa, tendo a família ficado a residir na aldeia. Como a atividade económica predominante era a agricultura, a D. Francisca também começou em nova a exercer essa atividade, ainda com 11 anos, relembrando-se das campanhas de colheita, em que dormiam no local de trabalho para começarem assim que o sol nascesse. Da aldeia que a acolheu, a D. Francisca recorda uma memória da sua infância através de uma fotografia numa fonte em S. Pedro da Gafanhoeira, que ainda hoje existe. Nessa fotografia está a D. Francisca com 15 anos de idade, sua irmã com 6 anos e duas amigas. Serena, ao olhar para a fotografia, lembra como ia buscar água à fonte do Marco, pois antigamente não existia água canalizada.

D. Francisca casou aos 17 anos, “…os meus pais queriam que eu casasse cedo e acabou a minha mocidade…”. Aos 19 anos foi mãe pela primeira vez e teve a segunda filha aos 22 anos de idade. “…assim fui vivendo feliz a ver crescer as minhas filhas, a melhor sensação que o ser humano pode ter na vida…” Hoje tem netos e bisnetos que são a sua família e a sua alegria.

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