CAIXA Cultural Rio de Janeiro av almirante barroso, 25, centro
A Caixa Cultural Apresenta
Corpo e Cinema
A CAIXA Cultural tem a honra de apresentar ao público a mostra Corpo e Cinema. Os projetos que ocupam os espaços da CAIXA Cultural são escolhidos através de seleção pública, uma opção da CAIXA para tornar mais democrática e acessível a participação de produtores e artistas de todo o país, e mais transparente para a sociedade o investimento dos recursos da empresa em patrocínio. A mostra Corpo e Cinema reúne vinte e quatro filmes, entre longas e curtas metragens, que nos levam a refletir sobre a diversidade das formas com que o corpo dá-se a ver através da imagem. E até mais do que isso: são filmes que não somente servem como veículos do pensamento crítico – que dão o que pensar –, como também levam o espectador a experimentar-se enquanto corpo – são filmes que dão a afetar –, seja por meio do choque, da ternura, da contemplação ou da repulsa. Ao longo das sessões, teremos a oportunidade de entrar em contato com temáticas tais como as relações afetivas, a prostituição, o erotismo, a dança, a antropofagia, o feminismo, a violência. Além das sessões diárias, a mostra envolve também uma conferência sobre as relações entre corpo e cinema, comentários de estudiosos após algumas das exibições e, finalmente, a publicação do presente catálogo, que agrupa vários ensaios escritos especialmente para a ocasião e uma tradução ainda inédita.
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A CAIXA é reconhecida como uma das empresas que mais investem e apóiam a cultura no Brasil, com um investimento superior a R$ 60 milhões de seu orçamento em patrocínio a projetos culturais. O patrocínio a esse projeto é mais um meio de proporcionar a reflexão e o entretenimento aos visitantes de seus espaços culturais, porque a vida pede mais que um banco.
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R$ 4 (inteira) R$ 2 (meia)* *AlĂŠm dos casos previstos em lei, clientes Caixa pagam meia.
SUMÁRIO
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Apresentação
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Ensaios
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Sinopses | Filmes
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Conferência
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Curadores e Convidados
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Programação
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Créditos
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Agradecimentos
AprEsENtação
Apresentamos ao público da Caixa Cultural a mostra Corpo e Cinema, um quadro formado por 12 longas e 8 curtas-metragens de diferentes origens e épocas cujas formas, linguagens e mise-en-scènes abrigam os corpos e a questão da corporalidade de maneira muito particular. Entendemos que o corpo é tanto algo que aparece na imagem, que figura nela, quanto um reservatório de pulsões, desejos e afetos que se mostram, que se dão a ver para além dos limites da representação. Ao longo dos 12 dias da mostra, o espectador poderá entrar em contato com esses corpos que ora parecem simplesmente habitar a imagem, ser parte dela junto com a música, com os cenários e com os objetos, e ora parecem disputar com a câmera o controle da situação, rebelando-se contra a condição de coisa meramente observada para alcançar a misteriosa condição de corpo tangível, próximo, vizinho ao espectador. Dos filmes emergem questões tão variadas quanto complexas: gênero, sexualidade, desejo, repulsa, violência, transformação, vida e morte. As inquietações de alguns desses filmes diante dos corpos são conhecidas: é o caso de Abel Ferrara, que experimentou as mais diversas formas de violência, as mais variadas maneiras pelas quais um corpo pode sofrer violência e pelas quais pode ser, ele mesmo, violento. Este também é o caso de David Cronenberg – o que esse cineasta fez com os corpos em seus filmes parece ter dado origem
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a um imaginário de dilaceramento, metamorfose e escatologia absolutamente fundamental para a ideia que fazemos, hoje, dos anos 1980. Outros filmes menos conhecidos são como verdadeiras descobertas das possibilidades de se filmar um corpo. É o caso de Barbara Hammer, cineasta de obra menos difundida em nossas terras, que investiga, em uma linguagem experimental, o corpo em suas dimensões plástica, sensível, erógena, romântica e política, tecendo verdadeiros estudos de movimento hipnóticos e potentes. Além da exibição de filmes, a mostra conta com sessões comentadas pelos curadores e pelas pesquisadoras Ieda Tucherman (UFRJ) e Paula Sibilia (UFF) e com a conferência “Corpos no cinema, corpos do cinema”, ministrada pela pesquisadora Mariana Baltar (UFF). Nosso objetivo, portanto, não é apenas o de disponibilizar um recorte particular de obras cinematográficas, mas também discutilas, pensá-las e problematizar um processo que, dada a sua aparente obviedade, não parece constituir em absoluto um problema: o processo pelo qual os corpos − carnais, tridimensionais e mortais − tornam-se imagens − luminosas, planas e eternas. Dizemos que a mostra corresponde a um quadro, a um recorte de imagens arranjadas dentro de uma moldura, e não exatamente a um panorama, ou a um “passar a limpo”, porque o corpo não é uma característica, um tema ou mesmo um traço estilístico sobre os quais seria possível traçar uma história, um contexto, um gênero. Não há, a rigor, um cinema que se faz sem os corpos, que não coloque o corpo em xeque de uma forma ou de outra, ou cujo olhar – no caso, o da câmera – não possa ser compreendido como um olhar implicado num corpo, que pressupõe um corpo “inteiro”, isto é, um corpo irredutível ao olho. Quando Steven Shaviro, por exemplo, fala do cinema como um medium vívido1, isso também quer dizer que o 1. SHAVIRO, Steven [1993]. O corpo cinemático. Tradução de Anna Carolina Martino. São Paulo: Paulus, 2015.
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cinema, em suas próprias operações figurativas, é dotado de corpo, de presença e de fisicalidade. Deste modo, o corpo não representa, realmente, um momento particular da história do cinema – é a história do corpo que chega a um período extraordinário com a invenção e com a popularização do cinema. A mostra procura apanhar certos instantes dessa história que não comporta nem um cânone, nem uma vanguarda, que não é nem linear, nem de todo inapreensível. A relação entre o cinema e os corpos não foi sempre a mesma, portanto, mas se desdobrou em uma miríade de possibilidades ao longo do tempo. Quando o filósofo francês Gilles Deleuze propôs a ideia de um “cinema do corpo”, em meados dos anos 1980, eram essas diferenças da relação entre a câmera e o corpo o que ele pretendia reconhecer. Segundo Deleuze, até meados dos anos 1940, predominou nas artes cinematográficas o que ele chama de “cinema de ação”, no qual a relação mais marcante é a dos corpos com o espaço: um cinema interessado, de modo geral, nas maneiras como os corpos ocupam o espaço, como se movimentam em seu interior, como respondem a ele. Com a obra de alguns cineastas em particular – Andy Warhol, Paul Morrissey, Agnès Varda, Chantal Akerman, Philippe Garrel etc. –, emerge uma outra percepção daquilo que os corpos são para a câmera e, o mais importante, daquilo que os corpos são capazes de transformar no próprio aparato fílmico. O espaço do “cinema do corpo”, para citar um trecho célebre de Deleuze, seria um espaço anterior à ação, isto é, onde a ação não seria o mais importante nem sobre a imagem, nem sobre os corpos. Nesse cinema, “o corpo se dispersa numa pluralidade de maneiras de estar presente no mundo”2; ele deixa de ser o agente/reagente do “cinema de ação” e passa a se mostrar como uma existência habitada por muitos outros afetos, muitas outras pulsações. A emergência desse corpo desconhecido, imprevisível, pleno de possibilidades significa que o modus operandi 2. DELEUZE, Gilles [1985]. A imagem-tempo. Tradução de Eloisa de Araujo Ribeiro. São Paulo: Brasiliense, 2007, p.243.
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inescapável do cinema, isto é, a transformação dos corpos em imagem, encontrou, no interior de seu próprio funcionamento, certas maneiras de evitar que tal transformação violentasse os corpos, que os convertesse em meros objetos. Mas, independentemente do que é singular a um “cinema do corpo”, podemos tomar todo e qualquer cinema não somente como um gesto puro de olhar – observar e ser observado –, mas, sobretudo, como um gesto de tocar, através do qual duas fisicalidades – câmera e corpos filmados, mas também espectador e imagem – encostam-se, afetam-se mutuamente e, às vezes, entram em conflito. Os filmes que o espectador poderá assistir na mostra não são, todos, exemplares de um chamado “cinema do corpo”, mas, para todos os efeitos, cada um deles representa um encontro particular, uma relação que se deu sob condições muito especiais. Estudiosos do assunto, em suas diversas ramificações, foram convidados a contribuir com os textos deste catálogo. A proposta dos artigos envolve a aproximação e o diálogo entre dois ou mais filmes da programação, buscando na comparação um ponto de vista mais nuançado e multifacetado sobre o tema, atestando a existência de teias que se conectam entre certas obras. Ainda que representantes de searas distantes, os filmes se comunicam, flertam e dirigem gestos uns aos outros. A produção do catálogo busca estimular e propiciar esses frutíferos encontros. Em destaque, um texto inédito em português de Judith Butler, autora expoente dos estudos de gênero, intitulado Gênero em chamas, um jogo de palavras com o título do filme Paris em chamas (Paris is burning, Jennie Livingston, 1990). Sobre esse mesmo filme, em articulação com Línguas desatadas (Marlon Riggs, 1989), Cíntia Guedes elabora um ponto de vista sobre as interseções entre gênero e raça. Já Ramayana Lira tece conexões entre as figurações do corpo
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feminino em dois filmes de cineastas mulheres de obra expressiva – Resposta das mulheres (Agnès Varda, 1975) e Menses (Barbara Hammer, 1974) – que se irmanam nas investigações a respeito do que é ser mulher (e do que é ser mulher lésbica, no caso de Hammer), das implicações de se possuir um corpo de mulher. Frederico Feitoza se debruça sobre a relação entre violência, corpo e imagem nos filmes de Abel Ferrara e David Cronenberg. Nuno Manna aborda a construção dos corpos monstruosos, como aqueles invadidos pelos parasitas em Calafrios (David Cronenberg, 1975), os vampiros condenados à eternidade em Fome de viver (Tony Scott, 1983) ou os zumbis de Dia dos mortos (George A. Romero, 1985), situando-os, ainda, em relação a uma vizinhança de filmes. Hookeyong Lee analisa O lugar sem limites (Arturo Ripstein, 1977) e A rua da vergonha (Mizoguchi Kenji, 1956) à procura das formas com que os corpos, nesses filmes, reagem e resistem às ambiguidades do desejo (ora prazeroso, ora perigoso), à passagem do tempo e ao moralismo. André Antônio associa o francês O sangue de um poeta (Jean Cocteau, 1932) e o alemão Madame X (Ulrike Ottinger, 1978) a partir da ideia de um corpo queer, ressaltando as estratégias estilísticas, os artifícios e as poéticas instaurados pelos filmes, cada um à sua maneira. Encerrando os textos, Adilson Marcelino parte de Como era gostoso meu francês (Nelson Pereira dos Santos, 1970) e Vereda tropical (Joaquim Pedro de Andrade, 1976) para traçar uma trajetória do corpo no cinema brasileiro dos anos 1970, relacionando-os a outras obras e diretores, entre figurações que vão da banalização à transgressão. Por fim, nunca é demais recordar que nossa época produz e reproduz imagens em número infinito – nunca antes existiu uma quantidade maior de corpos à vista. Apesar disso e das conhecidas determinações da imagem sobre o desejo, da maneira como a imagem detém o poder de estabelecer referências, de influenciar na formação de identidades, sentimentos, e na autoaceitação, os corpos vêm sofrendo novas formas de rechaço, rejeição e violência. Alguns
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dirão que se trata de uma visibilidade que invisibiliza. Mas esta é também uma época de movimentos muito diversos, de tendências heterogêneas, e os filmes da mostra são provas de que o corpo ainda tem e pode ter sua dignidade e sua liberdade defendidas e compreendidas.
Heron Formiga e Mariana Souto Curadores
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Ensaios
Entre o corpo-espetáculo e o corpo-memória: questões sobre raça e sexualidade nos filmes Paris is Burning e Línguas Desatadas Cíntia Guedes
O passeio ao qual nos convida a cineasta Jennie Livingston em Paris is burning (1990) é um desbunde. Paris – a cidade luz, e todo o imaginário de “alta cultura” que a ela vinculamos – é convocada a “pegar fogo” nas performances das queens que fragmentam e reorganizam traços da cultura dominante para, em seguida, performálos nas diversas categorias de competição dos bailes, aos quais o espectador é conduzido por meio do olhar apaixonado da diretora. Livingston apresenta um mundo que lhe parece inteiramente novo. X espectadorx é convidado a observar com fascínio uma atmosfera criativa e festiva, confirmada por uma narrativa que enfatiza o prazer e a dedicação das personagens aos bailes. A personagem LaBeija, logo nos primeiros minutos, fala sobre a importância das competições que o filme acompanha: “é a nossa fantasia de sermos superstars”, ela diz, imediatamente antes de descrever a situação de precariedade na qual se encontram alguns dxs frequentadorxs dos
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bailes, referindo-se especialmente aos mais jovens; para os sem casa e sem comida, o baile significa tudo. Ao final do filme, é bem provável que o espectador saia da sala estupefatx com a quantidade de personagens marcantes. Já na primeira narração em off, o filme apresenta os atravessamentos identitários de seus personagens: a comunidade negra e queer. Nessa sequência, x espectadorx escuta uma das personagens relatando uma conversa com seu pai, na qual ele lhe dissera que, para ser ao mesmo tempo negro e gay, seria preciso ter força redobrada. O filme anuncia, assim, de partida, que está ali como aliado, para somar forças. Em seu registro da cena drag e trans*1 novaiorquina entre os anos de 1980 e 1990, Paris is burning é histórico não apenas porque captura o momento final de uma série de acontecimentos − os bailes, que, tais como eram realizados até então, estavam em vias de desaparecer −, mas também porque traz para o campo do visível as normatividades de gênero e de sexualidade que, uma vez repetidas em outros contextos e corpos – corpos negros e queers –, engendram algo que nem de longe diz respeito ao problema da semelhança ou da simples assimilação da norma, mas sim a um estilo de vida capaz de gerar outro vocabulário, bem como outros modos de filiação parental. É explorando recursos próprios às performances, como o excesso da paródia e o riso da ironia, que o filme forja a imagem que tanto encanta espectadorxs: a de um corpo espetacular, que superaria a língua da norma através da sua repetição incessante, capaz de repetir e repetir, até ficar diferente do “mundo lá fora”.
1. O uso do asterisco é uma solicitação de militantes transfeministas e indica que o termo abarca travestis, transexuais e outras identidades de gênero.
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O filme recebeu diversos prêmios. Em 2015, restaurado em cópia digital, voltou a ser exibido no Festival de Sundance, onde, vinte e cinco anos antes, fora aclamado pela crítica. Paris is burning transformou-se em uma das mais conhecidas celebrações da cultura queer daquela época. A despeito das inserções de narrativas pessoais dramáticas − que têm seu ápice na breve narrativa do assassinato de Vênus Xtravaganza −, o filme concentra-se em sublinhar um lado inteiramente outro − glamoroso, opulente e legendário − de um momento histórico nada festivo. Lançado pela primeira vez em 1990, Paris is burning compartilha com Línguas desatadas, de 1989, um importante contexto políticocultural. Entre o final da década de 1980 e o início dos anos 1990, as lutas pelos direitos civis encampadas pelas minorias sexuais nos Estados Unidos cresciam em meio a um clima de terror midiático. Naquele momento, o descaso do governo de Ronald Reagan (19811989), que insistia em silenciar o aumento de mortes em decorrência do avanço da Aids entre a população LGBTTQI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Travestis, Queer, Intersexual), gerou uma série de mobilizações. Foi nesse momento que grupos como ACT UP e Queer Nation conseguiram, a partir da estratégia da ação direta, realizar uma série de protestos e de intervenções legais capazes de romper com a indiferença do governo. O momento contou ainda com uma série de produções no campo acadêmico, como o surgimento dos estudos queer. No que diz respeito ao contexto do cinema, deu-se partida a uma série de produções que se convencionou chamar de New Queer Cinema, categoria em que tanto Paris is burning quanto Línguas desatadas costumam figurar. Tais produções passaram a chamar atenção no circuito dos festivais. Um dos primeiros registros desses filmes como um conjunto teria sido feito em 1992 por Ruby Rich. Já nesse momento, a pesquisadora 19
acenou para uma série de distintas produções estadunidenses que vinham sendo realizadas de maneira independente: “Havia, de repente, uma série de filmes que estavam fazendo algo novo, renegociando subjetividades, anexando papéis de gênero, revisitando histórias em suas imagens”2. Rich os define como filmes interessados em problematizar e agregar questões relacionadas às categorias de raça e de classe, ao debaterem sobre gênero e sexualidade. São documentários, ficções, falsos documentários e filmes que experimentam com a linguagem cinematográfica. Entretanto, a observação panorâmica dos filmes assim designados é capaz de apontar para uma concentração de filmes que têm como tema a cultura queer branca. Estando ambos interessados na representação do corpo negro e do corpo queer, Línguas desatadas e Paris is burning aproximam-se um pouco mais entre si. Contudo, o modo como cada diretorx carrega o corpo negro e queer para a imagem do cinema é singular. Línguas desatadas é um filme atravessado pela poesia. Nota-se a expressão poética do filme não apenas ao observar sua narrativa forte e, muitas vezes, recitada pelos próprios personagens, − dentre os quais está o diretor, Marlon
Riggs −, mas também ao observar os poetas, artistas e ativistas que inspiram o filme, como Brian Freeman e Essex Hemphill. Em Línguas desatadas, Riggs experimenta com a linguagem fílmica, faz junções improváveis entre performances musicais e narrativas (auto)ficcionais. O filme é constituído tanto por cenas ensaiadas pelos atores, quanto por cenas documentais. O resultado é que, nele, a experiência do racismo ganha contornos que Paris is burning sequer cogitou apontar.
2. RICH, Ruby. The New Queer Cinema In: BENSHOFF, Harry e GRIFFIN, Sean. Queer Cinema, the Film Reader. Nova Iorque: Routledge, 2004, p.53 (tradução nossa).
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É a feminista negra bell hooks3 quem elenca as mais frutíferas questões sobre o modo como Livingston, enquanto mulher branca, não apenas se ausenta da imagem capturada pela câmera de seu longa, mas também cria para si um lugar de imparcialidade e de boas intenções diante da ausência de questionamento sobre o elogio dos valores da cultura branca presente em toda a narrativa do filme. hooks questiona se a centralidade da fantasia de felicidade oferecida pela narrativa central no filme de Livingston − no qual as personagens não são conectadas a ninguém fora da cena dos bailes − é de fato
uma fantasia da comunidade negra e queer novaiorquina, ou se é uma fantasia da diretora, que lança seu olhar sobre a cena na qual possui trânsito livre para contar sua própria história. Ao narrar a experiência de assistir ao filme em suas primeiras exibições públicas, hooks aponta um dos desconfortos que sentiu enquanto mulher e negra: “Assistindo a Paris is burning, eu comecei a pensar que vários dos olhares yuppies, aparentemente héteros, agressivos e predominantemente brancos do público apenas estavam lá porque o filme de nenhuma maneira interroga a branquitude”4. O que bell hooks descreve é o espectador voyeur, que acompanha uma observadora apaixonada, mas ausente. Há, certamente, potências na repetição das normas de gênero narradas em Paris is burning. As performances exploradas pelo filme trabalham a subversão da linguagem binária do gênero, mas, como aponta hooks, a celebração dos bailes como único lugar importante na narrativa do documentário não abre espaço para questionamentos sobre o status da feminilidade branca.
3. HOOKS, bell. “Is Paris Burning? In: Black Looks, race and represetation. South End Press: Boston, 1992. 4. Ibid., p.149 (tradução nossa).
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Para que sejam espetaculares, as personagens de Livingston são pouco exploradas em suas dores de não pertencimento. Assim, os breves momentos de narrativas conflituosas são logo superados por mais um momento divertido e espetacular na montagem. O filme mostra um corpo negro queer nada menos que coerente em sua busca por uma feminilidade branca. Em Línguas desatadas, o olhar não é mais o do voyeur. X espectadorx é conduzido, não sem desconforto, pelas ruínas dos corpos: as memórias de funerais, as histórias de violência. Os homens gays negros e as mulheres trans* retratadxs no filme não parecem querer celebrar. O resultado soa ainda mais potente que o operado pelo filme de Livingston. Ao invés do riso, o filme de Riggs convoca uma constante reflexão sobre o apagamento da experiência queer e negra na cultura branca heteronormativa, por meio da exploração do lugar conflituoso e contraditório da intersecção entre essas duas posições identitárias. O filme questiona, afinal, o que o silêncio do homem negro gay abriga. Não há espaço para flanar em Línguas desatadas. A rua não é mais um lugar seguro. Nenhum dos personagens, nem o diretor, tem livre circulação no único mundo existente ali. A operação do diretor nos convida a olhar um corpo que em nada é espetacular; um corpo que recupera memórias de violência e de apagamento; que nos convida a olhar suas fissuras e a encontrar nelas espectros dos nossos próprios corpos negros e brancos, homo e héteros, em relações de poder e opressão. Riggs dança nu e encara de relance a câmera em uma das primeiras sequências. Não é mais a diretora aliada, mas um corpo que pertence ao filme e que, sendo negro e gay, conta ali a sua história junto com a de seus irmãos: “brother-to-brother-to-brother-to-brother” − o coro de vozes em off volta algumas vezes para lembrar que desatar línguas é um gesto comunitário. 22
Em Línguas desatadas, os afetos tristes não são apagados por uma cultura celebrativa, mas operam como chamado. Para o corpomemória, o mesmo corpo que ama é o corpo que odeia, e é também o corpo que luta. O filme de Riggs é importante para lembrar que a violência sobre o corpo negro e queer não é apenas dupla, mas mais complexa. Diante dela, os personagens forjam sua força a partir das fissuras que um corpo duplamente silenciado é obrigado a habitar.
Cíntia Guedes nasceu na Paraíba, estudou na Bahia e realiza um doutorado na Escola de Comunicação da UFRJ. Seus interesses de pesquisa atravessam os feminismos e a diversidade de corpos que habitam tais lutas. Cíntia estuda as aproximações entre performance artística e performatividade de gênero, ou seja, interessa-se pelos pontos em que a arte toca a vida cotidiana e a produção de subjetividade.
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Pedagogias do corpo feminino: Réponses de femmes e Menses Ramayana Lira
O corpo da mulher, como é? Ou, antes, como é ser mulher? Essa foi a pergunta proposta pela rede de televisão Antenne 2 a sete diretoras, em 1975, Ano Internacional da Mulher. A resposta deveria vir na forma de um curta de sete minutos. A diretora belgo-francesa Agnès Varda decidiu responder com um filme-panfleto (cine-tract), Réponse de femmes, Resposta das mulheres. Convocando mulheres de diferentes idades (de bebês a distintas senhoras), Varda produz uma espécie de jogral onde as vozes vão acumulando impressões sobre o corpo e a condição feminina. O subtítulo do filme, Notre corps, notre sexe (nosso corpo, nosso sexo), adianta a preocupação com a definição da condição feminina para além de uma mera soma de partes sexualizadas (bunda, peito, vagina), explorando os corpos na tela em sua totalidade, conferindo-lhes a subjetividade e a agência que a objetificação da imagem da mulher quer sequestrar.
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O corpo lésbico, como é? Um corpo marcado pela diferença radical de um desejo, que embaraça as linhas de um raciocínio que parecia bem direto (straight?): a ideia de que a mulher seria objeto do desejo masculino é desafiada não mais apenas pelo reconhecimento da mulher como sujeito do desejo, mas, no caso do desejo lésbico, como sujeito e objeto do desejo. Porque se Menses (1974) é sobre uma condição que atravessa universalmente a existência feminina, é possível ver a menstruação não apenas como fenômeno da mulher, mas como ela se (res)significa no corpo lésbico, que é o terreno favorito da investigação e da pedagogia da cineasta e artista visual norte-americana Barbara Hammer. No caso de ambos os filmes, uma pedagogia do corpo (e do olhar). Varda e Hammer parecem se lançar na busca pela definição da mulher através da investigação dos corpos que recusam afirmar a subjetividade feminina como o “não-homem”, ou seja, a busca por uma maneira positiva de pensar a condição da mulher. Resposta das mulheres e Menses, separados por um ano, se irmanam nessa preocupação, tendo sido realizados por duas diretoras pioneiras. Agnés Varda, diretora e fotógrafa belga radicada na França, já tinha uma carreira consolidada nos anos 70, tendo lançado, com seu filme La Pointe Courte (1954), as bases do que seria a Nouvelle Vague francesa. Utilizando uma variedade de meios expressivos (de fotografias still em Salut les cubains [1964] ao filme musical em L’ Une chante, l’autre pas [1977], por exemplo), Varda explora em seus filmes um olhar agudo sobre problemas políticos e sociais, com especial atenção à questão feminista. Sua estada nos Estados Unidos no final dos anos 60 permitiu um contato intenso com a teoria feminista anglo-saxã, o que possibilitou o desenvolvimento de uma prática feminista do cinema com consistente base teórica. Em sua militância, Varda assinou, em 1971, o “Manifesto das 343” (“Manifeste des 343 salopes” [vadias], como ficou conhecido a partir de uma provocação
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feita pela publicação satírica Charlie Hebdo), documento redigido por Simone de Beauvoir que impulsionou a descriminalização do aborto na França. No Manifesto, publicado na revista Nouvel Observateur, as 343 signatárias confessavam, contra a lei, terem realizado aborto e clamavam pela mudança na legislação. Varda participou também das atividades do MLAC (“Mouvement pour la liberté de l’avortement et de la contraception” [Movimento pela liberdade do aborto e da contracepção]). Seu envolvimento com a militância feminista se revela em sua filmografia, especialmente em seus filmes dos anos 70. Sua obra de ficção mais conhecida dessa época, L’ Une chante, l’autre pas, coloca o cinema a serviço das pautas feministas. Ao mostrar as trajetórias de duas mulheres por uma década e meia, a cineasta explora algumas das principais questões envolvendo a condição feminina: maternidade, aborto, a reinvenção do “casal”, culminando com a reunião da comunidade em torno de um nascimento, anúncio de um porvir mais igualitário. O filme teve recepção ambígua entre as feministas que, em parte, o acusaram de um enfoque demasiado na questão da maternidade (como se essa fosse o destino natural da mulher, sua maior preocupação) e de evitar atacar de maneira mais frontal as questões de classe. Contudo, a importância da obra se mostra não apenas no seu relativo sucesso de público (levando-se em consideração tratar-se de um filme “militante”), mas também no fato de ter sido um dos primeiros filmes destinados ao grande público que coloca em cena, de maneira direta, o movimento feminista. Em certo sentido, Resposta das mulheres prenuncia L’ Une chante, l’autre pas. A escolha por um formato militante para responder ao chamado de um grande veículo de comunicação indica o posicionamento político da diretora. Esse filme-panfleto de Varda apresenta um estilo e uma política que permaneceram consistentes ao longo do tempo. Em sua política, trata da mulher na tela como um sujeito de cujo corpo emanam a experiência e o desejo. O feminismo de Varda parece surgir do embate direto do corpo da
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diretora com o mundo: seus interesses primordiais dizem respeito às dificuldades criativas, à maternidade, à formação de parcerias e à in(ter)dependência do casal. Se, por um lado, podemos qualificar esse feminismo de subjetivo, por outro lado, é a experiência do corpo que confere um caráter coletivo à condição feminina. No estilo, Resposta das mulheres exemplifica bem o caráter “impuro” e ensaístico de sua obra. Sua inquieta poética se insurge contra as limitações de gêneros e coloca Varda, como realizadora, em diferentes posições: comentadora, jornalista, historiadora da arte, antropóloga. No panfleto cinematográfico que pretende responder à pergunta “O que é ser mulher?”, Varda é a agitadora que quer reconstruir o corpo da mulher a partir dos fragmentos que a sociedade patriarcal produz. Quer restituir-lhe o corpo, base material que garante exatamente sua existência como mulher. Diferentes vozes e corpos constituem um painel não apenas da diferença sexual, mas da diferença entre as mulheres. Por outro lado, nos breves inserts de imagens de homens, estes aparecem como os donos de um olhar misógino, agrupados em uma mise-en-scène que não lhes confere as diferenças internas que Varda cria para as mulheres. Dentre as diferenças internas está exatamente a crítica à maternidade como destino, espécie de resposta dada por antecipação às críticas sofridas por L’ Une chante, l’autre pas. Trata-se, pois, de um filme corajoso, na política e na forma, que afirma uma pedagogia do corpo que valoriza a diferença e a liberdade– ainda que, sob um olhar mais questionador, os corpos nus, magros, brancos, aparentemente de classe média, nos dêem uma apresentação de um feminismo que ainda estava por conhecer as dores e as delícias das intersecções entre gênero, sexualidade, classe, raça e nacionalidade. Barbara Hammer, por sua vez, também foi pioneira. Cineasta, artista do vídeo e da performance, já na década de 60 começou a
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desenvolver o que viria a ser um dos mais importantes conjuntos de filmes experimentais sobre a vida e a sexualidade lésbicas. Sua saída do armário coincidiu com o início da carreira artística, de forma que sua sexualidade nunca se descolou da prática artística. Seus filmes, vídeos e performances são formas de explorar práticas e estéticas do corpo lésbico, ao mesmo tempo em que testemunham, de forma quase documental, o que significa ser uma mulher gay ao longo dos últimos 40 anos. Várias artistas contemporâneas a Hammer colaboraram com homens e construíram, no âmbito da arte, relações românticas heterossexuais, enquanto as artistas lésbicas relutavam em tornar pública sua sexualidade. Já Hammer, desde o início, abraçou a sexualidade lésbica como parte essencial de seu trabalho artístico. Menses faz parte de um primeiro conjunto de filmes em que Hammer explora o corpo feminino buscando romper com tabus e, assim como Varda, procurando restituir-lhe a agência e a potência. Dyketactics, filme que dirigiu no mesmo ano que Menses, por exemplo, mostra um grupo de mulheres no campo que, nuas, se engajam em pequenos gestos, toques, carícias, além de um casal (Hammer e Poe Asher) em intenso ato sexual sob a suave luz da tarde. Hammer descreveu Dyketactics como um “comercial lésbico”, no sentido de que conferia ao filme uma representação afirmativa da sexualidade lésbica e do corpo feminino. Menses é também uma celebração do corpo feminino e do female bonding, a construção de laços entre as mulheres. Hammer convidou amigas lésbicas para sua casa, evento exclusivamente feminino, onde partilharam histórias e discutiram suas reações pessoais à menstruação. Assunto cercado de rodeios, eufemismos e proibições, a menstruação aparece nesse filme como uma forma bem humorada, até mesmo satírica, de derrubar as expectativas da sociedade patriarcal. Menses responde ao clima sensual e pastoral de
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Dyketactics com a força do vermelho/sangue, que aparece por todos os lados. O sangue menstrual mostrado na tela nos faz lembrar da permeabilidade da fronteira entre o dentro e o fora. A menstruação, coisa ob-scena (fora da cena), é trazida para fora do corpo e para dentro do quadro e transformada em bandeira de uma pedagogia que insiste na ritualização do corpo como forma de resistência. Menses é um ritual caseiro de comunhão em torno de uma corporeidade específica lésbica. Hammer afirma que a “lésbica é uma expatriada em seu próprio país”1. Uma dupla opressão (como mulher e como lésbica) que a separa duplamente da cultura dominante. Críticos de Hammer apontam a inexistência de conflito em seu universo lésbico, que parece criar um espaço utópico onde as lutas (principalmente de classe e raça) seriam apagadas. Contudo, o que tal crítica se recusa a ver é que o conflito já está inscrito, nos filmes de Hammer (assim como nos de Varda), na materialidade do corpo.
Ramayana Lira de Sousa é professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem e do Curso de Cinema e Audiovisual da UNISUL. Suas principais publicações, no Brasil e no exterior, dizem respeito às questões de gênero e sexualidade no cinema e ao cinema brasileiro contemporâneo. 1. HAMMER, Barbara. Hammer: making movies out of life and sex. Nova York: Feminist Press, 2010, p. 100.
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Assaltos corporais nas imagens de Cronenberg e Ferrara Frederico Feitoza
Como as imagens podem ser violentas? No olhar que agenciam, o qual pode sujeitar-se a operações discursivas problemáticas: eurocêntricas, sexistas, racistas, eugênicas? Ou talvez, no seu excesso em nossa cultura, quando captura nossos sentidos para dentro de imaginários determinados? O desejo de buscar transformar em imagem tudo o que existe parece uma violência em si. Nem o corpo escapa a esse desejo. Até ele, esse invólucro de carne comum a todos, passa agora pelo ubíquo filtro da imagem. E então podemos nos questionar sobre o que o corpo perde ou ganha quando transformado em conceito ou apropriado por técnicas e estéticas. Estaria mais vivo? Ou mais mortificado, distanciado de suas potências afetivas? Ser afetado, ou seja, experienciar o estar no mundo, via aesthesis, seria uma das formas de sentirmos o nosso corpo vivo. Gerar afeto ou afecção, por sua vez, é o que propõe a arte. E somos assim levados a pensar que ela pode libertar a própria imagem dessa violência
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potencial que traz consigo (como algo que pode nos distanciar de nossa própria experiência corporal). É a sua contrapartida. E nesse caso, essa relação da imagem com a violência que presenciamos constantemente torna-se menos radical. Deixa as raízes para cair no universo da plasticidade ilimitada das formas artísticas, para inclusive brincar com a agressividade e fazer sonhar com nossas porções mais bestiais. O corpo é um signo através do qual a imagem pode expressar com precisão a agressividade que é própria à libido e ao erotismo; expressar também o vitalismo assustador, com o qual fantasiamos, enquanto violência biológica que assalta as carnes, e que as torna incontroláveis, dotadas de vida própria. O cinema aderiu, com certa naturalidade, a esse desejo violento, confundindo-o com retratações espetaculares dessa questão corporal para sempre em aberto, oscilando entre animalidade e humanidade. Não por coincidência, o próprio cinema surge quando o vitalismo, nas ciências e na filosofia, parece falido. O cinema vem então resgatá-lo numa série de obras, como um traço estranho da fantasia humana sobre o descontrole biológico e misterioso da vida na disponibilidade corporal à contingência. Dois filmes que fazem parte da mostra, especialmente, brincam com esse estranhamento: o corpo como um invólucro de carne que passa a mediar o impulso imaterial da vida exatamente quando encontrase no seu limite, ao ser revirado, invadido e exposto como objeto de fisiologias perversas. Falo de Calafrios (Shivers, David Cronenberg, 1975) e de Sedução e vingança (Mrs. 45, Abel Ferrara, 1981): textos diferentes que comungam de um incômodo pathos vitalista. Os dois diretores exaltam em corpos assaltados uma força vital monstruosa. O espaço onde a vida circula, para ambos, está distante da beleza e da moralidade. Coincidentemente, nesses filmes, os
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corpos dos protagonistas parecem animar-se exatamente quando violentados, seja por parasitas sexuais no caso de Cronenberg, seja pela violência do estupro, no caso de Ferrara. A imagem acorda quando há violência, na forma como dispõe os corpos sobre fundos altamente estilizados. A biologia despótica, como relevo drástico, salta para fora de um universo urbanoide e sexualmente neurótico. Tipo de estranhamento corpo-imagem que acabará vazando para o mainstream em produções tão diferentes entre si quanto Alien (Ridley Scott, 1979) e A garota infernal (Jennifer’s body, Karim Kusama, 2009): seres viventes que não conhecem impedimento, num tipo de erótico gore... Tudo mais assustador porque dispara uma mensagem forte: o corpo humano lógico, ascético, urbano está morto, condenado pelas imagens e conceitos de si, os quais o levam, chocado, a assistir as pulsões crescerem fora de ordem naturalmente. Calafrios, primeiro longa de Cronenberg, já contém o que, pelas próximas décadas, será recorrente em sua trajetória cinematográfica, aquilo que se convencionou chamar de body horror, “a carne incontrolável”, que inspirará acadêmicos e críticos culturais como Steven Shaviro1 a repensar a própria questão do corpo cinemático. Esse filme, pretty amateur, como confessa o próprio diretor em entrevista tardia, recorre à temática do descontrole do experimento biocientífico, que, por sua vez, se repete em trabalhos como Scanners (1981), A mosca (The fly, 1986) e Existenz (1999). A história de Calafrios acontece num condomínio futurista na periferia de Montreal, e sugere, por meio de um assassinato, que alguma coisa não foi bem sucedida na criação de parasitas afrodisíacos em laboratório. Eles teriam escapado para contaminar, um a um, os habitantes daquele lugar, numa versão inesperada para a já constante fantasia sobre invasores de corpos no cinema. Agora com uma diferença: em vez
1. SHAVIRO, Steven. The cinematic body. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1993.
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de transformar seus hospedeiros em zumbis, os parasitas passam a mobilizá-los por meio de uma pulsão sexual incontrolável. Com atmosfera setentista, a imagem, como na maioria dos filmes de Cronenberg, apela para uma frieza afetiva e para uma humanidade distanciada de seus instintos. Ali, tomando parte do corpo de seus hospedeiros – um casal em crise, uma sexy jovem solteira, um médico e sua enfermeira, para citar os principais –, os parasitas despertam um estranhamento que toca tanto a ideia de uma mutação sexual entre corpos civilizados, quanto de uma animalidade que destoa da paisagem urbanoide anêmica de um subúrbio de Montreal. Como acontece quase sempre na filmografia do diretor, a simplicidade B do roteiro abriga uma série de tensões visuais relacionadas à plasticidade corporal no interior da imagem: carnes que esticam e queimam, erupções cutâneas espetaculares, sangue e outros líquidos. Os vermes movem-se sob a pele de suas vítimas, invadem vaginas, são vomitados; promovem uma fascinante coreografia sexual em figuras improváveis como dóceis velhinhos e crianças com seus pais. São seres viventes que devolvem, emergencialmente, um instinto sexual primevo aos corpos mortificados que o negaram como parte de um contrato de bons modos. As pessoas viram bichos puramente sexuais, e o olhar do espectador é agenciado pela ambiguidade de closes eróticos de olhos e bocas e takes famintos por dejetos orgânicos e imundices fisiológicas. O sexo, assim como a imagem, aponta para o irresistível da violência. Em Sedução e vingança, o corpo violentado também gera ação e traz frenesi à imagem. A princípio, é vulnerável, mignon e mudo. Tratase do corpo de Thana (Zöe Lund), jovem costureira de Manhattan que é estuprada duas vezes num só dia, num exagero tipicamente Ferrara. Os estupradores são machos caricaturais: o primeiro, um mascarado (o próprio Ferrara fantasiado) em um beco tipicamente
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oitentista de Nova Iorque; o segundo, um assaltante frustrado em seu apartamento que, após gozar, deixa cair sua arma para permitir que Thana o mate com o golpe de um ferro de engomar na cabeça. Num processo “clássico” de “psicotização” de apartamento – para rememorarmos a trilogia de Polanski2 –, a protagonista leva o corpo morto para a banheira, serra-o, guarda-o na geladeira, luta para que resquícios de carne desçam pelo ralo da banheira e, aos poucos, vai se livrando daqueles pedaços de forma aleatória: pelas latrinas e becos da cidade ou mesmo alimentando o cachorro de sua odiosa vizinha. O evento – o assalto sexual do homem como criatura que traduziu convenientemente para a cultura traços de sua animalidade primitiva – desperta em Thana algo presente no que convencionalmente chamamos de serial killer. A personagem vai às ruas, com a 45 de seu estuprador morto, para matar homens abusivos, os quais surgem deliberadamente como signos metonímicos do império machista e fetichista que é a cultura. Entretanto, no lugar de enquadrar Thana como uma assassina freak, Ferrara a transforma numa forma corporal revolucionária. Sua “rostidade” deixa de trazer a fragilidade como entidade – parafraseando a noção deleuziana de close no cinema como expressão de um afeto – para incorporar a emancipação do próprio feminino. A imagem passa então a ser permeada por fortes tons de vermelho; vermelho do sangue que vaza dos corpos e que se comunica com o batom da protagonista. Ela deixa de ser muda e apagada para se sentir viva. A gratificação do espectador passa, portanto, pela assunção de uma animalidade feminina, meio LouvaDeus, meio Viúva Negra, e pelo domínio mortal do corpo do outro.
2. Repulsa ao sexo (Repulsion, 1965), O bebê de Rosemary (Rosemary’s baby, 1968), O inquilino (Le locataire, 1976).
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As duas obras celebram um cinema de próteses, encantado pelo sangue vermelho quase alaranjado (o qual irá escurecer e homogeneizar com a assunção da imagem pós-cinemática) e por sonoridades datadas. Em Calafrios, a pele que levanta do corpo é copiada em látex. Joe Blasco, maquiador do primeiro longa de Cronenberg, elaborou toda uma trucagem com camisinhas para criar o efeito pulsante sob a carne. Em Sedução e vingança, além do deliberado uso de peças como uma cabeça e mãos de látex, a música de Joe Delia, parceiro frequente de Ferrara, atribui um tom wanna be yuppie frustrado à trilha da vida de uma oprimida operária nova-iorquina. Deparar-se com textos assim, agora, remete a uma experiência de nostalgia do estranhamento, não somente porque toda a miseen-scène ocorria junto a materiais proto-orgânicos, como as tais próteses, mas também porque a imagem parecia feliz ao celebrar essa faceta da violência: uma certa liberação pornográfica capaz de revitalizar a própria ideia de cinema.
Frederico Feitoza é doutor em Comunicação (UFPE), professor de Comunicação e Cultura da Universidade Católica de Brasília e editor-responsável pela revista Esferas – Interprogramas de Pós-graduação em Comunicação do Centro-Oeste. E-mail: fredfeitoza@outlook.com
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Dialética dos corpos monstruosos Nuno Manna
Na história das narrativas fantásticas, a literatura sempre fez uso estratégico do poder de sugestão e abstração da narrativa verbal. A potência de assombro dos fantasmas modernos, do demônio e de toda sorte de seres sobrenaturais sobre nós é, em geral, tão maior quanto menos conseguimos capturá-los e estabilizá-los em corpos visíveis, tangíveis e, por isso, vulneráveis. Curiosamente, o escritor italiano Ítalo Calvino – ele próprio estudioso dos textos antológicos do fantástico do século XIX – admira-se com a maneira como o gênero se nutre fortemente de um apelo visual em suas histórias, da caracterização dos personagens e dos espaços. Sendo assim, o fantástico, em suas ocorrências insólitas, viria justamente para colocar em questão a realidade daquilo que se vê, traindo a aparência cotidiana com figuras que desafiam a ordem do tempo e do espaço. Para Calvino, então, é natural que o cinema tenha se alimentado tão fortemente do fantástico em suas narrativas.
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No cinema, as criaturas das trevas do imaginário ocidental se oferecem à vista, fazem emergir seus aspectos monstruosos aparentemente capturados pelos grãos da imagem em movimento. E, no entanto, a exposição de Nosferatu, de Friedrich W. Murnau, não é menos assombrosa que a das silhuetas e rumores do Drácula de Bram Stoker. O fantástico fílmico foge, assim, também, ao domínio do espectador. Isso porque, enquanto aparição insólita, os corpos monstruosos do cinema sempre souberam encontrar as fissuras entre o campo e o fora de campo, e transgredir livremente as fronteiras da representação. Logo os corpos fantásticos no cinema encontraram sua própria maneira de se impor em cena, não enquanto evidência do mundo visível e parte dele, mas enquanto figura de alteridade. E se o monstruoso é facilmente reconhecível nas imagens do outro corpo, o estranho, o anômalo, o alienígena, cuja existência é extraordinária e externa aos indivíduos que com ele se assombram, o cinema descobriria no próprio corpo do indivíduo ordinário um terreno fértil para o nascimento do fantástico. Constitui-se, assim, uma monstruosidade inerente a esse corpo ordinário, que não vem simplesmente para tomá-lo e eventualmente transformá-lo em outro absoluto, mas para instaurar sua alteridade como dilema irresolvível, em um corpo que passa a ser ele próprio um paradoxo espaçotemporal. Na história do cinema, encontramos inumeráveis exemplos dessas monstruosidades que invadem os corpos ordinários – ou que deles nascem –, habitando-os e fazendo deles o campo de conflitos da narrativa. Mas há uma particular linhagem de filmes nos quais se pode reconhecê-las desde os idos de 1970. Eles constituem por excelência o que poderíamos chamar de um “fantástico do corpo”. São filmes que investem intensivamente não apenas na composição plástica dos corpos que colocam em cena, mas na importância da própria materialidade desses corpos em sua mise-en-scène e das
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possibilidades de sua fissura e desconstrução – condições do tornarse monstruoso. Nesse cenário, o canadense David Cronenberg é sem dúvida um dos principais expoentes. Calafrios, de 1975, seu primeiro longa-metragem lançado em circuito comercial, é um marco para uma espécie de subgênero que se tornaria conhecido como body horror, no qual o terror nasce precisamente da experiência extrema do corpo colocado em crise: a decomposição, a mutação, a mutilação, ou mesmo a perda do controle racional sobre o próprio corpo. Curiosamente, quando lançado nos EUA, o filme recebeu o sintomático título They came from within [Eles vieram de dentro]. Em Calafrios, Cronenberg atualiza um tema recorrente na ficção científica, a invasão de criaturas alienígenas em comunidades humanas. A invasão, aqui, não é meramente territorial ou mesmo social, mas corpórea mesmo; penetra as frestas, se move livremente sob a superfície, e reorienta o organismo e a vida de seu hospedeiro. Os parasitas do filme de Cronenberg, que serviriam a fins médicos na substituição de órgãos humanos e emulariam suas funções vitais, se alastram de corpo em corpo, transformando-os em avatares de um erotismo incontrolável e violento. Nessa premissa, já se acumulam algumas das relações fundamentais que o realizador explora de diferentes maneiras, com implicações diversas, por sua obra – sobretudo a que se desdobra até o fim dos anos 1990: relações entre desejo, consciência e tecnologia, nas quais o corpo funciona ao mesmo tempo como modulador dessa interseção e como produto inevitavelmente monstruoso de sua agência. Foi o próprio Cronenberg quem afirmou em algumas de suas entrevistas que a possibilidade de análise e desconstrução da aparência das coisas, missão assumida pelo cinema moderno, foi
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levada adiante por ele de maneira frequentemente literal. Suas experiências envolvem, assim, um universo humano que só pode ser compreendido na medida em que seus corpos são mobilizados, provocados, testados por algo aparentemente externo, até o ponto em que externo e interno se tornam indissociáveis. O estranhamento, ou mesmo a repulsa, é a insuperável condição de exposição das formas de vida cronenberguianas. Tomando-se Calafrios como referência, logo se pode lembrar que tal relação com os corpos e seus parasitas seria levada adiante por uma série de outros filmes célebres, como Alien – O 8o passageiro (Ridley Scott, 1979) e O enigma de outro mundo (John Carpenter, 1982), realizados em anos seguintes. Mas a monstruosidade que o filme de Cronenberg sintetiza implica ainda pelo menos duas importantes maneiras como o cinema moderno recoloca o corpo como problema, particularmente no universo de narrativas fantásticas. Por um lado, a centralidade do corpo exposto e vulnerável em cena é devolvida à própria tradição dos grandes monstros. Quando o par humano/monstro deixa de ser uma dicotomia para se tornar uma dialética do corpo, o lobisomem, o mutante, o vampiro ressurgem também como formas de vida fortemente encarnadas dentro de uma analítica da imagem. A transformação, a mutação, o padecimento, todos os processos pelos quais se constituem os corpos monstruosos deixam de se oferecer como momentos de transição para se tornarem a própria condição desses seres malditos. Nesse sentido, poucos filmes são tão emblemáticos quanto Fome de viver (Tony Scott, 1983). Aqui, o definhar do corpo do vampiro se dá aos nossos olhos, na duração da imagem, o que faz da figura do monstro o índice de sua própria agonia. E se o seu terror, como sempre, é inseparável dos medos próprios de uma época – a referência ao pânico em relação a uma humanidade tomada pelo
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HIV é latente –, o filme recoloca aspectos fundamentais de nossa mitologia vampiresca: o desejo, o sexo e o constante conflito entre vida e morte. Em cada um de seus protagonistas, e no triângulo composto pelos personagens de Catherine Deneuve, David Bowie e Susan Sarandon, o filme coloca seus seres em função desses aspectos, fundando a própria ontologia dos corpos em cena. Por causa disso, a maior maldição enfrentada pelos vampiros de Fome de viver só poderia ser a eternidade. Condenados a corpos em perpétua desconstrução, a morte lhes constitui a aparentemente inalcançável solução ao paradoxo da existência morta-viva. Por outro lado, de volta a Calafrios, quando a infestação se alastra e os humanos-monstros de Cronenberg se lançam pelo filme em forma de horda, nos encontramos com um cenário de monstruosidades que constitui a condição de emergência dos zumbis modernos. E, em tal universo, George A. Romero é nome paradigmático. Desde a aparição dos primeiros mortos-vivos em A noite dos mortos-vivos (1968), dá-se largada aos vários capítulos – não apenas de Romero, mas de tantos outros de seus herdeiros – do que se costumou chamar de “apocalipse zumbi”. Em todos eles, a relação entre corpo e monstruosidade se dá no acúmulo de três elementos: a redução dos indivíduos “infectados” aos instintos e necessidades orgânicas básicas de seus corpos, a degeneração de seus corpos mortos-vivos a estados grotescos e estropiados, e a fome que os impele à busca bárbara por outros corpos, alimentando-se de seus membros e suas vísceras. Mas é em Dia dos mortos, em 1985, que os zumbis romerianos colocam tal relação no seu limite.
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Em primeiro lugar, aqui, os aspectos monstruosos dos corpos em cena são ainda mais acentuados que nos filmes anteriores. E isso, em certa medida, se conecta à progressão da história de um mundo tomado por mortos-vivos cujo estágio avançado é sinalizado pela própria degeneração de suas feições. Mas, mais do que isso, os humanos já não apenas fogem ou combatem seus monstros. Dia dos mortos opera uma dobra na qual o ser humano busca colocar a própria monstruosidade a seu serviço. Dominar os mortosvivos significa, assim, um esforço de domesticação de um corpo – e tentar domesticar a monstruosidade também adquire no filme uma construção literal –, o que não significa minar seus aspectos fantásticos, mas tentar recolocá-los a seu favor. Nesse sentido, o filme de Romero se ergue como metáfora das próprias contradições que dão origem às suas criaturas e às demais monstruosidades modernas. A pretensão obviamente fracassada de domínio sobre o corpo supõe seu lugar monumental de mediação do ser humano com a realidade. E quando o corpo deixa de ser garantia para se oferecer como questão, já não há como se proteger dos monstros que ele mesmo torna reais.
Nuno Manna é jornalista e pesquisador, mestre em comunicação social pela UFMG, colaborador da revista Piauí e autor do livro A tessitura do fantástico (Intermeios, 2014).
Corpos no limite Hookyeong Lee
O lugar sem limites e A rua da vergonha são filmes excepcionalmente diferentes. O primeiro, um filme colorido dirigido por Arturo Ripstein em 1978, o outro, um filme em preto e branco dirigido por Mizoguchi Kenji em 1956. Um vem do México pós-1968, o outro do Japão pósSegunda Guerra. Um gira em torno de uma dançarina gay dona de um bordel no interior do país, o outro observa cinco prostitutas trabalhando na grande metrópole. Certamente seria possível, na esteira de várias teorias acadêmicas, comparar tais diferenças a fim de criar um conhecimento universal sobre filmes similares, mas esse não é o interesse do presente ensaio. Na tentativa de considerar as experiências cinematográficas particulares aos dois filmes, que estão sendo exibidos na mostra Corpo e Cinema, este ensaio deseja acompanhar as maneiras como cada filme nos leva a experimentar suas imagens dos corpos, bem como se perguntar por que eles representam momentos cinematográficos extraordinários para repensarmos a questão da indomabilidade dos corpos.
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Assim que O lugar sem limites tem início, um caminhão surge. De onde vem e para onde vai? De uma cidade chamada San Juan para outra chamada El Olivo. O que transporta? Nada, a carroceria está vazia. Dúvidas são respondidas à medida que aparecem. Mas são despendidas em vão, pois não nos dizem por que o surgimento de um caminhão pode ser tão surpreendente. Numa estrada esburacada no interior do país, o veículo, de um vermelho brilhante, se aproxima de nós num ritmo nem tão veloz, nem tão devagar, suas partes traseiras dançando suavemente ao som da música que jorra do filme. A forma e cor do caminhão, seus sons, movimentos, marcha e humor instantaneamente nos tocam, fazendo-nos enxergar esta imagem em movimento como uma coisa cheia de vida. Ao passo que essa vívida imagem libidinal avança, Manuela é despertada e nós, que deveríamos estar imóveis, sentados na sala escura, estamos, na verdade, sendo balançados, revitalizados e esclarecidos. Em outras palavras – se me for permitido dizer aquilo que o filme me encoraja –, estamos sendo convidados para uma dança ainda desconhecida tanto por Manuela quanto por nós. Ainda assim, o corpo de Manuela já está sendo tomado por uma enorme excitação e os nossos já estão desenvolvendo um forte sentido de antecipação. Esses sentimentos são tão intensos que não podemos evitar sentir o quão erótica e vulgar é essa cena de abertura. Antes de qualquer coisa, o filme, que até esse ponto não é mais que uma imagem em movimento de um caminhão sendo dirigido a algum lugar, inconscientemente nos dirige junto com ele, dançando conosco antes que conscientemente aprendamos a admirá-lo. Mais tarde, eventualmente percebemos que essa cena de abertura era um prelúdio para a dança de Manuela, tão aguardada por Pancho. A dança é uma reencenação da história de Pancho – um caminhoneiro que surpreendera Manuela ao tirar-lhe o vestido da luxúria e o medo com relação à sua sexualidade – e Manuela – uma dançarina gay que se sente atraída pela masculinidade de Pancho e, ao mesmo tempo, assustada com essa masculinidade. No entanto, 47
essa reencenação é talvez menos importante do que aquilo que, aparentemente, é o propósito de todo o filme ou, mais precisamente, de toda a perambulação de Pancho pela cidade: suscitar a dança de Manuela mais uma vez. Conforme nos aproximamos da cena da dança, todos os postes da rua estão iluminando a noite, a música é trazida de volta e o vestido vermelho é reparado à sua forma original. A mesma combinação de luzes, música e cores é colocada em cena novamente. Então Manuela surge na tela. Finalmente, sua dança responde ao caminhão de Pancho. Soa quase falso dizer que ela não tem outra opção senão perceber aquilo que o caminhão despertou em seu corpo. Estou mais tentada a dizer que Manuela finalmente alcançou o caminhão de Pancho, o qual procurava tão desesperadamente. Nada nesse filme é mais sensual que esse entrelaçamento tardio entre o corpo de Manuela e o caminhão de Pancho por meio da arte da dança. Sem demora, a dança se torna um negócio arriscado. A sensualidade do corpo movente de Manuela é mais tarde intensificada pela obscuridade que a personagem cria no campo visual. Ela passa do lugar de observadora que contempla Pancho de fora para o lugar central de um espetáculo que está sendo contemplado por Pancho na mesma pista de dança. O motivo por trás desse reposicionamento é incerto, pois não está claro se Manuela o faz para resgatar sua filha vitimada por Pancho ou se para seguir seu próprio desejo de dançar com ele mais uma vez. Quando a personagem começa a dançar, tudo se torna ainda mais confuso. Até esse ponto, somos levados a pensar que Pancho é quem deseja Manuela e que Manuela é despertada somente para ser desejada por Pancho. Mas, enquanto ela dança ao ritmo da história de uma garota que acorda um rapaz dos mortos com um beijo, começamos a pensar que o contrário pode
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ser verdadeiro. Talvez tenha sido o ímpeto de Manuela que conduziu1 Pancho à cidade, ao bordel, à pista de dança. A dança pode ser o seu desejo concretizado. De repente, é difícil dizer se o corpo de Manuela é um sujeito desejante ou um objeto desejado, se sua dança é uma busca ativa por seus impulsos sexuais ou uma resposta passiva aos impulsos de Pancho. Diante de tal problema, Pancho vacila ao tentar adequar seu corpo a suas palavras. Trata-se da expressão corporificada do controle patriarcal, burguês e capitalista sobre a sexualidade ameaçada de emasculação. Se há algum lugar sem limites neste filme, é esta cena em que o corpo dançante de Manuela põe à prova os limites impostos aos corpos pela sociedade. Se a primeira tomada de O lugar sem limites exibe um despertar, em A rua da vergonha, vemos uma assombração. À primeira vista, tratase de uma cena simples, composta por imagens e sons que servem de segundo plano aos créditos. No entanto, se a observamos mais cuidadosamente, veremos que trata-se de uma tomada intricada e decisiva; um voo lento e panorâmico sobre uma ensolarada Tóquio acompanhada pelas vozes e acordes fantasmagóricos que compõem a música tema. Imediatamente, somos levados, sem aviso prévio, a testemunhar a fornicação fílmica entre o mundo do dia e o da noite, o primeiro sendo visual, brilhante, material, estático e legitimado, e o último, aural, escuro, espectral, desgovernado e escondido. Tal fusão se repetirá ao longo do filme, desde as tomadas iniciais do “distrito das luzes vermelhas”, dos prostíbulos, dos quartos das prostitutas, até a tomada final do rosto da garota novata que acabara de adentrar a rua da vergonha. O céu paira sobre as horas entre o dia e a noite. As divisões do prostíbulo respeitam, separadamente, as empreitadas das prostitutas desprezadas. Os quartos estão
1. Nesse trecho, a autora brinca com o verbo “to drive”, sugerindo uma relação entre as maneiras como Manuela conduz sua dança (“Manuela’s drive”) e as maneiras como Pancho conduz seu caminhão – uma relação cuja transparência me escapa ao tentar traduzir a passagem (N. da T.).
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distribuídos entre casamentos legitimados e monogamia fétida, entre a ordem patriarcal e o capitalismo depravado. E, ao final, chegamos ao rosto da novata que não somente emana luz de suas bochechas vividamente maquiadas, como também absorve a escuridão com seus intensos olhos negros. O mundo do dia está sempre prestes a cair no da noite. O horror indiscernível é personificado na figura de Mickey. Com o surgimento dessa nova heroína, os outros personagens se admiram: “Que diabos é isso?”, “Assustador...”. O que parece provocar tais reações é a ambiguidade de seu corpo. Seu próprio nome já borra as linhas divisórias entre os gêneros. Ao surgir na tela, seu rosto de criança é imediatamente notado: bochechas roliças ao invés de um rosto magro, franja e rabo de cavalo ao invés de coque e peruca, calça cápri ao invés de quimono e camiseta. Mas a densa maquiagem, as joias deslumbrantes, as roupas justas e decotadas e o cigarro fazem dela uma adulta também. A câmera a acompanha enquanto sobe para dançar no pequeno palco. As maneiras como ela movimenta seu corpo têm algo de uma criança inocente, excitada por poder mostrar seus talentos e, ao mesmo tempo, algo de uma dançarina experiente que sabe como se comportar diante de uma audiência. Mickey subitamente descobre um homem que a observava através da janela e corre em direção à porta para convencê-lo a comprar o seu sexo. A personagem não está apenas posicionada na parte interior da janela como um produto à mostra, mas também ocupa as ruas lá fora como uma pleiteadora proativa. Tudo isso nos leva a sentir seu corpo como uma brilhante e perturbadora imagem em movimento que, meticulosamente, dança através da infância e da maturidade, do “lar doce lar” e do perigoso mundo lá fora, provedora e consumidora. O inidentificável horror provocado pela ambiguidade do corpo de Mickey é estranhamente libertador. Esse é um caso incomum em
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Mizoguchi. Em grande parte de seus filmes mais conhecidos, o mundo é dividido em dois: um aceito e outro dissimulado, um dominado por homens e outro por mulheres, um público e outro privado, e assim por diante. Então, um deles pede ao outro que se sacrifique irrestritamente, ao ponto de se tornar uma exploração. As mulheres do outro mundo podem se rebelar, mas a distinção entre os mundos permanece. Entretanto, há algo de diferente na cena em que o pai de Mickey pede a ela que volte para casa, pedido ao qual resiste atirando-se em seus braços. Mickey deliberadamente mima seu pai, que vagueia confortavelmente em seu quarto depois de anos de experiência como visitante dos bordéis, disposto a comprá-la como um de seus clientes. Durante essa cena, percebemos que a vida na rua da vergonha não é mais discernível da vida doméstica. O mundo de seu pai e o seu mundo são tão interdependentes e entrelaçados que o primeiro não pode mais exercer sua autoridade sobre o último. Eles são o mesmo mundo. Corpos estão sendo comercializados por toda a parte, seja dia ou seja noite, em casa ou na rua, para jovens e velhos, com ou sem lei. O corpo ambíguo de Mickey é uma personificação desse estado de coisas. Logo, não é difícil compreender por que ela não parece inclinada a deixar a rua da vergonha, diferentemente de suas colegas que o desejam ou que invejam aquelas que o fizeram. Não há mundo algum para o qual ascender, pois ele será, de fato, o mesmo mundo que já habitamos. Para alguém como Mickey, não há motivo para sentir vergonha na rua da vergonha. Se ela toma longos banhos e assiste a Monroe é para afugentar o drama, não a vergonha. Tradução de Heron Formiga
Hookyeong Lee é mestre em Film Studies pela King’s College London. Tem trabalhado como crítica de cinema para diversas revistas sulcoreanas, incluindo a Cine21.
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Duas poéticas do corpo queer: Cocteau e Ottinger André Antônio Barbosa
Quero aproximar aqui dois filmes da Mostra Corpo e Cinema que podem parecer radicalmente diferentes a princípio: O sangue de um poeta (1932), do francês Jean Cocteau, e Madame X (1978), da alemã Ulrike Ottinger. O glorioso preto e branco prateado do filme de Cocteau, seus tableaux vivants, seus corpos masculinos parecendo estátuas neoclássicas e seu fluxo cuidadosamente coreografado não poderiam, de fato, estar mais distantes das mulheres de roupas vibrantemente coloridas que, no filme de Ottinger, não cessam de andar, gesticular, olhar e dançar, sem qualquer preocupação com harmonia visual. O estilo de Cocteau parece não se comunicar com a textura de baixo orçamento de Ottinger (diálogos visivelmente dublados e sem muita sincronia, zoons e movimentos de câmera “imperfeitos”, fuga de uma “boa” direção de atores etc.) e com sua performance aberta ao improviso e à experimentação inconsequente, que pode resultar justamente em nenhum resultado. Com efeito, cada filme parece como que “marcado” pelas especificidades históricas de seus contextos e épocas: de um lado, Cocteau e a efervescência de 53
um cinema francês ainda jovem, investigando suas potencialidades plásticas e rítmicas; de outro, Ottinger e a possibilidade de um cinema como que de ensaio, inflamado pelos debates intelectuais, ideológicos e contraculturais das décadas de 1960 e 1970, um cinema que parece o tempo inteiro querer “desconstruir” o espectador e sua zona de conforto.
Porém, creio que é possível, ainda assim, propor um frágil
traçado que talvez conecte essas estrelas tão distantes na miragem de uma constelação cuja ideia governante seria a de um corpo queer. Esses dois filmes não são, acredito, apenas habitados, mas formados, em suas estratégias estilísticas, pelo que chamo aqui de corpo queer. Trata-se de duas poéticas, de dois projetos de cinema bastante diferentes, sim, mas que, não obstante, parecem existir a partir da persistência histórica do corpo queer, de sua capacidade de – sempre – ressurgir nas épocas e lugares os mais distintos. Uso a palavra “queer” para me situar junto à carga de “estranho”, “incômodo” e “diferente” que parece acompanhar o termo muito antes das lutas LGBT que ganharam força principalmente a partir dos anos 1960. Se as palavras “homossexual”, “gay” e “lésbica” parecem se vincular muitas vezes a uma política (baseada na separação entre identidade sexual e de gênero) pela igualdade social e de direitos, e a uma sensibilidade utópica e construtiva, a palavra “queer” parece sempre sublinhar a diferença, o ruído que é difícil ou impossível assimilar, aquela corrente sexual que parece vir do inconsciente, de um lugar que muitas vezes não queremos assumir nem para nós mesmos, um lugar que, ainda assim, vem plasmando figuras diversas pela história da arte, em obras que não têm medo do lado destrutivo e anódino da sexualidade1. Vou destacar aqui, brevemente, três
1. Ver, a esse respeito, DE LAURENTIS, Teresa. “Queer texts, bad habits, and the issue of a future”, In: GLQ: A Journal of Lesbian and Gay Studies, 17/2-3, 2011.
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tópicos que parecem compor o corpo queer em O sangue de um poeta e em Madame X. Artifício Apesar de seus projetos estéticos muito diferentes, Cocteau e Ottinger partilhavam de uma mesma atitude perante a arte: a não fixação ou concentração de seus trabalhos em um único medium (no caso, o cinema). É bastante conhecida a ideia cocteauana de “poesia” – o princípio artístico pelo qual todo medium deveria se guiar2. Cocteau tentava fazer “poesia” igualmente através da literatura, da pintura, do desenho e do cinema. Do mesmo modo, é impossível separar qualquer obra de Ottinger – que, além de ser cineasta até hoje, é fotógrafa – da teia de conexões de suas atividades enquanto curadora, artista visual, ativista de esquerda, feminista, cineclubista e professora do European Graduate School. Essa atitude se plasma nas estéticas extremamente “contaminadas” ou “expandidas” de O sangue de um poeta e de Madame X: o primeiro nunca é exatamente ou definitivamente filme nem obra plástica nem dispositivo rítmico; e o segundo, seria filme ou discurso militante? Performance filmada ou narrativa? Teria sido feito para a sala de cinema ou para a galeria? Longe, portanto, do que muitos críticos e teóricos estabeleceram como a “natureza específica” do medium cinematográfico (o “real” naturalista e documental), Cocteau e Ottinger fazem, nesses e em seus outros filmes, um cinema do artifício, isto é, um cinema que não tem medo de mostrar suas urdiduras, costuras e diálogos com outras formas de imagem e de discursos estéticos. Mas é que o corpo queer me parece ser, justamente, um corpo do artifício, dado ao artificial: insatisfeito com o “orgânico”, o natural 2. Ver AZOURY, Philippe; LALANNE, Jean-Marc. Cocteau et le cinéma: desordres. Cahiers du Cinema, 2004.
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e o saudável, ele precisa lançar mão, por exemplo, da moda – isto é, da expressão de sua condição de sujeito no mundo através do vestuário – para tatear um caminho que lhe pareça mais autêntico ao seu modo de viver. É assim que as roupas das personagens de Madame X são exageradas ao ponto do absurdo: uma personagem, a “artista contemporânea”, nunca tira os patins, como se fizessem parte de seu próprio corpo. Além disso, usa uma blusa cuja estampa é composta por godês de pintura. O figurino é tão norteador da performance dos corpos deste filme que eles adquirem a platitude esquizoide de desenhos animados paradoxalmente míticos. A própria Madame X é quase uma vilã pirata no limite do cartunesco; homens com roupas anacrônicas de marinheiro chegam em outro barco, que será assaltado pelas piratas lésbicas feministas. As roupas transformam as pessoas no que parecem ser grandes clichês culturais que se perderam no mundo do simulacro e que vagam por aí como demônios que perturbam a paz, exatamente como o queer perturba ordens que tendem ao fechamento. Um dos raros personagens homens do filme usa um rosa neon em uma roupa com babados que parece ter saído de um século XVIII paralelo, imaginado por uma criança sem ter nada para fazer. Assim que chega, ele anuncia: “sou filho de um dândi com um sátiro”. Em O sangue de um poeta, um jovem pintor transforma-se em uma estátua com séculos de existência – para logo em seguida se fragmentar como se fosse feita meramente de neve. O adulto se transforma em criança (a menina aprendendo a voar, os garotos brincando de bola de neve) e vice-versa. Os corpos masculinos se sucedem com um gosto quase apolínio pelas silhuetas, e o espectador é guiado por roupas de lugares (da corte francesa ao México e à China) e épocas distintas. O aqui documental, natural, o registro palpável não basta para o corpo queer. É preciso lançar mão do artifício, dos elementos inorgânicos que não “deveriam” estar aqui e agora, mas que, graças a esses dois filmes, estão.
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Corpos eróticos Há uma sequência em O sangue de um poeta que parece ter uma dimensão fundadora para Cocteau (pois não por acaso é a cena de abertura de sua novela de 1929, Les enfants terribles): na hora do intervalo, em uma escola só para meninos, alguns alunos brincam de bola de neve no pátio. Um deles, que parece ser o mais tirano da turma (“le coq”, segundo a voz em off que vez ou outra se ouve ao longo do filme), tem uma atitude agressiva e cruel. Ele atira bolas de neve em outro menino, mais frágil. Este, de maneira completamente improvável, cai gravemente ferido e sangrando muito. Enquanto cai, um gemido ambíguo. De prazer? Sua queda e seu sofrimento são lânguidos, quase como nas representações do martírio de São Sebastião. O que dentro de outro espaço diegético poderia ser uma cena dramática de bullying, em O sangue de um poeta, é transformado em algo de paradoxalmente perverso e quase hedonista, deixando latente um conteúdo sexual que surge longe do lugar “normal” reservado à sexualidade na lógica normativa (hetero ou homo): no caso deste filme de Cocteau, surge na infância e através de um prazer na dor. O corpo queer parece ter a sexualidade polimorfa (não concentrada nos órgãos genitais), hedonista e lúdica, a qual, segundo Freud, estaria presente nas crianças. Uma sexualidade a ser tateada e experimentada em jogos teatrais e relações inverossímeis, como, justamente, a relação um tanto kinky que se estabelece entre Madame X, a líder das piratas, com sua atitude dominadora, cheia de controle, e as mulheres que ela recruta para o navio. Algumas dessas personagens, aliás, parecem vir de um certo imaginário feminino – por exemplo, a modelo frívola que é capa frequente de revistas ou a garota exótica que veio de uma ilha, seminua, com seu biquíni tropical e arranjos florais na cabeça e no corpo (fetiches femininos exatamente como o homem vestido de marinheiro que, no filme, é um
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fetiche masculino) –, imaginário que, em Madame X, é perversamente subvertido, tirado de seu contexto “normal” e deixado à deriva para flutuar no que parece ser um absurdo sonho lésbico de forte carga erótica. A encenação de Ottinger me remete a Andy Warhol, que estava muito próximo, temporalmente, a ela. Em Warhol, os corpos masculinos (como o de Joe Dallesandro) estavam seminus e como que “disponíveis”, mas, embora estivesse latente o desejo que os atores em cena nutriam por aqueles corpos, o ato sexual nunca acontece. As cenas de Madame X parecem ter uma lógica similar: a latência erótica está lá, mas, como toda e qualquer ação no filme, é como que incompleta: começa, mas não se desenvolve; resume-se a uma energia em estado bruto. O erotismo queer é diferente do erotismo LGBT. Este busca construir um mundo novo, mais igualitário; aquele corrói, transgride e subverte perversa e hedonisticamente o mundo já construído e normatizado. Este é mais identitário (gay ou lésbico), aquele, mais diluído, problemático, misterioso e da ordem do inconsciente; não precisa necessariamente se realizar; é uma corrente de energia a ser explorada, como a boca separada da pintura que agora está, de modo absurdo, na mão do pintor que explora, em uma das cenas mais sensuais de O sangue de um poeta, seu corpo atlético e despido. Vagabundagem e tédio Em seus escritos sobre o cinema, Gilles Deleuze3 distingue o regime da imagem-movimento, do cinema clássico, e o da imagem-tempo, do cinema moderno. Os encadeamentos do primeiro regime tenderiam a uma funcionalidade, a uma lógica de causa e consequência,
3. DELEUZE, Gilles [1983]. A imagem-movimento. 2. Ed. Trad. Sousa Dias. Lisboa: Assírio & Alvim, 2009. DELEUZE, Gilles [1985]. A imagem-tempo. Trad. Eloisa de Araujo Ribeiro. São Paulo: Brasiliense, 2007.
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enquanto o segundo apresentaria “imagens óticas e sonoras puras”, isto é, uma complexidade e uma abertura vertiginosas, sem as determinações lineares dos enredos clássicos. Se o primeiro regime é habitado por corpos sensório-motores, corpos da ação e da reação, o segundo, afirma Deleuze, é habitado por corpos que vagam sem direção, corpos que não sabem para onde ir: trata-se dos corpos profundamente traumatizados do pós-guerra, corpos por vezes tão gravemente feridos que não possuem mais “função”. Seria bastante tentador encaixar filmes como O sangue de um poeta (mesmo tendo sido feito antes do fim da Segunda Guerra – corte histórico que Deleuze estabelece para a imagem-tempo4) e Madame X na estética da imagem-tempo. Afinal, os corpos presentes nesses filmes parecem justamente vagar sem finalidade. No entanto, sempre tive dificuldade para encaixar o corpo queer na temporalidade da imagem-tempo e do “cinema moderno”. Ao dar um lastro bergsoniano às reflexões que André Bazin já vinha fazendo na França sobre o cinema moderno, Deleuze dá aos corpos feridos da guerra um vagar que eventualmente os destinos da Imagem Cristal vão recompensar com algum tipo de revelação, de epifania, de sublimação ou de conexão com o Todo5. Assim, os corpos feridos que vagam sem direção acabam por se tornar videntes dos cristais do tempo, de modo que, se, nesse regime, estamos distantes da funcionalidade motora, linear e causal da imagem-movimento, ainda acabamos por ter uma funcionalidade de outro tipo – mas, ainda assim, uma funcionalidade.
4. O livro de Azoury e Lalanne sobre Cocteau, já citado, defende a tese de que o regime nos filmes de Cocteau seria, sim, o da imagem-tempo, apesar de o artista trabalhar na “época” da imagem-movimento. 5. BERGSON, Henri [1896]. Matéria e memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. 4. Ed. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
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Portanto, não exatamente corpos feridos da guerra, os corpos queer parecem ser, antes, corpos vagabundos6. Como os corpos da imagem-tempo, eles também vagam, mas seu vagar possui uma inconsequencialidade tal que, ao fim, destino algum precisa de fato ser atingido ou “revelado”. Há uma frustração que comumente acompanha a experiência de muitas obras queer relacionada à “falta de recompensa” que pode acompanhar a temporalidade monótona e, ao mesmo tempo, lúdica dessas obras. Nenhuma emoção surge, nenhum vislumbre sublime, nenhuma revelação, apenas a platitude. Parece-me ser exatamente essa a experiência de quem se entrega às quase duas horas e meia de Madame X. Se há os espectadores que reclamam disso, é porque não entenderam, justamente, o convite à vagabundagem que o corpo queer propõe. Ir ao cinema não precisa ter nada de edificante ou de construtivo: pode ser apenas um vagar anódino, que gera talvez algumas risadas nonsense, e só. Nesse sentido, um outro livro de Deleuze, Lógica do sentido, sobre Lewis Carroll7, me parece mais apto a falar do corpo queer que vemos em Ottinger e em Cocteau: um corpo que, através do espelho (com efeito, a imagem mais emblemática dos filmes de Cocteau), vaga de maneira inconsequente, com um humor absurdo, deslizando em um mundo de meras imagens, de clichês e simulacros incorpóreos que podem jamais se revelar enquanto destino, enquanto epifania sublime. Se o corpo síntese da imagem-tempo deleuziana é Ingrid Bergman diante das paisagens sublimes, ao mesmo tempo belas e aterradoras, de Stromboli (Roberto Rossellini, 1950), o corpo queer poderia
6. Retiro o termo das sugestivas reflexões de SCHOONOVER, Karl. Wastrels of Time: Slow Cinema’s Laboring Body, the Political Spectator, and the Queer. Framework 53, No. 1, Spring 2012, pp. 65–78. 7. DELEUZE, Gilles [1969]. Lógica do sentido. Trad. Luiz Roberto Salinas Fortes. São Paulo: Perspectiva, 2011.
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emblematizar-se no “olhar” que Cocteau aplica, através de pinturas ou colagens, em seus atores: aquele olhar frio das estátuas ou das esfinges, um olhar perdido no nada, sonâmbulo, de uma calma blasé. O vagabundear não é sério como a vidência da Imagem Cristal, está mais para o lado do absurdo. O pintor, em O sangue de um poeta, depois de vagar por sucessivos episódios nas portas do corredor do hotel, não aguenta mais os disparates sem fim e quer voltar – acontece que o espectador não chegou nem na metade dos disparates do próprio filme, da sucessão nonsense de imagens que nunca atingirão um clímax. Como vimos, o modo como Ottinger e Cocteau encenam essa vagabundagem queer é muito diverso entre si, mas ambos parecem apontar para essa frivolidade festiva que o corpo queer sempre faz ressurgir. Cocteau, que, em O sangue de um poeta, transformou o pátio de um evento “traumático” (a guerra de bolas de neve) em um salão de jogos mundano e em uma plateia aristocrática de ópera, já foi “acusado” por críticos de sua época8 de ser um “cineasta do décor”. Há um incômodo ou uma espécie de ansiedade com o decorativismo sem funcionalidade que parece acompanhar o corpo queer. Se as políticas identitárias LGBT querem uma igualdade construtiva, a sexualidade queer me parece querer “mais”, na medida em que nunca está satisfeita e em que nunca deixará de constituir uma diferença. Em Madame X, uma dona de casa entediada abandona o marido e um perfeito “american dream” para experimentar drogas, sexo e viagens por estradas; mas, depois, passa a vivenciar tudo isso também como algo rotineiro e volta à sua condição de tédio. Outra personagem compara o avião que pilota a uma máquina de lavar e se pergunta se uma vida como astronauta seria menos chata. O corpo queer parece, antes de tudo, enfrentar o seguinte problema: o do tédio. O telegrama que todas as personagens de Madame X
8. Ver AZOURY, Philippe; LALANNE, Jean-Marc. Op. cit.
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recebem, sendo recrutadas para um navio pirata de aventuras, ouro e amor, é justamente uma possibilidade de efetivamente escapar ao enfado. Mas, se o espectador esperava por um “filme de aventura”, acabou por se decepcionar com a inconsequência de imagens ainda mais “monótonas” e que “não chegam a lugar nenhum”. Pois só a vagabundagem – isto é, um nível de entrega ao tédio com intensidade inaudita – pode ser capaz de enfrentar o próprio tédio, o tédio das estátuas milenares com que o narrador de O sangue de um poeta encerra o filme de Cocteau: “o tédio mortal da imortalidade”.
André Antônio Barbosa é doutorando em Comunicação e Cultura pela UFRJ, onde pesquisa a categoria estética do frívolo e suas relações com o cinema contemporâneo. Faz filmes com o coletivo Surto & Deslumbramento. Estreou recentemente seu primeiro longametragem, “A Seita”.
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Uma breve trajetória do corpo no cinema brasileiro dos anos 1970 Adilson Marcelino
Podemos pensar a história do cinema brasileiro a partir de ciclos1, ainda que nem sempre tenha havido uma fronteira clara e decisiva entre um ciclo e outro. Isso, além do fato de que vários ocuparam, durante um certo período, o mesmo espaço. O que ocorre, por vezes, é a ruptura, mas também a contaminação; marcos fundadores, mas também de decorrência. E tentar entender a trajetória do corpo nesse contexto pode ser uma chave interessante e rica em significados e desdobramentos. Em uma cultura multifacetada como a brasileira, o corpo é um signo potente, diverso e complexo. Daí ter sido figurado de diversas formas e em diferentes momentos desses variados ciclos. Mas, quando pensamos nas várias abordagens sobre o corpo, um recorte histórico se impõe: a década de 1970. É o período áureo da Era
1. A tentativa de industrialização paulista nos anos 1950, a Era Embrafilme nos anos 1970/80 e o Cinema da Retomada a partir de 1985 são alguns deles.
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Embrafilme em que produções como Dona Flor e seus dois maridos (Bruno Barreto, 1976) e Xica da Silva (Carlos Diegues, 1976) atingem um público imenso, sendo Dona Flor, durante muitos anos, a maior bilheteria do cinema brasileiro.2 Por outro lado, é ainda o período em que a Boca do Lixo, em São Paulo, em termos de conjunto de filmes, abocanha a maior parte da bilheteria no país, com um cinema popular produzido e dirigido, sobretudo, por homens do povo. É também nesse mesmo período histórico que o Cinema Marginal encontra na Belair – produtora capitaneada pelos cineastas Rogério Sganzerla e Julio Bressane – um modelo de exacerbação e radicalização de proposta estética. E é, por fim, o momento em que vários nomes de destaque do Cinema Novo, a maior revolução cinematográfica brasileira ocorrida na década anterior, buscam outros caminhos. Tudo isso tendo, como pano de fundo, o contexto político de um país marcado pela ditadura civil-militar. Os anos 1970 são os chamados Anos de Chumbo, pelo acirramento da ditadura com a instituição do AI-5 em dezembro de 1968 e, em consequência disso, a presença de uma resistência mais acentuada, incluindo aí a luta armada. A cultura brasileira vivia, na década anterior, um período fértil e frenético nos mais variados campos de expressão artística, seja no cinema, na música ou no teatro, com o Cinema Novo, o Tropicalismo, o Teatro de Arena e o Teatro Oficina, respectivamente. Com a ressaca e o terror instaurados na década de 1970, o corpo vai encontrar, nas diferentes correntes do cinema brasileiro daquele mesmo período, uma apropriação algumas vezes convergente e, outras, completamente adversa. Erotismo, antropofagismo, canibalismo, sensualidade, banalização, potencialização, politização e despolitização são alguns desses registros e figurações.
2. Posição perdida somente décadas depois para Tropa de Elite 2 – o inimigo agora é outro (José Padilha, 2010).
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Para os apressados, a produção da Boca do Lixo – cinema popular que reinou nas bilheterias no período – representou o momento em que o corpo atingiu o grau máximo de banalização na nossa cinematografia, com as chamadas pornochanchadas. No entanto, é importante salientar que pornochanchada é cinema popular, mas cinema popular não é apenas pornochanchada. A Boca do Lixo produziu várias delas. Trata-se de um gênero em que a nudez das mulheres e o sexo são os norteadores das narrativas, sobretudo nas comédias. Mas a Boca do Lixo também produziu uma grande série de filmes de gêneros e subgêneros, como dramas, policiais e faroestes. Na pornochanchada clássica, o corpo da mulher é banalizado ao extremo, sua única função é ser o chamariz do público, sem nenhum significante para além desse expediente. E, mesmo nos outros gêneros e subgêneros, a nudez feminina, muitas vezes, exercia o mesmo papel. Mas é aí que tudo se embaralha e nos mostra que a complexidade pode vir dos lugares mais inesperados. Pois, na própria Boca do Lixo podemos citar, de imediato, três cineastas que seguiram na contramão dessa banalização: Jean Garrett, nascido em Açores, mas, desde a juventude, um homem essencialmente da Boca; Carlos Reichenbach, um diretor surgido na Boca, vindo da academia; e Walter Hugo Khouri, um autor que trafegou pela Boca. Esses cineastas utilizaram e exploraram a nudez feminina – e, no caso de Reichenbach, também a masculina – em seus filmes, mas também deram novos significados para esses corpos. E aí podemos citar o revanchismo feminino sobre o macho em A mulher que inventou o amor (1979), de Garrett; o corpo como protagonista e força política em Império do desejo (1978), de Reichenbach; e o corpo como elemento estético e existencial em O prisioneiro do sexo (1979), de Khouri. O Cinema Marginal é o momento em que o corpo assume sua identidade mais libertária e provocadora. Não à toa, sobretudo na
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Belair, produtora que realizou sete filmes somente no ano de 1970, as atrizes Helena Ignez e Maria Gladys abandonam o papel de simples musas para serem coautoras na personificação dos propósitos revolucionários e contestadores do movimento. Em filmes como Copacabana mon amour (1970) e Sem essa, aranha (1970), ambos de Rogério Sganzerla, e Cuidado, madame (1970), de Julio Bressane, os corpos explodem na tela como grito político e existencial, mas também como grito de desespero e de enfrentamento. Já na Era de Ouro da Embrafilme, além dos grandes sucessos citados de Bruno Barreto e Cacá Diegues, a genialidade do dramaturgo Nelson Rodrigues, por exemplo, atinge o grande público do cinema em filmes como Toda nudez será castigada, de Arnaldo Jabor (1973), A dama do lotação (1978) e Os sete gatinhos (1980), ambos dirigidos por Neville D’Almeida. Em todos eles, são as mulheres que imperam e imperam por meio de seus corpos. Nesse caso, não pelo erotismo, mas pela sexualidade como castradora ou redefinidora de poder – são as personagens femininas que dão as cartas em toda a narrativa ou em seu desfecho. Já os homens penam, aceitam ou morrem. Na década anterior, os anos 1960, o Cinema Novo reconfigurara o espaço do cinema brasileiro, tanto no país como em âmbito internacional. Com o famoso slogan “Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, o movimento nasceu com intenções conscientizadoras e propósitos de revolução social. Dentre os cineastas, Nelson Pereira dos Santos – que recentemente declarou não se sentir parte do movimento –, Glauber Rocha, Paulo César Saraceni, Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman, Ruy Guerra e Cacá Diegues são alguns nomes de destaque. Em um primeiro momento do Cinema Novo, filmes como Vidas secas (Nelson Pereira dos Santos, 1963), Deus e o diabo na terra do sol (Glauber Rocha, 1963), Os fuzis (Ruy Guerra, 1963) e A grande
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cidade (Cacá Diegues, 1965) têm como ponto comum a questão política e social. Com o AI-5 em 1968, o movimento e os cineastas entram os anos 1970 em busca de novos caminhos, novas linguagens e estéticas – sobretudo para burlar a censura. O alegorismo é marca forte nos filmes realizados no período, com farto uso de simbolismos e de metáforas. É nesse contexto, a década de 1970, que se situam dois dos maiores cineastas do Cinema Novo em novas configurações: Nelson Pereira dos Santos e Joaquim Pedro de Andrade. Nelson Pereira tem uma fase bem demarcada na passagem das décadas, chamada Paraty e formada pelos filmes Fome de amor (1968) e Azzylo muito louco (1969), e Como era gostoso o meu francês (1970) e Quem é Beta? (1972). Em todos eles, os personagens são construídos e focalizados de forma bastante distinta daquela dos primeiros trabalhos do cineasta, seguindo um modelo inaugurado nas produções imediatamente anteriores, Boca de ouro (1963) e El justicero (1967). Mais que porta-vozes de um discurso social, os personagens são a materialização do ato político pelo próprio corpo, por meio do encontro entre o maoísmo e o desbunde em Fome de Amor, do anarquismo em Azzylo muito louco, da antropofagia em Como era gostoso o meu francês e da hecatombe experimental em Quem é Beta?. Em Como era gostoso o meu francês, Nelson Pereira dos Santos revisita a história de Hans Staden e de sua relação e convivência como prisioneiro dos índios Tupinambás. No entanto, aqui, a partir de uma visão livre, que tem argumento e roteiro de sua autoria. Marcado por forte teor etnográfico, o filme é uma obra em que o diretor se vale da antropofagia histórica oswaldiana a partir da própria estética com que constrói o filme, cuja trama é conduzida pelos índios, cabendo ao europeu colonizador seguir seu destino. Ou seja, o canibalismo não é apenas para eliminar a fome e saciar o desejo, mas também é colocado como apropriação da força do inimigo, em sentido caro
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aos propósitos oswaldianos, em que a antropofagia redimensiona as relações entre colonizado e colonizador. O corpo, em Como era gostoso o meu francês, é figurado em seu sentido primeiro, de integração à natureza. A nudez é representada como marco da cultura indígena, com seus códigos ancestrais de comportamentos, rotinas, crenças, prazer e reprodução. O longa é protagonizado por dois dos maiores atores do Cinema Novo: Arduíno Colasanti, como o francês Jean, e Ana Maria Magalhães, como sua mulher provisória, a índia Seboipep. Ainda no primeiro time de personagens, estão os atores Eduardo Imbassay Filho, como o chefe indígena Cunhambebe, e Manfredo Colasanti – pai de Arduíno e outro ator-fetiche do movimento – como um comerciante francês. O filme chegou a ser proibido pela censura, mas, quando lançado, alcançou grande público, além de sucesso internacional. Outro diretor do Cinema Novo que apresenta uma proposta bem diversa nesses anos 1970 é Joaquim Pedro de Andrade. Se, na década anterior, o cineasta havia dirigido produções de denúncia social e/ou comportamental direta, como Couro de gato, episódio de Cinco vezes favela (1961), e O padre e a moça (1965), na passagem da década, mergulha de cabeça no alegórico com o bemsucedido Macunaíma (1969), uma releitura oswaldiana anárquica, bem humorada e carnavalizante do célebre romance de Mário de Andrade. Já nos anos 1970, realiza Guerra conjugal (1974) e Vereda tropical, episódio do longa-metragem Contos eróticos (1976). Em Vereda tropical, Joaquim Pedro de Andrade leva para as telas um dos contos eróticos premiados em concurso da revista Status. As outras três adaptações cinematográficas dos três contos vencedores foram dirigidas por Roberto Santos (Arroz e feijão), Roberto Palmari (As três virgens) e Eduardo Escorel (O arremate). Em Vereda tropical, o corpo está figurado como signo de um desejo,
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sem qualquer ranço moralista, uma espécie de “crônica de uma tara gentil”, como o próprio cineasta definiu o enredo de seu filme. Na história, um pacato e tímido professor (Cláudio Cavalcanti) vê em uma melancia um objeto de desejo sem reservas e de entrega absoluta. É importante apontar que a relação entre ele e seu objeto não se dá apenas na satisfação do prazer sexual: o personagem protagoniza uma derivação da clássica “história de amor” – ainda que com doses picantes – em que a “amada” recebe toda a atenção do “amante”, com direito a carinhos, chamegos e banhos, filtrada pela câmera de Joaquim, sempre elegante e cúmplice de seu personagem. Realização inspirada e bem conduzida no ponto certo do humor, a trajetória do personagem culminará na apropriação – com a ajuda e o estímulo da colega aspirante a namorada (Cristina Aché) – de outros legumes para satisfação libidinal. Vereda tropical e Como era gostoso meu francês são dois filmes luminosos e de destaque na década de 1970, ambos censurados em sua época de lançamento. Associá-los nos permite criar uma porta de entrada para o entendimento de como se deu, pelo menos nesse período, a figuração do corpo no cinema brasileiro, muitas vezes banalizada, mas também, em grande parte, tentadora, transgressora e contestadora.
Adilson Marcelino é jornalista, pesquisador e editor do site mulheresdocinemabrasileiro.com.br
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sInopses
Sangue de um poeta Le sang d’un poète | Jean Cocteau | 1932 | França | 55 min | 14 anos Dividido em quatro episódios, Sangue de um poeta acompanha as andanças de um jovem artista (Enrique Rivero) através dos corredores e portas do Hotel dos Loucos Dramáticos (L’hôtel des Folies Dramatiques), onde ele chega depois de atravessar o espelho de seu ateliê. É o primeiro filme realizado por Cocteau e uma de suas obras mais admiradas. No caminho de seu personagem principal, Cocteau coloca uma série de figuras artísticas que foram decisivas em sua própria trajetória poética, como a fotógrafa de moda Lee Miller e as grandes estrelas dos music-halls parisienses da época: o bailarino Féral Benga e a drag queen Barbette.
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A rua da vergonha Akasen chitai | Mizoguchi Kenji | 1956 | Japão | 87 min | 16 anos O último filme de Mizoguchi Kenji (o cineasta faleceu poucos meses depois da estreia no Japão) conta os dramas de várias prostitutas da “Terra dos Sonhos”, um bordel no distrito de Yoshiwara, em Tóquio. O filme fora realizado na iminência da aprovação pelo Kokkai (Câmara Legislativa japonesa) de uma lei proibindo a prostituição, o que acabou não acontecendo, entretanto. Por meio da “Terra dos Sonhos”, que é apenas um dentre os vários bordéis de Mizoguchi, o diretor dá a ver o lugar e a condição da prostituição na cultura japonesa, onde a atividade ocupa uma parte longeva e decisiva.
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Como era gostoso o meu francês Nelson Pereira dos Santos | 1971 | Brasil | 84 min | 10 anos Um francês (Arduíno Colassanti) é capturado por uma tribo Tupinambá e, à medida que se aproxima a data marcada para que os indígenas o devorem, acaba se adaptando aos costumes locais. Esse filme diligente – do ponto de vista do cuidado com o contexto histórico – e irônico mistura a longa pesquisa de Pereira dos Santos sobre os estereotipados (e profundamente agredidos) Tupinambás, as sobras do imaginário antropofágico modernista e o tom sarcástico típico do cinema brasileiro desta época.
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Calafrios Shivers | David Cronenberg | 1975 | Canadá | 87 min | 14 anos Um dos primeiros longas-metragens de Cronenberg, Calafrios demarca o início de seu interesse pelas imbricações entre o monstruoso e o erótico. Numa ilha canadense, um parasita criado em laboratório penetra os corpos dos moradores de um conjunto residencial, tornando-os violentos e sexualmente eufóricos.
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O lugar sem limites El lugar sin límites | Arturo Ripstein | 1978 | México | 110 min | 16 anos No pequeno vilarejo mexicano de Olivo, a travesti Manuela (Roberto Cobo) e sua filha, La Japonesita (Ana Martín), administram um pequeno bordel. A vida e a relação de mãe e filha serão abaladas pelo retorno do caminhoneiro Pancho (Gonzalo Vega), por quem Manuela sente-se atraída. Baseado no livro homônimo do chileno José Donoso, El lugar sin límites é, talvez, o filme mais estimado de Ripstein, diretor de uma filmografia extensa e controversa. O longa recebeu o prêmio Ariel (da Academia Mexicana de Artes e Ciências Cinematográficas) de melhor filme e melhor ator (Cobo, numa atuação que se tornou icônica).
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Madame X Madame X – Eine absolute Herrscherin | Ulrike Ottinger | 1978 | Alemanha | 147 min | 18 anos A impiedosa pirata Madame X (Tabea Blumenschein, também figurinista do filme), com o propósito de controlar os mares da China, recruta mulheres de todas as origens e personalidades para comporem a tripulação de seu navio lésbico. O mais extravagante dos filmes da artista e ativista alemã Ulrike Ottinger – e que ela descreve como “uma comédia sobre os movimentos femininos” – é também o seu primeiro longa-metragem, rapidamente transformado num marco do cinema queer.
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Sedução e vingança Ms. 45 | Abel Ferrara | 1981 | EUA | 80 min | 18 anos Depois de ser estuprada duas vezes num único dia, a designer Thana (Zoë Lund) vaga pelas ruas de Nova Iorque portando uma pistola calibre 45 à espera de qualquer homem que se aproxime com a intenção de abusar dela. O cenário mais característico de Abel Ferrara – as ruas fétidas, agressivas e cheias de segredos da grande metrópole – torna-se, aqui, o lugar onde uma personagem muda, delicada e fashion é despertada para a violência – o destino inescapável no cinema deste autor.
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Fome de viver The hunger | Tony Scott | 1983 | EUA / Reino Unido | 97 min | 16 anos Fome de viver, primeiro longa-metragem de Scott e um dos trabalhos mais icônicos de David Bowie no cinema, lança uma perspectiva pop sobre o imaginário vampiresco. A vampira egípcia Miriam Blaylock (Catherine Deneuve) se alimenta do sangue de seus amantes que, em contrapartida, não envelhecem. Com o esgotamento de seu amado John (Bowie), ela pede ajuda a uma renomada cientista (Susan Sarandon), que se vê envolvida neste círculo de sangue, sexo e rock’n’roll gótico.
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Dia dos mortos Day of the dead | George A. Romero | 1985 | EUA | 96 min | 18 anos Terceira parte da célebre Trilogia dos Mortos, precedida por A noite dos mortos-vivos (1968) e O despertar dos mortos (1978). Num mundo completamente dominado por zumbis, os pouco sobreviventes – militares e cientistas – se instalam num esconderijo subterrâneo, onde realizam pesquisas com os monstros na tentativa de encontrarem uma cura. As relações entre os humanos, entretanto, vão se tornando cada vez mais tensas e os zumbis estão cada vez mais perto de invadirem o lugar.
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Paris is burning Paris is burning | Jennie Livingston | 1990 | EUA | 71 min | 16 anos Documentário sobre a cena nova-iorquina dos bailes de drag queens negras e latino-americanas dos anos 1990 – e que vêm de uma tradição de mais de trinta anos de existência. Esses encontros foram determinantes para a consolidação da arte e de toda conjuntura cultural das drags queens nos Estados Unidos e no mundo (é a partir deles que se popularizou a coreografia conhecida como voguing, por exemplo). Livingston transita por esse universo registrando narrativas, discursos e, é claro, o acontecimento periódico dos míticos bailes.
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Línguas desatadas Tongues untied | Marlon Riggs | 1989 | EUA | 55 min | 18 anos Um documentário de narrativa livre e ensaística que mescla performances, poesia, dança, rap, testemunhos e imagens de arquivo que confrontam o racismo e a homofobia. Realizado por Marlon Riggs (1957-1994), militante do movimento gay norte-americano, que se coloca frente às câmeras de maneira pessoal e confessional. Vencedor do Prêmio Teddy de melhor filme de temática gay no Festival de Berlim.
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Nova Dubai Gustavo Vinagre | 2014 | Brasil | 55 min | 18 anos Num bairro de classe média de uma cidade do interior de São Paulo, a construção de arranha-céus ameaça os espaços afetivos da memória de um grupo de jovens. Como resposta, eles decidem se apropriar dos lugares vazios e praticar sexo em locais públicos. Um drama pornoterrorista sobre especulação precoce e ejaculação imobiliária.
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Um canto de amor Un chant d’amour | Jean Genet | 1950 | França | 26 min | 18 anos Um guarda observa presidiários em suas celas solitárias. Ele os vê em sua intimidade, desejando-se uns aos outros através das paredes. Única empreitada cinematográfica do escritor, poeta e dramaturgo francês Jean Genet (1910-1986).
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Menses Barbara Hammer | 1974 | EUA | 4 min | 18 anos Um tratamento bem-humorado sobre a menstruação, um tema ainda tabu na vida e no cinema. Em Menses, mulheres encenam seus dramas em atos performåticos nas paisagens da Califórnia, em rituais coletivos ou no supermercado comprando absorventes.
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Dupla força Double strength | Barbara Hammer | 1978 | EUA | 20 min | 18 anos Barbara Hammer acompanha a rotina de um casal de lÊsbicas, ambas ginastas, conversando sobre o amor e filmando suas performances nuas. Um estudo hipnótico sobre corpos e movimento.
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Mulheres que amo Women I love | Barbara Hammer | 1976 | EUA | 10 min | 18 anos Uma série de retratos das amigas e amantes da cineasta, intercalada com imagens de frutas e vegetais animados por pixilation, numa celebração alegórica do amor e do feminino.
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Resposta das mulheres: nosso corpo, nosso sexo Réponse de femmes: notre corps, notre sexe | Agnès Varda | 1975 | França | 8 min | 18 anos A pergunta “O que é ser uma mulher?” foi proposta por um canal de televisão francês a várias mulheres cineastas – este cine-panfleto foi a resposta da belga Agnès Varda (diretora de Os catadores e eu, Salve os cubanos e Cléo das 5 às 7). Numa apropriação criativa do gênero documental, várias mulheres abordam, em entrevistas e encenações lúdicas diante das câmeras, temas como sexualidade, maternidade, trabalho, publicidade e relações amorosas.
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Vereda tropical Joaquim Pedro de Andrade | 1977 | Brasil | 25 min | 16 anos Vereda tropical é um dos quatro curtas integrantes do longametragem Contos eróticos, baseado em histórias premiadas em um concurso literário. O filme narra a história de amor entre um homem (Cláudio Cavalcanti) e uma melancia. Objeto de censura, o curta foi proibido no Brasil por dois anos e definido pelo diretor (que já tinha realizado Macunaíma, Os inconfidentes e O padre e a moça) como “crônica de uma tara gentil, encontro lírico nas veredas escapistas de Paquetá, imagética, verbalização e exposição candidamente impudica de fantasias eróticas, (...) contém a denúncia da vocação genital dos legumes, a inteligência das mocinhas em flor, a liberdade dos jogos na cama, a simpatia pelos tarados, o gosto da vida”.
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Um ramo Juliana Rojas e Marco Dutra | 2007 | Brasil | 15 min | 10 anos Clarisse descobre uma pequena folha crescendo em seu braço direito. Dos diretores de Trabalhar cansa e O duplo, vencedor do Prêmio Descoberta na Semana da Crítica do Festival de Cannes.
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Prisões – nosso corpo é uma arma Prisons – notre corps est une arme | Clarisse Hahn | 2012 | França | 12 min | 12 anos Parte de uma trilogia intitulada “Nosso corpo é uma arma” (composta ainda por Gerilla e Los Desnudos), Prisões apresenta duas mulheres que, tendo realizado uma greve de fome nas prisões turcas, carregam no corpo as marcas e as sequelas da repressão do Estado em um contexto de guerra. Clarisse Hahn aponta para as possibilidades do uso do corpo como resistência política. Premiado como melhor filme na Competitiva Internacional da 15a edição do Festival de Curtas de BH.
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conferĂŞncia
“CORPOS NO CINEMA; CORPOS DO CINEMA” A conferência pretende traçar uma reflexão sobre as relações entre cinema e corpo, tomando o corpo não apenas como representação, mas como força expressiva e afetiva no tecido fílmico. A professora e pesquisadora Mariana Baltar (UFF) buscará estabelecer uma correlação entre os conceitos de cinema de atrações e afeto, bem como pensar os diálogos críticos possíveis com o regime de excesso, característico da cultura audiovisual contemporânea. O conceito de atrações parece central para pensar as possibilidades de um cinema ao mesmo tempo narrativo e “disruptivo”, capaz de colocar em cena amplos e políticos sentidos que se presentificam de modo ambivalente a partir das performances do e no corpo. A ideia de atração consiste, portanto, numa peça chave para refletir sobre as estratégias de mobilizar a atenção do espectador através de um jogo que se processa entre corpos: o corpo nas telas, o corpo da câmera e o corpo do espectador. Ministrante: Mariana Baltar Duração: 2h30 Entrada gratuita, sujeita à lotação da sala. Os ingressos serão distribuídos 1h antes do horário de início, na bilheteria da CAIXA Cultural.
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curadores e convidados
Heron Formiga Doutorando em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais e mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco. Seus interesses de pesquisa envolvem temas de performance, homocultura e sobre as configurações simbólicas e rituais dos corpos na sociedade. Atua junto ao Núcleo de Estudos em Estéticas do Performático na UFMG. Mariana Souto Doutoranda em Comunicação Social pela UFMG e mestre pela mesma universidade, onde pesquisa cinema brasileiro. Professora de audiovisual, leciona Narrativas Audiovisuais e Documentário. Ministra oficinas de realização. Coprogramadora do Cineclube Comum, que acontece no Cine Sesc Palladium. Participante de um projeto de sessões comentadas para escolas públicas no Cine 104, em Belo Horizonte. Integrante do Grupo de Pesquisa Poéticas da Experiência. Diretora de arte e figurinista. Mariana Baltar Professora do departamento de Cinema e Vídeo e do PPGCOM/ UFF. Pesquisadora do CNPq (com bolsa de produtividade pq 2), coordena o Nex (Núcleo de Estudos do Excesso nas
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Narrativas Audiovisuais). Publicou diversos artigos em revistas acadêmicas, entre eles “Atrações e prazeres visuais em um pornô feminino”, revista Significação (2015), “Real sex, real lives – excesso, desejo e as promessas do real”, revista E.Compós (2014), “Saber em viagem os travelogues no amálgama entre realidade e espetáculo”, na Revista Matrizes (2013), “Entre afetos e excessos respostas de engajamento sensório-sentimental no documentário brasileiro contemporâneo”, na revista Rebeca (2013) e o capítulo “Weeping Reality: Melodramatic Imagination in Contemporary Brazilian Documentary”, no livro Latin American Melodrama. Passion, Pathos, and Entertainment (2009). Érica Sarmet Pesquisadora em comunicação e cultura, com ênfase em estética e política do cinema e do vídeo. Mestre em Comunicação pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense, é autora da dissertação “Sin porno no hay posporno: corpo, excesso e ambivalência na América Latina”. É membro do NEX – Núcleo de Estudos do Excesso nas Narrativas Visuais, grupo de pesquisa vinculado ao PPGCOM/UFF. Ieda Tucherman Doutora em Comunicação pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com pós-doutorado no IRCAM (Institut de Recherche em Accoustique et Musique), Centre Georges Pompidou, Paris. É autora de Breve história do corpo e de seus monstros (Lisboa: Passagens, 1999). Seu campo de pesquisa tem como foco a passagem dos paradigmas da modernidade para a configuração contemporânea das experiências de subjetividade, suas relações com a biopolítica, a genealogia e a presença dos afetos, as reflexões sobre memória, história, afetos e arquivo. 98
Paula Sibilia Professora do Programa de Pós-graduação em Comunicação (PPGCOM) e do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da UFF, autora dos livros O homem pós-orgânico: Corpo, subjetividade e tecnologias digitais (2002), O show do eu: A intimidade como espetáculo (2008) e Redes ou paredes: A escola em tempos de dispersão (2012), todos publicados também em espanhol. É mestre em Comunicação (UFF), doutora em Comunicação e Cultura (UFRJ) e em Saúde Coletiva (UERJ). Em 2012 fez pós-doutorado na Université Paris VIII, da França. Atualmente é bolsista de Produtividade em Pesquisa pelo CNPq e Jovem Cientista do Nosso Estado pela FAPERJ, além de coordenar o PPGCOM-UFF.
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programação
Os ingressos serão vendidos no dia, das 10h às 20h, na bilheteria da CAIXA Cultural, no valor de R$4,00 (inteira) e R$2,00 (meia). A conferência tem entrada gratuita e está sujeita à lotação do espaço. Todas as sessões acontecerão no Cinema 1 (78 lugares).
TERÇA-FEIRA 19.04 19h
Sangue de um poeta Le sang d’un poète | Jean Cocteau | França | 1932 | 55’ | 14 anos * sessão de abertura e lançamento do catálogo, apresentada pelo curador Heron Formiga.
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QUARTA-FEIRA 20.04 14h50
O lugar sem limites El lugar sin límites | Arturo Ripstein | México | 1978 | 110’ | 16 anos 17h
Fome de viver The hunger | Tony Scott | Inglaterra | 1983 | 97’ | 16 anos 19h
A Rua da vergonha Akasen chitai | Kenji Mizoguchi | Japão | 1956 | 87’ | 16 anos
QUINTA-FEIRA 21.04 15h
Paris is burning Jennie Livingston | EUA | 1990 | 71’ | 16 anos 17h
Línguas desatadas Tongues untied | Marlon T. Riggs | EUA| 1989 | 55’ | 18 anos 18h20
Um canto de amor Un chant d’amour |Jean Genet | França | 1950 | 26’ | 18 anos 102
Nova Dubai Gustavo Vinagre | Brasil | 2014 | 55’ | 18 anos * sessão comentada pela professora e pesquisadora Paula Sibilia
SEXTA-FEIRA 22.04 16h45
Vereda tropical Joaquim Pedro de Andrade | Brasil | 1977 | 25’ | 16 anos | 35mm
Como era gostoso o meu francês Nelson Pereira dos Santos | Brasil | 1971 | 84’ | 10 anos | 35mm 19h
Um ramo Juliana Rojas e Marco Dutra | Brasil | 2007 | 15’ | 10 anos | 35mm
Calafrios Shivers | David Cronenberg | Canadá | 1975 | 87’ | 14 anos
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SÁBADO 23.04 15h
Madame X Madame X - Eine Absolute Herrscherin | Ulrike Ottinger | Alemanha | 1978 | 147’ | 18 anos 18h15
Resposta das mulheres Réponse des femmes - notre corps, notre sèxe | Agnès Varda | França | 1975 | 8’ | 18 anos
Menses Barbara Hammer | EUA | 1974 | 4’ | 18 anos
Mulheres que amo Women I love | Barbara Hammer | EUA | 1976 | 25’ | 18 anos
Dupla força Doble strenght | Bárbara Hammer | EUA | 1978 | 16’ | 18 anos
Prisões - nosso corpo é uma arma Prisons - notre corps est une arme | Clarisse Hahn | França | 2012 | 12’ | 12 anos * sessão comentada pela pesquisadora Érica Sarmet
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DOMINGO 24.04 15h
Sedução e vingança Ms. 45 | Abel Ferrara | EUA | 1981 | 80’ | 18 anos 16h45
Dia dos mortos Day of the dead | George Romero | EUA| 1985 | 100’ | 18 anos 18h45
Fome de viver The hunger | Tony Scott | Inglaterra | 1983 | 97’ | 16 anos
TERÇA-FEIRA 26.04 15h
Madame X Madame X - Eine Absolute Herrscherin | Ulrike Ottinger | Alemanha | 1978 | 147’ | 18 anos 18h
Um ramo Juliana Rojas e Marco Dutra | Brasil | 2007 | 15’ | 10 anos | 35mm
Calafrios Shivers | David Cronenberg | Canadá | 1975 | 87’ | 14 anos * sessão comentada pela pesquisadora Ieda Tucherman 105
QUARTA-FEIRA 27.04 17h30
Sangue de um poeta Le sang d’un poète | Jean Cocteau | França | 1932 | 55’ | 14 anos 19h
O lugar sem limites El lugar sin límites | Arturo Ripstein | México | 1978 | 110’| 16 anos.
QUINTA-FEIRA 28.04 17h
A Rua da vergonha Akasen chitai | Kenji Mizoguchi | Japão | 1956 | 87’ | 16 anos 19h
Vereda tropical Joaquim Pedro de Andrade | Brasil | 1977 | 25’ | 16 anos | 35mm
Como era gostoso o meu francês Nelson Pereira dos Santos | Brasil | 1971 | 84’ | 10 anos | 35mm
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SEXTA-FEIRA 29.04 17h
Sedução e vingança Ms. 45 | Abel Ferrara | EUA | 1981 | 80’ | 18 anos 19h
Dia dos mortos Day of the dead | George Romero | EUA| 1985 | 100’ | 18 anos
SÁBADO 30.04 15h
Resposta das mulheres Réponse des femmes - notre corps, notre sèxe | Agnès Varda | França | 1975 | 8’ | 18 anos
Menses Barbara Hammer | EUA | 1974 | 4’ | 18 anos
Mulheres que amo Women I love | Barbara Hammer | EUA | 1976 | 25’ | 18 anos
Dupla força Doble strenght | Bárbara Hammer | EUA | 1978 | 16’ | 18 anos
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Prisões - nosso corpo é uma arma Prisons - notre corps est une arme | Clarisse Hahn | França | 2012 | 12’ | 12 anos 16h30-19h
CONFERÊNCIA “Corpos no Cinema; Corpos do Cinema” com a professora e pesquisadora Mariana Baltar 19h15
Um canto de amor Un chant d’amour | Jean Genet | França | 1950 | 26’ | 18 anos
Nova Dubai Gustavo Vinagre | Brasil | 2014 | 55’ | 18 anos
DOMINGO 01.05 15h30
Línguas desatadas Tongues untied | Marlon T. Riggs | EUA | 1989 | 55’ | 18 anos 17h
Paris is burning Jennie Livingston | EUA | 1990 | 71’ | 16 anos * sessão comentada pelo curador Heron Formiga
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ficha tĂŠcnica
Realização
Revisão da Tradução
Amarillo Produções Audiovisuais
João Daniel Oliveira
Revisão do Catálogo Curadoria e Organização do Catálogo
Textecer
Mariana Souto Heron Formiga
Autoração e Legendagem de Cópias Digitais
Coordenação Geral
Frames
Lygia Santos
Tradução de Legendas Produção Executiva Tatiana Mitre
Assistente de Produção Executiva Zoe di Cadore
Henrique Henras Luciana Gonçalves
Revisão de Legendas Ana Carolina Antunes Carla Italiano Douglas Silva
Produção de Cópias Carla Italiano
Revisão de Cópias Natalia de Castro
Produção Local Isabel Veiga
Projeto Gráfico
Assessoria de Imprensa e Mídias Sociais Ilustre Comunicação Criativa
totem comunicação
Tradução de Textos para o Catálogo Heron Formiga
Registro Fotográfico e Videográfico Diogo Lisboa Alexandre Branco
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Vinheta Raquel Junqueira
Tradução Juramentada Luciana Gonçalves Luisa Lima
AGRADECIMENTOS CAIXA Cultural RJ ANCINE – Registro de Mostras e Festivais
Cinemateca do MAM Hernani Heffner
Divulgart Tânia Alves
O Globo Gustavo Cavalcanti Plurex Jessika Santos
Bigráfica Editora Cristina Faria
Nacional Gráfica Silvia Pinho
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O Lutador Gráfica
MPLC
Paulo Marques
Abrãao Silvestre Karen Lima
Blairwood Entertainment
Regina Filmes
James Dudelson
Diana Sant'Anna
CineFrance Matthieu Thibaudault
Ulrike Ottinger Filmproduktion
Cine Tamaris
Käthe Mazke
Cecilia Rose
Versátil Home Video
Continental Home Video Eidil Fonseca
Dezenove Som e Imagens Sara Silveira Bianca Shikasho
Filmes do Serro Alice Andrade Murillo Moreira
Frameline Distribution Alexis Whitham
IMCINE Lariza Melo José Miguel Álvarez
Fernando Brito Dominique Cohen Barbara Hammer Bruna Miwa Clarisse Hahn Ewerton Belico Fernanda Teixeira Gustavo Vinagre Helena Assunção Jamil Mitre Juliana Rojas Lis Kogan Luisa Macedo Marco Dutra Mariana Bezerra Cavalcanti Max Eluard Nuno Manna Rodrigo Almeida 113