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Não Houve Pausa

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Luxo e o Lixo

Luxo e o Lixo

Por Chama.Amanda

palavra futuro, no planejamento do presente-corpo-cidade, gera ansiedade. corre! abafa depressa os gritos da mente para uma sensação insuportável agora - e antes.

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o com-texto de pandemia aparece como uma nova preocupação mas traz em todos os seus registros corporais-citadinos os velhos esquemas de contágio-egoístico preocupantes a nós, habitantes das artes, da cultura, da educação e da transformação. habitantes dos corpos não hegemônicos e não privilegiados. habitantes dos estudos e práticas da diver-cidade como caminhos para a transformação da cultura da desigualdade e da competição.

trabalhar com imagem e arte é trabalhar com imaginário. com criação de possibilidades. muitas vezes, por criar cenários, nos transformamos em cordões de brilhantes, anéis, jóias penduradas nos pescoços dos diretorescidades. nos solicitam, muitas vezes, a pintura ou a escrita de uma paisagem bonita para abrilhantar os prêmios, aparecer nas fotos e nos dar o sabor do que seria valorizar a arte e a cultura como potência de transformação social.

em nossa humilde liberdade criativa, traçamos um paralelo entre o que nos faz viver e o que vendemos para poder existir. mas, há de se ter cautela ao tratar sobre o assunto, afinal, é possível comprar uma ideia de sustentabilidade que não passe pelos brilhos do consumo?

o presente-pandemia se alimenta de espera e crença. acredito que o que pintamos em cenários esperançosos sai do que vemos nas parcerias cotidianas que estão ao nosso lado e absorvendo a força dos que vieram antes de nós - nos trouxeram até aqui. de todas as cestas básicas e do trabalho comunitário que aconteceram nesses últimos meses, sem pensar em fotos ou registros - apenas em continuidade da vida. a continuidade do corpo-cidade alimentada pela re-existência de pessoas comuns.

enquanto escrevo esse texto, recebo a notícia de que uma pessoa foi queimada viva em uma rua do corpo-cidade-vitória, em frente a um mural de arte urbana que realizei com uma companheira, a artista ione reis. pergunto: qual linearidade histórica de passado, presente e futuro pós-pandemia estamos propondo aos corpos-cidades?

quais práticas de nós, pessoas que ainda permanecem em movimento, legitimam ou criam as possibilidades para a permanência da paisagem cotidiana de violência?

o que transforma a paisagem corpocidade-violenta em natural?

o tempo, o coração do vazio, passa, não linear. o fio do destino se tece a cada dia e escancara, evidencia, o que as camadas de jóias e belezas exageradas em telas e redes sem fio tentam esconder. quais corpos permanecem a salvo?

a troco de que(m) naturalizamos a permanência de uma paisagem de violência? me parece que o concreto se estabelece como o sangue nos corpos dos diretores-cidades, que por meio de seus nomes, transformados em nomes de ruas, edifícios, praças, estátuas, constroem suas histórias de honra, beleza e triunfo. concreto. as estátuas estão sendo derrubadas nestes últimos tempos. talvez essa destituição simbólica manifeste a relação de desejo e ideal futurístico das pessoas com o corpo-cidade. que a queda venha, e junto dela venham os ouvidos a quererem escutar verdadeiramente as outras vozes das pessoas que habitam o corpo-cidade. as estátuas caídas, o muro rabiscado, chocam mais os diretores-cidade do que um corpo, literalmente, em chamas. chocam mais do que corpos sem ar. chocam mais do que corpos em cárcere. chocam mais do que corpos amontoados em cemitérios. chocam mais do que assassinatos de inocentes. chocam mais do que corpos violados - física e psicologicamente, há anos.

uma dúvida agora me surgiu: de qual dessas pandemias estamos falando e para quais ouvidos-ocos continuaremos gritando?

não houve pausa. meus desejos de mudança continuam se acumulando. se acumulando feito trabalho doméstico sobre nossos corpos. e fica, então, todo o desejo para depois. mas depois já é tarde, e preciso descansar. por aqui tem sido, e será, um dia de cada vez. ainda me acredito semente.

Referências:

- Mo Maie - escrita sobre o tempo, postagem em 6 de junho de 2020 em seu instagram @mo.maie. - Bayana System - Lucro (descomprimindo), acesso livre no Youtube.

Chama.amanda é artista visual, comunicadora e educadora social. Desenvolve projetos culturais, artísticos e sociais desde 2010 na Grande Vitória. Realiza intervenções urbanas a partir de suas vivências - direitos humanos e políticas públicas, culturas, desigualdades, LGBTQIA, filosofia, espiritualidade e territorialidades.

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