9 CONGRESSO º
Movimento Democrático de Mulheres
pelos direitos e dignidade das mulheres A urgência de Lutar por abril
O Projeto do MDM é indissociável da luta pela igualdade de direitos e oportunidades, é indissociável da luta pela democracia e valores democráticos, é indissociável das conquistas e valores de Abril.
Ficha Técnica 9º Congresso Movimento Democrático de Mulheres Pelos Direitos e Dignidade das Mulheres - A Urgência de Lutar por Abril Edição Movimento Democrático de Mulheres (MDM) - 2015 Apoio Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG) Fotografias Helena Costa Joana Sofio Elementos gráficos Tiago Baptista Grafismo e paginação Diana Marta Tiragem 200 exemplares Impressão Regiset Depósito legal
Índice Introdução Saudação ao Congresso Resolução Pelos Direitos e Dignidade das Mulheres - A urgência de lutar por Abril Preâmbulo Capítulo 1 - Conquistas de Abril: uma história e uma espiral de experiências 1.1. 48 anos de fascismo: Tempo de discriminações e de opressão das mulheres; Tempo do obscurantismo, da miséria e do isolamento 1.2. No dia 25 de Abril … A alegria veio para a rua 1.3. Com a Revolução de Abril, muitas foram as conquistas das mulheres Capítulo 2 - Retrocessos na situação económica e social da mulher portuguesa 2.1. As politicas da “troika” e a austeridade 2.2. As mulheres, no trabalho e no emprego, na atividade económica 2.3. Degradação das condições laborais: discriminações salariais, baixas remunerações, precariedade 2.4. Conciliação entre a vida profissional e familiar: uma miragem 2.5. O tempo incerto das mulheres jovens 2.6. A Feminização do envelhecimento: solidão, pobreza e incapacidade 2.7. Agravamento da pobreza em resultado das políticas de austeridade Capítulo 3 - A igualdade e os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres 3.1. A procriação na adolescência 3.2. Taxas de natalidade na adolescência e de gravidez indesejada 3.3 - A Interrupção da Gravidez e a Lei da despenalização da IVG 3.4 As múltiplas violências - do sexual ao moral 3.4.1 A violência doméstica 3.4.2 A violência no namoro 3.4.3 O tráfico e a prostituição. O tráfico de crianças e mulheres e os maus tratos 3.4.4 Assédio moral no local de trabalho - respostas necessárias Capítulo 4 - A privatização dos serviços e a sua repercussão na qualidade de vida das mulheres 4.1. Os efeitos na saúde das mulheres e no SNS 4.2. Os efeitos na educação e na escola pública 4.3. O acesso e sucesso das mulheres na educação 4.4. A escola reprodutora de um modelo social ou promotora de mudanças 4.5. A participação das mulheres na vida politica e centros de decisão 4.6. As mulheres e os órgãos de poder 4.7. O poder local como escola de participação e de afirmação das mulheres
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Capítulo 5 - A actividade do MDM e os projetos desenvolvidos Capítulo 6 - A situação das mulheres no Mundo 6.1. A situação das mulheres no mundo e os perigos emergentes 6.2. MDM e a FDIM 6.3. Solidariedade por um mundo mais justo e livre, com igualdade de direitos e desenvolvimento sustentável Capítulo 7 - Reforçar o MDM, animar a luta pela dignidade e os direitos das mulheres Intervenções 1º Painel - “Os direitos e a dignidade das mulheres -conquistas de Abril, retrocessos e desafios” 2º Painel - “A(s) violência(s) sobre as mulheres em Portugal e no Mundo” 3º Painel -“A Carta dos Direitos da Mulher: Um projecto global e urgente para a luta das mulheres pela sua emancipação” Moções Moção pela solidariedade com as mulheres do mundo inteiro Moção Unidade e Luta contra o fascismo Carta dos Direitos da Mulher Composição do Conselho Nacional e do Conselho Fiscal
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Introdução O “Fórum Lisboa”, no dia 25 de Outubro de 2014, foi o ponto de encontro de mais de quinhentas mulheres oriundas de todo o país que, na qualidade de Congressistas e Convidadas, participaram na maior reunião de mulheres realizada no nosso país nos últimos anos. Marcado por uma enorme combatividade, o 9º Congresso do MDM foi espaço de uma importante reflexão sobre a realidade das mulheres em Portugal e no Mundo e uma forte expressão da resistência e luta organizada das mulheres portuguesas. Realizado num contexto político, económico e social de profundos retrocessos de índole civilizacional nos direitos e na qualidade de vida das mulheres, dele resultou o compromisso da urgência de lutar pelos valores e direitos alcançados com Abril. Com renovada força e alegria para continuar o projecto emancipador das mulheres, o 9º Congresso do MDM aprovou, por unanimidade, a Resolução Pelos Direitos e Dignidade das Mulheres – A Urgência de Lutar por Abril e a Carta dos Direitos das Mulheres, documentos esses que agora se publicam. As múltiplas intervenções aqui reproduzidas reflectem o mapa das preocupações das mulheres do MDM e são o caleidoscópio das lutas e sonhos das mulheres do nosso tempo, mulheres de todas as idades e gerações que tem na Constituição de Abril o esteio para a sua acção. Este documento, no seu todo, dá a dimensão de quão diversificada e multifacetada é a problemática feminista e do movimento de mulheres em Portugal e no Mundo. A sua história de acção e intervenção articulada e conectada com as lutas do povo português pela democracia, pelo bem estar, pela igualdade de direitos, pelo reconhecimento dos problemas específicos das mulheres, exprime bem o quanto as mulheres são um sujeito indispensável à construção de uma sociedade justa e igualitária. Desejamos que a leitura destes textos sirva para elevar o conhecimento sobre o MDM, e possa contribuir para reforçar a consciência de que não é possível a igualdade, o desenvolvimento e a paz sem a participação das mulheres e do seu movimento como sujeito histórico de qualquer mudança.
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Saudação ao Congresso Fernanda Lapa Lisboa
Amigas e companheiras, Sinto-me particularmente honrada por ter sido indigitada para endereçar a saudação de abertura ao 9.º Congresso do nosso Movimento - o Movimento Democrático de Mulheres. Um congresso que na sua preparação, iniciada há vários meses, e na sua realização, é expressão de democraticidade, de participação das suas aderentes, activistas e dirigentes - mulheres que hoje, neste Fórum Lisboa, são representadas pelas Congressistas. São elas que irão proceder à avaliação da intensa actividade desenvolvida pelo MDM desde o 8.° Congresso, em 2010, até ao presente momento. São elas que traçarão as linhas orientadoras do Movimento para os próximos quatro anos e elegerão o novo Conselho Nacional. Um Congresso que dará voz às Mulheres do meu País neste século XXI, como Maria Lamas o fez há 66 anos (1948), na obra que representou na época a reportagem mais emblemática sobre a realidade das mulheres, num tempo em que eram negados todos os direitos às mulheres portuguesas. “As Mulheres do meu País” é parte integrante de uma vasta obra de Maria Lamas - a escritora, a romancista, a activista dos direitos das mulheres e da paz, que nasceu a 6 de Outubro de 1893, em Torres Novas, ou seja há 121 anos. Um livro que, tal como é referido na reedição de 2002, pela Editorial Caminho, nasce da urgência e da ofensa, estabelecendo um retrato cru da condição feminina portuguesa em pleno fascismo. “As Mulheres do meu País” surge na vida de Maria Lamas no prolongamento da sua actividade no Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas e na sequência da decisão da PIDE de encerrar esta organização. Maria Lamas faz parte de um vasto conjunto de mulheres portuguesas que permanecem na nossa memória colectiva, mas também de muitas outras mulheres anónimas que foram e são obreiras do património de acção e de luta do Movimento Democrático de Mulheres. Um Movimento que, desde 1968, está animado pelo projecto emancipador das mulheres, abraçando a resistência e a luta contra o fascismo e sendo protagonista das rupturas e mudanças na Revolução de Abril e da persistente luta que tem vindo a ser realizada de forma continuada e consequente. Maria Lamas é, por isso, um símbolo das mulheres portuguesas presente no cartaz do “9.º Congresso: Pelos Direitos das Mulheres. A Urgência de Lutar por Abril”. A luta das mulheres e a acção do MDM, no presente e no futuro, alicerça-se numa renovada atracção pela causa emancipadora de mulheres de diversas idades e profissões, mulheres que intervêm em diversas expressões da acção organizada, no poder local democrático. Mulheres que, no presente e no futuro, darão continuidade à acção e à luta do Movimento Democrático de Mulheres e ao seu projecto de emancipação social das mulheres portuguesas.
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Este Congresso, pela ampla actividade que alicerçou a sua preparação, pela ligação profunda às mulheres portuguesas e pelo que hoje irá estar em debate, é e será expressão da força e da determinação desta organização, das suas aderentes, activistas, dirigentes, e das mulheres portuguesas em prosseguir o combate para pôr fim às políticas de retrocesso social, de degradação das condições de vida e de trabalho das mulheres, de limitação ao exercício dos seus direitos em igualdade. Uma realidade sem paralelo desde a Revolução de Abril, que assinala este ano 40 anos, realidade que impõe mudanças e rupturas para as quais é preciso um Movimento Democrático de Mulheres mais forte e mais organizado, para uma luta mais forte e organizada das mulheres portuguesas por uma sociedade onde a sua emancipação social seja um objectivo a construir todos os dias. Saúdo, por isso, todas as amigas e companheiras congressistas oriundas dos diversos distritos e da Região Autónoma dos Açores e da Madeira, desejando a todas um bom trabalho. Proponho que este Congresso saúde as mulheres portuguesas: Viva as mulheres portuguesas! Viva o MDM! Saúdo, igualmente, todas e todos os convidados, quer estejam aqui connosco em nome individual, quer representem as diversas entidades e organizações convidadas. A vossa presença é para nós um importante apoio. Uma saudação muito especial às nossas companheiras representantes das mulheres e das suas organizações em diversos países: Às Mulheres de Cuba, Federação das Mulheres Cubanas, à nossa companheira Editza Garcia Rodriguez Às Mulheres da Palestina, União Geral das Mulheres Palestinianas, Reda Awadalla Às Mulheres do Sahara Ocidental, União das Mulheres Saharauis, Fatma Mehdi Hassam Às Mulheres da Grécia, Federação das Mulheres Gregas - Mairini Stefanidi e Theodosia Dalmara Às Mulheres italianas, Associação das Mulheres do Mediterrâneo - Ada Donno Às Mulheres de Cabo Verde, Ana Isabel Sousa e Silva, Emília Coimbra e Maria Celeste Costa Às Mulheres da Guiné Bissau - Esperança Cardoso Carvalho Às Mulheres Russas – Helena Bolotova e Tatiana Desiatova Às Mulheres do Brasil e à Federação Democrática Internacional de Mulheres, que em 2015 assinala os seus 70 anos, aqui representadas pela companheira Maria Beatriz Pires da Rocha A todas, o Congresso do MDM transmite a calorosa saudação das mulheres portuguesas: Viva a luta das mulheres do mundo inteiro! Viva as suas organizações em defesa dos seus direitos! Viva a Federação Democrática Internacional de Mulheres! Permitam-me, prezadas amigas e companheiras, que enquanto mulher do teatro e da cultura vos expresse que o projecto que o MDM corporiza assume uma grande
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importância para um vasto número de mulheres ligadas ao teatro, ao cinema, à dança, às artes plásticas e à cultura em geral. Somos mulheres que sabemos bem o valor da criatividade, dos nossos saberes e capacidades na produção cultural do nosso País. Queremos que o reconhecimento do nosso valor e da nossa participação não se fique por meros discursos de retórica por parte do poder político. Na prática a nossa vida é feita de instabilidade profissional e de falta de apoios à produção cultural. As mulheres da cultura consideram que a Cultura é um valor que não tem preço e exigem 1% do Orçamento de Estado para a Cultura e uma efectiva valorização dos direitos de quem trabalha nesta área. As mulheres da cultura confrontam-se todos os dias com problemas e adversidades que têm a mesma causa das adversidades de todas as outras mulheres, quer sejam operárias, trabalhadoras da saúde, da educação, empregadas do comércio, entre outras. Temos bandeiras comuns de acção e de luta, em defesa dos nossos direitos e no apoio ao Movimento Democrático de Mulheres. Nós, mulheres da cultura, reivindicamos condições de trabalho para nós e direito à cultura para todas as mulheres portuguesas. Vamos ao debate. Viva o 9.° Congresso do MDM! Viva as mulheres portuguesas! Viva as Mulheres do Mundo inteiro!
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Resolução Pelos Direitos e Dignidade das Mulheres: A urgência de lutar por Abril
Preâmbulo
O 9º Congresso do MDM realiza-se no ano em que se comemoram os 40 anos da Revolução de Abril e num momento particularmente difícil para as mulheres e para o País. Vivem-se tempos de acentuação das desigualdades, das injustiças sociais e da pobreza. Tempos de retrocesso social em que vastas camadas de mulheres perdem direitos e qualidade de vida. A sua participação em diversos domínios está cada vez mais distante de efetivar o seu direito à igualdade, de valorizar os seus saberes e capacidades. Mulheres de todas as idades são atingidas pela multiplicidade das violências: das que resultam do desemprego, da desregulamentação dos horários de trabalho, da precariedade laboral, dos baixos salários e reformas; das que são exercidas sobre as que lutam diariamente pela sua subsistência e da sua família; das que ganham o salário mínimo nacional; das que saídas das Universidades ficam aprisionadas aos estágios, sem qualquer perspetiva de estabilidade e progressão profissional; das que tem de emigrar na busca de valorização profissional e de condições de vida; das que são impedidas de decidir em liberdade o momento e o número de filhos que desejam ter; das que resultam da violência doméstica e do aumento da prostituição que atenta contra o seu corpo e dignidade. É violado o direito ao trabalho com direitos, é violada a participação das mulheres em todas as esferas da atividade produtiva. Acentuam-se as discriminações salariais, diretas e indiretas, sobre trabalhadoras de diversas idades, profissões e qualificações. A função social da maternidade e paternidade é posta em causa num país que detém uma das taxas de fecundidade mais baixas da Europa. Uma em cada três famílias monoparentais com crianças, está em risco de pobreza. A legislação laboral gera a instabilidade na vida e no trabalho e não permite a conciliação entre a vida profissional e a familiar. Acentua-se a crescente limitação ao direito de todas as mulheres a aceder a serviços públicos de qualidade em domínios fundamentais como a segurança social, a saúde, a justiça e escola pública. Um ataque sem precedentes às funções sociais do Estado, erguidas após a Revolução de Abril, e a importantes serviços públicos e que se consubstanciam no encerramento de escolas, de serviços de saúde e de tribunais, cortes em importantes prestações e apoios sociais, aumento das despesas das famílias com a educação e com o ensino e na degradação do estatuto socioprofissional das trabalhadoras da Administração Pública. Desde a realização do 8º Congresso do MDM, em 2010, que se regista uma espiral de agravamento na situação das mulheres em diversos domínios que conhece novos e
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mais graves desenvolvimentos com as politicas da “troika” e da austeridade. Por vontade expressa do atual governo (PSD/CDS) e dos promotores europeus destas políticas a austeridade é para ser “institucionalizada” para as próximas décadas. O Orçamento do Estado para 2015, em discussão na Assembleia da República, é bem expressão do prosseguimento de uma verdadeira cruzada contra o País, o Povo Português e contra os Direitos das Mulheres. Estamos a atravessar o mais negro retrocesso civilizacional no pós-25 de Abril que, a não ser alterado, ferirá ainda mais gravemente o processo emancipador das mulheres. A espiral de austeridade, de empobrecimento e de retrocessos nos direitos das mulheres não são uma fatalidade mas o resultado direto das políticas económicas e sociais adotadas pelos governos de Portugal há mais de 38 anos. Um quadro que propicia o ressurgimento de conceções retrógradas sobre diversos aspetos da problemática feminina por parte dos setores políticos e sociais da direita mais conservadora. Por muitos é retomado o discurso de que o lugar das mulheres é em casa e a ela devem regressar. Outros não se resignam pela vitória da despenalização da interrupção voluntária da gravidez. As mulheres portuguesas e as suas organizações não ficaram caladas perante este quadro. Elas têm mostrado à sociedade que não baixam os braços, que não vergam perante as adversidades, sendo rostos bem visíveis, organizados e combativos nas empresas e nas ruas, reivindicando melhores salários e pensões, defendendo o Sistema Público de Segurança Social, o Serviço Nacional de Saúde, a Escola Pública de qualidade, contra a privatização da água e o ataque ao Poder Local democrático. Milhares de mulheres, de norte a sul do País, nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores erguem a bandeira da solidariedade, da justiça social, e da urgência de defender Abril. Mulheres organizadas e determinadas que intervêm nos sindicatos, nas organizações e associações sociais, nas coletividades de cultura e recreio e em tantas outras expressões da intervenção organizada, que assumem um papel insubstituível no processo de resistência e reclamam a necessidade de uma política alternativa para o presente e para o futuro. Mulheres organizadas e determinadas, as que abraçando e dinamizando a ação do MDM nestes quatro anos, não permitiram que ficassem silenciados os problemas e os direitos específicos das mulheres, as suas aspirações e reivindicações. A ação do MDM nestes quatro anos contribuiu decisivamente para lhes dar força e confiança na sua luta pela igualdade de direitos e pela sua emancipação social. Nestes quatro anos, a ação do MDM traduziu-se ainda na afirmação do seu projeto emancipador na sua relação e diálogo com diversas organizações sociais, com os órgãos de poder político central e local. Uma intervenção que, alicerçada na dimensão nacional do MDM e na defesa dos direitos das mulheres portuguesas, teve sempre presente a importância do diálogo e ação comum com organizações de mulheres de diversos países, as suas responsabilidades no âmbito da Federação Democrática e Internacional de Mulheres e na solidariedade com a luta das mulheres no Mundo pela autodeterminação, contra a opressão colonial, pela liberdade e soberania dos povos, pelo direito a terem uma pátria livre e soberana. No plano internacional, o alastramento de grandes conflitos e guerras no Médio Oriente
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e na Europa, incentivadas pelas forças da NATO e dos EUA, com o beneplácito de governos europeus e da União Europeia, deixam antever perigos e tempos conturbados, que exigirão das forças da paz uma importante mobilização. No seio das instâncias europeias, permanecem as contradições entre o discurso da igualdade e as orientações políticas - que os governos de Portugal têm optado, subordinando-se - e que são responsáveis pelo agravamento do desemprego e da pobreza, pela destruição de importantes direitos laborais e sociais na União Europeia. Uma lógica inaceitável que se repercute no agravamento das condições de vida e na limitação de importantes direitos para milhões de mulheres. Neste quadro o Pacto Europeu para a Igualdade entre Homens e Mulheres (2014- 2020), aprovado pela Comissão e pelo Conselho Europeu, não é mais que uma carta de intenções e de propaganda, que importa desmontar a partir da ação organizada das mulheres em cada país. Os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio 2000-2015, que estabeleceram metas de desenvolvimento para as mulheres dos países mais pobres, estão longe de ser cumpridos. Reconhecendo alguns avanços em países da América latina e da África que com a sua autonomia seguiram políticas de justiça social e de paz, a verdade é que a desigualdade e a discriminação em função do sexo, o empobrecimento, a morte por falta de assistência na saúde sexual e reprodutiva, a fome, a violência física, sexual e moral e a guerra continuam a flagelar severamente as mulheres em todo o mundo. O trabalho preparatório e a realização do 9º Congresso do MDM é, em si mesmo, a expressão da nossa determinação, de que a luta pelos direitos das mulheres não pode abrandar. No presente e no futuro cabe ao Movimento Democrático de Mulheres, enquanto organização de mulheres um papel insubstituível. O MDM olha o passado, de mais de 40 anos de ativismo, com a confiança de que os dados do presente e a análise de previsão que fizermos hoje vão sedimentar este movimento de mulheres, face aos novos desafios, de índole politica, cientifica, tecnológica e organizacional, que será sempre fruto da nossa coesão, verticalidade, respeito pelas diferenças, e será um campo aberto a novas experiências. Somos um Movimento, com a força da vida! Temos de ser capazes de pôr na ordem do dia - na agenda política - a luta pela emancipação e pela dignidade, cujos retrocessos são evidentes. O MDM é uma organização nascida em 1968, forjada na resistência antifascista e na luta pela liberdade e democracia, que assume desde a Revolução de Abril até ao tempo presente uma ação continuada e determinada, tendo por base um projeto próprio transformador da condição feminina. Um projeto transformador do estatuto social das mulheres, interdependente da construção de uma sociedade mais justa e solidária para todos, que as liberta das diversas formas de opressão e exploração, das diversas formas de violência, de desigualdade e discriminação. Os nossos objetivos e a nossa luta implicam o reconhecimento de que só com uma
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maior e mais organizada participação das mulheres é possível lutar por uma política alternativa e obter êxitos. Implicam uma mais organizada participação das mulheres no Movimento Democrático de Mulheres, alargando o número de mulheres que aderem, apoiam e sustentam o seu projeto emancipador. Vamos, com alegria e entusiasmo, transformar em ação os nossos sonhos, para que os nossos direitos sejam cumpridos, porque temos direito a ter direitos e a ter uma vida digna. Assim está consagrado na Constituição de Abril que tem que ser cumprida. Assim proclamam recomendações, convenções e diretivas das Nações Unidas e de outras instâncias internacionais, nomeadamente a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Organização Mundial de Saúde (OMS). Reafirmamos que a luta das mulheres é uma urgência para retomar os caminhos de Abril!
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Conquistas de Abril: uma histĂłria e uma espiral de experiĂŞncias
Capítulo 1
Conquistas de Abril: uma história e uma espiral de experiências
A Revolução do 25 de Abril abriu portas a profundas transformações na vida das mulheres e de toda a sociedade. Desde logo a liberdade. Mas depois foi a consagração de direitos. Novos gestos e novos desafios espelharam a alegria de viver em dignidade.
1.1. 48 anos de fascismo: Tempo de discriminações e de opressão das mulheres; Tempo do obscurantismo, da miséria e do isolamento Depois de um período de grande instabilidade do poder republicano, em 1926, impôsse a ditadura fascista que perdurou por 48 anos, com um regime autoritário, que deixou o país na miséria e no obscurantismo. Foi um longo tempo de feroz censura e repressão sobre quem lutava por melhores condições de vida e de trabalho. O fascismo difundia a ideologia de que “à mulher a casa e ao homem a praça”. Às mulheres competia transmitir os valores da tradição, do culto do chefe e do nacionalismo, consagrados na trilogia “Deus, Pátria, Família”. Para instrumentalizar as mulheres, o fascismo criou organizações que zelavam pela formação das raparigas através de uma educação moral, cívica, física e social, de acordo com os princípios do regime. Foi um tempo em que muitas profissões e carreiras eram vedadas às mulheres, na magistratura, na carreira diplomática, nos corpos militares ou paramilitares. As enfermeiras e as hospedeiras de ar eram proibidas de casar ou de ser mães solteiras. As professoras e as telefonistas tinham de pedir autorização para casar. As operárias, sujeitas a uma tremenda exploração, trabalhavam sem descanso, horas a fio, em troca de salários de miséria, sobretudo na cortiça, nos têxteis, nas conservas e na agricultura. A discriminação era visível nas condições de trabalho e nas diferenças salariais. Em média, ganhavam 40% menos que os homens. Os maridos podiam legalmente proibir as mulheres de trabalhar fora de casa ou rescindir contratos de trabalho em seu nome. O homem era o chefe de família e detinha o poder paternal sobre os filhos. O papel social da mulher resumia-se a procriar e respeitar a autoridade máxima exercida pelos homens. Deveria cumprir religiosamente as tarefas domésticas e o dever de ser mãe e cuidadora. Foi um tempo de escuridão, de silêncios e silenciamentos terríveis, de profundas mistificações e humilhações. Nos campos e nas fábricas as mulheres reclamavam por ruturas e mudança. Afrontaram as mentalidades de homens e de mulheres que as pretendiam manter subjugadas e menorizadas. Envolveram-se em protestos por melhores condições de vida e de trabalho, nas batalhas pela paz e contra a guerra colonial nos anos 60 e 70. Manifestaram-se e participaram na luta pelas oito horas de trabalho, contra a repressão fascista, nas lutas estudantis, na solidariedade com os presos políticos. Lutaram por eleições livres. As reivindicações das mulheres trabalhadoras pelos seus direitos entrecruzaram-se
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Capítulo 1
Conquistas de Abril: uma história e uma espiral de experiências
sempre com as lutas pelo pão, pela paz e pela democracia. No final da década de 60 e primeiros anos da década de 70, as lutas não paravam. O Dia Internacional da Mulher passou a ser assinalado como dia de luta de mulheres. O colonialismo português agonizava. As lutas pela libertação nacional alastravam. Nesse confronto, as mulheres desempenharam papéis de relevo e do seu seio nasceram e formaram-se poderosos movimentos de mulheres. Foram batalhas fundamentais para a resistência à brutal ditadura fascista, para a conquista da liberdade, para trilhar os caminhos da emancipação e da igualdade. Nesta onda de indignação nasce o Movimento Democrático de Mulheres, herdeiro de outras organizações de mulheres, fruto de uma vontade coletiva de luta contra a opressão que se abatia sobre as mulheres e o povo. Pela liberdade e pela libertação das mulheres. Por direitos para as mulheres em todas as esferas da vida. Contra a humilhação e a subalternidade na família ou no trabalho. Pela igualdade. Cada vez mais mulheres se juntavam, cientes que só em movimento lá chegariam. No primeiro caderno reivindicativo, aprovado no 1º Encontro Nacional do MDM, na Cova da Piedade, em 1973, na semiclandestinidade, exigia-se a libertação das mulheres presas por motivos políticos, o fim das discriminações das mulheres no trabalho. Denunciavam-se as desigualdades na educação, exigia-se a implementação do parto psicoprofilático e o direito à realização do aborto legal em condições de saúde para a mulher. Documento este que fez parte do manifesto entregue em 27 de abril de 1974 à Junta de Salvação Nacional.
1.2. No dia 25 de Abril … A alegria veio para a rua A participação popular deu asas à criatividade. Irromperam desejos e anseios, até então contidos e reprimidos, num ondulante mar de reivindicações e propostas nas empresas, nos bairros e nos campos. As mulheres não calaram mais a indignação de se verem afastadas da vida politica e social. Não calaram a subalternização no trabalho e muito menos a humilhação de ficarem confinadas à casa e à família. Soltaram-se as vozes das mulheres a favor da igualdade e da paz. Foi uma alegria contagiante a engrossar o caudal das lutas e da organização das mulheres. Desde as primeiras horas as populações avançaram para a transformação das instâncias de poder dominadas pelo fascismo. Comissões administrativas democráticas substituem as direções fascistas de sindicatos e autarquias. Nas empresas e nos bancos, a grande mobilização impediu muitas sabotagens e desvios de dinheiros e máquinas. Abril foi, afinal, também a fuga de patrões e capitais do País para o estrangeiro, onde continuaram a congeminar a contrarrevolução. Num tempo curto, mas muito vivido até ao 25 de novembro de 1975, as mulheres agarraram nas suas mãos a defesa dos seus direitos e organizaram-se para intervir com voz própria. Na defesa da economia, do desenvolvimento e dos postos de trabalho.
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Juntavam-se para ter voz na sua complexa e multifacetada condição. Nos campos e nas fábricas reclamavam-se seres universais. Por oposição aos patrões, mas também aos homens que as subjugavam e menorizavam. Foi a emergência de novos sentidos para a vida. Na literatura e na escrita feminina, nas artes plásticas, nas artes cénicas e no cinema, na cultura em geral, irrompeu a presença de mulheres de talento escondido e censurado. A Revolução, que às mulheres devolveu a dignidade, inscreveu na Constituição da República Portuguesa, aprovada em 2 de abril de 1976, as grandes transformações políticas e económicas de Abril, esculpidas pelo movimento popular alicerçado nas suas raízes culturais e históricas. É um texto impar na evolução da política portuguesa face à Europa e ao mundo. É um texto que é, 40 anos depois, uma bandeira de luta para a igualdade das mulheres e dos direitos fundamentais para todo o povo português. A Constituição consagrou o fim da discriminação com base no sexo, promulgando a igualdade entre mulheres e homens no trabalho, na família e na sociedade, a igualdade salarial e direitos fundamentais para todos e todas no trabalho, na saúde, na educação, na segurança social. Consagrou a maternidade como valor social eminente e, mais tarde, também a paternidade, conferindo a ambos os progenitores direitos e deveres face à educação e sustento dos filhos. Responsabilizou o Estado pela criação de uma rede de equipamentos de apoio à família e pela garantia da igualdade de direitos. É por isso uma poderosa arma que temos na mão para a defesa dos nossos direitos como cidadãs, mães e trabalhadoras, como protagonistas de uma visão do mundo que respeita a dignidade humana e legitima a igualdade e a justiça social.
1.3.
Com a Revolução de Abril, muitas foram as conquistas das mulheres
Conquistas de Abril, para relembrar neste tempo de recuos e retrocessos, são direitos das mulheres e, como tal, são direitos humanos que não conhecem limites. Abril e a luta que nos moveu foi a matéria-prima que humanizou a vida, floriu os campos, alimentou o imaginário feminino. Foi uma experiência de lutas que gerou fios de solidariedade da cidade com o campo. Da urbanidade à ruralidade. Do nacional ao internacional. A reforma agrária foi, sem dúvida, a mais bela conquista de Abril. Foram as mulheres quem mais ganhou com uma reforma agrária que aumentou a produção e garantiu pleno emprego. Passaram a ter cantinas e creches para os filhos, aprenderam a ler e abriram-se a novos horizontes. Ocuparam profissões tradicionalmente masculinas como tratoristas, motoristas ou serralheiros mecânicos. Passaram a cantar em coro, a sorrir, a ir às assembleias. Passaram a fazer parte das direções dos sindicatos agrícolas e das cooperativas. O poder local democrático e a participação da mulher no poder político foram fatores de profunda transformação e desenvolvimento. Nos bairros e nas ruas, elas participaram na revolução do abastecimento de água às suas casas. Ergueram
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Capítulo 1
Conquistas de Abril: uma história e uma espiral de experiências
comissões de moradores para acabar com as barracas que bordejavam cidades e vilas. Com a sua participação ativa, foram também construídas milhares de habitações condignas, criados lares para idosos e centros de dia, a par das creches e das escolas. Nas primeiras eleições autárquicas, muitas mulheres integraram os órgãos de poder e aí participaram na construção de arruamentos e espaços verdes. Modificaram as paisagens urbanas, trouxeram a arte para a rua e tornaram as cidades espaços passíveis de vidas mais felizes. A consagração dos direitos laborais e a instituição do salário mínimo nacional, que abrangeu mais de metade dos trabalhadores, melhorou substancialmente a vida das mulheres trabalhadoras. Mas foi também o aumento generalizado dos salários, a contratação coletiva com garantia de emprego, a consagração do direito a férias e ao subsídio de férias e de Natal. O direito ao trabalho veio estimular ações positivas a favor da igualdade e o quebrar de estereótipos e preconceitos. As trabalhadoras passaram a ter direito a tempo para amamentação e assistência aos filhos e pessoas dependentes. A criação do Serviço Nacional de Saúde foi um instrumento de desenvolvimento e de bem-estar. As consultas de planeamento familiar, o acompanhamento médico durante a gravidez e o parto, a educação sexual e, em 2007, a lei que acabou com o aborto clandestino, permitiram a diminuição da taxa de mortalidade materna e, sobretudo, a diminuição da taxa de mortalidade infantil, colocando Portugal no mais elevado patamar relativamente a estes indicadores. A democratização da Escola Pública e o alargamento da escolaridade obrigatória que era apenas de seis anos – permitiram que o ensino chegasse aos jovens, crianças e mesmo adultos de cada lugar e de todas as camadas sociais. A instituição de um valor mínimo para a pensão de invalidez e de velhice e para as pensões sociais, mesmo para quem não tinha feito descontos, o subsídio de Natal para os pensionistas, a generalização da pensão de sobrevivência para as viúvas consignaram a proteção social a todos os idosos. O 9º Congresso do MDM - Tempo de celebrar 40 anos de conquistas que marcaram a vida das mulheres. Celebramos 40 anos da Revolução de Abril e como tal revivemos o quanto e como se avançou. Os princípios da luta emancipadora do Portugal de Abril, que deixou rastos de glória na nossa memória coletiva, continuam vivos e a nortear a ação do MDM.
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Retrocessos na situação económica e social da mulher portuguesa
Capítulo 2
Retrocessos na situação económica e social da mulher portuguesa
Com os olhos no futuro, equacionamos os efeitos das políticas seguidas nas últimas décadas, orientadas para a destruição de direitos e conquistas e a quebra de compromissos com a Constituição e demais legislação favorável aos direitos das mulheres.
2.1. As políticas da “troika” e a austeridade Confirma-se que a natureza das políticas têm efeitos e resultados positivos ou negativos na vida das mulheres e das suas famílias, tanto no exercício dos direitos económicos, sociais, políticos e culturais como na limitação ao seu exercício. É a natureza das políticas que condiciona ou potencia a nossa condição social, tanto na esfera privada como pública e coletiva. O período que estamos a analisar desde o último Congresso coincide grosso modo com um quadro político-económico determinado por um “Memorando de Entendimento” com a “troika”, assinado pelo PS, PSD e CDS. Este memorando continha medidas tão gravosas para as mulheres das mais variadas profissões e camadas sociais, que as estatísticas de várias fontes não desmentem, mas que, acima de tudo, são vivenciadas no quotidiano das mulheres. Perante este quadro, mulheres e homens continuam a lutar, de norte a sul do País, defendendo direitos, combatendo retrocessos e humilhações. Estas políticas, iniciadas com o governo do PS e continuadas pela coligação PSD/ CDS-PP, em estrita obediência aos ditames da “troika” (BCE, UE e FMI), têm levado à retirada de direitos, ao aumento da exploração e da pobreza, e conduzido o país à recessão económica, com uma dívida impagável, que não tem cessado de aumentar, confirmando o total fracasso da política de austeridade. Tais políticas têm-se refletido, de forma violenta, na vida das mulheres. Com sérias dificuldades no emprego e na vida, as mulheres vão perdendo a sua independência económica - fundamental para a sua emancipação. Com os cortes nos salários e pensões, nas reformas e subsídios, com os despedimentos coletivos de trabalhadores/as, o encerramento de empresas ou fábricas e o brutal aumento dos impostos sobre o trabalho, as famílias viram diminuir os seus rendimentos. O aumento do preço dos transportes, a subida do custo de vida, com o aumento dos preços da alimentação e bens essenciais, são alguns dos fatores que têm também contribuído para agravar penosamente a situação da população e, em particular, as condições de vida das mulheres. A mulher, em tais circunstâncias, é afetada em todas as áreas da sociedade: no trabalho, na educação, na saúde, na segurança social. Na senda das ideias dominantes instaladas na Europa e no mundo, o atual governo PSD/CDS- PP procura reintroduzir conceitos e práticas retrógradas relativamente às mulheres e ao seu papel na sociedade. Com novas roupagens mistificam e deformam
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as realidades. Tentam impor a inevitabilidade da austeridade.
2.2. As mulheres, no trabalho e no emprego, na atividade económica O agravamento da situação económica do País e a destruição do aparelho produtivo nacional tiveram consequências na destruição de empregos e no aumento do desemprego. Entre 2011 e 2013, as mulheres perderam cerca de 120 mil empregos. O número de mulheres desempregadas aumentou 80 mil. A taxa de desemprego feminino passou para os 16,4%, em 2013, contra os já elevados 13,1%, em 2011, tendose agravado também o desemprego de longa duração. Em 2013, segundo o INE, cerca de 420 mil mulheres estava no desemprego, embora, de acordo com outros cálculos de especialistas esse número devesse rondar os 580 mil. No segundo trimestre de 2014, o INE apontava para cerca de 365 mil mulheres desempregadas. A este número há que acrescentar 154 mil mulheres inativas por terem desistido de procurar emprego, bem como 157,4 mil mulheres que se encontram empregadas a tempo parcial por falta de um emprego a tempo inteiro1. Em 2013, o desemprego das jovens atingiu os 39,3% no grupo etário dos 15 aos 24 anos, e 20,2%, entre os 25 e os 34 anos. Apesar do pedido de antecipação de reformas e do elevado nível de aposentações verificadas 2, resultante das ameaças a este direito e da desistência de procura de emprego, consequência do desemprego de longa duração, as mulheres continuam a manter o mesmo nível de participação no mercado de trabalho, estejam empregadas ou desempregadas. Em 2013, cerca de 47,2%3 das mulheres eram ativas. O maior investimento das raparigas em educação atrasa a sua entrada no mercado de trabalho, o que, associado à saída mais frequente aos 65 anos, concentra as mulheres ativas nos níveis etários entre os 25 e os 65 anos, atingindo níveis de atividade de 89% entre os 25 e os 34 anos e de 88% entre os 35 e os 44 anos. Em Portugal, contrariamente a outros países do norte da Europa, os baixos níveis remuneratórios fazem com que o facto de ser mãe aumente a participação feminina no mercado de trabalho. A participação das mulheres na atividade económica confronta-se, porém, com a incapacidade do mercado de trabalho para absorver as novas entradas na atividade económica. Em consequência, em 2011, 48% das mulheres portuguesas encontrava-se empregada e, em 2013 eram apenas 45,8%. Embora a perda do emprego seja uma realidade para homens e mulheres, a sua repercussão é diferente para homens e para mulheres, em razão da segregação, da concentração e da feminização de alguns setores de atividades. 1 INE, Estatísticas do Emprego; 2º trimestre de 2014 2 A idade média das novas reformas da segurança social de mulheres diminuiu de 63,2 anos, em 2010, para 62,9 anos, em 2012 (PORDATA) 3 Inquérito ao Emprego - anual - 2013
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Efetivamente, a segregação das mulheres no emprego continua uma realidade, predominando as mulheres no setor terciário. Em 2012, as atividades mais feminizadas eram as do trabalho pessoal doméstico (98,6%), da saúde e apoio social (80,5%), da educação (76,7%), as “outras atividades de serviços” (67%), o alojamento e restauração (58,9%), as atividades imobiliárias (53,8 %) e a consultoria científica e técnica (52,6 %). Estes setores são responsáveis por cerca de 75% do emprego das mulheres4. Em medicina, as mulheres são 51,6% do total de profissionais e na enfermagem, correspondem a 81,4%. A redução do número de vagas para o ensino e os cortes elevados no financiamento para a investigação, determinam uma limitação acentuada no acesso ao trabalho de grande parte das licenciadas e doutoradas. As taxas de desemprego, de detentores do ensino superior são reveladores da discriminação das mulheres, do retrocesso nos direitos e da desigualdade nas oportunidades, nos últimos anos. A taxa de desemprego das mulheres, com ensino superior, aumentou de 12,1% em 2012, para 14,3% em 2013, enquanto o desemprego dos homens, com as mesmas habilitações, baixou de 11,6% em 2012 para 10,9% em 2013. Ou seja, apesar de qualificadas, as mulheres veem aumentar a discriminação no acesso ao emprego, ao que se soma também a dificuldade de acesso a lugares de topo para as mulheres das carreiras científicas e da administração pública e de empresas. Face a esta realidade, será difícil manter os níveis atuais de participação das mulheres nas carreiras científicas.
2.3. Degradação das condições laborais: discriminações salariais, baixas remunerações, precariedade. As diferenças salariais entre mulheres e homens continuam a aumentar no nosso país. É uma situação transversal aos vários setores de atividade e profissões. Nos últimos cinco anos, a diferença salarial entre mulheres e homens cresceu 70,6%. Em 2008, a diferença salarial foi de 9,2% e, em 2012, de 15,7%, um aumento de 6,5%5. Em muitos casos, a diferença salarial decorre de discriminações que contrariam o princípio constitucional «para trabalho igual salário igual». Em 2013, a diferença salarial era de 18% mas se considerarmos os ganhos que incluem, além da remuneração base, todos os prémios e subsídios regulares e o pagamento por horas suplementares, a diferença foi ainda maior - 20%. Em outubro de 2013, o salário médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem era de 1.037,91€ nos homens e 853,80€ nas mulheres6. A discriminação salarial permanece em todos os níveis profissionais, acentuando-se nos de mais baixa remuneração: no nível «Operários/ Aprendizes» as mulheres ganhavam em média 74,4% do salário dos homens; nos 4 INE, 2012 5 Comissão Europeia, 28/02/2014 6 MEE / Gabinete de Estratégia e Estudos; Inquérito aos Ganhos e à Duração do Trabalho, 2013; 2014-07-31, Continente
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«Dirigentes», cerca de 83%7. Os maiores níveis habilitacionais das mulheres não impedem a sua menor remuneração. É também maior a proporção de mulheres, que trabalha por conta de outrem, a receber o salário mínimo nacional (16,5%), proporção que aumentou entre 2010 e 20138. Os baixos salários, inferiores a 600€, atingem fundamentalmente as mulheres que trabalham por conta de outrem: na agricultura, são 79%, na indústria, 67%, e nos serviços, 47%, setor que emprega a maioria das trabalhadoras. Também são as mulheres que estão em maior número entre os trabalhadores em situação precária. São a maioria com contrato a termo e outras formas de contratação, e a maioria dos trabalhadores familiares não remunerados. No seu conjunto, eram cerca de 400 mil no 2º trimestre de 2014. Se a estas acrescentarmos as trabalhadoras por conta própria sem empregados, a precariedade atingiu cerca de 30% das mulheres empregadas. A situação das famílias agravou-se com o aumento do desemprego e da precariedade, obrigando as trabalhadoras a aceitar um trabalho a tempo parcial por ausência de alternativa de emprego a tempo inteiro, ou a acumular empregos a tempo parcial ou, ainda, a procurar tempo parcial como complemento do tempo inteiro. Entre 2011 e 2013, o número de mulheres a trabalhar a tempo parcial aumentou 4,2%. Em 2014, as mulheres são a maioria dos trabalhadores a tempo parcial (53,8%), correspondente a 14,6% da população feminina empregada. E se aumenta a dimensão do emprego a tempo parcial (de 1 a 10 horas semanais), o mesmo se verifica no emprego com mais de 36 horas semanais. Em 2013, 39% das trabalhadoras empregadas trabalhavam entre 36 e 40 horas semanais, e 18% mais de 40 horas. Entre 2011 e 2013, a percentagem de mulheres a trabalharem mais de 36 horas semanais passou de 54% para 56%9. As medidas de austeridade impostas pelo governo tiveram um impacto negativo na desregulação dos horários de trabalho, e na vida das mulheres que chegam a trabalhar 12 horas por dia e 60 horas por semana, sem pagamento de horas extraordinárias. Com o agravamento da precariedade e a consequente fragilização da posição das/ dos trabalhadoras/es, as entidades patronais têm vindo a impor a desregulação e o alargamento da duração do trabalho, sem o correspondente pagamento. A Administração Pública constitui um importante setor empregador de mão de obra feminina. Por isso, os ataques que o Governo do PSD/CDS tem infligido à Administração Pública e aos serviços públicos constituem, não só um ataque às funções sociais do Estado, mas também ao emprego das mulheres. 7 MEE / Gabinete de Estratégia e Estudos; Inquérito aos Ganhos e à Duração do Trabalho, 2013; 2014-07-31, Continente 8 Idem 9 Inquérito ao Emprego, anual, 2013.
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A Administração Pública, de principal empregador de mulheres e jovens licenciadas, transformou-se numa máquina de destruição maciça de emprego. Entre dezembro de 2011 e junho de 2014, o número de mulheres a trabalharem na administração pública reduziu-se em cerca de 10%, correspondendo a mais de metade da redução do número de trabalhadores10. Ainda assim, as mulheres, continuam a ser a maioria dos trabalhadores da Administração Pública (junho, 2014), sendo, portanto, as mais afetadas pelas políticas que têm vindo a reduzir os rendimentos destes trabalhadores. Segundo estudos de 201411, nos últimos quatro anos, os funcionários públicos perderam, em média, cerca de 20% dos seus rendimentos líquidos mensais, devido aos cortes salariais, ao aumento dos descontos para a ADSE e ao congelamento de carreiras. Em três anos, as remunerações do trabalho, em termos reais, caíram 10%. Ao contrário do que afirma o Governo, o aumento do horário de trabalho semanal das 35 para as 40 horas, não constitui um instrumento de melhoria da prestação de serviços, antes se traduz na sobrecarga dos/as trabalhadores/as e na consequente degradação dos serviços, na redução salarial, na desvalorização do trabalho, e no agravamento das condições de conciliação entre a vida profissional e familiar. Os níveis de emigração – que retomam níveis da década de 60 do século passado – são uma consequência da degradação da vida dos portugueses e traduzem um real empobrecimento do País. Afeta a vida das mulheres que saem e também a vida das que ficam no País. Entre 2011 e 2013, saíram de Portugal 350 000 portugueses, deixando famílias destroçadas e o país com menos recursos humanos. Saem do País muitos jovens, mas não só. Em 2013, 33% dos emigrantes tinham entre 20 e 29 anos. As mulheres são 28% dos portugueses emigrados em 201312. O número de mulheres que abandonaram o País, temporária ou permanentemente, cresceu principalmente em resultado da emigração permanente que aumentou 38% no mesmo período. As mulheres, com formação superior e especializada, estão a par dos homens no número dos que saem para encontrar noutro País um lugar adequado à sua formação, mas a emigração não está limitada aos diplomados, ela estende-se a todos os trabalhadores, mais ou menos qualificados.
2.4.
Conciliação entre a vida profissional e familiar: uma miragem
O horário de trabalho aumentou e as entidades patronais colocam entraves à flexibilidade de horários de trabalhadoras e trabalhadores para responder às necessidades da vida familiar. 10 DGAEP - SIOE (dados disponíveis em 01-08-2014); DGAEP/DEEP 11Rosa, Eugénio; www.eugeniorosa.com 12 Gabinete do Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas; Relatório da Emigração 2013; julho de 2014
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Em 2014, a maioria das queixas registadas pela Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) contra as entidades patronais, incidiram sobre a recusa de trabalho em regime de horário flexível para apoio à família, incluindo o exercício dos direitos de maternidade e paternidade. A grande maioria das famílias com filhos menores tem dificuldade em aceder aos serviços e equipamentos sociais de apoio à infância, devido à sua escassez e ao aumento dos custos. A ausência de uma rede de equipamentos para a 1ª infância e de apoio a outros dependentes, de qualidade e a custos acessíveis, tem um impacto negativo na vida das famílias, sobretudo, das mulheres trabalhadoras. A Rede de Equipamentos Pré-Escolar, que devia promover o aumento do número de vagas em pré-escolar para as crianças dos 3 aos 5 anos e a universalidade da oferta do último ano da educação pré-escolar (crianças de 5 anos), é indispensável para reforçar as condições de igualdade no desenvolvimento socioeducativo das crianças e, mais uma vez, para a conciliação da vida pessoal, familiar e profissional das famílias jovens, mas continua por concluir. Em Portugal, as pessoas com deficiência têm 25% mais de probabilidade de se encontrarem em risco de pobreza e estão sujeitas a desigualdades muito significativas no acesso à saúde, suportando as suas famílias custos suplementares para atingir um nível de vida equivalente ao das pessoas sem deficiência, que resultam, entre outros, de maior despesa no acesso à saúde e aos transportes, à aquisição de ajudas técnicas, aos custos de alimentação especial ou de assistência pessoal. Entre 2011 e 2012, foram encerrados diversos serviços sociais e reduzido o pessoal disponível, inclusive nas escolas públicas. A privatização e a externalização dos serviços sociais de apoio acentuaram ainda mais a responsabilidade das famílias e a desresponsabilização do Estado, limitando gravemente o acesso a estes serviços13. A conciliação entre a vida pessoal e profissional mantém-se, assim, como mais uma dificuldade com que as famílias e, sobretudo, as mulheres se confrontam no seu dia a dia, sem que o Governo assuma a sua responsabilidade na matéria. Antes pelo contrário, limitando o investimento público, reduz ainda mais as já escassas estruturas de apoio à conciliação entre a vida pessoal e profissional.
2.5.
O tempo incerto das mulheres jovens
A situação do país tem graves reflexos na vida dos jovens em geral e nomeadamente nas mulheres jovens com consequências no seu futuro mas também no do país. A taxa de desemprego e subemprego nos jovens dos 15 anos aos 34 anos é de 31,3%. Estão no desemprego de longa duração 173 mil jovens e, menos de 10%, tem acesso à proteção no desemprego. 13 EFC. Assessing the impact of European governments ‘austerity plans on the rights of people with disabilities. October 2012
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Quase 17% da população até aos 29 anos não tem qualquer atividade, ou seja nem estuda nem trabalha. Portugal é o décimo país do mundo com maior percentagem de jovens até esta idade que estão inativos. Nos últimos anos a população que estava no sistema de ensino caiu drasticamente devido, nomeadamente, à elitização da educação. As dificuldades de acesso ao trabalho e os custos da formação tornaram menos apetecível aos jovens a permanência no sistema. O desemprego atingiu 10,5% dos diplomados em Portugal. Grande parte dos diplomados não vê reconhecida a sua valorização académica nem o esforço de melhoria das suas habilitações tendo muitas vezes de esconder no seu curriculum a sua formação, para conseguir emprego. O congelamento de carreiras na Administração Pública e o congelamento das admissões na Função Pública, que era uma das principais entradas para a vida ativa de um (a) jovem recém-formado (a), retira aos jovens o sonho de entrar em trabalhos mais interessantes, progredir e crescer. Sentem-se num país adiado. As mulheres diplomadas que são a maioria, as licenciadas em profissões muito feminizadas como são as enfermeiras e as professoras, sentem-se por um lado exaustas e por outro lado não reconhecidas. Obrigadas a aceitar trabalhos mal pagos, com horários desajustados da vida familiar, adiam projetos de vida, adiam os sonhos que as levaram a estudar e trabalhar, muitas vezes com grandes sacrifícios pessoais e familiares. Inseridas num mercado de trabalho hostil e precário, muitas caminham para a rotina, perdem a ligação aos amigos, perdem a ligação à vida social e cultural. A falta de expectativas quanto ao futuro faz adiar a maternidade, adiar a vida a dois, ficam sem tempo para o lazer ou para a sua própria valorização pessoal. Essa falta de expectativas de realização levou milhares de jovens à emigração forçada, em busca da felicidade. A saída profissional deixou de ser fruto do esforço pessoal, mas sim da ocasião e da sorte. As mulheres jovens vivem de facto um tempo incerto. De uma incerteza que tem a ver com a situação de degradação social em que afinal vivemos e que importa, com as jovens, alterar.
2.6.
A Feminização do envelhecimento: solidão, pobreza e incapacidade.
Entre 1986 e 2010 a população jovem diminuiu 30% e a população idosa aumentou 60%. Em 2011, 15% dos portugueses tinham menos de 15 anos de idade e 19% tinham mais de 65 anos. A população portuguesa envelhece e envelhecem também as mulheres como consequência, simultaneamente, dos baixos níveis de natalidade e do aumento da esperança média de vida, que o 25 de Abril possibilitou através da melhoria das condições de vida e dos cuidados de saúde, permitindo que Portugal acompanhasse o processo de envelhecimento da população mundial. No entanto, a aplicação de políticas neoliberais tem procurado excluir os idosos, degradando as suas condições de vida e desprezando os seus conhecimentos.
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Capítulo 2
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Não são, porém, os idosos que estão a mais, como falaciosamente e até grosseiramente se apregoa, mas sim a natalidade que está a níveis perigosamente baixos para a renovação geracional. O envelhecimento demográfico tem evidentes impactos ao nível do sistema de proteção social e das políticas públicas, para além das implicações que daí derivam para o mercado de emprego. A população portuguesa tem mais de 2 milhões de pessoas com 65 e mais anos. São as mulheres que predominam entre as pessoas mais velhas, e de forma crescente, à medida que se avança na idade. Elas representam mais de dois terços da população com 85 e mais anos. Em 2011 as mulheres já representavam 58% da população idosa e à medida que a idade aumenta a proporção também aumenta. Na verdade, entre os 65 e 74 anos são pouco mais de metade, mas com 85 e mais anos representam já mais de 2/314. A distribuição da população por sexo e grupo etário revela que, se nos grupos etários mais jovens predominam os homens, nos grupos etários mais velhos a tendência inverte-se e passam a predominar as mulheres. A presença maioritária de mulheres no grupo etário dos 65 e mais anos é um indicador da feminização do envelhecimento. As mulheres vivem durante mais tempo do que os homens. Mas, apesar das mulheres terem maior esperança de vida que os homens, vivem mais sozinhas, em condições mais degradadas e têm menos saúde. Os anos a mais das mulheres são, em muitos casos, de solidão, pobreza e incapacidade. À vantagem da longevidade das mulheres, há que contrapor a sua pior qualidade de vida (as mulheres mais velhas constituem o grupo mais pobre da população) na sequência de desigualdades e discriminações criadas ao longo da vida. Na chamada quarta idade (75 e mais anos), as mulheres são também a maioria, constatando-se problemas de incapacidade tanto física como mental, um maior número de doenças crónicas incapacitantes, havendo assim necessidade de mais cuidados de saúde para esta população e maior consumo de medicamentos. A desigualdade nos salários, a precariedade no trabalho e o desemprego vão refletirse nos baixos níveis de proteção social das mulheres, nos subsídios de doença e de maternidade e na pensão de reforma. As mulheres constituíam, em 2013, 60% dos beneficiários de pensões da Segurança Social, ultrapassando os 82% entre os beneficiários de pensões de sobrevivência. No entanto, de acordo com os dados da Segurança Social, a discriminação das mulheres não cessa quando chega o momento de receberem pensões de reforma. Em 2011, 14 INE, Recenseamento da População e da Habitação, 2011
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Capítulo 2
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baixaram os valores atribuídos às reformas por invalidez. As mulheres receberam 281,17€, que correspondiam a 78,6% da pensão recebida pelos homens (357,81€). A pensão média de velhice para as mulheres era 296,54€, ou seja, 59,1% da mesma pensão atribuída aos homens (501,49€). Por seu lado, a população de aposentados e reformados da Caixa Geral de Aposentações era constituída por 46% de indivíduos do sexo feminino, traduzindo o aumento continuado do peso relativo das mulheres. A pobreza, o mau alojamento, a má nutrição, a falta de cuidados médicos, a falta de apoio familiar e o nível de instrução determinam a forma como se envelhece. Sendo as mulheres idosas, em maior número e com maior longevidade, todas estas questões as atingem particularmente, sendo a solidão um dos seus maiores problemas: Em 2011, mulheres idosas com 65 e mais anos, a viverem sozinhas, representavam 77,1% da população. Por outro lado, constata-se que as mulheres mais velhas constituem o grupo mais pobre da população, com problemas de incapacidade, com menos rendimentos, menos escolaridade, com menos acesso à saúde e proteção social e que ainda dividem, muitas vezes, os seus parcos rendimentos com os filhos e netos vítimas de desemprego e precariedade. As discriminações de que foram vítimas ao longo da sua vida continuam a estar presentes na velhice, por vezes ainda de forma mais acentuada. Contudo, elas são as guardiãs de saberes e experiências que precisam de ser transmitidas, em convivência com todas as gerações. Para viverem em qualidade, precisam de apoios e de equipamentos sociais e de participar em diferentes iniciativas de modo a continuarem com atividade e estimularem as suas capacidades e autoestima. Muitas mulheres idosas têm autonomia para participarem ativamente na vida familiar, comunitária e social. E esse potencial é uma riqueza social e cultural, que não pode ser desprezada.
2.7.
Agravamento da pobreza em resultado das políticas de austeridade
Portugal detém há décadas uma das taxas mais elevadas de pobreza da União Europeia, que evidenciam a impossibilidade das políticas que foram desenvolvidas lhe darem combate e erradicação. Em resultado das políticas de austeridade, a pobreza está a agravar-se todos os dias. Afrontando direitos, o Governo está a impor uma brutal austeridade e já discute a sua continuação para 2015, ao pretender transformar cortes apresentados como temporários em definitivos, nomeadamente nos salários, nas pensões e nas prestações da segurança social. Cortes significativos que, face à obsessão pelo cumprimento do Tratado Orçamental, se concretizam e perspetivam também na despesa social (saúde, educação, segurança social) com todas as implicações negativas que daqui resultam,
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nomeadamente na degradação das condições de vida das populações. Segundo dados da Segurança Social e IEFP (maio de 2014) os cortes do Estado nos apoios atingiram 550 mil pessoas, dos quais 412 mil desempregados ficaram sem qualquer subsídio (só 53% dos desempregados recebiam algum subsidio), 38 mil crianças deixaram de receber abono de família (uma quebra de 3,2% relativamente ao ano anterior), mais de 45 mil pessoas perderam o rendimento social de inserção (uma queda de 20,4%), mais de 38 mil idosos perderam o complemento solidário (uma quebra de 20,2%) e 2389 crianças e jovens ficaram sem subsídio de educação especial15. É assim que, entre 2011 e 2012, a parcela da população a viver em situação de pobreza e exclusão social aumentou em Portugal, atingindo, em 2012, 25,3% da população portuguesa, correspondente a cerca de 2,7 milhões de pessoas, vivendo cerca de 18% abaixo do limiar de pobreza16. A redução do rendimento geral da população fez baixar o rendimento a partir do qual as estatísticas classificam um indivíduo como pobre (taxa de risco de pobreza), dos 434€, em 2012, para os 409€, em 2013. Assim, a eventual redução do número de pessoas abaixo daquele rendimento, mais do que traduzir uma efetiva diminuição do número de indivíduos em situação de pobreza, traduz um real empobrecimento geral da população, resultado dos cortes, da diminuição dos salários e das pensões, das outras prestações da segurança social, do desemprego e do agravamento dos impostos. Considerando a linha de pobreza de 2009, as estatísticas evidenciam o aumento da proporção de pessoas em risco de pobreza dos 21,3%, em 2011 para os 24,7%, em 201217. As mulheres apresentam um risco mais elevado de pobreza. Em 2012, cerca de 18,6% das mulheres portuguesas encontram-se em risco de pobreza, já considerando as transferências sociais, embora neste ano a tendência para as mulheres apresentarem uma maior vulnerabilidade à pobreza comparativamente aos homens não se tenha verificado, registando-se uma quase igualdade de género face à pobreza. As pensões e as outras transferências sociais assumem papel fundamental no combate à pobreza. De acordo com o INE, sem as pensões e outras transferências sociais, a taxa de risco de pobreza seria de 46.9% na população residente em 2012. As pensões e as outras transferências sociais permitem reduzir a taxa de risco de pobreza para 18,7%, constituindo este facto uma crítica incontestável às reduções nas pensões e outras transferências sociais que as políticas do Governo PSD/CDS têm promovido. Contudo, o congelamento e redução dos valores das pensões e de outras prestações sociais (abono de família, complemento solidário para idosos, rendimento social de inserção, entre outras) foi a opção assumida pelo anterior Governo do PS a partir de 15 DN, 1 de julho de 2014 16 http://www.eapn.pt; Indicadores sobre a pobreza: dados europeus e nacionais 17 INE
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2010 e agravada pelo atual Governo PSD/CDS-PP. A política que privilegiou a redução da proteção social no desemprego, desde 2010, diminuindo os montantes e a duração das prestações, restringindo as condições de acesso, criando uma taxa sobre os valores recebidos, remete quatro em cada dez desempregados para a exposição à pobreza, no ano em que se comemoram os 40 anos do 25 de Abril. É assim que, à gravidade da situação do desemprego, acresce o facto de mais de 310 mil desempregados não receberem subsídio. Em abril, o Estado português apenas atribuiu prestações de desemprego a 356 mil desempregados, deixando de fora 311 mil desempregados inscritos nos centros de emprego. As dificuldades criadas ao acesso ao Rendimento Social de Inserção (RSI), criado para assegurar às pessoas e seus agregados familiares recursos que contribuam para a satisfação das suas necessidades mínimas, com alterações posteriores em 2011 (Decreto Lei Nº76/2010, 1 de agosto), têm vindo a reduzir os seus beneficiários, apesar do agravamento da pobreza em Portugal. Em 2012, 136 mil cidadãos perderam o RSI. Simultaneamente, reduz-se o respetivo montante. Em três anos, o montante médio dado a cada família caiu 30%. Em 2012 era de 214€, agravando cada vez mais a capacidade de sobrevivência dos portugueses. Para além do desemprego, também a monoparentalidade se revela um fator de agravamento do risco de pobreza. Os dados do INE (24 de março de 2014) mostram que uma em cada três famílias monoparentais com crianças dependentes está em risco de pobreza. A desigual distribuição do rendimento disponível constitui outra das causas do aumento da pobreza, particularmente chocante quando se observam os extremos da distribuição do rendimento (os que ganham mais e os que ganham menos). Nesta observação vemos a dura realidade do agravamento da desigualdade: os rendimentos dos 10% que ganham mais são quase 11 vezes superiores aos rendimentos dos 10% que ganham menos. A pobreza é também mais intensa. Os indivíduos em risco de pobreza são agora mais pobres. A insuficiência dos seus recursos (ser pobre e viver com um euro é diferente de ser pobre e viver com 400 euros), passou de 22,7% em 2009, antes da aplicação das políticas de austeridade, para 27,3% em 2012. Os dados do INE mostram também a realidade de uma população em que mais de 40% (43,2%) das famílias não tem meios para enfrentar uma despesa inesperada de 400€ sem recorrer a um empréstimo, em que quase 1/3 (28%) não tem capacidade para manter a casa adequadamente aquecida e em que 60% (59,8%) não pode pagar uma semana de férias por ano fora de casa. A pobreza extrema obriga muitas mulheres a recorrerem às instituições particulares
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Retrocessos na situação económica e social da mulher portuguesa
de solidariedade social, também essas cada vez menos apoiadas pelo Estado, para pedirem alimentos, roupas para os filhos, medicamentos, dinheiro para pagar a renda de casa, a água, a luz, o gás. Como sabemos, não são estas medidas assistencialistas ou até caritativas que vão resolver o problema da pobreza, competindo ao Estado atuar de modo a devolver a dignidade às cidadãs e aos cidadãos, cumprindo o modelo social inscrito na Constituição. Estes dados são inequívocos quanto às consequências sociais da política de austeridade que conduziu à diminuição dos salários e das pensões e ao enfraquecimento da segurança social, incluindo da dirigida aos desempregados e às categorias da população mais exposta à pobreza.
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A igualdade e os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres
Capítulo 3
A igualdade e os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres
O conceito de Saúde Reprodutiva implica que as pessoas possam ter uma vida sexual satisfatória e segura e possam decidir se, quando e com que frequência têm filhos. Esta condição pressupõe o direito de cada indivíduo a ser informado e a ter acesso a métodos de planeamento familiar da sua escolha, que sejam seguros, eficazes e aceitáveis e, ainda, a serviços de saúde adequados, que permitam às mulheres terem uma gravidez e um parto em segurança e ofereçam aos casais as melhores oportunidades de terem crianças saudáveis. Abrange, também, o direito à saúde sexual, entendida como potenciadora da vida e das relações interpessoais. O Planeamento Familiar é uma componente fundamental dos cuidados em saúde reprodutiva e abrange a promoção da saúde, designadamente a informação e aconselhamento sexual, prevenção e diagnóstico precoce do cancro do colo do útero e da mama, prestação de cuidados pré- concecionais e no puerpério, prevenção do tabagismo e do uso de drogas ilícitas. As consultas de Planeamento Familiar, particularmente nos jovens, são determinantes no aconselhamento da contraceção e no evitar de gravidezes precoces indesejadas. A partir das leis 3/84 e 4/84 que o PCP fez aprovar na AR, o planeamento familiar passou a ser um direito das mulheres e uma valência em todos os centros de saúde. Esse direito permitiu alcançar níveis muito aceitáveis de contraceção em todas as idades. Os dados actuais e mais recentes continuam a apontar para um aumento da proporção de gravidezes planeadas. Num exemplo recente, dado pelos médicos-sentinela, das 220 consultas registadas 134 (60,9%) correspondem a gravidezes planeadas no ano de 2013, e uma redução da taxa de incidência de gravidez na população, sob observação nesta rede, face ao ano anterior. Este último fator, “está de acordo com a tendência decrescente da taxa de natalidade em Portugal”18. Já no caso das grávidas com idades entre os 15 e os 24 anos apenas 30% das gravidezes foram planeadas. Das 83 gravidezes não planeadas (37,7%), das quais 51,8% de mulheres que não usavam método contracetivo no mês em que engravidaram e 32,5% de outras, que referiram falha na sua utilização. Ainda que no cômputo geral a maioria das mulheres tenha acesso aos métodos contracetivos ainda há situações de falta de conhecimento dos métodos ou mesmo falta de acesso ao planeamento familiar particularmente entre as camadas jovens. Particularmente ligados aos direitos das mulheres estão os direitos sexuais e reprodutivos em toda a sua dimensão. O Serviço Nacional de Saúde deverá garantir a universalidade destes direitos em igualdade para todas as mulheres em todo o ciclo de vida, nomeadamente a contraceção de urgência, serviços de saúde sexual e reprodutiva e educação sexual, o acesso a medidas de saúde pública que garantam a liberdade de escolha e de decisão sobre o corpo, a promoção da saúde física e psíquica, os cuidados primários de saúde bem como o direito ao aborto seguro e legal.
18 Rede de Médicos-Sentinela, Relatório publicado no sítio do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), 18/10/2014
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3.1. A procriação na adolescência O termo adolescência deriva do latim adolescére, que significa “crescer”. É um período de transição em que o indivíduo muda do estado infantil para o estado adulto. Existem mudanças biológicas: um crescimento físico repentino, uma alteração das proporções corporais e o atingir da maturidade sexual. A maturidade biológica determina mudanças sociais e económicas, a passagem da dependência da família para uma independência sempre crescente. A adolescência é o estádio de desenvolvimento humano que finaliza a infância e introduz a idade adulta. Não se pode determinar ao certo os limites da adolescência, esta termina quando se alcança uma independência psicossocial. Na adolescência está o estrato da população feminina mais vulnerável quanto aos direitos sexuais e reprodutivos. Calcula-se que catorze milhões de adolescentes no mundo, com idades compreendidas entre os quinze e os dezanove anos, deem à luz todos os anos. Desconhece-se o número daquelas que têm um filho quando são ainda mais jovens. Nos países em desenvolvimento, entre um quarto e metade das adolescentes são mães antes de completarem dezoito anos. As taxas mais elevadas de fecundidade de adolescentes registam-se na Africa subsaariana e no Sul da Ásia. Segundo dados de 56 países, as raparigas de quinze a dezanove anos que pertencem aos grupos mais pobres da população, têm três vezes mais hipóteses de ser mães na adolescência, quando comparadas com as que pertencem a grupos com uma boa situação económica, tendo também elevadas taxas de procriação precoce. Em muitos países em desenvolvimento, são, em primeiro lugar, uma consequência da prática do casamento de crianças. A gravidez é das principais causas de morte de raparigas de quinze a dezanove anos, em todo o mundo. As adolescentes destas idades têm o dobro de probabilidades de morrer durante a gravidez ou o parto, quando comparadas com as mulheres com vinte a trinta anos. No caso das menores de quinze anos, os riscos são cinco vezes mais elevados. São demasiado numerosas as adolescentes que enfrentam as consequências de uma gravidez não planeada, consequências essas, que alteram para sempre a sua vida. Estudos sobre o comportamento dos jovens europeus face à saúde genésica justificam preocupações e exigem a tomada de medidas específicas para esta faixa etária. Por outro lado, deixam claro que há uma complexa ligação entre contraceção e aborto. A estimativa de mortes devidas a aborto tem particular incidência nos países da Europa Oriental. A fertilidade na adolescência tem vindo a crescer em vários países, nos últimos anos, e são maiores os riscos de gravidezes precoces. Apesar da escassez dos números que as diversas fontes apresentam, é admitido que Portugal é o segundo país da Europa com maior taxa de gravidezes na adolescência, só suplantado pelos países da Europa de Leste, deixando supor deficiências nos serviços de saúde e debilidades quanto à educação sexual.
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3.2. Taxas de natalidade na adolescência e de gravidez indesejada Apesar das tendências encorajadoras registadas em alguns Estados-membros da EU, a disparidade gritante das taxas de natalidade na adolescência entre países europeus mostra que, grande parte da juventude da União Europeia, ainda não possui as aptidões e os conhecimentos necessários para fazer escolhas responsáveis na esfera sexual e reprodutiva. Além da natureza não planeada da maioria das gravidezes na adolescência e da falta de preparação geral das jovens para a maternidade, a natalidade adolescente acarreta, amiúde, consequências duradouras. Regra geral, as questões de saúde relacionadas com a gravidez ocorrem mais durante a gravidez na adolescência do que durante a gravidez adulta (por exemplo, aborto, morte neonatal). Existem estudos que também sugerem que as mães adolescentes têm menos probabilidade de concluir o ensino secundário e são mais propensas a viver em situação de pobreza. Além disso, os filhos das adolescentes nascem frequentemente com menos peso do que o normal e padecem de problemas de saúde e de desenvolvimento. As mulheres adultas também enfrentam o problema da gravidez indesejada, que pode ocorrer por múltiplas razões: falha da contraceção, utilização imprópria ou inconsistente de métodos contracetivos, parceiros sexuais que se opõem ao uso de anticoncecionais, relações sexuais forçadas, violação ou razões de saúde.
3.3. A Interrupção da Gravidez e a Lei da despenalização da IVG Os Relatórios obrigatórios que a Direção Geral de Saúde (DGS) e a Inspeção Geral das Atividades da Saúde (IGAS) publicam desde a aprovação da Lei (2008, 2009, 2010 e 2011) mostram-nos que não tem aumentado o número de IVG. O sistema público tem procurado dar resposta à realização do aborto seguro e a IVG tem mesmo diminuído entre as jovens menores de 15 anos, o que deixa antever uma melhoria do Planeamento Familiar em Escolas ou Centros de Saúde. Apenas uma percentagem residual de 1,3% tem recidivas, e elas verificam-se em mulheres com 50 anos ou mais (o que não se pode desligar do longo período até 2007, em que a interrupção da gravidez era proibida e não havia politicas públicas de aconselhamento). Todos os Relatório da Direção Geral de Saúde (de 2008 a 2012) revelam um balanço da lei inequivocamente positivo. Diminuiu o número de atendimentos por complicações abortivas, que entre 2002 e 2007 foi de 1258 casos e passou a ser de 241 entre o ano de 2008 e 2012. Baixou o número de mortes por aborto. Portugal situa-se abaixo da média europeia em termos de Interrupção de Gravidez não especificada. De acordo com os resultados dos inquéritos epidemiológicos de 2011 e 2012 enviados à DGS não houve mortes maternas associadas à interrupção da gravidez.
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A mesma fonte caracteriza as mulheres que recorrem à IVG como sendo maioritariamente as de menores salários ou desempregadas. A partir de 2012 verificou um novo aumento nas categorias de Desempregadas de Trabalhadoras não Qualificadas. Entre as mulheres que efetuaram uma IVG em 2012, 73,9% nunca tinha realizado uma interrupção. Em 2012, 67,1% das IVG, por opção da mulher, foram realizadas pelo método medicamentoso e 31,7% pelo método cirúrgico, sendo que, nas unidades do SNS, a grande maioria das interrupções (95,7%) é realizada utilizando o método medicamentoso, um método menos invasivo e de baixo custo para o SNS. Em 2012, cerca de 96,1% das mulheres que realizaram IVG escolheram posteriormente um método de contraceção. O MDM manifesta a sua preocupação quanto ao incumprimento dos direitos sexuais e reprodutivos em muitos pontos do País, mormente no interior, com o encerramento de unidades de saúde e maternidades e vê com apreensão as tentativas em curso para a sua regressão, situação que agrava as desigualdades entre as mulheres. Este problema da IVG concerne-nos a todas. Ainda há países onde as mulheres são condenadas e metidas em prisões por abortos clandestinos. No Mundo, anualmente cinco milhões de mulheres são hospitalizadas por complicações severas ligadas a abortos praticados em condições precárias, ao mesmo tempo que cerca de 50000 mulheres morrem por essa razão, representando 13% da mortalidade materna no mundo. Números que têm que ser realisticamente relacionados com o facto de que 60% da população mundial vive em países onde a IVG ainda é proibida ou fortemente restritiva, muitos deles associados à pobreza extrema. A luta de solidariedade passa também por uma exigência da extensão deste direito às mulheres do mundo, evitando mortes. No Portugal de Abril, duas conquistas foram fundamentais para as mulheres consagrando direitos que as mulheres não podem deixar retroceder. Por um lado, a consagração constitucional da maternidade como valor social eminente e, por outro, a lei de despenalização da IVG com o inalienável direito de decisão da mulher sobre uma gravidez indesejada. Neste tempo de aviltamento de direitos, também os direitos de parentalidade e mais concretamente o direito à maternidade está a ser violado pelas entidades empregadoras, penalizando as mulheres trabalhadoras na contratação, na progressão profissional, na atribuição de prémios, na avaliação de assiduidade. Segundo um estudo recente, publicado na comunicação social, a maternidade está a ser obstáculo para o acesso ao mercado de trabalho: 3 em cada 4 empresas que procuravam recrutar quadros em 2011 deixavam de fora as mães trabalhadoras, justificando os empregadores com o receio de eventual menor empenho profissional das mulheres, de serem menos flexíveis e poderem ter outras crianças19. 19 Expresso, de 21 de janeiro de 2011
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E, a demonstrá-lo, está a taxa de desemprego feminino que sendo, em regra, superior à masculina, essa diferença é tanto maior quanto menor o nível etário, confirmando a penalização da mulher em idade fértil e/ou com filhos pequenos. Quanto mais jovem o candidato ao emprego, maior a preferência dos empregadores pelo trabalhador masculino. Aliás, entre os trabalhadores com mais de 45 anos, idade pouco provável para a maternidade, a taxa de desemprego feminina passa a ser menor que a masculina. Mas não é apenas no acesso ao emprego que a maternidade penaliza as mulheres, é também no emprego que as mulheres são penalizadas por serem mães. Os pareceres da CITE confirmam essa realidade. Efetivamente, para além do aumento do número de pareceres emitidos entre 2011 e 2013, de 232 para 336, entre os 210 pareceres emitidos nos oito primeiros meses de 2014, 27% prendiam-se com despedimento de trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes. Este facto exige o reforço da fiscalização sobre as empresas que exercem práticas discriminatórias, mas também exige que as próprias mulheres lesadas e as organizações que as representam denunciem quem abertamente exerce penalizações sobre as mulheres trabalhadoras, tanto no recrutamento, como nas condições de trabalho e progressão da carreira, por motivo de gravidez, por serem mães ou poderem vir a sê-lo. Por outro lado, preocupa-nos que, hoje, 32,37% das IVG sejam remetidas para os estabelecimentos privados, cujos custos são mais elevados. Essa pode ser uma estratégia dirigida contra o SNS pelos serviços que pretendem criar as condições para a privatização, utilizando a falta de recursos médicos, em geral alegando como motivo a objeção de consciência dos médicos. É interessante notar que alguns destes relatórios balanço da IVG chamam a atenção para a necessidade da Ordem dos Médicos se pronunciar sobre o alcance e âmbito do conceito de objeção de consciência, porquanto a objeção de consciência está a ser associada e invocada apenas relativamente à prática da IVG. Atravessamos um momento político, com graves retrocessos nos direitos das mulheres trabalhadoras e das mulheres em geral, sustentados pelas políticas de direita. Várias organizações conservadoras aproveitam, insistem e parecem não querer desistir de fazer retroceder a lei da IVG. Trazem com regularidade a questão para a opinião pública e suscitam a discussão à AR, com sucessivas propostas e petições, no sentido de a revogar ou alterar no todo ou em parte. Tentam aproveitar os apoios que sabem poder contar no Governo e nas forças políticas maioritárias no parlamento, para tornar mais célere o recuo. Para o MDM, a lei vigente é justa, completa nas suas premissas e nos direitos de decisão da mulher, garante a realização do aborto seguro e a defesa da saúde pública, salvaguarda o direito de objeção de consciência aos profissionais e tem permitido evitar mortes maternas e fetais, o que aparece bem documentado. A luta pela despenalização da IVG implica uma ampla solidariedade de mulheres, exigindo ações públicas a favor da despenalização do aborto em Portugal e na própria
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União Europeia, considerando o reforço dos partidos de direita na atual composição do Parlamento Europeu, saída das eleições de 25 de maio de 2014, que se pode traduzir em ataques aos direitos das mulheres. Há que revigorar a vigilância contra ações de manipulação e/ou discursos obscurantistas de forças retrógradas, que estão em curso. De facto, enquanto o aborto legal e seguro não for acessível a todas, muitas mulheres continuarão expostas ao risco do aborto clandestino e à utilização de métodos perigosos, que põem em risco a sua saúde e a sua vida. A mortalidade materna é uma questão da responsabilidade das políticas internacionais e dos governos de cada país, que não poderão ignorar o grande sofrimento e as mortes das mulheres. O direito da mulher à IVG, no quadro dos direitos sexuais e reprodutivos (aprovados na Conferência do Cairo e reiterados na Conferencia de Pequim -1995), em condições de segurança e saúde, correspondendo ao seu desejo e consentimento, é uma questão de saúde pública e de defesa da sua dignidade. Estando a interrupção voluntária da gravidez diretamente relacionada com a decisão de uma maternidade consciente e responsável, não podemos deixar de manifestar a nossa preocupação pelas dificuldades que se anunciam com cortes nos subsídios de maternidade em Portugal, num contexto social marcado pelo desemprego, baixos salários, precariedade, aumento do custo de vida, regressão nos direitos e nos apoios sociais fundamentais para o exercício da maternidade/paternidade. Respeitar e promover a saúde sexual e reprodutiva, bem como proteger e fazer cumprir os direitos reprodutivos, é uma condição necessária para se alcançar a igualdade de género e a capacitação das mulheres, a fim de que elas possam usufruir de todos os seus direitos humanos e liberdades fundamentais, prevenindo e mitigando toda a violência contra si e contra a população. Dado que a violência é uma das principais causas de morte em todo o mundo para a população de 15 a 44 anos, ela é também um importante problema de saúde pública. O MDM continua a defender a função social da maternidade/paternidade e a necessidade de medidas efetivas que a apoiem, tais como a implementação efetiva da educação sexual nas escolas e o acesso ao planeamento familiar por todas e todos, com o reforço de locais de consultas para a saúde sexual e reprodutiva, a concretização de melhores condições de vida e de trabalho para as mulheres e o alargamento de uma rede social de apoio às famílias. Estas são condições básicas para um planeamento adequado do projeto de vida de cada mulher, dentro da sua própria opção de família.
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3.4. As múltiplas violências - do sexual ao moral 3.4.1. A violência doméstica A violência entre um casal é predominantemente a violência dos homens sobre as mulheres, mas está muitas vezes relacionada com o abuso de crianças e jovens. Por vezes, as crianças são envolvidas em incidentes de violência direta, sendo elas mesmo agredidas. A violência na família é também uma ameaça para mulheres grávidas, pois estas, são frequentemente agredidas durante a gravidez. A violência física, sexual e psicológica contra as mulheres constitui um abuso sistemático dos direitos humanos, traduz as desigualdades sociais e as discriminações que as mulheres ainda sofrem na sociedade e na família A enorme dimensão do problema é a prova de que a violência contra as mulheres não afeta apenas algumas mulheres, afeta diariamente a sociedade. Num momento em que os dados estatísticos apontam que um em cada quatro jovens é vítima de violência, nas relações de intimidade, urge debater esta temática, alertar a sociedade em geral para diferentes formas de violência no namoro, para a gravidade das suas consequências nos jovens e nas famílias. Importa promover estratégias articuladas de combate a todas as formas de violência e exigir políticas de igualdade e respeito pela dignidade das mulheres. A violência atinge particularmente as mulheres, como o demonstra o aumento dos pedidos de apoio de mulheres vítimas de violência (por exemplo, a APAV registou em 2012, que 81% das vítimas eram do sexo feminino). Os problemas económicos, os baixos rendimentos, o desemprego, as carências de toda a ordem geram desentendimentos, violência, agressividade. Também a violência contra idosos/as tem aumentado muito. Só nos primeiros três meses do ano (2014) a Procuradoria-Geral distrital de Lisboa abriu 45 inquéritos de casos de violência contra idosos. As idosas em posição mais fragilizada são as grandes vítimas, vítimas de maus-tratos físicos e psicológicos, de esbulho de património, de imposição de modos de vida, de burlas, em grande parte dos casos, em situações de extrema vulnerabilidade. Esta situação obriga a que se denunciem os maus-tratos contra as pessoas idosas e se invista em políticas públicas de prevenção e formação adequada dos cuidadores, bem como a dotação de meios que permitam aos profissionais de saúde, forças de segurança e da justiça uma eficaz intervenção. Nos países da União Europeia, a violência contra as mulheres acontece todos os dias e em toda a parte. Essa é a conclusão de um recente relatório da Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA) de 5 de março de 2014, que demonstra a vasta prevalência da violência contra as mulheres adultas, sendo grande parte vítimas
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de violência física e sexual na sua infância. Das 42000 mil mulheres entrevistadas, nesse estudo europeu, 33% foram vítimas de violência física e/ou sexual depois dos 15 anos de idade, o que corresponde a 62 milhões de mulheres, 22% foram vítimas de violência física e/ou sexual por parte do parceiro, 5% das mulheres foram violadas. Cerca de uma em cada 10 mulheres, que foram vítimas de violência sexual por parte de um não parceiro, refere que o incidente mais grave envolveu mais do que um autor, 43% foram vítimas de alguma forma de violência psicológica por parte do atual ou anterior parceiro, como, por exemplo, ser humilhada publicamente, ser proibida ou mesmo impedida de sair de casa, ser forçada a ver pornografia e ser ameaçada de violência. Impõe-se o combate à violência contra as mulheres, ao longo de todo o seu ciclo de vida, nas suas diferentes dimensões de prevenção, tratamento e recuperação, considerando sempre que a violência põe em causa a dignidade da mulher, a saúde pública, o respeito pelo outro. Quando falamos de violência doméstica, é frequente assistirmos mais a fenómenos indiretos de violência infantil, daí julgarmos pertinente distinguir duas situações diferentes como: a criança vítima direta de violência, e a criança que assiste indiretamente à violência doméstica. As crianças expostas à violência interparental são vítimas indiretas mas igualmente vulneráveis de múltiplas consequências físicas e/ou psicológicas, que podem ser ou não de perceção imediata. Importa realçar que a associação entre a exposição à violência familiar e vitimação direta de violência estão fortemente interligadas. Existe evidência de que a exposição a um tipo de violência aumenta significativamente a probabilidade da exposição a outras formas de abuso. Sendo assim, as crianças testemunhas de violência interparental estão em maior risco de serem o alvo direto de outras formas de vitimação, nomeadamente o abuso físico e sexual. Os casos de abuso sexual de menores a serem investigados aumentou 14% em 2013, ano em que foram investigados pela judiciária 2472 casos por crimes sexuais. Deste total 1227 dizem respeito a crianças20. Como abuso sexual, entende-se o envolvimento da criança em práticas que visam a gratificação e satisfação sexual do adulto, numa posição de poder ou autoridade sobre ela. Estas práticas ocorrem quando a criança, devido ao seu estádio de desenvolvimento, não consegue compreender, e para as quais não está preparada, e que violam a lei. Este tipo de abuso é muitas vezes perpetrado no seio da familiar e por pessoas próximas ou nas instituições. De acordo com o Código Penal, o abuso sexual de crianças define-se como qualquer ato sexual praticado com menores de 14 anos. Mesmo não havendo atos violentos ou coação da vítima, é entendido que o ato é suscetível de prejudicar o seu desenvolvimento. 20 DN, 1 de julho de 2014
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A violência sobre as mulheres é também um problema de saúde pública, pelo que a sensibilização para a prevenção terá de incidir em públicos específicos como são as mulheres grávidas, idosas, imigrantes, jovens. Daí o apelo aos profissionais de saúde para que nas consultas exerçam maior vigilância e escuta sobre este tipo de violências. A promoção da saúde, prevenção e combate à violência têm de ser uma preocupação de todos os dias. Esta relação ficou evidente ao longo dos projetos que o MDM desenvolveu sobre as temáticas das violências. A Organização Mundial de Saúde já reconhece a necessidade de dar maior visibilidade às temáticas da violência e saúde na grávida, propondo ações de formação sobre esta matéria junto dos próprios profissionais de saúde. Estes, para além de usarem as modernas tecnologias e meios sofisticados de observação, não podem menosprezar o saber empírico que as mulheres trazem sobre os processos de viver, adoecer, engravidar, parir, criar seus filhos e cuidar de sua família e sua comunidade. Os profissionais de saúde têm um grande papel no apoio e informação à mulher grávida, mas também o dever de aprofundar os diálogos com as utentes sobre as questões das desigualdades de sexo e sobre os preconceitos culturais e hábitos de vida. Há que procurar conhecer a trajetória de vida até à gravidez e durante a gravidez. Importa descortinar se a gravidez foi desejada e aceite, se a gravidez é vivida como um acréscimo de vida ou como um pesadelo; aqui reside muitas vezes a fonte da violência doméstica. Sabendo-se que 42,8% das mortes fetais em 2012 foram provocadas por fatores maternos e por complicações da gravidez, do trabalho de parto e do parto, é legítimo considerar, na análise dos riscos de morbilidade, a violência no casal como uma das variáveis a analisar. Sabe-se que pode haver uma relação da violência com a morbilidade e mortalidade maternas. Existe uma relação causal entre situações de violência física conjugal com o ganho de peso gestacional, que é um fator de risco que justifica um atendimento pré-natal da grávida e a mobilização de meios e recursos técnicos e humanos para esse atendimento nesse período específico da vida da mulher.
3.4.2. A violência no namoro Vários estudos revelam que a violência nas relações de intimidade (VRI) vai muito para além das relações conjugais. Está presente, de forma muito preocupante, nas relações de namoro e nas relações juvenis ocasionais. Aliás, verifica-se que, à medida que as relações de namoro se prolongam no tempo, a violência tem tendência a aumentar, constituindo uma antecâmara da violência conjugal. A VRI tem frequentemente início nas relações de namoro, daí a importância dos programas de prevenção primária a comportamentos comprometedores da saúde que estimulem mudança de atitudes, de crenças e valores relacionados com os papéis de género, as masculinidades, as conceções do amor, de intimidade e dos direitos humanos, que se desenvolvam junto dos adolescentes e jovens, em contexto escolar.
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Num estudo recente em Portugal (Caridade, 2011), englobando 4667 jovens, de idades compreendidas entre os 13 e os 29 anos, 57,7% do sexo feminino, de várias regiões do país, de formações diversas – estudantes universitários, do ensino profissional, do ensino secundário e jovens fora do sistema de ensino – podemos verificar que 25,4% eram vítimas e 30,6% perpetradores de violência, nas relações que tinham no momento em que decorria o estudo. Em termos de vitimação, os comportamentos emocionalmente abusivos lideram (19,5%), seguindo-se os fisicamente abusivos (13.4%) e a violência física severa (7,6%). Aliás, os vários estudos realizados nos últimos anos, em Portugal, apontam a média da violência entre adolescentes e jovens adultos para 25% (CIG - Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, 2008). Outros estudos, de natureza qualitativa, abrangendo jovens de diversas formações universitários, a frequentar o ensino secundário e outros que já estão fora do sistema de ensino – revelam a permanência de mitos e estereótipos de género, no que respeita à VRI (Caridade, 2011). Destaca-se, a título de exemplo: * A desculpabilização de alguns atos abusivos; * A minimização da ação do agressor, quando motivada por um impulso, um descontrolo ocasional, ou quando mostra arrependimento; * A culpabilização da vítima, devido à forma como se veste ou como se comporta, pública e socialmente; * Uma conformidade com as formas mais tradicionais da socialização do género masculino que estabelecem como desejável o controlo sobre a parceira, no caso de casais heterossexuais; * A legitimação do ciúme; * O reconhecimento do papel dos grupos de pares na agressão masculina; * A desvalorização da violência sexual no namoro; * A enfatização de diferenças de género no plano psicológico, sendo os homens representados como mais agressivos, impulsivos e resilientes, frios e sexualizados do que as mulheres, e estas mais emocionais, embora mais controladas, mais vulneráveis, sensíveis e menos sexualizadas, como se as diferenças entre sexos fossem essências da masculinidade e da feminilidade. Esta realidade preocupante dá-nos a medida da urgência do aprofundamento da intervenção junto de adolescentes e jovens adultos. As escolas e as universidades são espaços de intervenção privilegiados, porque os jovens passam aí a maior parte da sua vida e iniciam, em regra, os seus relacionamentos íntimos. Por isso, a escola poderá e deverá (desde que tenha meios para isso) desempenhar um importante papel na educação e sensibilização dos jovens para vivências íntimas equilibradas e em igualdade, promovendo a aprendizagem de competências para relacionamentos interpessoais saudáveis.
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3.4.3. O tráfico e a prostituição. O tráfico de crianças e mulheres e os maus tratos A prostituição e o tráfico são expressões de violência contra mulheres e crianças, crimes de rosto feminino e de classe, incompatíveis com a dignidade da pessoa e os seus direitos fundamentais. São realidades indissociáveis, que revelam à saciedade a hedionda face do capitalismo onde não existem limites na obtenção de lucro, mesmo quando isso significa explorar de forma vil corpos e sonhos de mulheres e crianças. Revelam ainda como persiste a desigualdade e a descriminação em função do sexo, e como é frágil o estatuto social das mulheres nas sociedades contemporâneas. Na atualidade existem 40 a 42 milhões de pessoas na prostituição, incluindo mais de 2 milhões de crianças. Na sua grande maioria (80%) são mulheres e raparigas entre os 13 e 25 anos. 90 a 95% dependem de um proxeneta e os clientes são quase todos homens. Na Europa ocidental, 1 a 2 milhões de pessoas prostituídas, na sua maioria migrantes, são vítimas de tráfico. 90% delas passam por bordeis em Espanha, Itália, Grécia, Alemanha, Bélgica, Holanda, Suíça e Portugal. A prostituição não é um ato individual de uma pessoa que aluga o seu corpo por dinheiro, é antes um sistema organizado para o lucro, um negócio no qual intervém cliente, proxeneta e pessoa prostituída e que rende ao proxenetismo milhões. Este negócio global gera, hoje, lucros anuais estimados em 186 mil milhões de euros. Submetida às regras do mercado, sobretudo desde a década de 90 do século passado, a prostituição diversificou-se e expandiu-se. É para um largo número de países uma atividade económica legal, legítima e altamente rentável. Regulada no quadro da dita “indústria do sexo”, contribui para o PIB dos mesmos, com lucros astronómicos obtidos com a exploração dos corpos das mulheres e meninas, reduzidos à condição de produto, de mercadoria, que podem ser comprados, vendidos, trocados, revendidos ou descartados. Urge responsabilizar os países que legalizaram/regularam a prostituição pelo aumento exponencial de ambas as realidades em Portugal, na Europa e no Mundo. Só agora o Parlamento Europeu vem reconhecer que a prostituição é uma forma de escravatura e uma forma de violência contra as mulheres e as crianças. Mais reconhece que o mercado da prostituição fomenta o tráfico de pessoas, funciona como uma forma de introduzir a oferta de mulheres e raparigas menores nos mercados, e agrava a violência contra as mesmas. Terão contribuído para esse reconhecimento os dados oficiais que revelam que 62% do tráfico na Europa tem por fim a exploração sexual, que a Holanda seja o principal destino dessas vitimas e que mais de 2/3 das mulheres prostituídas na Alemanha, considerado já O maior bordel da Europa, sejam estrangeiras e constituam casos de tráfico para exploração sexual. É preciso e urgente denunciar e combater as tentativas de normalização da prostituição, incluindo campanhas que procuram ocultar o seu caráter intrinsecamente violento, glamorizando-a e tornando-a inócua. É preciso opormo-nos a qualquer promoção do lenocínio, seja nas campanhas que advogam a prostituição como trabalho sexual,
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ou leis que permitem aos jornais publicitar a venda de serviços sexuais. É preciso reconhecer que numa atividade, que vive da exploração do corpo das mulheres e das crianças, não há liberdade, zonas seguras ou direitos e portanto é contrária aos princípios mais elementares de direitos humanos. O MDM entende que defender os direitos das mulheres, lutar pela sua dignidade, no respeito pela sua condição e reconhecimento do seu estatuto social, passa também por nos opormos à prostituição e ao tráfico de mulheres e pela denúncia das suas causas. Por isso exige novos caminhos para o país e para as mulheres, consubstanciados, assumidos e concretizados em medidas legislativas e políticas sociais, na prossecução dos direitos ao trabalho e ao emprego estável, à saúde, à educação, segurança e proteção sociais. Defende a criação de medidas de proteção das mulheres prostituídas criando condições efetivas para a sua inserção social. 3.4.4. Assédio Moral no Local de trabalho – respostas necessárias O assédio moral no local de trabalho constitui uma conduta persecutória reiterada e prolongada que leva ao desgaste da resistência física e psíquica do/a trabalhador/a. Quem pratica assédio moral tem intenção de lesar ou de atormentar o/a trabalhador/a, existindo sempre, por detrás de qualquer atitude de assédio, um comportamento praticado com o objetivo de afetar a dignidade da pessoa ou criar um ambiente intimidatório, hostil, degradante, humilhante ou instável. Não se pode confundir com um ato isolado, que ocorra numa situação esporádica, em clima de conflito, independentemente do mal-estar que possa causar e da infração que possa representar (quer disciplinar, quer penal ou laboral). Quanto à motivação do assédio, ele pode considerar-se perverso, quando a finalidade é a gratuita destruição de outrem ou a valorização do seu próprio poder; pode destinarse a contornar as restrições ao despedimento; pode ainda ser institucional, quando incluído numa estratégia de gestão de pessoal. Existem ainda aqueles/as que, embora não participando nas atividades agressivas, assistem à conduta hostil sem nada fazerem, contribuindo para o isolamento e exclusão da vítima. Normalmente são colegas de trabalho, ou outros superiores hierárquicos. Entre os fatores causais do assédio moral, ocupa posição de relevo a própria discriminação, seja em função do sexo, da orientação sexual, seja por motivos raciais, religiosos, políticos ou sindicais, seja fundada em deficiências ou doenças. O assédio moral é portanto uma violência provocada e dirigida a uma específica pessoa, devendo ser considerada uma conduta persecutória, reiterada e prolongada, de desgaste da resistência física e psíquica do/a trabalhador/a, o qual tem como fator originário a própria discriminação (levada a cabo por alguma das razões acima invocadas).
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O assédio sexual é uma variante do assédio moral. O Relatório da Agência para os Direitos Fundamentais da União Europeia revela que uma, em cada três mulheres da União Europeia, foi ou será vítima de, pelo menos, um episódio de abuso sexual, físico ou psicológico. Também num estudo internacional, em que se efetuaram 1000 entrevistas a jornalistas do sexo feminino, de diferentes órgãos de comunicação, em todo o mundo, se pode verificar que dois terços das mulheres jornalistas inquiridas tinham sido vítimas de violência, alvo de insultos ou ameaças de morte, muitas vezes perpetrados pelos seus patrões e, na maioria dos casos, no local de trabalho. Verificou-se ainda que mais de um quinto das inquiridas sofreu violência física, relacionada com o seu trabalho, e quase 15% foi alvo de violência sexual21. De facto, pode considerar-se que o assédio moral e sexual no trabalho é também um problema de género, na medida em que afeta as mulheres em razão do sexo. A Resolução do Parlamento Europeu n.º A5- 0283/2001 [2001/2339 (INI)] aponta o assédio moral como um problema muito sério, estimando que atingirá 1,8% dos trabalhadores da União Europeia. No ano 2007, foi elaborado um estudo sobre o setor da banca portuguesa, que aponta para percentagens muito elevadas de assédio moral. Cerca de 39,8% pessoas eram frequentemente assediadas, principalmente mulheres22. As consequências deste tipo de assédio são devastadoras: nove em cada dez vítimas apresentam stress pós- traumático, com sofrimento e grande agitação neurovegetativa. Apesar do assédio moral estar a suscitar, nos últimos anos, grande preocupação, enquanto fenómeno social, e de existirem mecanismos de defesa no ordenamento jurídico contra atos vistos juridicamente de forma isolada, não podemos considerá-los como suficientes para acautelar devidamente a defesa destas vítimas. Há que entender que este tipo de atividade criminosa configura especificidades que a lei tem de começar a reconhecer, nomeadamente ao nível penalista, onde este tipo legal de crime nem sequer existe. Por outro lado, os tribunais decidem pouco sobre o fenómeno, isto é, existem poucas decisões judiciais sobre esta matéria, o que significa que poucas vítimas recorrem à via judicial, apesar da existência de inúmeros casos de assédio moral e sexual no trabalho. Este facto indicia claramente que os direitos destas vítimas não estão a ser salvaguardados e vem demonstrar a necessidade de atuação a este nível, no plano legal. 21 Relatório final de projeto da Fundação Internacional para as Mulheres nos Media (Washington) e do Instituto Internacional para a Segurança dos Media (Londres), denominado “Violência e assédio contra as mulheres nos órgãos de informação: uma imagem global” (Jornal “Público”, 12/03/2014) 22 Paulo Pereira de Almeida “Assédio Moral no Trabalho – resultados de um estudo”, in Revista “Dirigir”, abril/junho de 2007
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É verdade que o próprio Código do Trabalho proíbe o assédio e prevê sanções para a sua prática. O Código do Trabalho também não fica indiferente aos casos de reincidência e de particular gravidade dos efeitos da violação, o mesmo se verificando no Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas que considera discriminação o assédio que é cometido, tanto contra um/a candidato/a a emprego, como a um/a trabalhador/a. Contudo, não existe um tipo legal de crime específico para estas situações de assédio moral e/ou sexual no trabalho que esbarram com uma enorme dificuldade de prova, sempre da responsabilidade do/a trabalhador/a assediado/a. A Convenção de Istambul, que entrou em vigor a 01 de agosto, vai obrigar a que a legislação portuguesa seja adaptada à realidade social, por forma a assegurar a criminalização da conduta de quem, intencionalmente, lesar gravemente a integridade psicológica de uma pessoa por meio de coação ou ameaça (artigo 33º), bem como quem, intencionalmente, ameaçar repetidamente outra pessoa, levando-a a temer pela sua segurança (artigo 34º). Refere também a Convenção Istambul que os Estados deverão adotar (artigo 40º) as medidas legislativas, ou outras, que se revelem necessárias para assegurar que, qualquer tipo de comportamento indesejado de natureza sexual, sob a forma verbal, não-verbal ou física, com o intuito ou o efeito de violar a dignidade de uma pessoa, em particular quando cria um ambiente intimidatório, hostil, degradante, humilhante ou ofensivo, seja passível de sanções penais ou outras sanções legais, sendo que este último artigo comporta mesmo a epígrafe assédio sexual. Adotar um tipo legal de crime de assédio moral e de assédio sexual no local de trabalho parece-nos condição sine qua non para uma boa defesa das vítimas e para a efetiva condenação dos que assediam no local de trabalho. O MDM tem procurado conhecer e debater esta problemática do assédio moral no local de trabalho, cuja extensão está longe de ser conhecida, exigindo a adequação da legislação portuguesa para uma maior defesa das vítimas e punição dos agressores. Enfatizamos, também aqui, a necessidade crescente de unirmos esforços na luta pela defesa da dignidade das mulheres trabalhadoras e da solidariedade de todas neste combate.
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Na continuação das políticas dos últimos governos assistiu-se à privatização de serviços públicos com a consequente degradação da administração pública e dos serviços públicos que afetou a vida de todos os trabalhadores e, particularmente das mulheres. A redução do valor e condições de aposentação, dos diferentes abonos, do subsídio de desemprego, e de outras transferências sociais, e a degradação da escola pública e do Serviço Nacional de Saúde são, entre outras, consequências do ataque à administração e serviços públicos.
4.1.
Os efeitos na saúde das mulheres e no SNS
A despesa pública em saúde foi em Portugal, em 2012, inferior à média dos países da OCDE, cobrindo apenas 65% do total da despesa em saúde, contra os 72,3% da média da OCDE, e traduzindo-se numa menor mobilização das receitas públicas para este domínio de intervenção do Estado, que em Portugal correspondia, naquele ano, a 6,1% do PIB contra os 6,7% da OCDE. A diminuição da comparticipação pública das despesas em saúde, que se vem registando, tem como contrapartida o aumento da despesa das populações. Temos vindo a assistir a uma crescente onda de privatização de hospitais e serviços de saúde. Em 2012, existiam 214 hospitais em Portugal. Destes, 104 eram privados e 110 tutelados pelo Estado, dos quais 103 hospitais de acesso universal, e 7 hospitais militares ou prisionais. O número de camas nos hospitais públicos tem decrescido e aumentado nos privados. Segundo o Relatório do Observatório Português do Sistema de Saúde (primavera 2014), a crise teve efeitos negativos na saúde, no acesso a medicamentos, no aumento das doenças respiratórias ou complicações da diabetes. Face a uma crise económica associada a duras medidas de austeridade, as boas práticas de saúde pública recomendam que se antecipe e previna, o mais cedo possível, os seus efeitos sobre o bem-estar da população, em alinhamento com o constante nos tratados europeus. Só dessa forma é possível monitorizar, intervir e negociar, no sentido de mitigar os impactos da austeridade excessiva. Os efeitos mais imediatos descritos na literatura internacional de saúde pública apontam consequências no equilíbrio emocional: ansiedade, depressão, perda de autoestima, desespero até à tentativa de suicídio, entre outros, que estão principalmente associadas ao desemprego ou ao medo de perder o emprego, ao endividamento e ao empobrecimento repentino. E Portugal não é exceção. Somos diariamente confrontados com relatos de dificuldades e sofrimento dos cidadãos, potenciados pela diminuição dos fatores de coesão social e por uma considerável descrença em relação ao presente e ao futuro, com todas as consequências que estas situações têm na saúde. Contudo, apesar das recomendações tanto o governo português como a UE procuram esconder essa realidade. Na verdade, por conta da crise, um terço dos idosos fizeram
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cortes nas despesas com a saúde: em consultas, na compra de óculos, de aparelhos auditivos e de medicamentos. Entre 2012 e 2013, houve um aumento de 23% dos idosos em risco. O MDM continua a pugnar pela defesa dos serviços públicos de saúde, tendo em conta os seus benefícios para o bem-estar da sociedade em geral e para promoção da saúde das mulheres em particular, nomeadamente da saúde sexual e reprodutiva, que, apesar das dificuldades, continuam a utilizar o SNS e manifestam confiança nos hospitais públicos e maternidades. Sabe-se que há uma interdependência dos comportamentos demográficos com a situação económica e social das populações que, por sua vez, são influenciadas por fatores políticos, de desenvolvimento tecnológico e cientifico e também por costumes e hábitos. Uma verdadeira política que vise o aumento da natalidade tem que necessariamente ter em conta a elevação do nível de vida dos casais em idade fértil a par da sua estabilidade no emprego. A degradação das condições de vida, a precariedade e a instabilidade laboral, com o desemprego sempre iminente, a que se associam as alterações que se têm produzido ao longo da última década, no que diz respeito ao nível de escolaridade, à inserção profissional e à consolidação de novos paradigmas de conjugalidade e parentalidade23, têm-se refletido no adiamento do casamento e da maternidade, bem como na redução do número de filhos, quando não renúncia a ter filhos, não por vontade das mulheres, mas em função da situação das famílias. Há, contudo, quem procure culpabilizar ou responsabilizar as mulheres pela quebra da natalidade, como se fosse uma mera questão egoísta ou hedonista. As difíceis condições de vida, os baixos salários, o desemprego e a emigração, sobretudo dos jovens, reduzem o número de filhos e colocam Portugal com as mais baixas taxas de natalidade do mundo, sendo a mais baixa da União Europeia. Em Portugal, em 2013, nasceram apenas 7,9 crianças por cada mil habitantes, uma redução de 1,7 nascimentos relativamente a 2010. No mesmo ano, as mulheres portuguesas tiveram, em média, 1,21 filhos, enquanto, em 2010, esse número tinha sido de 1,3924. As mulheres são mães cada vez mais tarde (em 2013, a média de idade da mãe ao primeiro filho era de 29,7 anos)25. Entre 2000 e 2013, a idade das mulheres aquando do primeiro filho aumentou 3,2 anos, num processo de adiamento contínuo da maternidade, com consequências na incapacidade de substituição geracional e na sustentabilidade da Segurança Social.
23 INE 24 Pordata 25 Pordata
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A privatização dos serviços e a sua repercussão na qualidade de vida das mulheres
4.2. Os efeitos na educação e na escola pública A despesa pública em educação tem vindo a diminuir em Portugal. O Orçamento de Estado para 2015 prevê um corte de 700 milhões de euros em educação, com algumas benesses para favorecer o setor privado da educação. Entre 2010 e 2011, a despesa pública em educação registou uma diminuição de cerca de 6%, tendo mobilizado, em 2011, cerca de 5,1% do PIB, abaixo dos valores médios registados na EU (21) de 5,3%. Diminuição que persistiu em 2012, 2013 e 2014 com fortíssimos impactos na educação pré- escolar, no ensino básico, secundário, superior e na investigação. Simultaneamente, Portugal é um dos países da OCDE que menos gasta, em média, por aluno a frequentar o ensino público26. O Governo quer destruir a Escola Pública, seja através do encerramento de escolas do 1º ciclo e de jardins de infância, afastando das povoações as suas escolas e as suas crianças, seja através de fortes cortes orçamentais, redução drástica de recursos humanos fundamentais (professores/as e demais funcionários das escolas), criação de mega agrupamentos que desumanizam e desorganizam pedagogicamente os espaços de aprendizagem, empobrecimento do currículo escolar, estreitando aprendizagens, reduzindo competências, eliminando disciplinas, orientadas para o saber fazer e para a formação pessoal e social dos jovens. Na sua política de destruição da escola pública, conta-se ainda com gravidade a desvalorização dos professores e a instabilidade e precariedade gerada nas famílias dos mesmos. Todas estas medidas de cariz meramente economicista, tiveram como objetivo fazer grandes cortes nas despesas, e justificar medidas de desresponsabilização do Estado, como é o caso das novas transferências de competências do Estado para as autarquias, ou o aumento das verbas dos contratos de associação com os privados. Consideramos que nada pode substituir a Escola Pública, porque ela garante uma efetiva igualdade de oportunidades, esforça-se por ser inclusiva, aberta a todos, sem distinção da condição económica, social, cultural, de sexo, de raça, ou de qualquer necessidade educativa especial. À Escola Pública se deve uma extraordinária obra nestes últimos 40 anos, como: a quase erradicação do analfabetismo; a universalização da oferta de educação préescolar; o alargamento da escolaridade obrigatória; a criação de espaços de inclusão, para que todos/as possam aprender; a redução do abandono e insucesso escolar; o acesso ao ensino superior dos jovens filhos de trabalhadores onde as jovens raparigas se distinguem com elevadas qualificações e cujo sucesso educativo se distingue em todos os graus de ensino. À escola pública se deve uma importante valorização das mulheres.
26 OCDE; Education at a glance; 2014
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4.3. O acesso e sucesso das mulheres na educação Uma das grandes conquistas do 25 de Abril, com enormes repercussões na vida das mulheres, foi o direito à educação em igualdade. Dando corpo a esta conquista, foramse realizando importantes progressos. Elas são hoje 60% dos diplomados, apesar da sua distribuição pelas várias áreas do saber continuar a manifestar diferenças. Enquanto 79% são da área da Saúde e Proteção Social, somente 31% são das áreas da Engenharia, Indústrias Transformadoras e Construção27. Em 2010, 62% dos doutoramentos conferidos em Portugal (1816/2927) foram atribuídos a mulheres! No entanto, é bem conhecida a desproporção entre o número de mulheres no corpo docente e nos postos de comando em instituições de ensino superior. O relatório aponta ainda para uma percentagem de 44% para as mulheres com funções docentes no ensino terciário; mas mais significativa ainda é a desproporção conhecida entre a percentagem de mulheres doutoradas nos corpos docentes das instituições de ensino superior (41,5%) quando comparado com a correspondente percentagem de homens doutorados nessas instituições (58,5%). E a participação das mulheres vai diminuindo à medida que a hierarquia avança. A percentagem de mulheres na categoria de professor catedrático nas universidades públicas é apenas de 22,3%28. Se o sistema educativo permitiu o reconhecimento público das qualidades das raparigas, esta igualdade, ou mesmo superioridade no sucesso escolar, não tem correspondência a outros níveis de participação na vida social, na vida económica, no mundo do trabalho, na esfera pública e política, como evidenciam os maiores níveis de desemprego das mulheres com ensino superior, maior que o desemprego dos homens com o mesmo nível habilitacional, e o respetivo aumento, igualmente superior entre as mulheres.
4.4. A escola reprodutora de um modelo social ou promotora de mudanças A escola portuguesa mantém-se, salvo raras exceções, permeável a códigos culturais e comportamentais, de modelos de identificação femininos e masculinos tradicionais. Poucas têm sido as alterações aos conteúdos programáticos, aos manuais escolares e outros instrumentos pedagógicos e didáticos, à linguagem utilizada, à regulação de comportamentos, à orientação vocacional de rapazes e raparigas. As políticas educativas, que hoje estão a ser aplicadas no nosso País, não são promotoras de igualdade em todos os aspetos, nomeadamente no ponto de vista social. É o que evidencia o estudo realizado pela OCDE, a partir dos resultados do PISA 2012, que revelam a persistência de um vetor de desigualdade e de assimetria muito forte, bem como a constatação de que as escolas têm dificuldades em trabalhar com crianças que provêm de famílias com níveis escolares muito baixos ou situações sociais e económicas desfavorecidas, o que “acentua as consequências de uma fratura geracional evidente 27 Dados da DGEEC/MEC, 2012 28 http://www.scientificamerican.com/article/how-nations-fare-in-phds-by-sex-interactive/ - How Nations fare in PhDs by sex
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para as cerca de 1,5 milhões de pessoas que não têm mais do que o primeiro ciclo”29. Na verdade, as alterações introduzidas nos currículos escolares pelo atual governo, vieram ainda dificultar mais a prática de uma educação para a igualdade, a todos os níveis, do social ao cultural. A diminuição de créditos horários para as escolas poderem gerir a aplicação de programas de educação para a saúde e cidadania, a sobreposição da teoria à prática, dos resultados quantitativos à qualidade das aprendizagens são, entre outros, graves entraves à formação integral das crianças e jovens, nomeadamente no que respeita à igualdade entre rapazes e raparigas. A Escola tem de transformar-se, não só num espaço de aprendizagens que valorize a pessoa, independentemente da classe social e do sexo, mas também, e sobretudo, num espaço de práticas de cidadania, em que a inclusão e a paridade sejam consideradas como valores fundamentais. O MDM considera igualmente que se deve caminhar no sentido da escola promotora de saúde, que poderá ser definida como a interação dinâmica entre o ensino e a saúde, com vista a uma educação para o bem- estar, valorizando o currículo escolar e a comunidade onde a escola se insere, com os costumes, a cultura e as tradições, o interesse pelas relações humanas e a dignidade como elementos suscetíveis de consolidar e completar o ensino recebido na aula e, ao mesmo tempo, aproveitando o que todos aprendem no seu ambiente familiar e social. A Escola, promotora de saúde, tem por finalidade promover a coordenação destas três possibilidades de educação, de maneira a tirar um proveito máximo e evidenciar todas as suas influências sobre um objetivo que é o de privilegiar a saúde dos alunos e dos professores. Nas condições de trabalho e instabilidade em que os professores/as estão a ser obrigados a viver cada ano letivo, com o desgaste psicológico do seu trabalho, a despromoção social e a desqualificação a que têm sido sujeitos, são muitos os que têm depressões e outras doenças psiquiátricas. A sua luta de hoje pelo orgulho de ser professor corresponde a um clamoroso grito contra a indignidade com que se sentem ultrajados.
4.5. A participação das mulheres na vida politica e centros de decisão A participação política das mulheres na vida política nacional assume um papel insubstituível no tomar nas suas mãos a defesa dos caminhos que melhor defendem as suas aspirações e direitos mas também os interesses do País. O reforço da participação política da grande maioria das mulheres portuguesa é uma componente indissociável do aprofundamento da democracia em Portugal.
29 Fátima Araújo, Instituto de Educação da Universidade do Minho (Sistema de ensino português não consegue reduzir assimetrias sociais, Público, 19/02/2014).
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O MDM, desde a sua criação em 1968 e na ação desenvolvida nos diversos contextos económicos, sociais e políticos, tem dado sempre uma grande atenção a esta dimensão da participação das mulheres como construtoras e sujeitos ativos da vida política nacional. No contexto de depressão económica, desemprego, subemprego, perda de salários e pensões e do sofrimento em que vive a maioria das mulheres trabalhadoras, desempregadas ou reformadas, muitas mulheres (e homens) estão desalentados e desistem mesmo de exercer o direito de voto. Exercer o direito de voto é afirmar uma opção, recusar a inevitabilidade do retrocesso, encontrar saídas e soluções, sabendo que em democracia há sempre alternativas. Uma importante dimensão dessa participação expressa-se no direito ao voto e no seu exercício por parte das mulheres portuguesas. Um direito que deve ser exercido nas diversas eleições para o poder local, para a eleição dos deputados e deputadas na Assembleia da República e no Parlamento Europeu, bem como nas escolhas para Presidente da República. O MDM destaca a importância de se elevar a reflexão de setores de mulheres que consideram que o uso da abstenção é uma forma de protesto e de tomada de posição. Tendo inteira legitimidade para assim o fazer, importa, contudo, demonstrar que a abstenção significa deixar nas mãos dos outros as decisões que influem na vida de todos. O MDM considera absolutamente essencial que as mulheres portuguesas exercem o seu direito de voto, não só porque foi tão arduamente conquistado pelas mulheres portuguesas (que só a ele tiveram pleno direito após o 25 de Abril) mas também porque o voto das mulheres, exercido de forma informada e esclarecida e orientado para sinalizar o seu descontentamento perante propostas não cumpridas, serve igualmente para dar força a escolhas politicas que melhor se enquadrem na concretização dos seus anseios a uma vida melhor, por um País mais justo e igualitário. O exercício do direito ao voto deverá ser associado a uma participação política no intervalo dos processos eleitorais, como expressão do o direito de fiscalização e de opinião face às tomadas de decisão dos órgãos resultantes dos atos eleitorais. No contexto atual, marcado pelo retrocesso social e nos direitos das mulheres, o reforço da participação política das mulheres nas suas diversas expressões é fundamental. O MDM considera fundamental que as mulheres se assumam como sujeitos ativos na rejeição do “discurso único” em torno da inevitabilidade dos caminhos de retrocessos, que estão a ser impostos ao País e que conduzem a uma inaceitável desvalorização da política, sendo certo que em democracia há sempre soluções e alternativas. O reforço da participação politica das mulheres exercendo o seu direito de voto, mas
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igualmente o seu direito de fiscalização das politicas que são realizadas no intervalo das eleições, é decisivo para combater a desvalorização da politica, para exigir que, ao contrário, ela tenha uma profunda ligação com a vida das mulheres e das suas famílias e garanta uma organização da vida em sociedade que nos seus diversos domínios seja alicerçada na justiça social, na igualdade de direitos e na participação. Associada à participação política, o MDM valoriza e defende uma forte participação das mulheres no plano social, designadamente nas suas expressões organizadas onde se inclui a organização das mulheres no Movimento Democrático de Mulheres, cujo projeto de intervenção se alicerça no objetivo de transformação da condição da mulher e da sua emancipação social.
4.6.
As mulheres e os órgãos de poder
O MDM desde sempre interveio junto dos partidos políticos e dos órgãos de poder visando a garantia de reforço da presença de mulheres nas listas pelas diversas forças políticas e nos órgãos de poder politico de forma a garantir: * A concretização de políticas de emprego e políticas sociais para as mulheres e suas famílias; * Uma política que respeite a participação e o envolvimento cívico e politico das cidadãs e dos cidadãos nas comunidades, nas coletividades e associações; nomeadamente, assegure o desenvolvimento económico, o planeamento urbano, a prossecução das ações sociais e culturais, a repartição dos recursos por todas as gerações e por todas as camadas da população; * A defesa dos serviços públicos, nomeadamente nos transportes, na criação de infraestruturas desportivas e de lazer, na organização urbanística com espaço para as suas atividades e na promoção de um ambiente saudável e seguro, que respondam globalmente às necessidades e interesses das mulheres e das populações; * O reforço do reconhecimento das especificidades da vida das mulheres e que lhes garantam satisfação e bem-estar.
Escolher é um importante exercício de cidadania que dá força à política que melhor nos serve! Regista-se com agrado o aumento progressivo do número de deputadas na Assembleia da República desde 1976, embora a ritmos evidentemente lentos. Refira-se contudo que o número de mulheres com assento na Assembleia da República diminuiu entre as duas últimas eleições (-3%), fazendo diminuir a percentagem das mulheres deputadas para 26,5%, contra os 27,4% em 2009, inferior aos 33% que se afirmava como objetivo da Lei da Paridade.
4.7. O poder local como escola de participação e de afirmação das mulheres A democracia local e regional deve permitir que sejam efetuadas as escolhas que melhor se adeqúem aos aspetos mais concretos da vida quotidiana como a habitação, a segurança,
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A privatização dos serviços e a sua repercussão na qualidade de vida das mulheres
os transportes públicos, o mundo do trabalho ou a saúde (…) in Carta Europeia para a igualdade das mulheres e dos homens na vida local, elaborada e promovida pelo Conselho dos municípios e regiões da Europa. O MDM desenvolveu um conjunto de iniciativas de reflexão sobre a importância da participação das mulheres nas autarquias, na governação local e nos centros de decisão. O poder local é uma fonte do exercício de direitos, terreno de participação e intervenção na polis, espaço de visibilidade social, escola de cidadania e reflexão, uma autoestrada infinita para a igualdade entre mulheres e homens. O poder local constitui-se como estímulo à luta emancipadora das mulheres, um fator de sedimentação do património cultural e identitário das mulheres, uma possibilidade sem limites à participação cívica, cultural, económica e artística das mulheres. O poder local é um espaço de afirmação das mulheres, dos valores femininos, das suas culturas historicamente vividas e elaboradas. É um espaço construído com a pluralidade dos gestos de tantas mulheres (e homens) dedicadas ao mundo do trabalho, à arte, à intervenção política e exercício de poder, na cidade e no campo - no urbano e no rural. O poder local é igualmente um espaço para a denúncia e o protesto pela persistente segregação e apagamento das mulheres em muitos segmentos da vida e muito particularmente na esfera pública e política. A política de austeridade contida no Memorando assinado pelo PSD, CDS e PS com a “troika” foi (e continua a ser) uma constante agressão aos direitos que se foram conquistando no trabalho, na vida associativa e politica do Portugal de Abril. A extinção das freguesias imposta pelo Governo, reduziu o número de candidatos e candidatas e, em consequência disso, o número de mulheres a serem eleitas no poder local, o que ocorreu já nas últimas eleições autárquicas. Tendo em conta que as assembleias de freguesia são os órgãos autárquicos com maior participação feminina, hoje temos uma quebra substantiva do número de mulheres eleitas, da participação política e de influência das mulheres nos centros de decisão, que o MDM não pode deixar de contestar. Nos municípios, por seu lado, não se registaram, em 2013, alterações significativas. Se, em resultado das eleições autárquicas de 2009, 8% das presidências das câmaras municipais e 10% das presidências de assembleias municipais eram exercidas por mulheres, em 2013, essa influência manteve-se em níveis claramente irrisórios.
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A actividade do MDM e os projetos desenvolvidos
Capítulo 5
A actividade do MDM e os projetos desenvolvidos
Como é possível registar no Relatório apresentado ao Congresso, a atividade do MDM no período de 2010 a 2014 foi muito diversificada quanto a temáticas que preocupam as mulheres, no seu dia a dia, em diversas zonas do País. Uma atividade alicerçada na autonomia de avaliação e decisão das ativistas nas diversas zonas do País e dos órgãos de direção do Movimento. Importa destacar a decisão da direção em conjugação com os seus diversos núcleos, para a elaboração de diversas candidaturas do Movimento no âmbito do POPH. As diversas candidaturas realizadas e o importante trabalho que lhes deu corpo mostrou a elevada capacidade da organização em responder a um conjunto de requisitos, em muitos casos desproporcionados, cumprindo inteiramente os objetivos propostos nessas candidaturas, mas igualmente prestigiando o Movimento pela qualidade das ações realizadas e pelo contributo específico que deu e acrescentou às problemáticas propostas. Mas o MDM apresentou ainda candidaturas junto de autarquias como foi o caso do Projeto Igualdade não tem idade e Lisboa Cidade Aberta, na Cidade de Lisboa, ou a candidatura ao Prémio Maria Veleda instituído pela Direção Regional da Cultura do Algarve, com o importante currículo em prol da igualdade e da cidadania da nossa querida amiga Margarida Tengarrinha, ou a candidatura à Assembleia da Republica, em 2013, da atribuição das Honras de Panteão Nacional a Maria Lamas. Sobre a proposta de Maria Lamas ao Panteão Nacional, decorre este processo com as suas tramitações dentro da AR e, para isso, contamos com toda a organização do MDM para se envolver ainda mais, dando jus ao nosso grande desígnio de fazer com o que o Panteão seja a casa de uma mulher que foi a mais insigne defensora dos direitos das mulheres, nossa Presidente Honorária, figura determinada na luta pela organização das mulheres, tendo sido presidente em 1947 do CNMP, mandado encerrar pelo Governo fascista, e propulsora da ideia da criação do MDM duas décadas mais tarde. Financiados pelo POPH, nos anos de 2008 - 2011 decorreram vários projetos com temáticas e abordagens diversas. Em Évora sobre a Saúde da Mulher - Construir a Igualdade, no Grande Porto sobre questões do Trabalho - Uma vida de trabalhos? Trajetórias profissionais e participação das mulheres. Em 2010/2012 decorreu um projeto, no distrito de Braga, Ao encontro das Mulheres de Braga: do pessoal ao Mediático. No período de 2011-2013 decorreu na Península de Setúbal, o projeto A Governação Local no Feminino, e no mesmo período em Lisboa e Algarve, dois projetos sobre o Tráfico de Seres Humanos: Tráfico de Mulheres – Romper Silêncios. Foram projetos muito direcionados para a luta pelos direitos das mulheres, para a prevenção e sensibilização da violência contra as mulheres e contra o tráfico de seres humanos em camadas juvenis e imigrantes, com uma vertente de discussão e informação sobre a prostituição e o tráfico sexual. Já no ano 2013/2014, se desenvolveu o projeto Sensibilizar e Prevenir Desigualdades: Agir na Minha Escola, que se implementou na Região Porto, o projeto - Viver Direitos / Vencer Violências – da Escola ao Espaço Público, na região de Aveiro, e um outro, Criar
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Capítulo 5
A actividade do MDM e os projetos desenvolvidos
Mundos de Igualdade, agir e convergir para mudar, na Região Évora e Alentejo Litoral. Da análise que fomos fazendo, concluímos que estes 4 anos corresponderam a um período muito fecundo e de grande atividade do MDM, e em que foi possível contar com a colaboração muito empenhada de várias jovens, muito qualificadas e arrojadas, que deram um grande contributo a todas as atividades do MDM, a nível regional e nacional. Dando ênfase à mobilização, estudo e aprofundamento das temáticas em causa, foi possível e gratificante inserir muitas mulheres nas atividades realizadas, mobilizar organizações e entidades locais, autarcas, sindicatos, jovens e professoras de escolas e universidades, bem como a comunidade em geral, para intervir com o MDM. As equipas dos projetos e os núcleos criaram empatias com as comunidades locais, suas organizações e instituições, geraram-se redes de parceria e sedimentaram-se relações, de grande importância para o desenvolvimento da nossa atividade futura. As parcerias com as mais variadas organizações e o seu funcionamento em rede revelaram-se uma estratégia de grande importância no desenvolvimento do trabalho, na formação de opinião e de comunicação do MDM. O diálogo, a reflexão, a criação de opinião com os demais agentes em interligação - escolas, universidades, famílias, autarquias (Câmaras e Juntas de Freguesia), Bibliotecas Municipais, Casas de Juventude, Polícia de Segurança Pública, IPDJ (Instituto Português do Desporto e Juventude) e várias ONG - foram importantes veículos de disseminação de referenciais de informação junto dos jovens e do público em geral, não apenas por prestarem o seu contributo, colaborando na concretização de exposições e de materiais formativos, mas também enquanto parceiros de debate. Os diferentes projetos revestiram-se de enorme importância. Permitiram que o MDM interviesse junto de muitos jovens alertando e sensibilizando para as discriminações e violências, estimulando o debate e a reflexão para o seu papel na luta pela dignificação das mulheres, contribuindo para a afirmação da igualdade de direitos e oportunidades entre homens e mulheres. Pela importância que o MDM confere à investigação e ao conhecimento, desenvolveuse o estudo sobre as perceções dos jovens face à violência no namoro e procuraramse metodologias de intervenção adequadas. Podemos, assim, afirmar que o MDM contribuiu para que muitos jovens fossem informados, esclarecidos e sensibilizados para a vivência de relacionamentos íntimos equilibrados. Com o intuito de promover uma cultura assente na igualdade de direitos e oportunidades entre homens e mulheres, estimulámos a criatividade e a liberdade de expressão, através da escrita, da conceção multimédia e da representação cénica. As atividades dirigidas aos jovens conferiram- lhes protagonismo, pela participação em jogos pedagógicos, pelo envolvimento com performances teatrais e através da construção de materiais pedagógicos, informativos e interativos. A atividade do MDM desenvolveu-se para além dos Projetos em muitas áreas e dimensões como se atesta no relatório de atividades submetido ao congresso.
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A situação das mulheres no Mundo
Capítulo 6
A situação das mulheres no Mundo
6.1. A situação das mulheres no mundo e os perigos emergentes No tempo em que decorre este 9º Congresso, a situação na Europa é muito preocupante, marcada pelo avanço eleitoral das forças do nazi-fascismo, em vários países da União Europeia, e por guerras perigosas na Ucrânia, levadas a cabo por forças fascistas que, à margem dos tratados internacionais, destroem instituições e governos democraticamente eleitos, abrem caminhos para intervenções da NATO em regiões do leste europeu, violando os princípios de dissuasão militar negociados e estabelecidos no seio do Conselho de Segurança das Nações Unidas, nomeadamente junto das fronteiras com a Rússia e países do Médio Oriente. Em África, são evidentes algumas melhorias quanto à participação das mulheres no exercício de cargos de poder em alguns países, bem como nas suas condições de vida, educação e saúde, mas crescem as preocupações com o aumento da violência e da guerra (Republica Centro Africana, Republica Democrática do Congo, Rwanda, Somália, Sudão do Sul, Darfur, Egito, Líbia, Republica Saharaui, no Sahara Ocidental) em países onde as mulheres não têm sossego, onde reina a instabilidade, onde não existem liberdades constitucionais. A grande maioria destes países está sob o efeito de guerras fratricidas e ocupações estrangeiras, sem fim à vista, alastrando a FOME e a destruição. As mulheres Saharauis e o povo Saharaui prosseguem a sua luta contra a colonização exercida pelo Reino de Marrocos, tanto nos acampamentos de refugiados como nas zonas ocupadas, pela libertação e autodeterminação do país. Procuram sensibilizar as Nações Unidas e os países do Conselho de Segurança, para promover o referendo que permita a expressão do povo. Prossegue a luta e a denúncia da ocupação ilegal do Sahara Ocidental por parte de Marrocos, assim como o espólio de recursos naturais por parte da potência ocupante. Na América latina, o imperialismo procura claramente intervir nos processos progressistas de vários países, com bloqueios económicos, instalação de bases militares americanas voltadas para esses territórios, com introdução de guerras diplomáticas e mercenárias de guerrilha, entre outras formas de intromissão nas políticas desses países. As mulheres desenvolvem lutas de apoio à revolução cubana, contra o bloqueio e pela libertação dos seus 5 heróis presos injustamente “como terroristas” nos EUA. Solidarizam-se com os países da revolução bolivariana, onde a oposição interna, que os media propagam numa campanha mediática sem precedentes, mascara a intervenção do imperialismo. Solidarizam-se com os povos indígenas da amazónia equatoriana, pela concretização do diálogo de paz na Colômbia. Na Asia, as mulheres do Vietnam lutam ainda contra os efeitos do colonialismo e das guerras de independência contra os EUA. Em Portugal, na Grécia, em Espanha, na Itália, na Grã-Bretanha, Chipre e por toda a Europa persistem as discriminações contra as mulheres e as desigualdades sociais.
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Capítulo 6
A situação das mulheres no Mundo
As violações sexuais e a violência doméstica, a pobreza feminina, o tráfico de mulheres e crianças e a prostituição aumentam, em consequências do empobrecimento das famílias, da precariedade e do desemprego, bem como das desigualdades e profundas assimetrias na distribuição da riqueza. Os povos árabes lutam pelo seu direito de libertação nacional, independência, liberdade e justiça social, contra a ofensiva imperialista – sionista – reacionária – “taqfirista”, que sacode toda a região, particularmente a Síria, Líbano, Iraque, Bahrein entre outros, sendo a sua luta central a causa da Palestina e o direito inalienável do povo palestino em construir o seu estado independente, na sua terra (direito reconhecido internacionalmente), um Estado com a sua capital em Jerusalém, fazendo cumprir as recomendações e resoluções da ONU, particularmente a 194, relacionada com o direito dos refugiados na diáspora voltarem à sua terra. A luta das mulheres da Palestina está entrelaçada com a luta das mulheres árabes contra o sionismo e a guerra que o estado de Israel instiga em toda a região, martirizando mulheres e crianças com a destruição, a morte e as prisões ao mesmo tempo que, numa desproporção de meios e de efeitos (conte-se o número de mortos, de um lado e de outro), Israel sufoca o mundo com a hipocrisia e a demagogia de se defender de ataques palestinos. Em todas as partes do mundo se torna imprescindível a integração e desenvolvimento das organizações de mulheres como parte integrante dos movimentos sociais, força mobilizadora contra a militarização e o uso de armas que o imperialismo emprega, sejam armas ideológicas, informáticas, económicas, ambientais ou sociais. No plano internacional, a luta pela paz e a liberdade das mulheres é um dever que nos cabe desenvolver, em conjugação com as demais organizações internacionais e nacionais filiadas ou não na FDIM, bem como tudo fazer para evitar os perigos de ver deflagrar uma terceira guerra mundial, na qual as mulheres seriam mais uma vez as principais vítimas. O MDM está confiante na grande força coletiva de mulheres que, com a sua voz, a sua mobilização e entusiasmo, continua a defender um mundo mais justo e de igualdade para todas.
6.2. MDM e a FDIM O MDM integra a direção da FDIM (Federação Democrática Internacional de Mulheres) e desenvolve a sua ação internacional prioritariamente nesse quadro, sob a égide das grandes consignas mobilizadoras das mulheres no mundo, por direitos, pela igualdade, o desenvolvimento e a paz, objetivos indissociáveis e que se articulam proporcionando o bem-estar e a felicidade a que todas aspiram. A luta das mulheres e dos povos pela sua emancipação tem gerado conquistas e direitos sociais e políticos, de forma variável no tempo, e em função das forças políticas
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Capítulo 6
A situação das mulheres no Mundo
presentes no poder em cada momento histórico, em cada região ou país. Face à pulverização de organizações de mulheres a nível mundial, com propósitos parcelares (luta contra a violência, ou luta por lugares de poder, etc.), e à institucionalização pelos vários governos de órgãos próprios para os “direitos das mulheres”, e/ou a “igualdade de género”, foi- se perdendo a força insubstituível das organizações de mulheres, com voz una e indivisível nas instâncias da ONU (nomeadamente ONU Mulher e CEDAW) em defesa das mulheres com menos recursos e menos capacidade de deslocação, sujeitas a novas e velhas discriminações no trabalho e na sociedade, sujeitas a violências de guerra, incluindo as violações sexuais e a fome. Foi-se perdendo e desacreditando a organização das mulheres, através de vários processos e mecanismos, desde os media aos governos. A FDIM é uma força solidária que não aceita as tentativas do imperialismo americano de desestabilizar os países que têm governos soberanos, eleitos democraticamente pelos seus povos, e desenvolvem políticas em prol da eliminação da extrema pobreza, que muitos desses povos conheceram, e que hoje alcançaram avanços progressistas significativos. A FDIM deve ser reforçada para cumprir o seu papel histórico, revigorando um forte movimento de mulheres de denúncia das violações e violências, no quadro de uma extraordinária e perigosa ofensiva das forças conservadoras e de direita, concertadas para intervirem em todas as partes do mundo. O 70º aniversário da FDIM, que decorre no ano de 2015, será um momento áureo para alargar a sua influência e mostrar ao mundo a sua vigorosa determinação em travar os focos de guerra e lutar pela Paz. O MDM compromete-se a celebrar esse aniversário com uma iniciativa europeia que congregue as mulheres e suas organizações contra o nazi-fascismo e suas manifestações Europa dentro.
6.3. Solidariedade por um mundo mais justo e livre, com igualdade de direitos e desenvolvimento sustentável A solidariedade é uma relação comprometida com a luta das mulheres e dos povos pela autodeterminação e independência. Representa o mais nobre relacionamento humano, que demonstra a capacidade de entrega aos outros e radica numa história longa, com expressão da solidariedade entre as mulheres, uma história de luta abnegada de resistência ao fascismo e ao nazismo, de mulheres que estiveram nas prisões e nos campos de concentração nazistas, de mulheres que deram a vida pela sua independência contra o colonialismo e o apartheid. Somos solidárias com as mulheres heroicas que constroem, nos seus países, espaços de amizade, cultura, sonhos, erguem os seus países das ruínas, provocadas pelas bombas e minas, e com todas as que combatem a fome e a pobreza e todas as outras formas de opressão sobre os seus países, sujeitos às ameaças de ingerência e ao controle das forças do mundo capitalista e imperialista, que usam a guerra e a exploração, nas
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Capítulo 6
A situação das mulheres no Mundo
suas várias facetas, tentando impor o neocolonialismo, para melhor explorarem os recursos naturais desses países. O MDM manifesta a sua solidariedade para com as mulheres e suas organizações que, em vários países europeus, denunciam os resultados das políticas de austeridade impostas, que são medidas de agressão contra os direitos alcançados por uma luta secular dos trabalhadores e das trabalhadoras pelo direito ao emprego, à saúde e à educação, e preocupa-se com a emergência de forças fascistas no território europeu, de sistemas autoritários e repressivos, de movimentos social democratas e democratas cristãos que permitem a perversa associação entre o fascismo e o comunismo, para justificar a repressão e o silenciamento das forças progressistas, sejam movimentos ou partidos políticos. O MDM, considera que a situação depressiva que as mulheres vivem hoje, na Europa, é causada pela arrogância de governos que na Europa e no quadro da União Europeia (a 28) optam por políticas que estão ao serviço do grande capital financeiro, que aumenta a exploração das classes trabalhadoras e o empobrecimento das camadas que vivem do seu trabalho, acumulando a esmagadora parte da riqueza produzida, em detrimento da qualidade de vida das pessoas, pondo em causa os grandes desígnios da igualdade e da dignidade das mulheres.
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Reforรงar o MDM animar a luta pela dignidade e os direitos das mulheres
Capítulo 7
Reforçar o MDM, animar a luta pela dignidade e os direitos das mulheres
As mulheres são cerca de metade da população ativa, mais de metade da população habilitada com o ensino superior e são metade da população empregada com o ensino secundário e mais de metade dos empregados com o ensino superior. Nos serviços há 56% de mulheres, 36% na agricultura e 31% na indústria. A presença da mulher em carreiras científicas, em Portugal, é muito forte, contribuindo significativamente para o desenvolvimento científico e tecnológico do País. Entre os licenciados em áreas científicas, as mulheres são mais de metade e o mesmo sucede também em relação à formação especializada, pois há um número muito superior de mulheres com doutoramentos, em relação aos homens. Elas são a grande força na docência, na investigação, no desenvolvimento de projetos científicos, na criação de pequenas empresas inovadoras. O trabalho das mulheres é uma fonte de riqueza para o país e a promoção da mulher no mundo do trabalho é uma questão absolutamente fundamental para a sua emancipação, mas também para o desenvolvimento e progresso do País. Para sair da crise e da recessão em que vivemos há que promover as mulheres no trabalho, qualificando os postos que ocupam, valorizando os seus salários com justiça e respeito social. Importa continuar a avaliar as potencialidades dos nossos recursos, o desaproveitamento e mesmo desperdício que comporta a não valorização do trabalho feminino. Perceberemos como se trata de fatores que exponenciam as desigualdades na distribuição da riqueza, que vai sendo criada e gerada, mesmo em tempo de crise. O momento que atravessamos exige um MDM atuante e reforçado! O momento que atravessamos exige que o MDM continue a ser uma grande força social que contribua para alterar as políticas, denunciando, exercendo direitos, fazendo as propostas para o nosso tempo e para pôr fim às discriminações das mulheres na sua diversidade de idades e etnias, de orientação sexual, de camadas sociais, de profissões e qualificações diversas. O momento que atravessamos exige um MDM atuante na luta pela Paz e solidário com a luta das mulheres no Mundo pela sua dignidade e em defesa dos seus direitos. A experiência que temos da nossa longa caminhada, inserida nas diferentes fases da democracia, mostra que só com organização e associação é possível transformar também o espaço privado, que para muitas é ainda marcado por sinais inequívocos de opressão, intimamente ligados à condição da mulher como ser social e político, na sua globalidade. Para o MDM, a luta das mulheres pelos seus direitos como mulher, mãe, cidadã e trabalhadora é um fator decisivo, na luta geral pela emancipação das mulheres e da humanidade. Esse é o caminho que queremos aprofundar.
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Intervenções
9º Congresso MDM
{1º Painel} “Os direitos e a dignidade das mulheres conquistas de Abril, retrocessos e desafios”
Pelos direitos e dignidade das mulheres A urgência de lutar por Abril Regina Marques Setúbal
Estimadas convidadas e convidados.
Convidadas de organizações de mulheres e demais organizações sociais, culturais, partidárias Estimadas Convidadas de organizações estrangeiras filiadas na FDIM Queridas Amigas congressistas Para todos e todas uma saudação fraterna e calorosa, uma saudação de compromisso com a luta de todas e todos por um mundo livre da opressão, um mundo de justiça e de paz, onde sejam reconhecidos como questão intrínseca os direitos e a dignidade das mulheres.
Sei que seria possível construir o mundo justo As cidades poderiam ser claras e lavadas Pelo canto dos espaços e das fontes O céu o mar e a terra estão prontos A saciar a nossa fome do terrestre A terra onde estamos — se ninguém atraiçoasse — proporia Cada dia a cada um a liberdade e o reino (...) sei que seria possível construir a forma justa De uma cidade humana que fosse Fiel à perfeição do universo Com a alegria e o optimismo que gostaria que entendessem as nossas palavras li um poema de Sophia A Forma Justa Os documentos que apresentamos ao congresso – a proposta de Resolução e a Carta dos direitos da mulher são a expressão de um trabalho colectivo de discussão que se desenrolou durante alguns meses e que culmina nesta magna reunião. O 9º Congresso do MDM realiza-se no ano em que se comemoram os 40 anos da Revolução de Abril, que foi o maior impulso para a participação das mulheres, uma experiência impar no assumir de praticas revolucionárias e na consagração de direitos. Foram momentos inesquecíveis que deixaram na memória colectiva o mais significativo canto das mulheres pela sua libertação e pela transformação social e económica do país. Queridas Amigas Este Congresso realiza-se num momento particularmente difícil para as mulheres portuguesas e para o nosso País. Vivem-se tempos de acentuação das desigualdades, das injustiças sociais e do
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aumento galopante da pobreza. Tempos de retrocesso social em que vastas camadas de mulheres perdem direitos e qualidade de vida. A sua participação em diversos domínios está cada vez mais distante da igualdade a que têm direito. Desde a realização do 8ª Congresso do MDM, em 2010, que se regista uma espiral de agravamento na situação das mulheres em diversos domínios com novos e mais graves desenvolvimentos gerados particularmente pelas políticas da troika e da austeridade. Vivemos um tempo particularmente incerto para as mulheres jovens. E esse tempo incerto, o tempo de luta para qualquer mudança é como dizemos Hoje e Agora. Hoje porque não é adiável sob pena de retrocedermos aos tempos remotos da história. Agora, porque a cada instante há coisas novas que se perdem, sobressaltos a que urge dar resposta, instantes imprevisíveis mas que podem mudar o curso da história. Como se pode ler na Resolução, em Portugal, quase 17% da população com menos de 29 anos não tem qualquer actividade, ou seja nem estuda nem trabalha. Portugal é o décimo país do mundo com maior percentagem de jovens inactivos. O desemprego atingiu mais de 10% dos diplomados em Portugal. Grande parte dos diplomados não vê reconhecida a sua valorização académica nem o esforço de melhoria das suas habilitações. O congelamento de carreiras na administração pública e o congelamento das admissões na função pública, que era uma das principais entradas para a vida activa de um(a) jovem recém-formado(a) retira aos jovens o sonho de entrar numa vida activa, nela progredir e crescer. As jovens sentem-se num país adiado. As mulheres diplomadas que são a maioria, as licenciadas em profissões muito feminizadas como são as enfermeiras e as professoras, lutam como nunca pela sua dignidade profissional para que não lhes seja roubado o orgulho de ser professora ou enfermeira. Obrigadas a aceitar trabalhos mal pagos, com horários desajustados da vida familiar, adiam projectos de vida, adiam os sonhos que as levaram a estudar e trabalhar, muitas vezes com grandes sacrifícios pessoais e familiares. Inseridas num mercado de trabalho hostil e precário, muitas caminham para a rotina, perdem a ligação aos amigos, perdem a ligação à vida social e cultural. Com falta de expectativas quanto ao futuro adiam a maternidade, adiam a vida a dois. Não têm tempo para o lazer nem para a sua própria valorização pessoal. A saída profissional deixou de ser fruto do esforço pessoal mas da ocasião e da sorte. As mulheres jovens vivem de facto um tempo incerto. De uma incerteza que tem a ver com a situação de degradação social em que afinal vivemos e que importa antes de mais alterar, convocando a participação das jovens A função social da maternidade é posta em causa num país que detém uma das taxas de fecundidade mais baixas da Europa. Uma em cada três famílias monoparentais com crianças está em risco de pobreza. Acentuam-se a crescente limitação ao direito de todas as mulheres em aceder em igualdade a serviços públicos fundamentais como a segurança social, a saúde, a justiça, escola pública. A designada austeridade imposta pelo actual governo constituiu um ataque sem precedentes às funções sociais do Estado e a importantes serviços públicos. Por vontade expressa do actual governo e dos promotores destas políticas a austeridade é para ser “institucionalizada” para as próximas décadas. O Orçamento do Estado para 2015 em discussão na Assembleia da República é bem expressão do
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prosseguimento de uma verdadeira cruzada contra o País, o Povo Português e contra os direitos das mulheres. Queridas amigas. Estimadas Convidadas As mulheres são cerca de metade da população ativa em Portugal, mais de metade da habilitada com o ensino superior e cerca de metade dos trabalhadores com o ensino secundário. Nos serviços as mulheres são 56%, 36% na agricultura e 31% na indústria. A presença da mulher em carreiras científicas em Portugal é muito forte, contribuindo significativamente para o desenvolvimento científico e tecnológico do País. Elas são a grande força na docência, na investigação, no desenvolvimento de projectos científicos, na criação de pequenas empresas inovadoras. Defendemos que o trabalho das mulheres é uma fonte de riqueza para o país e a promoção da mulher no mundo do trabalho é uma questão absolutamente fundamental para a sua emancipação mas também para o desenvolvimento e progresso do País. Defendemos que para sair da crise e da recessão em que vivemos há que promover as mulheres no trabalho, qualificando os postos que ocupam, valorizando os seus salários com justiça e respeito social. Por isso defendemos que importa continuar a avaliar as potencialidades dos nossos recursos, o desaproveitamento e mesmo desperdício que comporta a não valorização do trabalho feminino. Perceberemos como se trata de factores que exponenciam as desigualdades na distribuição da riqueza que vai sendo criada e gerada, mesmo em tempo de crise. Também defendemos que só com uma forte organização de mulheres é possível transformar também o espaço privado que, para muitas é ainda marcado por sinais inequívocos da opressão sexista, intimamente ligados à condição de subalternidade da mulher na cena pública. Para o MDM, a luta das mulheres pelos seus direitos como mulheres, mães, cidadãs e trabalhadoras é um factor complexo mas decisivo, na luta geral pela emancipação das mulheres e da humanidade. Esse é o caminho que queremos aprofundar. Queridas amigas Da análise que fomos fazendo, concluímos que estes 4 anos corresponderam a um período muito fecundo e de grande actividade do MDM, e em que foi possível contar com a colaboração muito empenhada de jovens muito qualificadas e arrojadas que deram um grande contributo a todas as actividades do MDM, a nível regional e nacional. A actividade desenvolveu-se em muitas áreas e dimensões como se atesta no relatório de actividades submetido ao congresso. Dando ênfase à mobilização, estudo e aprofundamento, foi possível e gratificante inserir muitas mulheres nas actividades, mobilizar organizações e entidades locais, autarcas, sindicatos, escolas e universidades, bem como a comunidade em geral, para intervir e pensar com o MDM. As parcerias com as mais variadas organizações e o seu funcionamento em rede revelaram-se uma estratégia de grande importância no desenvolvimento do trabalho, na
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formação de opinião e de comunicação do MDM. O diálogo, a reflexão, a criação de opinião com os demais agentes em interligação foram importantes veículos de disseminação de referenciais de informação. Nestes últimos 4 anos, o MDM desenvolveu um conjunto de projectos sobre grandes temáticas que preocupam as mulheres e urgem soluções. Projectos que não findaram, porque são isso mesmo, articulam-se com outros e vão fazendo um caminho do enlace e de empolgamento suscitando uma cadeia de possibilidades entre nós que nos engrandece. Mas o MDM não se ficou por estes projectos. Esteve nas manifestações de rua contra as politicas de austeridade, porque afinal se comprova que a austeridade não é, nem será, compatível com a igualdade. Solidarizou-se com as lutas das trabalhadoras e dos trabalhadores em geral. Solidarizou-se com as trabalhadoras das autarquias, da saúde, das escolas, da administração pública. Apresentou projectos dando corpo a prerrogativas da nossa luta, como por exemplo dar visibilidade ao trabalho silencioso e ocultado de muitas mulheres. Foi assim com a candidatura pelo MDM de Faro ao Prémio Maria Veleda instituído pela Direcção Regional da Cultura do Algarve. Destinado a premiar uma mulher algarvia com currículo em prol da igualdade e da cidadania, é com orgulho que divulgamos neste Congresso que tendo o MDM apresentado a candidatura de Margarida Tengarrinha, foi ela a vencedora do primeiro premio por unanimidade. Momento relevante deste mesmo objectivo, de não deixarmos passar a história sobre nós, não permitindo que seja escrita por quem a quer apagar ou escrever de outra maneira, foi a apresentação da proposta à Assembleia da Republica, em 6 de Dezembro de 2013, para atribuição das Honras de Panteão Nacional a Maria Lamas, na data precisa que marcava os 120 anos do seu nascimento. Tratou-se de uma proposta pioneira, que foi levada pelo MDM muito antes de outras estarem nas páginas dos jornais. Maria Lamas deverá em nosso entender, e de muitas outras personalidades que a conheceram, entrar no Panteão Nacional, porque é testemunho perene da afirmação dos direitos das mulheres e a sua presença acrescenta valor politico democrático a essa instituição. Para o desenvolvimento do processo dentro da AR contamos com toda a organização do MDM para se envolver ainda mais, dando jus ao nosso grande desígnio de fazer com o que o Panteão seja casa de uma mulher que foi a mais insigne defensora dos direitos das mulheres, nossa Presidente Honorária, figura determinada durante o fascismo na luta pela organização das mulheres Podemos hoje dizer que toda a acção do MDM se traduziu na afirmação do seu projecto emancipador. Uma intervenção que alicerçada na dimensão nacional do MDM e na defesa dos direitos das mulheres portuguesas teve sempre presente a importância do diálogo e acção comum com organizações de mulheres de diversos países, assumindo sempre as suas responsabilidades no âmbito da Federação Democrática Internacional de Mulheres e na solidariedade com a luta das mulheres no Mundo. No plano internacional, o alastramento de grandes conflitos e guerras no Médio Oriente e na Europa, deixam antever perigos e tempos conturbados, que exigirão uma importante mobilização. No seio das instâncias europeias, permanecem as contradições entre o discurso a favor da igualdade e as orientações que são responsáveis pelo agravamento do desemprego e da pobreza, pela
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destruição de importantes direitos laborais e sociais na União Europeia. Uma lógica inaceitável que se repercute no agravamento das condições de vida e na limitação de importantes direitos para milhões de mulheres. Neste quadro, o Pacto Europeu para a Igualdade entre Homens e Mulheres (2011-2020), aprovado pela Comissão e pelo Conselho Europeu, não é mais que uma carta de intenções e de propaganda, que importa desmontar, a partir da acção organizada das mulheres em cada país. Os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio 2000-2015, que estabeleceram metas de desenvolvimento para as mulheres dos países mais pobres estão longe de ser cumpridos. A verdade é que a desigualdade e a discriminação em função do sexo, o empobrecimento, a morte por falta de assistência na saúde sexual e reprodutiva, a fome, a violência física, sexual e moral e as guerras continuam a flagelar severamente as mulheres em todo o mundo. Queridas Amigas A nossa Resolução Pelos Direitos e Dignidade das Mulheres – a Urgência de lutar por Abril sublinha as grandes conquistas de Abril, exactamente para dar a ver aos mais novos e relembrar aos mais velhos quanto se avançou no Portugal de Abril, e afirmar que é urgente: Retomar a letra da nossa Constituição, retomar o cultivo da terra no Alentejo que está de novo abandonada, retomar a industrialização do país, diversificar e qualificar a mão de obra, dar incentivo à investigação e à produção cientifica e tecnológica, pondo estes recursos ao serviço do desenvolvimento, da criação de emprego e da erradicação da pobreza. Na Carta para os Direitos da Mulher, que propomos ao Congresso definimos como estratégia para os próximos 4 anos: Agir e Defender Direitos! Agir Por Valores Democráticos! Agir Pela Paz! Mas também EXERCER DIREITOS! DEFENDER A DIGNIDADE! DAR FORÇA À LUTA EMANCIPADORA DAS MULHERES Como sabemos, os direitos das mulheres têm grande centralidade na construção da dignidade e igualdade humanas, dando corpo e forma a valores como a liberdade, a cidadania, a solidariedade e a tolerância. Interdependentes e indivisíveis, os direitos das mulheres são direitos fundamentais integradores da nossa Democracia. Com o propósito de concretizar a Carta dos Direitos da Mulher, o MDM assume neste 9º Congresso a urgência de lutar pela igualdade e os direitos das mulheres em Portugal e no mundo, sendo certo que a solidariedade com as mulheres e os povos que é uma razão estruturante da nossa intervenção implica a defesa da cooperação e entreajuda, a unidade, a defesa do direito à autodeterminação dos povos e o respeito pelas suas opções políticas, sem ingerências nem agressões estrangeiras. Com toda a nossa determinação e alegria, assumimos neste 9ºCongresso, a urgência de lutar por Abril e por um mundo de Paz.
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Igualdade não tem idade A luta das mulheres idosas por melhores pensões e pelo direito a viver em igualdade e dignidade Luísa Vitorino
Queridas amigas Congressistas e amigas/amigos convidados,
Lisboa
O agravamento da vida dos idosos, em particular das mulheres, é uma realidade dura. De modo a dar visibilidade e reforçar o protesto, o MDM teve uma intervenção na área do envelhecimento designada “Direitos das Mulheres – Igualdade não tem idade”. Regista-se uma feminização dos idosos, crescente à medida que se consideram escalões etários mais velhos. No nosso país as mulheres têm salários mais baixos e, consequentemente reformas baixas; muitas são obrigadas a reformar-se mais cedo porque a vida dura, o trabalho dentro e fora de casa as envelhece precocemente, ou porque em caso de doença de pais e sogros continuam a ser elas as cuidadoras. Todo o seu trabalho, uma vida de sacrifício e luta, não é reconhecido nem socialmente, nem pelo Estado, sendo a maioria das idosas duplamente excluídas porque são pobres e são mulheres. Muitas idosas vivem em solidão, sem afectos, num amargo esquecimento, sendo mais grave as que estão no limiar das condições de pobreza. Queridas Amigas, O acesso aos cuidados de saúde de proximidade foram dificultados, os custos dos utentes foram agravados, o encerramento de postos clínicos, centros de saúde e serviços de internamento, a falta de médicos e enfermeiros, e ainda a ausência e o preço dos transportes públicos levam muitas idosas, com parcos recursos económicos e reduzida mobilidade, a não fazer consultas de prevenção, rastreio e tratamento, inclusive de doenças crónicas. Na protecção social que está pior na sequência dos cortes do governo de diversos subsídios: complemento solidário para idosos, complemento por dependência, rendimento social de inserção, subsídio por morte e funeral. As mulheres têm maior esperança de vida, existem aldeias onde só vivem idosas que, completamente isoladas, são alvo fácil de violências. Muitas mulheres participam e dirigem associações de reformados e academias séniores, adquirindo saber e partilhando a sua experiência de vida. O momento que atravessamos exige uma luta de fôlego, resistência e mobilização, na defesa dos nossos direitos e das conquistas de Abril. Mudar de política e de governo deve ser uma exigência de todas nós. É com grande esperança na força e reforço do MDM que iremos pugnar por estas medidas: * Assegurar o acesso pleno em igualdade e qualidade ao SNS; * Aumentar as reformas e pensões;
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* Garantir habitação digna e revogar a actual lei das rendas; * Promover uma rede na protecção social adaptada às transformações sociais e demográficas, com capacidade de resposta nos equipamentos, estruturas e técnicos; * Desenvolver os princípios da acessibilidade universal, com uma Rede Nacional de Transportes Públicos com preços acessíveis; * Combater todos os tipos de violência, com campanhas de sensibilização e meios que garantam a defesa efectiva das vítimas, com casas de abrigo adequadas a esta faixa etária e com resposta penal mais rápida e eficaz. Queridas Amigas, Termino apelando para que, unidas, levemos às nossas terras a nossa palavra de divulgação dos direitos dos idosos. Viver em igualdade, com dignidade, porque os direitos das mulheres não têm idade!
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A luta das mulheres trabalhadoras no distrito do Porto Márcia Oliveira Porto
A luta das mulheres trabalhadoras no distrito do Porto, tal como no resto do país, tem sido uma constante ao longo dos tempos, não obstante, a história escrita e reescrita, ocultar, frequentemente e quase de forma sistemática, a participação activa das mulheres, quer seja nas lutas gerais de todos os trabalhadores, quer seja nas suas lutas específicas. Embora o papel fundamental das mulheres, o seu contributo insubstituível para a democracia e para o seu aprofundamento, não seja devidamente valorizado, sabemos que as mulheres conscienciosa e deliberadamente sempre estiveram presentes e sempre se mobilizaram para lutar por melhores condições de vida, quer seja resistindo, quer seja avançando. É indiscutível, uma cada vez maior participação das mulheres na esfera política, sindical e associativa, reflexo de uma liberdade conquistada com o 25 de Abril. As lutas sectoriais, nos locais de trabalho constituem um aspecto fundamental para uma alteração qualitativa das suas condições de vida e para a sua emancipação. Face ao actual momento político, económico e social, de extrema gravidade e representativa de um verdadeiro retrocesso civilizacional para todos os trabalhadores, mas em particular para as mulheres, consequência da política de direita e da austeridade, assistimos ao aumento das desigualdades e das descriminações. Portugal apresenta hoje, um maior índice no que toca às desigualdades entre mulheres e homens. Mas com o crescimento das desigualdades, assistimos também a uma intensificação das lutas e a uma maior presença das mulheres. Veja-se a luta das professoras, das enfermeiras e da Administração Pública em geral. Sendo certo que estas lutas são por um lado, daquelas mulheres trabalhadoras, mas são também de todas as mulheres, na defesa dos serviços públicos, pela saúde, pela educação, pela segurança social. Veja-se ainda o caso das Amas, que se juntaram recentemente, no protesto no Porto, pelo devido reconhecimento enquanto profissionais. Uma vez mais, estamos perante um trabalho das mulheres quase invisível, desvalorizado, mas absolutamente estruturante para a sociedade, desempenhando uma função social, educando crianças, na falta de uma suficiente rede pública de creches, perante uma resposta capaz das instituições particulares da segurança social. No entanto, o seu enquadramento é precário e são consideradas trabalhadoras independentes, a recibo verde, com todas as implicações que daí advêm. O distrito do Porto é particularmente afectado pelo desemprego, pelos baixos salários, e é também no Porto que existe um maior número de beneficiários do rendimento de inserção social, sendo uma vez mais, as mulheres as mais afectadas. No distrito do Porto, as mulheres estão presentes nas lutas pela defesa dos serviços públicos, contra as privatizações, contra o encerramento de unidades de saúde e serviços de urgência, escolas, postos de correio, esquadras e postos da PSP, contra a concessão ao sector privado das Empresas Públicas de Transportes – STCP e Metro do Porto.
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Também no distrito do Porto, o encerramento de empresas, em particular do sector têxtil e vestuário, que emprega maioritariamente mulheres, tem sido uma constante, lançando mulheres para o desemprego sem perspectivas de futuro! Mas também aqui, as mulheres fazem ouvir a sua voz e não deixam passar em silêncio o encerramento das empresas e insolvências muitas vezes fraudulentas. Cada vez mais, as mulheres defendem os seus direitos no que toca à parentalidade, ao gozo de licenças, ao horário flexível quando estão em causa responsabilidades familiares, exigindo o cumprimento dos seus direitos, não abdicando dos instrumentos legais que permitem, neste aspecto, a conciliação entre a vida familiar e a vida profissional. Naturalmente, que esta conciliação não se esgota na prerrogativa da parentalidade e que esta conciliação é difícil e fica naturalmente prejudicada com a desregulamentação dos horários de trabalho e bancos de horas, e que as políticas laborais impedem essa mesma conciliação e a participação na vida pública. Porque o espaço público deve ser também das mulheres, porque só assim, podemos falar de liberdade para as mulheres, liberdade não só para o trabalho, para a família, mas também para o livre desenvolvimento da sua personalidade, das suas potencialidades criativas e intelectuais. E porque existe um longo caminho a percorrer, porque existem obstáculos mais e menos visíveis, o lugar da mulher, hoje, é inevitavelmente, no espaço público, na política, nos sindicatos, juntandose à luta geral dos trabalhadores. Mas essencial e insubstituível, é a sua participação na luta específica pelos seus direitos enquanto mulheres! É a sua participação na organização de mulheres! Porque é das mulheres em primeira linha, dar corpo a um projecto que é seu e a uma luta que é a sua! Viva a Luta das Mulheres! Viva o MDM!
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Abril e os retrocessos nos direitos das mulheres Dulce Rebelo Lisboa
Neste novo Congresso do MDM celebramos com júbilo os 40 anos do 25 de Abril, a ser sempre lembrado. Abril trouxe-nos a liberdade e a democracia, o direito ao trabalho, a reposição do valor dos salários, o aumento das pensões de reforma e de invalidez, a fixação do salário mínimo, que tanto veio melhorar o nível de vida dos portugueses. Abril trouxe-nos o Serviço Nacional de Saúde, a licença de parto, o aumento do abono de família, o desenvolvimento da escola pública, o poder local democrático. Abril foi a concretização dos sonhos e anseios das mulheres que durante anos e anos lutaram pela liberdade, pela autonomia, pela independência económica e social, por melhores salários, pelos direitos de cidadania. Em liberdade, novas perspectivas surgiram para as mulheres com as amplas conquistas: * * * *
o direito ao voto sem quaisquer restrições , que tinha sido a bandeira de luta das republicanas; o direito à educação em igualdade; o direito ao trabalho sem discriminações; o acesso a carreiras nunca antes contempladas (na administração pública, na diplomacia, na magistratura); * o reconhecimento de igualdade de direitos e deveres na família; * a lei da despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) , que veio combate r o flagelo do aborto clandestino. O MDM muito contribuiu com a sua acção para a mudança do estatuto da mulher. Desde 1969, como força social de mulheres organizadas, participou em todas as lutas e reivindicações femininas, denunciando e combatendo desigualdades, humilhações e violências sofridas pelas mulheres no espaço privado e no público, e exigindo o fim das discriminações e injustiças. No tempo presente, tempo de crise económica, financeira e social, gerada pelo neocapitalismo, as conquistas da revolução estão a ser postas em causa. As políticas de austeridade impostas pelos últimos governos à população em estreita obediências aos ditames da “troika”, têm conduzido o país à recessão económica, à perda de direitos (inscritos na Constituição da República Portuguesa), ao aumento da pobreza. Os cortes nos salários, nas pensões, nas reformas e nos subsídios, e os despedimentos colectivos são alguns dos factores que têm provocado o agravamento das condições de vida dos portugueses, e em particular das mulheres, pois são estas que se encontram em posição mais fragilizada. São as mulheres as primeiras a serem despedidas. São elas que atingem a mais elevada taxa de desemprego (16,4% em 2013). São elas que sobressaem no desemprego de longa duração, atingindo proporções alarmantes (54,7% em 2013).
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São as mulheres que estão em maior número no trabalho precário (45% em 2012. São ainda as mulheres que com baixos rendimentos, devido a discriminações salariais e outras de que foram alvo toda a vida, e à diminuição dos apoios sociais, atingem a maior taxa de risco de pobreza (18,6% em 2012) que se acentua com o envelhecimento (27% em 2013). Voltamos a viver momentos duros e difíceis, que têm de mudar. As mulheres estão atentas e vigilantes e sabem donde vêm os perigos e os ataques, mas não esmorecem. O MDM, que repudia todas as políticas abusivas e insustentáveis, é uma força mobilizadora de vontades. Esclarecendo, intervindo, apontando saídas para pôr cobro às discriminações, o MDM, em cooperação com todas as mulheres democratas, continua a empenhar-se na luta contra as desigualdades crescentes. Em defesa dos direitos das mulheres valoriza a sua energia, adesão combativa , entusiasmo para mudar as políticas de direita e devolver ao país os princípios e os valores de Abril. Viva o 9° Congresso do MDM!
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Solilóquio duma actriz ao caracterizar-se Andreia Egas Setúbal
Vou representar uma bêbeda Que vende os filhos Em Paris, no tempo da Comuna, Tenho só cinco frases. Mas também tenho que caminhar rua acima. Vou andar como alguém liberto, Uma pessoa que, além do álcool, Ninguém quis libertar, e hei-de-me voltar, como os bêbedos que receiam Que os persigam, hei-de voltar-me Para trás para o público. Examinei as minhas cinco frases como documentos Que se lavam com ácidos, pra ver se por baixo das letras bem patentes, Não há ainda outras. Direi cada uma delas Como um ponto de acusação Contra mim e contra todos os que me olhem. Se não tivesse ideias então pintava-me Simplesmente como uma velha bêbeda Depravada ou doente, mas eu vou entrar em cena Como uma mulher bela que foi destroçada, De pele amarela, outrora macia, agora devastada Outrora apetecível, agora um horror tal Que cada um pergunte: Quem Foi que fez aquilo? Bertolt Brecht
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2014. Assinalamos e comemoramos este ano os quarenta anos depois do vinte e cinco de Abril. E fazemo-lo porque temos consciência das profundas alterações que se deram na sociedade portuguesa e, também, porque sabemos que, embora essas alterações tenham sido cruciais para o desenvolvimento e emancipação de um país, existe na opinião pública um bulcão que pretende, de uma forma mais ou menos dissimulada, fazer crer que foi um acontecimento de somenos importância. Os quarenta e oito anos de fascismo condenaram os portugueses e as portuguesas obrigando-os ao exílio, à emigração ou à miséria. No campo das artes e da cultura foram anos de obscurantismo que impediram que muita coisa fosse feita. E tudo o resto tendo sido feito às escondidas ou sobre a censura do lápis azul. A cultura tinha, através da mão de António Ferro, a bandeira do regime – isso era visível através do teatro de revista e dos grupos de folclore tradicionais, do fado. Isto para fazer veicular as ideias do regime ditatorial que se vivia. Com a conquista da liberdade rapidamente se começou a trabalhar para inverter este plano e para transformar revolucionariamente as artes e a cultura. Isso foi visto de diferentes maneiras, no interior do nosso país, as populações das aldeias e vilas mais longínquas tiveram a oportunidade de, pela primeira vez, poderem assistir a peças de teatro vindas de outros locais. Múltiplos grupos de teatro, de cantares, de danças foram criados, em colectividades e associações, tanto nas grandes cidades como no interior. Foi só com o vinte e cinco de Abril que se concretizou a profissionalização deste sector. Com o forte impulso e dinamismo que se fez sentir naquela altura, viu-se abrir espaço à disseminação de várias escolas de teatro através do processo de descentralização, que permitiu então que houvesse teatro para além de Lisboa e Porto. A formação de novas companhias fora dos grandes centros permitiu que surgissem dois fenómenos: o de formação de públicos e o de formação de profissionais (actores, marionetistas, encenadores, cenógrafos, técnicos, etc). Foi um trabalho árduo, este da democratização cultural. Ainda assim, estávamos no princípio. Urgia a continuação desse trabalho em modo estruturado e sustentável para que se pudesse aprimorar, enquanto categoria profissional, todo um sector marcado por uma forte instabilidade devido a diversos critérios. Em primeiro lugar, devido a opções estratégicas dos sucessivos governos no modo como encararam a cultura, quer do ponto de vista político, quer do ponto de vista financeiro. Depois, por inúmeros preconceitos profundamente enraizados na nossa sociedade. Todos sabemos que há uma franja da sociedade, e que é mais de metade – nós, as mulheres – que é a mais prejudicada. O desemprego entre as mulheres é maior, a taxa de pobreza é maior – em todas as faixas etárias; a precariedade, o abuso e o assédio sexual é incomparavelmente maior. No teatro e nas artes não é excepção, pelo contrário. Por vários motivos, e tudo começa com uma questão de semântica… Ser actriz ou bailarina… Não são propriamente profissões que se apresentem. Encenadora, escritora, cenógrafa… Ainda vá, mas mesmo assim… Todas as profissões ligadas ao espectáculo, de uma forma geral, não são compreendidas enquanto tais. São entendidas pelos outros como hobbies, distrações, e nunca como uma profissão como as demais. Muitas vezes damos connosco a repetir – à mesma pessoa e no mesmo contexto – o que realmente fazemos para viver. Acho que, ainda assim, depois se esquecem. Muitos pais temem pelo futuro dos filhos ao saber que estes querem incorrer numa carreira artística, por acharem que se trata de um laivo de leviandade e de libertinagem do filho, que este apenas quer uma oportunidade para ser boémio. Agora imaginemos isto aplicado às mulheres. Não é preciso pensar muito para imaginar o que nos chamarão. E, se os pais têm algum receio
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quanto às vontades de futuro dos filhos, podemos compreender, não por esses motivos, mas por outros, tais como a intermitência, o desemprego recorrente, a deslocalização, o emprego múltiplo. Neste sector, contar-se-ão pelos dedos das mãos as actrizes que têm, ou alguma vez tiveram, um contrato de trabalho. Contar-se-ão aquelas que podem dizer que tiveram trabalho o ano inteiro e que sabem o que vão estar a fazer no ano que vem. Contar-se-ão aquelas que engravidaram e não foram postas no “olho da rua”. Ou aquelas que mesmo doentes tiveram de continuar a trabalhar, porque “o espectáculo tem de continuar!” Como mulheres, há ainda uma outra forma de chantagem que não é recente, em que, muitas vezes, determinada profissional é escolhida para um trabalho em detrimento da sua beleza e das suas amizades íntimas com quem decide. Numa profissão de exposição exponencial, em que todo um ser humano está em completa “montra”, o uso e abuso da imagem do corpo da mulher e o que com ele se faz, são decididos por outros, de acordo com valores que de artístico nada têm. Para além de tudo isto, pertencemos a um grupo profissional pequeno, em termos numéricos, o que poderia ser à partida uma vantagem, mas vemo-nos divididos em pequenas manchas fragmentadas individualizadas, em que cada um procura safar-se por si. É um sector muito pouco organizado precisamente por não ter consciência de si próprio enquanto trabalhador, mas enquanto artista, enquanto intelectual iluminado. E isso não ajuda muito à mudança. Enquanto trabalhadores e trabalhadoras deste sector específico urge partirmos para as batalhas, as gerais e as de sector, conjuntamente com os outros. Urge ganharmos a consciência que isolados nada conseguimos. É de extrema importância pormonos em contacto, partilhar e denunciar experiências. Aquilo que se assiste não é natural e é passível de se transformar. Urge dar voz ao sindicato que defende esta classe – o Sindicato dos Trabalhadores do Espectáculo. Urge dizer não aos recibos verdes. Urge dizer SIM às greves.. Urge dizer que não defendemos a intermitência. Urge dizer que temos direito, como os outros, a ter trabalho durante o ano inteiro. Há várias coisas que podemos e devemos fazer para valorizar e defender a cultura, seja como profissionais dela ou não. Para isso existem movimentos criados de defesa da cultura que lutam contra este estado de coisas. Para isso existe o MDM, para que cada uma de nós se junte e denuncie. Viva o 9º Congresso do MDM!
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As mulheres na Madeira
Herlanda Amado Madeira
Em nome do Núcleo do MDM na Região Autónoma da Madeira quero, em primeiro lugar, saudar todas as amigas presentes e espero com esta intervenção poder contribuir para que, no final dos nossos trabalhos, tenhamos um retrato real da situação da Mulher, no todo nacional, e todas juntas possamos dar os passos necessários para que o caminho para a igualdade seja mais célere. A intervenção do núcleo do MDM na Região durante muito tempo passou quase que exclusivamente pelo assinalar do 8 de Março com iniciativas de rua. Após a deslocação de uma das responsáveis da estrutura nacional do MDM à Região, em Novembro de 2012, conseguimos impulsionar a nossa actividade através da discussão ocorrida em torno da exposição “Tráfico de Mulheres - Romper Silêncios”. Em articulação com a estrutura nacional, conseguiu-se que a Região tivesse uma exposição permanente, o que nos tem possibilitado dar a conhecer o projecto a nível regional. Inaugurámos a exposição a 25 de Novembro do 2013, no Teatro Baltazar Dias no Funchal, onde durante uma semana esteve patente ao público no Salão Nobre do Teatro. De seguida, apresentámos a exposição no concelho de Câmara de Lobos, na Biblioteca Municipal, e aqui contámos com o apoio da responsável pela Biblioteca pois, para além de todas as questões logísticas, também divulgaram a iniciativa junto de algumas entidades e forças vivas do Concelho e, no final da apresentação, fomos presenteadas com um lanche que contou com a participação de um grupo de idosos do centro comunitário de Santa Cecília. Foi muito interessante ver que este assunto é transversal a todas as idades. Outro caso de sucesso foi a instalação da exposição no concelho de Santa Cruz, onde ficou durante 3 semanas patente ao público, na Casa da Cultura. Uma vez mais tivemos toda a colaboração na preparação e divulgação da iniciativa, tendo o responsável da Casa da Cultura, em articulação com uma das Escolas Secundárias do concelho, organizado a participação de 2 turmas de 12º ano. A última apresentação realizou-se no concelho de Machico. Tem sido gratificante ver o interesse de algumas entidades em ter a exposição no seu Concelho e ajudar a divulgá-la. Nem nós esperávamos este tipo de abertura na abordagem desta temática. Apesar de alguns contratempos, próprios da organização destas iniciativas, podemos dizer que tem superado todas expectativas, tendo em conta alguns dos “condicionalismos” que a Região Autónoma da Madeira tem, na abordagem de assuntos sensíveis, e este é sem dúvida um deles. O nosso objectivo é fazer com que a exposição circule por toda a Região, como forma de despertar consciências, porque, com o agravar da situação económica e social, este é um risco presente. A desigualdade social, a precariedade, a exclusão, a pobreza não são conceitos de outros tempos. Infelizmente, ainda acontecem hoje, a todo o momento, e as mulheres são particularmente visadas por estes fenómenos. A Madeira, apesar de toda a propaganda oficial do regime jardinista, não fica de fora da alçada da desigualdade social que penaliza, em particular, as mulheres e agrava os mecanismos da exclusão social. Os dados oficiais disponíveis não permitem avaliar com precisão a diferenciação das funções baseadas no género, o que se reflecte de forma bem evidente na avaliação da diferença real dos salários e na análise da evolução das carreiras das mulheres no seio das empresas.
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Sabe-se que, em alguns sectores, ainda existem diferenças salariais entre homens e mulheres de cerca de 30% para trabalhos similares. Para além disso, as categorias profissionais onde predominam mulheres, têm salários mais baixos e ainda é comum encontrar, em sectores laborais maioritariamente de emprego feminino, chefias masculinas. Estas situações exigem uma profunda e comprometida intervenção transformadora. As mulheres são claramente vítimas das disparidades e desigualdades existentes na Região, mas é um reflexo claro do que acontece também no todo nacional. Cada dia que passa a política do Governo PSD/CDS é mais autoritária e abusiva, destrutiva da vida dos portugueses, diremos mesmo criminosa. A limitação de direitos a quem trabalha, o desemprego, as discriminações e as desigualdades são cada vez mais violentas. Hoje, ser mulher em Portugal ainda significa ser o rosto da pobreza das famílias, ter as mais baixas reformas e pensões, ter a maior taxa de privação material, ser mais de metade dos beneficiários de prestações de desemprego, auferir, em média, um subsídio de desemprego dos mais baixos, ter a maior precariedade no emprego, ser despedida ou impedida no acesso ao trabalho por engravidar ou exercer os direitos de maternidade. Ser mulher e jovem significa estar entre as mais qualificadas academicamente e as menos qualificadas no emprego e ter maior jornada de trabalho diária. Não, a nossa condição não é ainda igualitária se nos debruçarmos na questão dos direitos, consagrados a todo e qualquer ser humano. Tenho o privilégio de pertencer a uma geração que herdou a liberdade e a igualdade, como bandeiras inerentes à sua existência, sem quaisquer questionamentos, aparentemente desnecessários, quando a fluidez natural dos actos e direitos inalienáveis são parte da rotina que se vai interpondo pelos dias… É a educação que instiga à reflexão; é a educação que assegura a construção de uma sociedade mais justa onde cabem mulheres livres de preconceitos ou discriminações, socialmente intervenientes e politicamente activas! Percorrer os números da desigualdade salarial que ainda vinga no contexto social que nos insere, é imperativo! Atentar nos números assustadores de exploração laboral ou sexual que escravizam milhares de mulheres, maioritariamente jovens, é uma responsabilidade à qual cada um de nós não se pode esquivar! Porque ignorar é ser-se conivente! Determinar sem resquícios de dúvidas a igualdade de géneros na expressão de direitos, oportunidades e liberdades - é de DIREITOS HUMANOS que se trata! Não foram em vão - nem poderão ser! - a sucessão de LUTAS de mulheres e de homens.Enquanto houver uma única mulher vítima de segregação ou discriminação, ou de maus-tratos e violência brutal, de diferenciação pelo género ou por outro elemento discriminatório, ou qualquer outra condição atentatória da sua DIGNIDADE, é imperioso Lutarmos! Porque “ Querer-se livre é também querer livres os outros”. Nós temos direito, a ter direitos! Viva o 9º Congresso do MDM! Viva as Mulheres!!
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As mulheres e os serviços públicos Cecília Sales Lisboa
Numa situação de profunda crise económica, social e política que Portugal atravessa e que, em grande parte, é consequência das políticas de direita que os sucessivos governos do PS/PSD/ CDS vêm realizando há 40 anos, a pior situação que a população vive desde a Revolução de Abril, a degradação e destruição dos serviços públicos e das funções sociais do Estado tem vindo a agravar a vida dos portugueses. Aprofunda-se cada vez mais a descaracterização e destruição de valores e componentes essenciais do regime democrático, considerando os serviços públicos de proximidade e qualidade um dos pilares do regime democrático de Abril. A organização e desenvolvimento dos serviços públicos com acesso universal é uma das conquistas do regime democrático de Abril. Tudo isto tem vindo a ser posto em causa com a ofensiva desencadeada pelos sucessivos governos, com destaque para o actual, contra os serviços públicos e as funções sociais do Estado, e que tem como objectivo final a destruição da democracia política, económica, social e cultural, pilares indissociáveis do regime democrático. Com o processo de privatização de empresas que prestam serviço público e a desresponsabilização progressiva do Estado das suas importantes funções sociais, o conceito de serviço público foi-se alterando com sérios prejuízos para os utilizadores, as populações. Defender os serviços públicos como elementos que são para o bem estar e a qualidade de vida das populações, apostar na sua qualidade e diversificação, exigindo do Estado a assunção plena das suas responsabilidades nas áreas da saúde, do ensino, a gestão pública do abastecimento da água e saneamento, dos transportes, da justiça, segurança social. Cresce, cada vez mais, a consciência por parte das populações, utentes e trabalhadores, das implicações negativas para as suas vidas causadas pela destruição dos serviços públicos e das funções sociais do Estado. Políticas essas que têm como objectivo a privatização dos serviços, numa clara opção ideológica do governo, em benefício evidente dos grandes grupos económicos nacionais e internacionais. Mais uma vez, o conjunto de propostas inscritas no Orçamento de Estado para o ano de 2015 reforçam e aprofundam as desigualdades sociais, o empobrecimento do povo e do país, a destruição dos serviços públicos e a aniquilação das funções sociais do estado. Para este governo, a melhoria da qualidade e quantidade dos serviços prestados aos portugueses não interessa e tudo fazem para destruir os serviços públicos, desresponsabilizando-se das suas funções sociais, num processo de reconfiguração do Estado, de entrega aos grandes grupos económicos de importantes áreas de intervenção que se transformarão em áreas de negócio. Neste processo de resistência e de luta das populações em defesa do SNS, em defesa da Escola Pública, contra o encerramento de tribunais, esquadras, repartições e serviços dos vários ministérios, dos Correios e empresas públicas essenciais às populações, em defesa do transporte público, contra o impacto negativo de infraestruturas nas populações, no património e no desenvolvimento sustentado, em defesa da água pública, contra a desertificação e as assimetrias
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regionais, as mulheres têm tido o maior protagonismo pelo seu papel reivindicativo, de participação activa e de defesa dos seus direitos a uma vida digna e de qualidade na sua aldeia, na sua vila, na sua cidade, em defesa das grandes transformações políticas e económicas de Abril, inscritas na Constituição da República Portuguesa. O MDM, na sua afirmação nacional de acção, e com a ideia de que na vida tudo se alcança com muita luta e que avançamos quando resistimos, considerou a defesa dos serviços públicos de proximidade e de qualidade como mais uma abordagem das diversas dimensões da luta das mulheres. E, assim, o MDM esteve, desde o início, na constituição na Plataforma em defesa da Maternidade Alfredo da Costa, na Plataforma em defesa do SNS, na defesa da Água Pública com a recolha de abaixo assinados entregues na AR este ano, e ainda na participação em muitas Comissões de utentes locais, em defesa dos Correios, dos tribunais, dos transportes, da segurança. Termino reafirmando que a política do governo PSD/CDS que condena o povo português ao empobrecimento e a piores serviços públicos, como se confirma pela proposta de OE para 2015, tem de ser travada, mudar de política e de governo é uma exigência de todos quantos se batem por um Portugal desenvolvido e soberano. Para o MDM, é fundamental combater essas políticas que degradam a vida das populações, contando com a intervenção cada vez mais forte das mulheres numa luta de resistência e mobilização que o momento nos exige. VIVA O 9º. CONGRESSO DO MDM! VIVA A LUTA DAS MULHERES PARA RETOMAR ABRIL!
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Apresentação do relatório de actividades do MDM 2010 - 2014
Leonor Agulhas Faro
Permitam que saúde todas as congressistas, convidadas e convidados presentes neste 9º Congresso do Movimento Democrático de Mulheres. Num quadro político, económico e social de agudização de todos os problemas do país, de retrocessos de importantes conquistas alcançadas pelo povo português com o 25 de Abril de 1974 e num quadro em que as mulheres que são a maioria são também as principais vítimas. O MDM, inserindo-se no combate por direitos, contra as injustiças e discriminações, nomeadamente, as que recaem sobre as mulheres, não abrandou a sua actividade, como prova o conteúdo do Relatório apresentado ao Congresso. Desenvolveu nestes últimos 4 anos uma intensa actividade, que é a prova viva da vida de um movimento de mulheres que em 1968 resolveu aglutinar a acção e luta contra o fascismo, pela liberdade, pela paz e pelos direitos das mulheres e, assim, criou o MDM. No Relatório de Actividades estão documentadas várias centenas de acções e actividades, levadas a cabo nestes últimos 4 anos. No tempo que dispomos não é possível relatar uma a uma. Iremos de uma forma breve e sintética enumerar algumas delas – não diria as mais importantes, porque sejam de grande envergadura ou mais simples, são todas partes integrantes da nossa actividade, da nossa luta de todos os dias, empenhadas na construção de uma sociedade mais justa e fraterna, onde a emancipação da mulher aconteça. Comemorações do 8 de Março Nas comemorações do 8 de Março - Dia Internacional da Mulher, as mulheres fizeram valer o seu o peso na luta pela sua emancipação. Nestas comemorações, de exemplo de luta abnegada contra as políticas que retiram direitos e degradam as condições de vida das mulheres, empurrando-as cada vez mais para a exclusão social, o MDM empenhou-se para que as comemorações tivessem um carácter cada vez mais abrangente, mobilizando mulheres em todo o País, combatendo também a tentativa crescente que, por motivos ideológicos e mercantis, procuram descaracterizar o Dia Internacional da Mulher, a sua carga histórica e o exemplo de luta tão necessário nos dias de hoje. Foram-se desenvolvendo acções em parcerias, com autarquias e outras associações, num vastíssimo conjunto de iniciativas, muitas delas levadas à prática pelos núcleos locais. Nos aspectos da divulgação e da mobilização foram tomadas medidas, quer no plano central quer no local, de acordo com a importância e os objectivos a atingir com estas comemorações. Não deixar no esquecimento toda a carga histórica dos acontecimentos que estão na origem do Dia Internacional da Mulher e trazendo o exemplo da luta para a actualidade, reivindicando direitos na sua maioria postos em causa com este furioso ataque às conquistas do 25 de Abril. Os nossos tempos de antena emitidos na RTP, nas vésperas do 8 de Março, foram sempre uma excelente forma de fazer chegar as nossas mensagens. Comemorações do 25 de Abril Defender os valores da Revolução de Abril é também defender os interesses das mulheres e, nesse
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sentido, integrámos comemorações locais e nacionais. Foram muitas as iniciativas levadas a cabo, desde a participação no desfile em Lisboa e este ano, pela primeira vez, também em Faro, até à distribuição de cravos, palestras, participação em sessões e concentrações levadas a cabo por comissões promotoras unitárias, autarquias e associações. Neste ano de 2014, referir que o MDM contribuiu de uma forma muito inovadora através não só da exposição que editou intitulada “40 anos de Abril - Itinerários e conquistas das mulheres”, como com os “Itinerários por Abril” realizados em várias regiões do país, cheios de experiências inesquecíveis, dando a conhecer às mais jovens gerações uma das mais belas conquistas do povo português, com um particular destaque para o que significou para as mulheres aquilo que foi a reforma agrária, e também a conversa com mulheres que viveram, resistiram e lutaram por melhores condições de vida, porque o 25 de Abril aconteceu. Queridas amigas Estamos certas que este Congresso reforçará a organização do MDM, dando-nos, ainda, mais força para mais e melhor acção, no geral, e na defesa do 25 de Abril, e de combate contra os que o querem apagar do nosso quotidiano. Comemorações do 1 º Maio Neste dia internacional do trabalhador, o MDM, esteve e estará sempre presente, nas comemorações com destaque pelas desenvolvidas pela CGTP - IN. Mas amigas, tal como está expresso no relatório “O tempo de luta das mulheres é hoje e agora!” foram imensas as acções realizadas e tomadas de posição públicas, para defender direitos, lutar contra as políticas de ofensa aos valores do 25 de Abril, consagrados na Constituição da República Portuguesa, com uma expressão mais violenta nestes últimos anos dos governos PS e do governo do PSD/CDS. Porque todas as áreas da vida estão contaminadas, em todas elas é preciso intervir, para impedir o seu agravamento e para recuperar o que já conseguiram destruir, aí está e estará presente também o MDM. Muitas foram as tomadas de posição, de acção, de denúncia e de protesto em que o MDM esteve envolvido: * Contra o encerramento das maternidades e pela sua manutenção; * Na luta pelos direitos que nos são retirados no apoio social; na campanha em defesa da saúde da mulher; na luta pela defesa do serviço nacional de saúde; * Por um ensino público de qualidade, universal e gratuito; * Contra o desemprego e por melhor emprego com direitos e sem discriminação, por melhores salários, contra os roubos nas reformas e pensões. O MDM é também um movimento internacionalista na sua relação com diversas organizações mundiais, nomeadamente com a Federação Democrática Internacional de Mulheres- FDIM. O MDM desenvolveu um conjunto de acções pela Paz e uma activa solidariedade com as mulheres no mundo que lutam pela sua dignidade e independência, em actos públicos de profundo repúdio
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contra a ameaça de uma nova guerra no Médio Oriente, contra a repressão na Turquia, na Síria, promoveu encontros e sessões públicas de solidariedade com as mulheres Sarauis. Realizaram-se várias posições e actos públicos em defesa das Mulheres e do povo da Palestina, e de solidariedade com o povo de Cuba na defesa dos 5 presos políticos nos E.U.A. Foram muitas e diversificadas as acções de apoio e denúncia, exposições, debates, palestras, algumas delas com a presença de mulheres desses países. Representação em órgãos institucionais O MDM participou regularmente nas reuniões do CES (Conselho Económico e Social), colocando sempre a sua opinião e fazendo propostas nos vários temas. Na CIG a nossa presença nas reuniões do Conselho Consultivo foi regular, assim como em diversas iniciativas que se realizaram ao longo dos últimos anos. Quanto aos Projectos financiados, as temáticas, os recursos e as dinâmicas criadas pelos 8 projectos financiados pelo POPH, que decorreram nos distritos de Aveiro, Braga, Évora, Faro, Lisboa, Porto e Setúbal e as pequenas subvenções da CIG para as ONG de Mulheres, permitiram dinamizar a actividade local, regional e central do MDM e aprofundar o conhecimento sobre diferentes áreas de intervenção. Produziram-se diversos materiais, exposições, livros, revistas, folhetos, CD, performances teatrais, jogos interactivos, tempos de antena, e realizaram-se centenas de parcerias com escolas, universidades, autarquias, colectividades, sindicatos e muitas outras entidades. Por último, contactaram-se milhares de pessoas com destaque para os jovens e mulheres, tendo várias delas aderido ao Movimento. O MDM alargou o seu prestígio e a sua organização. Referir ainda, como muito importante, o trabalho dos núcleos, base orgânica do MDM, que procurámos que crescesse e com uma acção que se desenvolvesse no meio em que estamos inseridos, tirando partido do conhecimento de proximidade com os vários problemas que afectam o dia-a-dia das mulheres. Se as aderentes, e, muitas estão hoje aqui presentes como congressistas, são o rosto e o corpo do Movimento, o trabalho dos núcleos potencia organicamente todas as vertentes da acção do MDM. O reforço da organização do Movimento é uma tarefa prioritária, tanto mais quanto a intervenção na sociedade é cada vez mais necessária, como voz e anseios de muitas e muitas mulheres. Neste contexto permitam-me saudar e valorizar a presença das convidadas no nosso Congresso, pois certamente muitas de vós já estiveram connosco noutras ocasiões. O 9º Congresso avaliará o trabalho que o MDM fez. Quanto a nós tudo fizemos para que o percurso que foi delineado se consolide e se alargue. Os tempos que vivemos são difíceis, assim como o caminho que temos pela frente. É necessário consolidar mais os núcleos e o trabalho dos órgãos centrais, para melhor responder às questões que se colocam hoje às mulheres. Precisamos de mais organização, para que ela nos proporcione mais acção e melhores condições de lutar, porque só lutando continuaremos a vencer barreiras! VIVA O 9º CONGRESSO! VIVA O MDM!
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Ataque ao poder local e os direitos das mulheres enquanto eleitas, trabalhadoras e munícipes Raquel Prazeres Setúbal
Bom dia, Queridas amigas congressistas, convidados e, permitam-me, uma saudação especial às representantes das mulheres do Sahara Ocidental e da Palestina, a vossa luta é terrível mas nós estamos ao vosso lado, não estão sozinhas. Quero centrar a minha intervenção nos constrangimentos a que as autarquias estão sujeitas e ao papel das eleitas no poder local, com o meu testemunho pessoal. Neste País onde os sucessivos Governos fazem variadas e criativas tentativas de destruição do SNS tornando o acesso a cuidados de saúde, que deve ser tendencialmente gratuito, num cada vez mais rentável negócio, ao centralizar as valências em alguns hospitais, desprovendo outros, fechando centros de saúde, com o consequente distanciamento das populações, negando acesso a serviços como planeamento familiar, aos poucos empurrando para os seguros e clínicas privadas os que podem e deixam os que não podem em situações, muitas vezes, dramáticas. Estes senhores, os destas leis, taxas, rentabilizações, veem clientes onde na verdade estão pacientes. Também fruto das políticas deste governo temos a educação a ser destruída por dentro, devagar mas de forma persistente, com um desrespeito pelos professores, auxiliares, educadores e alunos, e vão acenando com cheques educação mais uma vez para empurrar para o privado. Esta tentativa de retirar qualidade ao serviço público estende-se ao poder local que enfrenta muitas dificuldades, num estado cada vez mais centralista quando o caminho da nossa constituição aponta para a regionalização. Foram estes partidos, chamados do arco da governação, que, enquanto passavam competências e responsabilidades para as autarquias, se esqueceram de transferir as respetivas verbas. São os mesmos que querem a todo custo retirar a autonomia bombardeando com leis absurdas e muitas delas inconstitucionais. O desplante é tal que, perante um executivo autárquico eleito que faz um acordo com os trabalhadores e os seus sindicatos, como o do limite das 35h semanais, um secretário de estado, nomeado (não eleito), lá na sua secretaria faz juízos de valor e decide se sim ou não esse acordo deverá ser válido ou pura e simplesmente ignorado. As trabalhadoras das autarquias, com os cortes, a impossibilidade de progressão na carreira, as pressões para trabalharem mais e receber menos, resistem algumas já sem força, algumas já sem esperança. Quando um membro do governo decide que agora vão todos trabalhar mais uma hora por dia, não consegue perceber as implicações que tem, por exemplo, na vida familiar dos casais que tem filhos com escolas, horários… Também, a par das reduções obrigatórias do número de trabalhadores, este governo oferece os contratos emprego-inserção que é uma forma de esconder o desemprego nas estatísticas e tapar os buracos cada vez maiores no mapa de pessoal. Também aqui a solução apontada é a privatização dos serviços como a higiene e limpeza ou os espaços verdes. Empresas que conseguem preços baixos mais uma vez recorrendo a trabalho precário. Mas, ainda assim, há uma grande resistência e as mulheres tem um papel a desenrolar. Temos de assumir a luta.
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No contexto que o País atravessa é difícil não baixar os braços, mas essa não é uma opção. As mulheres não devem desistir do seu papel político. Devem sim impor a sua visão e forma de atuar. É possível estar eleita e participar ativamente na vida política, não abdicando da sua forma de ver e estar. O estilo de trabalho será talvez diferente do instituído antes das mulheres participarem na vida política, mas cabe a nós impormos as próprias regras. Tenho três filhos que adoro e que acompanho de muito perto, mas isso não me impediu de continuar a minha vida política. Quando fui eleita para a Assembleia Municipal de Alcochete, surpreendi alguns quando, numa reunião, no público estava, com uma amiga (que hoje está aqui presente, Fernanda Vila Cova), a minha filha Luisa bebé de meses. Ela estava a ser amamentada portanto não podia ficar longe de mim e, quando ela precisou, ausentei-me para poder dar mama; passado pouco tempo estava de volta para o debate, sem ter abdicado de ser mãe como eu queria ser. Simples, às vezes não é assim tão fácil mas entre deixar de cuidar dos meus filhos como quero, prefiro lutar com resiliência, indo impondo o que considero ser a forma justa de trabalhar das mulheres. Por exemplo, reuniões de manhã e não pela noite dentro, horários flexíveis, como aplicamos na CMA para quem tem filhos menores, entre outros. Não quero ser empurrada para casa mas também não quero o método de trabalho que não me permita ser para além de político. E não é por teimosia. Mulheres e Homens tem de facto diferentes formas de olhar e diferentes sensibilidades. Essas diferenças são uma mais-valia numa sociedade que se quer justa e solidária. Precisamos, juntos, de fazer esta luta por um mundo melhor. Viva o MDM! Vivam as mulheres!
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40 Anos de Abril: Itenários de conquistas e direitos das mulheres Maria Alberto Branco Santiago do Cacém
Itinerário – Roteiro| descrição de viagem, da viagem que fizemos até Abril e depois dele. “Abril - 40 anos. Itinerários de conquistas e direitos das mulheres”. No ano em que se comemoram os 40 anos do 25 de Abril, com o apoio da pequena subvenção da CIG às organizações não governamentais e trabalhando em conjunto com outras associações e autarquias, decidimos escrever o livro da viagem, que também nós fizemos, para chegar a Abril e fazer um País novo.
Fizemos os caminhos da repressão e da censura. Em Lisboa, estivemos na sede da PIDE, na António Maria Cardoso, e lembrámos as mulheres que lutaram contra a ditadura. Falámos de Aida da Conceição Paulo, de Aida Magro, de Albertina Diogo, de Albina Fernandes, de Casimira da Conceição Silva, de Conceição Matos, de Gina Azevedo, de Isaura da Conceição Silva, de Maria Custódia Chibante, de Eugénia Varela Gomes, de Maria Lourença Cabecinha, de Maria Luísa Cabral, de Maria Machado, de Maria Rosa Viseu, de Olímpia Braz, de Sofia Ferreira, mulheres que resistiram e lutaram por Abril. Em Santiago do Cacém, visitámos a vida das operárias agrícolas, os casebres que eram as suas casas, os longos e penosos caminhos para a escola e para o trabalho, os filhos aconchegados em caixotinhos, por baixo do sobreiro, ao longo do dia de trabalho das mães. E falámos da luta das mulheres contra a carestia de vida e da participação das mulheres na luta pelas oito horas de trabalho.
Fizemos os caminhos da libertação. Em Lisboa, partimos do Largo do Carmo e descemos a R. da Misericórdia. No Largo da Trindade, falámos das telefonistas que, desafiando chefes e patrões, desceram para a rua distribuindo o leite e o pão, que lhes cabia, aos militares que faziam do dia 25 de Abril o mais belo dia da nossa História recente. Em Lagos, partimos do Antigo Quartel em direcção à Fortaleza da Ponta de Bandeira, onde foram encarcerados os serventuários do Regime e os seus arquivos, para culminar na primeira expressão organizada da nossa alegria colectiva: a Praça Gil Eanes onde, no dia 27 de Abril, teve lugar um dos primeiros comícios depois da Revolução. Oh, o 25 de Abril!? Foi um contentamento para a gente. Para mim e para as mulheres como eu. Foi a melhor coisa que aconteceu, disseram-nos.
E fizemos os caminhos do País novo que quisemos construir. Em Almada, fizemos os caminhos da criação, da música, da dança, da literatura, das artes plásticas, da cultura que fez Abril e das mulheres que com a sua arte o construíram. Falámos com Margarida Tengarrinha, Teresa Gafeira, Margarida Botelho. Em Almada, fizemos os caminhos da criação, da música, da dança, da literatura, das artes plásticas, da cultura que fez Abril e das mulheres que com a sua arte o construíram. Falámos com Margarida Tengarrinha, Teresa Gafeira, Margarida Botelho.
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Em Casebres, no Município de Alcácer do Sal, e em Santiago do Cacém fizemos os caminhos da Reforma Agrária, da determinação das mulheres na luta pela produção, pelo emprego, pela dignidade das mulheres. E fizemos também os caminhos da sua defesa. Ao longo dos percursos que fizemos, falámos também com e de muitas mulheres anónimas: Antónias, Augustas, Celestes, Hermínias, Luísas, Graças e tantas outras marias, que participaram nas lutas que conduziram ao 25 de Abril e na sua construção. Nesta viagem foram também muitas, as mulheres que nos acompanharam. Porque também nós, mulheres, fizemos parte da luta contra o fascismo. Operárias, camponesas, trabalhadoras do comércio e dos escritórios, criadoras, também nós, integrámos o combate à ditadura e lutámos pelos nossos direitos, gerais e específicos, transformando profundamente as nossas vidas. Apesar de, aos olhos da lei vigente antes do 25 de Abril, à mulher caber a procriação, a lida da casa e o dever de cuidar do marido, dos filhos, dos pais e dos sogros, as mulheres integraram fileiras, movimentos, combateram pela liberdade, pelo pão, pelo trabalho, contra a exploração.
Abril foi a libertação. Não eu não vou por aí! Eu vou por aqui! Este é o caminho que eu quero seguir! Da submissão às vontades masculinas, do pai ou do marido, as mulheres passaram a ter voz e, mais que isso, a ter a consciência da sua capacidade de decidir. E decidiram. E empenharam-se na construção de um País novo. E com isso ganharam a dignidade que a consciência da nossa importância colectiva e individual nos dá. Consciência que o trabalho, o salário digno, a participação constroem. E pegámos nesta nossa História colectiva e com ela fizemos uma exposição sobre os percursos das mulheres ao longo dos 48 anos de fascismo, a conquista da liberdade e a construção do Portugal novo. Porquê percorrer os caminhos percorridos? Porque comemorar Abril é celebrar as conquistas e os direitos alcançados pelas mulheres em Portugal e que é imperativo defender. Porque acreditamos que as mulheres também fazem a História Porque, ontem como hoje, a participação das mulheres importa Porque as mulheres que contribuíram para a conquista dos direitos agora ameaçados merecem essa homenagem E, sobretudo, para aprendermos, com a sua luta, com a sua criatividade, com a sua firmeza, com a sua força, com o seu exemplo. Viva o 25 de Abril! Viva o 9º Congresso!
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Saúde sexual e reprodutiva das mulheres em 2014: informar, apoiar, divulgar, incrementar Joana Sofio Évora
Em Outubro de 2014, em Portugal, o Supremo Tribunal Administrativo considerou que se deveria reduzir a indeminização médica a uma mulher lesada com mais de 50 anos, que já tinha filhos e porque a importância da vida sexual vai diminuindo ao longo da idade. Quando ouvimos este tipo de afirmações, o nosso movimento redobra o vigor na defesa da saúde das mulheres na nossa sociedade, no respeito pela plena vivência da sua sexualidade, opondo-se a que seja reduzida apenas aos aspetos reprodutivos. Também neste mês o Sínodo dos Bispos reafirmou a posição da Igreja Católica contra o recurso aos contracetivos e sua distância das técnicas de procriação medicamente assistida, aconselhando os casais inférteis a adotar crianças “órfãs e abandonadas”. Estas situações ilustram a premência de continuar a promover a educação sexual, a prevenção da gravidez não desejada, a luta contra o aborto não seguro e a defesa de uma sexualidade saudável. Com o encerramento da Maternidade Alfredo da Costa, previsto a qualquer instante, relembramos a importância de continuar a defender os cuidados perinatais acessíveis a toda a população, e também a necessidade de disponibilizar serviços especializados em questões relativas à saúde da mulher nas várias regiões do país. Na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (Cairo, 1994), 180 países reconheceram que a pobreza continua a ser o maior desafio ao desenvolvimento. No programa de ação da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovado em Pequim (1995) sobre os direitos das mulheres constatou-se que a discriminação social da mulher, o limitado acesso aos serviços sociais e de saúde – especialmente os de saúde reprodutiva – são fatores que impedem o desenvolvimento. E sublinhou o papel das Organizações Não Governamentais (ONG) para a promoção da saúde, incentivando o acesso à informação dos direitos, dos serviços que prestam cuidados, promovendo campanhas de educação para a saúde e/ou prevenção de doenças, orientando a participação das populações e a organização dos serviços para a prestação dos cuidados de saúde. Apesar das melhorias no acesso aos serviços de saúde na nossa região, alcançados após o 25 de Abril, há ainda muito a fazer. Estima-se (FNUAP, 2001) que em cada minuto 380 mulheres engravidam, 190 delas não planearam essa gravidez, 110 mulheres sofrem complicações relacionadas com a gravidez, 40 mulheres fazem um aborto não-seguro, 650 pessoas ficam infetadas com uma doença sexualmente transmissível curável, uma mulher morre por uma causa relacionada com a gravidez. Em Portugal, nos últimos anos, a adoção de políticas de desinvestimento no Serviço Nacional de Saúde, degradou o seu funcionamento e impediu o cumprimento do direito constitucional à saúde, atingindo particularmente as mulheres. Consideramos situações especialmente graves e preocupantes no Alentejo: o encerramento de maternidades e serviços de urgência; o aumento de taxas moderadoras e de medicamentos; a deficiente cobertura das consultas de planeamento familiar e a frequente rutura nos stocks de meios de contraceção gratuitos; o insuficiente rastreio do cancro da mama e do colo do útero; uma deficitária resposta em especialidades como geriatria e saúde mental; o débil acesso a exames complementares de diagnóstico e a educação sexual escolar ainda por concretizar. A saúde é indissociável da efetivação da igualdade e o reforço e dinamização do SNS são
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imprescindíveis ao desenvolvimento e ao bem - estar pessoal e social de todos os cidadãos e especificamente das mulheres. Por isso, o Movimento Democrático de Mulheres exige: 1. Reforço dos meios disponíveis para acompanhamento próximo e rigoroso das diversas dimensões da saúde das mulheres, de acordo com o seu ciclo de vida, nos domínios do rastreio, diagnóstico e tratamento; 2. Alargamento da comparticipação da vacina que previne o cancro do colo do útero no plano nacional de vacinação; 3. Efetivação do planeamento familiar e a educação sexual enquanto direitos universais no SNS, em conjugação com as escolas e as comunidades; Sabemos que a efetivação dos direitos sexuais e reprodutivos é uma exigência que pode significar mais e melhores cuidados, mais médicas/os e enfermeiras/os nos serviços de saúde, a eliminação das taxas moderadoras, a diversidade dos métodos anticoncecionais e o cumprimento no SNS da lei da IVG. Clamamos a urgência da aplicação dos direitos à saúde sexual e reprodutiva, garantindo às mulheres a sua autodeterminação e liberdade de decisão. Todas e todos têm direito à saúde, incluindo a saúde sexual ao longo do seu ciclo de vida - o direito à saúde, na sua definição mais lata, de proporcionar o bem-estar físico, mental e social num mundo económica e ecologicamente sustentável, sem violências sobre as mulheres. Viva o 9ºCongresso do MDM!
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A defesa da Segurança Social e a efectivação dos direitos das mulheres Tânia Mateus Lisboa
«Não é razoável pensar que o sistema de protecção social anterior à crise possa ficar inalterado». A afirmação é de Herwig Imervoll, economista da OCDE. É isto que nos bombardeiam, dia e noite, procurando convencer-nos que existem direitos de Segurança Social a mais, que não é sustentável o pagamento das diversas prestações e apoios sociais e, por isso, há que aceitar a redução destes direitos. Desde a criação do Sistema Público de Segurança Social – Regime Contributivo - procurou-se garantir um vasto leque de eventualidades e, o que determina os valores dessa cobertura, são as contribuições dos trabalhadores e da entidade empregadora, de acordo com os salários pagos. Se as mulheres trabalhadoras recebem salários mais baixos, o seu nível de protecção social na maternidade, no desemprego, na doença e na velhice será necessariamente mais baixos. Quanto menor a remuneração, menor o valor da pensão, do subsídio de desemprego, de doença e da licença de maternidade, e por isso as mulheres trabalhadoras, mesmo as que possuem longas carreiras contributivas, têm níveis de protecção social mais baixos e estão mais expostas a situações de pobreza e exclusão. No concreto, a pensão média da mulher corresponde a 57% da pensão média do homem. Quer isto dizer que a pensão média da mulher é de 304€- muito abaixo do limiar da pobreza1. Esta realidade é duplamente penalizadora face aos cortes nas pensões. As alterações legais ao enquadramento jurídico da Segurança Social, nomeadamente as alterações às regras e fórmulas de cálculo, têm como objectivo reduzir ainda mais as pensões dos reformados. É um processo que desvaloriza os descontos e os direitos de protecção social, altera as regras do jogo, e nós mulheres, no activo ou na reforma, temos sido feridas no direito a uma vida digna. Também no regime não contributivo da Segurança Social – no abono de família, no complemento solidário do idoso, nas pensões sociais e no rendimento social de inserção - os cortes e as limitações são injustos e brutais! Alguns dados de como o ataque é particularmente incisivo nas mulheres: * mais de 68%, dos beneficiários do Complemento Solidário do Idoso, são mulheres e, entre 2012 e 2013, cerca de 4.000 idosas perderam o direito a este complemento2; * mais de 51% dos beneficiários do Rendimento Social de Inserção são mulheres; destas, 31% são crianças e jovens com menos de 18 anos, e 46% têm entre 25 e 49 anos de idade; entre 2012 e 2013, mais de 33 mil mulheres perderam o direito a este apoio3. Para aceder a direitos mínimos, em situação de pobreza, pratica-se a devassa da vida privada, a partir do Estado. Somos obrigadas a fazer um striptease financeiro, profissional e familiar para poder, por exemplo, 1 Eugénio Rosa, «o factor de sustentabilidade vai reduzir a pensão em 3,9%, dos que se reformarem ou aposentarem em 2012» 2 Estatísticas – Segurança Social (2013) 3 Estatísticas – Segurança Social (2013)
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requerer o abono de família e talvez receber uma prestação de elevadíssimo valor, como é o caso do escalão mais alto que corresponde a 35,19€. Confunde-se solidariedade com caridade. Constrói-se uma teia de enganos, sustentada no falso argumento de que é preciso fazer sacrifícios para ajudar quem mais precisa, os mais carenciados. Todos temos que contribuir e, nos últimos anos, os cortes salariais, as contribuições de solidariedade extraordinárias, as alterações aos critérios de atribuição de prestações sociais, como o abono de família e o Complemento solidário do Idoso, têm agravado a nossa situação, o nosso direito a uma vida digna, a uma reforma digna, a uma maternidade/paternidade digna. O ataque ao sistema público, universal e solidário de Segurança Social é geral e articulado. Lança-se o pânico, afirmando que a Segurança Social não tem futuro, de que não haverá dinheiro para pagar as pensões, mas por outro lado, atenta-se contra o futuro da Segurança Social como, por exemplo, se pode constatar pela recente decisão de reduzir a Taxa Social Única - reduzir a contribuição das entidades empregadoras para a Segurança Social – e, assim, ganhar as entidades empregadoras para o aumento do Salário Mínimo Nacional. São actos de ilusionismo para nos distrair da defesa pelos nossos direitos. Cabe-nos defender o sistema público, universal e solidário da Segurança Social, sendo fundamental que as mulheres assumam a defesa deste sistema, como elemento indissociável do direito a uma vida com dignidade. Cabe a todas as mulheres, a defesa do nosso presente com os olhos no futuro. Viva o 9º Congresso do MDM!
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Duas décadas de Planos Nacionais para a Igualdade Isabel Cruz Lisboa
Caras amigas, Nos últimos 17 anos, temos assistido a uma sucessão de Resoluções1 emanadas pelo Conselho de Ministros, chamadas Planos para a Igualdade. O primeiro foi publicado em 1997 e o quinto, no final do ano passado. Foram aprovados, à vez, pelos governos do PS e do PSD/PP. Têm apresentado diversas designações, «Plano para a Igualdade de Oportunidades», «Plano para a Igualdade… [ou] Cidadania e Género… [ou] Género, Cidadania e Não discriminação». Todos convergem na pretensão de «Integrar o princípio da igualdade em todas as políticas públicas». Esta integração da igualdade nas políticas públicas é uma reivindicação do movimento das mulheres e, nestes Planos para a Igualdade, existem muitas matérias que correspondem a aspirações ou reivindicações que são bandeiras de luta de sucessivas gerações de mulheres. Contudo, durante este período, nem as políticas públicas adoptadas favoreceram dinâmicas de avanço nas condições de vida das mulheres, nem os Planos para a Igualdade promoveram a eliminação das discriminações, e nem sequer fizeram progredir a efectivação dos direitos específicos das mulheres. Todos os Planos para a Igualdade concebidos pelos sucessivos governos têm em comum, e comprovadamente, um impacto nulo na vida concreta das mulheres. Facto que sabemos, todas nós, pela experiência, facto que está reflectido nos indicadores estatísticos mais elementares incluídos na nossa proposta de Resolução, facto que tem sido demonstrado nos «relatórios de avaliação externa» onde se identificam a (muito conveniente) «falta de clareza na formulação das medidas […], a omissão de resultados esperados […] e a inexistência de metas calendarizadas». A realidade e a vida têm demonstrado que as políticas públicas não servem para realizar a igualdade, e também demonstram que os Planos para a Igualdade têm servido políticas públicas que são contrárias aos interesses e anseios das mulheres. E isto é um trama, um emaranhado que é preciso clarificar. Se os conteúdos das políticas públicas estão subordinados à matriz política e ideológica da União Europeia, como podem os Planos para a Igualdade ter êxito e responder aos legítimos anseios das mulheres? Não podem… 1 Resolução do Conselho de Ministros 49/1997, 6 Março - Plano Global para a Igualdade de Oportunidades (1997); Resolução do Conselho de Ministros 184/2003, 25 Novembro - II Plano Nacional para a Igualdade (2003/2006); Resolução do Conselho de Ministros n.º 82/2007, 22 Junho - III Plano Nacional para a Igualdade, Cidadania e Género (2007-2010); Resolução do Conselho de Ministros n.º 5/2011, 18 Janeiro - IV Plano Nacional para a Igualdade, Género, Cidadania e não Discriminação (2011/2013); Resolução do Conselho de Ministros n.º 103/2013, 31 Dezembro - V Plano Nacional para a Igualdade de Género, Cidadania e Não discriminação (2014/2017).
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Se as políticas públicas dos sucessivos governos determinam a redução da despesa pública e o controle do défice, a flexibilização das relações laborais e a desregulamentação dos horários, o incentivo ao trabalho a tempo parcial e à precariedade, a privatização dos serviços públicos e das funções sociais do Estado – com estas políticas, como se pode efectivar o direito à igualdade? Não pode… Estas políticas não promovem o direito à igualdade. A linguagem sobre a igualdade usada pelos governos, ou pela União Europeia, não passa disto, de um discurso “politicamente correcto” mas que não é inocente. Contém, de forma encapotada, uma mensagem perigosa: “afinal, se a igualdade já está na Lei, as mulheres não precisam de se organizar, nem de lutar, para defender os seus direitos”. Os sucessivos Planos da Igualdade não têm como objectivo a concretização do direito de todas as mulheres à igualdade, independentemente da condição social, da idade, da profissão ou da região onde vivam. Pelo contrário, atribuem a responsabilidade da sua concretização à esfera individual, a cada uma das mulheres, independentemente das suas circunstâncias pessoais ou familiares, de ordem económica, social e cultural. É o que se chama a igualdade formal, a igualdade que fica só no “papel”, uma igualdade estagnada que só fomenta retrocessos nas mentalidades e reaviva velhos preconceitos e estereótipos. É uma igualdade estéril que as mulheres devem recusar. São necessárias políticas públicas alternativas que sirvam e concretizem a igualdade e os direitos para as mulheres. São necessários novos Planos para a Igualdade cujas medidas constituam verdadeiros instrumentos geradores de valores de progresso e de emancipação social. Viva o 9º Congresso do Movimento Democrático de Mulheres!
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A Educação e a Ciência Lídia Ferreira Lisboa
Caras Delegadas de Organizações Internacionais, Convidados e Convidadas, Caras Congressistas Trago-vos um tópico que é também muito caro ao MDM: A Educação e a ciência. E é caro não só pela relevância que têm no contexto social, mas também porque nesta área as Mulheres são uma mais-valia. Quarenta anos depois do 25 de Abril dos que acabam o ensino secundário e a universidade, mais de 50% são Mulheres, e quanto a formação mais avançada, os doutoramentos, 62% dos doutorados são Mulheres. Em relação ao resto da UE, somos o País quem mais mulheres tem com formação universitária e doutoradas. É uma honra ver estas listas nos relatórios europeus, que põem Portugal em primeiro lugar, mais avançado em relação a todos os outros, sendo a única actividade em que tal acontece. O investimento feito em Ciência desde o 25 de Abril, permitiu criar estruturas de ensino e investigação de grande impacto, onde as Mulheres dão um contributo maioritário. Elas são a grande força na docência, na investigação, no desenvolvimento de projectos científicos, na criação de pequenas empresas inovadoras. O mercado de trabalho nas áreas de ciência e tecnologia é marcadamente feminino. No entanto, nem tudo é um mar de rosas. Embora altamente qualificadas, as Mulheres são uma minoria nos lugares do topo de carreiras e nos cargos onde são tomadas as decisões estratégicas. A desarticulação que está a ser feita no Sistema Científico e Tecnológico Nacional, como consequência da redução drástica do financiamento das universidades e unidades de investigação, conduz à redução do número de vagas para o ensino e investigação. A insustentabilidade da maioria das empresas, não garante, a grande parte dos nossos licenciados e doutorados, a possibilidade de encontrar trabalho, sendo obrigados a emigrar, o que nos põe em termos de fuga de cérebros ao nível dos países em desenvolvimento. As Mulheres, com formação superior e especializada, estão a par dos Homens no número dos que saem para encontrar noutro País um lugar adequado à sua formação. Perante a exiguidade de postos de trabalho e com a perda de garantias inerentes a alguns dos direitos básicos da Mulher, será difícil manter o alto nível de participação da Mulher numa carreira longa e empenhada, como é uma carreira científica. Iremos então deixar perder o que ganhámos? O MDM tem trazido para o debate público a nível nacional, questões que interessam às mulheres cientistas e investigadoras, em articulação com trabalhadoras e entidades promotoras do desenvolvimento local, numa perspectiva de desenvolvimento sustentável. O Ciclo de Colóquios Mulheres e Ciência Territórios de Empregabilidade e Saberes, foi um bom exemplo de discussão de iniciativas onde a ciência e a técnica tem um papel de relevo e que podem ser alternativas de sucesso para a economia, dinamização regional e local e também para a empregabilidade das mulheres. Muitas outras iniciativas se seguirão. Esta é mais uma das nossas lutas.
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9º Congresso MDM
{2º Painel} “A(s) violência(s) sobre as mulheres em Portugal e no Mundo”
A(s) violências sobre as mulheres em Portugal e no Mundo Sandra Benfica Lisboa
Queridas Amigas Congressistas, Prezadas convidadas e convidados, Propomo-nos neste painel abordar «A(s) violência(s) sobre as mulheres em Portugal e no Mundo», temática complexa e multifacetada a que o MDM tem dado especial atenção na sua reflexão e acção quotidiana, como revela o balanço do trabalho realizado, a analise que fazemos da Resolução e as propostas vertidas na Carta dos Direitos das mulheres que hoje discutimos e aprovamos. Destacamos este tema, exactamente por considerarmos que vivemos tempos em que se aprofundam velhas formas de exercício de violência contra as mulheres, formas essas identificadas à saciedade, de tal forma que integram a consciência social. Basta nos atermos às notícias ou consultar alguns dados estatísticos para constatar que assumem hoje proporções gritantes que não deixam ninguém indiferente. Contudo, esta nossa opção impõe-se também, para não dizer sobretudo, porque não compactuamos com a linha de conceitos, linguagens e conceptualizações que procuram reduzir como formas e tipos de violência contra as mulheres, as que ocorrem exclusivamente na esfera privada e nas relações de intimidade. Ao tipificá-las dessa forma, dando-lhe ainda o epíteto de “fenómenos”, como se fossem “meras coisas que acontecem na vida das pessoas” em resultado das suas características individuais e contextuais, colocam nas vítimas a culpa última pela situação em que se encontram. Ao atribuírem ainda às “mentalidades” a responsabilidade pelo sofrimento físico, sexual e psicológico de milhões de mulheres e raparigas em todo o mundo, ocultam que esse é o produto do modelo de sociedade capitalista, intrinsecamente violento, agressor dos povos e inimigo dos direitos das mulheres. É urgente denunciar que as dimensões da violência exercida sobre as mulheres, em Portugal, resultam da desfiguração da organização da sociedade em que cada vez mais predomina o poder exercido por uma minoria social sobre a grande maioria dos portugueses. Uma desfiguração que atenta e retrocede face aos ideais e conquistas da Revolução de Abril, alicerçadas na Constituição da República, de uma sociedade mais justa, mais igualitária, mais democrática e desenvolvida, com respeito pelos direitos das mulheres e pela igualdade em todos os domínios da vida. Sim, é verdade que esta desfiguração trás regressão nas mentalidades e nos valores sociais, mas como meio e produto e não como causa. É ela que cria o caldo de cultura que alimenta a violência física e psicológica sobre crianças, jovens e idosos; que alimenta os estereótipos sobre as mulheres, e as relações de domínio que se expressam na violência na esfera privada, no casamento e no namoro, bem como a violência extrema exercida sobre o corpo e a dignidade das mulheres traficadas e prostituídas. Uma realidade que aumenta, na medida exacta em que aumenta a pobreza e a exclusão social. Uma realidade intimamente ligada ao empobrecimento do País e consequente brutal agravamento das condições de vida e das injustiças sociais que afectam a larga maioria do povo português e penalizam fortemente as mulheres. Então não é também uma forma de violência a pobreza? Trabalhar por migalhas que quase não sacia a fome das próprias e dos que delas dependem? Trabalhar horas a fio, com horários e salários escravos? Ser precária toda uma vida perder a casa, o direito a
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prestações e apoios sociais quando mais se precisa? Ver roubada a reforma e pensão fruto de anos de trabalho e sacrifícios? Perder o acesso à saúde e aos direitos sexuais e reprodutivos, à justiça, à cultura e ao lazer? Não é uma violência o desemprego, o ter de recorrer à caridade? Cremos amigas, que estas dimensões da violência, que a tal consciência social ainda não integra como tal, porque não interessam aos seus autores, fere igualmente e de forma severa o estatuto e a dignidade de um vasto número de mulheres portuguesas: Que o digam, por exemplo, as professoras, penalizadas pela precariedade laboral e sujeitas a terem de andar com a «casa às costas»? As mulheres investigadoras, as mulheres da cultura a quem diariamente é imposta a desvalorização dos seus saberes e dos direitos laborais que lhe deveriam estar inerentes? As mulheres jovens, de várias profissões e habilitações, e a incerteza que pesa sobre as suas vidas e as faz adiarem sonhos e projectos de realização pessoal, profissional e social. As que são limitadas na decisão sobre o número de filhos e o momento que os desejam ter. As que sofrem actos de violência psicológica por sectores da sociedade que não aceitam a sua conquista ao direito de decidirem pela interrupção voluntária da gravidez. Queridas amigas, Este não é um mero problema de mentalidades, mas sim de políticas, que atentam severamente direitos das mulheres enquanto direitos humanos fundamentais em Portugal e no Mundo. Referindo uma vez mais a presença das nossas convidadas do Brasil, Grécia, Itália, Rússia, Cabo Verde, Guiné, Cuba, Sahara Ocidental e Palestina, daqui lhes asseguramos que o MDM, atento à tão exigente realidade nacional, não abranda um pouco que seja a expressão da sua solidariedade com a luta das mulheres no mundo inteiro. Daqui, mais uma vez as saudamos, queridas amigas, e vos dizemos bem-vindas ao nosso Congresso. Saibam que contam com o MDM, com a nossa luta comum, lado a lado, no combate à opressão, à fome, à doença e à pobreza. Saibam que contam com o MDM na nossa luta comum contra a exploração, as ocupações e as guerras. Saibam que contam com o MDM e que lado a lado prosseguiremos, sem baixar os braços, pela autodeterminação dos povos, pela paz, pela felicidade da humanidade. Uma última palavra para lançar o debate. Esta intervenção, como a acção do MDM, não assume uma visão catastrófica, mas sobretudo a convicção de que as mulheres portuguesas devem ganhar uma profunda consciência de que todas as violências exercidas sobre si e as suas famílias são crimes. * Crimes contra a democracia e a Constituição da República e que devem ser combatidos e eliminados através da sua luta organizada. * Crimes contra a sua dignidade e integridade física e psicológica que não podem ser silenciados e têm de ser combatidos, quer através da protecção social das suas vítimas, quer pela prevenção das suas causas, quer pela atribuição de responsabilidades. * Crimes contra a paz e a soberania dos povos. E contra todos estes crimes é preciso que a luta das mulheres não abrande, nem em Portugal, nem no Mundo. O Movimento Democrático de Mulheres e as organizações de mulheres, de que as que estão no nosso Congresso são um firme exemplo, são indispensáveis no quadro das forças progressistas de cada país e no Mundo para inverter este ciclo negro que marca a história de Portugal e da Humanidade no século XXI.
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A situação das mulheres no Mundo Rute Pina Setúbal
Este 9º Congresso decorre numa altura em que a situação na Europa é muito preocupante, marcada pelo avanço eleitoral das forças do nazi-fascismo em vários países da União Europeia e por conflitos armados levadas a cabo por forças fascistas que, à margem dos tratados internacionais, destroem instituições e governos democraticamente eleitos e abrem caminhos para intervenções da NATO em regiões do leste europeu. Em África, são evidentes algumas melhorias quanto à participação das mulheres no exercício de cargos de poder, em alguns países, bem como nas suas condições de vida, educação e saúde, mas crescem as preocupações com o aumento da violência e da guerra, sem fim à vista, alastrando a fome e a destruição. As mulheres Saharauis e o povo Saharaui prosseguem a sua luta e a denúncia da ocupação ilegal do Sahara Ocidental por parte de Marrocos, assim como o espólio de recursos naturais por parte da potência ocupante. Procuram sensibilizar as Nações Unidas e os países do Conselho de Segurança para promover o referendo que permita a expressão do povo. Prossegue a luta na América latina, onde o imperialismo procura claramente intervir e sabotar os processos progressistas de vários países. As mulheres desenvolvem lutas de apoio à revolução cubana, contra o bloqueio e pela libertação dos seus 5 heróis presos injustamente “como terroristas” nos EUA. Solidarizam-se com os países da revolução bolivariana, com os povos indígenas da amazónia equatoriana, pela concretização do diálogo de paz na Colômbia. Na Ásia, as mulheres do Vietname lutam ainda contra os efeitos do colonialismo e das guerras de independência contra os EUA. Em Portugal, na Grécia, em Espanha, na Itália, na Grã-Bretanha, Chipre e por toda a Europa persistem as discriminações contra as mulheres e as desigualdades sociais. As violações sexuais e a violência doméstica, a pobreza feminina, o tráfico de mulheres e crianças e a prostituição aumentam, em consequência do empobrecimento das famílias, da precariedade e do desemprego, bem como das desigualdades e profundas assimetrias na distribuição da riqueza. Os povos árabes lutam pelo seu direito de libertação nacional, independência, liberdade e justiça social, contra a ofensiva imperialista – sionista – reaccionária – “taqfirista”, que sacode toda a região, particularmente a Síria, Líbano, Iraque, Bahrein entre outros, sendo a sua luta central a causa da Palestina e o direito inalienável do povo palestino em construir o seu estado independente. A luta das mulheres da Palestina está entrelaçada com a luta das mulheres árabes contra o sionismo e a guerra que o estado de Israel instiga em toda a região, sufocando o mundo com a hipocrisia e a demagogia de se defender de ataques palestinos. Em todas as partes do mundo se torna imprescindível a integração e desenvolvimento das organizações de mulheres como parte integrante dos movimentos sociais, força mobilizadora contra a militarização e o uso de armas que o imperialismo emprega, sejam armas ideológicas, informáticas, económicas, ambientais ou sociais. O MDM integra a direcção da FDIM – Federação Democrática Internacional de Mulheres - e desenvolve a sua acção internacional prioritariamente nesse quadro, sob a égide das grandes
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consignas mobilizadoras das mulheres no mundo, por direitos, pela igualdade, o desenvolvimento e a paz, objectivos indissociáveis e que se articulam proporcionando o bem-estar e a felicidade a que todas aspiram. O 70º aniversário da FDIM, que decorre no ano de 2015, será um momento áureo para alargar a sua influência e mostrar ao mundo a sua vigorosa determinação em travar os focos de guerra e lutar pela Paz. Somos solidárias com as mulheres heroicas que constroem nos seus países espaços de amizade, cultura, sonhos, e erguem os seus países das ruínas, provocadas pelas bombas e minas, e com todas as que combatem todas as formas de opressão, a fome e a pobreza que oprime os seus países, sujeitos às ameaças e ao controle das forças do mundo capitalista e imperialista, que usam a guerra e a exploração, nas suas várias facetas, tentando impor o neocolonialismo para melhor explorarem os recursos naturais desses países. O MDM manifesta a sua solidariedade para com as mulheres e suas organizações que, em vários países europeus, denunciam os resultados das políticas de austeridade impostas, que são medidas de agressão contra os direitos alcançados por uma luta secular dos trabalhadores e das trabalhadoras pelo direito ao emprego, à saúde e à educação, e preocupa-se com a emergência de forças fascistas no território europeu, de sistemas autoritários e repressivos, de movimentos social-democratas e democratas cristãos que permitem a perversa associação entre o fascismo e o comunismo, para justificar a repressão e o silenciamento das forças progressistas, sejam movimentos ou partidos políticos. O MDM está confiante na grande força colectiva de mulheres que, com a sua voz, a sua mobilização e entusiasmo, continua a defender um mundo mais justo e de igualdade para todas as mulheres. Disse.
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Um exemplo de exploração no local de trabalho Helena Frazão Coimbra
Boa tarde amigas, É para mim uma grande honra poder dirigir-me ao nosso Congresso em nome das Mulheres de Coimbra. Trago-vos um abraço de todas as que não puderam estar aqui fisicamente, mas que não deixam de sentir, como sua, esta festa da participação das mulheres que lutam em defesa dos seus direitos, pelo trabalho, pela paz, pelo pão, pela sua dignificação, e pela própria dignidade que nos querem arrancar. Sou, para além de ativista do MDM, dirigente sindical da Hotelaria, actividade que abracei com algum receio de errar, de não ser capaz de corresponder à responsabilidade de dar voz às minhas camaradas de labuta. Muito hesitei, mas com o apoio do marido e restante família aceitei e digo-vos amigas, que aqui estou a falar-vos e sim, sou capaz e dou e darei o melhor do que sou e sei, em prol de uma sociedade mais justa para todas(os) nós. Amigas, Como dirigente do sindicato de hotelaria o universo de mulheres trabalhadoras é muito superior ao dos homens e com elas temos travado algumas lutas, das quais destaco as lutas das trabalhadoras(es) do SUCH pela reposição do subsídio de alimentação, que a empresa unilateralmente decidiu reduzir, e do pagamento de 200% do trabalho prestado em dia feriado, de acordo com o Contrato coletivo de trabalho (CCT).Nesta luta as(os) trabalhadoras(es) do SUCH, empresa na qual também eu trabalho, deslocaram-se em manifestação a Lisboa, à sede da empresa com o objectivo de se fazerem ouvir. Nessa deslocação contámos com a presença do MDM, que se deslocou à concentração, para dar apoio às trabalhadoras, entregando a “Declaração às Mulheres Portuguesas” aprovada no anterior Congresso. Essa presença e apoio foi muito importante até para que estas(es) trabalhadoras soubessem que na luta estamos todas(os) juntas(os). De regresso a casa, algumas tomaram a iniciativa de aderirem ao MDM. Esta experiência de trabalho do MDM, sendo pequenina, foi grande e mostrou potencialidades de novas adesões ao Movimento, de elevação da consciência para a importância da participação das mulheres nas suas organizações e para a unidade, que são as alavancas fundamentais para engrossar a luta das mulheres contra as discriminações de que são alvo e na defesa dos seus direitos. Amigas, importa sublinhar que o resultado da luta das(os) trabalhadoras(es) da SUCH foi a empresa sentar-se á mesa com os sindicatos e estas(es) trabalhadoras(es) passarem a receber o trabalho prestado em dia feriado a 150% até Dezembro de 2014 e, já em Janeiro de 2015, a 200% de acordo com o CCT. Esta vitória é muito importante, mas não chega e, por isso, estamos aí na luta, para a reposição dos feriados roubados e a reposição dos direitos conquistados, e por aumento de salário; já no próximo dia 13 de Novembro as(os) trabalhadoras(es) das cantinas iram aderir a um pré-aviso de greve, sim e digo-vos que irão aderir porque Amigas, na parte que me toca a mim, irei trabalhar para a derrota deste governo até que a “pide” me permita. Viva os trabalhadores! Viva o MDM!
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A multiplicidade das violências um real bem feminino Manuela Antunes da Silva Aveiro
Coube-me a mim, falar-vos um pouco do nosso olhar sobre a multiplicidade das violências que vitimam especialmente as mulheres. Todas nós conhecemos bem o significado deste flagelo, que abrange uma enorme variedade de aspetos da vida de muitas mulheres, do privado ao público, do social ao político. Ficam aqui só algumas referências de dados revelados recentemente: a nível europeu, 80% das vítimas de tráfico humano na UE são mulheres. A nível global, o Fundo das Nações Unidas para a Infância revela que «quase uma em cada quatro raparigas adolescentes é vítima de violência física» e ainda que, uma em cada dez raparigas menores de 20 anos, passou por experiências de relações sexuais forçadas. Em Portugal, o número de casos de abuso sexual de menores a ser investigado aumentou em 14%, em 2013. Todos os dias nos chegam relatos de maus-tratos exercidos sobre mulheres idosas, que vivem em situações de extrema vulnerabilidade, perpetrados tanto na esfera familiar, como em instituições de acolhimento. Chegam-nos relatos de novas formas de prostituição juvenil, de mulheres maltratadas pelos próprios filhos adolescentes, de perseguição e assédio moral sobre trabalhadoras. A perceção que temos da dimensão deste fenómeno é de que existe, hoje, um caldo de cultura propício ao recrudescimento da violência sobre as mulheres. O desemprego, a precariedade, as políticas de desinvestimento económico e social, em geral, conjugadas com as desigualdades sociais gritantes, as práticas discriminatórias contra as mulheres caraterizam contextos socioeconómicos, culturais e pessoais facilitadores de violências de todo o tipo, desde a violência doméstica e no namoro, ao tráfico, à prostituição, ao assédio moral e sexual no local de trabalho, ou mesmo às violências de novo tipo como a ciberviolência.
O papel do MDM, ao longo do tempo O MDM (Movimento Democrático de Mulheres) iniciou mesmo a discussão pública sobre estas temáticas, em tempos em que ainda pouco se ouvia falar sobre este fenómeno. Nos anos 80 e 90 do século XX, esta questão teve uma presença constante na ação política do MDM, através da denúncia, do debate, da reivindicação junto dos órgãos de poder. Defendíamos então a criação de instrumentos de combate à violência doméstica e de apoio às vítimas, através de produção de legislação adequada e da criação das casas de abrigo para mulheres vítimas de violência. Refiro, como exemplo das inúmeras iniciativas então realizadas, a organização de um tribunal de opinião pública contra a violência, numa verdadeira sala de audiências no Centro de Estudos Judiciários, em Lisboa, ainda nos anos 80. Em resultado das longas lutas do MDM, de outros movimentos de mulheres e de outras instituições que a nível nacional e internacional se envolveram nesta batalha, foram adotadas algumas medidas e criados alguns instrumentos positivos de apoio às mulheres vítimas. Entre esses instrumentos destaca-se a Lei n.º 107/99, de 3 de Agosto, as respetivas alterações ao Código Penal e, mais recentemente, os vários planos nacionais sobre as temáticas da igualdade e das múltiplas violências que continuam a atingir especialmente as mulheres. O MDM, desde 2005, que desenvolve projetos financiados pelos fundos estruturais europeus, especificamente destinados à prevenção e combate das violências, desde o tráfico e a prostituição,
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à violência doméstica e no namoro. Intervém diretamente junto de públicos-alvo vítimas de violência, promove o debate das temáticas em causa, envolvendo outras organizações e parceiros, reivindica novas políticas, aponta novos caminhos.
Âmbito internacional Mesmo a nível internacional, a preocupação sobre as temáticas das violências é relativamente recente. Só em 1979, a Comunidade Internacional, através da Assembleia Geral das Nações Unidas, promulgou a primeira Convenção sobre este fenómeno. Refiro-me à “Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres”. Entretanto, ao nível das várias instâncias internacionais, foram sendo produzidos vários instrumentos legais com o objetivo de vincular os estados a introduzir, nas suas próprias leis, medidas de prevenção e combate às violências sobre as mulheres. A produção continuada de legislação internacional tem revelado que estes fenómenos continuam a ter um âmbito transnacional, e que já não pode ser tolerado qualquer direito dos homens (pais, maridos, namorados ou companheiros) a exercer qualquer tipo de violência sobre as mulheres, sob qualquer pretexto, nomeadamente de ordem cultural, ou a conferir legitimidade a atos de violência, mesmo quando praticados na privacidade da vida familiar. A mais jovem Convenção sobre Violência Contra as Mulheres é europeia. Trata-se da chamada Convenção de Istambul, da responsabilidade do Conselho da Europa (CE), de Maio de 2011, ratificada já por Portugal. É importante porque trata a multiplicidade das violências que atinge as mulheres, pelo facto de serem mulheres, porque aponta para a necessidade de criação de novos instrumentos legislativos que agilizem os procedimentos, defendam e protejam as vítimas e as testemunhas, porque chama a atenção para o papel que tem de caber aos estados na promoção de políticas de defesa da igualdade de direitos entre mulheres e homens, nomeadamente com a adoção de medidas de discriminação positiva e de prevenção das desigualdades. É nosso entender que a Assembleia da República deve, quanto antes, legislar, adequando a Lei às recomendações da Convenção de Istambul.
Conclusão Temos pois, hoje, um significativo conjunto de instrumentos legais no que respeita ao combate e prevenção das violências sobre as mulheres. Porém, a lei, seja de que origem for, nacional ou internacional, não muda só por si os comportamentos, os hábitos ou as convicções. Ajuda e legitima essa mudança, mas, em Portugal, sem uma profunda alteração política, que restitua os direitos perdidos, sejam laborais, sejam sociais, que de uma forma tão intensa e comprometida as mulheres ajudaram a conquistar com Abril, não haverá mudanças. Haverá remendos que poderão apenas tornar algumas feridas menos dolorosas. Não podemos correr o risco de transformar as leis em piedosas declarações de intenções. A violência contra as mulheres continuará a ser um tema de estudo, de intervenção e de luta do MDM. A violência contem em si uma dimensão discriminatória objetiva, quer na sua natureza, quer nos seus efeitos, que não podemos tolerar. É geradora de constrangimentos e impedimentos à participação plena, em igualdade, das mulheres maltratadas, tanto na vida privada como familiar, tanto na vida social como na vida pública. Tem de ser prevenida, tem de ser combatida. Aqui estaremos para continuar esta luta.
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O assédio moral no local de trabalho Andrea Doroteia Aveiro
Em nome da União de Sindicatos de Aveiro CGTP-IN, quero começar por saudar o 9º Congresso do Movimento Democrático de Mulheres, na certeza que ele constitui um momento alto para o reforço do movimento das mulheres portuguesas que não abdicam de sonhar e viver melhor. Vários tem sido os momentos em que temos tido a oportunidade de trabalhar em conjunto com o MDM. Disso é exemplo recente o Projecto Viver Direitos Vencer Violências, que, para nós, constituiu uma experiência muito importante, pois foi possível aprofundar o debate sobre o assédio moral nos locais de trabalho, que constitui hoje uma realidade, infelizmente presente em muitos locais de trabalho, e que incide particularmente nas mulheres. Poderemos mesmo afirmar que não existe nenhum sector de actividade onde não haja vítimas de assédio. Este fenómeno tende a banalizar-se em resultado de estratégias patronais para afastar trabalhadores incómodos ou indesejados, da persistência de elevados níveis de desemprego, que frequentemente forçam os trabalhadores a aceitar situações humilhantes e de modos de organização de trabalho que tem práticas de gestão mais stressantes, desumanizadas e potenciadoras de grande competição entre os trabalhadores, que levam à desvalorização do trabalho. O assédio contamina o ambiente de trabalho e pode ter uma consequência devastadora sobre as vítimas, e sobre os colegas que observam a intimidação e o clima de medo que instalam e conduzem à degradação das condições de trabalho. Provoca danos na saúde, tem consequências pessoais graves tais como perda de auto estima, ansiedade, rejeição ao local de trabalho, perturbações do sono, de pele, apatia, irritabilidade, perturbação de memória, problemas gastro-intestinais que conduzem muitas vezes a baixas intermitentes ou mais prolongadas. O assédio moral é um comportamento sistemático indesejado (gesto, palavra, atitude) praticado com algum grau de reiteração (repetição) e tem como objectivo ou efeito afectar a dignidade da pessoa ou criar um ambiente initimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador. O assédio é moral quando consiste em ataques verbais de conteúdo ofensivo ou humilhante e físicos, podendo abranger a violência física e ou psicológica, visando diminuir a autoestima da vítima e em última análise a sua desvinculação ao posto de trabalho. O assédio não é um problema ético ou moral. Ele tem de ser enquadrado na estratégia de agravamento da exploração, particularmente sobre as mulheres, por parte do patronato, confiado no apoio explícito e implícito da política de direita dos últimos 38 anos, que interrompeu um tempo novo de avanço impetuoso nas conquistas e direitos de quem trabalha e designadamente das mulheres, que foi a Revolução Libertadora do 25 de Abril, de que este ano comemoramos o seu 40º Aniversário. A este propósito, quero chamar a atenção das camaradas e amigas, para a recente notícia de que duas das maiores e mais conhecidas empresas do mundo, empresas símbolo da modernidade, a Apple e a Facebook, pretenderiam pagar às suas trabalhadoras para congelarem os óvulos para não engravidarem, num período em que a empresa precise delas. E, ainda por cima, pretendem
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apresentar isso como coisa moderna! Isto até pode ser apenas “atirar o barro à parede”, como se diz na minha terra. Mas mostra bem que o Capital, camaradas, não tem limites. Que maior assédio pode haver, que dizer a uma mulher que quer ser mãe, que o não pode ser porque isso não serve os superiores interesses do lucro da empresa? E com que outras formas de assédio tentarão impor o primeiro? Não temos que ter medo de lutar pela efectivação de direitos, liberdades e garantias constitucionais, nós cumprimos os nossos deveres, temos razões acrescidas para exigir que respeitem os nossos direitos. O assédio é proibido! A indiferença é desumana, todos podemos ser vítimas de assédio! Quem cala consente! É preciso denunciar para o combater! Viva o 9º Congresso do MDM !
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O MDM na defesa da função social da maternidade Elsa Couchinho Lisboa
O nosso encontro faz-se sob o lema: Pelos direitos e dignidade das mulheres - a urgência de lutar por Abril. Entre 1974 e o início dos anos 80, Portugal sobe rapidamente nos índices de desenvolvimento humano; neste período está entre os países da Europa em que as mudanças são mais rápidas e mais significativas, fruto das profundas transformações sociais, políticas, económicas e culturais conquistadas com a Revolução de Abril. Se continuarmos a observar os gráficos de desenvolvimento humano, verificamos que, depois do início dos anos 80, a grande maioria dos índices de desenvolvimento humano começa consistentemente a estagnar e, com o tempo, a descer até aos dias de hoje. Mantiveram-se ou melhoraram de forma menos significativa, elementos ligados sobretudo à saúde, como é o caso da taxa de mortalidade infantil. Sabemos o quanto nos tem custado cada conquista e cada retrocesso. No que diz respeito à maternidade muitas de nós ainda se recordam de ouvir falar na baixa de parto. Foi e é uma luta das mulheres ver reconhecido o direito à maternidade, não só pela condição biológica ligada à recuperação do parto ou à amamentação, mas também pelo reconhecimento e valorização dos elementos relacionais e afectivos que salvaguardam o desenvolvimento das crianças. Foi uma luta e é uma conquista das mulheres a existência de uma rede de cuidados de saúde primários que incluiu o planeamento familiar e a saúde materno-infantil. Foi uma luta e é uma conquista das mulheres o que hoje todas denominamos licença de maternidade. Foi uma luta e é uma conquista das mulheres que hoje a interrupção voluntária de gravidez se faça por vontade da mulher e em condições de segurança no sistema nacional de saúde. Foi uma luta e é uma conquista das mulheres que a licença de maternidade seja um direito das mães que adoptaram os seus filhos. Foi uma luta e é uma conquista das mulheres cada aumento do período de licença de maternidade. Foi uma luta e é uma conquista das mulheres a criação de uma rede pública de ensino pré-escolar. Foi e é uma conquista das mulheres que hoje falemos de licença de maternidade e de paternidade, caminhando no sentido da igualdade de direitos e deveres de pais e mães no que diz respeito aos cuidados e educação dos seus filhos. Estes avanços são grandes, mas reparem como cada um deles se deparou e depara permanentemente com fortes obstáculos. O alargamento da licença de maternidade e de paternidade é uma luta actual, devendo ter como objectivo aproximar-se gradualmente de um período mais adequado às necessidades das crianças e das famílias. Esse alargamento só poderá ser um direito efectivo se eliminarmos a condição de desigualdade a que hoje está sujeito. Ou seja, esse período não deve implicar uma perda de rendimentos. Esta contradição da lei não é inocente, não surge do acaso, revela que a maternidade e a paternidade, tal como a saúde e a educação, são cada vez mais para uma minoria, para quem pode.
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Outro elemento importante é que nos últimos 30 anos, as entidades patronais ganharam e ganham com a impunidade pela não aplicação das leis. Impunidade que se revela no despudor com que se propõem contratos laborais que obrigam as mulheres em idade fértil a assumir o compromisso de não engravidar. Impunidade face ao despedimento de mulheres e homens que optaram por fazer valer os seus direitos de maternidade e paternidade. Esta impunidade também não é inocente e não surge do acaso. Precisamos de ir mais longe para compreendermos porque efectivamente a maternidade não é um direito pleno, para compreendermos que apesar dos avanços a taxa de natalidade continua dramaticamente baixa. A realidade é que a par destes avanços nos deparamos com inúmeros retrocessos, porque sem outros direitos esses avanços são curtos e não são sustentáveis. A situação social com que nos deparamos hoje é dramática mas é necessário compreendermos de onde vem. O empobrecimento é hoje uma realidade inegável, mas é necessário lembrar que o poder de compra de quem trabalha diminuiu sistematicamente nos últimos trinta anos. As mulheres e as crianças estão entre aqueles que mais são atingidos pela pobreza, esta é uma consequência inegável da disparidade salarial que se mantém entre homens e mulheres. Com os seus baixos salários as mulheres encontram-se mais desprotegidas quando se deparam com situações de desemprego ou doença e, como é evidente, quando se reformam. Trinta anos de ataque à contratação colectiva e ao trabalho com direitos, trinta anos que se inauguram com a instituição dos recibos verdes, passando pelo Código do Trabalho e mais tarde pela sua revisão. Desembocando na praga de trabalho precário que atinge todos, mas em especial os jovens. Desregulando horários de trabalho com graves consequências para a saúde de quem trabalha e também para a vida familiar. Trinta anos em que foi sendo cada vez mais difícil o acesso ao trabalho com direitos, o acesso à habitação, à saúde e à educação. É pois uma evidência que as medidas de protecção à maternidade e à paternidade, quando desligadas de outras, têm um impacto reduzido. Por outro lado, vemos como os retrocessos relatados interferem profundamente no período do ciclo de vida em que se encontram os jovens adultos, e que se caracteriza pela conquista plena da sua autonomia, pelo estabelecimento de relacionamentos amorosos, pelo equacionar a constituição da sua própria família e dentro do projecto de família equacionar ou não o nascimento de crianças; no caso das jovens mulheres temos ainda que ter em conta a sua condição biológica, que limita a possibilidade de engravidar dentro da idade fértil. Com ou sem crianças os jovens adultos iniciam um processo de mudança em si próprios e nas famílias que culminará, entre outras coisas, com assumir para si que passarão da condição de ser cuidados à condição de cuidadores. Cuidadores de si, das novas gerações e das gerações mais velhas. É necessário resgatar os valores e as conquistas de Abril. Para terminar, e como forma de continuar a ilustrar a urgência de lutar por Abril, aponto os seguintes retratos da nossa realidade: Hoje existem, tanto quanto sei, duas praças de jorna: uma na baixa de Lisboa, outra na margem Sul.
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Existem contratos de trabalho ao dia, por exemplo em call-center´s. Existem contratos de trabalho ao mês e, trabalhando dentro do mesmo grupo económico mas supostamente para empresas diferentes, passam 7, 8, 9 anos sem que se gozem férias, como é o caso do grupo Jerónimo Martins. Hoje há contratos a tempo zero, sim contratos escritos sem salário na área da ciência e investigação realizados por entidades públicas. Hoje, em Guimarães, numa empresa de calçado as operárias trabalham 16 horas, com um ritmo de linha desumano, em pé, ouvindo a espaço o director fabril dizer “cabeça para baixo”; ganham o salário mínimo; as decla-rações médicas suspendendo as horas extraordinárias, por motivos de saúde, são rasgadas. Esta empresa de calçado em Guimarães está prestes a entrar em lay-off, durante quinze dias, porque se vai instalar um novo robot, porque é necessário fazer uns arranjos, umas pinturas, porque em breve, antes do final do ano, haverá a visita oficial do Presidente da República. Ficarão a saber o nome da empresa numa qualquer reportagem catita sobre empresas, inovação e empreendedorismo. Na próxima semana, em Coimbra, um jovem casal festejará o primeiro aniversário do seu bebé, é dia 31, é dia de semana, é dia de trabalho. Ambos saem de casa às 7:30, ele regressa entre as 7:30 e as 20h, ela não sabe. No final do financiamento da sua bolsa de investigação, ficará desempregada, faltam 14 meses. Querem ter uma vida melhor, querem ter outro filho e por isso falam na possibilidade de emigrar. Em 2008 conheci uma jovem mulher que vivia com o seu bebé e o seu companheiro num quarto alugado em Lisboa. Foi a segunda mulher que me contou que começou a trabalhar uma semana depois do bébé nascer; aos três meses este deixou de a acompanhar para o trabalho e passou a ficar numa creche, foi a primeira vez que teve acesso a brinquedos e este detalhe fez-me fixar a data. Depois de 2008 começaram a ser muitas as mulheres que na restauração ou nos salões de cabeleireiros começaram a trabalhar uma semana ou um mês depois do nascimento dos seus filhos. Muitas, embora uma única seja demais. Em 2008 numa das creches que conheci bem, na totalidade de uma sala de bebés, e de duas salas entre os 18 meses e os três anos, apenas duas mães tinham contrato de trabalho sem termo, todas as outras trabalhavam sem contrato. Nenhuma ganhava mais que o salário mínimo, duas não chegavam a ganhá-lo. Uma trabalhava 7 horas por dia, as outras entre 12 a 18 horas. Todas trabalhavam ao sábado. Hoje é cada vez maior o número de jovens mulheres que adia e torna a adiar o projecto de ser mãe, porque se encontram demasiado ocupadas a garantir os mínimos para a sua subsistência. É por isto e por muito mais que é urgente lutar por Abril! Viva as mulheres que lutam! Viva o MDM!
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A violência no namoro Maria Joana Pereira Aveiro
O fenómeno da violência no namoro tem vindo a manifestar-se de forma preocupante na sociedade atual. Os jovens que hoje vivem numa sociedade de consumo e num contexto de globalização exacerbada são vítimas de uma cultura individualista, onde as sombras do passado de uma sociedade tradicionalista se manifestam. Os jovens são vítimas da existência da pressa constante e da aceleração presentes, a “Cultura Agorista”, que acaba por interferir negativamente no desenvolvimento do caracter, estagnando a sociedade enquanto conjunto evolutivo. Bauman, criador deste conceito, afirma até: “o querer que o tempo pare é sintoma de estupidez, preguiça ou incompetência; é um crime passível de punição”. Estamos, pois, convictas que o fenómeno da violência no namoro, entre outros, retrata bem a vivência desta “Cultura Agorista”. Com o fenómeno da violência no namoro, se analisado com maior profundidade, verificamos que não estamos perante a evolução que se esperava e desejava e também vislumbramos traços de retrocesso nos comportamentos entre homens e mulheres. Desde 2005 que o MDM se vem preocupando com esta temática e que tem vindo a promover um trabalho de reflexão e sensibilização importantíssimo, evidenciado nos projetos levados a cabo em 2013 e 2014, nos distritos do Porto, Aveiro e Évora. O contacto que temos vindo a promover com as escolas confirma a irradiação deste fenómeno, desde o controle de SMS, até ao controlo nas redes sociais, passando pela verbalização de sentimentos e conceitos negativos e atingindo mesmo a agressão física. Confirmam-se, pois, os estudos sobre a temática, reiterando o facto de que nas relações de intimidade entre jovens estão frequentemente presentes atos de violência (como se de uma realidade normal se tratasse), em maior ou menor grau. Aliás, verifica-se que, à medida que as relações de namoro se prolongam no tempo, a violência tem tendência a aumentar, constituindo frequentemente a antecâmara da violência conjugal. Apesar de alguns estudos de natureza quantitativa revelarem níveis de agressão e vitimização idênticos entre rapazes e raparigas, a perceção que temos, decorrente dos contatos diretos com jovens adolescentes e com professores e professoras que intervêm em áreas de educação para a igualdade, saúde e cidadania, é a de que existem, também aqui, diferenças perturbadoras entre os sexos. A verdade é que, entre mitos e preconceitos, a experiência vai-nos revelando que: * Os rapazes aparecem como principais agentes da violência física, enquanto se atribui mais a violência psicológica às raparigas; * As raparigas são as principais vítimas na violência sexual; * Justifica-se mais a violência com base no ciúme; * Se enfatizam as diferenças biológicas e psicológicas entre rapazes e raparigas para explicar os diferentes comportamentos face à violência.
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Estes exemplos alertam-nos para a permanência de conceções estereotipadas quanto aos papéis de ambos os sexos, que se traduzem na discriminação das mulheres na situação de vivências íntimas de namoro. Podemos com isto afirmar que nesta “Cultura Agorista” que envolve a sociedade atual, e os jovens em particular, dificilmente se estabelecem vínculos duradouros. Porém, constatámos ainda uma grande abertura dos jovens nas campanhas de sensibilização, provavelmente como resultado de uma maior visibilidade da temática na sociedade, percebendo que os jovens já são capazes de identificar as diferentes formas de abuso, quer físico, quer psicológico, quer sexual. Apercebemo-nos também que este trabalho de sensibilização tem dado frutos e que os jovens percebem as implicações nefastas que o comportamento violento poderá produzir nas vítimas, a curto, médio e longo prazo, acabando os jovens por concluir pela reprovação do uso da violência. Este trabalho de sensibilização é fundamental e tem sido objeto de grande preocupação da nossa parte, nomeadamente, com a produção de materiais pedagógicos que têm sido testados, em várias escolas, com êxito. Aliás o artigo 14º da convenção de Istambul, já ratificado por Portugal em 2013, incentiva os estados a “incluir nos currículos escolares de todos os níveis de ensino adaptado ao nível de desenvolvimento dos alunos sobre questões tais como a igualdade entre as mulheres e os homens os papeis de género não estereotipados, respeito mutuo, a resolução não violenta dos conflitos nas relações interpessoais, a violência de género exercida contra as mulheres e o direito à integridade pessoal”. Apercebemo-nos, claramente, de que sempre que os adolescentes e jovens repelem esta “Cultura Agorista” de Baumam e a partir do momento em que estes passam a ter tempo e espaço para refletir, pensar e sentir, a problemática da violência passa a ter contornos diferentes e que os próprios jovens passam a ser agentes ativos no combate a este fenómeno. Permitam-me citar um grande escritor, Rilke, que em 1903 teve a sabedoria de expressar as seguintes palavras em resposta direta a um amigo:
“O senhor é tão jovem, tem ainda tanta coisa à sua frente que gostaria de lhe pedir, caro senhor, tanto quanto me é possível, para ter paciência perante tudo o que ainda está por resolver no seu coração e que tente amar as próprias perguntas como uma sala fechada e livros que tenham sido escritos numa língua remota.” Rilke, 16 de Julho de 1903 Esta realidade, que não pode ser subestimada, coloca na ordem do dia a importância do movimento de mulheres na reflexão e intervenção no combate às discriminações de que as mulheres são vítimas, em todos os aspetos da vida, nomeadamente ao nível da violência do namoro e da violência doméstica.
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Precariedade laboral e desemprego Vidas a termo incerto
Isabel Neto Lisboa
Venho aqui falar-vos, sobre o que é ser mulher e trabalhadora precária hoje, passados que estão 40 anos do 25 de Abril. Pois bem, não é fácil transmitir esse sentimento, por que ele é uma sensação de impossibilidade de ter um presente (ou um futuro), e isto é difícil de, em poucas palavras, o explicar. Vou, assim, falar da minha experiência pessoal e da de algumas colegas, que comigo trabalharam e continuam a trabalhar nessas condições. Já nem falo de um contrato de 6 meses ou mesmo de um mês. Falo-vos de, por exemplo, ter um contrato de trabalho que se renova a cada 7 dias! Sim, a cada semana…. Naturalmente, que neste momento questionam se isso é possível, ou até legal. É sim! E redigido com todos os pontos finais e vírgulas, no sítio certo, para que não haja aso a qualquer outra interpretação para além do que lá está. Ser precário é não poder ter um presente, quanto mais um projeto de futuro… É não ter a certeza se na semana seguinte se tem trabalho e, com ele, tudo o que acarreta: O nosso sustento, a nossa independência, uma família… É sobreviver em vez de viver. É pensar um dia após o outro e sem saber se no fim de uma semana vai haver outra… No momento em que se assina um contrato destes, perde-se a dignidade, e nem damos conta, porque ficamos felizes por ter trabalho e, na nossa faixa etária, que vai dos 35 aos 50 anos, o importante é mantemo-nos activas para o mercado de trabalho. O que pensamos é: que bom, consegui um trabalho, mas, pouco tempo depois, percebemos que vendemos a alma ao diabo… Somos pagas a 2,80€ à hora, sujeitas a uma pressão enorme, quer por parte da entidade empregadora, quer por nós próprias, na esperança de mantermos o pouco que temos. É não saber quantas horas de trabalho se tem nos dias seguintes: podem ser 8h como podem ser apenas 3h (que é o mínimo) pelo que o rendimento nunca é certo, mas certas são as despesas, nomeadamente de deslocação para o local de trabalho… Ser precário é sem dúvida ter um sentimento de impossibilidade de futuro, é sentir que a vida nos escapa… Um sentimento de impotência, que muitas vezes se torna num baixar de braços e deixar de sonhar com uma vida melhor e com um mundo melhor. E, em tantas outras, é brincar e ter sentido de humor com a nossa própria situação, rindo de nós próprias… Fundamental é, lá no fundo de nós, continuar a acreditar e não desistir…. Por isso aqui estamos, unidas no MDM na luta pelos direitos e a dignidade das Mulheres.
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A prostituição e a dignidade das mulheres Inês Fontinha Lisboa
Agradeço o convite que me foi feito para estar hoje, aqui, no 9° Congresso do MDM. O objectivo desta intervenção é partilhar convosco a minha experiência de trabalho ao longo de 40 anos junto de jovens e mulheres prostituídas, o que aprendi com estas jovens e mulheres que confiaram em mim para me relatarem os seus percursos, os seus sentimentos, os seus sonhos, numa palavra, as suas vidas. Comecei a trabalhar na Instituição O Ninho tinha eu 30 anos. Estávamos em 1975, vivendo um período de mudanças profundas advindas da Revolução de Abril de 1974, conhecida no mundo como a Revolução dos Cravos. Em plena euforia de uma liberdade conquistada, vi-me confrontada com uma realidade que desconhecia. A realidade de raparigas que residiam no Lar de Acolhimento, buscando caminhos de mudança, encontrando aqui uma alternativa para a saída do sistema prostitucional. Ouvi histórias inabitadas de afectos, de abusos sexuais persistentes pelo pai, pelo padrasto, pelo irmão, por um amigo da família. Escutei a fome, o trabalho infantil, a pobreza que habitou a infância de todas elas. Escutei o sofrimento de corpos desvalorizados pela violência a que foram sujeitos, vi a dissociação/clivagem entre o psicológico e o físico, quando afirmavam “o meu corpo vai para o quarto, mas a minha alma fica de fora”. Fui aos locais onde as mulheres procuravam os clientes, ruas, bares, casas de passe. Conheci raparigas que não perdiam a esperança “ Eu estou aqui por pouco tempo. Logo que resolva uns problemas eu deixo esta vida”. Tinham um plano: deixar a prostituição. Passam anos, permanecem no mesmo local, mas o sonho continua “qualquer dia deixo isto”. Ouvi o desespero instalado “Eu não vivo, sobrevivo. Isto é uma violência contínua”. Senti a culpa “Eu mereço isto”. Escutei preces dirigidas a um Deus qualquer pedindo protecção. Vi funerais de mulheres cheios de coroas de flores oferecidas pelas que ficaram. Conheci os bares de espera. Conheci os bares de luxo, hotéis de luxo, os bordéis que hoje se chamam apartamentos. Conheci as amas dos filhos. Vi raparigas, ainda meninas, subirem escadas com um cliente para um quarto de pensão. Vi-as descerem com o dinheiro contado pago pelo cliente. Vi homens endinheirados comprarem meninas, em carros topo de gama. Escutei as lágrimas escondidas de mulheres que não se sentiam gente. Compreendi que o meio prostitucional funciona como um mercado de oferta e de procura. Oferta
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por parte da mulher que se vende, procura por parte do homem que a compra. Compreendi que na maior parte dos casos intervém outra pessoa: o chulo ou proxeneta, o organizador do mercado, o proprietário de casas fechadas, o fornecedor do quarto de hotel. Compreendi que o facto de o cliente pagar afasta qualquer afecto, desculpabiliza-o, desresponsabiliza-o. Nem pensa que daquela relação sexual pode ter gerado um filho. Aprendi que a mulher se sente uma “coisa”, um objecto, um utensílio para uso do homem, para satisfazer as suas fantasias “ eu sou reciclável, sou usada e posta de parte”. Aprendi que o homem cliente é proveniente de todas as classes sociais. O local onde procura a mulher é diferenciado consoante o seu poder de compra. Num hotel ou bar de luxo o cliente tem poder económico e exige que a mulher corresponda ao seu estatuto social, na forma de se vestir, de se comportar. Exige que se confunda com o seu próprio estatuto social. Por isso, quando entrei num bar de luxo vi mulheres que pareciam pertencer a classes sociais com poder económico mas, quando me contaram a sua vida, tinham tido percursos muito semelhantes ao de outras mulheres que se prostituíam em outros locais, frequentados por homens/clientes com fracos recursos económicos. Vi, assim, a oferta a adaptar-se à procura. Compreendi que o negócio da prostituição rende ao proxenetismo milhões de euros, porque a prostituição não se reduz a um acto individual de uma pessoa que aluga o seu sexo por dinheiro, é uma organização comercial com dimensões locais, nacionais, internacionais, onde existem três parceiros: pessoas prostituídas, proxenetas e clientes. Aprendi que a prostituição diz sempre respeito à sexualidade: À do cliente porque, apesar das aparências de ser ele quem usufrui, não é compensador comprar a utilização do sexo de outra pessoa. À do proxeneta, pois é humanamente destruidor viver reduzindo a vida das pessoas a uma exploração financeira da sua intimidade. À da pessoa que se prostitui, a mais marcada por esta redução, através do dinheiro, ao estado de objecto. Aprendi que estamos perante o sexo separado de todo o significado humano, sexo/objecto. Compete-me pôr as minhas dúvidas em relação a esta banalização do sexo, porque é muito aquilo que se joga, ao recusar-se dissociar sexo (objecto de prazer) do sexo (órgão de reprodução) e o sexo como meio de exprimir amor. E falando de afectos, também sei, que elas, as mulheres prostituídas, também tentam amar e ser amadas. Aprendi que se trata de uma dinâmica profunda segregada pela sociedade mercantil, da qual o capitalismo é a forma actualmente dominante. Este sistema não produziu ainda um antídoto, um “contraveneno” que nos permitisse passar do dinheiro, como equivalente de todo o valor, para o dinheiro, como equivalente unicamente de alguns valores.
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A Organização Mundial de Saúde (OMS) afirma que “A sexualidade é uma energia que nos motiva para encontrar amor, contacto, ternura e intimidade. Integra-se no modo como nos sentimos, movemos, tocamos e somos tocados, é ser-se sensual e ao mesmo tempo sexual. A sexualidade influencia pensamentos, sentimentos, acções e interacções e, por isso, influencia a nossa saúde física e mental”. Integrada numa relação afectiva, a sexualidade é vivida de uma forma responsável, partilhada, em igualdade. Na prostituição todos estes actos íntimos são rebaixados a um nível único - ao de um valor mercantil. A sexualidade é vivida como uma procura de prazer á custa do outro. É uma forma de violência. “O meu corpo vai para o quarto, mas a minha alma não.” Vi raparigas a vomitarem depois de “fazerem clientes”. Escutei a vergonha “Eu tapo a cara e finjo que não sou eu”. Vi lágrimas silenciosas de humilhação “ hoje já fui penetrada 10 vezes”. Aprendi que a auto-estima está destruída e vi a culpa a instalar-se. Vi muitas mulheres com a saúde mental comprometida. Acompanhei imensas raparigas a consultas de psiquiatria e de psicologia. Mas alguma coisa mudou nestes últimos anos? Perguntam-me várias pessoas. Sim mudou, respondo. Vejo raparigas, ainda meninas, aprisionadas em redes de tráfico. Vejo organizações criminosas a pedirem a legalização da prostituição, para passarem a ser “honestos empresários do sexo” Vejo o desemprego atingir os jovens de forma dramática. Vejo famílias inteiras a serem agarradas pela pobreza. Vejo empregados da Tróica entrar no meus país e em conluio com os governantes tirarem a esperança a milhares de pessoas. Vejo famílias inteiras no desemprego. Vejo a prostituição aumentar de forma dramática. Vejo mulheres com 40/50 anos a recorrerem à prostituição para alimentarem os filhos. Vejo uma Europa dominada pelos grandes grupos financeiros. Vejo a ausência de solidariedade com as mulheres prostituídas. Vejo raparigas vulneráveis serem recrutadas para a prática de prostituição. Vejo proxenetas tornarem-se industriais do sexo em países desenvolvidos. No dia 1 de Março, deste ano de 2014, foi inaugurado o único museu do mundo de prostituição, para mostrar o que se passa por detrás das montras do Bairro Vermelho em Amesterdão (Holanda).
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Ouvi afirmarem que “existem raparigas da Europa de Leste que são forçadas pelos homens a trabalhar atrás das janelas e têm de lhes dar o dinheiro todo, e eles dizem sobre a família, que por exemplo está na Roménia: fazemos mal aos teus pais se não ficares aqui.” Ouvi que uma mulher paga 150€ por dia pelo aluguer de uma montra. Ouvi afirmarem que é um negócio em plena ascensão. Ouvi também que jovens holandesas eram obrigadas a exporem-se nas montras pelos namorados. Vi os instrumentos de tortura preferidos pelos homens/clientes. Ouvi também que há mulheres que gostam de se prostituir. Trabalham 12 horas por dia, 6 dias por semana, e os clientes pagam 50 € apenas por seis minutos. Ouvi que esta zona vermelha funciona durante o dia e durante a noite, 24 horas por dia. É uma zona turística. Será que este museu é para defender a violência de género? Será para defender a igualdade entre mulheres e homens? Acompanhei durante estes longos anos cerca de 8000 mulheres e afirmo, com segurança, que a prostituição viola severamente a dignidade humana e os Direitos Humanos. É contra a igualdade de género e, quem defende a igualdade, não pode afirmar que a prostituição é uma forma de a mulher utilizar o seu corpo conforme entender. Não é uma forma de o homem usar o corpo da mulher como entender?
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As violências do mundo do trabalho e as mulheres Fátima Messias Lisboa
Os 40 anos do 25 de Abril e do 1º de Maio em liberdade, que este ano comemoramos, são indissociáveis dos avanços nos direitos sociais e laborais, no desenvolvimento económico, no progresso e na justiça social, consagrados na Constituição da República Portuguesa, na contratação colectiva e na legislação, em particular no que respeita à igualdade de oportunidades e de tratamento entre mulheres e homens, em todas as vertentes da vida e da sociedade, no trabalho e no emprego. Vivemos tempos de retrocesso histórico. As mulheres trabalhadoras, reformadas ou desempregadas e os trabalhadores, em geral, enfrentam a situação económica e social mais violenta da história recente do nosso país, num tempo marcado por uma brutal ofensiva ideológica. As mulheres, em Portugal, são a maioria: * Dos desempregados de longa duração; * Dos contratados não permanentes; * Dos trabalhadores a tempo parcial; * Dos que recebem o Salário Mínimo Nacional; * Dos beneficiários do Rendimento Social de Inserção; * Dos afectados por doenças profissionais; * Dos que exercem um maior número de horas de trabalho não remunerado. Os tempos de baixa natalidade que vivemos são inseparáveis da destruição do emprego de qualidade e com direitos, do alastramento do desemprego, da emigração, da generalização, da precariedade, do desrespeito e violação dos direitos da maternidade e paternidade nos locais de trabalho, dos baixos salários, da desregulamentação e aumento dos horários de trabalho, dos custos elevados com a habitação, da falta de equipamentos de apoio à infância a custos acessíveis, dos cortes generalizados nos apoios sociais (uns já efectuados pelo Governo e outros perspectivados no Orçamento de Estado para 2015), nos abonos de família, na saúde, na educação e nos serviços públicos, a par de um intolerável agravamento de impostos sobre os rendimentos do trabalho e as pensões de reforma e de sucessivas isenções e reduções de impostos sobre o capital, alargando-se a pobreza de muitos e centralizando-se a crescente riqueza de alguns. O ano de 2014 foi designado como o “Ano Europeu da Conciliação entre a Vida Profissional e a Vida Familiar”. A realidade é, porém, inversa quando olhamos o que se está a passar na Administração Pública, com o ataque às 35 horas de trabalho semanal e, no sector privado, com o recurso a prolongamentos ilegais de horários e imposição de bancos de horas, em simultâneo com a recusa de atribuição de horários flexíveis a pais e mães com filhos até 12 anos de idade, com ritmos de trabalho alucinantes, que acarretam graves consequências para a saúde de milhares de trabalhadores, a par do aumento das situações de assédio moral, ou seja, da tortura psicológica no trabalho. Não constitui nenhuma solução o recurso ao trabalho a tempo parcial, que prejudica todos, em especial as mulheres, não promove a natalidade, traz consequências ao nível da progressão na carreira e possibilita o aumento das discriminações negativas por parte das entidades patronais.
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Na sua maioria involuntário, este tipo de trabalho é gerador de baixos rendimentos, baixas reformas e baixa protecção social. Muitas vezes revestindo a forma de contratos não permanentes, o trabalho a tempo parcial é também uma forma de trabalho precário potenciador da quebra de independência económica das mulheres. Uma verdadeira política de conciliação entre a vida familiar e a vida profissional exige emprego de qualidade e em igualdade, respeito pela contratação colectiva, aumento geral dos salários e do salário mínimo nacional para os 540 euros e redução dos horários de trabalho, sem perdas salariais, como justamente é reclamado pela CGTP-IN. Estamos conscientes que, sem alteração das políticas que têm vindo a ser seguidas, não sairemos da situação de retrocesso em que nos encontramos. O futuro constrói-se e o país rejuvenesce-se, com uma política que assuma no presente a estabilidade e a segurança no emprego, enquanto elementos estruturantes para que os nossos jovens possam organizar a sua vida profissional, pessoal e familiar no país onde nasceram, querem trabalhar e ser felizes. Entre os tempos que vivemos e os tempos que queremos viver, impõem-se compromissos de luta para romper com esta política, que põe em causa direitos humanos, agride e humilha o povo e coloca o nosso país numa situação cada vez mais periférica no plano europeu. Sabemos o que está em jogo: são as nossas vidas, as vidas das novas gerações, a nossa dignidade, o nosso futuro colectivo. O que se está a determinar é que tipo de país vamos deixar: o de cada um por si e da lei do mais forte, ou o do progresso social, da igualdade e da solidariedade, da liberdade e da democracia iniciada com a Revolução de Abril. Somos um movimento de mulheres que não desiste e resiste, que não se ilude nem vacila perante as dificuldades, que não se acomoda e protesta, que não se verga e propõe, que não abdica, luta e conquista. Somos um movimento de mulheres que sabe que está nas nossas mãos os destinos das nossas vidas, num processo que está interligado com o papel destacado que as mulheres têm tido na frente da luta pela igualdade, que tem de ser conquistada, palmo a palmo, em cada local de trabalho e na sociedade. A participação e intervenção de cada vez mais trabalhadoras, desempregadas, reformadas ou aposentadas, nas diferentes esferas da vida – económica, política, social, cultural e desportiva –, a sua afirmação como força social activa, fazem das mulheres uma força poderosa e imprescindível na luta contra a exploração, as desigualdades, o desemprego e o empobrecimento da população e do país. O incentivo à maior participação e luta das mulheres pela defesa dos direitos conquistados e na conquista de novos direitos, coloca hoje renovados desafios num amplo espaço de intervenção e de cooperação nos sindicatos, nas organizações de mulheres e em particular no Movimento Democrático de Mulheres que, ao longo dos seus 46 anos de vida, já provou que ocupa um lugar ímpar nos itinerários e conquistas desta longa luta pela emancipação das mulheres portuguesas. E a luta continua!
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9º Congresso MDM
{3º Painel} “A Carta dos Direitos da Mulher: Um projecto global e urgente para a luta das mulheres pela sua emancipação”
A Carta do Direitos das Mulheres Um projecto global e urgente para a luta das mulheres pela sua emancipação Fátima Amaral Lisboa
Queridas amigas Congressistas, Caras convidadas e convidados, Ao longo deste dia tivemos já a oportunidade de fazer uma análise retrospectiva e da actualidade sobre os principais traços, no contexto político, social, económico e cultural, que marcaram e marcam a vida das mulheres no nosso país. Não ficámos apenas a fazer a radiografia mas também reflectimos, aprofundámos e actualizámos temáticas mais relacionadas com o estatuto da mulher na sociedade e na família, bem como o delinear de orientações para o trabalho do MDM. Da mesma forma, se falou de direitos das mulheres no Mundo, na solidariedade, na Paz e na luta pela independência e autodeterminação dos povos. Agora, neste painel, vamos olhar para o futuro e, conforme o estabelecido nos nossos Estatutos, decidir “A Carta dos Direitos da Mulher. Um projecto global e urgente para a luta das mulheres pela sua emancipação”. Queridas amigas, A consigna da carta é: “Exercer Direitos! Defender a Dignidade! Dar Força à luta Emancipadora das Mulheres!”; são estes os grandes eixos que o MDM propõe e se compromete a assumir no próximo mandato. O MDM, ao declarar que a igualdade é um direito fundamental e que os direitos das mulheres são direitos humanos e fundamentais, considera que as violações dos direitos de que as mulheres são vítimas ofendem a dignidade individual e colectiva da sociedade e resultam do não cumprimento pelo poder económico e político de normas constitucionais e internacionais e, por isso, vai continuar a lutar: * Por políticas de promoção de investimento que impulsionem a criação de emprego e de aproveitamento da qualificação das mulheres; * Pela aplicação dos direitos laborais, em matéria de protecção das trabalhadoras, no combate ao trabalho infantil, à escravidão doméstica e à exploração laboral das imigrantes; * Pelo combate à pobreza, com rosto de mulher; * Pela defesa dos direitos sociais e valorização do trabalho e dos salários das mulheres, como condição básica para a sua independência económica, emancipação intelectual e cultural; * Pelo combate ao recurso ilegal de trabalho precário e desregulamentação das relações laborais, particularmente quanto aos horários de trabalho; * Pela defesa do acesso em igualdade ao SNS e em especial aos serviços de saúde sexual e reprodutiva, à educação sexual e ao aborto seguro e legal; * Pelo combate às violências contra as mulheres e crianças e também às violências e maus-tratos sobre as mulheres imigrantes e idosas.
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Caras amigas, O MDM ao considerar que a estabilidade no emprego é indissociável da estabilidade afectiva e emocional das pessoas e das famílias, compromete-se a continuar a lutar: * Por melhorar a situação das mulheres trabalhadoras, quanto ao direito a salário igual para trabalho igual, quanto à segurança social na reforma, no desemprego, na assistência em caso de doença; * Por garantir direitos sociais relativos à conciliação da vida familiar e profissional como a licença parental e a protecção da maternidade, o direito a usufruir de licença de paternidade/ maternidade, sem que sobre os pais seja exercida qualquer discriminação, por parte da entidade empregadora; * Por medidas que permitam a promoção da natalidade, nomeadamente do acesso, atempado, aos tratamentos de infertilidade; * Pela criação de redes públicas de creches e infantários e outros equipamentos que permitam uma melhor conciliação entre a vida profissional e familiar; * Por pugnar pelo respeito pelos direitos das mulheres imigrantes. Caras amigas, O MDM ao considerar ainda a necessidade da promoção da salvaguarda das liberdades individuais vai lutar: * Para exigir a eliminação das discriminações em razão da deficiência, ainda mais acentuadas pela condição de ser mulher; * Por combater o racismo e a xenofobia. Combater todas as manifestações do fascismo e neonazismo, crescentes em Portugal e na Europa. Combater todas as manifestações de repressão nas empresas e na sociedade por motivos de ordem étnica, religiosa ou ideológica; * Contra as discriminações em razão da orientação sexual. No que respeita ao direito à informação, pela promoção da literacia feminina e de uma atitude reflexiva e crítica por parte das mulheres, indissociável do direito de cidadania, o MDM defende: * A divulgação de uma informação plural, rigorosa e de boa qualidade e o desenvolvimento de patamares de informação adequados, tendo em vista colmatar o défice democrático, dando visibilidade e voz às experiências das mulheres, incluindo as trabalhadoras na sua luta emancipadora; * A promoção da discussão pública sobre as questões da igualdade tendo em devida conta que o direito a uma informação séria exige uma linguagem sem estereótipos sexistas; * A utilização da imprensa feminina ou de programas que são dedicados às mulheres para divulgar actividades e temáticas que interessam o MDM. Num contexto de profundas mistificações e retrocessos civilizacionais, com a emergência de novas leituras para novos e velhos problemas, e considerando que as liberdades e os direitos individuais são indivisíveis e indissociáveis dos direitos sociais e de cidadania, importa ter em conta que: * A cidadania implica o direito a ter uma vida decente e digna, o direito de participação na esfera pública, o direito de eleger e de ser eleita; implica o combate às desigualdades sociais, o direito à habitação, à educação, ao emprego, a um salário digno e à formação;
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* A cidadania implica também o direito a um sistema público de saúde e de segurança social que promovam a protecção social de todas as mulheres; * Implica pois lutar contra as tentativas de incluir na lei portuguesa a prostituição como um trabalho sexual; as mulheres prostituídas devem ser apoiadas nos seus direitos como cidadãs relativamente à saúde, à formação, à protecção social e com políticas de inclusão social. Caras amigas, Um dos outros eixos da Carta respeita à intervenção do MDM para reforçar a participação das mulheres como cidadãs, mães e trabalhadoras e nesse sentido coloca-se que: * A participação, que envolve a acção e reivindicação das pessoas são condições determinantes na luta contra a exclusão, em qualquer domínio da vida, designadamente das mulheres; * A conquista da democracia e dos direitos políticos é uma luta constante e exige envolvimento permanente; * As diferenças de género não podem pôr em causa a autonomia e a independência da mulher, nem serem algemas para a liberdade de pensamento e opinião, de consciência e religião. Assim, a última parte da Carta realça a relevância do projecto do MDM na construção da sociedade de justiça social e de Paz a que aspiramos, livre de maus-tratos, humilhações e violências sobre as mulheres, na construção da sociedade liberta da opressão e da discriminação, e, para tal, o MDM conta com a participação e o envolvimento empenhado das mulheres na sua organização. A história e os objectivos do MDM são indissociáveis da luta pela igualdade de direitos e oportunidades, indissociáveis da luta pela democracia e valores democráticos, indissociáveis das conquistas e valores de Abril. O MDM organiza e faz convergir o protesto e a reivindicação na defesa dos direitos que integram a luta pelo estatuto emancipador da mulher. O MDM é a força de mulheres que intervêm socialmente, organiza o espaço e o tempo das mulheres e dissemina o entusiasmo e a alegria de transformar e criar mundos de felicidade e utopia. Porque somos cidadãs de pleno direito, lutaremos para não perder os direitos conquistados, exercendo-os e procurando sempre o seu aprofundamento, sendo certo que os direitos das mulheres não representam quaisquer privilégios, integram-se nos direitos humanos como pedras basilares da civilização humana. VIVA O MDM! VIVA A LUTA DAS MULHERES!
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As mulheres no interior do país Mónica Ramôa Castelo Branco
Amigas,
O século XX foi o século das grandes conquistas para a humanidade, foi o século da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Carta dos Direitos da Criança, de vários tratados e cartas internacionais em defesa do ambiente, das artes e da cultura, foi o século do 25 de Abril, da Declaração de Salamanca e da construção da Escola Pública... século XX é sinónimo de conquistas, é sinónimo de direitos das mulheres, de algumas mulheres, em alguns países... em Portugal... Se pudéssemos traduzir o século XX numa palavra, essa palavra seria Humanidade. Os homens e as mulheres conquistaram direitos e bem estar, desenvolvimento, ciência e cultura, conquistámos o espaço... fomos à Lua. Já o século XXI está a ser o século da globalização, da globalização neoliberal, do pensamento único, da hegemonia dos mais poderosos... todas as dimensões da sociedade humana são agora pensadas e concretizadas numa lógica económica... economicista. Vivemos o tempo onde a riqueza se concentra, mais uma vez, apenas, em alguns e onde a pobreza se tornou viral … estamos cada vez mais pobres e somos cada vez mais desta condição, só na União Europeia são mais de 130 milhões. Em Portugal, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, em 2012, o risco de pobreza atingiu 24,4% das crianças portuguesas … e apobreza consistente atingiu 15% das nossas crianças e jovens. Segundo reportagem do jornal Público, de 16 deste mês (Dia Internacional da lrradicação da Pobreza), as pessoas que vivem em risco de pobreza, ou em situação de privação material severa, ou em agregados com intensidade laboral per capita muito reduzida, constituem o universo da população em risco de pobreza ou exclusão social. Essas caraterísticas atingiam 25,3% da população em 2012; passaram a atingir 27,4% da população em 2013. Isto significa que cerca de 3 milhões de portugueses, muitos deles crianças, são pobres. Em Portugal e em 2013, 54,5% das crianças viviam em famílias com rendimentos agregados inferiores a 628 € e mais de 1300 crianças estavam sinalizadas nas escolas por carência alimentar grave. E. .. em 2014, 40 anos após o 25 de Abril , o rosto da pobreza em Portugal é de mulher desempregada e com baixa escolaridade a viver com menos de 120 € por mês. O século XXI está, mais do que o anterior, a criar os “ninguéns” do poema de Eduardo Galeano.. “(...) Os ninguéns: os filhos de ninguém, os dono de nada. Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fedidos e mal pagos: Que não são, embora sejam. Que não falam idiomas, falam dialetos. Que não praticam religiões, praticam superstições. Que não fazem arte, fazem artesanato. Que não são seres humanos, são recursos humanos . Que não tem cultura, têm folclore. Que não têm cara, têm braços. Que não têm nome, têm número. Que não aparecem na história universal, (...)” Todas estas políticas de raiz e inspiração neoliberal estão a comprometer todas as conquistas laborais e de cidadania, que foram conseguidas desde o 25 de Abril. Os nossos direitos, os direitos das mulheres estão a sofrer golpes brutais.
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Assim como Portugal, por ser um país periférico, tem efeitos majorados decorrentes da globalização, também as regiões ultraperiféricas, como é o caso do interior, vivem realidades perfeitamente incompatíveis com aquilo que se esperaria de um país democrático, justo, equilibrado e desenvolvido, que todas nós ajudámos a construir e que queremos legar aos nossos filhos e netos. As mulheres no interior do país sofrem mais violentamente o fenómeno do desemprego (que afeta em todo o país mais as mulheres do que os homens) pois, como há menos emprego, é muito mais difícil deixar a situação de desempregadas. Ganha-se menos no interior e são os salários das mulheres que mais contribuem para esta diferença. No interior, elas sofrem, severamente, os efeitos da destruição dos serviços públicos... não há creches (em número e qualidade suficientes) e a escola dos seus filhos fica a horas de viagem, em autocarros degradados, pois os transportes públicos de qualidade não pertencem ao seu quotidiano e a escola, ao pé de casa, foi encerrada. O centro de saúde fica a quilómetros de distância e as urgências não funcionam todo o dia... nem todos os dias. O tribunal está cada vez mais longe e a justiça deixa de ser para todas... As estradas não têm manutenção e as autoestradas têm portagens, as mais caras do país. As maternidades estão a fechar, assim como os serviços de neonatologia, cardiocirurgia, neurocirurgia, etc, etc, etc,... é que no interior, todos os hospitais são de nível 1... e isto, pode significar... morrer-se mais no interior. No poema “Eu sou do tamanho do que vejo”, Alberto Caeiro escreveu: “Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo...” Mas... a Ciência... diz-nos que quando olhamos o Universo, somos, nesse momento, o que de mais futuro existe... por isso, no interior, como noutras regiões ultraperiféricas, o que as mulheres veem poderá ser apenas... o passado... ou como disse a grande Maria Lamas, “os muros das casas fronteiras”... Por isso, a atividade dos núcleos do MDM nas regiões ultraperiféricas reveste-se de grande importância, não só na defesa e salvaguarda dos direitos e interesses das mulheres, mas também na luta por um país democrático e soberano, além de poder alertar para temáticas que, normalmente, são ignoradas pelos poderes instituídos. Nesta lógica, na Covilhã, um conjunto de mulheres que tendo em comum a defesa dos direitos da mulher, mas também a defesa da construção de uma sociedade mais justa, equilibrada e democrática, reativou o núcleo do MDM. Desta forma, poderemos, achamos nós, mais eficazmente, intervir e pugnar pela defesa dos direitos das mulheres e de todas as causas que contribuem para fortalecer os valores de Abril na vida dos portugueses. É certo que, como disse o Professor Sampaio da Nóvoa a 10 de junho de 2012, as palavras não mudam a realidade... mas ajudam-nos a pensar, a conversar, a tomar consciência... e a consciência, essa sim, pode mudar a realidade. Como queremos mudar a realidade em que vivemos (que é anacrónica em relação ao que já foram as conquistas das mulheres e do povo português), estamos... ainda que timidamente, a lutar e a tentar construir consciências... boas consciências... ... daquelas que não permitam, em nenhuma circunstância, que o nosso olhar ... o olhar de mulheres portuguesas se mantenha de joelhos! Viva o 9.° Congresso do MDM! Vivam as mulheres portuguesas e a sua luta!
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A importância da angariação de fundos na actividade do MDM Maria Joaquina Silvério Lisboa
Queridas Amigas, Estimadas convidadas e convidados, Estamos a realizar o nosso 9º Congresso no ano em que se completam os 40 anos do 25 de Abril e mais de 40 da vida do Movimento. Nestes quatro anos, após o 8º Congresso, muito diversificadas foram as actividades desenvolvidas e temas que tivemos a possibilidade de abordar e aprofundar. Entre elas, temos a destacar os Projetos financiados e que enquadrámos nos nossos programas de acção, de esclarecimento e sensibilização de organizações e mulheres, pelos seus direitos e luta pela igualdade. Foi o mandato em que tivemos mais projectos, que passaram pelo trabalho de vários núcleos em articulação com o trabalho central. A realização destes projectos possibilitou o alargamento dos contactos do Movimento, a participação de pessoas e organizações interessadas, estudiosas e dedicadas às matérias tratadas. Mas não pensemos que tudo tem sido fácil. Tem sido necessária uma gestão muito rigorosa e cuidada. Embora as verbas atribuidas permitam a realização das diversas actividades existem muitas dificuldade, porque as quantias necessárias são apenas disponibilizadas após comprovação da sua realização, tendo de ser adiantadas e, em muitos casos, levando bastante tempo para serem enviadas ao Movimento. Os projectos trouxeram-nos grandes experiências. Por outro lado, o nosso Movimento tem vindo a desenvolver inumeras iniciativas ao longo do país, centralmente, em locais onde existem núcleos organizados, mas também onde estes não existem e onde foi possível a partir da iniciativa de, por vezes, uma ou duas amigas, juntar outras mulheres, criar ligações com organizações locais. Com imaginação conseguiram encontrar-se apoios, em grande parte não financeiros, que permitiram as actividades. E, assim, o Movimento foi também dado a conhecer, foram criadas sinergias com outras organizações, foram ganhas, para connosco trabalhar, outras mulheres, com actividades nos mais diversos sectores, que com as suas experiências também enriquecem as nossas causas. Todas somos poucas para as tarefas e os desafios que se nos colocam. Os ataques aos valores de Abril estão aí. Temos de continuar a lutar. O MDM tem centralmente inúmeras despesas, muitas decorrentes de iniciativas centrais, mas sempre as do normal funcionamento, como eletricidade, telefone e internet, correios, condomínio, limpeza, entre outras. E ainda despesas em materiais de divulgação da participação em actividades nacionais ou mesmo internacionais. Contamos com a colaboração das diversas amigas que connosco trabalham com generosidade. Vivemos sempre com dificuldades financeiras. Chamamos a vossa atenção para a necessidade do cumprimento dos nossos compromissos e de
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os núcleos enviarem regularmente, para o MDM central, as quantias correspondentes às quotas locais ou de outras iniciativas. Mas o nosso movimento desenvolve-se por todo o país! Será que na nossa actividade regular dedicamos de quando, em quando, algum tempo para discutir e aprofundar a questão dos fundos, que garanta o presente mas também o futuro sem grandes sobressaltos? Ou será que é apenas quando decidimos uma iniciativa que procuramos como encontrar apoios? Vivemos uma situação de grandes dificuldades financeiras que nos atingem diariamente, a nós, mas também as organizações que têm cada vez mais os seus orçamentos apertados e regulamentados. Assim, temos que contar essencialmente com a nossa imaginação e, também, com a planificação de trabalho. E, queridas amigas, temos tido exemplos de núcleos locais e regionais que encontraram as formas mais diversas para ultrapassar as dificuldades. Gostaria de vos anunciar que o trabalho dos diversos núcleos, na fase de preparação do Congresso, vai permitir cumprir o orçamento que, para ele, aprovámos. Para todas, Parabéns pelo vosso trabalho! Uma palavra de apreço pelo grande contributo para o MDM e para este Congresso dos núcleos da Baixa da Banheira e de Montemor. Sejamos optimistas! Vamos partir para uma atitude mais eficaz, vamos dedicar um pouco do nosso tempo ao problema dos fundos, a nossa vontade, empenho e convicção nos nossos valores vão ajudar a atingir o que queremos. Trabalhemos pois, pelo alargamento e reforço do nosso Movimento, reforçando os meios para desenvolver as acções que se integrarão nos objectivos que iremos aprovar na Carta dos Direitos das Mulheres. Viva o 9º Congresso! Viva o MDM!
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As mulheres Uma força social interveniente Ana Paula Zeverino Alcochete
Queridas Amigas Congressistas, Queridas Amigas Convidadas e Convidados, Queridas Amigas Convidadas Estrangeiras,
Iniciamos com as palavras de Maria Lamas, ex-presidente honorária do MDM, na sua saudação ao 1º Congresso do nosso movimento: “Obra de Amor é a Justiça! E, na verdade, o amor surge onde uma causa justa empolga a vontade de emendar os trilhos do egoísmo ou da indiferença. Eu creio nos novos e apelo para o seu poder de decisão na luta efectiva e permanente por uma sociedade mais justa e uma vida melhor!” Maria Lamas E diz-nos a Teresa Horta: “Deu-nos Abril o gesto e a palavra…”.
E nós dizemos “…e o mais tomamos nós!”
Queridas Amigas, É com grande honra que em nome dos núcleos do Montijo e Alcochete saudamos, neste dia de tão grande significado, as milhares de mulheres que de norte a sul do nosso país ajudam a construir, com a sua força, coragem e amor, este Portugal Democrático, de progresso e desenvolvimento. Do direito de voto ao direito à palavra, na alegria de ser mulher, na afirmação da liberdade de pensar, de sonhar e de agir por Abril. Homenageamos hoje e sempre os milhares de mulheres anónimas que em condições muito difíceis, ousam diariamente, romper o silêncio, nas empresas, nas organizações, nas ruas lutando pelos seus direitos, dando cada dia mais força à luta das mulheres. Ousando no quotidiano a verdadeira igualdade, exigindo na prática o desenvolvimento, agindo pela paz. Neste crescer de participação, nesta afirmação pela igualdade, foram também crescendo os núcleos do MDM, permitindo um movimento mais interveniente, porta-voz das aspirações mais sentidas pelas mulheres. Ampliam-se e amadurecem os diversos núcleos do MDM no nosso país, com a implementação dos diversos projectos que estão a ser apresentados ao nosso congresso, nas áreas da saúde, da violência, do trabalho e da mediação da mulher através da realização dos diversos seminários, encontros, debates de análise e confronto de ideias relativamente aos problemas mais prementes das mulheres das diferentes regiões, assim como, as exposições, instalações, percursos e itinerários culturais, edições e publicações temáticas também aqui, reflectidas no nosso 9º Congresso. Queridas Congressistas, O Movimento Democrático de Mulheres é um movimento nacional, herdeiro de muitas organizações de mulheres como o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas e da Associação Feminina para a Paz. O que é participar nas organizações do MDM? Não obstante as dificuldades reais e crescentes que as mulheres enfrentam hoje no seu dia-a-dia, no sentido da sua necessária disponibilidade temporal para uma maior participação, os núcleos do MDM encontram-se cada vez mais vivos, trazendo à participação mais jovens no sentido da renovação dos ideais deste movimento. As mulheres tomam, efectivamente, o gesto e a palavra e descobrem que o seu sentimento é
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partilhado por tantas outras mulheres, caminhos feitos de interrogações, de paixão, de sonho, de reflexão, de reclamação, mas sobretudo de acção, cada dia mais consciente, pela transformação das suas condições sociais, económicas, políticas e culturais. O MDM reafirma, assim, através da sua acção, nas dezenas de núcleos espalhados pelo nosso país, este imenso património de sensibilização para as questões do quotidiano da grande maioria das mulheres portuguesas, particularmente as que se encontram em situações de maior vulnerabilidade económica e social. Queridas Congressistas, Quem somos, que movimento queremos ser? Como correspondermos melhor, como movimento de mulheres, ouvindo as suas aspirações, os seus desejos de transformação, de mudança de vida, aglutinando todos os seus anseios? Somos espaço, encontro, debate das nossas reivindicações. Mas como multiplicar a nossa voz, fazer chegar a nossa palavra, desenvolver a nossa acção que despertará novas e mais consciências, conciliando a nossa função de cidadãs, trabalhadoras e mães? Dinamizando criativamente e organizando todo um património de trabalho e de luta das mulheres portuguesas na solução dos seus problemas, na transformação das mentalidades e na preconização de um bem-comum. As organizações locais permitem a intervenção do MDM de uma forma mais efectiva em todas as áreas do poder e de decisão, através da nossa participação, nas autarquias locais, nas associações recreativas e culturais, na comunicação social, permitindo reescrever a história do passado e do presente no feminino. Toda esta acção reforçará a tomada de medidas locais, regionais e centrais sobre áreas políticas determinantes de maior justiça. Porque o que caracteriza e distingue este movimento é a sua grande ligação às mulheres e aos seus problemas. Queridas Amigas, Obrigada por partilharem connosco esta reflexão sobre a acção transformadora das mulheres na sociedade portuguesa. Acção que pretendemos continuar a desenvolver com a vossa participação, entusiasta, empenhada, lutadora, determinada, desconstruindo mitos e preconceitos, contestando as diferenças sociais, construindo quotidianos com qualidade de vida, conquistando a igualdade e equidade no espaço público, rejeitando o desemprego, as violências e a exclusão social, forjando relacionamentos, consolidando teias de afectos e solidariedade com as outras organizações femininas, lutando sempre pelos direitos das mulheres, pelo exercício da cidadania, pela paz em Portugal e no mundo. É urgente, é necessário, é imperativo dar mais vida à nossa organização de mulheres – o Movimento Democrático de Mulheres. O tempo de luta das mulheres é hoje e agora! As mulheres do MDM exigem tempo para viver, tempo para agir, tempo para amar. Como nos dizia Maria Lamas… Viva as mulheres portuguesas! Viva a solidariedade entre as mulheres de todo o mundo! Viva o 9º Congresso do Movimento Democrático de Mulheres!
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Uma experiência de trabalho com a juventude no Porto Carina Novais Porto
O Núcleo do Porto saúda todos os presentes neste 9º Congresso do Movimento Democrático de Mulheres. Este é um momento para reavivar os valores de Abril a todos e a todas que deles têm memória, mas com destaque para os mais jovens que não os tendo na memória têm que os ter na consciência porque se confrontam, hoje, com o desemprego, com a precariedade laboral, com a emigração, com os ataques à educação e com o retrocesso social. Na sua actuação, o Núcleo do Porto, tem prestado particular atenção à juventude, no âmbito do projeto Sensibilizar e Prevenir Desigualdades que teve lugar em 2013/2014. O papel que o MDM tem no desenvolvimento do pensamento, da informação, da consciencialização e da opinião é inestimável e tem um potencial enorme junto das escolas. As parcerias com as escolas devem marcar uma presença estratégica, na medida em que são uma actuação fundamental quando nos coloca em contacto directo com centenas de jovens, com a comunidade docente, com técnicos sociais, com as associações de estudantes e as associações de pais. Com esta actuação colocamos, na agenda escolar de mais de uma dezena de escolas do distrito do Porto, a reflexão acerca das discriminações sobre as mulheres no trabalho, na vida familiar, na participação na vida pública. Em muitas destas escolas, pela primeira vez, se reflectiu sobre a violência contra as mulheres; se sinalizaram datas tão importantes como o Dia Europeu Contra o Tráfico de Seres Humanos, o Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres, o Dia Internacional da Mulher Trabalhadora. Motivar os jovens a ouvir a nossa mensagem é particularmente desafiante e é uma tarefa difícil porque, mais do que cativar a atenção, impera criar a opinião. Temos procurado responder a este desafio através de meios pedagógicos activos, por exemplo, através de performances teatrais que reflectem situações de discriminação da mulher no trabalho. Se pretendemos que os jovens tenham espaço para reflectir, há que confrontá-los com traços da realidade, a realidade da disparidade salarial, da precariedade laboral, da vulnerabilidade social a que as mulheres estão, particularmente, sujeitas. É também importante parar para os ouvir, saber o que pensam. Ao longo deste ano, foi elaborado um estudo com 760 jovens do distrito do Porto que procurava conhecer o que pensam acerca da violência no namoro. Os resultados mostram-nos em que situações devemos intervir e, de facto, o que importa referir é que entre os jovens impera a legitimidade da violência contra as mulheres. Temos meios para intervir porque temos na nossa mão o legado histórico deste Movimento que lutou contra a opressão e a desigualdade. No presente, é importante continuar a criar e recriar formas de luta pelos direitos das mulheres, pela consciencialização dos problemas e das questões políticas, sociais e económicas que fundamentam a discriminação da mulher. Reforçar o envolvimento dos jovens na actividade do MDM é crucial para o nosso futuro. Há que incentivar a uma participação baseada na criatividade, na ousadia e na inovação. É, por isso, importante que se utilizem as artes gráficas e a linguagem multimédia. São exemplos, trabalhos de dezenas de alunos/as que, no âmbito do projeto, construíram spots para rádio, cartazes e vídeos e que foram importantes materiais de intervenção sobre a violência contra as
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mulheres. Materiais inovadores que foram solicitados pelas redes locais, tais como as casas da juventude e as autarquias, que com facilidade os divulgam nas suas redes sociais e, portanto, têm um potencial enorme na ampliação dos públicos a que se dirigem. Outro aspecto que gostaria de destacar nestas experiências de trabalho com os jovens é a importância de lhes conceder o protagonismo na intervenção, são eles e elas os protagonistas das atividades. Destacamos uma curta-metragem que foi protagonizada por um grupo de alunos/as de artes sobre o tráfico de mulheres. Esta curta-metragem tem sido divulgada pelas escolas e por parceiros que são para nós tão importantes, como a Escola Segura da Polícia de Segurança Pública. A iniciativa e o empenho que estes jovens demonstraram quando se sentiram valorizados é de notar e incentiva-nos a continuar a lutar por este caminho, o caminho da luta pela dignidade e pelos direitos das mulheres, e o caminho é o da Luta pelos valores de Abril. Viva o 9º Congresso do MDM!
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Pela mudança política vamos cumprir Abril Etelvina Ribeiro Marinha Grande
Saúdo, todas as Delegadas e Convidados presentes. Os direitos das mulheres no nosso País têm apenas quatro décadas, direitos de igualdade que se inscrevem nas grandes conquistas alcançadas pelo nosso povo, com a revolução de Abril, que pôs fim às discriminação entre sexos, imposta pelo fascismo. A Constituição, lei fundamental do País, consagrou o princípio da igualdade jurídica e da igualdade de oportunidades, sem qualquer discriminação. No trabalho foi instituído o princípio, para trabalho igual, salário igual, os trabalhadores e trabalhadoras, com a luta, consagraram nos contractos colectivos, a salvaguarda de acesso à carreira profissional em igualdade, assim como, em todo o clausulado, se consagrou direitos iguais para homens e mulheres. Há mais de três décadas que foram implementados os contractos a prazo, o que criou a precariedade e, como se não bastasse, as empresas, há largos anos, passaram a contratar empresas de trabalho temporário, ou prestadoras de serviços, colocando assim trabalhadoras a exercer as profissões mas não recebendo como os trabalhadoras do quadro, estando sempre na incerteza de até quando terão emprego; a esmagadora maioria deste trabalho precário é de mulheres, umas jovens que apenas desta forma tem trabalho, outras com mais idade, que se viram confrontadas com o desemprego e só lhe restou a alternativa do emprego precário. Ou seja, o capital, cada vez mais, tem uma atitude de exploração atroz, impõe a precariedade e por consequência os baixos salários. Em muitos sectores da Industria, dos Serviços e do Comércio, está instituído o trabalho por turnos, as empresas de laboração continua, tem horários claramente prejudiciais à saúde, trabalhando todos os dias da semana, em turnos rotativos, com um horário diferente, em cada um dos dias, o que cria problemas especialmente às mulheres trabalhadoras, porque as limita, na organização familiar, no acompanhamento aos filhos e condiciona também, muitas jovens a serem mães. Por tudo isto, se impõe a demissão do governo, a mudança de política, e que se criem condições económicas, laborais e sociais, em que haja a redistribuição de riqueza, que terminem as desigualdades, as descriminações, a exclusão, o desemprego e a violência, seja esta física ou psíquica. As mulheres exigem direitos na lei e na vida, é preciso uma sociedade mais justa e democrática. Vamos Retomar os Valores de Abril, efectivar a igualdade no trabalho, na família, na vida social, politica e cultural. A Igualdade é Progresso para Todos! Pela Mudança Política Vamos Cumprir Abril! Viva o 9º Congresso do Movimento de Mulheres!
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As professoras… nomes fictícios para vidas reais Em defesa da escola pública, inclusiva e democrática Filomena Pires Viseu
O retrato imperfeito, que vos trago, respeita às profissionais da educação, trabalhadoras da escola pública, a escola de Abril, promotora de igualdade. Maria é assistente operacional. Aufere pouco mais de 500 euros partilhados com dois filhos. A mais velha frequenta o ensino superior, o mais novo, o secundário. As contas desta família monoparental são pagas com as migalhas recolhidas em 3 postos de trabalho: 40 horas na escola, as limpezas à hora do almoço e nos fins-de-semana, as noites dormidas a acompanhar uma idosa. Ana Maria é doutorada por uma universidade italiana. Na lista pública de docentes da escola superior onde trabalha, a recibos verdes, o nome dela não consta. É o anonimato da precariedade com face de mulher: sem direito a licença de maternidade, horas de amamentação ou aleitamento, ameaçada de “não renovação” por se ter atrevido a ser mãe. Maria Inês é assistente operacional - já lhe chamaram Auxiliar de Educação, mas isso foi antes da troica. No piso da Escola Básica onde trabalha, já exerceram funções três auxiliares. Agora está sozinha a tomar conta de um grande número de crianças. O médico de família considerou que só uma baixa médica poderia dar-lhe condições para descansar. Perdeu 3 dias de salário por estar doente, 10% do salário em cada um dos outros 27 dias, prescritos para recuperar a saúde. É pelo skype que mata as saudades do marido emigrado em Angola. Cristina Maria é professora contratada. No início de setembro, soube que teria de mudar de casa para trabalhar a 511 km, onde foi colocada. Tem 16 anos de trabalho para o Ministério da Educação e Ciência, sem direito a vinculação, a carreira, a estabilidade minimamente compatível com a dignidade da pessoa humana. Tem a seu cargo duas filhas e a mãe dependente. Desespera, mas decide aceitar. Aluga casa a quem não lhe passa recibo, trata da inscrição das filhas na nova escola, desdobra-se para cumprir a aceitação que se impõe. Em Outubro, vê a colocação anulada, é obrigada a tudo refazer porque a administração educativa cometeu um erro de cálculo. As filhas, neste vai que não vem, já vão na terceira escola, sempre provisórias como a vida profissional da mãe. Os recibos de combustível gasto entre colocações desacertadas, que não tem, não serão apresentados, para a indemnização prometida pelo ministro, no tribunal cujas custas não pode pagar porque é preciso comer. Maria Ana conta 31 anos de docência, 55 de idade. Foi provisória durante 3 anos, efetiva-provisória mais 7. Tem 10 anos de itinerância, correndo o país com a filha, crente de um dia estabilizar perto de casa. Leciona inglês todos os dias em 5 turmas, mas consta no sistema informático do MEC como não tendo componente letiva atribuída. Fruto de medidas premeditadas implementadas por governos com políticas de direita como o actual, é hoje “horário zero”. Sofre a precariedade que paira sobre um vínculo ameaçado pelos cortes orçamentais. Em janeiro de 2015, o salário será reduzido em 40%, depois em 60%, num percurso que constitui efetivo despedimento. Sobrevive à ansiedade, à revolta, à instabilidade, com a ajuda de pílulas mágicas que a fazem dormir e acordar ao sabor da necessidade. Neste quadro inacabado falta o lugar da Alda Maria: entre as equações que ensina e a hipotenusa que não diz, afirma-se o assédio moral do diretor, que podia ser uma diretora, a gravidez medicamente assistida que se perdeu na perseguição que não cessa. Fica o desabafo da fuga, o
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sonho de viver nas suíças de uma exploração que ainda não conhece e acredita não existir. Há mais espaço para um prisioneiro numa cela que para um aluno numa sala de aulas! – desabafa a Maria Emília sem compreender as razões para as turmas serem cada vez maiores. É o sindicato que a leva a pensar. Sim, o objetivo é claro: quanto mais degradado estiver o ensino público, mais poderá crescer o negócio do privado! Aumenta-se o número de alunos por turma, agregamse escolas criando agrupamentos pouco ou nada governáveis, muda-se a estrutura curricular e sobram professores onde sabemos que eles fazem falta. A Ilda Maria não consegue entender: o seu filho, gémeo prematuro, alvo de uma intervenção cirúrgica para colocação de pace-maker definitivo, com diagnóstico de hiperatividade e défice de concentração, carente de apoio individual e individualizado, que usufruiu até ao 4º ano, está agora integrado numa turma de 29 alunos onde outros meninos com necessidades educativas especiais mal sobrevivem. À revelia da lei. É professora. Nomes fictícios para vidas reais. Não há incompetência em nenhum dos gestos geradores destas histórias. Há intencionalidade. 40 anos depois da madrugada libertadora de Abril, o ataque à democracia, conquistada pela luta, faz-se também no esforço de destruir a educação universal e gratuita, instrumento forte de concretização da igualdade. Degradar as condições de trabalho é apenas uma face desse caminho. Contarão com a força organizada deste movimento, no combate urgente que tomamos nas mãos, em defesa da escola pública, inclusiva e democrática. Viva a luta das profissionais da educação! Viva o 9º congresso do MDM!
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Moções
Moção Pela solidariedade com as mulheres do mundo inteiro A solidariedade é uma relação de compromisso com a luta das mulheres e dos povos pela autodeterminação, a independência e a soberania. A solidariedade que expressamos desde sempre no quadro internacional representa o mais nobre relacionamento humano, e radica numa história longa da organização de mulheres, uma história de luta abnegada de resistência ao fascismo e ao nazismo, com mulheres que estiveram nas prisões e nos campos de concentração nazis, de mulheres que deram a vida pela independência dos seus povos contra o colonialismo e o apartheid. Neste sentido, o 9º Congresso do MDM manifesta a sua solidariedade: Com as mulheres heróicas que constroem nos seus países o progresso, o desenvolvimento, o diálogo entre etnias e culturas, ousam sonhar e acreditar que é possível viver melhor, e para tal erguem os seus países das ruínas cavadas por bombas e minas de agressores e colonizadores seculares; Com todas as que combatem a opressão, a fome, a doença e a pobreza que grassa nos seus países ameaçados e controlados pelos senhores da guerra que sujeitam os povos a uma exploração terrível, tentando impor o neocolonialismo para melhor explorarem os recursos naturais desses países; Com as mulheres e suas organizações que, em vários países europeus, denunciam os resultados das políticas de austeridade, verdadeira agressão contra os direitos alcançados por uma luta secular dos trabalhadores e das trabalhadoras pelo direito ao emprego, à saúde e à educação na Europa, sendo certo que a situação depressiva que as mulheres vivem hoje, é causada pela arrogância de governos que, no quadro da União Europeia (a 28), determinam as políticas que servem o grande capital financeiro que, despudoradamente aumentam a exploração e o empobrecimento das classes trabalhadoras, acumulando a esmagadora parte da riqueza produzida, em detrimento da qualidade de vida das pessoas e da dignidade de quem vive do seu trabalho, particularmente das mulheres, as primeiras afectadas. Como é sabido e reconhecido, em Portugal, Grécia, Espanha, Itália, Grã-Bretanha, Chipre e por toda a Europa persistem as discriminações contra as mulheres e as desigualdades sociais. As violações sexuais e a violência doméstica, alastra a pobreza feminina, aumenta o tráfico de mulheres e crianças a par da prostituição, como consequências do empobrecimento das famílias, da precariedade e do desemprego, bem como das desigualdades e profundas assimetrias na distribuição da riqueza; Com as mulheres africanas que sofrem o aumento da violência e das guerras fratricidas na República Centro Africana, na República Democrática de Congo, Ruanda, Somália, Sudão do Sul, Darfur, no Egipto, na Líbia, em grande maioria sob o efeito de ocupações estrangeiras; Com as mulheres Saharauis e o povo Saharaui na sua luta contra a ocupação por Marrocos, pela sua libertação e autodeterminação, pela concretização de um referendo que permita a escolha popular, pelo cumprimento das resoluções das Nações Unidas que reconheceram o direito do Povo Saharaui à autodeterminação. A ocupação ilegal do Sahara Ocidental, o clima de pressão e terror nos territórios ocupados a par do espólio de recursos naturais por parte da potência ocupante, tem consequências dramáticas na sobrevivência deste povo que, separado por um muro de mais
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de 2000 km, vive em acampamentos de refugiados em cuja organização a União Nacional de Mulheres Saharuis (UNMS) assume papel destacado e de grande dignidade; Com as mulheres da América Latina, onde o imperialismo procura intervir nos processos progressistas de vários países e onde a expressão mais ignóbil é o bloqueio económico, comercial e financeiro a Cuba pelos EUA desde há mais de 50 anos, bloqueio que o governo de Obama mantém e tornou mais rigoroso e que condiciona o bem-estar do povo cubano impondo sérios obstáculos ao seu desenvolvimento económico, cultural e social. A Federação de Mulheres Cubanas (FMC) desenvolve uma luta de apoio à revolução cubana, contra o bloqueio e pela libertação dos seus 5 heróis presos injustamente “como terroristas” nos EUA, que merece o maior apoio; Os povos árabes lutam pelo seu direito de libertação nacional, independência, liberdade e justiça social, contra a ofensiva imperialista – sionista – reaccionária – “taqfirista”, que sacode toda a região particularmente a Síria, Líbano, Iraque, Bahrein entre outros, sendo a sua luta central a causa da Palestina e o direito inalienável do povo palestino em construir o seu estado independente, na sua terra, um Estado com a sua capital em Jerusalém. A luta das mulheres da Palestina está entrelaçada com a luta das mulheres árabes contra o sionismo e a guerra que o estado de Israel instiga em toda a região, martirizando mulheres e crianças com a destruição, a morte e as prisões ao mesmo tempo que, numa desproporção de meios e de efeitos Israel sufoca o mundo com a hipocrisia e a demagogia de se defender de ataques palestinos. Sendo certo que em todas as partes do mundo se torna imprescindível a integração e desenvolvimento das organizações de mulheres como parte integrante dos movimentos sociais, como força mobilizadora contra a militarização e o uso de armas que o imperialismo emprega, sejam armas ideológicas, informáticas, económicas, ambientais ou sociais. O 9º Congresso do MDM manifesta a solidariedade a todas as mulheres dos 4 cantos do mundo e a sua confiança na grande força colectiva de mulheres que, com a sua voz, a sua mobilização e entusiasmo, a sua luta defendem um mundo mais justo, de igualdade económica e social para todas. Aprovada por unanimidade A enviar aos órgãos de soberania – Assembleia da República e Governo –, para a União dos Resistentes Antifascistas e para a Federação Democrática Internacional de Mulheres.
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Moção Unidade e luta contra o fascismo O 9.º Congresso do Movimento Democrático de Mulheres realiza-se num quadro em que o povo português e os povos de todo o mundo enfrentam enormes perigos e em que pesam sobre a humanidade crescentes ameaças. A situação e os direitos das mulheres, tão arduamente conquistados no século XX, estão assim sobre grandes perigos e ameaças. Portugal e o mundo estão mergulhados numa nova e mais profunda crise do sistema, que se expressa no plano económico, social, político e de valores. Importantes conquistas civilizacionais, resultado da luta heróica das mulheres, dos trabalhadores e dos povos, são liquidadas, subvertidas, e outras seriamente ameaçadas. Face aos graves problemas que atingem os povos, o capitalismo e as potências imperialistas respondem com a intensificação da exploração, a liquidação de direitos, o cerceamento de liberdades, o desfiguramento dos regimes democráticos. Multiplicam-se as guerras de agressão imperialista. Universaliza-se o militarismo e a corrida aos armamentos, comportando graves perigos para a paz. Uma nova guerra mundial é uma ameaça real. São as mesmas causas e os mesmos responsáveis que, no século XX, estiveram na origem de duas guerras mundiais que dizimaram milhões de seres humanos, verdadeira barbárie que suscitou na humanidade a real dimensão da importância da Paz, da cooperação e da soberania dos Povos. E, neste contexto, o 9º Congresso do Movimento Democrático de Mulheres recorda as razões que estiveram na criação da Federação Democrática Internacional de Mulheres, que em 2015 assinala o seu 70º aniversário, fortalecendo os laços de solidariedade contra o fascismo e a guerra e pela importância da luta das mulheres neste contexto. Uma realidade que marca a actualidade e que não pode ser esquecida nem desvalorizada porque se avolumam sérios perigos, o que exige uma atenta, continuada e persistente intervenção das mulheres e das suas organizações em Portugal e em todo o Mundo. O fascismo que é um produto do sistema capitalista, reside na sua própria crise e na política de agressão imperialista, tornando-se uma séria ameaça ao tentar impor em vários países sinistras ditaduras de má memória. As forças fascistas e fascizantes reforçam posições, explorando o desespero de milhões de pessoas que não vêem saída para os seus problemas. Dispõem de meios colossais, gozam da maior impunidade e de fácil acesso à comunicação social. Atingiram em vários países forte expressão eleitoral, estão representadas em numerosos parlamentos e em alguns casos integram governos de países ditos democráticos. Em vários países, e também em Portugal, desenvolve-se uma insidiosa campanha de branqueamento do fascismo e dos seus crimes, da sua natureza e das forças sociais que foram suas beneficiárias e seu sustentáculo. Campanha que visa abrir caminho às forças reaccionárias com vista à liquidação de direitos, liberdades e avanços sociais alcançados com a luta vitoriosa dos povos no século XX e que também o 25 de Abril nos trouxe. O 9.º Congresso do MDM, movimento nascido durante a ditadura fascista, com um património de mais de 40 anos de luta pela liberdade, pelos direitos e pela dignidade das mulheres, de intervenção na construção de Portugal democrático e na defesa das suas conquistas, de solidariedade para
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com a luta das mulheres e dos povos de todo o mundo, exorta as mulheres a lutarem activamente contra as políticas de direita, pelas liberdades democráticas e contra o fascismo. O 9.º Congresso constata que os sucessivos governos que há mais de três décadas governam o nosso país tornaram Portugal – país em que teve lugar uma revolução de emancipação social e nacional, que tem ainda inscrito na sua Constituição a proibição de organizações e propaganda fascistas, a realização de uma política de progresso social e a solidariedade – parte integrante da ofensiva capitalista e imperialista contra os direitos dos povos. O 9.º Congresso reafirma que o fascismo não é saída para os problemas dos povos, nem é uma inevitabilidade. Por isso, afirma o seu claro compromisso de combater o fascismo e de dinamizar o esclarecimento sobre a sua natureza e as causas que o engendram. Um compromisso que exige lutar contra as políticas de direita. Que impõe a exigência de novas políticas que respondam aos problemas das populações e que aprofundem a democracia. O 9.º Congresso considera ser dever de todas e de todos os que não querem que volte a haver em Portugal e no mundo os negros anos do fascismo, e que marcaram a história do século XX, denunciar os seus métodos, os seus crimes e as suas causas. O 9.º Congresso apela às mulheres do MDM, às mulheres democratas, todo o seu empenhamento na luta pela concretização dos objectivos da luta comum, «pelos direitos e dignidade das mulheres, a urgência de lutar por Abril», condição para assegurarem a liberdade como modo de viver das mulheres e do povo português. Aqui reiteramos: 25 de Abril sempre! Fascismo nunca mais! Aprovada por unanimidade
A enviar aos órgãos de soberania – Assembleia da República e Governo –, para a União dos Resistentes Antifascistas e para a Federação Democrática Internacional de Mulheres.
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Carta dos Direitos da Mulher
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O
século XX foi um século de grandes conquistas dos direitos das mulheres. Foi o acesso à educação, o direito à contraceção, o direito de voto e o acesso ao poder. Foi a entrada no mercado de trabalho e na investigação científica. Deram-se passos gigantescos para uma visibilidade social das mulheres na história e na construção social dos povos, na literatura e nas artes. Houve significativos avanços na desconstrução de estereótipos ligados ao sexismo. Foram conquistas difíceis que motivaram a luta de mulheres do mundo, mas que no século XXI, correm sérios riscos de colapso, surgindo novos estereótipos e roupagens adequadas aos tempos para ocultar, deformar ou afastar os desígnios das mulheres por uma condição social digna e decente, como mulheres, cidadãs, trabalhadoras, mães, exigindo-se cada vez mais das mulheres, o empenhamento, a coragem e a determinação de uma ação coletiva, consciente, discutida, participada. Analisando os problemas da igualdade entre mulheres e homens à luz da dinâmica atual, complexa, em resultado das mudanças constantes operadas no país e no mundo, com o reacender de guerras e conflitos e o ascenso de forças fascistas e neonazis na Europa, é urgente revitalizarmos a nossa luta em defesa dos valores da humanidade, dos ideais progressistas, em defesa dos direitos das Mulheres, indissociáveis da luta pela Paz e pelo Desenvolvimento. O neoliberalismo e a globalização capitalista caracterizam-se essencialmente pela negação da dimensão humana, na procura insaciável do lucro. Não olhando a meios para o alcançar, atingem de forma brutal e imediata a mulher, por a terem como a parte mais fraca e mais vulnerável, presa que julgam fácil para os seus intentos. Há que reconhecer que as mulheres trabalhadoras e as mulheres em geral têm dado, por todo o país, uma resposta encorajadora com a sua luta contra muitos dos desígnios do patronato e dos governos, de encerrar empresas, de cortar nos salários, de aumentar horários de trabalho. Estão nas ruas contra o encerramento de maternidades e centros de saúde, de escolas, de tribunais e outros serviços públicos. Sem dúvida que elas participam e têm participado na defesa dos seus interesses, nos da população em geral
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e no interesse do País. Elas lutam porque não estão dispostas a voltar atrás. Nesta conjuntura económica, política e social, o MDM continua a consciencializar as mulheres para o reconhecimento e valorização de saberes, capacidades e competências no quadro dos valores do respeito pelo outro, da igualdade de direitos sem quaisquer discriminações, de uma ética de princípios que salvaguardem os direitos das mulheres como direitos humanos. Os direitos pressupõem valores indispensáveis e indissociáveis de uma qualquer sociedade de paz e de justiça social. Os direitos das mulheres não são direitos adquiridos ou menores. As desigualdades e as discriminações persistem, ainda que com roupagens de grande subtileza. A exploração do trabalho das mulheres intensificou-se. Os direitos das mulheres têm grande centralidade na construção da dignidade e igualdade humanas, dando corpo e forma a valores como a liberdade, a cidadania, a solidariedade e a tolerância. Interdependentes e indivisíveis, os direitos das mulheres são direitos fundamentais integradores da Democracia. A luta emancipadora é um todo que nos obriga a intervir mais politicamente e a exigir uma participação ativa das mulheres no desenvolvimento social, económico e humano, sendo certo que a economia e o progresso do País não avançam sem o trabalho produtivo e qualificado das mulheres, e é condição para o desenvolvimento e para a realização pessoal das mulheres como sujeitos atuantes emancipados. As mulheres ganharam muito com as transformações da Revolução de Abril, mas também são quem mais poderá perder com as políticas de recuperação capitalista. Com uma análise multifacetada da condição das mulheres, o MDM define as suas linhas orientadoras no seu 9º Congresso, realizado em 25 de outubro de 2014, e apresenta um programa para a ação das mulheres portuguesas, que é um novo e grande desafio para o Movimento e para nós, mulheres, mas também um contributo para a transformação da vida das mulheres e por uma sociedade de justiça.
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Agir e defender direitos! Agir por Valores Democráticos! Agir pela Paz! O Movimento Democrático de Mulheres assume a urgência de lutar pela igualdade e os direitos das mulheres em Portugal e no mundo.
O MDM assume a urgência de lutar pela Solidariedade e pela Paz, pela soberania, independência e autodeterminação dos povos, tendo em conta que a solidariedade com as mulheres e os povos é uma razão estruturante da nossa intervenção, o que implica: * A defesa da cooperação e entreajuda na luta pela paz; * A busca da resolução pacífica de conflitos; * A defesa do direito à autodeterminação dos povos e o respeito pelas suas opções políticas, sem ingerências e sem agressões estrangeiras; Considerando que as violações dos direitos de que as mulheres são vítimas ofendem direitos humanos e a dignidade individual e coletiva da sociedade e resultam do não cumprimento pelo poder económico e político de normas constitucionais e internacionais, o MDM continua a lutar por: * Políticas de promoção de investimento que impulsionem a criação de emprego e de aproveitamento da qualificação das mulheres; * Aplicação dos direitos laborais, em matéria de proteção das trabalhadoras, o combate ao trabalho infantil, à escravidão doméstica e à exploração laboral das imigrantes; * Combate à pobreza, com rosto de mulher; * Defesa dos direitos sociais e valorização do trabalho e dos salários das mulheres, como condição básica para a sua independência económica, emancipação intelectual e cultural; * Combate ao recurso de mão-de-obra barata através do trabalho atípico e, em particular, ao trabalho temporário; * Combate ao recurso ilegal de trabalho precário e à violação dos direitos, ameaçados pela desregulamentação das relações laborais, particularmente quanto aos horários de trabalho e à proteção e defesa da maternidade; * Defesa do acesso em igualdade ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) e do direito aos serviços de saúde sexual e reprodutiva, à educação sexual e ao aborto seguro e legal; direito de opção e decisão da mulher em caso de gravidez não desejada e à igualdade de acesso de todas as mulheres, incluindo as jovens e imigrantes, ao
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planeamento familiar, à contraceção de urgência, ao rastreio do colo do útero e da mama; * Combate às violências contra as mulheres e crianças, quer sejam físicas, psicológicas ou sexuais, quer sejam violências domésticas, assédio moral e sexual no emprego e nas ruas, mas também às violências e maus-tratos sobre as mulheres imigrantes e idosas; * Combate à cibercriminalidade; * Defesa de medidas de proteção social para grupos considerados vulneráveis, nomeadamente as idosas, as minorias étnicas, as pessoas portadoras de deficiência física ou mental, doentes, sem-abrigo e pessoas sem uma habitação condigna, mulheres com a família a cargo, desempregadas de longa duração, jovens e crianças.
Considerando que a estabilidade no emprego é indissociável da estabilidade afetiva e emocional das pessoas e das famílias, o MDM continua a lutar por: * Melhorar a situação das mulheres trabalhadoras, no respeitante ao direito a salário igual trabalho igual e à segurança social, nas vertentes da reforma, do desemprego, da assistência em caso de doença, dos seguros de invalidez e dos regimes de pensões; pôr fim às restrições relacionadas com a atribuição dos prémios e outras regalias assegurando a liberdade de associação e organização no trabalho; * Garantir direitos sociais relativos à conciliação da vida familiar e profissional como a licença parental e a proteção da maternidade; * Medidas que permitam a promoção da natalidade nomeadamente do acesso, atempado, aos tratamentos de infertilidade; * Criação de redes públicas de creches e infantários e outros equipamentos que permitam uma melhor conciliação entre a vida profissional e a vida familiar; * Reconhecer a responsabilidade partilhada dos homens e das mulheres na educação e no desenvolvimento dos filhos, sublinhando que, têm o direito a usufruir de licença de paternidade/maternidade, sem que sobre eles seja exercida qualquer discriminação por parte da entidade empregadora; * Pugnar pelo respeito dos direitos das mulheres imigrantes, que muitas vezes não possuem senão direitos derivados, por intermédio dos respetivos maridos, o que implica proporcionar-lhes informação exaustiva e o desenvolvimento de estratégias que lhes dê acesso aos direitos e às oportunidades; * Assegurar o direito ao reagrupamento familiar das imigrantes.
No que respeita à promoção da salvaguarda das liberdades individuais, o MDM luta para: * Defender a proteção de dados pessoais e o respeito da vida privada, a liberdade de expressão, a liberdade de informação e o pluralismo dos media para informar, tendo em conta a diversidade de conceções políticas e de género; * Exigir a eliminação das discriminações em razão da deficiência, ainda mais acentuadas pela condição de ser mulher;
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* Combater o racismo e a xenofobia; combater todas as manifestações do fascismo e neo- nazismo, crescentes em Portugal e na Europa; combater todas as manifestações de repressão nas empresas e na sociedade por motivos de ordem étnica, religiosa ou ideológica; * Combater as discriminações em razão da orientação sexual; defender o direito de opção dos gays, lésbicas e transsexuais quanto à família, proteção social, às uniões de facto, coadopção e adoção de crianças.
No que respeita ao direito à informação, à promoção da literacia feminina e de uma atitude reflexiva e crítica por parte das mulheres, indissociável do direito de pessoalidade ede cidadania, o MDM defende: * A elaboração de uma estratégia de comunicação tendo em conta a conceção e realização de um conjunto eficaz de serviço público de informação, que contemple as experiências de vida das mulheres, os seus projetos, que melhore a informação relativa aos direitos das mulheres; * A divulgação de uma informação plural, rigorosa e de boa qualidade em matérias difíceis tal como são o aborto, a reprodução medicamente assistida, mas também sobre a ecologia e a qualidade ambiental e os produtos transgénicos; * O desenvolvimento de patamares de informação adequados, tendo em vista colmatar o défice democrático, dando visibilidade e voz às experiências das mulheres, incluindo as trabalhadoras na sua luta emancipadora; * A promoção da discussão pública sobre as questões da igualdade tendo em devida conta que o direito a uma informação séria exige uma linguagem sem estereótipos sexistas; * A promoção nos programas mediáticos, informativos e de entretenimento, nos materiais para fins educativos e nos media em geral, de uma imagem da mulher, baseada no respeito pela dignidade humana e no princípio da igualdade entre homens e mulheres; * A utilização dos “novos” meios de informação e das redes sociais pelas ativistas do MDM e por toda a organização tendo em conta que a audiência é constituída por setores diversos de mulheres que, em geral, são as menos tidas em conta como auditório, em geral, as que menos leem jornais e as que têm a taxa mais elevada de iliteracia; * A utilização da imprensa feminina ou de programas que são dedicados às mulheres para divulgar atividades e temáticas que interessam ao MDM.
Num contexto de profundas mistificações e retrocessos civilizacionais, com a emergência de novas leituras para novos e velhos problemas, e considerando que as liberdades e os direitos individuais são indivisíveis e indissociáveis dos direitos sociais e de cidadania, importa ter em conta que:
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* A cidadania implica o direito a ter uma vida decente e digna, o direito de participação na esfera pública, o direito de eleger e de ser eleita e de participar em igualdade em todas as esferas da vida; implica o combate às desigualdades sociais, o direito à habitação, à educação, ao emprego e a um salário digno, à formação, ao aperfeiçoamento das competências e à aprendizagem ao longo da vida, incluindo para as populações mais carenciadas e vulneráveis; * A cidadania implica também o direito a um sistema público de saúde e de segurança social que promovam a proteção social de todas as mulheres; * A escravatura doméstica, a prostituição, a amplitude do fenómeno do tráfico de seres humanos, em Portugal, na Europa e em todo o mundo, para fins sexuais e de trabalho, constituem uma grave ofensa ao estatuto da mulher como pessoa e cidadã, resultante de violações morais e sexuais, de humilhação e violências, implica pois lutar contra as tentativas de incluir na lei portuguesa a prostituição como um trabalho sexual; as mulheres prostituídas devem ser apoiadas nos seus direitos como cidadãs relativamente à saúde, à formação, à proteção social e com políticas de inclusão social; * A participação cívica e política das mulheres, a sua eleição em todos os órgãos de poder são indispensáveis e indissociáveis da democracia e do desenvolvimento cultural e civilizacional; * As estruturas e procedimentos internos de todas as instituições devem suprimir todo e qualquer obstáculo que, direta ou indiretamente, constitua uma discriminação em relação à participação das mulheres.
O MDM intervém para reforçar a participação das mulheres como cidadãs, mães e trabalhadoras tendo em atenção que: * A participação, que envolve a ação e reivindicação das pessoas são condições determinantes na luta contra a exclusão, em qualquer domínio da vida, designadamente das mulheres. É indispensável que as medidas que combatam a exclusão acolham uma vasta gama de áreas, como o emprego, a proteção social, a educação e a formação, a saúde e a habitação onde as mulheres possam ter a palavra e a sua vontade respeitada; * A autonomia e poder de decisão são favorecedores da participação direta, pressupondo um reforço das suas capacidades, para a ação e reivindicação do exercício dos seus direitos sociais; * A conquista da democracia e dos direitos políticos é uma luta constante e exige envolvimento permanente; * A concretização da igualdade e da dignidade, conceitos que se interligam, tem o seu fundamento na consagração e respeito pelos direitos, como sejam o direito à integridade física e moral, o direito à saúde, à habitação, ao trabalho e segurança; * A ação ou participação profissional, social e política das mulheres impõem, para além das proibições e das discriminações, que a intervenção ativa na vida cívica e social deva ser aceite e respeitada, em todas as suas vertentes; * As diferenças de género não podem pôr em causa a autonomia e a independência da mulher, nem serem algemas para a liberdade de pensamento e opinião, de consciência e religião.
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Movimento Democrático de Mulheres assume um papel de catalisador da opinião mais avançada em função das inovações tecnológicas científicas e das alterações legislativas mais inovadoras e progressistas para poder informar as mulheres sobre os seus direitos, valorizar o seu potencial criativo, valorizar o papel que as mulheres jogam no tecido politicocultural e associativo local ou nacional, valorizar os seus trabalhos, as suas expressões na escrita, a palavra oral, a arte e toda a tessitura das suas experiências. O MDM promove uma reflexão sobre o panorama mediático, particularmente aquele vocacionado para o mundo feminino, seja na comunicação social e publicidade seja nas redes sociais, sopesando na linguagem e no discurso os novos estereótipos e mitos formadores (e/ou deformadores) das mentalidades e papéis sociais para as mulheres. O MDM garante a visibilidade das problemáticas e reivindicações das mulheres junto dos centros de poder e articula com entidades nacionais e locais e demais associações iniciativas e tomadas de posição públicas e pertinentes. O MDM estimula a criação, a convivialidade, a informação, a mobilização, a reflexão em comum, a troca de experiencias, porque a diversidade e a multiplicidade de visões, sendo uma riqueza, reforça e dá sentido à luta das mulheres. O MDM organiza e faz convergir o protesto e a reivindicação na defesa dos direitos que integram a luta pelo estatuto emancipador das mulheres. Na construção de uma sociedade de Justiça Social e de Paz a que aspiramos, livre de maus-tratos, humilhações e violências sobre as mulheres, na construção de uma sociedade liberta da opressão e da discriminação, o projeto do MDM conta com a participação e o envolvimento empenhado das mulheres na sua organização. O Projeto do MDM é indissociável da luta pela igualdade de direitos e oportunidades, é indissociável da luta pela democracia e valores democráticos, é indissociável das conquistas e valores de Abril. O MDM é a força de mulheres que intervém socialmente, organiza o espaço e o tempo das mulheres e dissemina o entusiasmo e a alegria de transformar e criar mundos de felicidade e utopia. Porque somos cidadãs de pleno direito, nós mulheres do MDM, lutaremos para não perder os direitos conquistados, exercendo-os e procurando sempre o seu aprofundamento, sendo certo que os direitos das mulheres não representam quaisquer privilégios, integram-se nos direitos humanos como pedras basilares da civilização humana.§
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Composição Conselho Nacional Conselho Fiscal
O 9º Congresso elegeu o Conselho Nacional do MDM, composto por 94 mulheres, oriundas de vários pontos do país, de profissões e idades diversas e ligadas a áreas da intervenção das mulheres, que, a par da Direcção Nacional e do Secretariado Executivo, a eleger posteriormente,posteriormente eleitos, compõem os órgãos de direcção do Movimento. O Congresso também elegeu o Conselho Fiscal, composto por três membros efectivos e dois suplentes. Estes são os órgãos nacionais do MDM, eleitos por unanimidade que, nos próximos quatro anos, continuarão a dar significado ao nosso mais querido lema – um movimento com a força da vida! na defesa intransigente dos direitos e dignidade das mulheres!
Conselho Nacional Nome
Distrito
Adelina Eduarda Silva Marques Alcinda Márcia Oliveira Guedes da Silva Ana Cristina Gouveia Silva Ana Filipa Rodrigues Ana Lúcia Nogueira Marques Costa Lourenço Ana Lúcia Pereira da Costa Soares Ana Maria Patrício Souto Ana Paula Agostinho Matias Ana Paula Lopes Patinhas Ana Paula Proença Borges Ana Paula Teixeira de Almeida Ana Paula Zeverino Gonçalves Ana Teresa Vicente Andreia Egas Ângela Teixeira Apolónia Maria Alberto Pereira Teixeira Carina Novais Carla Alexandra Pereira de Oliveira Carla Assunção da Silva Carla José Mendes Pereira Carla Isabel Mendes Colaço Cecília da Conceição Simões Sales Cipriana Madruga Brites Conceição Baptista Corália Almeida Loureiro Diana Marta Pereira da Conceição Dulce Oliveira Sousa Rebelo Fernandes Elsa Couchinho Eugénia Adelaide Pires Santos Fernanda Lapa
Porto Porto Santarém Santarém Lisboa Faro Lisboa Santarém Beja Lisboa Madeira Setúbal Setúbal Setúbal Porto Setúbal Porto Aveiro Porto Santarém Beja Lisboa Lisboa Lisboa Setúbal Lisboa Lisboa Lisboa Setúbal Lisboa
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Nome
Distrito
Filipa Maria Ribeiro Pereira Filomena de Matos Pires Helena Susana Albuquerque Frazão Heloísa Augusta Baião Apolónia Idalina Maria Baptista Pedaço Isabel Maria da Cruz Lousada Jayanti Dutty Jesuína Francisca Rosa Pedreira Joana Cristina Roque Sofio Laura Vaz Lopes Leonor Barão Afonso Agulhas Lídia Ferreira Lily da Nóbrega Lúcia Alexandra Pereira Sousa Gomes Mafalda Sofia dos Loios Serralha Vilarigues Maria Alberto Rego Aliste Branco Maria Amélia Pardal Maria Antónia da Conceição Marreiros Candeias Maria Augusta dos Santos Mira Almeida Batista Maria Elisa de Matos Barreiros Marques Maria Etelvina Lopes Ribeiro Maria de Fátima Caeiro Queimado Amaral Maria de Fátima Messias Maria de Fátima Rosa Maria de Fátima Serranheira Luzia Maria do Céu Brito Maria Florinda Peres Freire Maria Glória Martins Silva Cabral Maria da Graça Barata Niny Mexia Maria da Graça Tavares Alves Rodrigues Maria Inês Gomes Rodrigues Fontinha Maria Isabel Barros Gonçalves Maria Isabel Figueiredo Costa Cruz Maria Jacinta Charneca Maria Joana Alves Pereira Maria Joquina Coelho Soares Maria José Gomes Maria José Ribeiro
Braga Viseu Coimbra Lisboa Setúbal Lisboa Setúbal Évora Évora Lisboa Faro Lisboa Santarém Lisboa Viseu Setúbal Setúbal Faro Setúbal Braga Leiria Lisboa Lisboa Lisboa Setúbal Açores Lisboa Lisboa Lisboa Lisboa Lisboa Lisboa Lisboa Faro Aveiro Setúbal Lisboa Porto
159
Nome
Distrito
Maria Fernanda Pinto Sanches Maria Lucília Pereira Simão Rosa Maria Luísa Bento Vitorino Pinto Gomes Maria Manuela Antunes da Silva Maria Marlene Moiteiro Maria Odete Santos Maria Rosália Ferreira Maria Vilar Diógenes Mariana de Jesus de Rijo Trindade Mota Mónica Maria Cabaço Leitão Odete Bernardino Afonso Borralho Maria Odete dos Santos Pires Gonçalves Olga Maria Cardoso Dias Regina Marques Robertina Maria Calado Pereira Pinela Rosa Peças Rute Pina Sandra Cristina Rodrigues Benfica Sandra Isabel Correia Caeiro Sílvia Cristina Tirapicos Pinto Sílvia Vasconcelos Sofia Carvalho Sofia Amaro Martins Susana do Carmo Corticadas Picanço Tânia Cristina Mateus Costa Zoraima Prado
Lisboa Beja Lisboa Aveiro Leiria Lisboa Lisboa Lisboa Portalegre Setúbal Beja Setúbal Porto Setúbal Setúbal Lisboa Setúbal Lisboa Évora Évora Madeira Porto Setúbal Évora Lisboa Setúbal
Conselho Fiscal
Nome
Distrito
Maria Joaquina Gomes Silvério
Lisboa
Vitalina da Conceição Roque Sofio
Évora
Anita da Conceição Vilar
Setúbal
Membros suplentes Maria Natividade Lopes Vieira Baptista Maria Alcina Noronha Costa Fernandes
Lisboa Aveiro
Av. Almirante Reis, nยบ 90 - 7ยบ A . 1150-022 Lisboa 218 153 398 . geral@mdm.org.pt . mdm.org.pt mdm.movimentodemocraticodemulheres