ao-pe-da-cruz-89

Page 1

Ao Pé da Cruz Página de Espiritualidade Passionista FPB – Ano IX – Número 89 O MISTÉRIO DA MORTE “Para mim, o viver é Cristo, e o morrer é lucro” (Fl 1,21). Todos os anos, no dia 2 de novembro, milhares de pessoas visitam os túmulos dos seus entes queridos falecidos. Estas visitas, geralmente, se fazem acompanhar de orações, velas, flores e quase sempre de lágrimas. Uma mistura de sentimentos envolve os visitantes: dor, saudade, presença e ausência. Diante do mistério da morte ficam mais perguntas do que respostas. A tradição da Igreja sempre exortou os fiéis a rezar pelos mortos. Inspirada em muitos textos bíblicos, ela cumpre o mandato que diz ser “um santo e salutar pensamento orar pelos mortos” (2 Mac 12, 43-46; 2 Tm 1,18). A oração mais importante, que a Igreja oferece pelos falecidos, é a Santa Missa, o sacrifício de Cristo e de valor infinito. Por que cremos na comunhão dos santos, na remissão dos pecados, na ressurreição da carne e na vida eterna, a oração pelos mortos, é a certeza de que a morte não tem a última palavra. No entanto, sabemos que esse costume só foi oficializado na Igreja, no séc. X, com Santo Odílio, abade beneditino do mosteiro de Cluny, na França, que instituiu o dia de finados para a sua ordem. A Igreja católica a tornou universal, partir do séc. XI, por iniciativa dos papas Silvestre II, João XVIII e Leão IX que convidaram os católicos a dedicar um dia no ano aos mortos. No entanto, o dia 2 de novembro só foi institucionalizado a partir do séc. XIII. Muitos poderiam se perguntar: Se a Igreja crê na vida, por que oficializar um dia para pensar na morte? Acontece que a vida tem o sentido que damos à morte, se evitamos falar dela, nossa vida terrena se torna medíocre e cada vez mais aumenta o pânico, as fantasias e as superstições sobre essa realidade que é parte constitutiva da condição humana. Embora ninguém se acostume com a ideia de morrer, ou de perder as pessoas queridas, a morte nos coloca diante de uma verdade incontestável: a existência humana é breve e “dissolúvel” desde o primeiro instante. A teologia mostra que a partir da fé e de um olhar profundo na Sagrada Escritura, a morte passou a ser o momento privilegiado da liberdade humana e o lugar por excelência da esperança cristã. O Antigo Testamento aponta que a vida humana é dom de Deus e tem um valor imprescindível (Jó 2,4). Entretanto, não temos a posse dela, mas a ganhamos para multiplicá-la sempre mais. Nos escritos vetero-testamentários transparece a consciência de que existe cronologicamente um limite intransponível da vida (Is 40,6; 2 Sm 14,14). Porém, a relação que Javé estabelece com as criaturas garante a elas uma vida longa (Gn 15,15; Jz 8,32; 1Cr 23,1). De modo geral, prevalece um olhar realista e confiante, diante do limite da vida e, nesse limite, está o Deus da vida. Essa descoberta através da fé faz desdobrar a esperança da superação da morte, pelo poder ressuscitador de Deus. No Novo Testamento, Paulo aponta que a morte é o salário do pecado (Rm 6,26). “Embora o ser humano tivesse uma natureza mortal, Deus o destinava a não morrer. A morte foi, portanto, contrária aos desígnios de Deus Criador, e entrou no mundo como consequência do pecado (...) e esse será o último inimigo do ser humano a ser vencido” (Catecismo da Igreja Católica, 1008). Olhando para Jesus, vamos vê-lo experimentando a morte de pecado, ainda que sendo justo (Mc 15,37; Hb 5,7), mas a sua ressurreição é a confirmação do próprio Deus de que a vida é mais importante e é a finalidade de toda a criação. Dessa forma, o cristão é chamado a “morrer em Cristo” e quando isso acontece se aceita a vida como dom, se vence o egoísmo e se coloca a vida a serviço do próximo (2 Cor 4,7ss; Rm 8,36). A vida vai sendo consumida e entregue à causa do Reino, o amor passa a revelar o sentido pleno da vida humana (Jo 15, 9ss) e a morte biológica torna-se relativa (Rm 14,8). Ainda que a morte não desapareça, a fé no Deus da vida, revelado por Jesus Cristo, garante que tudo tem um aspecto novo e a esperança é a forma definitiva de adentrar o mistério da morte e vencer o seu absurdo. Mas não podemos nos esquecer de que, pelo batismo, já morremos em Cristo e Nele vivemos uma vida nova. Graças a Cristo, a morte adquiriu um sentido positivo (Fl 1,21; 2 Tm 2,11). “Não morro, mas entro na vida” (Santa Terezinha do Menino Jesus), e a morte cristã se transformou num ato de obediência e de amor para com o Pai, a exemplo de Cristo (Lc 23,46).


A alternativa cristã diante da morte é a ressurreição e não a reencarnação (Hb 9,27). Jesus Cristo ressuscitou no seu próprio corpo e nessa ação, o Pai mostrou que é o Deus dos vivos (Mt 22,32), Aquele que ressuscita os mortos, Aquele que em Jesus nos ressuscitará pelo seu poder (1 Cor 6,14). Na morte, estaremos entregues à misericórdia divina. O encontro decisivo com Deus vai acontecer numa esfera de amor infinito, porque Deus quer que o ser humano participe de sua própria vida. Mas será que estamos preparados para esse encontro? A crença na vida pós-morte aumenta a responsabilidade diante da vida terrena, porque a Salvação não é um ato mágico, mas um processo dinâmico durante toda a existência humana. É um comprometerse com essa vida dada por Deus e que um dia será resgatada em plenitude. Dessa forma, ela não pode ser desperdiçada e nem vivida de qualquer jeito. Deve ser uma vida de solidariedade com o cosmo, com o mundo e com as pessoas, fruto da intimidade com Deus. Rezemos pelos mortos e pelos vivos e com alegria digamos como São Francisco de Assis: “Louvado sejas, meu Senhor, por nossa irmã morte corporal, da qual homem algum pode escapar (...) felizes aqueles que ela encontrar conforme a vossa santíssima vontade, pois a segunda morte não lhes fará mal”. E não nos esqueçamos que ocuparse da morte significa ocupar-se com a vida, pois “morrer é parte integrante da vida, tão natural e possível quanto nascer” (Elisabeth Kübler-Ross). Pe. Amilton Manoel da Silva, CP O SENTIDO DA VIDA DO PASSIONISTA Certamente muitos de nós Passionistas do Brasil, tivemos a sorte de conhecer o nosso querido, santo e sábio irmão, o Pe. Fugêncio Piacentini. Nós, Monjas Passionistas de São Carlos, tivemos o privilégio de tê-lo por 23 anos como nosso dedicado Capelão. Com muita sabedoria dizia que, uma das marcas que nos distingue como seres humanos dos outros seres vivos, é que nós, não apenas nos movimentamos, mas, sabemos de onde viemos e para onde vamos. Sem isso, a vida não é vida: é um inútil vegetar. Tanto que, viver com sentido, dar um sentido a tudo que se vive e mesmo se sofre é uma das vertentes mais belas e profundas do estudo e da terapia psicológica. Viktor Frankl, seu grande “fundador” em sua experiência existencial nos campos de concentração nazista, assim dizia aos seus companheiros de prisão, exangues até moralmente, debaixo do peso de inenarráveis maldades: “A vida humana tem sentido sempre e em todas as circunstâncias, e esse infinito significado da existência também abrange sofrimento, morte e aflição. Cada um de nós, nesses momentos difíceis e mais ainda na hora derradeira que se aproxima para muitos de nós, se encontra sob o olhar desafiante de um amigo ou de uma mulher, de um vivente ou de um morto - ou sob o olhar de Deus. Ele espera que não o decepcionemos e que saibamos sofrer e morrer, não miseravelmente, mas com orgulho! Mesmo o nosso sacrifício tem sentido em todo e qualquer caso, pois, neste mundo, nada se alcança sem ele” E lembrava-lhes de um jovem que propusera ao céu o pacto de que o seu sofrimento e morte poupassem de uma morte atormentada a pessoa por ele tão amada. Para esse jovem, sofrimento e morte não eram sem sentido. Viver com sentido, sofrer e lutar com sentido, morrer com sentido! O autor do 4º Evangelho ao nos apresentar o Cristo vencedor na “hora” tão esperada da Cruz, não nos diz que o Cristo morreu, mas entregou o Espírito. Entregou aos seus discípulos, com o Espírito Santo, as razões pelas quais se encarnou, sofreu e deu a vida; aquilo que o motivava, o seu fogo interior, ou, “brasileiramente” falando, o seu “gás”. E isto é muito forte para nós. É isto que expressamos com a nossa Consagração no desejo de ser vivo Memorial da Paixão do Senhor. O nosso antigo rito da Profissão Religiosa tinha em seu conteúdo e nos seus gestos esta compreensão de que, o e a Passionista vive motivado pelo Espírito do Deus apaixonado pela salvação do mundo. Com muita semelhança com o rito Batismal, a compreensão era esta: se prostra alguém e se levanta um novo ser animado pelo Espírito que o Cristo moribundo entregou na Cruz. Por isso, enquanto o candidato estava prostrado, se lia o Evangelho da Paixão, segundo São João... A nossa regra expressa tamanho Mistério ao dizer: “oferecem sua vida ao Espírito para que Cristo possa renovar nelas a sua Paixão”. Diante disto é inconcebível um e uma Passionista desmotivado, pois ele (ela) vive, ou deveria viver, com o fogo da Paixão do próprio Deus. Sua vida tem sentido sempre, mesmo quando e muito mais quando ele faz a experiência dos limites e das provações como Cristo na Cruz: “Completo em minha carne o que falta à Paixão de Cristo” (Cl 1,24). Uma vez que fizemos a nossa Consagração, em Deus temos a âncora do sentido que nos permite segurança em meio ao mar tumultuoso de um mundo em insegurança: “JÁ NÃO SOU EU QUE VIVO; É CRISTO QUE VIVE EM MIM!” (Gl 2,20). Monjas Passionistas São Carlos


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.