Ceia do Senhor de 2015
Caríssimos Irmãos e Irmãs: Iniciamos a celebração da Páscoa do Senhor no Domingo de Ramos e da Paixão. Hoje, será pelo próprio Cristo institucionalizada num rito, para podermos anunciar sua morte e ressurreição e esperar seu retorno glorioso e o têLo em sacramento. Aliás, toda celebração Eucarística é anúncio de seu retorno glorioso: “Anunciamos, Senhor, a vossa morte e proclamamos a vossa ressurreição. Vinde, Senhor Jesus”.Tais palavras, a Igreja proclama após a consagração do Pão e do Vinho. Sobre o altar temos a presença sacramental do Senhor, enquanto não O tivermos por ocasião de seu retorno glorioso. Entretanto, caros irmãos, desde a mais remota antiguidade, a Igreja fez o povo reunido, no dia de hoje, ouvir, depois da leitura da Primeira Epístola aos Coríntios – o documento mais antigo que possuímos sobre o rito da Eucaristia – o gesto do Cristo lavando os pés de seus discípulos.
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Portanto, para celebrar a Eucaristia é preciso o lava-pés. É, pois, sua preparação imediata e imprescindível. Foi o Senhor quem nos deu esse exemplo. Realiza, durante a Ceia com seus amigos, o que é próprio do servo: lavar os pés dos convivas. Mergulhar sincera e perspicazmente em nossas almas, analisando-a exaustivamente para verificar se somos capazes de lavar os pés uns dos outros, será sempre uma boa preparação para celebrar a Eucaristia. Lavar os pés, entretanto, exige o dobrar-se; atitude própria do humilde, daquele que serve. O lava-pés nos prepara para a Eucaristia. Todavia, o lava-pés que Jesus nos deixou não poderá se restringir a um rito. É necessário que aconteça no mais cotidiano de nossa vida, no rito mais sutil e doméstico possível de nossa existência. Por conseguinte, quem não se curva para erguer o caído, não atualiza o lava-pés. Quem não baixa o olhar para ver como vê o humilhado, não atualiza o rito do lava-pés. Quem não dobra a sua prepotência para acolher o outro, não atualiza o rito do lava-pés. Quem não dobra a sua vontade própria para respeitar a opinião de outrem, não atualiza o rito do lava-pés. Quem não se cinge do avental do serviço gratuito e generoso aos outros, não sabe o que é o rito do lava-pés. Quem não dobra a sua
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língua para evitar toda e qualquer maledicência, escurrilidade e detração, não sabe lavar os pés de ninguém. Quem não se inclina profundamente para adorar a Trindade Santa, em seu inefável mistério, na celebração litúrgica poderá aproximar-se da Eucaristia? Caros irmãos e irmãs, preparar-nos para a Ceia do Senhor, que celebramos cotidianamente, exige de nós criatividade em atualizar o rito do lava-pés. Exige, igualmente, honestidade de nossa parte para que o nosso gesto seja verdadeiro e não simulado e, assim, prolongue no tempo o de Jesus, que deixou-nos um exemplo a seguir; deixou-nos um memorial para ser celebrado e deixou-nos também a esperança da ressurreição àqueles que morrem para o homem velho abrindo espaço à ressurreição do homem do Oitavo Dia, quando sua vida se orienta pela Palavra, pelos Sacramentos e pelas virtudes da Fé, Esperança e Caridade. Afastemos de nós todo o medo de arruinarmos as vértebras cervicais, pois curvar, dobrar e inclinar-se se faz, antes de mais nada, com a coluna da alma. Se isso não ocorre, todo o gesto corporal poderá se encerrar numa encenação, demagogia, piedosa simulação ou numa artística “captatio benevolentiae”. Lavar os pés, a exemplo do Cristo, só é possível quando permitimos o Divino irromper no humano. Num mundo como o nosso, que por sua excelência de comunicação, marketing, manipulação, mensagens subliminares, nós, Igreja de 3
Deus, quase estamos nos tornando afônicos. Contudo, urge falarmos mais pelos gestos do que por inumeros e artificiosos discursos. Há, bem o sabemos, púlpitos mais eficientes do que os nossos. Mas, queridos irmãos, falar por gestos eloquentes, como o lavar os pés uns dos outros, somente nós, homens e mulheres, que cremos no poder do Espírito Santo, podemos fazer. Não tenhamos medo desse escândalo aos olhos de uns e loucura aos olhos de outros. A Eucaristia do Senhor, Sacramento de unidade entre nós, nos confirme no desejo de servir a Deus nos irmãos, como Nosso Senhor serviu e nos serve na Igreja e pela Igreja. Amém.
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