1º DOMINGO DA QUARESMA ANO B 22.02.2015 Nos primeiros séculos do cristianismo, antes de haver propriamente a Quaresma, já havia um tempo estabelecido pela Igreja para ser uma preparação mais intensa daqueles que iriam ser batizados na noite de Páscoa. Recordando os quarenta anos de peregrinação do Povo Hebreu no deserto e os quarenta dias de Jesus em oração e jejum, também no deserto, foi estabelecido um período de quarenta dias em que os catecúmenos aprofundavam o conhecimento da fé cristã mediante uma catequese especial e em que tinham também de demonstrar que realmente estavam dispostos a mudar de vida. Para os cristãos primitivos era inconcebível alguém ser batizado e continuar levando a mesma vida de antes. Por isso, a Quaresma era também um tempo de penitência para aqueles que, já tendo sido batizados, haviam pecado grave e publicamente, e que, tendo cumprido a penitência prescrita, receberiam a absolvição sacramental na Quinta-Feira Santa. Assim, no início do cristianismo não havia Quaresma para os cristãos já batizados, com exceção dos penitentes públicos. Uma pessoa batizada é uma nova criatura, já convertida, porque a conversão se faz com o batismo. Uma pessoa batizada e não convertida é uma contradição. Quem foi batizado é um membro de Cristo e templo do Espírito Santo. No entanto, aos poucos a comunidade cristã percebeu que essa contradição era uma triste realidade: muitos batizados continuavam vivendo como pagãos e, portanto, necessitados de conversão. O batismo nos comunica a vida divina, mas cabe a nós permitir que essa vida cresça e produza todos os seus frutos. Assim, ao longo do século IV nasceu o Tempo Litúrgico da Quaresma. A comunidade cristã – isto é, a Igreja – tomou consciência de que é formada por uma multidão de incoerentes. Fomos batizados, mas continuamos pecando como pagãos, ou até mais do que eles, vivendo como se Deus não existisse ou como se não significasse nada para nós, e como se Jesus Cristo não tivesse morrido e ressuscitado por nós. Em outras palavras: já fomos batizados, mas ainda precisamos nos converter. Daí que as
palavras de Jesus que acabamos de ouvir no Evangelho não se dirigem apenas aos descrentes e aos catecúmenos, mas a cada um de nós: “Convertei-vos e crede no Evangelho!” (Mc 1,15). A Quaresma é um “Tempo favorável”, um ponto de partida para reconstruirmos nossa vida de discípulos de Jesus, para pormos em prática a vida nova que a graça batismal nos proporcionou. Devemos começar reconhecendo que somos cristãos muito medíocres e inconsequentes. Essa atitude é muito importante: perceber a própria indigência espiritual para sermos capazes de tomar uma decisão que mude nossa vida. Conforme ouvimos no Evangelho, Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto para ser tentado por Satanás – e venceu! Como seguidores de Jesus, o Espírito também vai nos conduzir ao deserto desta vida para sermos tentados pelo demônio e, com a ajuda da graça, também vencer. Não tenhamos ilusões: não é fácil ser cristão. É muito mais fácil não ser, e deixarse escravizar pelo mundo e pelos próprios caprichos e instintos. Mas não devemos temer: nas asperezas e tentações no deserto, somos, como Jesus, servidos pelos anjos, mesmo que nossos sentidos nada percebam. Que esta Quaresma nos permita viver melhor nossa dignidade de batizados e, na noite santa da Páscoa, renovar com fé e alegria nossas promessas batismais.