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ROTEIRO DE REFLEXÃO PARA AS EQUIPES DE PASTORAL DA SAÚDE A Campanha da Fraternidade já se tornou tradição na Igreja do Brasil. Constitui um ponto alto na atividade pastoral, sobretudo pelo seu enfoque religioso-social. A CNBB escolhe para cada ano um tema de grande atualidade, de tal forma que toda a comunidade brasileira se sinta envolvida e questionada. Os temas da Campanha da Fraternidade variam a cada ano, mas o fundo é sempre o mesmo: a fraternidade. A fraternidade, por sua vez, é o centro prático do cristianismo, pois todos os outros mandamentos se resumem nesta sentença: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” ( Rm 13,9). A caridade, porém, não é uma teoria oca amenos de palavras nem de língua, mas por ações e em verdade” (1 Jo 3,18). O Brasil orgulha-se de ser a oitava economia do mundo, mas nem por isso conseguiu resolver o problema mais básico de seus cidadãos: a alimentação. Estima-se, hoje, que mais da metade da população brasileira sofre de alguma forma de desnutrição. São milhões os que passam fome, no sentido mais objetivo da palavra. E a fome degrada a pessoa, tanto na sua parte biológica quanto na sua parte psíquica, social e moral. Centenas de milhares de crianças e jovens, enfraquecidos pela desnutrição, degeneram, adoecem e morrem. Médicos pediatras atestam que a principal doença de nossas crianças é a fome. Contra ela só há um remédio: comida. E o Brasil exporta comida! E exporta comida em quantidade. O povo, no entanto, vem diminuindo sua ração alimentar. Só em 1984, diminuiu-se em 4%. Abastecemos os carros, alimentamos bem os animais de corte, tratamos com luxo os cavalos de corrida e fazemos propaganda de comida requintada para cães de raça. É um triste espetáculo! Triste e trágico. No Brasil, a alimentação boa e farta para todos é uma possibilidade concreta. Se não a temos, não há que culpar a natureza. A falha é humana. Dos políticos, pela má escolha das prioridades humanas. De cada um dos cidadãos, por não usar bem o pouco que tem e por não aproveitar as possibilidades reais que estão ao seu alcance para melhorar a própria alimentação. Alguém já disse que o Brasil das últimas décadas falhou no essencial: alimentação, educação, saúde e habitação. Numa palavra, falhou no que é essencial para a vida. Buscam-se desculpas de todo tipo, mas a verdade é uma só: não há comida para todos. “Tive fome e me deste de comer” ou “tive fome e não me destes de comer” é a que nos dirá o Senhor no dia do Juízo. “Vinde, benditos”, ou “Apartai-vos, malditos” ( Mt 25, 31-46). Nenhum cristão pode cruzar os braços diante de quem passa fome. É desumano negar um prato de comida a quem dela precisa. Não Basta questionar as estruturas. É preciso questionar-se a si próprio. Devemos descobrir o que podemos fazer para não passar fome e impedir que outros passem fome. Os chineses, japoneses e europeus aproveitam qualquer palmo de terra para plantar hortaliça, um legume ou um pe’de fruta. Aproveitam tudo o que colhem e não jogam comida fora. E nós? A Campanha da Fraternidade de 1981 dizia textualmente: “Educar para a saúde é garantir saúde”. Hoje poderíamos dizer: “Educar para a alimentação é garantir alimentação”. Valeria a pena repetir: “Não basta dar o peixe. É preciso ensinar a pescar”. Bastaria isso para resolvermos muita coisa. Mas quem se preocupa em educar o povo para se alimentar convenientemente? Terra fértil e clima favorável não bastam. É preciso

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trabalho metódico e inteligência. Uma horta caseira ou comunitária, a criação de pequenos animais, o aproveitamento de tantas coisas que são simplesmente jogadas fora, quanta suplementação alimentar poderiam oferecer? E, além disso, quanta formação humana proporcionariam! - Será que a Campanha da Fraternidade deste ano não poderia fazer-nos refletir sobre como melhorar a nossa alimentação/ - Não valeria a pena organizar grupos de reflexão sobre a importância da alimentação e como fazer para melhorá-la? - Será que as pessoas sabem o que o corpo humano precisa para se alimentar corretamente? Pe. Júlio Munaro, M.I.

OS HOSPITAIS DA SOCIEDADE BENEFICENTE SÃO CAMILO COMO CENTROS IRRADIADORES DE SAÚDE COMUNITÁRIA Pe. Velocino Zortea, M.I. Coordenador

Em Mateus 9.35-38, encontramos que: - Cristo percorria todas as cidades e aldeias; - pregava o Reino e curava os doentes; - vendo a multidão, moveu-se de compaixão, porque o povo estava enfraquecido e abatido. Parecia ver ovelhas sem pastor, ou seja, sem orientação; - disse então aos discípulos: a messe é grande, mas faltam operários. Rogai ao Senhor da messe que envie operários. Pediu operários que fossem ajudá-lo na execução da dupla ação missionária que ele estava desenvolvendo e que era a característica de sua missão: ‘Pregar o Reino e curar os doentes”. Diante desse quadro, vemos que a ação missionária de Cristo não foi só pregar o Reino, mas também curar os doentes. A pregação do Reino representa apenas uma parte da ação missionária do Cristo. E a ação do Cristã na cura dos doentes não se limitava a visitar os enfermos, mas desenvolvia todo um trabalho de cura de doenças físicas e mentais. Ao partir deste mundo, disse a seus discípulos: ‘Ide para o mundo todo, pregai o Reino e curai os doentes”. E o mandato apostólico e, consequentemente, o mandato da Igreja. Assim, a preocupação com a doença por parte da Igreja não pode ser um apêndice ou um corolário de sua ação: é parte integrante de sua ação missionária. A comunidade cristã, ou seja, a Igreja, está a serviço do homem para fazê-lo crescer e levá-lo à integração do seu ser e de todos os seus valores humanos e espirituais.

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Preocupar-se somente com a pregação e a administração dos Sacramentos representa uma dicotomia que não aparece em nenhum momento na ação missionária do Cristo. A ação do Cristã foi sempre uma ação integrada: preocupava-se com as necessidades biológicas e espirituais do homem. Preocupava-se em desenvolver no homem o valor da harmonia interpessoal, a responsabilidade, o significado da vida, a dignidade humana, a justiça e a paz, o sacrifício e o louvor, e ia atrás da ovelha desgarrada e faminta, preocupava-se de igual forma em deixar o homem em perfeitas condições físicas e mentais. Foi missão do Senhor. É a orientação do Senhor. E disse: ‘Ide para o mundo todo, pregai o Reino e curai os doentes’. A ação da Província Camiliana Brasileira Seguindo essa orientação e procurando viver esse mesmo espirito, a Província Camiliana Brasileira, através e mediante recursos da Sociedade Beneficente São Camilo e de benfeitores, vem desenvolvendo atividades missionárias em diversas regiões do Pais. Em cada hospital do Norte e Nordeste, há uma pessoa, religiosa ou leiga, incumbida de desenvolver essa atividade. Possui sala própria, equipamentos audiovisuais e uma boa coleção de material, livros, revistas sobre saúde e higiene. Viaja e visita famílias, grupos e comunidades do interior. Fala sobre o Reino e a saúde. Ministra cursos. A exposição de assuntos de saúde é, normalmente precedida da leitura de um trecho da Sagrada Escritura, ligado ao fato Reza-se, medita-se um trecho da Escritura e orienta-se para a saúde. A saúde comunitária e um setor como tantos outros no hospital. Tem o mesmo valor. Só que sua atividade, a não ser a visita aos doentes internados, não se desenvolve dentro do hospital. Atua nas comunidades que vivem ao redor do hospital. A atividade deste setor desenvolve-se da seguinte maneira cursos de agentes de saúde, cursos de parteiras leigas. reciclagem anual para agentes e parteiras, palestras de educação sanitária, visita semestral ou anual aos agentes do interior, visita domiciliar a doentes que vivem ao redor do hospital e visita aos pacientes internados no hospital.

Locais onde se desenvolve a atividade Em 1984. essa atividade desenvolveu-se nos seguintes hospitais: Macapá no Amapá, Irmã Júlia, auxiliar de enfermagem e encarregada da saúde comunitária, visitou 80 comunidades, encontrando-se com os agentes de saúde locais e dando orientação básica da vida, a saber tratamento d’água, alimentação, orientação individual e comunitária. Aproveitou as viagens, programadas anualmente pelos padres que visitam as comunidades do interior. Organizou cursos de agentes e parteiras. Padre Raul fez diversas viagens para as ilhas, visitando comunidades e deixando-lhes sua orientação. Manteve dois programas de rádio, por semana, sobre saúde, com grande audiência;

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Limoeiro do Norte, Ceará. Djacira e Florinda, respectivamente enfermeira e atendente, fizeram reuniões com agentes da cidade e da zona rural, cursos para parteiras leigas. Promoção da mulher marginalizada, visitas hospitalares e domiciliares. Formação de agentes para Limoeiro, Russas, vilas do interior e Fortaleza. Educação sanitária a grupos de mães. Serviram-se do rádio para difundir a mensagem da saúde. Em Limoeiro, houve ajuda da Sociedade Beneficente São Camilo para abertura de um poço na comunidade de Cabeça Preta (80 famílias), com o bom resultado de água abundante e potável. Ajudou-se, também, na construção de uma capela que serve para o culto, aula, reuniões e consultório médico; Itapipoca, Ceará. Irmã Maria dos Reis, auxiliar de enfermagem, manteve encontros semanais com as mães da Pediatria do Hospital São Vicente de Paulo, atendimento de enfermagem a domicilio, visitas aos idosos e deficientes físicos, cursos de primeiros socorros, cursos para agentes de saúde e parteiras rurais, missas para os enfermos e palestras vocacionais. Com a ajuda da Sociedade Beneficente São Camilo, ganhou uma sala para cursos e reuniões, com eficiente equipamento; Grajaú, Maranhão. Irmã Maria do Carmo, auxiliar de enfermagem, desenvolveu palestras, com auxilio de slides, sobre saúde e higiene, verminoses, alimentação, primeiros socorros, desmaios etc. Manteve cursos de agentes e parteiras, bem como palestras para lavadeiras. Visitou agentes do interior e participou de cursos para o seu aprimoramento. Para sua locomoção e para mais facilmente superar as distâncias, ganhou uma motocicleta, comprada pela Sociedade Beneficente São Camilo; Balsas, Maranhão. Irmã Ana e Berenice, auxilares de enfermagem, atuaram na comunidade de Balsas, comunidades vizinhas e do interior. Organizaram cursos de agentes e parteiras, com o auxílio de outros elementos do hospital. Formou-se uma equipe de saúde com atuação em saúde comunitária. Organizaram palestras abordando a situação precária da saúde, alimentação, mortalidade infantil, higiene pré-natal etc. Para a locomoção, ganharam uma motocicleta, além de usarem o carro do administrador, Irmão Manoel, para fins comunitários. Para visita ao interior, aproveitaram as viagens programadas dos padres. Da mesma forma que os demais hospitais, também receberam, para o bom desempenho dessa atividade missionária, forte material de exposição, projetor, máquina fotográfica, retroprojetor ou episcópio, da Sociedade Beneficente São Camilo; São Paulo No Instituto Jaçanã de Psiquiatria, na capital paulista, há uma secretaria central, coordenada pelo prof. Antônio Longato e sob a orientação do Pe. Velocino Zortea, com o objetivo de alimentar e fornecer material para os agentes dos hospitais, citados anteriormente. Essa secretaria publica um boletim mensal, chamado Multiplicando”, com a finalidade de resumir os relatórios mensais recebidos e enviá-los aos outros, para uma troca de experiência. A secretaria mantém assinaturas de revistas da Organização Mundial de Saúde, Organização Pan-Americana de Saúde e Comissão Médica Cristã, para o bom desempenho de sua tarefa. Objetivos para 1985 no Piauí,

Os objetivos para este ano são: dar continuidade aos trabalhos já iniciados, abrir nova frente missionária no Hospital Santa Cruz, na cidade de Pedro II,

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realizar um encontro de todos os agentes encarregados da saúde comunitária, no Hospital São Francisco de Assis, em Grajaú. Cada um fará uma exposição dos trabalhos realizados em 1984, métodos e técnicas, para uma apreciação e análise comunitárias.

A HUMANIZAÇÃO DO HOSPITAL NUMA PERSPECTIVA CAMILIANA Pe. Arnaldo Pangrazzi, Mi. Como é possível devolver ao hospital, um lugar privilegiado da esperança, um rosto humano? Na perspectiva camiliana, três são as pistas mestras para a humanização deste mundo: — situar o doente no centro de qualquer tratamento — promover o crescimento de comunidades terapêuticas — cuidar da abordagem pessoal ao doente.

O hospital para o homem; não o homem para o hospital. A desumanidade do hospital está ligada ao fato de que ele se tornou: um centro de interesses ideológicos, políticos, econômicos e sindicais mais que uma instituição curativa. A solicitude e a generosidade são muitas vezes substituídas por regras frias e impessoais do contrato de trabalho; um lugar de trabalho para os sãos mais que um lugar de tratamento para os enfermos. O serviço não é mais percebido como uma vocação para com os que sofrem, mas essencialmente um meio de ganhar dinheiro; um mundo de tratamento centralizado no médico mais que no doente. O paciente é amiúde relegado ao rol de objeto de curas, enquanto o médico decide tudo e por todos; uma expressão de técnica e de ciência mais avançada antes que uma realidade humana onde “se encontra tempo” para as pessoas; um ambiente baseado sobre relações funcionais mais que pessoais. Pense nos paternalismos abertos e ocultos, nos tratamentos em que o paciente é visto como um caso interessante ou um “número” mais que uma pessoa; um lugar que desumaniza a morte em vez de ajudar a morrer com dignidade. E só pensarmos no aferro terapêutico, nos “monitores” e no aparelhamento sofisticado que cercam o moribundo que mais precisa de um coração que ama, de uma mão que afaga, de uma voz que anima. O processo de humanização executado por São Camilo, está assentado nestes fundamentos: — ver os doentes como nossos “senhores e patrões”, — criar “escolas de caridade”, — formar pessoas.

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São Camilo referia-se aos doentes como aos nossos “senhores e patrões”. colocando-os no centro da ação assistencial e do ensinamento profissional. O melhor mestre é aquele que conhece porque sofre, não aquele que cura porque estudou. Alguns capelães camilianos, usando deste principio, convidam os doentes para fazerem parte de conferências, encontros e mesas-redondas, a fim de partilharem suas reflexões sobre a experiência da doença e de hospital, para ajudarem os médicos, enfermeiros, sacerdotes e voluntários a compreendê-los e assisti-los melhor. São Camilo mostrou, com seu exemplo, como servir aos doentes e transmitia o seu espírito nas “Regras para bem servir aos enfermos’, que continham os princípios educativos do verdadeiro amor ao paciente, a sua “escola de caridade”. Os camilianos, atualmente, reconhecem a importância não só de servir aos doentes, mas de criar novas “escolas de caridade” para educar acerca de como curá-los. Para este fim, em diversas nações, estão surgindo “Centros de Pastoral” para preparar religiosos e leigos, a fim de darem uma presença mais qualificada e profética no mundo da saúde. Além disso, iniciou-se um caminho para definir uma filosofia própria para as instituições da Ordem, que contêm os princípios e valores humanos, éticos e cristãos que devem pôr em evidência o caráter do serviço e do testemunho da mesma. Enfim, é importante lembrar que São Camilo executou sua reforma assistencial não criando novas estruturas, mas, antes, introduzindo-se nas estruturas existentes e transformando-as com pessoas novas. Sua visão estava afinada em formar pessoas mais que reformar estruturas. Realmente, nenhuma reforma sanitária pode ter sucesso se não existir uma adequada transformação de mentalidade, de comportamento e atitudes nas pessoas que dão vida às próprias estruturas. Para humanizar é preciso humanizar-se. A arte sanitária prepara-se, introduzindo no tirocínio universitário e de enfermagem cursos de psicologia, de ética profissional, de filosofia da dor, que preparam os futuros profissionais à comunicação, ao diálogo, à sensibilidade no contato profissional com o outro. Também dentro da Ordem Camiliana se estão promovendo cursos especializados para ajudar os religiosos a completarem sua formação teológica e religiosa, com o contributo das ciências humanas, para estarem à altura de aproximar-se dos doentes e familiares com ‘‘mais corações nas mãos”, atentos ás suas necessidades. quer físicas humanas ou espirituais

Criar no hospital comunidades terapêuticas Em seu plano de inovar a assistência hospitalar, São Camilo reconheceu a necessidade de fundar uma ‘ companhia de homens piedosos e de bem, dispostos a servir aos doentes não por dinheiro, mas por amor . Toda visão precisa da dimensão comunitária para acontecer A humanização do hospital deve atingir os diversos tecidos comunitários que o compõem. Antes de tudo, e importante que, dentro do hospital, se criem equipes terapêuticas. Amiúde, os profissionais agem isolada e independentemente em prejuízo do paciente, que sofre intervenções fracionárias e dispersivas A colaboração entre as diversas disciplinas favorece a consulta, a disponibilidade de partilhar o peso de decisões difíceis, o crescimento reciproco A necessidade de equipe nasce do conhecimento das próprias limitações e da própria pobreza

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diante da complexidade das situações humanas e da exigência de abrir-se á contribuição e apoio dos outros. Além da ação terapêutica dos profissionais, deve-se ligar à sua capacidade de relacionar-se com o paciente e sua família como a uma realidade unitária, a uma comunidade especifica. Não se pode exigir do paciente que, uma vez transposto o limiar do hospital. se esqueça de sua história, dos afetos familiares e de suas preocupações. O profissional da saúde humaniza o serviço, relacionando-se profundamente com o doente e sua família, sabendo tirar proveito disto para as temáticas, os papéis e os conflitos, encaminhando os recursos no processo da recuperação da saúde. Além disso, e necessário que, dentro do hospital, se promovam “experiências comunitárias para os doentes”, grupos de reflexão sobre o sentido da doença e do sofrimento, reuniões formativas e informativas grupos de apoio, experiências litúrgicas. O encontro e a permuta com outros que sofrem podem tornar-se muito terapêuticos porque criam um clima de compreensão, inspiração e solidariedade, que encoraja os participantes a enfrentar com maior serenidade as suas provações. A perspectiva camiliana, além de encorajar as dimensões comunitárias acima mencionadas, é orientada sobretudo em duas direções: • promover o voluntariado, quer dizer, cuidar da formação de pessoas piedosas e dispostas a servir aos doentes não por dinheiro, mas por amor. O voluntariado está sendo um porta-voz significativo de humanização, gratuidade e solidariedade no ambiente hospitalar. Em diversas nações, criaram-se Famílias Camilianas’, compostas de leigos comprometidos que têm abraçado o carisma camiliano e oferecem os seus serviços ao lado do capelão, do enfermeiro e do médico; • criar comunidades de ministério dentro dos hospitais administrados pela Ordem, procurando potenciar o testemunho humano e pastoral dos religiosos e resolver, com novas modalidades, as preocupações empresariais O empenho também é oferecer um testemunho qualificado, procurando desenvolver formas diversificadas e significativas de presença camiliana. Zelar pela abordagem a enfermo em sua integridade São Camilo convidava os seus religiosos a tratarem os doentes ‘com aquele afeto com que uma mãe cuida de seu único filho doente’ A humanidade de um hospital depende substancialmente da qualidade das relações entre doentes e profissionais da saúde. A abordagem ao doente deveria cuidar dos seguintes aspectos: • capacidade de observação. Camilo educava seus religiosos a observarem o doente para antecipar suas necessidades e estado de espírito, e acudir com as intervenções adequadas. A criatividade do amor nasce da habilidade em ler as expressões e as exigências de quem sofre, traduzindo a sua linguagem verbal e não verbal; • habilidade de ouvir. Entre todas as qualidades humanas, esta, talvez, seja a mais procurada, a mais apreciada e, provavelmente, a mais rara. Onde não há escuta, desumaniza-se as relações. Infelizmente, no hospital, como na vida, ao invés de escutar, muitas vezes somos levados a falar ou escutamos somente o que queremos ouvir. Quem sabe escutar e não só com os ouvidos, mas com os olhos também, com as mãos e o coração, transmite humanidade;

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• uma presença que cura. O Evangelho se traduz na linguagem das relações humanas. Portadores de esperança são aqueles que redescobrem o significado profundo da presença humana, não tanto sob o perfil de prestações — “fazer pelo doente” — mas como dom — “estar com o doente”. Uma pessoa serena pode valer mais que mil remédios. como um silêncio respeitoso pode valer mais que mil palavras. Como Cristo é o coração de Deus na história, assim os profissionais da saúde são chamados a tornar-se o coração de Cristo no mundo da saúde; • abertura à verdade. A verdade incomoda e fere, mas pode também fazer amadurecer e aprofundar uma pessoa. Em vários ambientes, consolidou-se a tendência de ocultar a verdade ao doente, no que diz respeito ao seu diagnóstico, quando julgado particularmente grave pelo médico e pela família. Essa necessidade não leva em conta a capacidade do paciente de reagir com maturidade à própria condição, e arrisca fazer que ele se defronte com a doença e, às vezes, com a morte, na solidão. Humanizar significa purificar, antes de tudo, a linguagem, consciente de que, atrás dos eufemismos, há o medo disfarçado de caridade. O processo de informação, e a disponibilidade para transmiti-la gradualmente e com jeito, ajuda o doente a sentir-se protagonista de sua vida e a robustecer sua confiança nos outros. • sensibilidade aos valores espirituais. O contato com o sofrimento favorece muitas vezes a transformação interior, uma nova relação com Deus e com a vida, por parte do doente. Despido, quiçá pela primeira vez, das próprias certezas, ele aprende a conhecerse, a descobrir o tesouro da amizade, a valorizar a provisoriedade das coisas e a preciosidade de cada dia A espiritualidade de São Camilo fundava-se em reconhecer “no pobre e no doente a pessoa de Cristo’’.

Sinais para um caminho A experiência da doença é uma oportunidade para quem a vive pessoalmente e para quem a encontra como profissional da saúde, de descobrir a própria humanidade e de crescer na humanidade O hospital continua sendo o ambiente que acolhe uma grande carga de sofrimentos humanos e torna-se testemunha dos processos e sucessos da assistência, como também de suas carências e desumanidade. O hospital, como a vida, continua sendo uma tentativa imperfeita, e muitas vezes ambígua, de realizar as melhores aspirações e os esforços de solidariedade do homem. Isto não deve constituir uma desculpa para subtrair-se da obrigação de continuar a trabalhar para a própria humanização ou de levantar a própria voz, quando direitos fundamentais são violados, ou de oferecer o próprio contributo para dar uma fisionomia mais humana e um ‘‘coração de carne” aos ambientes de saúde. PAI NOSSO Pai nosso, que estais no céu, somos vosso povo, obra de vossas mãos. Louvamos vossa grandeza, celebramos vossa bondade, relembramos a história de vosso amor. Rezamos para que venha o vosso Reino e nele encontremos a cura de nossas feridas e a paz em nosso conviver.

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Daí-nos sabedoria para compreender vossa vontade e presença, quando somos feridos pelo inesperado, quando estamos confusos com o que nos acontece, quando procuramos um sentido na perda sofrida, quando somos traídos por nossa emoções. Daí-nos consciência para agradecer os dons que nos concedeis a cada dia e que, muitas vezes, não valorizamos: o alimento, que revigora nosso corpo, a beleza, que alegra nossa mente, o amor, que eleva nosso espírito, a fé, que nos sutenta,_____________ os amigos, que nos confortam, cada cor da criação, que ilumina os nossos dias. Ajudai-nos, Senhor, a nos perdoarmos uns aos outros, Assim como vós nos perdoais. Vós nos falais com ternura, Senhor, e trazeis luz a nossa alma. Ajudai-nos a ir ao encontro dos outros, para nos tornarmos instrumentos de cura neste mundo, para construirmos pontes, não muros, em vossa criação. Então descobriremos, Senhor, que o vosso Reino já está entre nós. Amém. Padre Arnaldo Pangrazzi e um sacerdote camiliano italiano, consultor geral da Ordem em Roma e supervisor em Pastoral Clínica nos EUA.

Promover a vida e a saúde é missão da Igreja Pe. Christian de Paul de Barchifontaine, M.I. É missão da Igreja promover a vida e a saúde, segundo o exemplo de Cristo. Quais os recursos de que ela se vale para cuidar da saúde do povo? Para essa missão, a Igreja desenvolve seu trabalho, baseando-se nos seguintes princípios e instrumentos de ação: Evangelização-salvação-saúde, que aponta para a promoção da vida. E o anúncio e a esperança do Reino, não como um meio de evitar a dura realidade e, sim, para proclamar a perfeita plenitude que o próprio Deus nos trouxe. Chamado à reconciliação da Igreja com o seu Senhor. O Senhor renova a Igreja e a reforma permanentemente para que seja fiel a seu compromisso com os oprimidos. Reconhecemos que nossas igrejas nem sempre são comunidades redimidas, reconciliadas e sãs. Por isso, não manifestam a redenção, a reconciliação e a saúde. E necessário mudar a

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liturgia para uma outra, de real participação popular. A Igreja precisa reconciliar-se com o povo e ser a Igreja que anuncia a libertação oferecida por Jesus Crista (Lc 4,17-19), a Igreja que denuncia as discriminações de classes e raças, que constituem um grande obstáculo para a saúde plena, a Igreja que promove a reconciliação do ser humano com a natureza, no uso dos recursos próprios do povo, com uma boa orientação, utilizando a medicina cientifica não como instrumento de opressão, e, sim, como um dom de Deus. Solidariedade. Essa solidariedade da Igreja, baseada no amor redentor de Crista, que, em sua bondade se fez pobre, para que, por sua pobreza, todos fossem enriquecidos (2Cor 8,9). Essa solidariedade deve levar a Igreja a comprometer-se com as expectativas e a dor do povo, ajudando-o em sua luta para chegar à libertação. A Igreja, primeiro, tem de assumir-se como comunidade de vida e redenção; depois, pregar a solidariedade. Este compromisso não deve ser oportunista, mas motivado pela essência da mensagem evangélica. A Igreja precisa aprender com a solidariedade do povo, O povo sabe compartilhar, mesmo quando há pouco ou nada para repartir. A Igreja deve despojar-se da segurança e comodidade, para viver a solidariedade. Finalmente, a Igreja deve lembrar-se de que temos que aceitar o outro sem preconceitos e discriminação que impedem o compromisso com ele. Isto é arriscado, mas assim foi o compromisso de Jesus (evangelizar é arriscar-se). Educação. Este é outro recurso da Igreja para promover a saúde e a vida. É responsabilidade da Igreja valer-se da educação em favor da saúde como meio de capacitar o povo a promover a própria saúde, o que, no momento, não está sendo realizado por falta de visão. Ação política. As doenças mais freqüentes na América Latina têm sua origem na ordem social injusta; portanto, a luta pela saúde é a luta por uma sociedade justa, que responda aos valores do Evangelho e da solidariedade. Esta mudança social é possível mediante ações políticas, entendo-se por tal expressão a ação dos grupos que participam e se organizam para mudar a sociedade. E fundamental que a Igreja medite sobre o papel político que está exercendo, porque há consciência de que tudo que é feito na sociedade é político e, historicamente, a Igreja desempenhou um papel político de apoio a estruturas de opressão, de forma ativa ou por omissão. A Igreja não é partido político — nem poderia, como Igreja, ter participação partidária. Os membros da Igreja podem atuar livremente e optar por determinado partido político, como militantes. Certamente, a Igreja desempenha um papel decisivo na política dos povos. Em relação a isso, é preocupante que setores que reconhecem a necessidade de mudanças de estrutura na sociedade fiquem calados diante de ações políticas que, em dado momento, podem alterar a situação na base. Pastoral da Saúde — É outro dos recursos de que a Igreja pode lançar mão para chegar à saúde integral. Como já vimos, esta é a vida abundante para o ser humano, em todos os aspectos, independente do país e de época. Enfatizamos o ser humano integral, porque fazer a divisão corpo-espírito é mutilar a pessoa. Numa Pastoral da Saúde, percebese a influência da mente sobre o corpo e do corpo sobre a mente. A propaganda, numa sociedade de consumo, submete as pessoas a tensões. Diante da desintegração do ser humano, a Igreja tem por obrigação trabalhar pela integridade do homem. A Pastoral da Saúde abrange vários aspectos: o espiritual; a conscientização; a educação de saúde para todos; a humanização da pessoa que trabalha na área da saúde; uma tecnologia adequada à saúde a nível primário, secundário e terciário, de acordo com a situação do povo, nas zonas rurais, periféricas e suburbanas, e as diferentes situações econômicas, sociais, políticas e culturais; uma mudança de mentalidade; a conscientização para essa mudança de

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mentalidade e, em conseqüência, mudança das estruturas econômicas, sociais e políticas, e, primordialmente, para conseguir bom atendimento primário de saúde.

A encarnação no sacramento de serviço O trabalhador cristão da saúde vê o ser humano de uma forma total. Ele luta pela salvação (saúde) integral da pessoa. Sabe que tem de dar a vida em nome de Jesus Crista, por todos os homens. Sabe que o ser humano deve ser integrado ao Reino de Deus, que é um Reino da vida, saúde, justiça, paz, alegria e plenitude. Quando um ser humano está doente, alienado, sufocado pelo sistema de caráter assassino, possui menor capacidade de captar e de viver a Revelação. Este é o desafio que Deus faz ao trabalhador da saúde: encarnar-se no sacramento do serviço.

A ÉTICA É FUNDAMENTALMENTE RACIONAL Pe. Hubert Lepargneur, M.!.

Iniciamos uma série de reflexões sobre ética na perspectiva da saúde, não apenas porque a formação moral faz parte da devida habilitação para agentes de Pastoral da Saúde (ponto de vista subjetivo), mas também porque sem um mínimo de eticidade nas práticas sociais, não se pode razoavelmente esperar uma notável melhoria na saúde do povo brasileiro (ponto de vista objetivo) Com efeito, o fundo da regra moral não é arbitrário (se a regra for arbitrária, por que não o seria sua aplicação?), deixado aos palpites ou caprichos infundados de quem quer que seja. mas possui a mesma estrutura do real que tentamos conhecer e sobre o qual pretendemos agir Muito se tem falado outrora da moral como “ imperativo categórico” , isto é, absoluto, em detrimento dum aspecto que, hoje, é muito mais capaz de mobilizar energias, a saber, o aspecto empírico, pragmático, que significa efetivo e não desonesto Este aspecto da moral, muito bem percebido pelos antigos, aproxima a Ética da Economia Política. Vamos explicar. O agir moral tem conseqüências irrecusáveis, sem esperarmos outra vida. Podemos gostar ou não gostar, mas existe uma causalidade que perpassa a ação moral. Assim também em Economia Política. Não deveríamos julgar as teorias econômicas muito mais pelas conseqüências concretas que sua aplicação acarreta do que na base de critérios estéticos? Não faltam em redor de nós eminentes economistas que ridicularizam um orçamento público equilibrado — coisas de outrora, superadas, porque bom mesmo é fazer dividas, que serão pagas ou não; que afirmam que a massa monetária (ou dos meios de pagamento) emitida pelo Banco Central não tem a menor importância em relação à inflação, nem os déficits das estatais que vão pagar novas emissões de papel-moeda ou qualquer tipo de promissórias do Tesouro Nacional Arrematam que, de qualquer modo, a inflação não tem relevância para o crescimento da economia do País e ajuda as exportações. Dizer outra coisa seria cair nas ilusões monetaristas dos “boys of Chicago. Quando vêm à tona as inevitáveis conseqüências das práticas recomendadas por nossos feiticeiros, eles inventam desculpas que culpam os outros, a crise do petróleo (cujo preço internacional está

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baixando em nossos dias, de fato), a CIA ou o FMI, o imperialismo dos bancos estrangeiros (mas quando a Polônia não pagou nossos financistas não gostaram), o armamento defensivo do Ocidente etc. O povo está iludido com a pseudo-ciência e a pretensão de energúmenos perigosos que revestiram a pele de carneiro da moderna tecnicidade econômica. Todos aqueles que acham que ‘‘política resolve”, sem prestar muita atenção à moralidade das condutas individuais, já que ‘ o jeito resolve os problemas de cada um”, caem na mesma e terrível cilada. Quando chegam ao impasse econômico (a economia não dispensa mais a ética que a saúde) por carência de racionalidade administrativa ou incompetência econômica apelam para “soluções políticas”: serão, por exemplo. Os amigos no governo que vão injetar verbas públicas para reerguer uma empresa privada falida. Aqui a irracionalidade ética converge com a irracionalidade econômica para surtir os piores defeitos. Eis a nossa primeira lição O fundo da moral é racional, como o e o tecido da economia, apesar de a realidade ser freqüentemente complexa, a ponto de admitirmos dúvidas, discussões, divergências honestas, tanto na Moral quanto na Economia. A racionalidade do fundo da ética significa que as ações se desenvolvem num mundo objetivo, que acarreta conseqüências, em geral previsíveis, independentemente das boas intenções, sempre presumidas, sempre louváveis A boa intenção e excelente, indispensável ate, mas insuficiente porque como as boas palavras de muitos políticos, pode iludir ou falhar. Claro, teremos que situar e delimitar aos poucos esta racionalidade, porque a consciência mora enfrenta valores cuja hierarquia nem sempre é evidente e puramente raciona. Por exemplo: vale a pena pagar alto preço para uma melhoria de saúde mínima e duvidosa? Conduta imoral é como economia inflacionaria ou corpo doente. A inflação é um veneno para as massas; sobre a base de um discurso empolgante, celebrando a inflação como dinamismo da economia voltada para a exportação, um povo pode comer desse prato, e se dará mal. A longo prazo (a verdadeira moral é situada, mas nunca imediatista), a imoralidade não dá certo: isto exprime a racionalidade da ética. Não afirmamos, evidentemente, que todos os ingredientes da economia sejam racionais ou previsíveis. Os autores falam amiúde indistintamente de ética e de moral. Haverá diferença? Nesta discussão, somos da opinião de John Flercher: “A moral focaliza as decisões humanas, imediatas, a serem tomadas. A moralidade responde à necessidade de elaborar uma decisão face à pergunta urgente: nesta situação, o que devo fazer?... Ainda que expressa num código, a moral compota uma vertente existencial. Todo estudo da moralidade deve ser concreto e referir à situação. A ética está para a moralidade com a teoria para a prática. A ética é reflexão crítica dos padrões de comportamento...”(Ethical issues im human genetics, 302). Hoje, vimos que o fundamento da ética não e arbitrário, divino ou humano mas estrutura racional, ainda que envolva relações entre pessoas e muito mistério. Na próxima vez, examinaremos a essência da moralidade, a responsabilidade.

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