ROTEIRO DE REFLEXÃO PARA AS EQUIPES DA PASTORAL DA SAÚDE Júlio Munaro A leitura dos capítulos l0 e 11 dos Atos dos Apóstolos é de extrema utilidade para os visitadores de doentes, já que, em sua missão, se encontram com pessoas de todos os credos e. muitas vezes, ficam em dúvida sobre como se comportar com elas, e se vêem expostos a criticas da própria comunidade, sobretudo por parte de pessoas pouco esclarecidas. Os caminhos de Deus, no entanto, são bem mais largos do que alguns imaginam, e as pessoas mais voltadas para o bem de quanto podemos imaginar. Seria uma pena se os visitadores de doentes não estivessem abertos para isso e, por sua mentalidade estreita, tentassem barrar os caminhos de Deus e o progresso dos irmãos. Eis o que lemos nos Atos; “Vivia em Cesaréia um homem chamado Cornélio, centurião da corte itálica. Era piedoso e temente a Deus, com toda a sua casa, dava muitas, esmolas ao povo e orava a Deus assiduamente”. Cornélio não era judeu nem cristão. Era pagão. Mas que belo exempto de vida, até para nós cristãos. E quantos Cornélios andam por ai1 Basta abrir os olhos e ver. Pois bem. Cornélio teve uma visão e, na visão, foi-lhe pedido que mandasse chamar Pedro, o apóstolo de Cristo, que se achava na casa de um certo Simão. Enquanto isso, também Pedro teve uma visão, na qual Deus quis mostrar-lhe, por meio de símbolos, que deveria superar seus preconceitos e ir à casa de Cornélio, o pagão. Pedro, num primeiro momento, reagiu negativamente. Depois, embora perplexo, acabou acolhendo os enviados de Cornélio, e foi à sua Casa. “No momento em que Pedro chegou, Cornélio veio ao seu encontro e, caindo-lhe aos pés, prostrou-se. Pedro, porem, o reergueu, dizendo: Levanta-te, eu também sou apenas um homem. E, entretendo-se com etc., entrou. Achou ali muitas pessoas reunidas, e lhes disse: Vós sabeis que é absolutamente proibido a um judeu relacionar-se com uni estrangeiro ou entrar em casa dele. A mim, porem, Deus acaba de mostrar que a nenhum homem se deve chamar profano ou impuro. Por isso viro sem hesitar logo que fui chamado. Pergunto, pois, por que motivo me chamaste? Que bela atitude a de Pedro’ E togo adiante ele próprio concluiu: “Verifico que Deus não faz acepção de pessoas, mas que, em qualquer nação, quem o teme e pratica a justiça lhe é agradável. Foi uma virada histórica para Pedro e para o Cristianismo. O Cristo não veio para alguns homens privilegiados. Veio para todos indistintamente. Quem aderiu a Cristo não pode fechar-se diante de ninguém. Mas, enquanto Pedro falava, o Espirito Santo caiu sobre todos os que ouviam a palavra. Admiraram-se os fiéis judeus, companheiros de Pedro, de que o dom do Espirito Santo fosse derramado também sobre os gentios... Então Pedro disse: “Pode-se, porventura, recusar a água do batismo a esses que, como nós, receberam o Espírito Santo?” A história, contudo, não acabou aí. “Todavia, os apóstolos e os irmãos da Judéia souberam que os gentios também haviam recebido a palavra de Deus. Ao subir Pedro a Jerusalém, os circuncisos discutiam com ele, dizendo: “Entraste em casa de incircunscisos e comeste com eles”! Positivamente, não estavam de acordo com Pedro e o recriminavam. E Pedro precisou justificar-se, e com boas razões: “Ouvindo isto (as razões de Pedro), tranqüilizaram-se eles e glorificavam a Deus, dizendo: “Deus, portanto, concedeu também aos gentios a conversão que conduz à vida!”
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O episódio de Zaqueu complementa bem o episódio de Cornélio e Pedro. “Foi hospedar-se na casa de um pecador!”, comentaram os puritanos. Enquanto isso, Jesus dizia: “Hoje a salvação entrou nesta casa, porque ele também é um filho de Abraão. Com efeito, o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido”( Lc. 19, 9-10). Questões para reflexão 1 — Temos consciência clara de que Deus não faz acepção de pessoas e de que nem nós devemos abordar os doentes com preconceitos religiosos? 2— Será que desconfiamos dos irmãos de outro credo religioso e achamos que não são corretos diante de Deus? 3— Criticamos quero dá atenção às pessoas de outro credo e procura relacionar-se bem com elas? CAMILO DE LÉLLIS UM HERÓI MUITO HUMANO Calisto Vendrame Mais que a doença são os doentes a chamar a atenção e a absorver todos os pensamentos, as preocupações e a própria vida deste santo diverso’’, suscitado por Deus para servir e ensinar a todos como temos de servir a pessoa humana, quando estiver enferma, isto é, quando ela é mais pobre e mais necessitada do auxílio fraterno. Mas este homem, mestre em servir os doentes “com toda a perfeição”, era ele mesmo um grande enfermo. Seu primeiro biógrafo. Sanzio Cicatelli, descreve-nos com cuidado as suas cinco principais doenças. Cada uma delas era suficiente para colocar em repouso qualquer pessoa não porém Camilo, que estava tão atento aos outras quanto esquecido de si mesmo. Por 46 anos, uma chaga horrenda no pé direito chegara a lacerar-lhe a polpa da perna, deixando o osso descoberto, causando-lhe dores lancinantes, toda vez que tropeçava em algum obstáculo. Por 38 anos, teve uma hérnia, crescida a tal ponto que a cintura de ferro não conseguia retê-la. Por 25 anos, grossos calos debaixo dos pés semeavam-lhe as estradas de espinhos. Por um longo período, sofreu de cálculos renais, que, às vezes, obrigavam-no a “torcer-se como uma cobra na cama”. Acidez e cãibras de estômago e, nos últimos 30 meses, um enjôo por toda espécie de comida acabaram por debilitá-lo. Camilo não tinha nenhum medo da doença. Vivia com serenidade a regra que ditara para os ministros dos enfermos: “Não se preocupe nem da morte nem da vida, nem de enfermidade ou saúde”. Importava-lhe somente que a doença não chegasse a ponto de impedir-lhe o serviço aos outros enfermos. Para ele, bastava poder caminhar e ter as mãos sãs, e agradecia isso ao Senhor. Ciente de que os médicos tomavam outras medidas, guardava-se bem de fazer-se examinar por eles, por medo de que o detivessem, proibindo-lhe o serviço da caridade, o que, afirmava ele, teria sido o pior mal e a maior doença que poderia acontecer-lhe. Assim, sem pensar em si mesmo e longe dos médicos, continuava a fatigar-se, “como se fosse um jovem de trinta anos, ultrapassando ele os sessenta”. São impressionantes os testemunhos colhidos por Cicatelli: “Atacado, de modo particular, pela dor (da chaga do pé direito), quando era a hora exata de levantar-se..., logo que despertava, pulava da cama e, colocando o pé enfermo no chão, batia-o com força,
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quatro a cinco vezes no assoalho... descendo em seguida ao hospital, caminhava valendo-se das camas...” “... E sabemos que pelo menos duas ou três vezes caiu por esgotamento unicamente, não sem perigo de vida, mas, deveras, o vigor do espirito proporcionava-lhe milagrosamente as forças para o corpo...” “... Algumas vezes, sentiu-se tão mal que parecia não poder ele de modo algum levantar-se; de qualquer maneira, com extremo esforço seu, descia em baixo e dirigia-se ao hospital, onde andava tão debilitado de um leito para outro, apoiando-se neles e segurandose nas colunas para não cair. Mas, logo que tinha passado por entre cinco ou seis leitos, parecia-lhe sentir-se todo fortalecido, retomando novo alento e vontade para as costumeiras tarefas...” Não era, ao certo, por inclinação ao martírio que andava exatamente de onde outros fugiam. Ficou célebre o diálogo com os viandantes, quando se dirigia a Milão, onde se deflagrara a peste “Voltem atrás, gritavam aqueles, em Milão há peste”. E Camilo: “Ë por isso mesmo que para lá nos dirigimos”. Os seus sofrimentos ajudaram-no muito a entender os outros; e por isso poderá afirmar com autoridade aos irmãos: “Feitos bons e perfeitos no padecer, sabemos em seguida, com maior caridade e compreensão, servir e nos compadecer dos próximos enfermos”. Camilo não é um teórico do sofrimento. Diante desta realidade que acomete e atormenta também a ele, Camilo não se pergunta sobre a origem e os porquês, mas assume uma atitude concreta e positiva. Para cada uma de suas enfermidades, ele tinha uma explicação que apontava mais para o futuro que para o passado. E isto alinhava-o com Jesus, contra a mentalidade que procurava sempre saber qual era o pecado que estava às origens do mal físico: “Ao passar, viu Jesus um homem, cego de nascença. Seus discípulos indagaram: “Rabi, quem pecou, ele ou seus pais, para que nascesse cego?” Jesus respondeu. “Nem ele nem seus pais, mas para que nele se manifestassem as obras de Deus (João 9,13). Com a intuição da caridade. Camilo, homem sem letras, está antecipando-se aos tempos. A teologia subjacente ás suas atitudes e às suas normas vai muito além da teologia do seu tempo. Inocêncio III estabelecera que todos os enfermos, logo que chegassem ao hospital, tinham de confessar-se, antes de serem tratados. Em 1556, poucos antes da irrupção de Camilo, Pio V reforçava a prescrição de Inocêncio III e punha um termo de três dias: “Como a doença corporal vem do pecado... os médicos não visitem, além do terceiro dia, os hospitalizados que ainda não se tenham confessado”. Camilo, na sua ignorância teológica, não chegava a compreender esta disciplina. Ele sentia-se a serviço do homem, não só do cristão praticante. Ainda que muito humilde e respeitoso e consciente de seus imites, não duvida em prescrever e defender, em contraste com papas e teólogos, que o enfermo vai ser atendido, apesar de não se confessar. É através do corpo que chegamos ao espírito, respeitando a liberdade religiosa do homem que veio ao hospital, em primeiro lugar, para ser curado. “Advertir-se-á o Padre Confessor quanto antes, porém, com o consentimento do enfermo” (Regra XLI). Ainda que chame as suas enfermidade “visitas”, “misericórdia” e “carícias” do Senhor, porque Deus é Amor e sabe tirar o bem até do mal, ainda assim Camilo nunca as procurou. E, se doutra parte, as trouxe consigo por toda a vida, foi porque sabia que a medicina do tempo não podia curá-las. Ele foi o grande voluntário da saúde e suscitou uma multidão de voluntários cheios de boa vontade para combater o sofrimento.
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Apesar de sua escrupulosidade em matéria de pobreza, que queria observada “ad unguem” (com esmero), quando se tratava de curar um irmão doente, não olhava as despesas: “Quando alguém de nossos irmãos adoecesse de alguma doença de gravidade, façam logo ciente o Superior, a fim de que se possam tomar as providências acerca de tudo aquilo que convém, para que seja tratado com aquela caridade e diligência possível, ou em casa ou no hospital, como quer que agrade ao enfermo...” (Regra XLIX). É sempre a pessoa humana, na globalidade de seu ser, que está no centra de seu interesse. Ele quer que todos possam viver em plenitude. Na sua visão de fé, dava mais importância à qualidade da vida que à sua duração. Julgava mais importante acrescentar vida aos anos que anos a vida. As “Regras da Companhia dos Servos dos Enfermos”, ainda de 1584, e as “Regras que soa observadas pelos nossos irmãos no Hospital Maior de Milão (Ca Grande) para servir com toda a perfeição os pobres enfermos de 1613, criadas pelo amor intuitivo de Camilo na experiência cotidiana do serviço aos enfermos, são uma obra-prima de sensibilidade, de tino, de visão da realidade que, após quatro séculos, não têm perdido seu valor humano e prático. Camilo foi realmente um herói, mas também um gênio da caridade para com os enfermos. A sua “nova escola de caridade” tem algo a dizer até aos nossos dias, quando, por todo o tempo que se discute se as soluções vão ser procuradas em cima ou em baixo, o doente morre por falta de amor. Se as avalanchas se formam do lado mais alto e matam no vale, é antes no clima que se precisa procurar a origem do fenômeno. Camilo foi à raiz dos problemas, ao coração do homem, de onde saem as intenções boas e as malignas (cfer. Mc 7,21), onde nasce o clima de vida ou de morte. Foi quando se converteu para Deus que Camilo apercebeu-se do homem, e colocouse a seu serviço, reconhecendo nele e seu “senhor e patrão”. Em geral, as reformas sanitárias apontam para as leis e as estruturas Camilo apontou para as pessoas, convencido de que são elas que criam as leis e estruturas, e não vice-versa. Este revolucionário do amor no mundo da saúde entendeu e proclamou que é preciso ter uma vocação especial para servir dignamente e com competência o homem enfermo. E preciso ter “coração nas mãos”. A afirmação de Camilo - “um competente enfermeiro pode valer por mil e mil não valerem um” — fica sempre valida. Sem uma vocação sustentada pelo amor que procura ciência e técnica para melhor servir, o hospital, até o mais aparelhado, de lugar de cura para os enfermos, correria o risco de tornar-se um lugar de trabalho para os sãos.
DANDO SENTIDO AO SOFRIMENTO Dia 14 de julho — o Dia de São Camilo e também o dia do doente. Que não deve sentir-se inútil, mesmo impedido de cumprir o que sempre considerou sua obrigação: o trabalho, as responsabilidades da família, da casa... Talvez seja “exatamente em seu corpo enfermo que ele possa ser mais útil”. Suportar na própria carne os sofrimentos, com espírito cristão, em favor da Igreja dá sentido ao sofrimento. O doente poderá repetir São Paulo: “completo na minha carne o que falta nos sofrimentos de Cristo, em favor do seu Corpo, que é a Igreja” (Cl ,24).
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Senhor, o que você quer que eu lhe diga que você não sabia? A enfermidade e a dor me pareciam uma tenaz reduzindo-me à total incapacidade. E despertou em mim o desespero e até a revolta... Mas você sabe, Senhor, dar tempo ao tempo. E hoje estou celebrando em minha carne fraca a vitória que pertence a você. Que paradoxo, meu Senhor: esse triunfo foi preparado nos caminhos da minha incapacidade. Eu via em você um Deus tora de mim distante e ausente. Mas hoje, não mais, já não é assim. Senhor, eu lhe agradeço! Mais do que uma simples parada no meu caminhar, minha dor tem sido, e ainda é, uma estrada segura até mim mesmo. Ou melhor, até você. Porque, dentro de mim, você hoje se revela aquele Deus surpreendente, íntimo, confidencia! e que provê a tudo.. Eu me sinto crucificado, Senhor. Mas, como o seu Filho Jesus com ele e por meio dele, quero converter a minha dor em graça, e quero completar a Paixão dele em prol da Igreja, que é dele o Corpo... Senhor, sou de você o servo, por isso aqui estou. Cumpra-se em mim a sua vontade, Senhor. De “Profetas na Dor”, de José Vico Peinado
SAÚDE INTEGRAL E MEDICINA POPULAR Saúde é o bem-estar da comunidade Esse bem-estar é integração harmônica a nível pessoal com a natureza e com Deus. A saúde é o resultado de uma problemática complexa do ser humano estreitamente relacionada com as estruturas sociais. O critério pedagógico define a vida em plenitude (pessoal e comunitária) como um direito de todos, e destaca os elementos que constituem a saúde integral: • condições de vida digna, que significam a satisfação das necessidades básicas: alimentação, roupa, moradia, assim como terra no campo, ausência de doenças, trabalho, ambiente sadio, educação e participação comunitária nas decisões políticas. Incluindo a saúde mental como parte essencial da saúde pessoal e comunitária; • a dimensão espiritual da saúde, que significa a relação pessoal com Deus e o resgate dos valores comunitários que orientam a humanização da vida. Esse conceito de saúde integral é o Caminho para o processo da libertação popular, que está acontecendo na América Latina, sendo que a luta pela saúde é a luta por uma sociedade que responda aos valores evangélicos da justiça e da solidariedade. A prática libertadora da saúde não pode ser a mesma para todos os países. Existem diferenças políticas, econômicas e culturais. Saúde Integral e medicina popular O conceito de saúde integral é muito mais profundo que a simples ausência de doenças, ou um atendimento médico eficaz. Por isso, é de grande importância cultura e a participação popular na articulação de uma prática de saúde útil, para reconstruir e afiançar a identidade do povo.
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A esta ação deve incorporar-se a medicina popular com a chamada medicina científica. A medicina popular é o conjunto de técnicas, trabalhos e meios de combater e curar por métodos populares, onde recursos naturais muitas vezes são combinados Com recursos industrializados. A medicina popular possui meios próprios e legítimos de atuar. Ela tem como base a experiência histórica da população, especialmente os moradores do campo. É uma prática do povo para o povo, e a medicina popular tem dimensões pedagógicas no sentido de que, partindo do saber popular, possibilita o despertar da consciência critica no que diz respeito ás doenças e suas causas mais profundas. Por isto, o objetivo da medicina popular é educar, organizar e mobilizar o povo para recuperar a saúde. Os conhecimentos da medicina popular devem permanecer em mãos do povo, para evitar que profissionais inescrupulosos ou multinacionais à procura de lucrar; deles se apoderem. Por outro lado, a medicina popular não deve ser misturada com crenças alienantes, mas, num processo pedagógico, deve. Como o próprio povo, manter o máximo respeito às tradições. A medicina popular possui um dinamismo próprio, que permite uma rápida comunicação como povo. É conscientizada pelas realizações concretas já vividas ou experimentadas. Esta medicina natural utiliza uma linguagem simples, que valoriza a capacidade do doente, afastando o poder do médico e dos laboratórios sobre a saúde. Favorece o tratamento preventivo e a trova de informações entre o próprio povo, ajudando no tratamento natural da saúde. Em muitos lugares, existe, de uma forma quase absoluta, a medicina “comercial”, que não tem como objetivo fundamental alcançar a saúde do povo, mas se encontrar limitada a uma prática curativa, cujos alcances beneficiam prioritariamente os setores com mais recursos, deixando marginalizados todos os demais. Nesta medicina vigente nos países capitalistas, o melhor médico é aquele que tem muitos doentes, enquanto, na medicina popular, o melhor médico é aquele que menos doentes tem. Porque através da comunicação e educação comunitária se facilita que as pessoas possam valer-se de seus próprios conhecimentos, eliminando, assim, a dependência do médico. Concluímos que, para atender às necessidades do povo, seria ideal a integração da medicina popular com a medicina científica, colocando esta última a serviço do povo, conseguindo, desta forma, a saúde integral.
PARA UMA ÉTICA DO AMOR Hubert Lepargneur Os cristãos não entenderiam que a caridade, versão sobrenaturalizada do amor, não figurasse entre os dez pilares do templo que estamos montando para a ética. De fato, o Novo Testamento revelou que Deus é Amor, que seu Verbo se encarnou por amor à humanidade que ele quis salvar, e que a terceira pessoa da Trindade divina é o próprio Amor que une o Pai e o Filho. Para rematar: a caridade, que é o amor de Deus em nós, não é apenas a mais excelente de todas as virtudes, é a única que salva para a vida eterna. Destas alturas podemos descer um pouco para olharmos o que é este amor, o sentimento aparentemente mais banal, mas também o mais deformado, e por isso menos
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comum do que parece. Não poucos pensam amar os outros, e gostam apenas do conforto que os outros lhes procuram. Muito egoísmo e muita agressividade em todos os seres humanos opõem-se ao desenvolvimento do altruísmo que leva ao serviço do verdadeiro amor. Mas será este verdadeiro amor algo total mente desinteressado? Velha pergunta, ambígua. O amor ao outro, de que tratamos, situa-se entre o amor de si mesmo e o amor a Deus, o totalmente Outro. Para amar o próximo como a si mesmo é lógico que o sujeito neve, primeiro, amar-se a si mesmo, isto é, confiarem si, em seu valor, aceitar os próprios limites como as esperanças, sem se odiar: belo programa, difícil para os que se sentem excluídos na sociedade. Amar o outro, sobretudo quando pobre, doente ou marginalizado, é reconhecer nele a figura de Cristo: isto não é invenção de algum santo, como se diz por vezes. Encontra-se no capitulo 25 do Evangelho de Mateus. Em outras palavras: amar é tornar o outro próximo. Amor real é concreto, de pessoas situadas historicamente: desconfiamos do amor universal abstrato. Quem me fez entender a parábola do bom samaritano não foi um padre ou teólogo, mas uma mulher e psicanalista. Vai ser difícil resumir em poucas linhas o que explicou a também pediatra Françoise Dolto. Jesus não criticou o sacerdote e o levita, a quem faltou, mais que o tempo, a estrutura psíquica para ver o outro necessitado: como enxergar problemas que nos esmagariam? Por ter provavelmente dois jumentos (“o pôs no seu próprio animal”, Lc 10,34), o samaritano talvez tenha sido um comerciante ambulante: ele se identificou imediatamente com o assaltado, porque se sabia, ele mesmo, constantemente ameaçado nos caminhos por bandidos maltrapilhos. O sacerdote ou o levita não podia identificar-se com este coitadinho: quem ousaria assaltar um funcionário do Templo sagrado? Este samaritano tinha mercadorias sobre um jumento (“derramou nas feridas azeite e vinho”, Lc 10,34). Coloca na hospedaria, paga e prossegue porque negociante não tem tempo a perder. Pôr sobre o animal, medicar, isto é “maternar”; pagar a conta, isto é “paternar”: dois aspectos da pratica caridosa. O que ninguém me fez entender antes de Françoise Dolto é, notadamente, que Jesus não ensina o amor ao “bom samaritano”, homem prático, realista, mas ao ferido Socorrido. Como isto? Para cultivar reconhecimento eterno e devolver ao mercante sua benfeitoria? “Deus me livre” diria qualquer jovem terceiro mundista. O negócio e outro. Temos que devolver aos outros, necessitados, o que nos recebemos dos pais, professores e outros benfeitores. Nada de cultivar complexos de dependência. A gente recebe de uns (que fazem muito bem esquecer o caso) e devolve a Outros, filhos, doentes etc. O ex-ferido é quem deve devolver agora a outros necessitados que ele transformará em próximos. E quem nada recebeu de ninguém? Então, amar é ajudar, claro querer de verdade o bem do outro (e não o próprio contentamento, que vem ‘por acréscimo’). Amar é gostar de esquecer-se; na realidade, amar é também gostar de fazer algo que agrada ao outro. Deus nos livre dos perpétuos ‘‘mártires’ da caridade, que contam seus méritos ao proclamar ou fazer sentir o quanto eles se sacrificam pelos outros, que nem sempre o merecem.
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Amar ainda é muita coisa que aqui não cabe e o leitor sabe perfeitamente. O amor (que torna teve o fardo, Mt 11,30) polariza toda a vida ética, isto é, humana. Amar é, acima de tudo prestar atenção. Difíceis são as coisas aparentemente simples e corriqueiras.
CRISTO É O ENFERMO Leocir Pessini Estive enfermo e você me deu como único nome um número Estive enfermo e você perguntou se eu tinha INPS ou convênio para ser atendido. Estive enfermo e fui para a cirurgia somente porque eu era um caso interessante para sua experiência profissional. Estive enfermo e, ao me queixar de dor, ouvi: “Você não tem motivo para se lamuriar. Deixe de ser chato”. Estive enfermo e recebi alta do hospital, sem que você se tenha mostrado interesse do meu caso. Estive Enfermo, sofrendo muito, e senti sua insensibilidade... Você não me deu o conforto espiritual de que eu necessitava. Estive enfermo e escutei de você somente isto: “O estado dele agravou-se de novo”. Estive enfermo e ouvi você dizer: “Por que sempre eu a atender este caso? Que atendam também os outros!” Estive enfermo e você nem me perguntou como eu estava me sentindo, se estava me alimentando bem, se recebia visitas. Estive enfermo, chequei acidentado e você disse: “Não podemos atendê-lo aqui”... e morri no caminho. Por isso, eu lhe digo: Aparte-se de mim! Estive enfermo e você me chamou pelo nome. Estive enfermo e você foi irmão para comigo: solidário na minha dor, e atencioso na minha necessidade. Estive enfermo e fui para você “alguém” e não “algo”. Estive enfermo e você aceitou com paciência as minhas impaciências. Estive enfermo e, sempre que me visitou, além dos remédios, você me trouxe amor e paz. Estive enfermo e você me tratou com carinho e respeito humano. Estive enfermo e você arrumou com cuidado o meu travesseiro, para que eu tivesse mais conforto. Estive enfermo, não podia me alimentar sozinho, e você me deu de comer. Estive enfermo e você “perdeu” muito tempo comigo. Estive enfermo e em você descobri Deus. Por isso eu lhe digo: Venha, bendito de meu Pai!
BEM-AVENTURADOS OS QUE SOFREM... Maria A. Chisleni 1- Bem-aventurado o doente que descobre na doença a brevidade da vida presente e a necessidade de cultivar os costumes sadios, porque sua situação ajudará a comunidade a lutar ardentemente contra a doença e a procurar com empenho o tesouro da saúde.
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2- Bem-aventurado o doente que sofre com amor a pobreza corporal da doença porque se libertará do apego às riquezas materiais. 3- Bem-aventurado o doente que percebe que a eficiência não é a única realidade pessoal, porque lhe será mais fácil sentir-se útil à família, à Igreja e à sociedade, mesmo sem ser ativo. 4- Bem-aventurado o doente que continua a crer em sua dignidade de cristão, porque sua situação recorda à Igreja a presença do Cristo sofredor: “Estava enfermo e me visitaste”(Mt 25,36). 5- Bem-aventurado o doente que suporta as dores ligadas à doença e à luta pela saúde, porque completa em seu corpo o que falta à Paixão de Cristo. 6- Bem-aventurado o doente que se une a Cristo padecente, porque se torna participante do mistério pascal do Divino Redentor. 7- Bem-aventurado o doente que vivência sua fé, porque descobre na doença um meio de reacender a esperança cristã. 8- Bem-aventurado o doente que acredita realmente numa vida futura de felicidade perfeita, porque poderá dizer com São Paulo: “Para mim, o morrer é um lucro. Tenho desejo de ser desatado, para estar com Cristo” (Fl. 1,21)
OS PROBLEMAS DA SAÚDE NO CONTEXTO SOCIAL Victor Vaca Meditando sobre os problemas de saúde e da doença, e lembrando algumas cifras, podemos acrescentar o seguinte comunicado do Banco Mundial: milhões de pessoas não se alimentam o suficiente, o que e chamado por Gérson Meyer de bomba silenciosa”. Na verdade, não é um bomba silenciosa. Se prestarmos atenção, escutaremos o clamor das crianças que morrem diariamente por desnutrição, os gemidos daqueles que dormem nas ruas e nas portas das igrejas. Nos países do Terceiro Mundo, a fome já causou mais mortes que a malária, a tuberculose e o câncer juntos Mais de 7000 das mortes nos países industrializados são de pessoas com mais de 70 anos. Nos países subdesenvolvidos 5O0/o dos que morrem são crianças com menos de quatro anos, que morrem por desnutrição. Na América Central, 67,3% das crianças menores de cinco anos são mal nutridas. No Brasil, em 1974, pelo menos 690/o da mortalidade infantil se devia a enfermidades causadas pela desnutrição. Até hoje não melhorou grande coisa! No Brasil morreu uma criança a cada 24 segundos. Na terra do milagre econômico, 25 a 50% das crianças que sobrevivem são incapacitadas No México, 16% das crianças que nascem vêm ao mundo subnutridas. Nossa preocupação não pode ser só pela saúde dos que estão neste mundo, mas deve também ser pela saúde dos que vão nascer. E triste saber que 85% da população do Terceiro Mundo carece de água potável. Segundo a Organização Mundial de Saúde, 80% não tem acesso a um cuidado de saúde. Como Hilda Giraldo disse: 75% dos médicos servem menos de 250o da população e 80% dos médicos concentram-se nas grandes cidades Nos países subdesenvolvidos, o orçamento destinado á saúde diminui a cada ano. O dr. Bryant disse que na Ásia o governo destina anualmente para os serviços de saúde menos de um dólar por pessoa. Na África, de um a quatro dólares: na América Latina, de l0 a 30 dólares. Os Estados Unidos destinam anualmente 600 dólares para cuidar da saúde de cada indivíduo.
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No entanto, na corrida armamentista mundial gasta-se um milhão de dólares por minuto. Segundo Stuart Kingma, 200o dos gastos militares de um ano financiariam o programa do Decênio Internacional de Abastecimento de Água e Saneamento. Menos da metade do orçamento militar mundial de um dia pagaria o programa da Organização Mundial de Saúde para combater a malária. Para comprar um avião de caça é necessário tanto quanto para abastecer 40.000 farmácias. Esta situação nos convida a meditar sobre o tipo de ministério que estamos exercendo. Estamos apoiando a vida ou a morte? Sabemos que as multinacionais controlam de 70 a 95% dos laboratórios químicos e das indústrias de equipamentos médicos. Elas ordenam o que deve ser fabricado em cada pais e fixam preços proibitivos para a maioria da população. Por outro lado, quando falamos da situação econômica do decênio de 1970 em diante, vemos que, segundo os estudos de sociólogo Anderegg, 140 milhões de pessoas são obrigadas a viver com apenas 40 centavos de dólar diários. Com estas desigualdades sócio-econômicas existem grupos humanos que vivem, produzem e se reproduzem de forma distinta e irregular. A existência de classes sociais determina diferentes perfis epidemiológicos de classe. A maioria é explorada por uma minoria que domina. O desgaste dessa minoria é maior que o desgaste dos que estão por cima, beneficiando-se do trabalho das camponeses. Devido ás condições de trabalho, aos baixos salários e alimentação deficiente, essa população fica doente com mais facilidade e com manar possibilidade de recuperação do que as pessoas das classes privilegiadas. Portanto, o perfil epidemiológicos será um perfil de classe. A saúde é um problema social. Manter a saúde ou recuperar a saúde é um privilégio de poucos. Portanto, neste contexto de luta de Classes, a luta peia saúde e a luta pela dignidade e a justiça social Nesta luta de classes sociais, qual é o papel dos cristãos? Qual e o papel das igrejas? E nossa tarefa qual é? Saúde para todos no ano 2 000”... Diante da situação que enfrentamos é um sonho dourado uma utopia. Eu me pergunto se, com isto, estou frustrando muito gente. Eu me pergunto se tomamos a serio esta utopia, se lutamos e trabalhamos para criar as estruturas que permitam uma Atenção Primaria de Saúde, que permitam a participação de comunidade na solução de seus próprios problemas. Eu me pergunto de que modo nós, como membros da Igreja, podemos estar despertos e tomar consciência das causas que geram a rniséria, exploração, os graves problemas de saúde. A situação de doença nos preocupa. A criação de instituições para combater as causas de tantas doenças e tantas mortes e um trabalho pioneiro da Igreja. Gostaria de poder dizer que esse trabalho esta dando resultados positivos. Como diz o padre Cherubin: “há desordem, há anarquia nos serviços de saúde!” Então eu pergunto com que símbolo estamos trabalhando? Eu me pergunto seriamente se estamos trabalhando pela saúde ou pela doença. Os ministérios da saúde deveriam ser chamados da doença, assim estaríamos de acordo. Então, o que é a saúde? O que é a saúde integral, global para o homem? Os homens não podem obter a saúde integral onde existe uma classe dominante uma classe social alta e uma baixa; onde há uma burguesia e proletariado. Essa situação não pode continuar. . São muitos os que agora estão do nosso lado. Mas precisamos praticar aquilo que pregamos. Só assim obteremos resultados. Jesus Cristo morreu para dar-nos vida nova. O processo da libertação e o processo da crucifixão de Cristo. A cruz é o símbolo da liberdade, e a liberdade está longe... Há muito caminho para percorrer. Somente cumprindo firmemente a nossa vocação de cristãos conseguiremos acabar com essas estruturas que oprimem, reprimem e deprimem.
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