MORTE NA PRIMEIRA PESSOA NO SINGULAR Sou uma estudante de enfermagem. Estou morrendo. Escrevo isto para vocês que são e se tornarão enfermeiras, na esperança de que, ao partilharem meus sentimentos, vocês sejam capazes de ajudar melhor os que passam por minha experiência. Agora, estou fora do hospital. Talvez por um mês, sei meses, ou, quem sabe, um ano... Mas ninguém gosta de conversar sobre estas coisas. Realmente, ninguém gosta de falar sobre quase nada. A enfermagem está progredindo, mas seria desejável que progredisse mais rapidamente. Ensinaram-nos a não sermos muito otimistas, a omitir a rotina do “tudo ótimo”, e nos saímos bem. No entanto, as pessoas, nestas circunstâncias, são abandonadas num solitário e silencioso vazio. Com o abandono do “tudo ótimo”, os profissionais da saúde são deixados apenas com sua vulnerabilidade e temor. O moribundo ainda não é visto como pessoa. Assim, tornar-se impossível a comunicação. Ele é o símbolo do que todo ser humano teme, do que todos teremos que enfrentar um dia, como sabemos, pelo menos academicamente. Que diziam, em enfermagem psiquiátrica, do encontro da patologia com patologia, em detrimento tanto do paciente quanto do enfermeiro? E havia tanta coisa a se conhecer sobre os sentimentos pessoais, antes de poder ajudar alguém com seus próprios sentimentos... Como isto é verdade! Mas, para mim, o medo é hoje, e a morte é agora. Vocês entram e saem de meu quarto, dão-me medicamentos, checam minha pressão. Será por que eu sou uma estudante de enfermagem ou simplesmente um ser humano que percebo seu medo? E o medo de vocês aumenta o meu. Por que vocês estão apavoradas? Eu sou a única que está morrendo... Sei que vocês se sentem inseguras, não sabem o que dizer ou fazer, Mas, acreditem em mim, por favor! Se vocês se importam, não podem estar erradas: isto é o que realmente procuramos. Podemos perguntar pelos porquês, mas, na realidade, não esperamos respostas. Não fujam... Esperem... Tudo o que eu gostaria é de ter a certeza do que haverá alguém para segurar a minha mão quando eu precisar. Estou com medo. A morte pode ser rotina para vocês, mas é novidade para mim. Vocês podem não me ver como única. Mas eu nunca morri antes. Uma vez é absolutamente única. Vocês falam baixinho a respeito de minha juventude. Mas, quando se está morrendo, ainda se continua jovem? Tenho muitas coisas que gostaria de partilhar com vocês. Na verdade, não tomaria muito de seu precioso tempo, pois vocês estão aqui, de qualquer forma. Se ao menos pudéssemos ser honestos, aceitar nossos temores. Tocar-nos. Se vocês realmente se importassem, perderia muito de seu profissionalismo se chorassem comigo? Como pessoa. Então, talvez não fosse tão difícil morre... num hospital... com amigos por perto. (Este foi o depoimento deixado por uma jovem e publicado, em fevereiro de 1970, em “The Amerian Journal of Nursey”, em tradução livre.)
JESUS E A RELAÇÃO DE AJUDA Dyonisio L. Costenaro As seis dimensões da relação de ajuda segundo Carkhuff (empatia, respeito, autenticidade ou congruência, concretude, confronto e identidade) estão presentes na atuação de Cristo. Podemos detectá-las pelo desempenho de Cristo nos relatos evangélicos de Nicodemos, da samaritana, da adúltera, do cego de nascença e de Lazaro. 1 – EMPATIA é a habilidade do facilitador para compreender profundamente o que a outra pessoa sente mais a habilidade de comunicar essa compreensão de forma proveitosa, isto é, sintonizada com o estado emocional do outro A palavra-chave é comunicação. Exemplo: a pecadora na casa de Simão (Lc 7,36-50). Ela unge os pés do Senhor, rega-os com suas lágrimas, enxuga-os com seus cabelos, os beija, estuante de amor. Jesus a recebe na grandeza de seu coração e deixa-a fazer o que ela quer. Deixa vazar sua dor da forma que lhe agrade. Ele sabe que a lei foi feita para os homens e não os homens para a lei, e que o que mancha não é o gesto externo, mas a intenção do coração. Ele sintoniza com ela em seu estado emocional e compreende a forma em que ela o vaza, forma para ela proveitosa e mais lhe dá o perdão. Facilitador magnifico! Nicodemos (Jo 3.1-21) - A ajuda se dá por via intelectual. Jesus lhe dá instrução, e a custo consegue penetrar-lhe o coração. Era homem piedoso e reto, buscava realmente a Deus, mas era fraco, ao que tudo indica, sem posições firmes. O que dirão ou o que farão ?! Perplexo porque não se salva pela Lei, mas pelo renascimento Jesus pede um ato de fé, e Nicodemos quer pôr um ato de razão... Não trazia a disposições de André, João Pedro, Felipe ou Natanael. A samaritana (Jo 4.1-41) - A comunicação culmina em completa abertura de alma e numa entrega á relação de ajuda, não só da samaritana em apreço, mas de muitos de seus concidadãos. Vemos nesse episódio a habilidade de Jesus para compreender profundamente o que a samaritana sente e a habilidade de comunicar essa compreensão de forma proveitosa isto e sintonizada com o estado emocional dela. A adúltera (Jo 8, 2-11) – “Ninguém te condenou? Nem eu te condeno...” Ele percebe a suprema vergonha da criatura fraca, descoberta em sua fraqueza. Para envergonhá-la já lhe bastava a falta de que a acusava sua consciência. Acresce-lhe a vergonha pública e a antevisão do castigo inevitável: a morte! Jesus sente a agonia de sua alma. O cego de nascença (Jo 9, 1-37) – Cristo dá-lhe a felicidade e a alegria da visão física e da visão interior; compreende o cego do corpo e do espírito. Lázaro (Jo 11, 1-44) – Cristo se alegra com os que se alegram e chora com os que choram. Tão notável era a capacidade do Senhor para compreender profundamente o que sentiam os outros, que Marta e Maria nem sequer mandaram dizer-lhe Vem, Senhor, teu amigo está doente’ Exprimem-lhe simplesmente o fato: Senhor, aquele a quem amas está enfermo, certas da repercussão que isto terá no ânimo e no coração do Senhor. O futuro não as desmentiu. De resto, havia para isto uma predisposição ímpar: o Amor. “Ora, Jesus amava Marta e Maria, sua irmã, e Lázaro: 2 - RESPEITO ou consideração positiva. Para respeitar os sentimentos dos outros, é necessário respeitar os próprios sentimentos e experiências. As palavras-chaves são calor e
compreensão. Respeito significa confiança nas experiências individuais. na capacidade de desenvolvimento e atualização (técnica de não direção...). Jesus respeita tanto o homem que não o força à salvação. Ele veio para redimir os homens e sofre profundamente por haver um traidor entre os seus prediletos: não o força, porém: respeita a liberdade de Judas e, buscando embora salvá-lo uma e outra vez, não o impede em seu caminho para a perdição. Mestre, onde moras? Pergunta feita por um estranho! Jesus poderia ter respondido quem é você e por que quer saber? Não tenho moradia fixa etc. Ele porem. confia nas pessoas Respeita-as portanto e vai alem do respeito. Podia ao dar-lhe a indicação Mas. não Na pergunta singela. ele vê o desejo de comunicação e, passando alem da linha com respeito confiante, pronta e amavelmente convida. “Vinde e vede”. Confia respeita, aceita-o como é, em seu desejo, e vai mostrar como é. O “Vinde e vede”diz respeito, comunicação, calor humano. Nicodemos – Jesus sabia porque era procurado à noite! E, no entanto, respeita a fraqueza, se dispõe a ouvi-lo, a instruí-lo e tocar-lhe o coração com a graça de uma fé mais forme, menos hesitante, menos temerosa. Não obstante Cristo o tenha sacudido para fazê-lo chegar à verdade, chamando-lhe a atenção para a debilidade de sua fé e a falta de firmeza de sua ciência. A samaritana – Respeita-a em sua fraqueza, busca dar-lhe a graça, força necessária para libertá-la, e só aborda sua condição de pecadora quando já a sente ancorada na força da sinceridade que a relação lhe dá e, ainda assim, fá-lo com um rasgo de suma delicadeza: é um elogio que faz à sinceridade da mulher – “disseste a verdade”- ao mesmo tempo desvela a falta. É assim a compreensão do Senhor! E a firmeza tranqüila com que vai conduzindo do sendeiro do mal para a trilha da virtude bem testemunha o calor humano e divino que põe na sua relação de ajuda com ela. Ele confia nela e na graça que é capaz de fazer do pecador um santo: é o fruto de sua relação de ajuda. A adúltera – é mais do que respeito. É misericórdia, é perdão absoluto, é amor. Nem uma palavra de exprobação, nem mesmo um comentário, uma alusão à falta. O cego de nascença – Toda a relação de Jesus com o cego foi calor, calidez. Aborda-o sem ser solicitado, unta-lhe os olhos, aconselha-o a ir a Siloé, restitui-lhe a vista e lhe dá, ainda, uma visão interior de Deus. Não é isto calor daquele que veio “trazer fogo à terra”? (Lc 12,49). Lázaro – Todo o relato é uma narração de calor e compreensão. Respeito também para consigo; não obstante as acusações de comilão, bebedor, freqüentador de pecadores e publicanos, ele desafia: “quem de vós me argüirá de pecado?”( Jo 8,46). 3 – AUTENTICIDADE OU CONGRUÊNCIA – É medida pelo grau em que uma pessoa está “funcionalmente integrada no contexto da relação com o outro, de modo que há ausência de conflito e inconsistência entre sua experiência total, sua percepção consciente e sua comunicação expressa”. A palavra-chave é integração. É uma característica das grandes personagens bíblicas. Nicodemos – Ambos, Cristo (que se deixou crucificar para manter a verdade) e Nicodemos eram autênticos e, por fim, acabaram entendendo-se. A samaritana – os dois parecem integrados no contexto da relação de forma não conflituosa ou inconsistente. É um encontro de pessoa a pessoa. Ele é o facilitador, o ajudador, o que sabe mais; ela é a pessoa necessitada de ajuda, a que sabe menos, e ambos aparecem claramente como sendo o que são.
A adúltera – A cena diz bem alto da autenticidade dos dois; ela, a pecadora humilde, no silêncio eloqüente pelo qual reconheceu sua falta, autêntica quanto pode ser a pessoa humana; ele, autêntico em seu papel de juiz; juiz por direito, por natureza, como Senhor do mundo e dos homens; juiz ainda por imposição que quer ser capciosa, mas em vão. Juiz sim, mas inclinado ao perdão. O cego de nascença – Jesus entrou em relação na base de pessoa a pessoa. Aceita ambos serem eles mesmos e não se negam como pessoas e se mostram. Jesus é o Mestre, Senhor da situação, como quem tem autoridade. O cego, submisso, mas não subserviente. Homem veraz, inteiro, de uma só peça, enfrenta com brio e destemor seus contrapositores. Não se acovarda. Lázaro – Maria e Marte expõem, esperam , sofrem e choram, queixam-se de sua ausência. Ele se condói, sofre, chora. Exprime o que sente. Parte de Betânia. Age de acordo com seu ego-ideal, age segundo pensa e sente. 4 – CONCRETUDE – Ou especificidade de comunicação, que envolve a expressão fluente, direta e total de sentimentos e experiências específicas de ambos os participantes do processo independentemente de sue conteúdo emocional (sempre com densidade emocional). Como é concreto Jesus a cada passo em seu Evangelho, em seu ensinamento! “E a todos os que escandalizarem a um destes pequeninos que crêem em mim, melhor lhes fora que pusessem ao pescoço uma mó de atafona e se lançasse ao mar” (Mc 9,14). Ou “pondo nele os olhos, Jesus amou-o e disse-lhe: uma só coisa te falta: vai, vende tudo o que tens e dá-os aos pobres, e terás um tesouro no céu; depois, vem e segue-me” (Mc 10,21). Não temos razão para insistirmos neste ponto. Fiquemos com o caso de Lázaro. Suas irmãs exprimem sua mágoa pela ausência de Jesus: “se estivesses aqui, meu irmão não teria morrido”, e não escondem as lágrimas, expressão “fluente e direta e total dos sentimentos” que lhes vão na alma, com toda a carga de seu conteúdo emocional. Os sentimentos e as emoções de Jesus aparecem claramente e sem rebuços a partir de sua chegada a Betânia, vão crescendo até o clímax de compaixão, de comoção e das lágrimas (Jo 11,33-35,38). 5 – CONFRONTO ou imediatidade – Visa colocar a pessoa em contato mais direto consigo mesma, com suas forças e recursos, com seus comportamentos autodestrutivos. O objetivo do confronto é reduzir a ambigüidade e as incongruências nas experiências e na comunicação do cliente ou paciente. É um desafio para que se integre, para pôr-se a uma com sua própria experiência. Visa: as discrepâncias internas do cliente (seu eu-ideal versus seu eu-real); as discrepâncias entre o que vê e diz e o que faz (insight e ação); as discrepâncias entre ilusão e realidade. É um ataque construtivo ao conglomerado doentio de ilusão, fantasias e técnicas para escamotear a vida, a fim de criar uma integração em alto grau de saúde. Mostrar que as defesas que a pessoa toma são seus próprios inimigos, que não lhe permitem contato direto consigo mesma. A palavra-chave é discrepância. É tanta a riqueza de exemplos do Evangelho a esse respeito que se torna difícil a escolha. Mas o que de mais forte haverá do que a invectiva de Jesus contra os comportamentos autodestrutivos dos escribas e fariseus? Ela constitui todo o capítulo 23 de Mateus, que pode passar sem comentários. Marcos (11,27-33) também coloca os princípios dos sacerdotes, os escribas e os anciãos diante de suas ambigüidades e de suas incongruências
Jesus põe também seus apóstolos em confronto com eles mesmos para que liberem suas forças e seus recursos, e cresçam (Mc 9,32-36). Mais clara e muito mais forte é a investiva contra Pedro, fazendo-o confrontar o espírito de Deus, com que deve abraçar a verdade, e o espírito do mundo, que ainda não o deixou de todo. “Afasta-te de mim, Satanás, que me és um escândalo; porque não cogitas das coisas de Deus, mas das coisas dos homens”( Mt 16,21-23). Nicodemos – Jesus mostra a incongruência entre a aceitação de seu magistério e o apego às próprias tradições. Ele confia mais em sua prudência do que na prudência do Mestre, que ele sabe enviado por Deus. E Jesus não deixa passar isso! Se ele é Mestre enviado por Deus, tem direito de exigir adesão total ao que ensina. Com os simples, não há discussão: ele os chama e eles o seguem. A entrega não supõe lutas porque tem a fundamentá-la a retidão no amor. A samaritana – Ela espera o Messias, mas vive no pecado. A espera do Messias reflete um ideal de vida divina, à qual se contrapõe a vida de pecado em que está imersa. Jesus mostra-lhe a realidade: ela aspira à “água viva”, mas a água só pode dessedentar um organismo vivo! Há que sair, pois, da morte do pecado, na congruência entre o que aspira e o que é. Feliz samaritana que, na fraqueza de sua vida de pecado, cruzou, um dia, como Divino Facilitador e dele recebeu a ajuda no confronto que a levou infinitamente além do que poderia inspirar o seu eu-ideal. A adúltera – O gênio de Cristo percebeu o ardil e o desfaz: “Quem de vós não tem pecado atire a primeira pedra...” mas denuncia o pecado: “vai e não peques mais...” O cego de nascença – A docilidade do cego à ação de Jesus, que lhe traz luz aos olhos, e sua aceitação do impulso interno que leva à lux de Deus dispensam o confronto. Esse se dá com a posição dos fariseus. Lázaro – Jesus põe Marta diante de si mesma. Confronta sua fé teórica com seu modo de proceder e só depois realiza o milagre. 6 – IMEDIATILIDADE – É a interpretação do emergente. Supõe habilidade do ajudante ou facilitador para “perceber o subjacente na expressão da pessoa ajudada, isto é, o que ela tenta dizer, sem conseguir”. A palavra-chave é mensagem subjacente. A cada passo, se vê Jesus vendo algo não expresso na linguagem falada das feições e gestos. É o caso, por exemplo, do beijo de Judas: “Judas, com um beijo entregas o Filho do Homem”. O beijo é símbolo de amizade, mas o que surge do beijo de Judas é traição sórdida! “E Jesus conhecia-lhe os pensamentos...” Nicodemos – Jesus mostra-lhe onde ele está. Nicodemos sente-se compreendido e busca compreender. Tergiversa, mas no fim vence a graça. Defenderá Jesus no Sinédrio e ajudará na sepultura do Cristo. A samaritana – Jesus percebe o subjacente em cada expressão da samaritana. E não só: ele vê tudo de antemão, mas procede como se a cada passo fosse vendo algo mais. E suas interpretações do emergente, expressas no mergulho sempre mais fundo da vida da samaritana fazem-na ver sempre mais e sempre melhor aquilo que ela vislumbra apenas na confusão de sua consciência, até ela ser capaz de dizer-se a si mesma e ao mundo que alcançou clareza naquele que veio para ser a luz do mundo, Jesus, o salvador. A adúltera – Cristo interpreta no silêncio dessa mulher não só o reconhecimento da falta, mas também o arrependimento. Daí o “vai e não peques mais”. O cego de nascença – Deve ter sido tocante, comovente o encontro do Senhor com o cego-vidente, escorraçado do Tempo. Que leu Jesus nos olhos do cego? Algo terá lido. Terá
lido talvez: “que farei, Senhor, banido do Tempo de Deus? Que quer Deus de mim, quando me dá a luz dos olhos e me tira a luz da vida? Quem és tu, Senhor, que me beneficias e me angustias ao mesmo tempo? Tu, que me deste a luz dos olhos, não me poderias dar a luz da alma? Para que eu creia no que devo crer e que não vejo ainda o que é?” Quem o poderá saber? Mas Jesus certamente leu algo naqueles olhos: a gratidão e a angústia religiosa, talvez. E lhe vai ao encontro, levando a angústia ao leito da gratidão, transpondo para a alma a luz que ele dera ao corpo. Lázaro – Jesus “interpreta o emergente”, isto é, põe claro o que há no fundo da atitude de Maria: falta de fé prática, ou melhor, fé pouco esclarecida. E quer a retirada da pedra que fechava a gruta . Podia fazer o milagre sem essa exigência, mas quer uma demonstração externa para que creiam no seu poder sobre a decomposição da carne. (Esta síntese feita parafraseando o livro “Jesus e a Relação de Ajuda”, do Pe. Henri Chabassus, S.J. Edições Loyola, 1977. Espero que ela ajude aqueles cuja “profissão”, como a de Jesus, é realmente profissão de ajuda, isto é, que se empenham em atividades que visam habilitar outros a compreender, modificar ou enriquecer seu comportamento, crescendo.)
PASTORAL DA SAÚDE, PASTORAL DE VIDA Júlio Munaro Quando se fala em Pastoral da Saúde, a primeira idéia que ocorre para a maioria das pessoas é a idéias de doente e dos cuidados que lhe devem ser prestados para que se restabeleça ou, se isto escapar ao nosso alcance, sofra ao menos possível e tenha uma morte serena e digna. Trata-se de um conceito parcial e negativo da saúde, que não se ajusta bem aos anseios profundos do ser humano. A saúde relaciona-se primordialmente à plenitude da vida ou, segundo a definição da Organização Mundial da Saúde, a um “estado de completo bem-estar físico, psíquico e social”, ao qual acrescentaríamos, como cristãos (e conosco todos os espiritualistas), completo bem-estar espiritual. O conteúdo vital do ser humano dispõe de potencialidades limitadas e ricas ao mesmo tempo, que devem ser explicadas ao longo da vida para que possa alcançar a sua maturidade plena e a sua realidade total. A explicação normal das potencialidades contidas no homem pode ser favorecidas ou obstaculadas por fatores internos e externos, que geram, inclusive, a doença, um mal sempre à nossa espreita e diante do qual podemos sucumbir em parte ou por inteiro. Deficiência significa ausência de algo que faz parte do ser para que possa sentir-se em condições normais de ser, sejam elas de ordem genética, isto é, falhas constitutivas do ser, ou de proveniência externa, como as que resultam de um meio ambiente desfavorável por circunstâncias estranhas ao homem ou por culpa dele. As primeiras escapam quase por inteiro à responsabilidade do homem, apesar de todos os progressos científicos já realizados neste campo. Certas hereditariedade genéticas só se decantam com o decorrer de gerações; outras ainda se acentuam, sem esquecer que outras, ainda, podem ser adquiridas ex novo, por circunstâncias quase sempre desconhecidas, que constituem o misterioso jogo genético, sempre presente às gerações humanas ao longo de sua caminhada. Os condicionamentos externos também exercem sua inteligência no jogo genético Carências alimentares, que se prolongam por gerações
seguidas, diminuem a qualidade genética de forma acentuada, como certos vícios, do tipo alcoolismo ou drogas, deixam seus rastros. As segundas, isto é, as falhas provenientes de fatores externos, são mais facilmente controláveis pelo homem, muito embora nem sempre tenhamos condições efetivas para tanto, sobretudo em certas circunstâncias, Haja vista o que ocorrem em séculos passados com as epidemias, a peste negra ou bubônica, por exemplo, e ainda hoje ocorre com o câncer, e até há pouco com a poliomielite. O despreparo científico deixava-nos ou deixanos totalmente inermes. A saúde no contexto da maldade humana Outras falhas, porém, acontecem por omissão nossa ou por ações que, direta ou indiretamente, contrariam os interesses da vida, quando não a agridem frontalmente. Basta lembrar, para este último caso, o aborto provocado e toda a “indústria” que floresce ao seu redor, com milhões de vidas ceifadas em sua fase insipiente, em parte por ignorância, em parte por uma concepção equivocada de vida em seu conjunto, e em parte, talvez ou sem talvez, por interesse abomináveis. Mas como, para a maioria da humanidade, se trata de um fato chocante, a reação teórica não deixa de se fazer sentir, muito embora a reação prática nem sempre seja adequada. Outras omissões e ações, porém, são mais sutis, embora seus efeitos negativos sobre a vida sejam, a longo ou curto prazos, tão graves como as outras, e igualmente imputáveis à humanidade, ainda que de forma não muito personalizadas, como certas prioridades nacionais que atendem mais a uma idéia abstrata da grandeza do “Estado” do que às necessidades imprescindíveis dos homens concretos do momento. Exemplo é a corrida armamentista, tão generalizada hoje e de custos tão elevados, enquanto centenas de milhões de pessoas fenecem à míngua de alimentos ou de condições adequadas para morar. A vida e seu bem-estar, neste e em muitos outros casos, fica posposta ou subordinada, numa evidente subversão da escala de valores. Nada interessa tanto ao homem quanto sua vida e seu bem-estar global ou, noutras palavras, a sua saúde total. Com isto chegamos à raiz última dos problemas de saúde, isto é, o pecado, que não é nada mais nada menos que uma atitude inadequada do homem perante a vida e seus valores, atitude que gera desequilíbrio e mal-estar, miúdos ou abrangentes, que chegam a tomar feição de traço cultural. Considere-se no caso, o mau hábito do fumo e seus efeitos nocivos, divulgada através de propaganda maciça e sofisticada. O tabagismo, que patrocina programas de lazer ou carreia dinheiro para os cofres públicos, diminui a vitalidade humana, acarreta doenças e demanda crescentes ações terapêuticas. No caso do fumo, trata-se de mero derivativo da vida, de cuja abstenção para a pessoa não viciada não resulta qualquer carência. Por outra parte, existem exigências que, no seu conjunto, não estão merecendo a devida atenção, como a alimentação, a moradia, o saneamento básico, a salubridade ambiental, a segurança do trabalho e no trânsito, além de muitas outras, que comprometem a vida e sua integridade, impedindo a sua plena explicação quantitativa e qualitativa. A isto poderíamos acrescentar a prolongada ausência dos pais junto a seus filhos menores, e o que isto representa para a evolução normal do mundo afetivo das crianças e os desequilíbrios que isto acarreta, desequilíbrios estes que podem assumir conotações tipicamente patológicas. Saúde, uma questão de atitude de vida
Como se vê, a saúde, como plenitude de vida e estado de completo bem-estar, tem raízes profundas, que envolvem todo o comportamento humano individual e coletivo. Fundamenta-se numa reta concepção de vida e numa estrutura de comportamento individual e social adequada e permanente. A abundância e boa distribuição de profissionais da saúde qualificados e a suficiência de recursos terapêuticos figuram, neste contexto, como secundários. Só em segunda instância deveriam entrar em campo. Os profissionais de saúde e os recursos terapêuticos voltam-se primordialmente- pelo menos na atual realidade brasileira e também mundial – para a correção do mal que já acontece e que nem sempre sabemos corrigir. Melhor mesmo é enviar todos os esforços possíveis para que ele não aconteça. Para isso, o melhor remédio seria não usar remédio, mas sanear nossas atitudes de vida, alienadas ou contrárias às exigências da vida. A Pastoral, concebia com o anúncio e implementação para vivência dos valores evangélicos e bíblicos em geral, tem muito que ver com a saúde, tomada em seu sentido mais amplo. A expressão crítica: “minha palavra é palavra de vida” volta-se para a meta messiânica: “Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em abundância”. E vai mais além: “Quem crê em mim, embora morto, vive”. Pastoral e saúde, portanto, estão intimamente ligadas. E quando se fala em “Pastoral da Saúde” não podemos introduzir dicotomias com a Pastoral Geral da Igreja ou do cristianismo. A Pastoral da Saúde é um traço da Pastoral Geral, perfeitamente integrada e articulada com o todo evangélico, eclesial e humano. É impossível fazer Pastoral Geral sem levar em conta a Pastoral da Saúde, como é impossível levar avante a Pastoral da Saúde sem assumir a Pastoral Geral e os interesses globais do homem. É a visão integral do homem, como um todo harmônico, com todas as suas exigências. Preterir uma de suas exigências significa desbalançar o todo e comprometer o seu bem-estar que, na prática, é indivisível. Isto, porém, não invalida a Pastoral da Saúde como pastoral específica, com objetivos próprios, embora subordinados aos objetivos da Pastoral Geral. Saúde, uma questão da Igreja A pastoral da Saúde, como tarefa eclesial, fundamenta-se em dados revelados e encontra sua força no testemunho de Cristo, que “percorria as cidades e aldeias, curando toda sorte de doença e enfermidade”, e na presença perene do Espírito. A força pastoral da Igreja está “no nome do Senhor” e no poder sobrenatural que dele emana e que foi conferido à Igreja. Como instituição formada de homens e encarnada entre os homens, a Igreja caminha com eles, evitando toda e qualquer dicotomia improcedente, por toda a criação é obra de um só e mesmo Deus. A especialidade da ação da Igreja não a contrapõe a valores humanos da ciência e da técnica que estão a serviço da saúde como um bem humano fundamental. Muito menos entrevê no desenvolvimento das ações da saúde por parte de outras organizações nãoeclesiais um período de concorrência a ser repelida. Em poucos campos os anseios gerais da humanidade – tanto dos crentes quanto dos não-crentes – e da Igreja coincidem tanto como na área da saúde. Graças à evolução histórica, política e social dos últimos séculos – e nas últimas décadas, a corrida nesse sentido se acelerou -, a tarefa básica de preservar, promover e restaurar a saúde tonou-se uma tarefa leiga e secularizada, implementada, organizada e conduzida pelo Estado, que se encarrega, inclusive, de arrecadar os fundos necessários para tanto. Em muitos casos, o Estado permite, embora sob seu controle, uma ação mais o u
menos ampla da iniciativa particular, mesmo por parte da Igreja. Trata-se, sem dúvida, de uma concessão de conveniência, cuja durabilidade varia de país para país, e ninguém pode prever por quanto tempo durará. Mas, mesmo que tal concessão desapareça, a ação da Igreja na área da saúde não deverá desaparecer, pois ela emana de sua doutrina e não conflita com a ação do Estado, mas a complementa em profundidade, proporcionando-lhe os valores recônditos da vida e da saúde à luz da Revelação. Pastoral da saúde como anúncio A Pastoral da Saúde, portanto, não se volta primordialmente para ações de terapias, de saneamento básico, de nutrição e dietética ou de formação técnica de profissionais da saúde, nem tampouco de pesquisas científicas ou de planejamento de saúde. Pode fazer também isso, mas não como ação especificamente própria, Poderá fazê-lo como ação supletiva face a necessidade urgente e não atendidas, ou para testemunhar, através dessas ações, a sua maneira própria de conceber tais ações. A Pastoral da Saúde anuncia os valores da vida humana, hauridos à luz da Palavra revelada, e chama a atenção tanto do indivíduo quanto da sociedade sobre o dever preservar e promover esses valores, sob pena de incorrer em riscos no que tem de mais fundamental: a vida, raiz e fundamento de toda a participação cósmica do homem, e a saúde, condicionamento indispensável para a sua plenitude de participação. A vida é um dom gratuito, mas também uma vocação. Como vocação, encerra um apelo intrínseco á própria vida e ao qual nenhum homem pode renunciar, seja tirando-se a vida, seja diminuindo suas potencialidades ou descurando seu desenvolvimento pleno. Seria uma frustração total ou parcial diante do Criador. É o que chamamos de pecado contra a vida e contra a saúde. A vida, porém, não é de interesse apenas de quem a recebeu. Ela pertence também à coletividade pelos benefícios que dela decorrem para todos. Colaborar para a preservação e promoção plena da vida de todos torna-se um dever de cada um, como também evitar de obstaculá-la ou prejudicá-la. A vocação à vida engaja cada homem e todos os homens numa tarefa delicada e imensa, que não parte de uma opção livre e descompromissada, mas a uma submissão total ao dom que recebemos e ao desígnio de quem o recebemos, para que procedamos à reta “administração” dos valores contidos no dom da vida e das circunstâncias ambientais que lhe dão apoio, isto é, o mundo externo, com tudo o que o liga a nossa vida. Pastoral da Saúde como denúncia Ao lado do anúncio, a Pastoral da Saúde procede também à denúncia, tarefa que consiste em revelar aos homens suas incongruências e omissões perante a vida e a saúde. Neste sentido, a Pastoral da Saúde tem hoje um campo imenso de ação, pois são tantas e tamanhas as aberrações que não há quem delas se possa furtar, muito menos a Igreja. Tais deficiências não se situam primordialmente no mundo terapêutico, apesar de todas as mazelas que o acompanham, mas no contesto geral de nossa vida. Basta lembrar nesse sentido as agressões à ecologia, as carências alimentares e habitacionais que afligem amplos estratos da sociedade, os sistemas de segurança de trabalho e de trânsito, o uso de drogas maléficas, o abortamento e a contenção da natalidade a qualquer preço, os menores abandonados, a criminalidade crescente etc. São tantas e tamanhas as falhas que podemos
afirmar, sem ofensas a ninguém, vivermos numa sociedade de cultura de descaso, ou melhor, de menosprezo pela vida. Eis aí, portanto, o pano de fundo da Pastoral da Saúde, uma pastoral rica e ampla, além de urgente, voltada para a vida e as condições de saúde e sua melhoria, numa caminhada longa e difícil de mudanças de mentalidade e de estruturas, à luz da Palavra de Deus, a fim de que “todos tenham vida, e a renham em abundância”, isenta de frustrações presentes e de decepções escatológicas. A Pastoral da Saúde diante dos doentes E os doentes, onde ficariam neste caso? Em primeiro lugar, a doença diminuiria em muito a sua agressividade e, em segundo lugar, disporíamos de melhores condições para atender bem os doentes. Os especialistas em saúde concordam, hoje, que a maioria das doenças que fere e matam os homens, sobretudo nos países em desenvolvimento, poderiam ser evitadas sem grandes esforços científicos ou financeiros. Bastaria apenas uma atitude diferente e mais sábia perante a vida e seus valores e o conseqüente reescalonamento das prioridades culturais, sociais, políticas e econômicas dos povos. Adoecemos e morremos, em grande parte por falta de valores básicos ou de sabedorias. Mas, por mais esforços que façamos em favor da vida e da saúde, a doença e a morte serão sempre nossas companheiras inseparáveis. E deveremos continuar fazendo tudo quanto esteja ao nosso alcance para proporcionar ao doente e ao moribundo nossa solidariedade terapêutica, psicológica e espiritual, para que recupere a saúde, se restabeleça plenamente ou entre na eternidade na plena paz dos filhos de Deus. O cristianismo e a Igreja jamais se omitiram nessa tarefa. Antes, a encararam como um dever inerente a todo o ser humano e imposto por Cristo como um dever inerente à caridade fraterna, sem a qual ninguém se realiza e se salva. Mas também aqui não bastam ciências, técnicas, hospitais e profissionais competentes. Faz-se necessário que, sobre tudo isso, paire o Espírito de Deus, que renova e dá sentido a todas as coisas.
LEALDADE E PALAVRA DADA Hubert Lepargneur Se a ética é racional, ela é coerente e isto se traduz socialmente pela recíproca lealdade dos agentes. Toda sociedade repousa sobre o respeito à palavra dada. Constituição, lei, regulamentos, quando não observados, sobremaneira quando isto não provoca nenhuma reação das autoridades constituídas, traduzem a anomia (falta de regra), que constitui uma doença muito séria, atingindo o indivíduo ou uma sociedade. A Câmara Federal não se teria preocupado com a fraude de nobres deputados durante uma votação, em junho último, se a reação pública não tivesse sido, desfavorável: reação auspiciosa! Quando a justiça oficial não pune o crime óbvio, como evitar que nasça uma justiça paralela, mais ou menos privada, por via de subsidiaridade, como é normal ocorrer em caso de falta de outros serviços públicos? Houve progresso após o caso de Ronaldo Guilherme de Souza Castro e Cássio Murilo, autores, em 1959, da morte de Aída Curi, provavelmente após tentativa de estupro, e que não ouviram qualquer sentença punitiva contra eles? Leis nunca faltaram quantitativamente no Brasil. Existe até um Estatuto da Terra, para ajudar a solucionar ou evitar pendências imobiliárias rurais. Nem Constituições faltaram em toda a América Latina. De todas as pessoas “importantes: que levaram à
situação em que se encontrava o País, no início de 1985, quantas foram realmente incomodadas por ter quebrado a lealdade elementar e o convênio social incorporado nas leis? O sacrifício de alguns para consertar os danos que outros avolumam com rapidez e esperteza muito maiores faz pensar no tonel das danaides. Esta lealdade que deve permear a conduta do cidadão normalmente é absorvida como leite da primeira educação. Não dão os pais das famílias afortunadas que mais tempo dedicam em trocas com os filhos: estamos longe das duas horas diárias de convivência exclusiva de que dispõem pais e filhos dos kibutzim israelenses, cuja operosidade é conhecida. Os pais abdicam de seus deveres educativos tradicionais em prol da televisão, confiando talvez no slogan segundo o qual ninguém educa ninguém. Se há algo a entender através das notícias diárias, além da violência que se espalha e vem ao encontro da agressividade natural da criança, é que a desonestidade recompensa com freqüência incentivadora: pelo menos para pessoas importantes, o máximo que possa ocorrer é a constituição de uma das comissões de inquéritos que costumam se extinguir sem haver feito nenhuma luz. Os frutos da deslealdade e quebra de palavra são observáveis, óbvios e por vezes calamitosos quando repercutem em cascata. Sartre observou que o indivíduo está impossibilitado de seguir a regra normal quando o meio não a respeita: neste caso, não se deveria mudar ora a norma, ora o comportamento do meio? A deslealdade individual faz crescer a desconfiança dos outros, de todos os outros. Para tentar proteger-se, a sociedade multiplica os controles, fazendo crescer custos inúteis (e nem se evitam as numerosas fraudes do INAMPS). Em muitas grandes cidades européias, os bondes ou ônibus urbanos circulam sem trocador nem fiscal para o controle regular do pagamento da passagem: a economia está subordinada à honestidade média. Tendo despachado de Paris dezenas de pacotes de livros, posso dizer que nunca um só foi aberto para averiguação do conteúdo; dos muitos outros que despachei do Brasil, nenhum escapou à completa investigação dos conteúdos. Uma sociedade confiante não é apenas mais feliz por isso, mas mais próspera; a confiança repousa sobre o respeito habitual da palavra ou norma. A desconfiança gera a burocracia, sua proliferação cancerosa, seu autoritarismo anônimo, seu desprezo habitual pela pessoa e pelo seu tempo: mal crescente na maioria das sociedades, segundo sociólogos confiáveis. Lealdade individual e confiança social se correspondem: ética é racional. Subindo um degrau na estrutura da economia social, observamos que o crédito financeiro depende de imponderáveis de confiança, tanto em nível nacional quanto internacional. Como não perceber uma contradição, quando se afirma que a imagem do País inspira total confiança, quando cresce o valor dos “spreads” aplicados ao mesmo, desde que o “spread” mede exatamente a confiança que se tem no crédito duma nação? Em nível interno, os enormes empréstimos tirados da poupança popular sob cobertura de capitalismo de risco e lucro, que desaparecem em misteriosos buracos negros alguns anos depois e conseguem ser reembolsados com fundos públicos, ilustram um processo traiçoeiro do bem comum, em prol de categorias já privilegiadas, não correspondem à ética e tampouco às regras normais do capitalismo, que recusa o divórcio do risco e do lucro, já que esta aliança é seu motor natural, junto com o trabalho e a criatividade. Falta generalizada de confiança social: tão profunda doença do ethos duma comunidade não aparece nem desaparece da noite para o dia , nem prolifera sem vastas cumplicidades. Tanto a saúde política quanto a prosperidade econômica duma nação postulam sua credibilidade do ponto de vista da lealdade interna e externa. Os déficits
orçamentários públicos não só praticados, mas celebrados entre nós por eminentes “economistas” arriscam avolumar dívidas que não engrossam a credibilidade de nação nenhuma. Vamos melhorar, agora que a dívida externa dos Estados Unidos começa a superar o total daquilo que lhes devem as outras nações?