ROTEIRO DE REFLEXÃO PARA AS EQUIPES DA PASTORAL DA SAÚDE Júlio Munaro Natal é a festa da fraternidade, da solidariedade, da preocupação com os outros, sobretudo com os desvalidos e necessitados. No Natal, as pessoas mexem o seu íntimo, escolhem os melhores sentimentos que guardam em seu coração e deixam que corram soltos. Parece que, nesta época, todos os homens se tornam bons. Todos parecem compreender que vale a pena amar os irmãos, e fazer o bem a todos, mesmo com sacrifício. O exemplo, aliás, vem do alto: “Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho único”(Jo 3,16). O Filho, por sua vez, nos garante: “Eu não vim para julgar o mundo, mas para salvar o mundo”(Jo 12,47). Esta é a essência do Natal, o motivo da nossa alegria. Somos amados por Deus. Devemos amar-nos uns aos outros. Este é o grande segredo da vida que começa com o Natal. O profeta Isaías, prevendo a chegada do Redentor, nos incentiva: “Fortalecei as mãos abatidas, revigorai os joelhos cambaleantes. Dizei aos corações conturbados: sede fortes, não temais”( Is 35,3-4). Os doentes, os deficientes, os idosos estão aí. Fazem parte da nossa comunidade. Eles também celebram o Natal. Contam com o nosso Natal. Não aparecem em público. Não procuram ninguém. Apenas aguardam. Aguardam você – sim, você! – que é seu parente, seu vizinho, que se diz seu amigo. Não lhe pedem muito: só uma atitude de amigo, um gesto de solidariedade, uma palavra de conforto, a promessa de visitá-los sempre. Eles – os doentes – só aguardam. Cristo – o festejado do Natal – manda: “visitai os doentes!” Um e outros contam conosco. Iríamos nós decepcioná-los? Mas, após o Natal, vem o Ano Novo, entra o Carnaval... Nossos sentimentos se alteram, as preocupações se encavalam, não sobra tempo para mais nada. Os doentes, no entanto, continuam aí, sofrendo no corpo, abatidos no espírito. Aguardam por alguém. Esperam por você. Não se esqueceram de você. E você, que lugar guardou para eles em sua vida? Um cantinho sagrado, exclusivo para eles, do qual não abre mão? Acabadas as festas, começam as preocupações das atividades do ano. São mil tarefas que temos pela frente, todas reclamando prioridade, todas exigindo recursos e tempo. A escolhas tornam-se difíceis. Mas convém lembrar que, quando os discípulos de João Batista foram perguntar a Jesus se ele era o Messias, ou se deviam esperar por outro, Jesus respondeu-lhes: “Ide contar a João o que estais ouvindo e vendo: os cegos recuperam a vista, os coxos andam, os leprosos são purificados e os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e os pobres são evangelizados. E bem-aventurado aquele que não ficar escandalizado por causa de mim” (Mt11,4-6). Não se trata de grande coisa. Trata-se apenas das prioridades de Jesus como Messias, com o importante acréscimo de não se escandalizar dele e, creio eu, do que ele fazia. Na vida e na pastoral, existem coisas e atividades que não admitem discussão quanto à sua prioridade. São simplesmente necessárias. Se não as atendermos, fracassaremos. Na pastoral, muitas vezes planejamos o secundário e deixamos o essencial ao léu da sorte. Quando abrimos os olhos, percebemos que nos distanciamos das prioridades estabelecidas pelo próprio Cristo. O Natal é uma festa de esperança e o Ano
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Novo é sempre uma promessa. O Natal nos renova. O Ano Novo nos engaja. Por isso, repetimos as palavras de Isaías: “Os resgatados de Javé voltarão, virão a Sião com canto jubiloso, trazendo consigo uma alegria perene” (Is 35,10). Alegria, entusiasmo, doação no amor é o que desejamos a todos os agentes de pastoral da saúde e visitadores de doentes. Para os doentes somos mensageiros de Cristo, os portadores do seu amor e do amor do Pai que o enviou.
O REMÉDIO PARA A FERIDA DAS DIVISÕES Apresentado por Frei Leonardo Martin, “Evangelização e Ecumenismo” foi o segundo tema da manhã de 4 de setembro, também o segundo dia do VI Congresso Brasileiro de Humanização e Pastoral da Saúde, promovido em São Paulo. E Frei Leonardo introduziu o tema a partir da Carta aos Efésio (4 1-6), em que São Paulo lembra a unidade do Corpo de Cristo, todos os batizados formando um só corpo. Se esse corpo tivesse saúde perfeita – disse ele -, poder-se-ia fazer muito mais pela evangelização, “mas esse corpo está doente”. Tal doença é exatamente a divisão que acontece no seio da Igreja, provocando diversas feridas, que, além de constituírem negação à ordem de Cristo (“que todos sejam um”, conforme diz São João) – acentuou -, são causa de escândalo para o mundo e comprometem a tarefa evangelizadora, gerando o pecado, sob a forma de resistência à mensagem cristã. Sempre comparando as divisões havidas na Igreja à doença, Frei Leonardo historiou as acontecidas no Oriente, em especial nos anos 454 e 1054, conseqüências de questões políticas e sociais, e as observadas no Ocidente, a partir de 1517, que persistem ainda hoje, produzindo novos efeitos. Tais doenças foram-se alastrando por todo o Corpo da Igreja, resultando no Luteranismo, Calvinismo, Anglicanismo, Igreja Batista, Metodista, Pentecostais (Assembléia de Deus, Quadrangular, Congregação Cristã, Brasil para Cristo), Adventista, Testemunhas de Jeová, Mórmos, seitas orientais, como a Seicho-No-Iê, Messiânico e Moon. Com essas divisões, o Corpo vai-se enfraquecendo – afirmou Frei Leonard -, completando que a culpa deve ser atribuída a todos os cristãos, já que decorrente de relaxamento moral e da infidelidade ao Evangelho. No entanto, disse ele, existe um remédio forte para tal doença: exatamente o Ecumenismo – palavra de origem grega, que significa “todo o mundo habitado, moradores, gente”, mas nem sempre bem compreendida. O Ecumenismo – acentuou Frei Leonardo – se caracteriza pela solicitude em relação à unidade da Igreja, preocupação que deveria ser comum a todos os cristãos, e por uma espiritualidade que pressupõe antagonismo e qualquer radicalismo e fanatismo religioso. Daí não ter sentido o comportamento de grupos que, fechados em si mesmos, se negam a promover o objetivo ecumênico. O movimento ecumênico – enfatizou Frei Leonardo – deve ser entendido como fruto da ação do Espírito Santo, levando as Igrejas no rumo da renovação e os cristãos à conversão. Daí resultam orações, diálogos, estudos e trabalhos conjuntos, definidos e organizados, visando restaurar a unidade de comunhão visível da Igreja. Constitui mau uso do remédio indicado para curar as doenças da Igreja, contudo, alertou o conferencista, pretender do Ecumenismo o que ele não é. E, entre o que classificou de “uso errado” do Ecumenismo, citou: a) participar de um culto ecumênico e
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agir como se as nossas diferenças não existissem ou fossem sem importância; b) ceder em pontos doutrinários fundamentais, para chegar a um denominador comum, agradável a todos; c) pretender formar uma super-igreja, onde pudesse haver uniformidade completa; d) considerar como objetivo exclusivo trazer de volta à Igreja Católica todos os outros cristãos; e) fazer proselitismo, aliciando pessoas de outras confissões, para ter a “nossa” Igreja; f) discutir o passado, acusando os demais de erro, culpa, pecado. O uso correto do remédio – disse Frei Leonardo – supõe compreender em profundidade as razões fundamentais do Ecumenismo. O movimento tem suas bases assentadas na fidelidade cristã ao apelo de Cristo – “que todos sejam um”. Por isso, o Ecumenismo busca restaurar a unidade visível da Igreja e luta para conseguir a fraternidade humana, a justiça, a paz, através da conversão. Daí só se pode admitir o Ecumenismo, amando e respeitando o irmão em sua crença , conhecendo as outras religiões, orando e trabalhando juntos. A seguir, historiou Frei Leonardo os principais momentos do movimento ecumênico, desde que as Igrejas se deram conta da possibilidade de utilizá-lo como remédio para curar a doença da divisão. Assim, no Protestantismo, as ações formalizadas em 1949 pelo Conselho Ecumênico das Igrejas – CMI e, no Catolicismo com o Concílio Vaticano II. Detendo-se mais especificamente no âmbito do Concílio, disse Frei Leonardo que, antes de sua realização, o ambiente na Igreja Católica era de desconfiança e distanciamento em relação ao Ecumenismo – comportamento radicalmente alterado, porém, após o Vaticano II, que marca o ingresso “oficial” da Igreja no movimento. E acentuou que, como ensina o Concílio Vaticano II, a Igreja fundada por Cristo subsiste, sem sombra de dúvidas na Igreja Católica, mas embora somente nela se possa atingir plenamente os meios de salvação – o católico pode não se aproveitar desses meios e, portanto também dispõem de meios de salvação, e seus membros podem assegurar-se, assim, a salvação. Numa atitude sadia de reconciliação – como destacou o conferencista -, a Igreja hoje valoriza as demais confissões religiosas e se considera ligada aos batizados que são ornados com o nome de Cristo, admitindo a existência de “irmãos separados”, mas não mais os considerando “hereges”. E assim age por entender que: a) existem irmãos separados de nós, que realizam ações sacras da realidade cristã, as quais podem produzir realmente a vida da graça e são capazes de abrir as portas à comunhão salvadora; b) essas Igrejas também são usadas pelo Espírito Santo como meios de salvação dos homens; c) essas Igrejas professam, como a Católica, que Cristo, Deus e Senhor, é único mediador entre Deus e os homens, fonte e centro de comunhão eclesiástica; d) o amor, a veneração e o quase culto da Sagrada Escritura levam nossos irmãos a um constante e cuidadoso estudo da Página Sagrada, na convicção de que o Evangelho é a força de Deus para a salvação de todo aquele que crer; e) pelo sacramento do Batismo, ministrado nessas Igrejas, o homem é verdadeiramente incorporado a Cristo Crucificado, glorificado e regenerado para o consórcio da vida divina; f) nessas Igrejas, quando, na Santa Ceia, se rememoram a paixão e ressurreição do Senhor, confessa-se também ser significada a vida na Comunhão de Cristo e se espera seu glorioso advento;
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g) a vida cristã dos irmãos é, igualmente, alimentada pela fé em Cristo, fortalecida pela graça do Batismo e escuta da palavra, manifestada na oração particular, na meditação bíblica, na vida familiar, no culto da comunidade congregada para o louvor. E essa fé em Cristo produz frutos de louvor e ação de graças. Por causa da fé, os irmãos têm um vivo sentido de justiça e uma sincera caridade para como próximo. De seu lado – enfatizou também Frei Leonardo -. A própria Igreja assumiu alguns valores da Reforma, como a valorização da Palavra e da pregação, a catequese, a liturgia o sacerdócio de todos os fiéis, a fé e vivência pessoal, a necessidade de sempre buscar o aprimoramento, a liberdade religiosa e a reformulação de seus conceitos sobre o papel do leigo na Igreja e no mundo. Abordando, em seguida, qual tem sido a prática ecumênica – que comparou ao modo de se usar o remédio para curar as feridas que se quer cicatrizar -, Frei Leonardo referiu-se ao diálogo hoje em prática, a nível teológico, com 10 comissões internacionais em ação, fruto da lição evangélica de ir ao encontro do irmão (Tg 5,14). Na prática sacramental, referiu-se ao reconhecimento, pela Igreja, do batismo ministrado em certas Igrejas como válido, a normas para intercomunhão e matrimônios misto, salientando avanços já alcançados com as Igrejas abertas (Luterana, Anglicana, Metodista), graças a movimentos comuns, citando particularmente e Movimento de Fraternidade das Igrejas Cristãs – MOFIC, na prática não sacramental. Com as Igrejas fechadas (Batista, Adventista, Pentecostais etc.), disse Frei Leonardo, as dificuldades de entendimento são, porém, maiores, em razão de temores infundados. Para algumas Igrejas, o ecumenismo não passaria de “tática” da Igreja Católica de evangelizar, confundindo-se esse objetivo com o de simplesmente “fazer adeptos”. Pesam, também, nesse campo noções equivocadas quanto à devoção popular e crença católica, além do empecilho do proselitismo, firmando-se a convicção de que apenas essas Igrejas estão com a verdade. Para Frei Leonardo, tais dificuldades não devem, porém, ser motivo para desânimo. Nossa resposta – disse – deve ser a sugerida em Romanos 15, 1-2: “Nós, que somos mais fortes, devemos suportar a fraqueza dos fracos e não buscar a nossa própria satisfação”, pretendendo impor nossa maneira de expressar a nossa fé a nossa Igreja, Por isso, o comportamento cristão será “ajudar o doente, humanamente falando”, mostrar nosso amor, encorajar, dar esperança, enfim respeitar o irmão, não ferir-lhe a consciência e especialmente não tentar impor nossas convicções na hora da fraqueza. O fanatismo religioso – frisou Frei Leonardo – não tem sentido quando o que se busca é compartilhar tudo o que é fundamental no Cristianismo, presente nas Igrejas e que assim sintetizou: • a mesma fé em Cristo Redentor e seu Pai, • a graça que provém da obra salvífica de Cristo, • a Palavra de Deus, que reverenciamos e que nos alimenta a todos, • Batismo, pelo qual somos um em Cristo, membros de seu Corpo, Igreja, • A Eucaristia – a Ceia do Senhor, • O fervor apostólico, que emana do Espírito Santo, • O amor a Deus e ao irmã, expressos no serviço desinteressado, • A esperança da eventual união com o Pai e de uns com os outros em Cristo. E concluiu: para a perfeita saúde deste Corpo, que é Igreja, o essencial é lembrar o que Cristo nos diz – “Eu vos dou um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros.
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Assim como eu vos tenho amado, vós deveis também amar uns aos outros. É pelo fato de vos amardes uns aos outros que todos conhecerão que sois meus discípulos” ( Jo 13,34).
UMA PASTORAL VERDADEIRA E EVANGÉLICA DEVE LEVAR EM CONTA O ETHOS DO POVO Ultima apresentação do primeiro dia do Congresso, o tema “Exigências éticas do Evangelho no contexto da saúde” foi desenvolvido por Frei Paulo Goularte, que iniciou seu pronunciamento apontando três tendências diferentes e habitualmente encontradas, num enfoque sociológico, no comportamento das pessoas em relação ao Evangelho e sua práxis. A primeira delas é pretender assegurar a salvação eterna através do que, em sua opinião, seria o mandamento evangélico. Esse catolicismo de salvação eterna – acentuou desde logo Frei Paulo – revela um supernaturalismo desencarnado. Características desse comportamento podem ser encontradas em dois tipos diversos de “católicos”: o que tem satisfeitas suas aspirações de vida e transpõe o bem de sua existência para a vida eterna, e o que considera sua vida como um fracasso. Este tende a ver o catolicismo sem maior vinculação com a vida terrena, foge do compromisso social que lhe é imposto pela vivência dos valores evangélicos e encara a caridade como algo a ser praticado no seu próprio interesse, por ser ocasião para garantir-se a posse de méritos eternos. Outros tipo seria caracterizado pelo que Frei Paulo conceituou como “catolicismo horizontalista”, por reduzir o homem a uma pessoa inserida em seu ambiente e âmbito de convivência, mas sem abertura para a transcendência, para o absoluto. Marca desse tipo é o “messianismo intramundano”, concepção da prática evangélica que torna “fácil” a missão pastoral. Assim como a adoção de uma moral austera, mas que não percebe Deus como causa das coisas. Um terceiro posicionamento seria o que Frei Paulo identificou como “catolicismo sócio-eclesial”, transformador, que vê o mundo como um dom de Deus, que nos fez a todos sócios na sua administração. O católicismo, aqui, pressupõe obrigatoriamente o espírito comunitário, a atuação de cada um impregnada da missão caritativa e de serviço, de que Cristo é o modelo mais perfeito. Dentro desse contexto e visão, a Pastoral da Saúde, para Frei Paulo, encarnaria a esperança no futuro absoluto e só se torna possível, como ação verdadeiramente cristã, num empenho efetivo pelo bem do próximo, pois – como acentuou ele – a eternidade é um desabrochar desta vida. Abordando, sem seguida, aspectos relacionados com a moral na evangelização, afirmou o conferencista que moral sem abertura sobre a perspectiva de uma vida futura não passaria de altruísmo, e chamou a atenção para a necessidade de atender para a “evangelização da moral”. De modo geral, os horizontes morais – disse – se limitam por aspectos ligados ao legalismo, ao status, à ciência, apresentando-se um discurso pleno de palavra complicadas, que poucos, porém, entendem. Por vezes, a própria religião é usada, apresentando-se a Bíblia como uma “caixa repleta de respostas”, ou baseando o comportamento do agente de Pastoral num fundamentalismo dogmático, em que simplesmente se apresentam as questões como “definidas e pronto”. Ao contrário, a verdadeira evangelização deve propor-nos sempre a pessoa humana como criada à imagem de Deus. Daí a necessidade de se estudar e conhecer o ethos, os valores do povo.
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A Pastoral da Saúde efetivamente evangélica, para Frei Paulo, deve, assim, valer-se dos costumes e experiências do povo, para reintegrar tudo o que é válido à sua ação. E não deve perder de vista, para ser fiel ao Evangelho, sua função profética, de denúncia crítica, anunciando o bem, mas também combatendo o mal, representado pela desumanidade em todos os seus níveis. Dinâmica em sua ação e atuação, concluiu Frei Paulo, a Pastoral da Saúde deve estar aberta às novas exigências da vida, promovendo o crescimento moral e o crescimento na fé de forma harmônica e concomitante. E lembrou Filipenses 4, 8-9, acentuando, como o Apóstolo: “Isto praticai e o Deus da paz estará convosco”.
O SERVIÇO PRECISA BUSCAR SUA MOTIVAÇÃO NA PRÓPRIA VIDA E EXEMPLO DE CRISTO Primeiro dos temas abordados na programação da tarde de 3 de setembro, “Linhas evangélicas de fundo para uma Pastoral da Saúde”, foi desenvolvido por Frei Gilberto Gorgulho, que conceituou, desde logo, a Pastoral da Saúde como as “encarnação do coração do Evangelho”, por lidar com a morte e ressurreição, tendo sempre a Cruz como fonte de vida e inspiração. Desenvolveu o tema, Frei Gorgulho indicou as motivações que devem sustentar a ação (serviço) da Pastoral da Saúde , hauridas na própria missão de Jesus Cristo – libertadora do homem e que apresenta os sinais do Reino de Deus, marcadamente através de sinais em favor dos pobres e doentes, curando e mesmo devolvendo a vida. Sempre com referências a passagens do Evangelho, o conferencista destacou especialmente os seguintes aspectos: • as ações de Cristo restituem a vida às pessoas, a vida completa, atingindo a totalidade do ser humano, chegando preferencialmente aos pobres; • os milagres de Jesus Cristo abrandem todas as funções do ser humano (os olhos, as mãos,os pés, os ouvidos, a fala); • a purificação dos leprosos (numa sociedade autoritária, que os afastava de seu convívio), através da cura, representa uma contestação à moral e aos costumes da época, da mesma forma que a Pastoral da Saúde constitui, em sua essência, uma crítica à sociedade atual; • tal como no milagre da ressurreição dos mortos, a ação da Pastoral da Saúde deve comunicar vida “germe da ressurreição”, de modo a que, vendo nossa dedicação, o povo possa dizer: “o Reino de Deus está chegando”. A mesma fonte da ação de Cristo é a fonte da Pastoral da Saúde – acentuou Frei Gorgulho, citando Marcos 1, 40-45 e referindo-se à cura de um leproso, ao enfatizar o valor da misericórdia, que conceituou como o próprio ser de Deus, “pois Deus é Amor”, somente em Deu s se revela o Amor em toda sua plenitude. E afirmou que a misericórdia liberta e reintegra o homem – preocupações constantes de Cristo até sua morte, já que, tal como hoje, a sociedade exclui as possibilidades de crescimento das pessoas humanas, ao abrigar discriminações por cor, sexo e condições sociais. Na mesma ordem de idéias, Frei Gourgulho buscou demonstrar a identidade que pode ser encontrada na ação de Cristo ao : Expulsar os espíritos impuros” (exorcismo) e no trabalho junto aos doentes. E, citando Marcos 1, 21-22 – “Jesus é o Santo de Deus”- , acentuou que Cristo é a
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manifestação concreta da verdade e da bondade do Pai, cuja ação também se fez presente sobre pessoas “possuídas pelo espírito impuro”, fruto de uma sociedade injusta e sem amor. Jesus agia para refazer a pessoa em todos os níveis e, tal como deve ser o trabalho dos agentes de Pastoral, sua força e motivação estão na disposição de comunicar a santidade de Deus aos homens. Outro exemplo indicado pelo conferencista da identidade da fonte de ação de Jesus e da Pastoral da Saúde foi a cura da sogra de São Pedro (Mc 1). Restituindo-lhe a saúde e recolocando-a no pleno convívio com os demais, demonstra-se a necessidade do serviço de todos os dias – condição também presente e ressaltada na convivência plena e permanente de Cristo com seus discípulos.
EVANGELIZAR OS AGENTES DA SAÚDE DEVE SER O OBJETIVO PRIMEIRO DA PASTORAL Tema desenvolvido pelo Pe. Júlio Munaro, “Evangelização no mundo da saúde” foi a última apresentação do Congresso, na tarde do dia 6 de setembro, antes de iniciar-se a reunião final de avaliação. De início, procurou ele situar o agente da Pastoral no amplo e complexo mundo da saúde, diferenciando o “campo do paciente” e “o campo do agente”. Este – disse ele – é representado pelo Ministério e Secretarias da Saúde, estaduais e municipais, associações médicas e de enfermagem, instituições profissionais, pela política definida para a restauração da saúde. O mundo da saúde é um mundo secular – constatou o conferencista, para acentuar que, “quem manda no mundo da saúde é o Estado, pois os credos religiosos não produzem o mundo da saúde”. Quando realizam um trabalho nessa área, as Igrejas não podem fazêlo de maneira privada, porque a saúde depende do Estado. Depois de frisar que é natural que o homem deseje viver num ambiente sadio e receber cuidados de saúde, enfatizou o conferencista o alto custo dos serviços de saúde que “aumenta mais que Produto Interno Bruto”. E também destacou que o paciente, muitas vezes, fica desorientado diante da medicina, do mesmo modo que os familiares e a própria sociedade. Daí ser comum o doente entregar-se cegamente aos profissionais da saúde. Nem sempre, porém, disse ele, os profissionais se lembram do homem e de suas exigências inalienáveis. Por isso, as questões que devem estar sempre presentes aos profissionais são: que concepção têm eles do homem? Devem servi-lo ou servir-se deles? “Sobre cada profissão pesa uma hipoteca social, qeu implica em responsabilidade perante a sociedade”- frisou, pois quase sempre, os estudos foram custeados com recursos de terceiros, com os dinheiros públicos. Por isso, reduzir o mundo da saúde ao paciente, disse, é um equívoco. Feitas essas constatações, perguntou o conferencista qual deveria ser o objeto da evangelização: o paciente ou o agente da saúde? Sem embargo da atuação da Pastoral junto aos doentes, “nosso trabalho é evangelizar o indivíduo, a pessoa humana, que, por acaso, é profissional de saúde”- disse. O objetivo será fazer com que o mundo da saúde se comporte segundo os valores do Evangelho (servir o outro e não se servir do outro), E, embora admitindo ser difícil penetrar nesse mundo mais preparado intelectual e cientificamente, a Pastoral deve preocupar-se em realizar um trabalho inteligente e criterioso: verificar a pessoa, a cultura dos agentes de saúde, para tentar modificar o que não se coaduna com o Evangelho.
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A evangelização é própria da Igreja em geral – conclui o Pe. Júlio – e, embora a mensagem seja sempre a mesma, difere em seu enunciado e ênfase segundo as circunstâncias. No entanto, advertiu: a responsabilidade da Pastoral da Saúde não é apenas nos sentido da hetero-evangelização, mas também as auto-evangelização.
SECULARIZAÇÃO DO MUNDO DA SAÚDE E COMO A PASTORAL PODE ATUAR PARA HUMANIZÁ-LO Ao apresentar o tema “Secularização no mundo da saúde”, o Pe. Hubert Lepargneur preocupou-se, de início, em situar no tempo e definir com precisão o que vem a ser a secularização, por ele conceituada como “o processo de distinção do religioso e do profano em áreas culturais independentes”. E afirmou que “a secularização pode virar secularismo, se a sociedade em conjunto optar por uma ideologia unitária e atéia”, embora frisasse que, “normalmente, porém, a secularização se apresenta na esteira do pluralismo democrático, que não abriga o cidadão a determinada opção de crença”. Segundo o conferencista, o fenômeno não é novo, pois notado já no século IV antes de Cristo, através de Aristóteles, “na Roma dos dois Primeiros séculos de nossa era, ou na Idade Média, nos séculos XIV e XV”. Contudo assinalou, particularmente em relação à saúde “houve época medieval em que a investidura clerical simbolizada pela tonsura era prelúdio obrigatório para o exercício das funções médicas”. Ao proceder à análise políticosocial do fenômeno, admitiu que “não está patente que a secularização seja um processo unitário e irreversível (...) e está na dependência de vários fatores, como a unanimidade da fé e o vigor da mesma em determinada população, como do grau de pluralismo socialmente admitido”. Depois, acentuou que “a secularização não convém a uma nação pouco evoluída, mas a crítica, racionalista ou não, torna difícil hoje em dia congregar toda uma nação sob a égide duma mesma fé religiosa ou ideológica substituta:. Disse ainda que “há sinais de que o Brasil urbano está em fase avançada, mas não radical, de secularização”, embora, “como em regiões cristianizadas, as mais notáveis iniciativas no campo da saúde, nos séculos anteriores, tenham vindo da Igreja, de seus religiosos e religiosas”. Após alertar para as modificações que vêm ocorrendo no País, no campo da assistência no País, no campo da assistência à saúde, frisou que “a secularização deixa abertas várias possibilidades entre as quais o Estado secular opta, mas que podem atrair diversos graus de adesão por parte da Igreja, cuja influência, notadamente nesse setor, permanece notável no Brasil”. “A Igreja ou as instituições através das quais ela age diretamente na sociedade – disse o conferencista – têm que se posicionar sobre a escolha das tarefas que acham por bem conservar ou promover, ou, pelo contrário, abandonar aos poucos, através da conscientização sócio-política dos cidadãos”. E acentuou que a secularização aguçou uma série de questões sobre o comportamento da Igreja ou suas instituições na área da saúde para admitir que “secularização significa também que religiosos ou religiosas trabalham a título pessoal em instituições não confessionais, ora públicas ora privadas. Várias finalidades são possíveis: ter o ganha-pão sem assumir o ônus diretivo e financeiro da obra global; influenciar o meio profissional; adquirir conhecimentos técnicos ou contatos específicos que interessam à Igreja na sua pastoral de diálogo com a cultura, de conhecimentos dos condicionamento éticos, de colaboração na humanização do progresso científico; pode ser simplesmente de ajudar no serviço do povo, humanizando de dentro comportamentos institucionais, cujos defeitos são conhecidos”.
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Discorreu também o Pe. Lepargneur sobre o crescente número de questões relativas à saúde, que “são conflituais, tanto em nível individual, quando em nível familiar ou social, ora para os governos, ora para os pacientes ou cidadãos comuns, ora o pessoal médico e sanitário”, finalmente, acentuou que “secularização significa, nessa ótica, que nossos modelos de ação não são julgados apenas pelos critérios de generosidade e do altruísmo, mas também conforme os critérios de competência e administração sagaz, possivelmente em nítido contraste com as mordomias, fraudes ou desperdícios que desvelam a escala de valores de alguns funcionários públicos e não raras instituições do Estado”. Colocou, em seguida, o conferencista, à reflexão dos presentes uma série de questões que esses novos condicionamentos propõem, evidenciando as dificuldades da situação, para admitir que “não se vive mais , hoje em dia, como no século XIX, e nem se pode ser religioso ou religiosa num contexto pastoral secular da mesma forma que antes”. E frisou: “A secularização faz parte do ‘espirito do tempo’, conforme a cultura alemã, ou talvez do ‘espírito do mundo’, no vocabulário evangélico: resta discernir nesse athos o que é condenável e o que é inevitável. A moral consiste neste discernimento e nas suas decorrências para a ação, mas este discernimento supõe uma observação e reflexão prévias”. Não vê o Pe. Lepargneur qualquer oposição essencial da secularização ao cristianismo, entendendo-a “facilitada pela desmistificação judeu-cristã que expulsou os deuses da natureza e permitiu o acesso ao espírito científico, à verdade que nos chega pela observação e experiência, como também ao Deus criador e transcendente”. E enfatizou: “O sacral cristã está no ser humano, corpo e espírito (preciosa base antropológica duma medicina integralmente humana)”, acentuado ainda que “temos nessa afirmação, de uma vez, o fundamento da dessacralização do resto do consumo (secularização) e o princípio da mística da clínica cristã, que não exclui o uso cultural da natureza para os fins humanos”. Para o conferencista , “é mister precisar exatamente o alcance normal e desejável da secularização de suas evoluções ou formalização na área da saúde significa a distinção , de um lado, das tarefas e habitualmente dos profissionais dos outros ou da doença, a partir das estruturas religiosas da sociedade civil e por outro lado, das motivações religiosas que animam ora os mesmos profissionais ou parte deles, ora os doentes reais ou potenciais”. E concluiu: “em geral, a secularização permite maior liberdade e maior eficácia: entretanto, um emaranhar de estruturas teoricamente neutras, mas cujos funcionários são voltados primeiro para seus interesses e em segundo lugar para os serviços que a instituição tem por missão oferecer à sociedade, arrisca substituir um mundo mais homogêneo, envolto num universo mais hostil, onde o religioso e o secular se entrelaçavam, com pessoas mais calorosamente entrosadas, apesar das brigas de sempre”. Acentou, contudo, que “a evangelização perderia seu tempo em tentar derrubar o processo de secularização, mas pode considerar de seu empenho humanizá-la e inserir nela sinais e sementes do Reino”. Embora admitindo que tal tarefa não é fácil. “Nosso papel – disse por fim – é propor convenientemente no momento que julgamos oportuno: não podemos roubar a ninguém sua liberdade de aceitação ou recusa”, Referindo-se à atuação da Pastoral da Saúde.
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ÉTICA DA FELICIDADE – ÉTICA DÁ FELICIDADE Hubert Lepargneur Várias gerações tiveram vergonha da felicidade, de reconhecer-se felizes no instante presente ou de buscar a felicidade, como se fosse pecado de egoísmo. Como se fosse possível não procurar a felicidade, segundo a lógica de todos os moralistas antigos, sem ter caído numa neurose e cultivar uma imagem masoquista da virtude ou na santidade. Não raramente, a felicidade esforça-se por vestir a túnica da virtude cristã, da cruz paulina, do martírio dos heróis e santos. Esta meta feliz está procurada ora neste mundo ora em outro, a diferença não sendo pequena, devido à fé ou ideologia abraçada. Numa visão mais equilibrada do cristianismo, a felicidade é como o Reino: começa normalmente neste mundo, ainda que relativizada pela transcendência de outra vida, do além-morte. Sua presença não é desprezada, sua ausência não é absolutizada, seu relativismo e sua precariedade são tão reconhecidos quanto sua normalidade. Ao nascer, encontramos o embrião dum direito à felicidade. À medida que crescemos, tecemos no sonho acordado que hoje chamamos de “utopia” o tecido daquilo que nos parece ser a felicidade. Talvez erige-se como forte castelo no campo de batalha da História, ou como hospedaria aberta a todos em tempo de paz e fartura. Duas observações, porém, completam esta colocação. Como disse H. Broch, “o direito ao sonho tem por contrapartida o dever de vigilância”. Enfim, o destino, ou seja, o caso, pode cortar prematuramente o tecido de nossos sonhos e projetos, ou desarranjar a trama, de modo que outro produto apareça. O restabelecimento desta paz interior donde brota a felicidade exige, então, o cultivo da faculdade de adaptação. Ambos os reparos não faltam de aplicação na área da saúde. O autoprojeto de felicidade comporta, portanto, uma avaliação subjetiva do próprio agente ou de outros. Esta observação levanta alguns problemas éticos na prática diária, familiar ou hospitalar. Ilustramos pelo juízo do economista liberal Hayek: “Seria claramente antiético reanimar um velho esquimó que suas tradições e princípios éticos, teria abandonado atrás”. O doente tem o direito a não se ver imposto um conceito de felicidade que ele não pode fazer seu. Sendo meta, natural ou sobrenatural, isto é, imediatamente colhido ou outorgada pela graça de redenção, a felicidade – ou pelo menos sua busca – pertence normalmente a toda atividade humana, portanto ética. Quadro ético algum pode dispensá-la. Já para Aristóleles, a ação virtuosa está prenhe de felicidade. E que é a salvação senão o acesso ao céu, lugar presumido do Deus da eterna felicidade? O tempo da doença constitui uma época privilegiada para interrogação sobre a felicidade alcançada ou alcançável; sobre seu desafio e obstáculos; sobre os motivos que escondemos por não a ter encontrado. Ela se chamava Ana, tinha 14 anos, era filha de divorciados: pai indiferente, mãe indisponível em razão de suas ocupações. Revelou-se na escola e acabou fugindo de casa, Após a volta, não menos provocada pela desesperada busca de felicidade, que por vezes toma a forma de fuga do intolerável, Ana escreveu (e publicou) sua aventura. Uma palavra desta narração nos situa o conceito oposto à felicidade almejada: “Quando resta apenas meu próprio lápis para escrever ‘ eu te amo’, isto se chama desespero”. A felicidade já está no caminho do agente moral, são ou doente, normal ou excepcional, através da experiência do amor ou através da vivência da esperança.
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Num certo sentido, a moral não passa de perseguição coerente da felicidade, para si e os outros. A história parece acumular os obstáculos, diversos em número e consistência, segundo os destinos e as situações, mas a instituição do bem apontado pela agulha da bússola ética orienta normalmente para o pólo norte da felicidade. O que o doente pode descobrir, talvez com ajuda de algum visitador, é que a felicidade se parece com a liberdade, nisso que, apesar de condicionada pelo ambiente e a história, sua fonte é interior, e sua natureza, espiritual. O fato que qualquer importância de capital está perdendo valor como tempo na Europa e se valoriza com capitalização no Brasil atual, detalhe que nunca foi publicado no Brasil, não informa sobre a felicidade relativa num e noutro continente. Importante obstáculo à felicidade dos indivíduos como das massas é constituído pelos preconceitos, sobretudo aqueles que se sistematizam em ideologias. Voltar à iniciativa e responsabilidade privada para escapar dos tentáculos e do desperdício famoso das empresas estatais, é operação que sempre resultou em melhoria da qualidade e em abaixamento de custo, isto é, em maior potencialidade de render feliz um povo pobre, como a China está experimentando em escala incomum. Em matéria de felicidade, o condicionamento físico é óbvio, sobretudo em nível individual, mas a interpretação que o espírito faz deste condicionamento e da situação global da pessoa é tal que pode mudar a avaliação vivenciada. De qualquer maneira, a felicidade – ou melhor, contentamento – motiva e anima o ser humano, ora a felicidade que julga desfrutar no momento, ora a plenitude que espera para breve. Não esqueçamos tampouco que a felicidade dos outros se integra à nossa, a reforça, a motiva. Perseguir a felicidade e, portanto, promover os fatores de vida e saúde, paz e harmonia, assim como trabalhar para remover seus empecilhos: amplo programa de vida. Isto significa que não se fabrica felicidade como um produto qualquer. A pessoa tem que colaborar com sabedoria no seu próprio destino. Não se impõe felicidade pelo efeito milagroso ou mágico duma revolução sócio-política ou de nova Lei Constitucional. Mais eticamente se comporta uma sociedade, porém, e mais chances ela possui de proporcionar condições de felicidade para maior número de pessoas; mais eticamente se comporta uma pessoa, e mais chances ela tem de desfrutar sem tardar uma alegria que ninguém lhe roubará.
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