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ROTEIRO DE REFLEXÃO PARA AS EQUIPES DE PASTORAL DA SAÚDE Pe. Júlio Munaro

No dia 14 de julho, a Igreja Universal comemora a festa de São Camilo de Léllis, fundador da Ordem dos Ministros dos Enfermos, popularmente conhecidos como Camilianos, e que consagram sua vida à assistência corporal e espiritual dos doentes e à promoção da saúde. No domingo mais próximo á data da festa de São Camilo celebra-se, no Brasil, o Dia do Enfermo. Não pretendemos aqui falar da vida do grande santo nem entoar boas á sua caridade heróica. Lembraremos apenas alguns de seus enfoques do doente e de como assisti-lo. Isso, talvez, nos ajude a refletir e crescer no amor pelo doente. Quem quiser trabalhar com os doentes, antes de mais nada, peça a Deus que lhe dê um amor de mãe para com os doentes, a fim de que possamos assisti-los com toda a caridade, tanto na alma, quanto no corpo, pois, com a graça de Deus, queremos prestar assistência a todos os doentes com o mesmo amor com que uma amorosa mãe assiste seu filho único gravemente doente». «Quem quiser trabalhar com os doentes, purifique antes a sua alma a fim de que, renovado espiritualmente, se torne mais apto para assistir os doentes». «Os doentes que assistimos um dia nos levarão a contemplar a face de Deus». «Estive doente e me visitastes. Venham, benditos de meu Pai, e tomai posse do reino que vos foi preparado desde a criação do mundo». «Meus filhos, atendam de preferência os doentes mais pobres e desamparados e procurem ajuda-los e assisti-los até a morte». «Enquanto as mãos fazem o seu trabalho, os ouvidos devem estar abertos para acolher suas ordens e seus desejos, a língua deve estar pronta para exorta-lo a ter paciência e o coração para interceder a Deus por ele». «Os doentes são nossos senhores e patrões. Devemos servi-los como se fôssemos seus servos e escravos». A um doente que lhe pediu um favor, respondeu: «Não peça por favor. Você é meu patrão. Meu maior prazer é servi-lo». «Nós, que trabalhamos com os doentes, não devemos ter inveja de ninguém, pois Deus nos confiou a parte melhor da caridade». «Se, ao morrer, tiver uma lágrima ou um gemido de doente intercedendo por mim diante de Deus, me darei por plenamente satisfeito». «Quem cuida dos doentes tem certeza de que irá para o céu». «O que fazes pelos doentes, deves fazê-lo por amor». «Felizes vocês, se morrerem pelos doentes de Nosso Senhor Jesus Cristo, pois irão goza-lo eternamente».

A CRUZ VERMELHA CAMILIANA A Ordem dos Ministros dos Enfermos - Camilianos - celebra, neste ano, dois centenários. No dia 19 de março, recordou o 4º centenário da primeira aprovação da Companhia dos Ministros dos Enfermos, fundada por Camilo de Léllis, e que, em 1591, foi constituída em Ordem Religiosa. No dia 26 de junho, comemorou o 4ºcentenário da Cruz Vermelha como distintivo próprio dos Camilianos ou Ministros dos Enfermos.


Quem idealizou e quis este distintivo foi o próprio Camilo de Léllis. De inicio, o hábito dos camilianos era igual ao dos padres seculares da época, da mesma forma que para as demais congregações regulares recém-fundadas. Como a Congregação dos Ministros dos Enfermos tinha uma finalidade específica bem distinta e diferente daquela das demais congregações, Camilo achou que também deveria ter um distintivo diferente. Apresentou seu pedido ao Papa Sisto V e este não teve dúvidas em atendê-lo. A cruz vermelha camiliana tem uma história original. A mãe de Camilo, antes de dar à luz, teve um sonho, viu seu filho com uma cruz no peito, de cor vermelha rutilante, seguido por um bando de outros jovens, todos com o mesmo distintivo. O sonho deixou-a inquieta, pois achou que seu filho acabaria sendo um chefe de bandidos. E morreu com esta inquietação, já que seu filho, que estava com 13 anos apenas, não dava sinais de muito juízo. Antes, era um menino irrequieto e incontrolável. Teria sido mera casualidade a relação entre o sonho da mãe e a escolha da cruz por parte do filho? No dia 29 de Junho de 1586, festa dos Apóstolos São Pedro e São Paulo, Camilo e um punhado de companheiros apareceram pela primeira vez em público, na Praça de São Pedro, em Roma, ostentando no peito, bem vistosa, a cruz vermelha. O povo ficou impressionado e todos perguntavam: Quem são estes homens? Donde vêm eles? Que fazem na vida? A resposta a teriam no dia-a-dia da vida, lá mesmo, em Roma, e não nas horas agradáveis, mas nos momentos críticos. Camilo e seus companheiros começaram a desfilar, com sua cruz vermelha, pelos hospitais e cadeias, pelos becos e cortiços da cidade, sempre a serviço dos doentes, sobretudo dos mais pobres, de dia e de noite, fizesse calor ou frio, fosse longe ou perto. Sobretudo nos anos 1590 e 1591 quando a cidade foi abalada por terrível carestia, acompanhada de peste e outras calamidades, a cruz vermelha desfilava por todos os cantos. Camilo e seus companheiros trabalhavam intrepidamente, incansáveis como formigas, levando socorro a todo mundo. Terminada a calamidade, Camilo foi aclamado «Anjo protetor de Roma» e «Pai de todos os pobres». Já não era um desconhecido, era um herói da caridade. Ele e seus colegas de ideal. Donde vinha, talvez poucos soubessem. Mas quem eram e o que faziam na vida não escapava a ninguém. A partir de então, a cruz vermelha camiliana espalhou-se pela Itália e pelo mundo, carregada no peito de pessoas dispostas a dar até mesmo a vida para aliviar o sofrimento dos outros, em hospitais, cadeias, a domicilio, nos momentos de epidemia ou nos campos de batalha. Onde há sofrimento, lá é seu lugar. A cruz vermelha de Camilo tornou-se símbolo dos hospitais e de todos os serviços de saúde. Para Camilo, a cruz vermelha «camiliana» tinha um grande significado: “Que o mundo saiba que nós, marcados com este santo sinal da cruz, somos vendidos e dedicados ao serviço dos pobres doentes. E também para provar que se trata de uma Ordem de cruz, isto é, de trabalho, de sofrimento e de renúncia até a morte. Quem quiser, pois, seguir o nosso ideal de vida, prepare-se para carregar a cruz, renegar a si mesmo e seguir Jesus Cristo até a morte”. Palavras austeras, mas densas de significado e de exigências! Assumi-las, implica risco. A cruz é também portadora de força sobrenatural para repelir o maligno: “Como a nossa congregação tem por finalidade socorrer as almas na última batalha e no conflito da morte, traz a cruz do lado direito, qual espada afiada e arma ofensiva, para vencer e subjugar os demônios, principais inimigos de tão poderoso sinal”. A cruz camiliana não é, pois, um mero enfeite. Não é morta, mas viva e vivificante. Transforma as pessoas e as redime. Não as esmaga. Infunde-lhes o essencial da vida: o amor a Deus e ao próximo.


Quase três séculos mais tarde surgiria uma outra cruz vermelha - A Cruz Vermelha Internacional -, provavelmente inspirada na cruz vermelha camiliana, pois, na massacrante batalha de Solferino, os Camilianos marcaram presença ativa no socorro ás vitimas. Eram poucos e de todo insuficientes para tamanha calamidade. Jean Henri Dunat deve ter topado com alguns deles e talvez apertado suas mãos, estreitando com eles forte comunhão de ideal.

A CRUZ VERMELHA INTERNACIONAL A Cruz Vermelha Internacional está presente, praticamente, em todos os países do mundo, desde os mais ricos até os mais pobres. Em todas as partes figura como organização humanitária, absolutamente neutra, tanto do ponto de vista religioso quanto política. Inicialmente visava apenas socorrer as vitimas em tempo de guerra. Com o andar do tempo, porém, foi ampliando as suas atividades. Agora, presta assistência a prisioneiros de guerra e a outras vitimas de conflitos, bem como a flagelados por terremotos, enchentes, secas ou outras calamidades. Também presta assistência de enfermagem, materno-infantil, orienta para a prevenção de acidentes etc. Esta gigantesca organização teve sua origem na famosa batalha de Solferino, travada entre austríacos, franceses e italianos, no dia 24 de junho de 1859. Em meio a milhares de soldados feridos e sem qualquer socorro, um jovem suíço de apenas 31 anos, Jean Henri Dunant, ficou terrivelmente chocado e, aos brados de «Somos todos irmãos!», pôs-se a organizar, com a ajuda dos habitantes da vizinha cidade de Castiglione, um serviço de assistência aos feridos. Em 1862, publicou “Memórias de Solferino”. Na obra, além de mais, propõe que em todos os países fossem criadas associações de assistência aos feridos de guerra, reconhecidas e aceitas por todos. A proposta de Dunant foi acolhida com simpatia geral e, em 1863, surgiu um Comitê para concretizar a idéia. Já em outubro do mesmo ano, em Genebra, numa reunião convocada pelo Comitê e da qual participaram representantes de 14 nações, foram lançadas as bases da Cruz Vermelha Internacional. A organização seria inteiramente neutra e prestaria igual assistência a todos os feridos de guerra, fossem de que parte fossem. Todos os países participantes se comprometeram a poupa-la de qualquer ataque ou represália durante suas atividades assistenciais. Antes, facilitariam a sua ação. Seu símbolo seria a bandeira branca, com uma cruz vermelha. Várias convenções internacionais ampliaram, mais tarde, seu campo de ação. A Cruz Vermelha Internacional está estruturada da seguinte forma: Comitê Internacional da Cruz Vermelha; Liga das Sociedades da Cruz Vermelha e Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha. O Comitê Internacional é formado por 25 cidadãos suíços e tem sua sede em Genebra. Cabe a ele reconhecer, após detalhada averiguação de sua estrutura e finalidades, as sociedades nacionais da Cruz Vermelha. Suas atividades em tempo de guerra consistem em organizar e prestar socorro ás vitimas, visitar campos de concentração e trocar informações entre os prisioneiros e suas famílias. Quando as comunicações entre as partes beligerantes se acham interrompidas, o Comitê atua como intermediário, tanto entre os governos quanto entre as sociedades nacionais da Cruz Vermelha. Terminada a guerra, o Comitê continua suas atividades assistenciais. Após a 1º Guerra Mundial, por exemplo, contribuiu para a repatriação de mais de 450.000 prisioneiros de guerra. Durante a 2º Guerra Mundial, em colaboração com as sociedades nacionais da Cruz Vermelha, distribuiu alimentos, roupas e medicamentos entre as vitimas civis da guerra.


O Comitê Internacional já recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1917, 1944 e em 1963. A Liga das Sociedades da Cruz Vermelha foi criada em 1919 pelo americano Henry Davison e em 1969 contava com 112 Sociedades Nacionais filiadas. A Liga visa coordenar e facilitar as atividades humanitárias das sociedades nacionais, segundo as orientações do Comitê Internacional, bem como incrementar a sua expansão e prestação de assistência em caso de calamidades naturais. A Liga mantém relações intimas com a OMS, UNESCO, Alto Comissariado para Refugiados da ONU. Dispõe de vários bureaux de caráter técnico, como o Bureau de Saúde e Assistência Social, que promove atividades de primeiros socorros, medicina preventiva etc.; o Bureau de Enfermagem, com escolas de enfermeiras, auxiliares de enfermagem e visitadoras familiares. As sociedades nacionais da Cruz Vermelha são, praticamente, departamentos que atuam em âmbito nacional de cada país. Para serem reconhecidas como tais precisam ter aprovação do Comitê Internacional e preencher todas as suas exigências. Em tempo de guerra desempenham múltiplas atividades, como providenciar ambulâncias, hospitais, médicos, enfermeiras, cantinas para tropas em trânsito, distribuição de alimentos em territórios ocupados, acolher famílias que tiveram que abandonar suas próprias casas. Após a 2º Guerra Mundial, ampliou enormemente suas atividades para tempos de paz, tanto no campo da saúde quanto da assistência em geral: prevenção de acidentes, primeiros socorros, assistência materno-infantil, creches etc. A Cruz Vermelha, em seu conjunto, apresenta uma extensa folha de serviços de inestimável valor humanitário. Pode ser considerada uma extraordinária conquista do mundo moderno. Inspirou-se no cristianismo e em sua idéia de fraternidade universal: “Somos todos irmãos!” Sobrevive graças á solidariedade e nutre-se no sentimento de compaixão, tantas vezes testemunhado por Cristo e sempre presente e atuante na maioria das pessoas de todos os quadrantes da terra.

SAÚDE E TERRA: DIREITOS DO HOMEM Durante semana de estudos sobre os problemas da terra, promovida pelo Setor Santa Cecília Região Sé), da Arquidiocese de São Paulo, em maio último, na Paróquia Nossa Senhora do Rosário de Pompéia, o Padre Christian de Paul de Barchifontaine apresentou o tema «Saúde e terra». Para nortear sua exposição, escolheu quatro textos: dois da Declaração Universal dos Direitos Humanos e dois do Documento da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil «Por uma nova ordem constitucional». De inicio, lembrou que a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi aprovada em 10 de dezembro de 1948, pela Assembléia Geral das Nações Unidas, sendo o Brasil um dos países signatários do documento. Em seu Artigo 25, a Declaração reza: “Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstância fora de seu controle. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas do matrimônio ou fora dele, têm direito a igual proteção social”. O Artigo 17 tem o seguinte teor; “Todo homem tem direito á propriedade, só ou em sociedade com outros. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade”.


Do documento da CNBB, Padre Christian destacou que, fruto dos trabalhos da 24ª Assembléia Geral, realizada em ltaici, SP, de 9 a 18 de abril deste ano, ele indica, no nº 56: «São inaceitáveis, como atentados contra a vida humana, as situações permanentes de fome, subnutrição, condições infra-humanas de existência e impossibilidade de acesso aos serviços de saúde». Nos n.º 169 e 170, diz textualmente: «O nome de Deus que, em coerência com a nossa formação histórica cristã, deverá figurar no inicio da Constituição, só será glorificado na medida em que todo o texto constitucional promover e tutelar os direitos fundamentais da pessoa humana, imagem e semelhança de Deus vivo. Conforme a bela e profunda afirmação de Santo lrineu: «A glória de Deus é o homem pleno de vida». O nome de Deus presidirá, então, não apenas um texto escrito, mas a organização concreta da sociedade brasileira e a vida do povo». Após essa introdução, foi a seguinte a integra da apresentação feita. BASES FUNDAMENTAIS 1 - Vida e saúde - A pessoa humana é um ser físico, psíquico, social e espiritual ao mesmo tempo, onde predomina o relacionamento humano como mola mestra da convivência. Como ponto de partida, vamos definir a saúde segundo os critérios da Organização Mundial da Saúde: «A saúde é o completo bem-estar físico, psíquico, social e espiritual ocorrendo conjuntamente, e não apenas a ausência de doença ou enfermidade». Saúde é harmonia entre o homem e o meio físico, entre o homem e o ambiente social. A ruptura da harmonia conduz á doença, podendo levar ao desequilíbrio total, representado pela morte. Assim, a doença é sempre resultante de um desajustamento. l.1 - Saúde física - A saúde física é a ausência de mutilações, de lesões, de dor física, de cansaço, de fome, de sede. E o desenvolvimento normal do indivíduo, é o equilíbrio entre os componentes orgânicos. Ao nível da saúde física, salta aos olhos que existem elementos sobre os quais os profissionais da saúde não podem interferir diretamente, com o domínio de sua ciência, como no caso da fome, por exemplo. 1.2 - Saúde psíquica - Esta implica em ter orientação no tempo e no espaço, é a ausência de alienação, é a capacidade de equilibrar-se nas diversas situações da vida, é a auto-realização, é a abertura para o outro e para si mesmo, é a liberdade de pensamento, de expressão, de criação. Aqui também afluem elementos, como a liberdade, onde o domínio da ciência médica não basta. 1.3 - Saúde social - A saúde social é o ajustamento do indivíduo no grupo social (entendendo-se ajustamento como a capacidade que tem a pessoa de se situar, de se relacionar com outras). A saúde social implica em habitação adequada, em equilíbrio dos fatores econômicos (trabalho e salário condizentes), em lazer, educação (que permita, pela observação e análise, o questionamento da realidade), amizade, simpatia, relacionamento. Vê-se logo que também ai muitos elementos escapam á área restrita da ciência da saúde. 1.4 - Saúde espiritual - A saúde espiritual se revela na maneira de encarar a vida: todos os homens têm uma finalidade na vida. 2 - Ideologia - Definição: Ideologia é o conjunto mais ou menos coerente de representações, conhecimentos, valores e crenças nas quais cada um nasce e vive, e que assimila e ajuda a elaborar. A ideologia é tudo o que dissimula a realidade social. O ideológico não reside no fato de que seja mentira ou interesse injustificada, mas no fato de apresentar-se como verdade, simulação ou como interesse justificável. Neste sentido, a ideologia se opõe à verdade; o ideológico significa o falso, o mentiroso, o injustificável. Em resumo, a ideologia é o discurso do interesse de um grupo contra o interesse de outro.


Á luz desta definição, podemos reparar que o Cristianismo nunca poderá ser considerado como ideologia. 2.1 - Ideologia capitalista - A antropologia implica na concepção liberalista do homem, é marcada pelo individualismo. O individualismo cria um clima propicio à expansão da iniciativa particular, que haveria de beneficiar principalmente a burguesia emergente. Na América Latina, esta ideologia constitui o processo evolutivo de um sistema. Esta ideologia é caracterizada pelo individualismo, pela competitividade e pela dependência do exterior. Hoje, observamos que essa ideologia mascara a situação, a realidade, tapeando para não ir até às verdadeiras causas, que são as injustiças institucionalizadas. No Terceiro Mundo, o capitalismo veio como tradição do humanismo cristão: em vez de contestar o consumismo, o expansionismo («não pode mais parar de produzir mais»), o nacionalismo exacerbado, o modelo desenvolvimentista onde predominam valores econômicos sobre valores mais profundos do humanismo cristão (cujo conceito está reservado para os discursos oficiais), estas nações adotam as mesmas metas de ambição, as mesmas regras do jogo das precedentes nações (EUA, Europa Ocidental), com portando-se com os mais fracos da mesma forma que os mais fortes se comportam com elas. 2.3 - Capitalismo na área da saúde e no uso da terra - O capitalismo está em crise: esfacelamento político, dissolução cultural (greves, provocando convulsão nacional), recessão econômica, política do INAMPS, do BNH, da reforma agrária, multinacionais na medicina, na terra, empresarização das organizações médicas e agrícolas. O capitalismo provoca o individualismo, a concorrência, a industrialização da seca, da fome, da doença, do desemprego, da marginalização, a luta de classes. O capitalismo impõe a modernização (aparelhagem, hospitais, empresas agrícolas), a concorrência, a produtividade, a acumulação de riqueza, a compressão salarial. O capitalismo exige de nós, cristãos, uma conversão, uma transformação social, a socialização dos instrumentos da medicina, do acesso aos serviços de saúde, do acesso á posse da terra por quem nela trabalha. FATOS 3 - Saúde - Medição da saúde de uma população - O nível de saúde de uma população se faz a partir do diagnóstico da mortalidade infantil. Taxa de Mortalidade Infantil (TMI) pode ser definida como o número de óbitos de crianças de zero a um ano sobre 1.000 crianças nascidas vivas. Segundo dados da UNICEF, em 1983, a TMI do Brasil era de 70%. Esse dado foi fornecido pelo Ministério da Saúde e não representa a realidade, porque não foram computadas as crianças de zero a um ano que morreram sem certidão de nascimento, já que foram sepultadas à beira de estradas ou no mato. Essa taxa é muito elevada (nos países considerados desenvolvidas, a TMI é inferior a 25%) por causa da baixa qualidade de vida, falta de assistência materno-infantil, condições precárias de moradia, saneamento básico, alimentação e emprego. De fato, segunda o sociólogo Hélio Jaguaribe, com os dados do IBGE, em 1984, havia 60% da população passando fome, sendo 75% no Nordeste («Folha de S. Paulo», 9/4/86). Outro elemento é o salário mínimo: quando foi criado por lei assinada em 14 de janeiro de 1936, pelo presidente Getúlio Vargas, o salário mínimo tinha por função suprir as necessidades básicas (alimentação, habitação, transporte e outros bens e serviços essenciais) de uma família formada por dois adultos e duas crianças. Segundo a inflação, hoje, o salário mínimo deveria ser de Cz$


1.800,00.No entanto é de Cz$ 804,00. Quem pode sobreviver digna e humanamente com este salário? Em 1983, o ministro das Forças Armadas revelou que sobre 1.450.000 jovens de 18 anos, convocados para o serviço militar, 47% eram incapazes. Justificativa do Ministério: a reprodução começou na vida intra-uterina e na primeira infância. Segunda dados da SEPLAN, 86 milhões de brasileiros sobrevivem com muito menos que as 2.400 calorias diárias prescritas pela FAO como dieta mínima (em 1984). 3.1 - Situação da saúde no Brasil - Nesta situação de saúde no Brasil, vou indicar alguns dados que têm ligação com o problema da terra (alimentação, emprego, sobrevivência no campo). . A saúde é fraca. A esperança de vida ao nascer, em 1980, era de 60 anos, sendo 57 anos para os homens e 63 para as mulheres, segundo o Censo Demográfico do IBGE. A TMI é de 70%. . A saúde é mal protegida. O Brasil ainda acusa a presença de doenças primárias (ou seja, as que deveriam ser erradicadas, segundo a OMS). A febre amarela foi declarada erradicada em 1942 pela OMS, mas 81% do território brasileiro é malárico e o País teria mais ou menos 378.000 maláricos ativos. Quanto à doença de Chagas, 60% do território brasileiro é chagásico (Minas e Rio Grande do Sul, tendo aproximadamente 1.705.000 chagásicos. A esquistossomose afeta mais ou menos 9.240.000 brasileiros. A tuberculose, cerca de 40.000. A hanseníase, aproximadamente 500.000. Esses dados são do Ministério da Saúde, e mais uma vez não refletem a realidade. Como essas doenças devem ser notificadas, os números se referem a casos oficialmente comunicados, mas sabe-se que há médicos que não os declaram e emitem certidão de óbito sem causas. Por isso, pode-se supor que os números até sejam duplicados. Em relação os deficientes, seu número (deficientes mentais, físicos, áudio-comunicação, múltiplos, visão) representa 10% da população, segundo o Censo de 1980. Os deficientes mentais somam 50%! Esse número está aumentando por causa da desnutrição, já que a falta de proteínas destrói as células cerebrais, que não se regeneram. Também o uso de tóxicos e agrotóxicos pode provocar deficiências. Além disso, a desnutrição está gerando nanicos. Igualmente não se faz prevenção do câncer no Brasil. Sabe-se que 80% dos canceres atingem o colo uterino, a pele, a boca e a mama, com exames fáceis e bastante baratos, poderiam ser evitados em boa dose. A saúde é, ainda, mal equipada. Analisando-se somente o lado institucional, o Brasil tem um número de leitos hospitalares suficiente para atender a população, mas esses leitos são muito mal distribuídos. Quanto ao número de serviços de saúde (postos, ambulatórios), precisaria quintuplicar para atender a população. Cada grupo de 2.500 habitantes deveria ter um posto de saúde. Os gastos com a saúde denotam logo haver inversão de valores. No Brasil,85% dos recursos da saúde atendem 10% da população; 15% atendem 90% da população. Do orçamento da União, mais ou menos 90% são usados para medicina curativa e cerca de 10% são gastas para a preventiva. Quanto á chamada produção social da saúde, vivemos num universo em que a doença é ideologicamente tratada como ponto de partida para a obtenção da saúde, não como conseqüência da deterioração da saúde. É vista como causa, não como efeito, a partir de uma estrutura social. A propósito, surgem algumas questões. A primeira delas: será que o risco de adoecer e morrer é igual para todos? Existe no jargão popular a distinção entre doenças dos pobres (fome, verminoses etc.) e doenças dos ricos (doenças cardiovasculares, câncer etc.). Mas as estatísticas recentes mostram que os pobres são duas vezes desgraçados, porque também morrem das doenças dos ricos.


De quem é o compromisso com a melhoria da saúde do povo? Esta é outra indagação a ser feita. O amparo social é um direito do cidadão e um dever do Estado. A proteção social é feita pelo INAMPS, organização fundamentalmente sustentada pelos trabalhadores, direta e indiretamente: com base no salário da maioria da população, o trabalhador paga 8,5% do que recebe (descontado em folha de pagamento) e a empresa outro tanto, repassados nos preços ao consumidor. O modelo assistencial brasileiro não atende às necessidades do povo, porque não elimina as doenças. Existe, isto sim, o comércio da doença: o INAMPS vende assistência médica a serviços empresariais de saúde. Assim, a doença tornou-se um negócio altamente rendoso. Outro negócio rendoso é a indústria de medicamentos. Segundo a OMS, 207 medicamentos bastam para tratar 90% das doenças do povo brasileiro. No entanto, existem hoje mais ou menos 50.000 especialidades farmacêuticas diferentes no comércio! 3.2 - Terra: os problemas de hoje 3.2.1- Concentração da terra - O Brasil é o pais do latifúndio: 1,2% das propriedades rurais correspondem a 45,8% das terras agricultáveis (propriedades com mais de 1.000 hectares); 50,4% das propriedades rurais correspondem a apenas 2,4% das terras agricultáveis. O Brasil é, também, um pais de migrantes. A concentração da terra, nas últimas décadas, produziu a sua contrapartida: há 12 milhões de trabalhadores rurais sem terra ou com terra insuficiente para prover o sustento familiar. Milhões de homens e mulheres em êxodo pelas estradas buscam terra para viver e trabalhar. Conforme dados do IBGE, entre 1970 e 1980, o número de pessoas residentes fora do seu município de origem cresceu para 24 milhões. O campo se esvazia, enquanto as cidades explodem. Segundo o Anuário Estatístico do Brasil, do IBGE, entre 1970 e1980, a população urbana cresceu de 11,7% - população que foi arrancada do campo e despejada nas cidades (favelas e cortiços ). Há, ainda, a exploração dos moradores da cidade no campo. A maior parte dos que foram expulsos da zona rural e sobrevivem na cidade tornam-se bóia-frias ou assalariados temporários. E muitos não encontram outro meio de subsistência senão o subemprego. Mulheres e crianças fazem parte dessa turma que madruga, sai em caminhões sem segurança das periferias das cidades, para voltar à noite, massacrados, quando voltam, pois há os que perdem a vida nas estradas. Outros deixam suas famílias para tentar a sorte nos garimpas ou vendendo suas vidas aos gaios, na escravidão branca das fazendas das grandes empresas nacionais e multinacionais. 3.2 - O processo de expropriação - O capitalismo cresce por expropriação. Esta é a sua lógica interna de reprodução. Incorporando a si o trabalho humano - a única fonte de riqueza -, o capital se amplia cada vez mais. Reproduz-se por ampliação. Esta é sua lei. Só se amplia á medida que subjuga a si o trabalho. Assim, à medida que o trabalhador vende a sua força de trabalho ao capital, mediante o salário, os frutos do seu trabalho aparecerão necessariamente como frutos do capital que o comprou, como propriedade do capitalista. Para que isso ocorra, é necessário separar o trabalhador dos seus instrumentos de trabalho, para evitar que o trabalhador trabalhe para si mesmo, isto é, para evitar que deixe de trabalhar para o capitalista. A instauração do divórcio entre o trabalhador e as coisas de que necessita para trabalhar - terra, ferramentas, máquinas, matérias-primas - é a primeira condição e o primeiro passo para que se instalem, por sua vez, o reino do capital e a expansão do capitalismo. Essa separação, esse divórcio, é o que, tecnicamente, se chama expropriação: o trabalhador perde o que lhe é próprio, perde a propriedade dos seus instrumentos de trabalho. Para trabalhar, terá que vender a sua força de trabalho ao capitalista, que é quem tem, agora, esses instrumentos.


3.3 - As terras em áreas indígenas - Muitos pretextos surgem para justificar o massacre físico e cultural dos povos indígenas: . »há muita terra e pouco índio» - e então as reservas são invadidas por fazendeiros e grileiros; . . «precisamos pagar a divida externa» - e as áreas indígenas são abertas às mineradoras por leis governamentais, em vista da exportação de minérios; . « o Brasil precisa ter eletricidade para economizar petróleo» - e as hidrelétricas são construídas, desalojando sem alternativas; . «o Brasil precisa responder a seus compromissos internacionais» - e o projeto Carajás, num atentado á natureza e ao País, desequilibra a Vida de dez povos indígenas do Pará, do Maranhão e de Goiás, com conseqüências ainda imprevisíveis; . «não temos dinheiro suficiente para demarcar as terras indígenas» - e o Estatuto do Índio (Lei n° 6.001, art. 38) afirma que «as terras indígenas são inusucapiáveis e sobre elas não poderá recair desapropriação». RELAÇÃO SAÚDE-TERRA Duas frases bastariam para, á luz do exposto até agora, entender a relação entre saúde e terra: “À medida que se implantam modelos econômicos, concentradores de renda e exportadores de capitais e riquezas, criam-se os subprodutos da miséria e da fome, que, como diz o povo, é a mãe de todas as doenças. Por outro lado, esses modelos econômicos se sustentam através de regimes de força que, institucionalizando a opressão, dissemina o medo, que, como diz o povo, é o pai de todas as doenças». 4.1 - 70% de subalimentados - A alimentação é fundamental para viver. Como é que um povo subalimentado pode viver e ter saúde? Os fatos nos mostraram a impossibilidade para a grande maioria da população ter saúde. Toda alimentação vem da mãe-terra. Sabemos que a grande maioria dos alimentos produzidos pelos latifundiárias e multinacionais são exportados, deixando o povo com fome. Como vimos no processo de expropriação, o trabalhador se mata para produzir para o capitalista, e depois vê a sua produção escapar de suas mãos. Como é que uma pessoa subalimentada pode estudar, ser produtiva num emprego, pensar em lazer? E logo vem o slogan. »Os pobres são preguiçosos, moles». As favelas e os cortiços são também produtos da subalimentação: a exploração desavergonhada obriga as pessoas expulsas do campo a se refugiarem nas cidades e a viverem de subempregos, porque não têm forças para disputar um emprego que sustente a família. A fome também constitui uma violência: milhões de nordestinos morreram durante os últimos cinco anos de seca, não tanto por não terem água, mas, sobretudo, por não terem terra e condições de trabalho. Um nordestino afirmou que o problema deles não é a «seca, mas a cerca»! As frentes de trabalho, com um salário minguado e muitas vezes não pago, visavam principalmente construir açudes, mas que as primeiras enchentes destruíram. E muitas verbas e auxílios aos nordestinos foram desviados. 4.2 - Definição da saúde - Atualmente, é importante não limitar a saúde á assistência médica. O relatório final (oficioso) da 8º Conferência Nacional de Saúde (Brasília, 17 a 21 de março de 1986) define a saúde no seu sentido abrangente como «a resultante de condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde».


Direito á saúde significa a garantia, pelo Estado, de condições dignas de vida e de acesso universal e igualitário às ações e serviços de promoção, proteção e recuperação de saúde, em todos os seus níveis, a todos os habitantes do território nacional, levando ao desenvolvimento pleno do ser humano em sua individualidade. 4.3 - Procurando a saúde - Se 70% das doenças são auto-curáveis, como enfatiza a Organização Mundial da Saúde, e a sociedade de consumo criou o mito de que a saúde é dada pelos médicos, através de suas prescrições, é inevitável admitir que se está à frente de uma situação contraditória, irreconciliável, se não desmistificada, cuja superação só ocorrerá através de uma verdadeira educação para a saúde. Nela se deverá ter como objetivo fundamental levar o povo a compreender que a saúde não depende da ação do grupo médico e/ou paramédico, mas de uma ação conjunta do paciente, de sua vontade e também da comunidade. Essas vontades, somadas, devem ser dirigidas no sentido de eliminar todos os fatores que desencadeiam a produção da doença, como alimentação inadequada, desemprego, salário indigno, habitação sem água potável e saneamento, feita de educação, de lazer e recreação, e, não menos importante, o não exercício do poder de decisão sobre problemas que afetam a vida biológica, psicológica, social e política das pessoas. Reconhecer que a mais grave doença de 70% dos brasileiros é a fome, a má qualidade de vida, geradas pela inadequada e injusta distribuição da renda, da terra e dos bens, e supor que o INAMPS e hospitais vão resolver os males que afligem a saúde do povo chega a ser, por isso, até ridículo. 4.4 - Terra, chão de alimento, trabalho, descanso e moradia - Para os lavradores, o direito à terra é o próprio direito à vida. É da terra que eles produzem seu alimento e nela realizam seu trabalho humano. Para eles, como para os pobres da cidade e para os povos indígenas e negros , terra não é mercadoria, mas chão de alimento, trabalho, descanso e moradia. Eles não entendem nem aceitam as distorções desta organização social vigente, que permite a alguns proprietários guardarem grandes extensões de terras improdutivas, com fins especulativos, havendo tantas pessoas com fome e vontade de trabalhar a terra. RECOMENDAÇÕES Através da Constituinte, o Congresso, com a pressão da sociedade (já que a Assembléia Nacional Constituinte livre e soberana nos foi negada), por meio dos movimentos e organizações da sociedade civil (OAB, CNBB, movimentas populares, sindicatos etc.), deverá exigir para que «todos tenham vida e a tenham em abundância». Para os trabalhadores rurais, através da reforma agrária: . em lugar do monopólio da terra, redistribuí-la para os que efetivamente nela trabalham; . em lugar da produção agrícola voltada prioritariamente para atender as exigências do mercado internacional de grãos, colocar, antes, a produção agrícola a serviço do mercado interno, para atender as necessidades de alimentação dos brasileiros; . em lugar da expropriação e da violência, que expulsam o trabalhador do campo e ocasionam o crescimento da miséria e do desemprego nas cidade, realizar a fixação do homem na terra, para que produza alimentos, e garantir a estabilidade dos operários nas fábricas; . a expropriação de terras das multinacionais e o fim de qualquer colonização dirigida; . a criação do módulo máximo, não superior a 700 hectares, e a desapropriação de propriedades que o superem;


. a suspensão dos órgãos repressivas do passado e a criação de organismos ágeis, com participação dos trabalhadores; . a reformulação da atual política agrícola, estabelecendo-se prioridade para a produção de alimentos, com credito aos pequenos, assistência técnica, tecnologia alternativa; . o fim da violência, a apuração dos crimes, autonomia do poder judiciário, a criação de uma justiça agrária, o controle dos cartórios; . respeito á terra, contra a ação predatória do desmatamento, do uso dos agrotóxicos, dos venenos, da devastação por causa dos grandes projetos Para todos os cidadãos, que a saúde é um direito e um dever do Estado, garantindo: . alimentação para todos, segundo suas necessidades; . trabalho em condições dignas, com amplo conhecimento e controle dos trabalhadores sobre o processo e o ambiente de trabalho, . moradia higiênica e digna; . educação e informação plenas; . qualidade adequada do meio ambiente; . transporte seguro e acessível; . repouso, lazer e segurança; . participação da população na organização, gestão e controle dos serviços e ações de saúde; . direito à liberdade, à livre organização e expressão. CONCLUSÃO Como conclusão, citarei o n.º 492 do Documento de Puebla: «Os bens e riquezas do mundo, por sua origem e natureza, segundo a vontade do Criador, são para servir efetivamente à utilidade e ao provento de todos e cada um dos homens e dos povos. Por isso, a todos e a cada um compete um direito primário e fundamental, absolutamente Inviolável, de usar solidariamente esses bens, na medida do necessário, para uma realização digna da pessoa humana. Todos os outros direitos, também o de propriedade e livre comércio, lhe estão subordinados. Como nos ensina João Paulo II: sobre toda propriedade privada pesa uma hipoteca social. A propriedade compatível com aquele direito primordial é, antes de tudo, um poder de gestão e administração, que, embora não exclua o de domínio, não o torna absoluto nem ilimitado. Deve ser fonte de liberdade para todos nunca de dominação nem de privilégios. É um dever grave e urgente fazê-lo retornar à sua finalidade primeira.

BIBLIOGRAFIA 1 - Declaração Universal dos Direitos Humanos 2 - Por uma nova ordem constitucional - Documentos da CNBB n.° 36. 3 - Bigo. Pierre e Ávita, Fernando Bastos de Fé e compromisso social - Edições Paulinas, 198l. 4 - Situação mundial da infância – UNICEF, 1986. 5 - Texto-base da CF 86 - Terra de Deus, terra de irmãos. 6 - Martins, José de Sousa - Expropriação e violência – Hucitec, São Paulo. 7 - Carriconde, Celerino - Medicina comunitária - Vozes, Petrópolis, 1985


TRANSPLANTES E ENXERTOS Hubert Lepargneur Transplantes e enxertos são típicos destas operações novas que não podem ser avaliadas diretamente pela revelação bíblica. Em vez de impor uma solução ex cathedra, os teólogos atuais da bioética entram nas discussões dos especialistas destas intervenções que manifestam preocupações éticas no exercício de sua profissão: discussões não apenas pluralistas pela complexidade das situações, mas ainda movediças em razão da rapidez da evolução tecnológica. No tocante ao doador, já que não nos é permitido adiantar seu passamento, o ponto mais delicado diz respeito ao momento em que convém declarar sua morte. Esse é um problema técnico que cabe ao médico decidir, conforme a metodologia e as regras de sua profissão, os instrumentos de que dispões e a própria consciência. Não ignoramos o eventual conflito que confronta a certeza da morte ( a comprovação científica demora: vários encefalogramas espaçados no tempo; esta certeza aumenta com o tempo) e a segurança do eventual transplante ( que pressiona para apressar; esta segurança está diminuindo com o tempo). Portanto, o médico que declara o óbito não deve integrar a equipe de transplante. Morte é reconhecimento, hoje da total inatividade cerebral, mesmo que o coração possa ainda bater. Necrose dum elemento periférico do corpo não basta; morte é processo e processo irreversível, com um ponto ideal (isto é por vezes difícil de determinar) de não retorno. Conforme a atual sensibilidade do povo brasileiro, a lei não permite presumir a licença de se retirar órgãos do defunto; esta licença deve ser dada pela pessoa ainda viva ou por seus próximos, após o falecimento. Resta que tal doação prévia ou no tocante a um próximo possui alto valor humanitário e é perfeitamente conforme ao espírito cristão (Jo X). Sabendo que graves queimados precisam de pele alheia para sobreviver, mal se justifica a extrema e especial repulsa que se contata para a doação deste tecido, pelo menos quando ele pode ser tirado de falecimento. Tramita com velocidade parlamentar uma emenda para que equipes responsáveis possam utilizar pelo menos órgãos de submetidos por lei à autópsia. Outro problema visa o transplante de rim entre parentes ( caso mais favorável). O máximo cuidado deve proteger a plena conscientização das conseqüências e a plena liberdade de decisão do doador potencial, sem chantagem nem pressão desumana. Não tendo obrigação de consentir, ele pode expressar simplesmente sua reticência-recusa sem contar com o médico para lhe fornecer uma desculpa técnica e deve rechaçar a tentação duma compensação financeira. A moral reprova a venda de qualquer órgão humano; os serviços sociais são chamados a resolver de outro modo as carências extremas de recursos. A penúria de sangue humano pressiona alguns países a concessões que se tenta substituir por campanhas de doação voluntária por parte dos bem nutridos. Pobre não deve doar sangue. Do lado do receptor, cabe aos médicos determinar a oportunidade de um transplante pela gravidade do caso, a inexistência de alternativa melhor, a existência de condições técnicas e econômicas de desempenho satisfatório, assim como pela probabilidade de razoável êxito em termos de tempo e qualidade de vida. Cabe-lhe elencar os receptores eventuais segundo critérios objetivos (assim, para renais, o tempo já sofrido em diálises); diante duma oportunidade repentina, o corpo clínico-cirúrgico escolhe entre os doentes compatíveis o beneficiário mais idôneo. O principal beneficiário deve ser o transplantado; sem proveito para ele, o interesse científico não justifica a experimentação, e menos ainda o retorno econômico ou a fama do cirurgião-mor.


Deixando para a próxima matéria o transplante muito especial de ovo, observamos que a crescente incidência dos transplantes de tecidos fetais, em países desenvolvidos, levanta reticências quanto ao aborto (proibido pela Igreja) e quanto ao uso destes tecidos (não comercializáveis e respeitáveis); diante da crescente utilidade desta operação, porém, inexiste motivo para uma proibição radical. Mesmo diante da proposta de se beneficiar de um transplante, cabe ao doente a liberdade de recusar em razão do ônus que esta intervenção representa para ele, de uma maneira ou de outra. Informado, ele deve ter, nos limites de sua capacidade de entendimento, condição de todo exercício da liberdade. Todo tipo de transplante comporta seqüelas físicas, psicológicas, econômicas (a cicloporina antirejeição é cara) e familiares, senão profissionais, que entram na avaliação global da oportunidade. Toda decisão também se toma frente às alternativas concretas do caso, que – elas também – comportam sempre seus prós e seus contras. Sem dúvida, se alguns enxertos fazem parte das rotinas cirúrgicas, os transplantes em geral levantam ainda os questionamentos da terapia pesada ou de ponta. É difícil tentar avaliar o futuro dos órgãos protéticos, totalmente artificiais, sobretudo quando comportam mecânica delicada, ainda que o marca-passo já esteja banalizado. A humanização dos transplantes parece favorecer uma prospectiva de retirada de órgãos de recém-defuntos que dispense onerosa doação por parte dos vivos, á parte a doação do sangue, que é benéfica para o próprio doador sadio. Progresso cirúrgico e solidariedade caritativa são chamados a se completar mais do que a conflitar, sem que endossemos por isso uma filosofia que absolutize o quantum de anos em detrimento da qualidade humana e espiritual da vida.


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