HUMANIZANDO O ADEUS À VIDA Ana Cristina de Sá é enfermeira do Instituto Central do Hospital das Clinicas da Universidade de São Paulo. Este é um relato pessoal, em que ela revela experiência que viveu, ao partilhar os últimos momentos de vida de um pacien te. Por vezes, a palavra e a presença são capazes de fazer muito mais do que todo esforço médico. Era mais um dia de plantão numa UTI do Pronto-Socorro. Como sempre, inúmeros indivíduos se concentravam ali, ou sofrendo ou tratando dos que sofrem e, consequentemente, submetendo-se a um alto grau de ansiedade também, pela impotência frente á inevitável morte de alguns. Há aqueles que nada sofrem, entretanto , principalmente aqueles que consideram o perigo uma rotina, ou aqueles que se preocupam em prolongar a vida a qualquer custo, independentemente da dignidade dos seres humanos que se encontram deitados sobre as camas e macas. Assim que entrei na UTI, reparei num senhor com cerca de 65 anos, magro, pálido, cabelos ralos e escuros, um bigodinho bem aparado. Pareceu-me o tipo do sujeito bom e incapaz de fazer mal a uma mosca e que denotava em sua expressão fisionômica um medo quase que incontrolável e olhos que expressavam: «Mas por que é que eu estou aqui? Sempre fui um cara bom, nunca fiz mal a ninguém, agora estou aqui sendo agredido com estes barulhos, imagens, sofrimentos, tubos, luzes, enfim, muitas coisas incômodas e que nunca tiveram algo a ver comigo!!!» Somente pelo seu olhar, ao se cruzar com o meu, pude ouvir seus pensamentos: «Socorro! Me ajude! Eu estou com medo e estou sozinho, sem ter com quem compartilhar estas desagradáveis sensações!!! Faça alguma coisa! Eu não agüento mais! Eu vou explodir! Eu vou morrer» Sem dúvida, aqueles olhos me pediam socorro e, através da empatia, pude perceber a situação do meu semelhante que estava ali deitado. Aproximei-me dele, coloquei sua mão direita entre as minhas e disse: O que há? Passo ajudar em alguma coisa? E ele respondeu: «Sim, eu estou... (uma lágrima começou a se formar no cantinho de seus olhos) com medo. Me diga a verdade. Eu não estou bem, não é? Eu posso morrer a qualquer momento e eu sinto que isso vai acontecer». Olhei para o monitor cardíaco e constatei uma grave arritmia. Dei outra olhada nas anotações da papeleta e mais uma vez se confirmou o estado muito grave de saúde daquele cidadão à minha frente. Com certeza ele iria entrar em parada cardio-respiratória em breve. Não sei, nunca me liguei muito em religião, mas segurei mais firmemente a mão do paciente e disse: O senhor é religioso? Ele respondeu que era católico e completei: O senhor não está muito bem. Gostaria de rezar um pouco mentalmente? As vezes, ajuda um pouco nestes momentos mais difíceis. Eu vou permanecer aqui ao seu lado, enquanto isso, certo? Ele assentiu com a cabeça, deu um sorriso e fechou os olhos, fazendo suas preces e confissões particulares a quem ele devia se dirigir no momento - Deus. Olhei para o monitor e notei que, apesar da arritmia ainda estar grave, o número de batimentos cardíacos diminuíra a parâmetros quase normais. Ele então abriu os olhos, apertou ainda mais minha mão e disse: «Muito obrigado! Eu só não queria ir sozinho (seu olhos não pediam mais socorro, e sua expressão era de alivio e calma). Já vou embora, minha filha. Que Deus te abençoe». Fechou os olhos e entrou na parada cardíaca. Imediatamente, a SWAT (Apelido dado à equipe de saúde ao reanimar paradas) entrou em ação. Eu, porém, permaneci ali, de mãos dadas com o paciente. Ele abriu mais uma vez os olhos e recebi a mensagem do olhar (enquanto isso, a SWAT batalhava contra o inimigo morte, fazendo tremenda parafernália): «Eu já vou. Estou bem. Fique tranqüila». Nós dois, enfermeira e paciente, estávamos num mundo à parte do real, numa verdadeira e efetiva interação. A SWAT poderia gastar toda a munição e de nada adiantaria, pois aquele senhor já aceitara e já decidira ir-se desta dimensão. E eu sabia disso e resolvi, então, participar de sua decisão, permanecendo ali e interagindo com ele. Incrível! Foi a forma mais verbal de comunicação não-verbal de que já participei! Estávamos tranqüilos dentro de toda uma intranqüilidade externa. Fizeram o diabo para reanimar este homem. Ele, então, me deu uma piscadinha (já entubado, furado, sondado, estragado, estropiado, judiado, etceterado) e parou definitivamente. Quando isto aconteceu, eu sai de nosso mundo particular, olhei para a SWAT, que ainda tentava em vão trazer o paciente à vida material, e disse: Não adianta continuar, ele já se foi e não voltará. Sai dalí convicta de que o meu amigo estava muito bem, mas não mais por aqui. A SWAT ficou atônita com minha atitude. Com certeza imaginaram que eu falhara em atender à parada cardíaca, pois, além de ficar ali sem fazer nada, ainda tivera a coragem de ficar de mãozinhas dadas com o homem enquanto ele estava morrendo. Pois é, pela primeira vez eu soube o que é uma interação efetiva.
ROTEIRO DE REFLEXÃO PARA AS EQUIPES DE PASTORAL DA SAÚDE Júlio Serafim Munaro
Uma das questões mais debatidas em âmbito mundial, nos últimos tempos, é a da saúde e da qualidade de vida da população. Nada é tão pessoal quanto a saúde e a doença. Ambas encarnam-se numa pessoa concreta. Só por tabela os outros entram. O direito à saúde e ao tratamento, em caso de doença, constituem, hoje, uma reivindicação de todos. Isto, porém, não basta. Deve-se lembrar que o primeiro responsável pela própria saúde é o indivíduo, sobretudo quando adulto. Cabe a ele conhecer as exigências de sua saúde e atendê-las; perceber os riscos a que vai sujeita e evitá-los. Isto, naturalmente, envolve situações que implicam também a família e a sociedade. Nisso interferem também as tradições, a cultura, a economia e o tipo de organização social. Alguns destes fatores escapam ao controle do indivíduo e da família, para se prenderem à sociedade como um todo, dentro de seu estágio evolutivo, ou a setores dela, que, por muitas razões, acabaram marginalizados da média de benefícios que poderiam usufruir. Basta pensar no caso dos favelados ou dos agricultores empobrecidos. Ao par disso, surgem os inevitáveis momentos de crise social, que sempre atingem as camadas mais fracas da sociedade. Tais fatores diminuem a responsabilidade do indivíduo no tocante à sua saúde, mas não a eliminam por inteiro. Antes, em certos momentos, podem exigir dele um empenho maior. A Campanha da Fraternidade de 1981 disse: «Entre as nossas preocupações, merece prioridade a educação para a saúde, pois educar para a saúde significa garantir saúde». Claro que a educação para a saúde é de interesse geral, pois preserva o que cada cidadão tem de mais precioso para si e para os outros: a vida e a saúde. Uma vida saudável constitui um patrimônio e uma esperança para todos. Uma vida traumatizada pela doença torna-se um pesado fardo para o indivíduo, para a sua família e também para a sociedade. Graças aos progressos científicos, a humanidade não está ao léu dos fatores cegos da natureza. Muitas doenças podem ser evitadas ou, como se diz, prevenidas. Um dos exemplos são as vacinas, hoje muito generalizadas e cujos resultados são amplamente reconhecidos. Mas as vacinas não representam tudo no campo da prevenção da doença. O velho Monteiro Lobato falava da «botina rangedeira» como um santo remédio contra as verminoses. Hoje, mais do que nunca, sabe-se que a boa alimentação, a água tratada, a higiene, casa conveniente, bons hábitos de vida são fatores determinantes para a saúde. Claro que, para se conseguir isso, requerem-se condições básicas, e estas nem sempre dependem exclusivamente do indivíduo. Mas não podemos esquecer que o indivíduo nunca pode ser isentado de sua responsabilidade no que toca á promoção e à preservação de sua saúde. O que se nota, porém, é que muitos estão despreparados para desempenhar esta responsabilidade. Como conseqüência, não aproas possibilidades que favorecem a sua saúde, nem evitam os riscos que a ameaçam. Não se trata de culpa individual. E conseqüência do conjunto histórico-social. A conclusão de tudo isso é muito simples: mais importante que cuidar do doente é trabalhar para que ninguém fique doente. Claro que o doente não pode ser esquecido, menos ainda mal cuidado. Suas necessidades são reais e urgentes. Qualquer descuido pode custar-lhe a vida ou compromete-la para sempre. O que não se pode fazer é descuidar da promoção da vida e da prevenção da doença. Que bom seria se tantos doentes nunca tivessem ficado doentes! O agente de pastoral da saúde deve tornar-se um promotor de vida e de saúde. Para tanto, deve tornar-se também um educador de saúde. Estaria preparado para isso? Talvez não. Mas não é uma falha sua apenas. E uma carência da qual padecem quase todos os profissionais da saúde, até mesmo os professores de medicina, pois o que ensinam limita-se quase exclusivamente ao tratamento do doente e quase nada á promoção da saúde e à prevenção da doença. Faz-se urgente mudar esta mentalidade de nosso Pais. Como agentes de Pastoral da Saúde, que contribuição podemos dar para que isto aconteça quanto antes? Que estratégias deveríamos montar? Que preparação deveríamos ter? A tarefa é importante e urgente, mas não é simples. O apelo de Cristo: «Vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância» (Jo 10,10) não pode deixar-nos indiferentes. AIDS NO TRABALHO PASTORAL, VIVER A CARIDADE, SEMPRE. Leocir Pessini UMA EXPERIÊNCIA Sábado à tarde, num grande hospital. O telefone toca. Na voz de quem chama percebo emoção, agitação e temor. Um pedido: paciente com AIDS, em fase terminal, quer conversar com o Padre! Deixo tudo e me apresso a atender o chamado. Chego ao local e me deparo com uma pessoa humana totalmente desfigurada, passando por uma terrível crise. Médicos e enfermeiros ao seu lado, fazem o possível.
Ao me apresentar, ele quis logo conversar. Voz tênue, respiração ofegante, no olhar um grito de súplica Socorro! Suas primeiras palavras: «Padre, eu estou morrendo. Gostaria de estar em paz e que o senhor dissesse aos meus familiares o quanto os amei e que ofereço a minha morte para que eles permaneçam sempre unidos». Comovido, disse-lhe que estaria com ele como irmão, para ajudá-lo a enfrentar este momento de crise numa perspectiva de fé, na certeza de que o Cristo está conosco, dando-nos muita esperança e certeza da vida eterna. «Padre, disse-me ele, soluçando entre lágrimas, tudo foi errado na minha vida. Tenho salvação?» Senti que este era um momento sagrado. Ele falou... chorou... contou muito sobre sua vida. Fui lembrando-lhe o Cristo que veio ao encontro dos pecadores e não dos justos, do seu amor para com os doentes e marginalizados, do seu perdão a tantos. Seus olhos reluziam como que readquirindo nova vida. «Padre, insistiu ele, quero receber tudo para poder morrer em paz». O diálogo foi crescendo em profundidade, dei-lhe a absolvição, a unção dos enfermos. Disse-lhe que ele não estava caminhando fracassado para um abismo ou um túnel sem saída, mas que estava indo para o encontro de Deus, que é um Pai amoroso, que o aguardava de braços abertos. Convidei-o a agradecer pelo dom da vida e colocá-la nas mãos de Deus. Ele me agradece comovido. Continuo: A., agora que você está sentindo-se em paz, não gostaria de receber a comunhão? «A hóstia, padre? Eu mereço isto?» Sim, Deus te ama, eu disse. Ele fecha os olhos, escorrem-lhe lágrimas e soluça, soluça de alegria, de gratidão por ainda perceber que Deus está com ele quando tantos o abandonaram e o esqueceram. Rezamos junto o Pai nosso, agradeci a Deus pela vida de A. e disse que nunca mais o esqueceria. Toda vez que fosse chamado a estar com alguém prestes a morrer, me lembraria dele, de sua coragem, humildade e fé reconciliada com Deus. Ao despedir-me, prometi minhas orações e disse que esperava, um dia, ver-nos novamente no céu. E A., no final da tarde, disse adeus na esperança de viver eternamente. Era sábado, véspera do Domingo da Ressurreição... l - Algumas informações A palavra AIDS vem do inglês e significa «Acquired lmmuno Deficiency Syndrome». Isto é, «Sindrome da lmuno-Deficiência Adquirida» (SIDA) em português. A AIDS, causada pelo vírus HTVL.III, tornou-se a mais nova e temida doença mortal no mundo de hoje, assemelhando-se à peste negra dos tempos passados. Tem suscitado um medo tal que está causando mudanças profundas na maneira como as pessoas se relacionam. Muitos fatos do vírus da AIDS já são conhecidos, mas muito ainda não se descobriu (por exemplo, vacina). Não obstante este conhecimento, as pessoas ainda estão assombradas. E algo novo. Parece ser uma reminiscência do medo do câncer de alguns anos atrás, quando, mesmo tendo -se conhecimentos disponíveis a respeito da doença, não se prestava nenhuma atenção a isto. O medo da doença era maior. Os profissionais da Saúde têm trabalhado com as vítimas de AIDS há vários anos e não se tem noticia de casos de AIDS transmitidos a estes profissionais no desempenho de seus trabalhos. Nos EUA, escolas e organizações estão tão amedrontadas com o vírus que ostracizam as vítimas da sociedade e barram homossexuais no trabalho. As vítimas da AIDS são geralmente homossexuais, mas outras pessoas foram afligidas pela AIDS e não são homossexuais. Alguns receberam AIDS de transfusões sangüíneas e produtos de sangue, outros têm sido transmissores, mas não vitimas: todos eles, no entanto, são condenados ao isolamento. Muitos aidéticos estão religiosamente procurando e explorando o significado de seus comportamentos passados e buscando esperança e reconciliação. É difícil para eles identificar uma pessoa religiosa que os aceite como são. Ministério com os aidéticos é um desafio para os agentes de Pastoral, desafio que implica lidar com sentimentos, valores, preconceitos e estigma. Os fatos médicos da AIDS não serão discutidos neste texto, apresentamos algumas sugestões pastorais de como ajudar os pacientes de AIDS, fruto da experiência apenas como capelão no Hospital das Clínicas e Hospital Emílio Ribas, no atendimento pastoral aos pacientes portadores de AIDS. 2 - Situação psico-espiritual das vitimas de AIDS A AIDS é uma doença que apresenta a síndrome de alienação e separação. Separação entre: . a pessoa e Deus: «Deus está me punindo? Por que eu? O que fiz para merecer isto? Tenho salvação?»; . a pessoa e seu corpo: «A todo momento algo muda no meu corpo, me pergunto se esta não é a última mudança»; . a pessoa e sua família: «Minha família não pode saber que tenho AIDS, eles enlouqueceriam»; . a pessoa e seus amigos: «Quando disse ao meu amante que tinha AIDS, ele me abandonou»;
. a pessoa e a Igreja: «Estamos preocupados, mas as pessoas colhem o que semeiam». Os aidéticos sentem terrivelmente a solidão, bem como a perda de muitas experiências significativas. A sociedade não os aceita por causa do medo e ignorância, em alguns casos os dispensa do trabalho. A medicina ainda não tem feito muito, apesar de todos os esforços e pesquisas em andamento. A Igreja os condena pela homossexualidade e promiscuidade sexual. A família não quer toca-los ou beija-los por medo de contrair o vírus, e em alguns casos até os parceiros os abandonam. A situação pode ser melhor descrita como uma situação de perda. Muitas perdas significativas aconteceram e outras são antecipadas, inclusive a da própria vida. A situação é semelhante aos pacientes cancerosos terminais face à morte, sem remédios, soldados enfrentando o combate pela primeira vez e pacientes cirúrgicos entrando para uma cirurgia com pouquíssima chance de sucesso. Os aidéticos correm o risco de tornarem-se mais dependentes do álcool e outras drogas como via de escape. Tornam-se visivelmente hostis, manifestam ressentimentos, raiva, depressão e falta de motivação em tentar enfrentar a realidade. Aprender a lidar com a perda é o começo de uma jornada espiritual dentro de um contexto cristão. O sentimento de culpa aparece de formas diversas. Pode ser manifesto como um estado de stress ou mesmo ser até mais intenso que isso. Primeiramente pelo isolamento da sociedade, amigos e Igreja. Apresenta-se para a vitima a mensagem de que «Existe algo de errado comigo», «Eu não sou uma boa pessoa». Segundo, se manifesta como «Deus não me perdoa porque não existe salvação para esta doença (não tem cura, não tem remédio), mas quer a minha vida». Terceiro, se manifesta pelos atos que a pessoa praticou através de contatos sexuais e, além disso, conflito com o estilo de vida e contexto social que surge da percepção: «As pessoas não me entendem» (auto-piedade). Em alguns casos, eles sentem-se isolados justamente das pessoas que mais amam porque não querem feri-las (amigos, familiares etc. ) Pacientes com AIDS que têm pouco ou nada de esperança no futuro, experimentando-se impotentes, tornam-se passivos e deixam que os outros façam tudo para eles. Perguntam aos profissionais "O que eu devo fazer?" Eles não querem dizer para si mesmos o que fazer, e têm dificuldades também em seguir as direções dos outros. Isto pode ser reconhecido como depressão, desmotivação ou passividade. Pensamentos suicidas podem também ser parte do pensar do paciente, enquanto o esgotamento mental pode ser uma realidade para o agente de Pastoral. 3)- A Pastoral junto aos aidéticos Pastoral junto às vitimas da AIDS deve começar primeiramente com o desejo de saber mais sobre AIDS e comunidade gay. Este é o passo n.º l para que uma ação pastoral construtiva, redentora e reconciliatória tenha futuro. A Pastoral neste contexto É PREDOMINANTEMENTE um ministério de reconciliação. Deve ser lembrado que, nesta etapa da história, todos os pacientes de AIDS são terminais. Centenas já morreram e milhares morrerão, segundo especialistas. Devemos ter em mente que existem dois aspectos sensíveis nos aidéticos: a morte e a sexualidade. Estas duas realidades precisam ser abordadas. Um perigo que se apresenta para o agente e/ou profissional não é a doença em si, mas o esgotamento mental, uma vez que os pacientes tendem a tornarem-se passivos, sentirem-se impotentes e dependentes. Um relacionamento de ajuda não deve ser de superproteção e estar alerta ao perigo de uma dependência continua. Pistas de ação pastoral 1. Objetivo - É importante estabelecer uma relação continua de aceitação. Com muita freqüência somente estar com o paciente, ouvindo-o e compreendendo o que ele está querendo dizer, é suficiente. A capacidade de ouvir é criticamente importante aqui. Nosso objetivo, como Timóteo diz (Tim 1,5), é viver o amor, a caridade. 2. Estimular uma postura ativa - Os pacientes de AI DS tendem a tornarem-se passivos, porque o tratamento é determinado por outros. Eles devem ser encorajados a ter um papel ativo no tratamento, quanto possível. Podem participar no tratamento aprendendo e cooperando em questões tais como de alimentação, em como lidar com o stress, relaxamento, várias formas de meditação, leituras etc. Eles precisam trabalhar sua salvação com temor e tremor, como diria São Paulo (Fil 2,12). Isto não é um julgamento, eles devem ser ajudados a assumir a sua própria realidade existencial em que se encontram. 3. Ser de ajuda, mas não superproteger - Ajudar pacientes que podem fazer as coisas por si mesmos não é ajudar, mas atrapalhar. Superproteger pode levar os pacientes a desenvolverem passividade, dependência e alimentar
mais o sentimento de impotência. Isto pode reforçar a idéia de um declínio iminente. Os pacientes devem ser encorajados e fazer tanto quanto eles podem. Algumas vezes dizer não expressa mais amor que permitir dependência. 4. Ajudar os pacientes a construir um estilo de vida melhor - Encorajá-los a participar em acontecimentos recreacionais, religiosos, ocupacionais, dentro dos limitei de sua condição. Este è um momento de mudança para o construtivo, buscam-se respostas de salvação. Passagens bíblicas apropriadas podem ser usadas como base no processo de aconselhamento. 5. Encorajar o paciente a falar - Estimulá-lo a falar sobre qualquer assunto, incluindo os difíceis, tais como mortalidade (a própria morte), mas deixar sempre a iniciativa ao paciente e guiá-lo na discussão. E muito importante promover um diálogo aberto. 6. Permitir a negação - Os mecanismos de defesa têm um objetivo. Contanto que os cuidados médicos não sejam comprometidos como resultado, permitir a negação. A negação reduz o stress, mantém o paciente feliz, ajuda-o a manter uma qualidade positiva de vida. Existem muitas maneiras de trazer à luz as coisas que estão escondidas (1 Cor 4,5), não esquecer, no entanto, que isto deve ser dito com paciência (Tiago 5,8 2 Pedr 3,9). 7. Encorajar a participação em grupos- Os grupos podem tornar-se lugares seguros e de apoio. Dão a chance de ver exemplos de posturas construtivas perante a doença entre os participantes. Por causa do isolamento, por vezes, não acontece a interação grupal. 8. Confiança, consistência e continuidade- O apoio oferecido pelo agente de Pastoral deve estar na linha de um relacionamento consistente, confiante e continuo. Uma vez que primeiramente a abordagem pastoral significa «estar presente», é importante que o agente de Pastoral comprometa-se consigo mesmo e seus pacientes em estar disponível e afastar-se quando necessário. 9. Dar tempo para desenvolver a relação pastoral - Leva tempo para se construir a confiança e cultivar um relacionamento verdadeiro. Ser paciente consigo mesmo e com o paciente. 10. Dar permissão a você mesmo em sentir desconforto - Isto é essencial para quem lida com pessoas que estão enfrentando doença terminal. Lembre-se que você é humano e que, como ser humano, é natural sentir-se frágil, impotente, apreensivo ou usar afirmações teológicas antes que reconhecer seu próprio desconforto, e lidar com ele. Aceite o paciente e você mesmo como são - seres humanos em busca da redenção e reconciliação que Deus oferece. E necessário estar vigilante no sentido de não personalizar a raiva, o ressentimento e a depressão do paciente, mas engajálo num diálogo construtivo. Conclusão É importante que lidemos com a doença no nível médico e, de outro lado, que não isolemos a pessoa. A pessoa necessita tanto de reconciliação, amor, atenção, esperança quanto a doença necessita de cuidados médicos. O agente de Pastoral tem um campo enorme de ação, em ser um instrumento de reconciliação, da pessoa com ela mesma, da pessoa com os outros e com Deus. Deve estar vigilante em não ser manipulado pelo estigma ligado à AIDS e às pessoas portadoras deste mal («castigo de Deus», «revolta da natureza», «peste gay» etc.) Somos chamados a vivermos a caridade, misericórdia e compreensão, comungando solidariamente com o sofrimento destas pessoas, que são filhos de Deus e nossos irmãos. JUSTIÇA E EQÜIDADE Hubert Lepargneur Simplificando a doutrina tradicional sobre a Justiça, que nos vem de Aristóteles e Tomás de Aquino, temos de distinguir, antes de chegar à equidade, três tipos de justo: . com o comércio ou o salário, temos exemplos de justiça comutativa, troca de pessoa para pessoa, em que bens ou serviços são remunerados com seu valor exato (do ut des); . através da justiça social ou distributiva, o poder público providencia uma eqüitativa participação nos serviços que integram o bem comum (a cada um segundo ele merece): educação, previdência social de saúde e aposentadoria, ajuda aos necessitados, transporte coletivo e estradas etc. Aqui há mais para discutir, porque a igualdade do justo é proporcional aos méritos ou necessidades: convém subvencionar isto? subsidiar tal exportação ou produção? . pela justiça legal, enfim, o cidadão presta sua contribuição ao bem comum segundo suas capacidades. Será normal que sobre 135 milhões de habitantes nem 5 milhões paguem imposto de renda e que estes praticamente nunca cheguem a absorver nem metade da renda individual, em claro contraste com aquilo que sabemos de outros países? A tradição mais segura firma a justiça (que é virtude subjetiva, mas também obra objetiva) sobre a vontade de descobrir e respeitar um «justo» que lhe preexiste, portanto que não é produto arbitrário e subjetivo da decisão humana, nem que seja do príncipe. Isto não exclui a função do legislador de determinar o justo legal, mas restrito do que o justo moral , porque a força pública impõe apenas o primeiro a todos.
Dentre as regras do justo moral que a ordem social promove em justo social juridicamente taxativo, encontramos o respeito à palavra dada, que mencionamos como sendo o fundamento da coexistência pacifica entre seres humanos. Disso decorre que pagar as dividas voluntariamente contratadas é um principio fundamental da ordem social nacional e internacional; se não, o que significaria a responsabilidade, base de toda ética? O não respeito da palavra não é prova de soberania, mas de irresponsabilidade, solapa a confiança mútua, sem a qual o tecido social se corrompe, mesmo e sobremaneira quando esta quebra de palavra serve de peça numa chantagem . Quem não respeita a própria palavra acaba se prejudicando, além de prejudicar os outros, ainda que isto não seja sempre perceptível no mundo atual. A mesma confiança, que integra a ordem jurídica na ordem moral, exclui a prática à qual nos acostumamos de «dois pesos, duas medidas» («para os amigos, tudo; para os outros, nada»), que origina boa parte da injusta desigualdade social sem suscitar desaprovação geral. O mais inquietaste não é a ocorrência episódica da injustiça, é a aceitação tácita pela opinião pública dos princípios perversos que alimentam a injustiça, o que dificilmente seria possível sem a transferência maquiavélica da responsabilidade do mal sobre algum bode expiatório que pouco tem a ver com o caso. A justiça não obsta qualquer desigualdade; ela se opõe à desigualdade arbitrária e irracional. Em novembro de 1986, o episcopado norte-americano adotou, por 225 votos contra 9, o texto remanejado duma Carta Pastoral intitulada "Justiça econômica para todos - Ensino social católico e economia americana". De um resumo de 100 páginas (publicadas pelo «National Catholic Reporter»), destacamos o seguinte: 1) os cristãos não devem separar sua fé de sua vida diária; 2) a vida econômica é um dos principais campos de vivência da fé e da caridade; 3) toda decisão e instituição econômica deve ser avaliada conforme protege ou degrada a dignidade da pessoa; 4) a dignidade humana deve ser vivida e protegida comunitáriamente; 5) toda pessoa tem direito a participar da vida econômica da sociedade; 6) todos têm obrigação especial para com o pobre e desamparado; 7) os direitos do homem, civis, políticos e econômicos, constituem as condições mínimas para a vida social; 8) a sociedade no seu conjunto, agindo através das instituições públicas e privadas, tem a responsabilidade moral de honrar a dignidade humana e proteger os direitos humanos. Tudo isto se aplica ao chamado direito de propriedade, que estrutura qualquer ordenação sócio-econômica da justiça. A apropriação privada, prolongamento da liberdade pessoal, deve apresentar uma fundamentação aceitável e legitima face ao bem comum, e nunca incidir em desproporções incabíveis numa sociedade em que Cada um tem o direito de viver e trabalhar. Todos os bens devem servir a todos: é para administrar da maneira mais eficaz esta norma fundamental que o direito natural admite e recomenda a apropriação particular; é pouco realista pensar que o interesse pessoal não movimenta os indivíduos e que ora o dever ora a coação pode eficazmente substituir-se a esse interesse. A apropriação privada dos bens legitima-se empiricamente, não só por constituir uma extensão da pessoa e de suas capacidades naturais, mas também por ser o método mais eficiente em vista de respeitar proficuamente a destinação universal dos bens. Repetimos: «Todos os bens são para o proveito de todos». Como a natureza humana é tal que a pessoa cuida melhor dos objetivos e serviços em que percebe ter interesse direto, e tende a descuidar daquilo que pertence a todos ou a ninguém, cabe repartir bens e tarefas, de maneira a incentivar a aplicação de cada um e a reduzir os desperdícios. Até, agora, o socialismo não conseguiu criar o homem novo que invalidaria estas norm as de bom senso. Indispensável e bom na sua raiz, o interesse pessoal, incentivado para a criatividade num clima de liberdade, degenera em egoísmo reprovável, se o poder público não regulamentar o jogo social de maneira a proteger os fracos. O perigo desta regulamentação é a proliferação cancerígena da burocracia administrativa, que não cria, mas paralisa. É verdade que quem tem poder ou dinheiro mais do que outros tende a aumentá-lo: cabe ao poder público moderar e controlar este fenômeno. Por isto, a justiça comutativa ("dou algo e recebo o equivalente») deve ser corrigida pela justiça distributiva, que pretende implementar em cada instante o conceito de que o bem comum é de todos, para todos. O poder público não se justifica para entrar em concorrência com os produtores individuais, mas para corrigir e complementar os empreendimentos particulares (principio de subsidiariedade e defesa do bem comum na pessoa dos mais fracos). O poder estatal está, portanto, a serviço da prevalência do bem comum sobre os interesses individuais; não para negá-los, mas para proteger sua harmonia. A desapropriação dum terreno não pode ser nem para negar o interesse individual nem para facilitar-lhe uma especulação: paga-se o razoável dentro da situação toda, isto é, do possível e razoável.