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DIA DAS MÃES Maio, mês das mães. É assim que norteiam nossos ouvidos os reclames da TV e colorem nossos olhos os out-doors das ruas. Então pensamos porque, após todas as conquistas das mulheres, neste último século, por que, apesar de sua afirmação como ser social, liberada sexual, política e economicamente, a ela se dedica especialmente um mês de comemorações? Será apenas pela especulação econômica? Ou será que, apesar de todas as evoluções culturais, embora alvo de todos os questionamentos possíveis que surgiram em torno da «nova mulher», somente o sentimento materno ficou imaculado? Ao desabrochar para o mundo, mais do que nunca a mulher sentiu que só o amor que produz, que gera de si novos amores, somente esse amor que se doa pode realizar, pode retornar, gratificando o ser que o gerou. Mas como vivênciar esse amor num ritmo diário tão corrido, num mundo tão conturbado, onde para muitas mães só é permitido sonhar no embalo das conduções para o trabalho? Como conseguir transformar a quantidade de tempo tão pequena ao lado dos filhos numa qualidade de doação intensa? Como conseguir dividir com eles as experiências de alegrias e insucessos, sem fazê-los descrer da vida? Como deixá-los livres e longe dos nossos olhos, sem que percam a segurança e a confiança no próprio lar? Como desabrochar o sentimento materno? E foi então que, após tantos séculos, as mulheres perceberam que Maria - a Mãe de Jesus estava presente em Pentecostes. E não estava presente apenas por se sentir protegida no meio dos Apóstolos, mas para que, revestida do Espírito Santo, partisse para o trabalho da construção do Reino. E Maria foi distribuir seu amor materno a todos os filhos da humanidade. A exemplo de Maria, as mulheres do nosso século deixaram seus pequenos mundos, seu comodismo egoísta, e empunharam a bandeira da dignidade de vida para todos os seus filhos. Nunca como neste século, o amor materno gritou tão alto pela igualdade, nem perdeu tantas noites de sono pelos seus filhos mais carentes. Nunca as mães acolheram em suas preces tantos filhos da violência, dos hospitais, das guerras, da irresponsabilidade paterna. Nesse mês de maio, nós devemos aplaudir as mães deste século. Essas mães que não tiveram receio de escancarar suas portas e receber os filhos alheios; essas mães que não recearam arregaçar as mangas e partir para a construção de uma humanidade mais justa e humana; essas mães que foram em busca da liberdade e da descoberta de si mesmas, para poderem ajudar seus filhos a se encontrarem; essas mães que derrubaram muros, mas não pisaram nas flores; que geriram cargos e cultivaram calos nos joelhos; essas mães pioneiras, sofridas mas esperançosas, cansadas mas não desanimadas, batalhadoras - que fizeram valer o "M" de Maria e Mãe que cada mulher tem traçado na palma da mão. Graça Maria Minhoto


TEU SORRISO Obrigado, mãe pelo teu sorriso... Sorriso que estampa a felicidade de encontrar teus filhos, mesmo quando estás magoada com os acontecimentos da vida... Sorriso que estampa alegria diante das vitórias dos filhos... Sorriso que revela beleza, quando tinges os cabelos para esconder os fios brancos... Sorriso que encobre as dificuldades para manter a casa... Sorriso que indica prudência, virtude que nos ensina a agir sempre de acordo com as exigências do bem... Sorriso que significa fortaleza, tornando-nos capazes, também, de enfrentar as dificuldades... Sorriso que retrata a temperança, que nos dá equilíbrio para compreensão exata dos valores...

Sorriso que evidencia a justiça, que nos incentiva a partilhar o que temos e somos... Sorriso que desenha o traço de união entre todos os membros da família... Sorriso que espelha o sorriso de Deus: sorriso de Amor oferecido a toda a família, sorriso maternal, lembrando Maria, Mãe de Jesus e nossa Mãe... Sorriso que encarna e resume toda a solicitude da mãe por seus filhos e pelas pessoas que se aproximam. Mãe, neste dia de festa, todos os teus filhos querem retribuir toda a tua dedicação e bondade, oferecendo-te também um sorriso de gratidão, cheio de amar, ternura e carinho. Obrigado, mãe, pelo que és: AMOR! Christian de Paul de Barchifontaine

ROTEIRO DE REFLEXÃO PARA AS EQUIPES DE PASTORAL DA SAÚDE O menor, tema da Campanha da Fraternidade do corrente ano, ocupa lugar de destaque na porcentagem da população brasileira: perto de 49%. Mas não é apenas do ponto de vista numérico que ele chama a atenção. São tantos e tais os problemas que enfrenta, que ele próprio acaba por se tornar problema. Mais ainda: o problema não acaba no menor. Antes, torna-se um problema para todos, uma ameaça comum. Mal amado, mal compreendido, pouco ou nada apoiado, com muito sofrimento e sem perspectivas de futuro, muito menor acaba marginalizado, ou melhor, vem alargar a ampla faixa de marginalizados da população brasileira. Uma situação que denuncia falhas gritantes da comunidade nacional, falta de justiça e pobre de fraternidade. O menor carente e abandonado transforma-se em denúncia contra todos. Parece gritar: «Se vossa justiça não for maior que a dos escribas e fariseus, não entrareis no Reino dos Céus» (Mt 5,20); «Convertei-vos e crede no Evangelho» (Mc 1,15). Denúncia que ele corrobora com seu olhar apagado, com seu ar de desalento, com seu corpo mal nutrido, com sua roupa esmolambada, com sua mãozinha estendida. Alguém, um dia, nos dirá em seu lugar: «Tive fome, tive sede, estava nu, doente, aflito... e não me acolhestes» (cf. Mt 25, 3146): Então poderá ser tarde. A Campanha da Fraternidade chama a atenção de todos para a realidade do menor carente, abandonado, marginalizado, infrator. Aliás, não é bem para ele que chama a nossa atenção. É,


sobretudo, para nós mesmos. Talvez, o menor pudesse repetir as palavras de Cristo a caminho do Calvário: «Não choreis por mim; chorai, antes, por vós mesmos» (cf. Lc 23,28). E que tem a ver com isso a Pastoral da Saúde? Já não bastam os problemas que os agentes enfrentam e que nem de longe conseguem dar conta? De fato, vivemos num país em que os problemas irrompem por toda a parte. Não há quem possa resolver tudo e ninguém pode atribuir-se a tarefa de carregar o mundo. Seria ilusão demais. Certos problemas, porém, são de responsabilidade de todos e cenas exigências evangélicas não excluem ninguém, nem mesmo os agentes de Pastoral da Saúde, embora imersos até os cabelos em suas atividades próprias. E não dizemos hoje, repetindo a famosa definição da Organização Mundial da Saúde, que «a saúde é um estado de completo bem-estar físico, psíquico, social e espiritual»? Os menores carentes, abandonados, marginalizados e infratores estariam gozando desse estado de bem-estar? E mesmo que alegássemos que somos agentes de Pastoral de Doentes e não da Saúde, não são tantas as crianças doentes e a caminho da morte? Os hospitais infantis andam cheios de crianças doentes. E só eles? Os barracos das favelas, os porões dos cortiços, as palhoças do interior, quantas crianças doentes escondem? A Pastoral da Saúde não pode bitolar-se. Seu campo é vasto como o mundo. Sua caridade não pode estabelecer limites. Onde há gente, há doentes. Onde há menores carentes, abandonados, marginalizados, a doença se multiplica e os riscos de perder a saúde, quando ainda existe, são graves. A Campanha da Fraternidade termina com a Quaresma e estende os seus reflexos até o fim do ano. O problema do menor, porém, continuará por muito tempo. Crianças existirão enquanto durar a humanidade. Que atitudes novas e que metas renovadoras deixará nos agentes de Pastoral da Saúde a Campanha da Fraternidade deste ano?

A VIDA DA MORTE Por que a morte, Porque a morte, Senhor, Se puseste no coração do homem O desejo infinito da eternidade? Por que a morte, Porque a morte, Senhor, Quando da longa caminhada da vida Apenas os primeiros passos foram trilhados?

Se também a choraste Quando o teu amigo Lázaro ela chamou? Por que a morte, Por que a morte, Senhor, Se nossos olhos choram lágrimas E nossa mente não entende o que se passou?

Por que a morte, Por que a morte, Senhor, Se ela magoa, violenta, fere e destrói Nossos sentimentos mais profundos?

E eu ainda me questionava assim, sobre a morte, Quando me fizeste entender, Senhor, Que ela não é o fim de tudo, Mas apenas o começo da própria vida!

Por que a morte, Por que a morte, Senhor,

Desta vida verdadeira que nasce de TI E que conduz o homem


Ou seu pleno desabrochar! Desta vida que não conhece derrota, Que transborda de sua própria plenitude E que dá sentido e objetivo às pegadas Que deixamos pelos caminhos que percorremos! Desta vida que nos aguarda E para a qual nos dirigimos, Como as águas que deságuam No oceano que as envolve e acaricia. Desta vida que não frusta e nem engana, Porque nascida dos valores que amam Da própria imortalidade De quem a criou. E é por isso, Senhor,

Que, embora magoado e ferido, Meu coração te agradece A nova vida que a morte gerou! Sei também que entendes As lágrimas choradas, Porque elas são apenas a saudade De uma amizade que não terminou! Finalmente, Senhor, agora sei Porque "todo aquele que crê em ti, ainda que esteja morto, Viverá!" Ele vive, em ti A vida em plenitude Que reservas aos amigos Que chamaste e que são teus!

(mensagem de esperança por ocasião da morte do Pe. Dyonísio Luis Costenato, Provincial dos Padres Camilianos do Brasil, em 31/03/87)

UNÇÃO DOS ENFERMOS E JUSTIÇA SOCIAL Leocir Pessini Não nos deteremos aqui numa análise histórico-bíblico-teológica do sacramento da Unção dos Enfermos, mas em algumas das conseqüências sociais que brotam de sua celebração. Na América Latina, um aspecto muito valorizado da vida sacramental, hoje, é o relacionamento comunidade-justiça social. A Unção dos Enfermos assume o tema da libertação cristã e concretiza, na sua especificidade, as características da assembléia litúrgica, que se enraízam no sentido profundo de justiça social. Enumeramos a seguir algumas características de como a assembléia litúrgica e a Unção dos Enfermos se relacionam neste nível. l - A comunidade que vive a justiça tem Jesus como centro de sua vida, e seus membros seguem Jesus. Juan Luiz Segundo afirma: «Antes de encontrarmos os sacramentos no Evangelho, encontramos uma comunidade que cria sinais específicos sob a direção de Cristo». Jesus é de fato o libertador da comunidade que procura promover mais justiça no interior dela mesma e na sociedade. Ele, o libertador, torna viável para a humanidade viver em comunhão, livre da injustiça e da opressão, porque ele destrói o pecado, que é a fonte da injustiça. Cristo é o paradigma, nele descobrimos os desígnios de Deus para a humanidade. A vida toda, Cristo foi negação de tudo o que é opressão. Seu Evangelho é cura e humanização. Ele é o vingador dos pobres, chama a atenção dos que possuem os bens deste mundo a transcenderem a tirania da propriedade privada. Com Jesus e sua comunidade, a Igreja, um novo espírito entrou na história humana. É o Espírito que da sentido à Igreja na sua missão de liberar


essa nova energia no mundo, que fala do amor humanizante que supera divisões, criando novos laços de fraternidade. A relação Unção e comunidade de libertação está enraizada na missão messiânica curativa de Jesus, que traduz a vitória de Deus sobre o mal. No nível da experiência humana, isso eqüivale à libertação da injustiça. A Unção é o sacramento que realça a realidade de que o ser humano tem capacidade de superar situações e forças destrutivas que se associam á doença e à velhice. A ênfase no novo rito à Pastoral que deve acompanhar cada celebração ritual é um exemplo de justiça social que ajuda a superar a distância entre ação cristã e celebração dos sacramentos. A comunidade que vive sob a égide do Cristo libertador deve ser justa para com seus membros que estão especialmente necessitados da justiça de Deus. A justiça de Deus é experimentada na Unção, quando o doente e o idoso encontram tratamento digno na comunidade, quando esta os considera membros importantes, e age como Jesus agiu. Jesus não tratou os doentes e possessos de maus espiritas como se fossem menos humanos. Eles experimentaram sua justiça na cura, ao capacitá-los a viver humanamente. 2 - A comunidade que celebra a justiça possui um caráter liminal, ou melhor, assume uma qualidade anti- estrutural. É uma comunidade de reflexão critica e aberta às transformações. É aquela que relativiza seus bens institucionais e está preparada para focalizar em assuntos mais globais. A Igreja, para viver a justiça, deve ser comunidade de fé, que discerne os sinais dos tempos. Deve promover o que humaniza a vida e estimular iniciativas concretas de transformação da sociedade. Embora liminal, a Igreja não é uma estrutura á parte das estruturas terrestres. É comunidade que reconhece a ação de Deus na humanidade, confirma a disposição do povo em construir o futuro da liberdade, protesta contra a pretensão absolutista de toda e qualquer organização humana, e sofre com o povo na luta contra o império do mal. A razão primeira de ser da Igreja não é a celebração do culto, mas discernir a presença e promessa de Deus no seio da história. Ela é chamada a ser parte da transformação deste mundo. A Unção celebra o mistério pascal, como uma experiência de justiça, quando, pela palavra proclamada e pela «compaixão» da comunidade, o doente e o idoso descobrem um novo sentido em suas dirias. O sacramento da Unção é anticultural ou liminal, quando relativiza as pressuposições dos participantes da comunidade, não só no que diz respeito ao lugar do doente e do idoso na sociedade, mas também questiona a qualidade de vida de seus membros, quer seja em termos de santidade pessoal ou de missão da Igreja. A Unção, como sacramento vocacional, enfatiza que a justiça social supõe a justiça individual. Os cristãos devem ser justos ou não serão portadores da justiça para os doentes e idosos e a sociedade. Na Unção, os ungidos ministram para aqueles aparentemente vivos e com saúde. 3 - A comunidade, como uma realidade encarnada, vive a tensão de existir na história e, além disso, de ser uma manifestação de Deus na história. Os símbolos que lhe dão identidade apontam para uma transcendência. A realidade sacramental está na tensão dialética. A Igreja vive essa tensão e proclama que todos são chamados a serem Igreja. O que a livra do ocultamento é que a salvação está acontecendo onde quer que seres humanos se encontrem em processo de libertação. O que ela deve aceitar é que nem todos são chamados a pertencer a esse sacramento, que está a serviço do Reino que está nascendo no curso da história. Esta teologia da libertação vê o Reino de Deus crescendo desde agora neste mundo e que os cristãos são participantes na construção deste Reino e devem lutar contra todas as formas de injustiça institucionalizada, sendo um sinal visível do Reino em crescimento, vivendo em comunidade. Este trabalhar pelo Reino, que já se iniciou aqui e agora, mas que não se realizou


completamente, fala aos cristãos que as liberdades que se conquistam aqui não são definitivas. É a tensão escatológica. Destas liberdades surge a possibilidade de novas liberdades ou opressões, mas deve ser enfatizado que já existe algo conquistado, e isto torna a liturgia possível em meio a esta realidade cheia de violência, ódio, destruição e opressão. É precisamente no culto, onde Deus é reconhecido como aquele que dá sentido aos projetos humanos, que os cristãos são chamados a ser missionários e a viverem de maneira que promovam a libertação. A Unção é uma das celebrações litúrgicas que fala profundamente da tensão escatológica presente na comunidade que vive a justiça. Quando este sacramento é celebrado de uma forma plenamente humana, torna-se uma experiência pascal. A Unção é um dos gestos em que a Igreja manifesta aos que estão fora da comunidade que a salvação está fenomenologicamente acontecendo onde está acontecendo a libertação. Sabemos muito bem quanta injustiça cerca o doente e o idoso, hoje, na nossa sociedade: a Unção julga tal mal. A conscientização de que a Unção não é mais o sacramento . passaporte para a vida eterna, mas o reconhecimento do aspecto salvifíco da doença e velhice, chamará a atenção dos cristãos para que examinem suas vidas, no que eles inibiram ou promoveram o Reino de Deus. O Reino de Deus alcança certa visibilidade agora, onde quer que a libertação se torna realidade para o doente e o idosa, e quando estas pessoas se tornam modelo de como a Igreja «com saúde» atua no mundo. 4-A comunidade que vive a justiça não está fechada em si mesma, mas promove o Reino de Deus neste mundo. Portanto, ela deve ser uma comunidade profética, ativamente comprometida. Pregar o Evangelho que clama por justiça e participação dos empobrecidos na luta pela criação de estruturas político-econômico-sociais mais justas. Isto não quer dizer que a comunidade cristã tem o remédio para todos os males; antes, a missão da Igreja é manter vivas a esperança e a inspiração pelo Reino e seus valores. O ministério dos que estão doentes e idosos é o ministério da justiça, por causa de sua qualidade profética. O sofrimento para o profeta é uma experiência de crescimento. Pode-se, por exemplo, pensar no aprofundar a descoberta e fé de Jeremias pelos sofrimentos no assumir seu papel de profeta. Existe um desafio de crescer em ser profeta porque tal forma de vida é uma forma de ministério. O doente e o idoso estão respondendo ao chamado de Deus exercendo seu ministério numa comunidade. A comunidade é chamada a tomar partido em setores da sociedade em que o doente e o idoso são marginalizados. Está ao lado do pobre na luta pela saúde, justiça e direito de assistência médica. A comunidade é solidária com as vitimas da injustiça, os pobres oprimidos e humilhados. Este é o teste que autentica a comunidade cristã. Ser solidário com o próximo significa converter-se a ele. Uma liturgia que é expressão da comunidade que vive a justiça e solidariedade para com os doentes, idosos e moribundos, é uma liturgia profética. Esta liturgia articula desta forma uma espiritualidade participativa nos sofrimentos, esperanças e saúde destas pessoas. É importante notar que a justiça está presente quando a comunidade não deixa o ministério somente para aqueles momentos quando o rito se faz necessário. O ministério dos doentes e idosos é um continuo processo de conscientização para toda a Igreja, que deve constantemente caminhar com estas pessoas. Os cuidados pastorais falam mais alto da justiça de Deus que a liturgia sacramental. A presença dos doentes e idosos nas nossas comunidades deveria ser profundamente sentida, pois essas pessoas são sacramentos especiais do Reino pregado por Cristo, reino de justiça, fraternidade, saúde e paz.


5-A atitude da Igreja ministerial é importante de ser ressaltada. A realidade da doença e da velhice pode ser um obstáculo para que as pessoas percebam que são de valor. Se os que exercem o ministério reforçam os sentimentos e convicções da sociedade, uma situação de injustiça está criada, apesar da boa intenção. Se a liturgia, ao enfatizar a união com o Cristo sofredor, levar as pessoas a ficarem contentes com o próprio sofrimento, antes que lutar pela libertação das fraquezas, doenças e sofrimentos, temos uma liturgia injusta. O aspecto vocacional da Unção é a relação deste sacramento com a missão da Igreja, que procura ser a presença da justiça de Deus no mundo. Como em todas as celebrações litúrgicas, o rito da Unção é o lugar em que fica claro o enfoque da justiça pela qual o Cristo morreu. A interação entre comunidade e ungidos, seu mútuo ministério mantêm o equilíbrio entre a ênfase no chamado individual e o chamado para a missão mais ampla da Igreja. A vocação do doente e do idoso é de conscientizar a comunidade a respeito dos aspectos desumanizantes e injustos presentes na nossa sociedade. A sensibilidade para com o doente e idoso na Igreja endossa uma constante preocupação pelo pobre, fraco e oprimido. O sacramento da Unção, além de proclamar na Igreja o valor salvifíco de estar «doente ou idoso na Igreja» (aspecto vocacional do sacramento), proclama também que ser cristão é estar no caminho da libertação e promover libertação. É muito mais do que simplesmente confortar e cuidar daqueles que não podem cuidar-se. Neste rito, a comunidade deve experimentar libertação e também recebe a coragem e motivação para manter acesa a esperança. Acontece um ministério recíproco, quer da parte dos que são chamados a serem ministros junto aos doentes e idosos, quer destes últimos. A celebração da Unção deveria ser uma liturgia provocadora de libertação na Igreja e para além dos seus limites, na sociedade como um todo. A Pastoral da Unção dos Enfermos deve ultrapassar o nível do simples conforto e torna-se sinal profético da justiça de Deus, que a comunidade encarna quando se compromete com os carentes de saúde.

ÉTICA E SAÚDE

A DINÂMICA DAS ENCÍCLICAS SOCIAIS Hubert Lepargneur A ética social movimenta-se rapidamente, não apenas pelos progressos de nossa conscientização, mas também, e sobretudo, porque mudam as condições sócio-econômicas de nossa vivência. Seria difícil repetir hoje a condenação da sua proposição do Syllabus (1864), pela qual Pio IX descartava a idéia de que no Pontífice romano pode e deve se reconciliar e transigir com o progresso, o liberalismo e a civilização moderna. “Acreditamos que, apesar de flutuação na sensibilidade, a ética social cristã alimenta» de uma inspiração evangélica de fraternidade em Cristo. Após a experiência (fracassada) de comunidade de bens entre os cristãos de Jerusalém na primeira geração, não se perdeu o sentido de solidariedade expressa pela coleta organizada por Paulo (II Cor 8 e 9). Não é ela que volta à tona nos sermãos de São João Crisóstomo, famosos e severos contra o egoísmo dos ricos, em eco ao profetismo justiceiro de Amós? Na época moderna, Leão XIII iniciou a renovação da consciência cristã através da encíclica Rerum Novarum, de 1891, após o “Manilesto do Partido Comunista” (1848) ter apontado as más condições dos operários da indústria nascente. Nem o assistencialismo nem o corporativismo atingiam soluções para a situação que apelava tanto para reforma de mentalidade quanto para


esforços institucionais, como em nossos dias. Mas, como qualquer nova organização sócioeconômica, o capitalismo estava imerso em uma insegurança que deixava pouca margem de manobra aos empreendimentos, cujas inovações podiam fracassar da noite para o dia e cujo sucesso podia dar sustento a muitos. O Papa descarta sabiamente o sonho da volta ao passado e lembra que não há caridade senão na base duma justiça efetiva. Ao «socialismo» ele prefere o chamada "catolicismo social" ("cristianismo social", entre protestantes) e tenta delinear princípios norteadores. A Rerum Novarum defendeu, assim, o direito dos operários a se unirem em livres associações de defesa profissional(associações ainda proibidas em países marxistas), como não contestou o direito do Estado de baixar normas de regulamentação da vida econômica, inclusive na área da produção. Em 1931, Pio XI lança Quadragésimo Ano, encíclica que pretende celebrar e atualizar a precedente. O endurecimento do capitalismo tinha alargado os problemas do medo proletariado urbano, entre as duas guerras mundiais, não sem relação com a famosa crise de 1929-30. O Papa lembra a dimensão social da propriedade privada e pede o acesso de todas à mesma. Ele defende o contrato de trabalho benéfico a ambos os lados e o conceito de salário justo, que permita ao trabalhador sustentar uma família. O principio da subsidiariedade do Estado aparece: o governo deve favorecer e não esmagar a iniciativa privada, criadora de riqueza para todos. Cabe ao Estado arbitrar as dimensões entre classes, em prol do bem de todos. Na época de Pio XI, o socialismo já tinha passado da teoria à implementação histórica através do marxismo soviético liderado por Lenin. Pio XII não escreveu encíclica social, mas mensagens, especialmente de Natal de 1940 e de Pentecostes de 1941, salientando pontos específicos: necessidade de sindicatos, tentativa de superar abusos dos mais fortes por algum tipo de co-gestão-... Por ocasião dos 70 anos de Rerum Novarum, João XXIII publicou Mater er Magistra (1961), de enorme repercussão: volta sobre a função social da propriedade privada, especial mente das terras e dos meios de produção. O direito do povo à subsistência prevalece, como direito natural, sobre qualquer organização jurídica da propriedade privada. Frente às inovações sociais e tecnológicas, o Papa aponta as novas responsabilidades dos governantes, ao comentar notadamente o fenômeno da «socialização», como desafio e não ideologia. O progresso social deve acompanhar o desenvolvimento econômico. O Pontífice aplica o conceito de justiça distributiva em nível internacional: os desenvolvidos têm de ajudar as nações atrasadas, geralmente hipotecadas por exagerada explosão demográfica. Pacem in Terris, de 1963, foi outro marco notável do Pontificado de João XXIII. Existem descompasso entre os progressos tecnológicos e a justa distribuição dos bens. Novos poderes geram novas obrigações para com os outros. O Papa tenta esboçar um quadro geral, atualizado, dos direitos e deveres no campo social, desde os direitos da mulher até os direitos internacionais, sempre em relação com obrigações correspondentes. Com este Papa, a conscientização católica da questão social atinge sua dimensão planetária, não restringida à luta de classes supranacional: o subdesenvolvimento já era um conceito dotado de amplo trânsito e irredutível a dados quantitativos. Em seguida, o Concílio do Vaticano II produziu a Constituição Gaudium et Spes (1964), à qual já aludimos: seu contexto era do «aggiomamento» duma Igreja que decide levar a sério seu contexto secular. A vida econômico-social, conforme este documento, exige revisões na perspectiva do serviço à humanidade, aos homens concretos: problemas não faltam, do trabalho e do lazer, da participação nas empresas e na vida pública, do acesso á propriedade e da conversão social dos latifundiários, da paz com segurança e da cooperação mundial, notadamente através de organismos internacionais.


Aos 75 anos de Rerum Novarum. Paulo VI promulga a magnífica encíclica Populorum Progressio (1967). Por trás duma frase de efeito («Desenvolvimento é o novo nome da paz»), a visão torna-se ainda mais realista numa perspectiva de humanismo cristão. Mas realizar o «desenvolvimento harmonioso de todo o homem e de todos os homens» é mais difícil do que imagina-lo. Em Popularum Progressio, o Papa vincula os conceitos de desenvolvimento, de solidariedade e de estabilidade na paz. A Igreja lembra diretrizes para este desenvolvimento integral: a propriedade não é um direito absoluto, possuindo uma finalidade social de promoção da liberdade e do bem-estar de todos. Possuir bens é administrá-los nesta perspectiva e não manejar rendas especulativas. Transformações radicais fazem-se necessárias, para maior e melhor participação dos menos favorecidos. Aos 8o anos de Rerum Novarum, Paulo VI publica Octogesimo Adveniens (1971), que preconiza uma mudança de mentalidade no contexto da mundialização da problemática social. Retomando a temática do subdesenvolvimento, Paulo VI privilegia a categoria do ser sobre o ter e insiste na elaboração de novos modelos de desenvolvimento, para superar sistemas ideológicos insuficientes. Merecem ensaios plurais de soluções fenômenos como o êxodo rural e a urbanização industrial, o esgotamento de reservas naturais, a marginalização de jovens, mulheres e migrantes. As Conferências Latino-Americanas do CELAM, Medellin (1968) e Puebla (1979), especificam problemas sociais do Continente, para os quais apela-se para maior «comunhão e participação», numa perspectiva de libertação e de «opção preferencial pelos pobres»: conceitos diversamente comentados, mas que se impõem aos nassas esforços sociais. Incansável viajante. João Paulo II não se omitiu na escrita de encíclicas com dimensões sociais. Redemptor Hominis (1979) valoriza o aspecto pessoal do humanismo cristão. Sujeito de cultura e não apenas de religião, o ser humano tem que preservar sua identidade social. No 90º aniversário de Rerum Novarum, Laborem Exercens (1981) - cujo lançamento foi um pouco retardado pelo atentado de 13 de maio - desperta no contexto da nova revolução cultural (informática, eletrônica, cibernética, telemática), de repercussão planetária, sabre o valor que merece hoje o trabalho, isto é, o trabalhador. Sua pessoa está no centro da economia. Do mesmo Pontificado, os textos sobre Libertação também comportam uma visão ético-social de reformas estruturais e de mentalidade.


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