O COMPROMISSO CAMILIANO COM SEU CARISMA Resultado de decisão de encontro realizado no Centro São Camilo de Desenvolvimento em Administração da Saúde, esta «Carta de Princípios» sintetiza o compromisso de fidelidade dos Ministros dos Enfermos aos ideais de seu fundador, São Camilo de Léllis, atualizando seu carisma para as necessidades da comunidade a que deve servir, hoje. A Província Brasileira da Ordem dos Ministros dos Enfermos, Padres Camilianos, consciente de sua responsabilidade como continuadora da obra profética iniciada pelo seu fundador, São Camilo de Léllis que, em 1586, reuniu um grupo de pessoas dispostas a viverem em profundidade seu compromisso de solidariedade cristã para com a pessoa enferma, a cujo serviço deviam colocar sua própria vida, professa perante a comunidade a que serve, a aceitação, o respeito e a defesa incondicional de todos os valores sociais e cristãos, que devem caracterizar e definir todas as suas organizações, dedicando especial ênfase à valorização da Vida, da Pessoa, dos Recursos Humanos e da própria administração destas mesmas instituições. Relativamente à Vida, as organizações camilianas testemunharão absoluto respeito a todas as formas de sua manifestação, e empenhar-se-ão em preservá-la, mantê-la e desenvolve-la até o limite de suas possibilidades, repudiando tudo quanto possa agredi-la ou diminuir sua plena expressão. Relativamente á Pessoa que elas atendem, as organizações camilianas caracterizar-se-ão pela valorização e pelo reconhecimento de sua dignidade fundamental resultante de sua criação à imagem e semelhança do seu Criador. Neste sentido, empenhar-se-ão na prática da atenção, do respeito, do atendimento personalizado e do amor efetivo a quantos se utilizarem dos serviços por elas oferecidos. Á serviço da Pessoa e da própria Vida, estarão também todas as decisões dos que respondem pela sua administração. Relativamente aos Recursos Humanos, que dedicam parte expressiva de sua existência à execução das atividades que lhes são próprias, as organizações camilianas reconhecerão neles seu principal e verdadeiro patrimônio, certas de que somente por seu intermédio e dedicação é que serão preservados os valores acima reconhecidos da Vida e da Pessoa Humana. Como prova da efetividade deste valor, as organizações camilianas desenvolverão e aplicarão uma política de recursos humanos que possibilite de forma integrada o desenvolvimento de tocas as potencialidades de seus serviços e a criação de um relacionamento fraterno entre si e com elas mesmas. Relativamente á Administração, as organizações camilianas empenhar-se-ão na busca incessante do conhecimento e da prática da ciência capaz de garantir a utilização racional dos recursos disponíveis em beneficio da qualidade dê seus serviços. Da mesma forma, além de testemunharem capacidade de trabalho e de administração, as organizações camilianas, a partir de seus executivos e assistentes imediatos, terão sempre presente seu compromisso fundamental de respeito e preservação dos valores anteriormente citados, colocando-se efetivamente a serviço da Vida, da Pessoa e valorizando seus próprios Recursos Humanos. A Administração, desta forma, não terá um fim em si mesma, mas será um instrumento necessário para a viabilização da nova filosofia de trabalho das organizações camilianas. Para a implementação desta nova e abrangente filosofia de trabalho, as organizações camilianas identificarão e estabelecerão estratégias adequadas que possibilitem a identificação e o fortalecimento de seus recursos e energias positivas para desenvolvê-las ainda mais, bem como das forças restritivas que possam comprometer os objetivos aqui estabelecidos para eliminá-las. Neste sentido, cada organização camiliana constituirá com a urgência possível uma Comissão especifica,
multiprofissional e presidida pelo seu Executivo maior, dotada de responsabilidades e funções definidas em regimento próprio, que responderão pela operacionalização dos princípios acima expostos. No trabalho efetivo desta Comissão, coordenado a nível de Província, fundamenta-se a esperança de que, em breve, todas as organizações camilianas caracterizar-se-ão definitivamente pela prática e pela defesa dos valores aqui definidos, garantindo-lhes um novo espaço e uma nova dimensão dentro da comunidade a que servem. Finalmente, através desta «Carta de Princípios», a Província Brasileira da Ordem dos Ministros dos Enfermos, Padres Camilianos, pretende professar publicamente seu compromisso de fidelidade aos ideais de seu fundador, São Camilo de Léllis, atualizando seu carisma e colocando-o a serviço das novas e múltiplas necessidades da comunidade, sobretudo de sua parcela carente de maiores atenções e cuidados.
AS DOENÇAS DO BRASIL E OS SEUS REMÉDIOS Encerra-se aqui a publicação do trabalho intitulado «Brasil doente: ainda há remédio?», de autoria do Pe. Christian de Paul de Barchifontaine, iniciada na edição de janeiro-fevereiro do Boletim ICAPS e que teve seqüência nas seguintes. VII - Perspectivas 1. Organização do povo 1-1- Dinheiro público O dinheiro público provem dos impostos coletados pelo governo e distribuídos ao povo como água, luz, educação, saúde etc. O setor público deve cuidar do consumo coletivo. 1.2 Infra-estrutura Industrial . a infra-estrutura industrial é montada com o dinheiro público. O problema é saber se a indústria serve ou não à população. Há multinacionais que só produzem para exportação, há usinas nucleares que utilizam o dinheiro público para a infra estrutura. Esta contradição vem-se agravando desde 1964. Hoje, será preciso decidir quais são as indústrias que devem instalar-se no Brasil e quais são as indústrias que servem à população. Sendo a verba pública destinada para fins particulares nascem muitos problemas; falta ao governo o filtro para decidir quais as indústrias que podem e devem instalar-se. . as favelas não são somente formadas por gente que vem dos campos, mas por gente da cidade que não tem como manter-se e lá conseguem sobreviver com menos gastos. As indústrias trazem uma tecnologia automatizada que não emprega mão-de-obra; consequentemente, não aumentam o emprego. 1.3. Urbanização pelo crescimento das periferias As grandes cidades crescem, são urbanizadas porque a periferia cresce mais e mais. O dinheiro disponível para serviços básicos na periferia está sendo disputado para outras finalidades. O Brasil é rico e tem muito dinheiro. A questão é: como conseguir que a população se aproprie deste dinheiro para suas finalidades? l.4 O capital nacional . o capital nacional recebe interferência do capital internacional e do governo (divida externa x dinheiro público). A população organizada é a força que deveria administrar o capital nacional. A
distribuição da verba pública é política: usar-se a verba pública para a população e, depois, o que sobrar, será para o particular; atualmente acontece o contrário. . a população percebe que, a cada dia que passa, piora a situação. Quem mora nas grandes periferias viaja mais ou menos 6 horas por dia para chegar ao serviço, trabalha 8 horas, deve cuidar da família com um salário miserável, deve procurar bicos para ganhar um pouco mais, e assim não consegue repor as forças de um dia para outro; é o que se chama dilapidação de mão-de-obra. . o cidadão é aquele que tem direitos e deveres. A população não está organizada para vigiar os seus direitos. Nos países ricos, o cidadão fiscaliza os serviços públicos que a Constituição lhe autoriza: é o que podemos chamar de cidadania de vigilância. No Brasil, estamos ainda no estado de cidadania de sobrevivência. 1.5. Movimentos populares Na Constituição, são garantidos os serviços básicos á população, mas ela não é cumprida. Os movimentos populares são pressões para conseguir o que está garantido na Constituição. A corrupção faz com que a verba pública seja desviada para o interesse individual e não para a coletividade. Diante disso, se discute a questão da saúde e do uso da verba pública. O movimento popular (sindicatos, associações de moradores de bairro, partidos políticos etc...), quando reivindica, deve especificar, planejar, cobrar e fiscalizar o que quer. O dinheiro público está sendo sempre disputado por outras forças. Mesmo que o administrador seja honesto, se não tiver respaldo da população, não resiste às outras pressões. Não basta o candidato honesto; ele tem que ser pressionado pelo povo. O governo diz que não tem dinheiro; no entanto, o dinheiro existe, mas está sendo investido em outras coisas particulares. A transformação social se pode medir através da maneira de utilizar a verba pública. 2. Constituinte 2.1. As Constituições Brasileiras O Brasil, nação independente desde 1822, já teve sete Constituições: a de 1824, que fundava o Império do Brasil; a de 1891, que instituía a República; a de 1934, que inaugurava a Segunda República, após a Revolução de 1930; a de 1937, que estabelecia o Estado Novo, ou seja, a ditadura de Getúlio Vargas; a de 1946, que voltava à democracia liberal, após a Segunda Guerra Mundial; a de 1967, que consagrava o golpe militar de 1964, e, enfim, a chamada Emenda Constitucional de 1969, promulgada por uma Junta Militar e que curiosamente ainda está em vigor, conquanto também emendada. 2.2. Por que uma nova Constituição? A razão é simples: rigorosamente falando, o Brasil não tem hoje uma Constituição, mas uma Emenda Constitucional, que, em si mesma, é uma aberração de todo direito. No seu preâmbulo, diz que os ministros da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, considerando a situação brasileira, promulgaram uma Emenda Constitucional que revoga a precedente e cujo 2º artigo declara que todo poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido. Esta Emenda Constitucional confere poderes ditatoriais a um Presidente da República eleito por um Colégio Eleitoral para um mandato de 6 anos. Os ministros militares que a promulgaram imaginavam assim manter indefinidamente a tutela militar sobre a sociedade, através de um partido submisso ao Presidente. Aconteceu, porém, o inevitável. O regime militar, distante da nação, perdeu credibilidade, envolvido nas formas mais escandalosas de corrupção impune. A crise interna, exacerbada pelos
choques externos das altas dos preços do petróleo e das taxas de juros, provocou um movimento popular exigindo eleições diretas. O movimento se avolumou, assumindo proporções gigantescas, nos maiores eventos cívicos da história brasileira. O Congresso, pressionado pelos militares, conseguiu derrubar o projeto de eleições diretas, mas não logrou deter o movimento da nação exigindo mudanças imediatas. 2.3. A Nação depositava sua esperança na eleição de uma Assembléia Constituinte que interpretasse de maneira autêntica as grandes aspirações de mudanças institucionais reclamadas pelo povo, contra os interesses conservadores do status quo. Para tanto, julgava-se, talvez com uma certa ingenuidade, que a Assembléia fosse autônoma: que se permitisse a eleição de candidatos avulsos, não vinculados necessariamente aos partidos políticos comprometidos com interesses eleitoreiros. Infelizmente, esta Assembléia autônoma foi negada pelo próprio Congresso Nacional, aprovando proposta do Poder Executivo. A Assembléia Constituinte foi composta pelos deputados e senadores eleitos a 15 de Novembro, entre candidatos apresentados pelos velhos partidos políticos que decepcionaram a opinião pública. 2.4. O desafio Somente através da força dos movimentos populares, a nação poderá conseguir que sua voz seja ouvida, procurando entidades comprometidas com uma nação mais fraterna, mais humana e mais justa, entidades que poderão pressionar os membros da Assembléia Constituinte. 3. AIS (Ações Integradas de Saúde) 3.1. Preliminar As Ações Integradas de Saúde (AIS) pretendem a integração programática entre as instituições de saúde pública federais, estaduais e municipais e demais serviços de saúde, visando o desenvolvimento dos Sistemas Estaduais de Saúde. Participam das AIS a nível federal: Ministério da Previdência e Assistência Social Ministério da Saúde Ministério da Educação e Cultura outros Ministérios e instituições que venham a se integrar. Participam das AIS a nível de unidade federada: Governos Estaduais Prefeituras Municipais Instituições de Ensino Superior Estaduais. As AIS são formalizadas a nível de unidade federada através de convênios firmados entre os governos federal, estadual e municipal. Constituem instâncias de planejamento, gestão e acompanhamento das AIS: . CIPLAN - Comissão lnterministerial de Planejamento e Coordenação . CIS - Comissões Inter-institucionais de Saúde . CRIS - Comissões Regionais Inter institucionais de Saúde . CLIS ou CIMS - Comissões Locais ou Municipais Inter-institucionais de Saúde 3.2. Funcionamento técnico O INAMPS repassa uma parte dos recursos para que os Estados e Municípios mantenham os seus serviços próprios de saúde. Assim, poderíamos chegar a um sistema: . regionalizado
. hierarquizado (rede: postos, centros, ambulatórios, hospitais) . integrado internamente e regionalmente através das Comissões. O problema: quem faz o que? A quem encaminhar? Exemplo: conserto das unidades, ampliações. E a primeira vez que podermos falar em planos, já que os recursos financeiros foram planejados. 3.3. Finalidade das AIS . Vivemos num sistema de saúde concentrado (em Brasília), fragmentado, sem coerência e sem legitimidade. . o sistema tributário nacional data de 1967: todos os impostos, taxas são encaminhados a Brasília, em lugar de ficarem no Município ou no Estado. Daí a dificuldade de os Municípios e Estados fazerem alguma coisa para a saúde. . AIS seria uma tentativa de correção desta falta de recursos, sabendo que o plano AIS à um remédio, um paliativo antes de chegar: . à reforma tributária, para valorizar o Município . conferir ao Município poder de decisão . através do plano AIS, pode-se criar um espírito colegiado, com representantes de todas as entidades e aos movimentos populares poderiam ter força na participação das Comissões ou Municipais ou Regionais Inter-institucionais de Saúde. . Este plano AIS é muito bem elaborado. Requer-se, agora, sua colocação em prática, de uma maneira eficaz e eficiente, onde, de fato, todos os segmentos da população possam participar, planejar e fiscalizar as ações de saúde de sua Comunidade, Município e Estado. CONCLUSÃO Se 70% das doenças são auto-curáveis, como enfatiza a Organização Mundial da Saúde, e a sociedade de consumo criou o mito de que a saúde é dada pelos médicos, através da suas prescrições, é inevitável admitir que se está à frente de uma situação contraditória, irreconciliável, se não for desmistificada, cuja superação só ocorrerá através de uma verdadeira educação para a saúde. Nela se deverá ter como objetivo fundamental levar o povo a compreender que a saúde não depende da ação do grupo médico e/ou paramédico, mas de uma ação conjunta do paciente, de sua vontade e também da comunidade. Essas vontades, somadas, devem ser dirigidas no sentido de eliminar todos os fatores que desencadeiam a produção da doença, como alimentação inadequada, o desemprego, o salário indigno, a habitação sem água potável e saneamento, a falta de educação, de lazer e recreação e, não menos importante, o não exercício do poder de decisão sobre problemas que afetam a vida biológica, psicológica, social, econômica e política das pessoas. Reconhecer que as mais graves doenças de 70% dos brasileiros são a fome e a má qualidade de vida, geradas pala inadequada e injusta distribuição da renda, da terra e dos bens, e supor que o INAMPS e hospitais vão resolver os males que afligem a saúde do povo chega a ser, por isso, até ridículo. À luz da realidade política, econômica e social, o exercício do poder de decisão se consegue através da organização do povo, aproveitando as possibilidades de uma certa interferência no processo da Constituinte, para a saúde e os problemas sociais vinculados, exigindo a representação popular nas comissões locais, municipais e regionais inter-institucionais da saúde.
PASTORAL NUM CONTEXTO PARADOXAL Leocir Pessini O hospital é um lugar paradoxal. Paradoxo é uma afirmação ou experiência que parece ser contraditória à primeira vista, mas, na realidade, aponta para uma compreensão mais profunda da verdade. Um paradoxo engloba a aparente contradição, é o elo que une opostos aparentes. Viver é, sem dúvida, uma experiência paradoxal, é se engajar num mundo cheio de ambigüidades, complicações e realidades obscuras. Isto também não é menos verdadeiro na realidade hospitalar. De fato, os paradoxos estão à vista, porque tensões e contradições estão em toda a parte. Por exemplo: os EUA, em 1985, gastaram US$ 305 bilhões (30% de sua receita total de US$ 847,9 bilhões) em armas. Por quê? Para se viver em paz. Não é isto um paradoxo? Não é um paradoxo que o Brasil seja a sétima ou oitava economia mundial e seja a 56ª ou 57ª nação do mundo em termos de distribuição de renda? Não amamos e odiamos aqueles que nos são mais queridos e estão perto? Não é isto um paradoxo? Jesus mostrou-se familiarizado com os paradoxos nas parábolas. Disse ele: “Quem encontrar sua vida perdê-la-á, e quem perdê-la por minha causa vai encontrá-la”. Ele prometeu trazer a paz que ultrapassaria todo e qualquer entendimento, enquanto também profetizando que colocaria filho contra pai e filha contra mãe. No processo de abraçar tais visões opostas, ele estava apontando uma verdade maior. Como seres humanos, somos um paradoxo. Fomos criados a partir do “pó e do barro”, segundo o Gênesis. Eis, portanto, nossa íntima ligação com a natureza. Com os animais partilhamos instintos comuns, defendemos nosso território, somos condicionados no tempo e somos mortais, mas tudo isso não nos descreve totalmente. Fomos criados à “imagem e semelhança de Deus”. Nossa semelhança com o Criador não é física, mas uma similaridade de força e capacidade não partilhadas no mesmo grau pelas outras criaturas. Somos retrospectivos e prospectivos. Somos capazes de entender nos processos da natureza. Morremos, como todos os outros viventes, mas, diferentemente dos outros seres, sabemos que vamos morrer, somos auto conscientes e autotranscendentes. Assim somos nós, um paradoxo criado: somos inteiramente ligados com as criaturas e o Criador. Temos aspirações divinas e limitações humanas. Embora paradoxos estejam em toda parte, talvez em nenhum lugar eles sejam mais única e pessoalmente experimentados do que pelos pacientes hospitalizados.
O PARADOXO DA CRISE Ser paciente num hospital é estar em crise. Os gregos definem crise como um paradoxo que tem duas faces: de um lado, o perigo; do outro, a oportunidade de fato, a crise é uma encruzilhada na estrada, uma mudança, uma confrontação que contém em seu bojo ameaças e possibilidades. Os perigos da crise são evidentes: o equilíbrio é desfeito, a continuidade é quebrada, e as rotinas familiares interrompidas. A vida não pode mais ser vivida como estava sendo vivida. Poucos são os que saem da crise sem ter mudado, sem ter passado por alguma transformação quer interna (espiritual), quer externamente (corporal). Contudo, na crise, existe também uma oportunidade. Novas adaptações precisam ser feitas e estratégias de luta precisam ser pensadas. O que foi desestruturado deve ser agora reestruturado. As
chances de reavaliar, rever, reformular são infinitas, e muitas das mudanças forjadas no calor da crise têm uma força toda especial nos anos a seguir. As crises são catalisadoras porque trazem à superfície as contradições, ambigüidades e paradoxos da vida. Elas põem á luz do dia a colisão entre nossa incessante necessidade de estarmos sob controle, estabilidade e permanência contra as realidades da vida, que incluem caos, desequilíbrio e mudanças bruscas. Quer reconhecidas ou não, as crises são sempre experiências religiosas, confrontando «nossas infinitas aspirações frente ás finitas possibilidades» (Charles Genkin), encontro com os limites humanos inevitavelmente nos confronta com questões profundas de identidade e destino. A crise nos confronta ainda com outro paradoxo, precisamente o do crescimento pessoal que acontece em grande parte na e pela dor. Não se está longe do coração da vida quando se descobre que o familiar e o seguro devem dar lugar para o amadurecimento e o caminhar para o próximo estágio de desenvolvimento. Deve-se abandonar a segurança da manjedoura da dependência infantil e ganhar a autonomia da adolescência. As crises nos lembram de nossas necessidades paradoxais quer de continuidade, quer da mudança. Sem continuação nada ê enraizado, nossa identidade permanece fluida. Sem descontinuidade (quer voluntária ou não) a vida torna-se monótona e sem graça. As crises expõem a fragilidade e provisoriedade da vida. Elas nos lembram que nada permanece o mesmo. Na realidade a vida não é mais frágil durante uma crise; assim nos parece porque nossas ilusões de imortalidade e invencibilidade caíram por terra.
OS PARADOXOS DA HOSPITALIZAÇAO O hospital é um lugar onde estão presentes a vida e a morte. A maioria das pessoas, hoje em dia, nasce no hospital. Nos EUA, ocorrem, em média, 3,125 milhões de nascimentos em hospitais, cada ano. Também ocorrem nos hospitais 70% de todas as mortes anotadas nesse país (1984). Acabamos por institucionalizar o inicio e o fim da vida. Cada vez mais, a média de tempo que se passa no hospital é menor. Para muitos, é um simples parêntese no tempo da vida. Poderá parecer um longo período de tempo por causa da intensidade da experiência, que vai muito além da proporção de número de dias lá passados. Isto também é um paradoxo. Para alguns, a hospitalização é um tempo de celebração: bebês saudáveis nascem; ossos quebrados são consertados; sintomas terríveis são diagnosticados como benignos, a dor é controlada. A esperança está presente. A bondade de Deus é perceptível. Para outros, o tempo de hospitalização é um tempo de intenso sofrimento: os bebês nascem mortos ou com defeitos congênitos; sintomas temidos são confirmados; mastectomia precisa ser feita; ferimentos e cicatrizes são permanentes. A esperança diminui, e até Deus é sentido como estando distante. Para alguns, a hospitalização é um momento de extrema precisão «Como suspeitamos, o problema é pedra na bexiga»; «posso marcar sua cirurgia para amanhã cedo e pelo fim-de-semana o senhor terá alta”... Para outros, é tempo de imprecisão desencorajante: “Não estamos certos a respeito da causa de tudo isto. Vamos mandá-lo para casa e acompanhar cuidadosamente os seus sintomas. Agora não sabemos o que mais poderíamos fazer...” Alguns obtêm a resposta que deseja, outros a resposta que não querem nem pensar em ouvir. E, por fim, há os que simplesmente não obtêm qualquer resposta.
O paciente hospitalizado enfrenta também o paradoxo de estar livre e preso ao mesmo tempo. Ninguém está tão livre das exigências da vida diária como quando está nos hospitais. Todos os compromissos e responsabilidades são cancelados. A ordem do dia é simplesmente não assumir obrigações. Tudo é suspenso. Mas ninguém está tão amarrado estando doente. Os serviços e cuidados são feitos por outros. As próprias habilidades e energias para se obter determinados objetivos e experimentar certos prazeres podem ser severamente comprometidas. Por isso, enquanto livre de responsabilidades exteriores, o doente está internamente constrangido. O paciente hospitalizado experimenta o paradoxo de estar sozinho no contexto de contatos infinitos. Não falta companhia no hospital, porém a privacidade é difícil. Além disso, nomeio de múltiplos contatos humanos, o paciente freqüentemente acaba fazendo sozinho muitas coisas que, costumeiramente, são feitas com outras pessoas íntimas, como comer, dormir, ver TV, ir para a cama à noite e acordar de manhã. Neste contexto, existe uma solidão misteriosa no meio de tantos contatos humanos. Num nível mais profundo, a doença transforma em estranho o que sempre foi tão familiar. Certamente, tem-se o mesmo corpo, quer estando com saúde, quer doente, mas o corpo não parece ser o mesmo. O corpo, que ao longo dos anos, foi um companheiro fiel, é agora um estranho, emitindo sensações estranhas e ondas de dor, causando mudanças de humor e tonturas desconcertantes. Na doença, freqüentemente, não se está à vontade no próprio corpo. Isto também é um paradoxo. (Esta é a primeira parte do texto traduzido e adaptado pelo Pe. Leo Pessini de “Hospital Ministry: the role of the chaplan today”( Laurence E. Holst e Martin E. Marty, publicado em 1985 por Crossroad, New York). A segunda parte do texto será publicada na próxima edição.)
COMO TRATAR (BEM) COM PESSOAS Capelão no Hospital da Marinha, na Rio de Janeiro, o Pe. Olindo Mugnol reuniu uma série de conselhos e indicações preciosos para o trato com as pessoas. Vale a pena conhecê-los e, principalmente, praticar o que se recomenda, pois constituem caminhos seguros para facilitar o relacionamento do grupo. 1- “Se quer tirar mel, não espante a colmeia”. A pessoa é como a abelha, tanto pode nos dar mel como ferroada. Se quer sentir a doçura de um bom relacionamento interpessoal, troque tudo isto: julgamento, condenação, ironia, sarcasmo, ridicularização, desprezo, insultos, malícia, censura, ataque, queixa mordaz, fofocas, fuxicos e mexericos pela compreensão, tolerância e bondade. 2- Se o incomodam os erros dos outros procure saber porque agem deste ou daquele modo e chegará à conclusão de que eles são exatamente o que você seria em idênticas condições. 3- Quando a luta do homem começa dentro de si mesmo, ele tem valor. Se ao invés de atacar e gritar contra a maldade dos outros, atacasse e corrigisse a parte da humanidade que depende só dele... Transforme o mundo a começar por você. Transforme-se e transformará o mundo. 4- Não fale mal de ninguém, fale tudo de bom que souber de cada pessoa. 5- A grandeza de uma pessoa se revela no modo como trata os pequenos, os ignorante, os estúpidos, todos os que se julgam ou ele julga inferior a ele. 6- O grande segredo no trato com as pessoas é também saber que o desejo de ser importante é uma das mais profundas solicitações (aspirações, desejos) da natureza humana, junto com saúde e
preservação da vida; alimento; repouso; dinheiro e as coisas que o dinheiro pode proporcionar; vida futura; satisfação sexual; o bem-estar dos filhos. 7- A sensação de importância, a ânsia de ser apreciado está na carne de cada pessoa. A apreciação, o encorajamento e o elogio que manifestam a importância do outro são importantes. Por isto, dizia um chefe: Ansioso por elogiar, repugna-me descobrir faltas. Seja sempre sincero na aprovação e pródigo no elogio. 8- Não tenho medo dos inimigos que o atacam, tenha medo dos amigos que o bajulam (elogio barato). A bajulação consiste em dizer ao outro justamente o que se julga que ele pensa acerca de si mesmo. 9- Todo homem é superior a mim em alguma coisa e, neste particular, eu aprendo dele 10- Faça o outro sentir-se importante: dê importância ao outro. 11- Para influenciar outra pessoa, fale sobre o que ela quer, ou gosta, mostre-lhe como realizar o seu intento e como resolver os seus problemas. Eu gosto de morango com creme, mas os peixes preferem minhoca: só consigo pescar com minhocas, nunca com morango. 12- A ação emana daquilo que fundamentalmente desejamos; convencer alguém é despertar nele um desejo ardente; é motivá-lo. 13- O segredo do sucesso nas Relações Humanas consiste na habilidade em aprender o ponto-devista da outra pessoa a ver as coisas tão bem pelo ângulo dela como pelo meu. Ver como ele vê e sentir como ele sente. 14- A auto-expressão é uma necessidade dominante da natureza humana. Compreender o outro é ajudá-lo a se expressar e ajudá-lo a nos compreender. 15- Só conseguimos nos revelar e comunicar com aqueles que nos entendem e nos compreendem. Só conseguimos se comunicar bem conosco aqueles que nós compreendemos bem. COMO FAZER BOAS RELAÇÕES HUMANAS 1- Dizer sempre menos do que se pensa. Falar em tom baixo e persuasivo. O modo de dizer, muitas vezes, importa mais do que o que se diz. 2- Fazer promessas só quando puder cumpri-las fielmente. 3- Nunca deixar passar uma oportunidade de dizer uma palavra amável e animadora sobre uma pessoa, ou a uma pessoa. Louvar um serviço bem feito, mesmo sem saber quem o fez. Se o caso for para censuras, criticar de maneira construtiva. 4- Interessar-se pelos outros; interessar-se por seus esforços, seu bem-estar, o seu lar e família. Que todos, por mais humildes que sejam suas funções, sintam que são considerados como pessoas de importância. 5- Ser animador, sorrir sempre, ocultar as próprias dores, aborrecimentos e decepções com um sorriso amável. Rir das boas anedotas e aprender a contá-las também. 6- Dialogar, mas não discutir. Debater, mas não altercar. É próprio dos espíritos superiores discordar; no entanto, não guardar rancor. 7- Que as virtudes dos outros tenham em você o seu porta-voz; recusar-se a falar dos vícios alheios. Desencorajar o diz-que-diz-que e adotar como regra nada dizer a respeito de outrém, a menos que seja algo bom. 8- Ter cautela com os sentimentos alheios. Brincadeiras à custa de outra pessoa raramente valem o esforço, podendo magoá-las em casos que menos se espera. 9- Não dar ouvidos a observações de má índole a seu respeito. Viver corretamente, para que ninguém dê credito a maledicências.
10- Não ter muita ansiedade por conseguir rigosoramente o que exigir. Fazer seu serviço; ser paciente; manter boa disposição, para assim conseguir o respeito e recompensa. 11- Cedo ou tarde, um homem sensato descobre que a vida no mundo do trabalho e dos negócios é mistura de bons e maus dias, vitórias e derrotas. A pessoa sensata aprende que: quem perde a calma, perde sempre; todos os homens cometem os seus enganos, uma vez ou outra, e não se deve tomar muito a sério as irritações dos outros; carregar uma arma é um meio fácil de arranjar brigas; o meio rápido de ficar impopular é andar transmitindo histórias e boatos sobre outras pessoas; homem que foge à responsabilidade acaba perdendo a confiança dos outros; não faz mal a ninguém sorrir e dizer “bom dia”; a maioria das pessoas tem tanta ambição quanto você próprio e elas têm cérebro tão bom quanto o seu, ou mesmo, melhor. Trabalhar com afinco constitui a chave do sucesso; não é tão difícil lidar com pessoas, e sair se bem dependendo exclusivamente de seu próprio comportamento; ele aprende a não se aborrecer quando lhe dão uma ordem, pois a experiência demonstrou que, se ele der o melhor de seu esforço na execução da tarefa, sua atuação será muito boa; ele aprende a simpatizar com os novatos que vêm para o serviço, pois se lembra de como se sentia confuso no início de sua vida profissional; ele compreende o valor de: “Não faça aos outros o que quer que os outros façam a você”; mais vale ainda o que Cristo disse: “Tudo quanto quereis que os outros vos façam, fazei-o vós a eles”. ALGUNS OBSTÁCULOS NO RELACIONAMENTO INTERPESSOAL 1- A não aceitação de si mesmo é que leva à recusa do outro. Aquele que rompe a comunicação consigo próprio, rompe a comunicação com o outro. Quem não se aceita, estima e ama, não aceitará, estimará e amará ninguém. 2- A tendência natural para julgamentos, apreciações, aprovações ou desaprovação das afirmações ou atitudes do outro é partir do próprio ponto de vista e do próprio quadro de referências. O remédio é não julgar, mas compreender. Ver as coisas do ponto de vista do outro, dentro do quadro de referência do outro. 3- Congelamento das avaliações – a respeito de si próprio: acreditamos piamente que somos isto ou aquilo ou assim e, na maioria das vezes, não somos o que acreditamos ser, não fomos o que queríamos ter sido, e é bem possível que não sejamos o que esperamos ser. A respeito dos outros: de pequenos casos, histórias, farrapos de conversa, comentários avulsos, avaliamos alguém e congelamos a avaliação, como se pessoas, grupos, circunstâncias e coisas não mudassem. 4- Orientação mercantil da vida – Sendo que o sucesso depende, em grande parte, de quão bem a pessoa sabe vender-se no mercado, fazer sua personalidade impressionar o público, criando uma imagem, armando uma falsa personalidade, conforme um modelo que julga ser mais bem aceito pelos outros. Toda boa comunicação visa coincidir a personalidade subjetiva, que existe interiormente, com a objetiva, que se manifesta no exterior. Ser autenticamente o que se é.
5- A orgulhosa auto-suficiência que leva à intolerância. Apegamo-nos à nossas opiniões como se fossem dogmas, dividimos a humanidade em duas partes: de um lado, os que estão certos, porque pensam de acordo com as nossas idéias; do outro lado, os que estão errados, porque não pensam como nós pensamos. “Sábio é aquele que, quando mais sabe, sabe do quanto mais lhe resta a saber”. Especialista é a pessoa que sabe cada vez mais de cada vez menos, até saber quase tudo de quase nada. Que tristeza quando pensa saber de quase tudo o quando sabe do quase nada!
TRANSPLANTES: UMA ASSOCIAÇÃO PARA REUNIR OS INTERESSADOS EM SEU ESTUDO. Ainda há multas dúvidas sobre o assunto. O grupo quer tirá-las. E também Juntar os esforços de todos os envolvidos. Funciona desde dezembro do ano passado, em São Paulo, uma associação que reúne, sem fins lucrativos, os interessados, em todas as áreas, nos problemas e questões ligados aos transplantes de Órgãos. É a ABTO - Associação Brasileira de Transplante de Órgãos, com sede na Av. Enéas de Carvalho Aguiar, 44, 2º andar. O atendimento aos interessados é feito pessoalmente, com dona Nina, ou pelo telefone (011) 853~84g4. Sua primeira e atual diretoria tem como diretor executivo o Prof. Dr. Jorge Kalil Filho. O Boletim ICAPS transcreve, a seguir, as informações que a ABTO fez publicar no «Boletim Informativo do Instituto do Coração», edição n.º 2, de março deste ano, e que têm o seguinte teor: «Atualmente, os transplantes fazem parte do arsenal terapêutico a ser empregado em pacientes com insuficiência de um ou mais órgãos. Esse procedimento possibilita e melhora a qualidade de sobrevida desses pacientes. O sucesso dos transplantes, entretanto, envolve vários requisitos, incluindo a seleção adequada do paciente receptor e doador; treinamento da equipe de diversos setores; enfermagem; social; psicológicos; laboratórios e médicos. A ativação desses programas é muito útil, pois todos os pacientes, mesmo os que não necessitam de transplantes, são beneficiados com a ativação desses setores. A divulgação dos métodos existentes e possibilidades, chances de transplantes, é sempre muito importante, pois deve haver uma conscientização populacional de que, através de uma pessoa em morte cerebral, ou após a morte, poderemos salvar muitas pessoas simultaneamente, ou até com doações simultâneas de órgãos. Exemplos: coração, córneas, rins, fígado, medula óssea e pele. Entretanto, o ponto básico a ser evidenciado é que, para o processo de retirada dos órgãos, é obrigatório que o paciente se encontre em comprovado estado de morte cerebral. Muito facilmente, deparamo-nos com pessoas que acreditam que o órgão é extraído do paciente ainda vivo, ou que, através desta cirurgia, tira-se a chance de o paciente recuperar-se. Entretanto, voltamos a enfatizar: a condição básica é que o paciente não tenha nenhuma chance de sobrevivência, por mais remota que possa vir a ser. O seu organismo já estará, no mínimo, sem funções cerebrais ou morto (no caso de alguns órgãos). O ponto de maior impedimento para os transplantes vem sendo, sem sombra de dúvida, a negativa das famílias em doar os órgãos, apesar dos trabalhos constantes para a conscientização da população, assim como derrubar idéias falsas sobre a retirada de órgãos. Os motivos são, entretanto, compreensíveis, por estarem às famílias, nestes momentos, transtornadas, assim como
outros motivos que também geram recusa, como, por exemplo, o fator religioso. O trabalho de muitos médicos, ultimamente, tem sido nesse sentido: de sensibilizar e criar a imagem da real necessidade de salvarem-se vidas que dependem desse tipo de cirurgia. No Brasil, nós utilizamos, por lei, pelo menos dois exames para a comprovação da morte cerebral e apenas após essa constatação é que solicitamos a doação de órgãos aos familiares. Para informação pública, a lei que dita as normas para a realização de transplantes é a de n.º 5479, de l0 de agosto de 1978, denominada «Lei do Cadáver», aprovada pelo Congresso Nacional. Segundo essa lei, «considera-se irreversível e cadáver» a pessoa que se encontra em morte cerebral. Em outros países, já existe uma autorização, feita ainda em vida, para a retirada de órgãos, em pacientes com morte cerebral, ou após a morte. Para haver transplante, é obrigatório constar a autorização da família, e esta autorização estará à disposição de qualquer pessoa para averiguação, em cada caso de transplante, de qualquer tipo transplantado. Outro problema enfrentado para os transplantes é a distância a ser vencida, pois o território brasileiro é muito vasto, limitando-se as áreas de busca e mesmo de hospitais em condições de fazer os transplantes. Trabalhando, as equipes médicas, por área de órgãos a serem transplantados, perdem-se informações valiosas, que poderiam ser trocadas, ou seja, informações técnicas, científicas, novos medicamentos, enfim uma infinidade de troca de dados, pois, apesar de os órgãos a serem transplantados serem diferentes, as equipes têm muitos pontos em comum. Pensando em todos estes dados, grandes nomes das diversas áreas de transplantes sonhavam individualmente em agrupar-se, até que este fato se concretizou, reunindo nomes tais como Prof. E.J. Zerbini, Prof. Silvano Raia, Prof. Emil Sabbaga, Prof. Adib D. Jatene e Prof. Jorge Kalil, o mais jovem, que discutiram, sonharam, elaboraram e colocaram-se na luta para a instituição de uma entidade de classe, que reuniria todas as áreas de transplantes. Convidaram, então, outros grandes nomes a participar da instituição desta entidade, a saber: Prof. Urio Mariani, Prof. Tadeu Cvintal, Prof. Euripedes Ferreira. «A ABTO - Associação Brasileira de Transplante de Órgãos tem por finalidade: . estimular o desenvolvimento de tocas as atividades relacionadas com os transplantes de órgãos no Brasil; . congregar os profissionais e as entidades envolvidas com ou interessadas em transplantes de órgãos; . contribuir para o estabelecimento de normas e para a criação e aperfeiçoamento de legislação relacionada com os transplantes de órgãos; . estimular a criação de centros de doação, bancos de órgãos, serviços de identificação de receptores e outras atividades relacionadas com transplantes; . estimular a pesquisa e colaborar na difusão de conhecimentos sobre transplantes de órgãos; . promover a realização de congressos, simpósios, conferências e outras atividades relacionadas com transplantes; . difundir junto ao público em geral, com os recursos e conscientização disponível , e respeitada a ética profissional, o significado humanitário, científico e moral de órgãos para transplantes; . estimular o intercâmbio com sociedades congêneres.»
PARTICIPAÇÃO E DEMOCRACIA Hubert Lepargneur
O progresso da humanidade em felicidade subjetiva e libertação global é assunto ideológico, mas, neste século, cresceu provavelmente a democracia (que abrange ainda pequena parcela da humanidade) e aumentou seguramente seu prestigio cultural, ao ponto que os países marxistas reivindicam para si o termo. Neste contexto, os cristãos latino-americanos destacam a expressão «comunhão e participação» (Puebla,1979). Se a primeira palavra busca uma inspiração subjetiva e eminentemente religiosa, a segunda recorta a ética social e especialmente política. Em meio a muitos inimigos de fora e de dentro (cf. Popper, K., Os inimigos da democracia, um clássico), a intuição democrática procura suas expressões e o aprimoramento de sua implementação, desde as cidades gregas do século V antes de Cristo (nelas a mão-de-obra era basicamente escrava) até as autênticas democracias modernas. Após ter elaborado o conceito de propriedade privada como extensão da liberdade individual e a serviço do bem de todos (temos aqui, ao mesmo tempo, a legitimação e os limites do conceito) e se ter voltado para um bem comum coextensivo á humanidade, o pensamento social da Igreja faz bem em se debruçar sobre o ideal da participação democrática. Para a libertação, através da participação, a ferramenta privilegiada que a América Latina se deu neste caminho são as Comunidades Eclesiais de Base. Seu trunfo principal é que existem, o que não é pouco, em países cuja prática dos golpes de Estado projeta sombra sobre a retórica populista. Deixamos de lado a questão de sua eclesialidade para salientarmos sua relevância para a melhoria do tecido social, em direção á prosperidade e justiça. A educação democrática começa cedo, em pequenos núcleos, quiçá na família, em círculos de vizinhança e bairro. O drama patrício é que o espírito de solidariedade e desprendimento, freqüente no núcleo primário, dissolve-se desde que o indivíduo se promove e consegue apreciável quinhão de poder, econômico ou político. Ai muda sua ética. Eis a barreira que se opõe fundamentalmente á libertação. O problema é menos de explicar historicamente o porquê deste extraordinário egoísmo da classe política, mesmo quando brota do povo. tão patente em tempo de crise, do que superá-lo fora de qualquer retórica. A pressão «participativa» aponta uma direção certa, ainda que não exclusiva, do progresso sócio-humano. Com razão, o III Plano Bienal da CNBB observou: «Ao falar em CEBS, há uma consciência muito nítida de se estar diante não de um modelo único (sic), acabado, que deve ser implantado sem mais. Ao contrário, se está diante de um processo amplo e diferenciado de profunda renovação das estruturas eclesiais. Esse processo supõe busca continua e respeito á originalidade de cada lugar e de cada Igreja particular...» Surpreende a perspectiva eclesial e não apenas social do texto. Os limites do empreendimento não escapam, notadamente o que segue. 1) Estas CEBS proliferam predominantemente (senão quase exclusivamente)em meio rural ou pobre, quase marginal, periférico: envolvem poucas pessoas de peso em matéria de poder (cf. supra), pessoas que teriam algo para perder nas mudanças sociais (isto não significa que não haja políticos interessados em servir-se de CEBS). 2) Sua eclesialidade é positiva para reforçar a vivência eclesial mas, quando respeitada, limita sua operatividade como esquema da própria sociedade civil (estamos de olho sobre o grupo de parlamentares cristãos não católicos decididos a pressionar, acima dos partidos, num sentido cristão). 3) Esta mesma eclesialidade choca-se cedo ou tarde com o fato de que a Igreja se recusou constantemente a se assimilar a uma democracia, a se organizar ou a se pensar como tal, apesar de certas consultas que hoje em dia, após o último concilio, suavizam o principio da descida da autoridade. Em outras palavras, as CEBS constituem apreciável instrumento de formação popular numa perspectiva democrática, orientada a quebrar o monopólio das lideranças políticas esclerosadas e interesseiras, corruptas e clientelistas, personalistas no sentido pejorativo, que sobrevivem entre nós, mas não dirigidas para contestar a tradicional hierarquia eclesiástica e muito fracas na
operatividade decisional da sociedade global, ainda que respeitemos o poder de pressão (muito relativo mas real) das bases, que permeia qualquer democracia. Isto não assegura que tais pressões reflitam o interesse real das massas (em geral por falta de exata informação ou suficiente recuo e reflexão), nem que sejam imunes a manipulações espertas. Não poucos católicos defenderam há pouco o projeto de Nova Organização da Informação, sustentado pela URSS, em que não haveria mais livre trânsito da informação, mas quase monopólio estatal, isto é, ideológico ou chauvinista. Na realidade, como não há liberdade real sem suficiente informação, não há democracia sem liberdade de informação: o acesso á verdade não é facilitado pela censura, mas pelo contrário pela multiplicação das fontes. O problema não é apenas nacional, é internacional. O maior fórum do mundo, a ONU (Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas), paga pesado tributo á demagogia, sem correspondente responsabilidade financeira (aqueles que pagam não são aqueles que decidem): ilustrativa é a péssima gestão terceiro-mundista da UNESCO, que ameaçou a própria instituição. A maioria dos 159 membros da ONU de 1987 votou, até agora, 86,2% das vezes com a URSS; num espírito de proteção á democracia? O caso da Nova Caledônia é típico. Resume J.O. de Meira Penna: «O Brasil votou, na última Assembléia Geral da ONU, a favor dos interesses soviéticos e contra a França. Com isso, a diplomacia brasileira não apenas violou, mais uma vez, um dos princípios básicos tradicionais de nossa política exterior - a da autodeterminação dos povos - mas apoiou em detrimento do Ocidente democrático o plano estratégico de hegemonia global da União Soviética» (J.d.T., 12-1-87). Como as mesmas pessoas podem se declarar democratas para uso interno e combater a democracia fora? O critério da «participação», se não manipulado, é preferível á ambígua opção entre capitalismo e socialismo; mas como justificar o pedido de «mais participação» com a condenação radical do capitalismo, se de fato a alternativa socialista dá todas as garantias para restringir mais a participação efetiva de quase todos?