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Roteiro de reflexão para os agentes de Pastoral da Saúde A cada fim de ano que chega, passam-me pela cabeça algumas idéias ligadas ao meu trabalho de Pastoral da Saúde. São questionamentos, apelos à revisão de vida e de atividades, estímulos para retomar a caminhada com mais entusiasmo. A vida passa! Eis uma expressão banal, tantas vezes ouvida e tantas vezes repetida, mas que nem sempre é levada a sério, nem mesmo por nós, os agentes de Pastoral da Saúde. Quem de nós saberia responder quantos dos doentes que assistimos durante o ano já morreram? Quantas pessoas de nosso hospital ou de nossa comunidade paroquial passaram para a eternidade? E que lembrança levaram de nós, de nossa disponibilidade, de nossa capacidade de servir, de amar, de crer, de esperar? É pena que nenhum deles tenha deixado a sua opinião a nosso respeito! Seria um ótimo referencial para uma revisão de vida e de atividades. De fato, o fim de ano presta-se bem para um balanço de atividades individuais e de grupo. E também para uma revisão de vida pessoal. Quanta coisa boa fizemos ao longo do ano! E, quem sabe, quanta coisa deixamos de fazer ou poderíamos ter feito melhor! As pessoas ficaram sempre satisfeitas com o que fizemos? Com as atitudes que assumimos? Com a fé que demonstramos? Com a esperança que alimentamos? E nós, como é que nos avaliamos? Com muito otimismo? Sem espírito crítico? Ou, quem sabe, achando que nada deu certo, que ninguém deu importância ao que fizemos, que não damos para nada? E Deus, como estaria nos avaliando? Aqui depende muito da idéia que cada um de nós tem de Deus. Para mim, Deus é amor, compreensão, misericórdia? Ou Deus é justiça, exigência, vingança? Claro que nem tudo foi perfeito em nossa vida. E quem conseguiria fazer tudo com perfeição? E preciso aceitar a nossa realidade, sem exigir de nós mesmos mais do que podemos fazer, tomando cuidado para não encontrar mais desculpas do que convém. Por melhores que sejamos, sempre podemos melhorar um pouco mais. Que bom seria se todos, hoje, procurássemos ser melhores do que fomos ontem! Cristo nos faz alguns apelos vigorosos neste sentido: Sede perfeitos como o vosso Pai do céu é perfeito. Sede misericordiosos como o vosso Pai do céu é misericordioso. E a promoção da saúde? 1988 marca dez anos do lançamento da meta: Saúde para todos no ano 2.000! Que resultados foram alcançados em dez anos? E se continuarmos nesse mesmo ritmo, que resultados podemos esperar para o ano 2.000? Como anda a saúde de todos em nosso País? Melhorou nos últimos dez anos? Todos afirmam que a mortalidade infantil continua alta, que muitos passam fome, não têm onde morar, não acham emprego, são expulsos de suas terras... E, para complicar ainda mais a situação, surgiu a tal de AIDS. Doença perigosa e que não respeita ninguém. Quem pega a doença não tem cura. Quem não pega a doença está sempre com medo. Melhoramos? Pioramos? Estamos na mesma? Não é bem o que importa. O que importa é saber se criamos mentalidade de valorização da vida e da saúde e se, de fato, estamos dispostos a lutar para que todos tenham vida e saúde. Aborto, violência, acidentes de trabalho, de trânsito, descuidos de toda a sorte, e vidas que se arruinam, vidas que se perdem! E a Pastoral da Saúde? Que testemunho está dando? Que testemunho irá dar no próximo ano? É bom pensar que a vida passa. Passa porque não pode deixar de passar. Mas também passa porque nós a forçamos a passar. Seria esta a nossa missão? Pe. Júlio Serafin Munaro, religioso camiliano


Pastoral Sacramentária Apresentado pelo Padre Christian de Paul de Barchifontaine, este é o texto do tema “Pastoral Sacramentária”, desenvolvido durante o VIII Congresso Brasileiro de Humanização e Pastoral da Saúde, em São Paulo. É pelos sacramentos que a Igreja continua a praticar, no tempo e no espaço, os gestos salvíficos realizados por Cristo em sua vida na terra.

Igreja e Sacramentos Nascimento da Igreja - A experiência de Cristo Ressuscitado se faz em comunidade: as aparições de Jesus Ressuscitado se fazem quando os discípulos estão reunidos (Jo 20,1931); o nascimento da Igreja se deu a partir de uma comunidade que coloca Cristo ressuscitado no meio dela (At 2,42-47). A Igreja existe só como comunidade, sinal da presença de Cristo no meio dela. Não há Igreja sem comunidade. Comunidade significa comungar, participar da vivência de um grupo de pessoas. O “ser cristão” não tem valor fora da Comunidade-Igreja. Assim, podemos perceber a importância, para o cristão, de participar de uma comunidade, quer seja paroquial, quer seja eclesial de base, onde deve manifestar-se a presença de Cristo, através da vivência dos valores evangélicos: fraternidade, caridade, justiça, paz, alegria e perdão. Hoje, a Igreja faz parte da sociedade, sem confundir-se com ela, porque, dentro da sociedade, temos pessoas com várias crenças. O papel da Igreja é justamente influenciar todos os relacionamentos para que haja mais fraternidade, caridade e justiça. Sacramento de salvação - Não existem entidades fechadas em si mesmas. Igreja e mundo não se separam, não se justapõem, nem, muito menos, estão um ao lado do outro, como competidores ou rivais. Existe uma história, a da aventura humana, em cujo interior marcha a Igreja, “finalizadora do Reino”. A Igreja é sacramento de comunhão dos homens no único povo de Deus, peregrino na história (Puebla nº 220). Ela constitui, já na terra, o germe, o princípio desse Reino (LG 5). O reino se inscreve em toda a história humana, ainda que seja uma realidade escatológica. A vida de Jesus não pertence só à Igreja. Seu alcance é universal. Veio convidar todo homem a tomar parte do Reino de Deus. O Reino é uma realidade mais englobante que a Igreja (entidade humana e sociologicamente circunscrita), porém não é a única mediação do Reino. Temos aqui uma Igreja inserida no coração da aventura humana, na história. A Igreja não se confunde com o Reino, mas o anuncia e tende para ele. Ela é o sacramento, isto é, a realização atual, porém, não acabada. Ela tampouco coincide com o mundo. Nesta perspectiva, toda a história humana aparece marcada por Jesus Cristo. A tarefa da Igreja é precisamente ser sua visibilidade, sendo o sacramento do Ressuscitado, dando corpo ao projeto de Jesus Cristo. Sacramentos - A Igreja, pelos sacramentos, continua no tempo e no espaço os gestos salvíficos realizados por Cristo. O sacramento frontal, primordial, é e continua sendo o próprio Cristo, “imagem de Deus invisível” (Col 1,15). Nele nos encontramos com Deus, que nos salva. Pela Igreja, Cristo continua pronunciando suas palavras que dão vida, que perdoam, que santificam, que conferem força e poder. O homem, na sua integridade, é que Cristo veio salvar. Os Evangelhos no-lo apresentam anunciando a Palavra do Pai, perdoando pecados e curando doentes. O poder do Espírito que nele habita fazia-o operar curas, restituir vista aos cegos, fazer paralíticos andarem, curar leprosos, fazer surdos ouvirem, ressuscitar mortos etc. Este mesmo


poder, Cristo o comunicou a seus apóstolos, e os enviou para anunciar a Boa Nova da salvação e curar os enfermos. Os sacramentos da Igreja são estes mesmos gestos de poder de Deus, tornados reais pelo Cristo e continuados pelos apóstolos para a salvação dos homens. Sacramentos Definição - O sacramento é um sinal visível e exterior de uma realidade interior, conferido pela Igreja, em Cristo Jesus. Na força do Espírito, os sacramentos atuam como força de vida, de libertação e de comunhão para os homens. Levam o dinamismo na vida humana a se transformar no caminho para a vida plena, ou para a instauração do Reino de Deus: o Reino da verdade, da justiça, do amor e da paz. Todos os sacramentos vêm de Jesus Cristo, quanto ao seu significado mais profundo. Mas Cristo deixou à sua Igreja a liberdade e autoridade para determinar o modo de sua celebração e a explicação de seu significado total. Articulação dos sacramentos – Ela é nítida, como se vê. * Sacramentos de iniciação: Batismo, Crisma e Eucaristia. Somos assumidos na vida de Cristo, na comunidade visível, a fim de viver de modo concreto a comunhão com os outros, para dar testemunho e para viver a própria vida de Deus. * Sacramentos da Reconciliação e Unção dos Enfermos: Reintegram na vida de Cristo e asseguram a vitalidade plena dos membros. * Ordem e Matrimônio: Propagam a vida dos membros da Igreja e a ordenam numa vivência histórica de comunhão. Alguns apontamentos sobre os sacramentos (Diretório dos Sacramentos/Arquidiocese de São Paulo). Todo sacramento requer fé, consciência e comunidade. Batismo * Início da vida cristã. Nova vida. * Compromisso dos pais e padrinhos com a missão da Igreja. * Ministros do Batismo: Padre, Diácono e Leigo em caso de emergência. * Problemas encontrados: batismos realizados por motivos supersticiosos; visão familiar e não eclesial; escolha dos padrinhos; preparações que são mero cumprimento de uma formalidade. Crisma * Confirmação à concluir, completar. Fortalecimento na vivência do Evangelho e na missão apostólica. * No Batismo, o Espírito Santo é dado como vida de Deus; no Crisma, o Espírito Santo é dado como força de Deus. * Ministros do Crisma: Bispos ou Delegados. * Padrinhos: representantes da comunidade. Eucaristia * Síntese: celebração da Vida, Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo. * Eucaristia: Amor e Dom: sacrifício de Jesus, dom total de amor; - Mesa da Palavra: Palavra viva que se comunica; - Mesa do Pão: presença real de Cristo corpo alimento que é a própria vida de comunhão da Trindade; - Louvor e ação de graças: Oração Eucarística; - Eucaristia e vida: coerência; Eucaristia e comunidade. Reconciliação * O pecado e o perdão da Igreja (Comunidade). * Necessidade: volta de quem rompeu a comunhão com os irmãos, ofendeu gravemente a Deus e, assim, se afastou da Igreja: meio de progresso espiritual para dar forças nas lutas e fazer crescer no amor de Deus e aos irmãos.


* Sacramento da libertação, da alegria pascal. * Dificuldades: falta de critérios evangélicos; pecado como problema psicológico; insensibilidade quanto à injustiça; formação individualista (perdão diretamente a Deus); falta de disponibilidade dos sacerdotes; inércia: volta a cometer os mesmos pecados. Unção dos Enfermos * Solidariedade da comunhão. * Força de Cristo. * Dificuldade: medo da família! Matrimônio * Participação e sinal do Deus Amor e Aliança. * Compromisso cristão: metas do amor conjugal, disponibilidade e serviço à Comunidade. * Dificuldades: influências da sociedade hoje: matrimônio baseado no acaso dos sentimentos (Exemplo: novelas); o consumismo descaracteriza o sexo, a fecundidade, o amor; o machismo; mentalidade que produz famílias incompletas (divorciados, mães solteiras); motivos da busca da celebração religiosa: ato social. Ordem * A serviço da Comunidade, da Igreja. * Celibato: maior disponibilidade, apelo á generosidade diante da brevidade da vida presente. Urgência do Reino de Deus. Pastoral Sacramentária A palavra “Pastoral” significa ação evangelizadora da Igreja. Pelo que foi dito sobre a Igreja, os sacramentos se inscrevem na vivência da Comunidade/Igreja. Todo sacramento é um compromisso com Cristo e a comunidade para se aproximar do Reino de Deus pelo testemunho de vida dos valores do Reino: amor, fraternidade, caridade, justiça, paz, perdão. Hoje, precisamos reconhecer que os valores do Evangelho, de Cristo, do reino, são contrários aos valores da sociedade. De fato, os valores da sociedade são ganância, injustiça, ambição, egoísmo. Portanto, o trabalho da Igreja, a Pastoral, se torna difícil. A nível dos sacramentos, a instituição Igreja deveria rever a Pastoral Sacramentária, os critérios para ministrar os sacramentos, para que ela seja credível. Infelizmente, à imagem da sociedade, a instituição Igreja segue o sistema ideológico vigente, baseado na quantidade e não na qualidade. Assim, ela arrisca tornar-se contratestemunho do Reino de Deus, “jogando pérolas aos porcos”, guiada ainda pela magia dos gestos sacramentais. Vamos analisar alguns sacramentos. Batismo - Através do Batismo, os pais e os padrinhos querem partilhar alguma coisa muito importante: a vida divina, a vivência na Comunidade-Igreja. Portanto, os pais e padrinhos deveriam ser pessoas freqüentando normalmente a igreja (participação à Eucaristia, compromisso com a vida e valores evangélicos) para poderem partilhar a riqueza da vida cristã durante a educação da criança. Hoje, na maioria das vezes, assistimos a um folclore: motivação pessoal e/ou supersticiosa para batizar uma criança. Para disfarçar, exige-se dos pais e padrinhos um cursinho de uma hora ou pouco mais! Para pais e padrinhos que não participam da comunidade, será que, numa hora, vamos dar o gosto e o compromisso com os valores do Reino de Deus?! Crisma - O Crisma é a confirmação do Batismo. Na maioria das dioceses, a idade para receber o Crisma é de 14 anos. Será que, com 14 anos, o jovem já fez um discernimento crítico sobre as várias religiões ou filosofias existentes para poder escolher e confirmar, através do Crisma, sua pertença a Cristo?


Além do mais, muitas vezes, os jovens que vão receber o Crisma nem freqüentam a Comunidade-Igreja, com a participação dominical à Eucaristia. O que vai ser confirmado? E o exemplo dos pais? É tempo de rever os critérios para crismar: idade 18 a 20 anos. Problema da catequese: se o jovem participa da comunidade, a catequese se faz aos poucos, já que todo cristão vive uma catequese contínua. Eucaristia - Não existe obrigação em participar da Eucaristia. De fato, se escolhemos Jesus e os valores evangélicos e do Reino de Deus, é uma resposta a um apelo feito por Jesus, apelo de amor. Quando existe paixão entre pessoas, faz-se tudo para agradar. Aos olhos de Jesus, nada mais agradável do que participar da Eucaristia, em comunidade, partilhando a Mesa da Palavra e do Pão, nos comprometendo com esta Palavra e a vida de Jesus durante a semana. A vida cristã é um compromisso em todas as circunstâncias da vida: 24 horas por dia, de segunda a segunda, sem folga nem férias. A vivência da comunidade que celebra a Eucaristia deveria dar frutos na sociedade. Mas, infelizmente, muita gente vai à missa para cumprir uma obrigação! Que injúria para Jesus! Jesus não obriga ninguém. Ele deixa as pessoas livres. Mas quem se compromete tem que ser coerente. Além do mais, com o “supermercado de horas de missas”, o espírito de comunidade desaparece, as pessoas mal se conhecem, nem se cumprimentam. Isso tem uma repercussão na ação da Igreja. Matrimônio - A nível pastoral, muitas vezes, pergunta-se o que o noivo e a noiva vêm fazer na igreja. De fato, muitos casamentos religiosos são de conveniência, ato social, ou para agradar a fulano ou fulana. Qual é o compromisso com a Igreja, com a comunidade, quando se escolhe a igreja mais bonita ou a mais society. Qual é o sentido de testemunhar religiosamente o enlace matrimonial de duas pessoas que nem freqüentam a Igreja? Só fizeram a Primeira Comunhão e foram crismadas, e só assim entraram numa Igreja. Também, para disfarçar o folclore, inventou-se um cursinho para noivos, como se, em algumas horas, fôssemos recuperar anos e anos de não-participação na Comunidade-Igreja, e a não-vivência dos valores evangélicos. A instituição Igreja tem que rever os critérios: participação na comunidade onde vá celebrar-se o matrimônio: provas da vivência dos valores evangélicos. Sem isso, circulamos num círculo vicioso, já que os filhos deste casal serão balizados e crismados sem compromisso dos pais. Conclusão Os sacramentos precisam ser vistos como força de Cristo, ministrada pela Igreja na Comunidade. Sacramento é um compromisso com Cristo e sua Igreja para viver cada vez melhor os valores evangélicos e contagiar a sociedade, para que ela viva mais humana, justa e fraternalmente. Na Pastoral Sacramentária, vamos visar a qualidade e não a quantidade. Vamos nos lembrar do “pequeno resto de Israel”. Bibliografia I. Arquidiocese de São Paulo - Diretório dos Sacramentos - Edições Paulinas, SP, 1982. II. LEPARGNEUR, Hubert (organizador) - O Enfermo, Perspectivas pastorais - Cedas, SP, 1982.


Técnica e horizonte ético O texto a seguir, de autoria do Padre Olinto Pegoraro, foi apresentado ao VIII Congresso Brasileiro de Humanização e Pastoral da Saúde, e completa a publicação iniciada na edição passada do Boletim ICAPS (pág. 4), sob o título “O horizonte ético e o sistema técnico-científico”. Aqui, Pe. Olinto se detém no estudo de questões relacionadas com o sistema técnico-científico e a ética. Em nenhum momento da história humana, a ciência e a técnica colocaram tantos desafios à ética, como hoje. Os progressos da biologia, que vão do simples transplante ao controle do código genético, aumentam a responsabilidade dos analistas do comportamento ético. Particularmente desafiadas sentem-se as concepções éticas inspiradas na autoridade. Mesmo a autoridade que propõe normas éticas em nome de Deus perde audiência. Raramente os cientistas e os técnicos abandonam uma teoria ou uma técnica porque a autoridade religiosa proíbe. Perde também a audiência a ética baseada na tradição: devemos agir assim, porque sempre foi assim. Finalmente, perde audiência a ética baseada na ordem natural das coisas”. O ordenamento hierarquizado da natureza, fundado na metafísica antiga, já não garante a ordem e qualidade dos nossos comportamentos. A ética fundada na autoridade, na tradição e na natureza sofre o enorme impacto da ciência e da técnica que geram comportamentos absolutamente novos. Como a ciência e a técnica são eminentemente inventivas e criam um novo mundo, assim a ética precisa inventar-se, isto é, descobrir-se sempre de novo. Um mundo novo precisa de um referencial ético novo. A ética, longe de ser um sistema de normas, aparece como um horizonte, uma meta bastante vaga, que inspira e atrai o ser humano. Este horizonte poder ser o eterno sonho da realização da liberdade e da autonomia das pessoas e da sociedade. O horizonte ético, sempre presente e sempre longínquo, ilumina todo o agir humano. Compatibilizar as liberdades no sentido da convivência digna e dominar as forças da natureza e construir a autonomia visada pela ética1. Se considerarmos a ética sob este enfoque, então parece que a ciência e a técnica se alinham perfeitamente com a aspiração humana. Com efeito, o sistema técnico-científico abre ao homem um amplo espaço de ação, permitindo o controle das forças da natureza. Nunca o homem conheceu e dominou seu corpo como hoje, nunca penetrou mais fundo no cosmos, nunca teve mais chances de relacionamento com outros povos e culturas. Por outro lado, o sistema técnico-científico tem a peculiaridade de criar as leis internas de seu desenvolvimento. Torna-se autônomo, separado do homem; ás vezes concorrendo, ás vezes opondo-se e mesmo ameaçando o homem. O sistema bélico mundial, por exemplo, parece impor-se à vontade política de todas as nações; existem organizações econômicas que submetem nações e continentes; existem complexos de máquinas que não podem parar. Parece que o instrumento volta-se contra seu autor. Assim, afloram o conflito e a ambigüidade entre o horizonte da ética e o sistema técnico-científico. Este, por um lado, parece inscrever-se no processo da libertação e, por outro, tende a controlá-lo. Como compatibilizar tudo isto? Há pensadores bastante pessimistas quanto ao esforço de compatibilização. Consideram que o sistema técnico-científico perturba profundamente o quadro de valores éticos, introduzindo um desequilíbrio irreparável na vida humana. Os defensores da ética fundada na natureza perdem sempre mais o ponto de partida da teoria ética. Com efeito, a ética naturalista exige respeito incondicional ao curso das leis da natureza, sobretudo no que diz respeito ao ser humano, com especial ênfase no processo da reprodução. Ora, o sistema técnico-científico transcende rápida e profundamente a ordem natural. Os objetos produzidos pela técnica criam outro universo, com outras leis, inimagináveis pela ética naturalista. Daí


Jacques Ellul2, por exemplo, espantar-se com o domínio da técnica, que substitui a natureza e cria uma racionalidade própria, à qual o homem é obrigado a adaptar-se. A adaptação à técnica seria o novo critério ético do qual parece impossível escapar. Mas o confronto entre o processo de libertação e o sistema técnico-científico não pode ser visto só pelo ângulo da incompatibilidade. É evidente que a ciência e a técnica alargam o campo da liberdade e ampliam a responsabilidade ética. Em muitas situações, a ciência e a técnica mostram com precisão os resultados de uma ação a ser feita. Esta possibilidade de previsão beneficia enormemente, por exemplo, a medicina. A ciência médica pode apontar os riscos e as possibilidades de sucesso em intervenções cirúrgicas dificílimas. Sem dúvida, a ciência esclarece a decisão a ser tomada, dá segurança à ação e, portanto, fortalece a responsabilidade ética. Mais ainda, o sistema técnico-científico ajuda a liberdade a controlar as leis da natureza, submetendo-as ao projeto humano. Isto nos permite diminuir os acontecimentos por acaso ou por fatalidade e, através da ação planejada, ordenar de modo humano o mundo exterior. Por isso, o processo da liberdade deve procurar um ponto de compatibilidade com o sistema técnico-científico. Se é verdade que a técnica tem autonomia interna e gera as leis de seu crescimento, é também verdade que ela se insere no sistema humano que a produz por inteiro. Por ser o sistema técnico-científico um produto do gênio humano, dever-se-ia encontrar a harmonia entre ambos. Na realidade, o horizonte ético é muito mais amplo que o horizonte da ciência e da técnica. Mas ambos situam-se numa mesma direção, que é a realização da liberdade e o controle das forças cósmicas, colocando-as a serviço do homem. Nem sempre as finalidades internas dos dois sistemas se compatibilizam à primeira vista. Neste momento, intervém o horizonte ético. Não proibir ou desmontar o processo técnico-científico, mas para compatibilizá-lo. Aqui situa-se o erro grosseiro da inquisição contra Galileu. Ele foi obrigado, em nome de Deus, a abjurar um resultado científico. E a subordinação absurda de um sistema a outro. O horizonte ético não pode exigir dependência, mas deve buscar a convivência. A compatibilização pode ser encontrada no não uso de um resultado científico. O horizonte ético pode deixar de usar um resultado da ciência, pelo menos por algum grupo. Não por ser um resultado perverso, mas por falta de clareza do horizonte ético, que é sempre longínquo e obscuro. O não uso de um resultado da ciência não pode ser decidido arbitrariamente por um cientista ou por uma autoridade. Mas deve ser uma decisão política, isto é, do poder político que governa toda a comunidade. A ele fazer leis, inclusive sobre os resultados da ciência e da técnica. Por sua vez, o horizonte ético também recebe influência do sistema técnico-científico. Como vimos, o horizonte ético é obscuro, longínquo e precisa ser iluminado, especialmente pelos resultados da investigação científica. E preciso torná-lo mais próximo e mais claro. Por exemplo, a ciência biológica trouxe uma grande luz sobre o código genético, ajudando o homem a conhecer-se melhor e esclarecer sua caminhada. A compatibilização dos dois processos não é possível em sistemas fechados, tanto do ponto de vista ético quanto do ângulo técnico-científico. Um sistema ético detalhado até os mínimos comportamentos humanos dificilmente se concilia com um sistema técnicocientífico também intransigente. Ambos acabam lançando-se mutuamente condenações dogmáticas. Só os sistemas éticos e científicos abertos são capazes de dialogar, convergir ou divergir com elevação e mútua tolerância. Isto só é possível num sistema ético histórico. O sistema ético não pode resultar de deduções evidentes e permanentes. Já Aristóteles, na abertura da “Ética a Nicomaco”, dizia: “As ações belas e justas que a ciência política investiga admitem grande variedade e flutuações de opinião, de forma que se pode considerá-


las como existindo por convenção apenas e não por natureza” (Aristóteles, “Ética a Nicomaco”, coleção “Os Pensadores”, São Paulo, Abril Cultural, 1979, Livro 1, Cap. VI). Existe uma historicidade ética, que emerge das novas condições e situações humanas. O sistema técnico-científico gera novas situações, que demandam novas posturas éticas. O horizonte ético não é descoberta de sábios, mas se encontra inscrito na mais radical estrutura do ser humano, enquanto desejo de liberdade e realização no mundo. A condição humana concreta e as situações presentes são portadoras do apelo ético no sentido da ordenação de tudo para um horizonte mais amplo e que ilumina as situações vividas no cotidiano de nossa existência. Sendo a ética histórica, deve inventar-se sempre. Nunca termina de descobrir-se na trama de vida sempre mais complexa. Daí, o recurso às tradições éticas é pelo menos insuficiente. O recurso aos sistemas éticos do passado é válido, desce que nos ajude a descobrir a atitude ética conveniente às situações presentes. Não se tratar de aplicar hoje normas convenientes a outros contextos históricos. Mas o contexto da vida humana do passado nos pode ajudar a entender nassa contexto e a encontrar normas dignas da vida humana contemporânea. Também é insuficiente servir-se de princípios antigos e estáveis para tirar deduções novas a respeito da vida ética atual. Pois o apelo e o postulado éticos devem ser encontrados no seio do contexto histórico em que vivemos. Portanto, a norma ética que rege nossos comportamentos surge do encontro do horizonte ético obscuro e longínquo com as situações de cada dia. As normas concretas cristalizam-se em preceitos moralistas, quando não situadas no horizonte maior e na gama dos eventos que nos cercam. Notas 1- A este respeito, ver Jean Ladrière em “Les enjeux de la rationalité”, Paris, AubierMontaigne-Unesco, 1977, Cap. VI, IX. 2- Jacques Ellud in “Ethique et techique”, Bruxelas, edition de l'Université de Bruxelles, 1983, pág. 7-20.

Algo que fica após a visita É sempre bom que o visitador de doentes tenha à mão algum material que possa deixar com a pessoa visitada, no hospital ou a domicílio. O Boletim ICAPS transcreve aqui algumas sugestões de textos de autoria do Padre Júlio Munaro. Eles podem ser copiados, mimeografados ou xerocados para posterior distribuição. Tenha você também disponíveis alguns deles, sempre, para as suas visitas aos doentes. Precisamos do perdão de Deus Pecado todo mundo tem. Quem diz que não tem pecado é mentiroso. E São João, o discípulo predileto de Cristo, quem nos diz isso. Aliás, o próprio Cristo disse que o justo peca sete vezes ao dia. Também os santos pecaram. Nós costumamos dizer que errar é humano. Deus sabe muito bem disso, pois foi ele que nos fez assim. Apesar de sermos pecadores, Deus nos quer bem. No tempo de Cristo muita gente achava ruim porque ele se misturava com os pecadores. Sua resposta foi muito simples: “Não vim para procurar os justos, mas os pecadores”. Ele não veio para castigar, mas para perdoar. Ele pediu para que a gente se perdoe um ao outro setenta vezes sete, isto é, sempre. Ele também perdoa sempre, desde que a gente reconheça o mal que fez e se arrependa. Não só ele perdoa, como dá força para dominar o


mal. Você nunca pediu a Deus para que o livre do mal? Nunca rezou, no “Pai Nosso”, “mas livrai-nos do mal...?”. Você sabe que Cristo instituiu um sacramento para perdoar os pecados? É o sacramento do perdão, também chamado Confissão e Reconciliação. O padre recebeu o poder de perdoar os pecados em nome de Deus. Veja bem: o padre não perdoa no nome dele, mas em nome de Deus. É Deus quem perdoa por meio do padre. Foi o próprio Cristo que quis assim. Podia ter feito de outro modo, mas não fez. Como podia fazer a gente viver para sempre, mas não o fez. Você já confessou os seus pecados? Ou não confia no amor de Deus? Você se lembra do que Jesus fez com o paralítico que foi levado até ele? Jesus disse: “Meu filho, coragem! Teus pecados te são perdoados”. As pessoas não gostaram. Jesus, então disse a todos: “Porque vocês estão pensando mau de mim? O que é mais fácil dizer: “Teus pecados estão perdoados ou levanta-te e anda?” Pois bem. Para que vocês saibam que eu tenho o poder de perdoar os pecados, disse ao paralítico: “levanta-te, toma teu leito e vai para casa”. Jesus pode perdoar os pecados. Jesus quer perdoar os pecados. Jesus quer você puro e limpo. Então virá com prazer até seu coração, trazendo-lhe sua paz, seu conforto, sua alegria! O sacramento dos doentes A Unção dos Enfermos Cristo, nosso Salvador, continua presente e atuante na história de todos os homens e de cada homem. Amigo doente, Jesus faz parte, também, de sua história, de sua vida. Ele não está longe de você, nem se esqueceu de você. Ele está zelando por você, mesmo quando você não pensa nisso. Zela por seu corpo e por sua alma também. O que ele quer é a sua salvação total, pois Deus criou você para ser feliz. Se você está doente, lembre-se de que Jesus não esqueceu esta realidade de nossa vida. Instituiu um sacramento para nos ajudar. É o Sacramento dos Doentes – Unção dos Enfermos –, isto é, uma graça especial que nos ajuda a enfrentar com confiança em Deus a hora da doença e também na morte. Você já ouviu falar desse sacramento? Quando estamos doentes, precisamos de médico, de hospital, de tratamento. Mas também precisamos de Deus. Ele também cura e conforta. Ele dá uma força que nem o médico, nem o remédio, nem qualquer tratamento pode dar. É uma força que invade nossa vida. Atua no nosso corpo e na nossa alma... “Alguém dentre vós está doente? Mande chamar os presbíteros da Igreja para que orem por ele, ungindo-o com o óleo, em nome do Senhor. A oração de fé salvará o doente, e o Senhor o porá de pé, e, se tiver cometido pecados, estes lhe serão perdoados” (Tg 5, 14-15). É um sacramento maravilhoso! Torna presente e atuante em nossa vida de doente o Cristo que ressuscitou mortos, que curou cegos, paralíticos, psicopatas e toda espécie de doentes. Torna presente em nossa vida o Cristo que perdoa os pecados e que nos pode dizer: - toma teu leito e anda! - os teus pecados te são perdoados! - hoje mesmo estarás comigo no paraíso! Se você está doente e acredita em Deus e em Cristo, por que não pede a sua ajuda? Por que não pede o Sacramento dos Doentes? Jesus instituiu este sacramento, pensando em você e na sua doença. Ele quer bem a você e deseja ajudá-lo.


Eucaristia Cristo, nosso alimento “Quem come da minha carne e bebe do meu sangue terá a vida em si e eu o ressuscitarei no último dia. Quem não come da minha carne e não bebe do meu sangue não terá a vida em si”. Estas palavras de Cristo referem-se à Eucaristia ou Comunhão. Quem comunga recebe o Corpo e Sangue de Cristo sob as aparências de pão e vinho. Foi o próprio Cristo que, na última ceia, instituiu este sacramento, quando, ao tomar o pão em suas mãos, dirigindo-se aos discípulos, disse: “Tomai e comei, isto é o meu corpo”. Depois fez a mesma coisa com o vinho: “Tomai e bebei dele todos. Este é o sangue da nova e eterna aliança, que será derramado por vós e por todos os homens para o perdão dos pecados. Fazei isso em memória de mim”. Quem comunga recebe o próprio Cristo. Aquele que nasceu da Virgem Maria numa gruta e pregou a Boa Nova aos homens. Aquele que se compadeceu dos pobres, dos doentes, dos pecadores. Aquele que morreu na cruz, ressuscitou dos mortos e subiu aos céus. É o mesmo Cristo que, antes de ir para o céu disse: “Eu vou preparar um lugar para vocês; quando eu tiver ido e tiver preparado um lugar, voltarei para levar vocês comigo, para que lá onde eu estou também vocês estejam”. Comungar é receber o próprio Cristo como alimento de nossa alma e garantia de nossa salvação. Cristo nos fez essas promessas admiráveis, que têm a garantia de suas palavras, de seus milagres, de sua própria ressurreição. É o Cristo que vem a nós para nos ajudar a aceitar com maior dignidade e resignação os nossos sofrimentos. É ele que se entrega a nós na Comunhão. Quem não precisa de Deus, de seu Cristo? Você não acha?! Todos somos fracos, pecadores, precisamos do apoio de Deus. O próprio Cristo nos lembrou que, sem ele, nada podemos fazer, nem mesmo tornar branco um cabelo preto, ou preto um cabelo branco. Volte sua atenção para o Cristo, que veio para nos ensinar o caminho da confiança em Deus. Ele veio para revelar o amor que Deus lhe dedica e a felicidade que lhe preparou. Você não quer recebê-lo na comunhão? Cristo gosta muito da morada quente de nosso coração. Cristo gosta de visitar a gente. Comungar é receber a visita de Cristo (se você quiser...). Comungar é comer o pão vivo que desceu do céu.

Ecologia e paz A preocupação com a salvaguarda do meio ambiente é recente no mundo, mas novas também são as dimensões dos estragos de todo tipo em matéria de poluição da atmosfera, do solo, das águas, de esgotamento de certas reservas naturais, de comprometimentos por vezes irreversíveis das condições da vida humana neste modesto planeta. Descobrimos que ele é pequeno e para nós insubstituível, que carregamos, portanto, uma responsabilidade diante dos contemporâneos e das gerações que hão de vir. A Europa estava mal informada acerca destas transformações quando conseguiu sua industrialização, mas em piores condições realiza-se o desenvolvimento brasileiro, em que a preocupação, ora legislativa, ora efetiva para a preservação do meio ambiente, é extremamente rara, baixa e pouco eficiente. Em Cubatão, SP, o lugar mais poluído do mundo, onde importante comunidade está obrigada a trabalhar e viver, nem se consegue a aplicação da parca legislação em vigor no País a respeito dos poluentes. Prefere-se pagar multas, mas pagam mesmo? O custo genético, entre outros, é alto,


mas peritos declaram solenemente que não está provada a relação de causalidade entre a poluição atmosférica e a taxa de anormalidades genéticas excepcionalmente alta do lugar. As espécies em extinção de baleias fornecem outra triste ilustração: o País teimou em não se alinhar às nações que decidiram disciplinar a caça a este animal. Quanto ao Pantanal de Mato Grosso, uma fiscalização eficaz da matança de muitas espécies preciosas é considerada inalcançável. Queimas na Amazônia e desmatamento de Norte a Sul obtêm a mesma resposta. A consciência ecológica deveria nascer com o conhecimento dos dados. O Estado, tão ativo em setores que não lhe competem, aqui é insubstituível, mas pouco interessado. *********** Pouco adianta manifestar-se a favor da paz, porque na teoria todo o mundo declara corajosamente e de bom grado a querer; faltam contraditores, Já o problema dos caminhos da paz é outro: que paz estamos favorecendo? Paz na justiça e no respeito ao outro, evidentemente. Todas as guerras, porém, travam-se em nome da paz sagrada: para que cada lado possa impor ao outro - e se possível ao mundo – sua própria paz, sua concepção de paz. Portanto, pretender que existe uma só paz (a nossa, evidentemente), um único conceito aceitável de paz, o nosso, é um fino meio de entreter os antagonismos de sempre: representa o conceito totalitário da paz, que a história aponta precisamente como sendo o maior obstáculo da paz real, o catalisador dos fatores de conflito que raramente faltam. A paz alcançável na história não é perfeita, absoluta, definitiva, intocável, conforme o modelo de nossos sonhos imperiais. Para se impor, ele tem de eliminar os representantes de outros conceitos, isto é, do mesmo conceito atrelado a outras ideologias. Sendo precária, ameaçada, perfectível, a paz que teria ou tem a imensa vantagem de existir, apela, pelo contrário, para constante prudência, humildade e tolerância. Não é preferível evitar o conflito a exigir do outro o reconhecimento de que nossa paz é a única que presta? Enquanto não se mudar a natureza humana, o receio da retaliação é fator de não guerra e, portanto, da paz de nosso desejo. ************* Neste contexto, situa-se a escolha dos meios suscetíveis de promover esta paz modesta, mas real. Neste ponto, ninguém, pelo menos em teoria, discorda que as despesas para os armamentos chegaram a cifras exageradas, sem que haja motivo para isentar os países subdesenvolvidos e embora se evite geralmente apontar qual é o país que - sem ser realmente ameaçado por ninguém - mais gasta em armamentos e fornecimento de armas no mundo (tanto em valores absolutos quanto em percentagens do PIB). Não por acaso é o país que melhor soube usar a idéia-força da paz a serviço de suas ambições imperialistas, porque o ideal de sempre é conquistar e dominar sem guerra; ninguém, neste sentido, faz a guerra se não forçado. Neste campo, em vez de repetir trivialidades mais ou menos inocentes sobre a paz, mais profícuo parece redefinir sua perspectiva ética na presente situação do mundo, um mundo que sempre gostou de falar em paz e não parou de fazer guerra. É-nos lícito aderirmos a uma moral de princípios; a arte ética consistiria, então, em escolher os princípios que, em nosso parecer, devem governar o contexto, e deduzir deles a conduta oportuna. A esta moral de convicção, opõe-se, na prática como na teoria, uma moral atenta não apenas aos bons princípios, mas também aos resultados previsíveis de cada opção ao alcance. Comparar-seiam duas opções sistêmicas, escolhendo-se a melhor ou a menos hipotecada. Esta moral das conseqüências não despreza os princípios (os valores, digamos), mas preocupa-se, mais do que a ética de intenção, em prover e obter para amanhã uma situação realmente um pouco melhor (ou simplesmente evitar que o pior aconteça). Ilustramos com um trecho de James Schlesinger, ex-secretário da Defesa ao tempo do presidente Gerald Ford e da Energia no mandato do presidente Carter. Ao comentar a entrevista de Rejkjavik, escreveu: “Na ausência de proteção nuclear (deterrent), o continente


euro-asiático seria dominado pela nação provida das maiores forças convencionais (URSS). Deve-se suprimir a atual estrutura de segurança do Oeste, antes de assegurar uma alternativa real? Que pensam os responsáveis da Defesa, de ficarmos sem proteção nuclear? Os soviéticos gastam muito, mais do que os EUA na defesa estratégica. A situação pioraria se os EUA partilhassem suas tecnologias de defesa estratégica... Um mundo sem armas nucleares é um sonho utópico. Qualquer nação que conseguir esconder fração de seu arsenal poderia dominar o mundo. Procurar total desarmamento nuclear é almejar uma meta tão arriscada quanto impraticável: tal jogo fútil afasta de metas mais úteis e alcançáveis” (“Time”, 27/10/86). Militar para desarmar o único lado desarmável é militar para apressar a dominação efetiva dos fundadores do “Movimento da Paz”. Então, haverá “só uma paz”, mas em beneficio de quem? Em resumo, o armamento desnecessário é um mal, mas uma ética responsável não aconselha uma abdicação das próprias defesas quando o resultado previsível é a entrega a um inimigo que espreita o momento para impor um regime universal pior do que o atual. Por que sermos mártires por simples ingenuidade, quando esta opção compromete bilhões de pessoas e várias gerações? Neste ponto como em outros, veio o momento de recusar uma ética simplória da pura intenção, para seguir, uma ética responsável pelo que provoca ou deixa de provocar. As mesmas reflexões valem para a questão da não-violência. Pe. Hubert Lepargneur, religioso camiliano


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